Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL FONSECA | ||
Descritores: | RENOVAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL EFEITO RETROATIVO INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE PRESTAÇÃO DE CONTAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.–O Código das Sociedades Comerciais (CSC) admite expressamente, no seu art. 62.º, a renovação de deliberação social, renovação a que pode estar associada a atribuição de eficácia retroativa e, usualmente, é no âmbito da renovação de uma deliberação que, no plano societário, se coloca a questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277.º, alínea e) do CPC), em virtude da adoção, na pendência da ação, de deliberação renovatória daquela cuja validade se mostra em discussão no processo. 2.–Constatando-se que do confronto entre as duas deliberações da assembleia geral (de 13-01-2022 e de 15-06-2022), alusivas às contas de exercício do ano de 2020, resulta que a aprovação das contas não incidiu sobre o mesmo objeto, isto é, sobre as mesmas contas, sendo ainda a deliberação tomada na assembleia de 15-06-2022 completamente omissa quanto à pretendida intenção renovatória, estamos perante uma nova deliberação (de 15-06-2022), que substitui a anterior (de 13-01-2022), mas não a renova, porquanto a deliberação renovatória exige alguma coincidência, ao menos nos seus elementos essenciais, entre o conteúdo de ambas as deliberações (a deliberação substitutiva e a substituída). 3.–A obrigação de prestação de contas aos sócios/acionistas, que impende sobre o órgão de gestão das sociedades e que se mostra genericamente consagrada no art. 65.º do CSC, tendo em vista a realização da assembleia geral anual (art. 376.º CSC), na qual os acionistas deliberam, obrigatoriamente, sobre o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como sobre a proposta de aplicação de resultados (alíneas a ) e b) do número 1 do art. 376.º do CSC), implica a apresentação de um conjunto de documentos de prestação de contas, entre os quais as demonstrações financeiras (DF), documentos que devem ser elaborados de acordo com um conjunto de normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRFs), enunciadas no Sistema de Normalização Contabilística (SNC). 4.–As DF relevam significativamente para a compreensão da situação económico-financeira da empresa, devendo o balanço representar com fidedignidade o ativo (corrente e não corrente), o capital próprio e o passivo (não corrente e corrente), com expressa menção, na rubrica alusiva ao capital, das ações (ou quotas) próprias; as ações próprias (auto-participação) a que se reportam os arts. 316.º a 325.ºB do CSC, têm um regime específico, expresso no art. 324.º do mesmo diploma. 5.–Sendo a sociedade titular de ações próprias, em que o respetivo capital foi subscrito e realizado, contabilisticamente, estas devem ser inscritas na rubrica geral “capital próprio e passivo” e, aí, em sede de “capital próprio” (“[a]cções (quotas) próprias)” mas, no cômputo global, representam um valor negativo, devendo ser subtraído ao valor do capital próprio (art. 349.º do CSC e a NCRF 27, parágrafo 9). 6.– Tendo a ré sociedade violado tais normas, omitindo no balanço apresentado a referência à titularidade de ações próprias e inscrevendo, pois, um resultado do total de capital próprio e de passivo que não é fidedigno, a deliberação pela qual a maioria dos sócios assim aprovou as contas de exercício alusivas ao ano de 2020 configura uma deliberação nula, subsumível ao disposto no número 3 do art. 69.º do CSC. 7.–Efetivamente, as normas aludidas, quer do CSC, quer de diplomas que contém preceitos de natureza legal - contabilística, relativamente aos termos em que a titularidade de ações próprias da sociedade deve ser refletida nos instrumentos de prestação de contas, mais precisamente, nas DF (balanço), devem ser entendidas como normas que visam salvaguardar, em primeira linha ou a título principal, o interesse dos credores sociais; assim, a sua violação, aquando do acertamento anual da situação da sociedade, na medida em que põe em causa o relato da situação económico-financeira da empresa, que deixa de ser fidedigno, conduzindo à irregularidade das contas, consubstancia um vício gerador de nulidade da deliberação que as aprovou. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa. I.–RELATÓRIO Ação Ação com forma de processo comum. Autor/apelada MF. Ré/apelante Q S.A. Pedido Peticiona a declaração de invalidade, com fundamento na anulabilidade, das deliberações de 13-01-2022, renovatórias, com efeitos retroativos, das deliberações de 28-10-2021, consubstanciadas: 1)- Na aprovação das contas do exercício de 2020; 2)- Na aplicação dos resultados do exercício de 2020; 3)- Em voto de confiança e louvor à administração e ao órgão de fiscalização da sociedade; 4)- Na redução do capital social, para cobertura de prejuízos, no montante de € 369 600,00, incidente sobre todas as participações sociais de forma proporcional, mediante redução do valor nominal das ações de € 5,00 para € 0,60, passando o capital social, representado por 84.000 ações nominativas, para € 50 400,00. Causa de pedir A autora é titular de ações no valor nominal de € 26 250,00, correspondentes a 6,25 % do capital social da ré; a ré é titular de ações próprias no valor nominal de € 105.000,00, correspondentes a 25% do capital social. A autora esteve presente em ambas as assembleias, votando contra as propostas que originaram as deliberações. Instaurou procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais de 28-10-2021, processo 3273/21.1T8VFX e a correspondente ação de anulação de deliberações sociais, processo 3473/21.4T8VFX, ação registada em 2021-11-26. As deliberações de 13-01-2022 padecem de anulabilidade, em função de: –Lacunas da convocatória, que não contém todas as menções exigidas pelo artigo 377.°, n.° 5, sendo todas as deliberações anuláveis, nos termos do disposto no art. 58.°, n.° 1, al. a) do CSC; –Verificam-se anomalias das contas do exercício de 2020 porquanto o balanço nega a existência de ações próprias correspondentes a 25% do capital social; o balanço não integra as rendas devidas à sociedade Serareis - Imobiliária, S.A. (rendas não faturadas), facto que deveria constar do relatório de gestão, nos termos do disposto no art. 66.°, n.° 5 b); as contas não integram relatório de gestão, em infração ao disposto no artigo 66.°, n.°s 5 e 6; –Incumprimento do acordo parassocial de 29-11-2018 (não subscrito pela sociedade); –Falta de declaração pela administração do cumprimento do disposto no artigo 95.°/1, do Código das Sociedades Comerciais, no âmbito da deliberação de redução do capital social; –O administrador único gere a ré com o intuito de obter benefícios exclusivamente para si e para a sua irmã, MC. “Pretendendo agora reduzir o capital social para poderem regularizar a situação irregular em que se encontra a administração da Ré, podendo continuar a gerir esta a seu bel-prazer e com manifesto prejuízo para a própria sociedade e para os restantes accionistas, incluindo a Autora”. Contestação A ré contestou, invocando: – A ré é uma sociedade familiar, com a estrutura acionista da sociedade S S.A.; – Em 24 de janeiro de 2022, foram vendidas ações próprias; – As ações próprias ficaram reduzidas a 8,33% do capital social da ré: 7.000 ações, com o valor nominal de € 5,00 cada uma; – A convocatória continha todos os requisitos legais previstos no artigo 377.°/5, do Código das Sociedades Comerciais; – A autora alega vícios não suscitados nas ações precedentes, o que contraria o disposto no artigo 62.°/2, do Código das Sociedades Comerciais; –A ré já diligenciou pela retificação do balanço quanto às ações próprias, devendo ser concedido prazo para o efeito; – A ré é uma microempresa, está dispensada de elaborar o relatório de gestão, por força do artigo 66.°/6, do Código das Sociedades Comerciais; – No que se refere à faturação das rendas, “trata-se de matérias de gestão, que não são da competência da assembleia geral, por força do art.° 373.°, n.° 3/CSC.”; – O artigo 17.°/1, do Código das Sociedades Comerciais impede a impugnação de deliberações sociais com fundamento numa alegada violação do acordo parassocial; – O artigo 95.°/1, do Código das Sociedades Comerciais não é aplicável à redução do capital social para cobertura de prejuízos; – Mesmo que assim se não entendesse, ainda assim não seria incumprida tal disposição, uma vez que o capital próprio da sociedade ré é de € 95.667,18, ficando a exceder o novo capital social (€ 50.400,00) acrescido de 20% (€60.480,00 total do capital social + 20%). Audiência prévia Em 11-05-2022 a ré apresentou requerimento com o seguinte teor: “(…) vem expor e requerer o seguinte: 1.– A A. peticionou, na presente ação, a anulação das deliberações renovatórias da Assembleia Geral de 13/01/2022. 2.– O fundamento da ação é a falta de contabilização das ações próprias nas contas relativas ao exercício de 2020 que foram sujeitas a deliberação. 3.– Para além de alegados vícios da convocatória. 4.– Acontece que, entretanto, foram retificadas as contas em causa, de modo a refletir as ações próprias, conforme documento que se junta e foi comunicado à A. (Doc. 1). 5.– E, foi convocada nova assembleia geral para reunir no dia 15/06/2022, com a seguinte ordem de trabalhos (Doc. 2): “Ponto UM– Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2020; Ponto DOIS– Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2020; Ponto TRÊS– Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade relativamente ao ano de 2020; “ Ponto QUATRO– Exposição dos motivos e condições da operação de alienação de ações próprias, para os efeitos do n.º 2 do artigo 320.º do Código das Sociedades Comerciais. 6.– Acontece que, com a sanação do alegado vício, caso esta nova assembleia geral venha a aprovar as contas relativas ao exercício de 2020, como se espera, verificar-se-à inutilidade superveniente do presente processo 7.– Consequentemente verifica-se motivo justificativo para suspensão da instância, pelo menos, até 16/06/2022, nos temos do art.º 272.º, n.º 1/CPC. 8.– Entretanto, está agendada para o próximo dia 18/05/2022, audiência prévia, no presente processo. 9.– A qual poderá ser um ato inútil, tendo em atenção a possível extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º, al. e)/CPC). Termos em que se requer a V. Exa, Mmº Juiz: a)- a suspensão da instância, pelo menos, até 16/06/2022. b)- Que seja dada sem efeito a audiência prévia agendada para dia 18/05/2022”. Em 16-05-2022 a autora respondeu, pronunciando-se sobre o requerido, após o que, em 17-05-2022, foi proferido o seguinte despacho: “11-05-2022 16-05-2022 Inexistindo causa prejudicial, motivo justificado ou acordo da contraparte, indefiro a suspensão da instância – artigo 272.º do Código de Processo Civil. Notifique”. Despacho notificado aos intervenientes processuais por comunicação de 17-05-2022. Em 18-05-2022 realizou-se a audiência prévia, com tentativa de conciliação, que se revelou infrutífera. Decisão recorrida Em 20-05-2022 proferiu-se sentença em que: – Fixou-se o valor da causa em 30 000,01€ e procedeu-se ao saneamento do processo, proferindo-se ainda decisão como segue: “Da não aplicação do disposto no artigo 69.°/2, do Código das Sociedades Comerciais. Na contestação, a R. requer prazo para a correção do balanço, ao nível das ações próprias. Com efeito, o balanço, negando a existência de 25% de ações próprias, não é fidedigno, ao nível do capital próprio. O erro não é suscetível de reforma, nos termos do artigo 69.°/2, do Código das Sociedades Comerciais, porquanto não corresponde a “erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”, cfr. artigo 249.° do Código Civil. Com efeito, a reforma, no caso em apreço, equivaleria a fazer valer deliberação de aprovação de montantes distintos dos ponderados pelos sócios, diferença com dimensão não despicienda. Pelo exposto, indefiro a concessão de prazo para correção do balanço quanto às ações próprias”. – E, considerando que “[i]nexistem outras nulidades, exceções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer desde já e que obstem à apreciação do mérito da causa”, proferiu-se sentença com o seguinte segmento dispositivo: “VI.– Decisão final Pelo exposto, julgo procedente por provada a ação, e, em consequência, declaro nulas as deliberações de 13-01-2022, renovatórias, com efeitos retroativos, das deliberações de 28-10-2021, consubstanciadas: 1)-Na aprovação das contas do exercício de 2020; 2)-Na aplicação dos resultados do exercício de 2020; 3)-Em voto de confiança e louvor à administração e ao órgão de fiscalização da sociedade; 4)-Na redução do capital social, para cobertura de prejuízos, no montante de € 369 600,00, incidente sobre todas as participações sociais de forma proporcional, mediante redução do valor nominal das ações de € 5,00 para € 0,60, passando o capital social, representado por 84.000 ações nominativas, para € 50 400,00. Custas a cargo da R. (artigo 527.° do Código de Processo Civil). Registe. Notifique”. Sentença notificada aos intervenientes por comunicação de 31-05-2022. Recurso Não se conformando a ré apelou, em 01-07-2022, formulando as seguintes conclusões: “I.-A sentença recorrida padece de uma nulidade manifesta, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 al. e)/CPC, ao condenar em objeto diverso do pedido. II.-O A., na sua p.i., pede que sejam “anuladas todas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré do passado dia 13 de janeiro de 2022”. III.-E, a sentença recorrida decretou a “nulidade da deliberação 1)” IV.-Anulação e nulidade são conceitos jurídicos distintos, com pressupostos e consequências diversas. V.-A sentença é também obscura ao decretar a “invalidade” das restantes deliberações, sem concretizar se essa invalidade resulta de causas de nulidade ou de anulação. VI.- O que, também, constitui nulidade da sentença por força da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º/CPC. VII.-Aliás, a R. não só reconheceu, como corrigiu essa essa irregularidade e convocou nova assembleia geral para o dia 15/06/2022, para apreciação das contas reformuladas e demais deliberações. VIII.-E, no passado dia 15 de junho de 2022, teve lugar a referida assembleia geral e as contas reformadas foram aprovadas, assim como as demais deliberações, conforme ata que se junta e se dá por reproduzida. IX.-Pelo que se verifica inutilidade superveniente da presente lide, que é causa de extinção da instância (art.º 277.º al. e)/CPC). X.-A sentença entende que os “casos de pouco a gravidade ou fácil correção” previstos no art.º 69.º n.º2/CSC são aqueles “revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”, remetendo para o art.º 249.º/C. Civil. XI.-Trata-se de uma interpretação restritiva, que atenta contra a própria ratio do preceito do CSC, que é a de facultar à sociedade a correção da irregularidade, à semelhança do que acontece com a renovação de deliberações sociais (art.º 62.º/CSC). XII.-Acresce que o “erro de cálculo ou escrita”, previsto no art.º 249.º /C. Civil, se reporta a “declarações negociais” e as contas sociais não se podem subsumir a uma declaração negocial, tendo uma natureza muito mais complexa e técnica. XIII.-Para além disso, o simples erro de cálculo ou escrita, previsto no art.º 249.º/C. Civil, impede a declaração de invalidade da declaração, apenas dando direito à retificação desta. XIV.-Enquanto a “irregularidade” das contas prevista no art.º 69.º, n.º 2/CSC, caso não seja reformada pela sociedade no prazo concedido pelo tribunal, determina a invalidade da deliberação. XV.-Salienta-se, ainda, que in casu a reforma é de fácil correção, pois, basta incluir no balanço as ações próprias, como, aliás, aconteceu e foi aprovado por deliberação social de 15 de junho de 2022. XVI.-Acresce que a “fixação de prazo” para reforma das contas não é uma faculdade arbitrária do juiz, mas uma imposição processual, nos termos do art.º 69.º n.º 2/CSC. XVII.-Recorde-se, ainda, que a sociedade, ora R., se prontificou a retificar o erro e até pediu a suspensão da instância para o efeito. XVIII.-A sentença recorrida, não só é nula por força do art.º 615.º, n.º 1 als c) e e)/CPC. XIX.-Como violou o art.º 69.º n.º 2/CPC. XX.-Com a reforma das contas pela assembleia geral de 15/06/2022, verifica-se, ainda, a inutilidade superveniente da lide. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas Mmºs Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que: a)-Absolva a R. do pedido; ou, quando assim se não entenda, b)-Determine a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”. Com o articulado juntou um documento consubstanciando a ata nº54, alusiva à sociedade ré e tendo por objeto uma assembleia geral da sociedade realizada em 15-06-2022. A autora apresentou contra-alegações, em 16-09-2022, com as seguintes conclusões: a)- Entende a RECORRENTE que a Sentença recorrida padece de nulidade por ser obscura e por condenar em objecto diverso do pedido, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1 c) e e) do CPC. b)- Considera também a RECORRENTE que, tendo sido realizada uma nova assembleia geral, a 15 de Junho de 2022, na qual alegadamente foram corrigidas as irregularidades das deliberações em causa nos autos, verifica-se uma inutilidade superveniente da lide. c)- Finalmente, considera a RECORRENTE que o Tribunal a quo devia ter concedido prazo para a reforma das contas, nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, o que não fez. d)- Porém, não se vislumbra em que medida pode esta Douta Relação alterar a decisão recorrida. e)- Inexiste qualquer obscuridade na Sentença recorrida, pois que, contrariamente ao alegado pela RECORRENTE, está bem claro que foi declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de 13 de Janeiro de 2022, o que resulta da simples leitura da Sentença, concretamente na parte correspondente à “Decisão Final”. f)- Deste modo, a Sentença recorrida não padece da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1 c) do CPC. g)- Quanto à nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1 e) do CPC, por condenação em objecto diverso do pedido, apesar de a RECORRIDA ter peticionado a anulabilidade das deliberações da assembleia geral da RECORRENTE de 13 de Janeiro de 2022 e de a Sentença ter declarado a nulidade dessas mesmas deliberações, e sem prejuízo da diferença entre os conceitos (não obstante, os efeitos retraoctivos comuns a ambos), facto é que a nulidade é de conhecimento oficioso do Tribunal, como dispõe o art. 286.º do Código Civil, pelo que o Tribunal podia declarar essa mesma nulidade. h)- Assim, também não se verifica a nulidade da Sentença prevista no art. 615.º, n.º 1 e) do CPC. i)- Relativamente à inutilidade superveniente da lide invocada pela RECORRENTE, a mesma também não se verifica. j)- Não é pelo facto de a RECORRENTE ter convocado uma nova assembleia geral que tal inutilidade existe. k)- Desde logo, a ordem de trabalhos da assembleia geral em causa nos autos é distinta da ordem de trabalhos da assembleia geral entretanto realizada a 15 de Junho de 2022. l)- Ademais, as deliberações da assembleia de 13 de Janeiro de 2022 pretendiam ter efeitos retroactivos, o que não acontece com as deliberações da assembleia de 15 de Junho de 2022. m)- Para além dessas questões, as deliberações tomadas na assembleia geral de 15 de Junho de 2022 foram impugnadas pela RECORRIDA, em virtude de padecerem de diversas invalidades. n)-Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Novembro de 2017, “A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável”. o)- Pelo que não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide que justifique a extinção da instância. p)- Alega também a Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 69.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, ao não conceder prazo para a reforma das contas, entendendo que a fixação desse prazo “não é uma faculdade arbitrária do juiz, mas uma imposição processual, que não pode ser afastada”. q)- Entendeu o Tribunal a quo que o erro no balanço da RECORRENTE não é susceptível de reforma, uma vez que não corresponde a “erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”, considerando, por isso, que não se verifica a situação prevista no art. 249.º do Código Civil, uma vez que “a reforma, no caso em apreço, equivaleria a fazer valer deliberação de aprovação de montantes distintos dos ponderados pelos sócios, diferença com dimensão não despicienda”. r)- Contrariamente ao entendimento da RECORRENTE, a interpretação do Tribunal a quo relativamente ao disposto no art. 69.º, n.º 2 do CSC não vai contra a ratio da norma, porquanto a ausência de referência às acções próprias no balanço da sociedade não é uma questão com pouca gravidade e tem consequências muito relevantes, especialmente tendo em conta que a RECORRENTE pretendia igualmente reduzir o seu capital social, tudo isto com efeitos retroactivos. s)- De qualquer modo, ainda que a decisão, também nesta parte, não mereça qualquer reparo, independentemente de adoptarmos uma interpretação mais restritiva ou mais lata da norma, sempre se dirá que o art. 69.º, n.º 2 do CSC prevê a anulabilidade da deliberação que aprove contas irregulares, sendo que o Tribunal a quo entendeu que as deliberações em causa nos autos são nulas, nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 3 do CSC, porquanto o balanço não é fidedigno ao nível dos capitais próprios da sociedade, estando em causa a intangibilidade do capital social, sendo que a manutenção dessa deliberação colocaria em causa os direitos dos credores da RECORRENTE. t)- Ora, se a deliberação de aprovação das contas é nula, nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 3 do CSC, não poderia o Tribunal a quo dar qualquer prazo para a RECORRENTE reformar as contas, pois que essa reforma está prevista para casos de reduzida gravidade, que se consubstanciam em anulabilidade e nunca em situações de nulidade, como o caso dos autos. u)-Pelo que decidiu bem o Tribunal a quo ao indeferir a concessão de prazo para correcção do balanço da RECORRENTE, não merecendo a Sentença recorrida qualquer reparo. Nestes termos, Deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se o decidido pelo Tribunal a quo, nos precisos termos em que este sentenciou, fazendo-se assim Justiça!”. Com o articulado juntou um documento consubstanciando uma certidão da Conservatória do Registo Comercial alusiva à sociedade ré [[1]]. Cumpre apreciar. II.– FUNDAMENTOS DE FACTO. A primeira instância considerou provada a seguinte factualidade: 1.-A ré é uma sociedade anónima que se dedica à exploração vitivinícola, silvícola e agropecuária em prédios próprios ou alheios - documento junto pela autora. 2.-Ao tempo da deliberação em causa, a ré tinha um capital social de € 420 000,00, distribuído do seguinte modo: - A autora é titular de ações no valor nominal de € 26.250,00, correspondentes a 6,25% do capital social; - JBC é titular de ações no valor nominal de € 26.250,00, correspondentes a 6,25% do capital social; - JRC é titular de ações no valor nominal de € 105.000,00, correspondentes a 25% do capital social; - VBC é titular de ações no valor nominal de € 26.250,00, correspondentes a 6,25% do capital social; - JCBC é titular de ações no valor nominal de € 26.250,00, correspondentes a 6,25% do capital social; - MC é titular de ações no valor nominal de € 105.000,00, correspondentes a 25% do capital social; - A ré é titular de ações próprias no valor nominal de € 105.000,00, correspondentes a 25% do capital social. 3.– No dia 13 de janeiro de 2022 teve lugar, pelas 15 horas, na sede da ré uma Assembleia Geral, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto 1- Deliberar sobre a renovação, com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, as contas do exercício de 2020 e cuja anulabilidade foi requerida judicialmente pela Acionista minoritária MF; Ponto 2- Deliberar sobre a renovação, com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a aplicação dos resultados do exercício de 2020 e cuja anulabilidade foi requerida judicialmente pela Acionista minoritária MF; Ponto 3- Deliberar sobre a renovação, com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a proposta, apresentada pela acionista MR, de confiança e louvor à administração e ao órgão de fiscalização da sociedade e cuja anulabilidade foi requerida judicialmente pela Acionista minoritária MF; Ponto 4- Deliberar sobre a renovação, com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a redução do capital social, na medida do necessário, para cobrir prejuízos e com respeito pelo limite mínimo do capital social de € 50.000,00 e cuja anulabilidade foi requerida judicialmente pela Acionista minoritária MF. A redução do capital tem como finalidade a cobertura de prejuízos, é no montante de € 369.600,00 (trezentos e sessenta e nove mil e seiscentos euros), incide sobre todas as participações sociais, de forma proporcional, mediante redução do valor nominal das ações de € 5,00 para € 0,60, passando o capital social, representado por 84.000 ações nominativas, a ser de € 50.400,00 (cinquenta mil e quatrocentos euros), alterando-se, consequentemente, o Artigo Quinto do Estatutos o qual passa a ter a seguinte redação: “Artigo Quinto O capital social, integralmente subscrito e realizado em dinheiro e bens da sociedade, é de €50.400,00 (cinquenta mil e quatrocentos euros) representado por 84.000 ações com o valor nominal de € 0,60 (sessenta cêntimos) cada uma. ”. 4.– Da referida reunião foi lavrada a ata - documento junto pela autora. Com os votos contra da autora, foi deliberada a renovação de todas deliberações. 5.– No balanço do exercício de 2020, consta “A empresa não detém acções próprias” - documento junto pela autora. No encerramento do exercício de 2020, a ré detinha ações próprias correspondentes a 25% do seu capital social. 6.– Na assembleia de 28 de outubro de 2021, o representante da autora questionou o revisor oficial de contas da ré “(...) as ações próprias estão incluídas nas reservas?”', tendo este referido “ter a obrigação de saber responder, mas que o balancete poderá não ter um caracter analítico que permita a identificação das acções próprias. Referiu que não é por existirem acções próprias que é obrigatório o relatório de gestão. Declarou que não tem elementos para responder nesta assembleia mas que irá responder segunda feira”. 7.– Por requerimento de 11-05-2022, declara a ré: “(...) foram retificadas as contas em causa, de modo a refletir as ações próprias (...) 5.- E, foi convocada nova assembleia geral para reunir no dia 15/06/2022, com a seguinte ordem de trabalhos (Doc. 2): “Ponto UM- Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2020; Ponto DOIS-Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2020; Ponto TRÊS-Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade relativamente ao ano de 2020; “ Ponto QUATRO- Exposição dos motivos e condições da operação de alienação de ações próprias, para os efeitos do n.° 2 do artigo 320. ° do Código das Sociedades Comerciais. 6.– Acontece que, com a sanação do alegado vício, caso esta nova assembleia geral venha a aprovar as contas relativas ao exercício de 2020, como se espera, verificar-se-á inutilidade superveniente do presente processo (...)” [[2]]. 8.– Foi emitido documento intitulado “Relatório de Gestão Exercício de 2020", declarando “(...) constatação de facto da existência de um erro constante do balanço e contas da sociedade. Com efeito, como é do conhecimento dos acionistas a sociedade adquiriu, em 2018, 25% das ações da sociedade (ações próprias). Contudo, nem as contas do exercício de 2018 nem as contas do exercício de 2019, ambas aprovadas e não impugnadas refletem a existência dessas ações próprias, facto que passou inteiramente despercebido aos acionistas. O Impacto desta aquisição de ações próprias nas contas da Q S.A., é a redução do capital próprio e o aumento do passivo não corrente em 105.000 euros.”. No balanço, o capital próprio é de (9 010.71). 9.– A ré publicou: “Convocatória relativamente à entidade: N°de Matrícula/NIPC: 5........ Firma/Denominação: Q, S.A Natureza Jurídica: Sociedade Anónima Sede: Lisboa - A_____ Capital: € 420.000,00 Convoco os senhores acionistas da Q, S.A., sociedade anónima, com sede na Q, 2580-101 A_____, matriculada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de A_____ sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva (…), com o capital social de € 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros), a reunirem em Assembleia Geral Extraordinária, na sede da sociedade, no dia 15 de junho de 2022, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto UM-Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2020; Ponto DOIS-Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2020; Ponto TRÊS-Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade relativamente ao ano de 2020; Ponto QUATRO-Exposição dos motivos e condições da operação de alienação de ações próprias, para os efeitos do n.° 2 do artigo 320. ° do Código das Sociedades Comerciais. Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, podem os acionistas consultar na sede da sociedade os elementos de informação a que se reportam as alíneas a), b) e c) do n.°1 do artigo 289.° do Código das Sociedades Comerciais. A cada ação corresponde um voto. Os acionistas podem fazer-se representar nos termos do artigo 380.° do Código das Sociedades Comerciais. Não sendo o voto por correspondência proibido pelos estatutos, qualquer acionista poderá exercer o seu direito de voto enviando para a morada da sede da sociedade, declaração de voto relativamente a cada ponto da ordem dos trabalhos, bem como eventuais declarações de voto, com a assinatura reconhecida. Os documentos relativos ao direito de voto devem ser inseridos num subscrito fechado dirigido ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral que identifique no exterior tratar-se de voto escrito para as matérias da assembleia geral, o qual, por sua vez deverá ser introduzido em outro subscrito a enviar registado para a morada da sede da sociedade. Apenas serão computados os votos cuja carta registada, cumprindo as formalidades supra indicadas, seja recebida na morada da sede até à data e hora da assembleia geral. Os subscritos contendo as declarações de voto serão abertas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral após dar início aos trabalhos. Um acionista que represente outros pode votar em sentidos diversos ou deixar de votar nos termos previstos no n. ° 2 do artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais.”. 10.– Por escrito datado de 11-01-2022, o administrador da sociedade declara a proposta de venda das ações próprias da sociedade por € 5 / ação - documento junto pela ré. 11.– Por escrito intitulado “Ata n.° 52”, datado de 29-11-2018, teve lugar deliberação unânime no sentido da autorização da aquisição de ações próprias correspondentes a 25% do capital da sociedade, com obrigação de alienação a MC “se e quando (...) regressar à vida laica e declarar que deseja assumir a qualidade de acionista (...). A sociedade alienará as ações (...) na sequência de comunicação a efetuar por esta à sociedade e receberá da adquirente a título de contrapartida um montante de € 100,00 (com euros)” - documento junto com a petição inicial. 11.1.-Por escrito intitulado “Acordo parassocial”, datado de 29-11-2018, os filhos de MC, Quarta Contratante, J, MM, ora A., J e V “obrigam-se solidariamente ao cumprimento de todas as obrigações que para eles resultem do presente acordo parassocial. 6.3.- Não obstante a transmissão de ações, no todo ou em parte, para os filhos da Quarta Contratante, consideram-se os titulares dessas ações uma só parte, para os efeitos do presente acordo parassocial, pelo que: 6.3.1. Sempre que haja que tomar qualquer decisão ou deliberação em execução ou cumprimento do presente acordo parassocial, os titulares da ações originariamente pertencentes à Quarta Contratante, deverão entre eles acordar numa posição comum e apenas num sentido de voto, designando entre eles, aquele que no confronto com os demais Contratantes, exprime a vontade comum. 6.3.2. O incumprimento de qualquer um dos titulares das ações pertencentes originariamente à Quarta Contratante constitui incumprimento de todos eles, para os efeitos do presente acordo parassocial, atento o regime de solidariedade que os une. (...)”- documento junto com a petição inicial. 11.2.-Por escrito intitulado “Contrato de doação de ações’", datado de 29-11-2018, MC declara doar aos seus filhos J, MM, ora A., J e V 21 000 ações da sociedade, com cláusula de intransmissibilidade até ao decesso da doadora, salvo acordo em contrário. Mais declaram: “(...) Perante a sociedade, os Donatários exercem os seus direitos de forma agrupada. (...) O sentido de voto é manifestado perante a Assembleia-Geral, pelo representante comum dos Donatários, cargo que é exercido de forma rotativa, pelo prazo de um ano, por cada um dos Donatários, começando pelo mais velho. (...) As condições a que obedece a doação (...) são apostas nos títulos nominativos doados. (...).""- documento junto com a petição inicial. 11.3.- Por escrito datado de 25-10-2021, a autora, na qualidade de mandatária de MC, interpelou a sociedade para a venda das ações. 11.4.- Por escrito datado de 09-11-2021, o administrador declinou a interpelação, declarando “Não considero legítima a sua pretensão"" - documento junto com a petição inicial. III.–FUNDAMENTOS DE DIREITO 1.– Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma. No caso e ponderando a ordem pela qual a apelante suscitou as questões [[3]], impõe-se apreciar: - Se a sentença recorrida enferma de nulidades; - Se há fundamento para julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide; - Da aplicação ao caso do disposto no art. 69.º, nº2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem. Saliente-se que, quanto ao mérito da decisão proferida quanto à (in)validade das deliberações tomadas na assembleia realizada em 13-01-2022, o tribunal de primeira instância concluiu que é nula a deliberação pela qual foram aprovadas as contas de exercício de 2020 (ponto I da ordem de trabalhos) e, por dependência dessa, todas as demais deliberações [[4]]; ora, como resulta das conclusões de recurso, a ré apelante não questiona esse juízo valorativo, quer quanto à primeira deliberação, quer quanto ao nexo assinalado pela primeira instância relativamente às demais, pelo que a análise desta Relação sobre essa matéria apenas será feita na estrita medida que relevar para a apreciação das questões enunciadas. 2.– A presente ação configura uma ação que tem em vista a declaração de invalidade de deliberações sociais tomadas na assembleia de 13-01-2022, renovatórias das deliberações tomadas na assembleia de 28-10-2021. Parece razoavelmente evidente que é relevante saber, afinal, de que deliberações estamos a tratar. Lendo a decisão recorrida não se alcança o conteúdo dessas deliberações, pela singela razão de que a Juiz não as referiu – ainda que em súmula e apenas na parte relevante – limitando-se à indicação que consta do número 4 dos “factos” provados, que é inócua, obrigando à consulta do documento junto com a petição inicial, para o qual a primeira instância remete. Procedendo esta Relação à indicação que a primeira instância omitiu, temos que foram colocadas à votação as seguintes propostas, que foram aprovadas “por maioria de dois terços dos accionistas presentes”: - Foi proposta a renovação, “com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro 2021 que aprovou, por maioria, as contas do exercido de 2020, conforme documento anexo à presente acta (doc. n.º 5)” [[5]]; - “Entrando no ponto dois da ordem de trabalhos”, foi proposta a “renovação, com efeitos retroativos da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a aplicação dos resultados do exercício de 2020, mediante a transferência do resultado líquido negativo de 103.931,93 euros, para a conta dos resultados transitados (documento n.º 7)”; - “Entrando no ponto três de Ordem de Trabalhos”, foi proposta “a renovação, com efeitos retroativos, da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de Outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a proposta, apresentada por si, de confiança e louvor à administração ao órgão de fiscalização da sociedade”; - “Entrando no ponto quatro da Ordem de Trabalhos”, foi proposta “a renovação, com efeitos retroativos da deliberação que foi tomada na Assembleia Geral de 28 de outubro de 2021 que aprovou, por maioria, a redução do capital social, na medida do necessário para cobrir prejuízos e com respeito pelo limite mínimo do capital de € 50.000,00. A redução do capital tem como finalidade a cobertura de prejuízos, é no montante de € 369.600,00 (trezentos e sessenta e nove mil e seiscentos euros), incide sobre todas as participações sociais, de forma proporcional, mediante redução do valor nominal das ações de € 5,00 para € 0,60, passando o capital social, representado por 84.000 ações nominativas, a ser de € 50.400,00 (cinquenta mil e quatrocentos euros), alterando-se, consequentemente o Artigo Quinto do Estatutos o qual passa a ter a redação: “Artigo quinto O capital social, subscrito e realizado em dinheiro e bens da sociedade, é de €50.400,00 (cinquenta mil e quatrocentos euros) representado por 84,000 ações com o valor nominal de € 0,60 (sessenta cêntimos) cada uma”. Feita esta delimitação, impõe-se conhecer das questões enunciadas. 3.– Alega a apelante que a sentença é nula por obscuridade, porquanto decreta a “invalidade das restantes deliberações, sem concretizar se essa invalidade resulta de causas de nulidade ou de anulação” (conclusão V). Dispõe o art. 615º, nº1, alínea c) do CPC que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” O art. 669º, nº1, al) a do CPC, na redação anterior à Lei 41/2013 de 26-06, permitia à parte requerer ao tribunal que proferiu a sentença “[o] esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”, sendo aplicável à 2ª instância nos termos do art. 716º do CPC. Tratava-se, pois, de permitir a aclaração da decisão ou dos fundamentos respetivos com vista, exclusivamente, a esclarecer alguma passagem de texto cujo sentido não se alcance (obscuridade) ou que permita interpretações diferentes (ambiguidade). Com o novo CPC eliminou-se essa possibilidade, mas o legislador ampliou o leque das nulidades de sentença, consagrando a nulidade da decisão quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” – alínea c) do referido preceito. Ou seja, o vício em causa é a ininteligibilidade da decisão, sendo o motivo gerador a obscuridade e/ou a ambiguidade. No caso, como a autora corretamente assinala nas contra-alegações, a decisão, na sua parte dispositiva, declarou expressamente a nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia de 13-01-2022. Quanto à fundamentação, como resulta do texto a que supra se aludiu, o tribunal concluiu pela dependência do juízo (de desvalor) a efetuar relativamente às demais deliberações previstas nos pontos dois a quatro da ordem de trabalhos, do juízo anteriormente feito quanto à deliberação de aprovação das contas de exercício de 2020 (ponto um da ordem de trabalhos), assim ficando prejudicada, na economia da decisão recorrida, qualquer outra acrescida fundamentação. Podia a apelante colocar em causa, em sede de recurso, esse afirmado juízo de prejudicialidade/dependência, nomeadamente propugnando pela sua inexistência, ou seja, atacar, nessa parte, o mérito da decisão, o que não fez, limitando-se a arguir a ininteligibilidade, que se situa num diferente nível de apreciação. Conclui-se que a sentença não enferma da nulidade apontada. 4.– Invoca ainda a apelante que a sentença é nula porquanto condena “em objeto diverso do pedido”, uma vez que a autora peticionou a anulação das deliberações tomadas e o tribunal decretou a nulidade (cfr. conclusões I a III). Nos termos do art. 615.º, nº1, alínea e) do CPC, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, tendo-se por referência o disposto no art. 609.º, nº1 do CPC, quanto aos limites da condenação. Estamos perante vício que “colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor” [[6]]. No caso, entendemos que não ocorre o apontado vício porquanto, tendo o tribunal concluído, no âmbito da causa de pedir formulada [[7]] e da defesa apresentada, isto é, circunscrevendo-se à delimitação factual da instância apresentada pelas partes, pela aplicação do regime especial de invalidade das deliberações a que alude o art. 69.º e que o vício de que padece a deliberação que aprovou as contas de exercício de 2020 é gerador de nulidade, nos termos do nº3 do preceito, essa pronúncia situa-se no âmbito da liberdade de interpretação e aplicação do direito que assiste ao juiz (art. 5.º, nº3 do CPC), não extravasando os poderes de cognição que lhe assistem: com a configuração que o caso se apresenta, trata-se, apenas, de qualificação jurídica diversa da preconizada pela autora [[8]]. Conclui-se que a sentença não enferma da nulidade apontada. 5.– Ponderando que a apelante procedeu, em momento posterior à instauração da ação, à realização de nova assembleia geral, em 15-06-2022, invocando que as contas foram reformadas, tendo sido aprovadas novamente as deliberações em causa, vejamos, então, se ocorre motivo para julgar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, como propugna – cfr. as conclusões VII a IX e XX, sendo que formula expressamente essa pretensão recursiva, sob a alínea b). Previamente, constata-se que a apelante nunca deduziu essa pretensão ao tribunal de primeira instância, perante o juiz do processo, como se impunha. Assim, salientando-se que o tribunal já havia dado como assente a matéria indicada sob o número 9, temos que a apelante juntou com as alegações de recurso documento relativo à ata nº 54, alusiva à sociedade ré, com o seguinte teor, em síntese: “Aos quinze dias do mês de junho de dois mil e vinte e dois, pelas quinze horas, reuniu, (…) a assembleia-geral da sociedade (…), sociedade anónima (…). A assembleia foi regulamente convocada, (…) encontrando-se presente ou representada a totalidade do capital social, (…), para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Ponto UM — Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2020; Ponto DOIS — Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2020; Ponto TRÊS — Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade relativamente ao ano de 2020; Ponto QUATRO — Exposição dos motivos e condições da operação de alienação de ações próprias, para os efeitos do n.º 2 do artigo 320.º do Código das Sociedades Comerciais. A Assembleia Geral foi presidida pelo Sr. Dr. (…) secretariado pelo Sr. Dr. (…) na impossibilidade da Dra. (…), que verificou que todo o capital estava presente ou devidamente representado declarando que a Assembleia, regularmente convocada, se encontrava validamente constituída, estando em condições de deliberar de forma eficaz sobre os pontos constantes da ordem de trabalhos. Iniciados os trabalhos, no Ponto Um da Ordem de trabalhos, foi colocado à apreciação dos Srs. Acionistas o Relatório de Gestão e as contas do exercício de 2020. O PMAG deu a palavra ao ROC Dr. (…) também presente, o qual referiu em suma que: A situação resulta de uma ratificação que teve que se fazer às contas. Nem o TOC nem o ROC tinham conhecimento da documentação de suporte das ações próprias e essa foi a razão da necessidade de ratificar as contas. Não houve alterações no capital próprio e por isso passou despercebido. Foi proposto uma aprovação e contas devidamente retificadas. Após o período de discussão o PMAG colocou à votação o Relatório de Gestão e as Contas do Exercício de 2020, tendo a mesma sido aprovada por maioria, com os votos a favor dos acionistas (…) e os votos contra dos acionistas (…). A acionista (…) apresentou uma declaração de voto que passou a constituir o documento 5 anexo à presente ata. De seguida, entrou-se no Ponto Dois da ordem de trabalhos e foi colocada à apreciação dos Senhores acionistas a Proposta de aplicação de resultados constante do ponto 5 do Relatório de Gestão nos termos da qual se propõe que o Resultado Líquido do Exercício que é negativo em € 108.609,82 seja transferido para a conta de resultados transitados. Após o período de discussão o PMAG colocou à votação a Proposta de Aplicação de Resultados, tendo a mesma sido aprovada por maioria, com os votos a favor dos acionistas (…) e os votos contra dos acionistas (…). A acionista (…) apresentou uma declaração de voto que constitui o documento 5 já anexo à presente ata. De seguida, no Ponto Três da ordem de trabalhos, procedeu-se à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade, tendo sido apresentado pela acionista (…) um voto de confiança e louvor à administração e fiscalização. Tendo a proposta sido colocada a votação foi a mesma aprovada por maioria com votos favoráveis da acionista (…) correspondente a 28.000 votos, e os votos contra dos acionistas (…) apresentaram o voto contra, com 21.000 votos. A acionista (…) apresentou uma declaração de voto que passou a constitui o documento 5 já anexo à presente ata. No que respeita ao voto de confiança e louvor quanto ao órgão de fiscalização, precisa-se que o mesmo mereceu o voto também do Eng. (…) e por isso é aprovado com uma maioria de 56.000 votos a favor e os mesmos 21.000 votos contra. Por fim, no Ponto Quatro da ordem de trabalhos, o Administrador Único remeteu para o Relatório de Gestão do qual consta a exposição dos motivos e condições da operação de alienação de ações próprias para os efeitos do n.º 2 do artigo 320. º do Código das Sociedades Comerciais uma vez que tal exposição está suficientemente fundamentada de facto e de direito para os devidos efeitos. A acionista (…) apresentou uma declaração a qual se encontra vertida no documento 5 já anexo à presente ata. Nada mais havendo a tratar, foi a assembleia encerrada pelas quinze horas e trinta minutos, lavrando-se a presente ata que vai ser assinada pelo Presidente e pelo Secretário”. Ponderando a data de realização dessa assembleia e que estamos perante facto pessoal à ré, do qual esta tem conhecimento desde esse momento (15-06-2022), podia/devia ter junto o documento respetivo, que é superveniente (superveniência objetiva), no subsequente prazo (geral) de 10 dias, isto é, até 28-06-2020 (arts. 149.º nº1 e 425.º do CPC), deduzindo nesse prazo a pretensão de extinção da instância perante o tribunal recorrido, desde logo considerando que a sentença, proferida em 20-05-2022, ainda não havia transitado em julgado [[9]]. Ao invés, optando por suscitar tal questão no processo apenas por via do recurso da sentença, é questionável se o faz de forma oportuna e adequada porquanto, como se sabe, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” [[10]]. No entanto, esta Relação não pode alhear-se das vicissitudes que o processo documenta, tendo em conta que já em momento anterior a ré havia deduzido pretensão equivalente, nessa fase dirigida à suspensão da instância mas, de qualquer forma, evidentemente antecipatória da pretendida extinção por inutilidade e só nesse âmbito podendo ser interpretada e tendo cabimento, pretensão que foi objeto de indeferimento – cfr. o requerimento de 11-05-2022 e o despacho de 17-05-2022, aludidos no relatório [[11]] –, pelo que sempre poderá entender-se que, em substância, a questão já havia sido aflorada no processo, ainda que na forma adequada à fase respetiva. Nesse contexto, admite-se conhecer da pretensão assim formulada. O Código das Sociedades Comerciais admite expressamente a renovação de deliberação social, renovação a que pode estar associada a atribuição de eficácia retroativa no art. 62.º [[12]] [[13]] e, usualmente, é no âmbito da renovação de uma deliberação, entendida como consistindo “na substituição desta por outra de conteúdo idêntico mas sem os vícios (de procedimento), reais ou supostos, que tornam aquela inválida ou de validade duvidosa” [[14] ] [ [15] ], que se coloca a questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277.º, alínea e) do CPC), em virtude da adoção, na pendência da ação, de deliberação renovatória daquela cuja validade se mostra em discussão no processo. Ora, não é esse o caso dos autos porquanto do confronto entre a deliberação da assembleia geral tomada em 13-01-2022 e a deliberação tomada em 15-06-2022, incidindo sobre o ponto I da ordem de trabalhos (deliberação sobre as contas de exercício do ano de 2020), resulta evidente que a aprovação das contas não incidiu sobre o mesmo objeto, isto é, sobre as mesmas contas, como expressamente reconhece a ré, quando ao longo do processo vem afirmando que já diligenciou pela retificação do balanço quanto à informação alusiva às ações próprias, o que até foi expressamente consignado na ata da nova assembleia e com referência à deliberação respetiva, sendo certo que a deliberação tomada na assembleia de 15-06-2022 é completamente omissa quanto à pretendida intenção renovatória [[16]], nem sequer se discutindo a sua eficácia (ex nunc /ex tunc). Ou seja, no caso em apreço, estamos perante uma nova deliberação (de 15-06-2022), que substitui a anterior (de 13-01-2022), mas não a renova, porquanto a deliberação renovatória exige alguma coincidência, ao menos nos seus elementos essenciais, entre o conteúdo de ambas as deliberações (a deliberação substitutiva e a substituída) [[17]], o que aqui nos parece que não acontece [[18]]. O que também não surpreende, considerando que o vício em causa não se reconduz a vício de procedimento subsumível ao disposto nas alíneas a) e b) do art. 56.º, mas a vício de conteúdo, como adiante melhor se verá [[19]][[20]]. Afastando-se a hipótese em apreço do campo particular da renovação de deliberações em sede de regulação societária, também não se tem como viável considerar que a realização da assembleia geral da sociedade em 15-06-2022, com as deliberações aí tomadas, mormente a deliberação alusiva ao ponto um da ordem de trabalhos, constitua um facto gerador de inutilidade superveniente da presente lide, em ordem à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa. A inutilidade superveniente da lide ocorre quando, em absoluto, por causa ou na sequência de ocorrência posterior à instauração da ação, o autor vê alcançado o efeito útil que pretendia, obtendo a satisfação dos seus interesses à margem do processo, mas com o inevitáveis reflexos no mesmo, pois a extinção da causa nessas circunstâncias, nos termos do art. 277.º, alínea e) do CPC, é uma decorrência lógica do princípio da proibição da prática de atos inúteis consagrado no art. 130.º do CPC [[21]], sendo a hipótese que usual e tipicamente se apresenta aquela em que, em ação tendente ao reconhecimento/cobrança de crédito, o demandado realiza, na pendência da causa, o pagamento pretendido pelo demandante. Por último, aferir da verificação dessa causa de extinção da instância implica uma avaliação objetiva, que usualmente se manifesta com alguma evidência em face do objeto do processo; não deve ser perspetivada em função da posição pessoal de cada um dos intervenientes, sem prejuízo do entendimento que cada um porventura expresse no processo, também não relevando um exercício de prognose sobre o (pouco/muito) benefício que o demandante ainda possa retirar da ação. No caso em apreço, não estão reunidos elementos que suportem a afirmação, pelo tribunal, de que com a tomada das novas deliberações o autor deixou em absoluto de ter interesse na presente lide, salientando-se que a autora nunca o afirmou no processo, contrariando a pretensão assim formulada pela ré. Improcedem, pois, as conclusões de recurso. 5.– Por último, invoca a apelante que a primeira instância incorreu em erro de julgamento quando entendeu inaplicável ao caso o disposto no art. 69.º, nº2, resultando da decisão que o tribunal recorrido apreciou dessa matéria a título de questão prévia, depois de proceder ao saneamento do processo e em momento anterior ao julgamento da matéria de facto e à apreciação jurídica da causa. À data em que foram aprovadas as deliberações impugnadas (13-01-2022), a estrutura acionista da sociedade ré era aquela que se mostra indicada no número 2 dos factos provados, daí resultando que a sociedade era titular de ações próprias correspondentes a 25% do capital social; não obstante, essa realidade não foi expressa no balanço apresentado com vista à realização dessa assembleia, alusivo ao exercício de 2020, conforme consta da factualidade assente – cfr. o número 5 dos factos provados –, tratando-se de factualidade que a ré aceitou na contestação (cfr. os arts. 6.º a 12.º desse articulado), não impugnando, aliás, no recurso ora apresentado, esse julgamento de facto. Em conclusão, a ré invoca, na contestação, que “quanto à questão das ações próprias, ficará sanada com a retificação já requerida” (art. 39.º) mais indicando que “[e]m consequência, caso se entenda que estes alegados vícios podem ser apreciados na presente ação de renovação de deliberações sociais, e sendo fácil a sua correção, requer-se prazo para o efeito, ao abrigo do art.º 69.º, n.º 2/CSC” (art. 40.º); igualmente, termina o seu articulado concluindo pela improcedência da ação (alínea a) e, em segunda linha que “[d]everá ser concedido um prazo à sociedade R. para corrigir o balanço quanto às ações próprias” (alínea b). Vejamos. No campo das invalidades que podem afetar as deliberações dos sócios relevam, no capítulo IV (“[d]eliberações dos sócios), o art. 56.º “[d]eliberações nulas” e o art. 58.º “[d]eliberações anuláveis”. No capítulo VI (“[a]presentação anual da situação da sociedade” releva o art.69.º, ora em causa, com a seguinte redação: “Artigo 69.º Regime especial de invalidade das deliberações 1- A violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios. 2- É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmas irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correcção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar. 3- Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público” [[22]]. A obrigação de prestação de contas aos sócios/acionistas, que impende sobre o órgão de gestão das sociedades e que se mostra genericamente consagrada no art. 65.º, tendo em vista, no que ao caso importa e no âmbito das sociedades anónimas, a realização da assembleia geral anual (art. 376.º), na qual os acionistas deliberam, obrigatoriamente, sobre o relatório de gestão e as contas do exercício (alínea a) do número 1 do art. 376.º), bem como sobre a proposta de aplicação de resultados (alínea b) do número 1 do art. 376.º), implica a apresentação de um conjunto de documentos de prestação de contas, entre os quais as demonstrações financeiras (DF), documentos que devem ser elaborados de acordo com um conjunto de normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRFs), enunciadas no Sistema de Normalização Contabilística, designado por SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13-07, com a declaração de retificação n.º 67-B/2009 de 11-09 [[23]] e constante de um Anexo [[24]] ao diploma, sendo aplicável às sociedades abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais (art. 3.º, nº1, alínea a) do referido decreto lei) [[25]] [[26]]. Assinala-se no Anexo, a propósito das demonstrações financeiras: “2.1.3- As demonstrações financeiras são uma representação estruturada da posição financeira e do desempenho financeiro de uma entidade. O objetivo das demonstrações financeiras de finalidades gerais é o de proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho financeiro e dos fluxos de caixa de uma entidade que seja útil a uma vasta gama de utentes na tomada de decisões económicas. As demonstrações financeiras também mostram os resultados da condução por parte do órgão de gestão dos recursos a ele confiados. Para satisfazer este objetivo, as demonstrações financeiras proporcionam informação de uma entidade acerca do seguinte: a)-Ativos; b)-Passivos; c)-Capital próprio ou fundos patrimoniais; d)-Rendimentos (réditos e ganhos); e)-Gastos (gastos e perdas); f)-Outras alterações no capital próprio ou nos fundos patrimoniais; e g)-Fluxos de caixa. 2.1.4- Um conjunto completo de demonstrações financeiras inclui: a)- Um balanço; b)- Uma demonstração dos resultados; c)- Uma demonstração das alterações no capital próprio; d)- Uma demonstração dos fluxos de caixa; e e)- Um anexo em que se divulguem as bases de preparação e políticas contabilísticas adotadas e outras divulgações. 2.1.5-As demonstrações financeiras devem apresentar apropriadamente a posição financeira, o desempenho financeiro e os fluxos de caixa de uma entidade. A apresentação apropriada exige a representação fidedigna dos efeitos das transações, outros acontecimentos e condições, de acordo com as definições e critérios de reconhecimento para ativos, passivos, rendimentos e gastos estabelecidos na estrutura conceptual. Presume-se que a aplicação adequada das normas contabilísticas, com divulgação adicional quando necessária, resulta em demonstrações financeiras que alcançam uma apresentação apropriada”. Atente-se ainda à Estrutura Conceptual (EC) do SNC, homologada pelo Despacho n.º 589/2009/MEF de 14-08, publicitado pelo Aviso n.º 15652/2009, DR, 2.ª série - n.º 173 de 7 de setembro; o documento, como aí expressamente referido “tem por base a Estrutura Conceptual do IASB, constante do Anexo 5 das “Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho”, publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003”, indicando-se no parágrafo 46 como segue: “Imagem verdadeira e apropriada/apresentação apropriada (parágrafo 46) 46 — As demonstrações financeiras são frequentemente descritas como mostrando uma imagem verdadeira e apropriada de, ou como apresentando apropriadamente, a posição financeira, o desempenho e as alterações na posição financeira de uma entidade. Se bem que esta Estrutura Conceptual não trate directamente tais conceitos, a aplicação das principais características qualitativas e das normas contabilísticas apropriadas resulta normalmente em demonstrações financeiras que transmitem o que é geralmente entendido como uma imagem verdadeira e apropriada de, ou como apresentando razoavelmente, tal informação” [[27]]. Daqui resulta que as DF relevam significativamente para a compreensão da situação económico-financeira da empresa [[28]], devendo o balanço representar com fidedignidade o ativo (corrente e não corrente), o capital próprio e o passivo (não corrente e corrente), com expressa menção, na rubrica alusiva ao capital, das ações (ou quotas) próprias; as ações próprias (auto-participação) a que se reportam os arts. 316.º a 325.ºB, têm um regime específico, expresso no art. 324.º. Nos termos deste preceito, enquanto a sociedade for titular de ações próprias: - Ficam suspensos todos os direitos inerentes a essas ações, exceto o de o seu titular receber novas ações no caso de aumento de capital por incorporação de reservas (alínea a) do número 1); - Tornam indisponível uma reserva de montante igual àquele porque elas estejam contabilizadas (alínea b) do número 1). No relatório anual apresentado pela administração deve ser especificamente indicado o número de ações próprias que a sociedade detém no fim do respetivo exercício – alínea c), do número 2, do art. 324.º. Alcança-se a ratio deste regime específico considerando as dificuldades que o fenómeno das ações próprias suscita: “a aquisição de uma acção própria pode envolver um reembolso mascarado do valor realizado, implicando a diminuição do capital, com riscos para os credores e com quebra da igualdade entre os próprios sócios” [[29]]. Sendo a sociedade titular de ações próprias, em que o respetivo capital foi subscrito e realizado, contabilisticamente, estas devem ser inscritas na rubrica geral “capital próprio e passivo” e, aí, em sede de “capital próprio” (“[a]cções (quotas) próprias)” mas, no cômputo global, representam um valor negativo, devendo ser subtraído ao valor do capital próprio – cfr. o art. 349.º [[30]] e a NCRF 27, parágrafo 9 [[31]]. No caso, a ré violou flagrantemente tais normas, que consubstanciam regras delimitadoras do conteúdo desses instrumentos: como resulta do balanço apresentado [[32]], omitiu completamente a referência à titularidade de ações próprias, inscrevendo, pois, um resultado do total de capital próprio e de passivo que não é fidedigno; tanto assim que os resultados de exercício de 2020, registados pelo valor de 103.931,93€ na deliberação de 13-01-2022 – cfr. a deliberação tomada quanto à aplicação dos resultados a que alude o ponto 2 da ordem de trabalhos –, passaram para o valor de 108.609,82€ na deliberação tomada, sobre o mesmo ponto da ordem de trabalhos, na assembleia realizada em 15-06-2022, depois da pretendida retificação a que a ré alude. A questão que se coloca é, então, a de saber se, com referência a essa deliberação, que aprovou as contas de exercício de 2020, estamos perante deliberação anulável, subsumível ao disposto no número 2 do art. 69.º ou deliberação nula, nos termos do nº 3 do art. 69.º, como entendeu a decisão recorrida, cremos que com acerto. O art. 69.º nº3 “é uma norma especial que se destina a garantir que eventuais vicissitudes no plano da contabilidade societária não põem em causa os legítimos interesses de terceiros relativamente à estrutura financeira da sociedade e à solidez resultante das suas contas. Ora, essa proteção não seria possível com as normas dos nºs 1 e 2 do mesmo preceito legal, porque a anulabilidade neles cominada, para além de sanável com o decurso do tempo, é de legitimidade restrita, não podendo ser arguida pelos credores. Estamos perante uma norma de proteção de interesses de terceiros, designadamente ligados ao mercado de capitais, pelo que a sanção aplicável não pode conduzir à sanação do vício, que a ocorrer só poderia beneficiar (imediatamente) os sócios. A nulidade visa, nestas circunstâncias, evitar que os sócios ratifiquem uma irregularidade, por meio de uma deliberação anulável, a qual não seria questionável por terceiros lesados” [[33]] [[34]]. As normas a que supra aludimos, quer do CSC, quer de diplomas que contém preceitos de natureza legal - contabilística, relativamente aos termos em que a titularidade de ações próprias da sociedade deve ser refletida nos instrumentos de prestação de contas, mais precisamente, nas demonstrações financeiras (balanço), devem ser entendidas como normas que visam salvaguardar, em primeira linha ou a título principal, o interesse dos credores sociais; assim, a sua violação, aquando do acertamento anual da situação da sociedade, na medida em que põe em causa o relato da situação económico-financeira da empresa, que deixa de ser fidedigno, conduzindo à irregularidade das contas, consubstancia um vício gerador de nulidade da deliberação que as aprovou [[35]]. E, assim sendo, está claramente afastada a possibilidade de recurso ao mecanismo de reforma das contas a que alude o nº2 do art. 69.º, cujo âmbito se circunscreve (i) às deliberações anuláveis e (ii), nestas, àquelas que padecem de vício “de pouca gravidade ou fácil correcção”, dispensando-se, pois, quaisquer considerações pertinentes à integração destes conceitos, de cariz indeterminado. Pelas razões apontadas, também nesta sede improcedem as conclusões de recurso. * Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida. Custas pela apelante (art. 527.º, nº1 do CPC). Notifique. Lisboa, 21-03-2023 Isabel Fonseca Fátima Reis Silva Amélia Sofia Rebelo [1]Daí resultando que, por AP. 139 de 2022/07/21, foi inscrita, como provisória por natureza, ação judicial instaurada pela ora autora contra a ora ré, em 15-07-2022, com o seguinte pedido: “sejam anuladas todas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Ré realizada em 15 de Junho de 2022”. [2]Trata-se do requerimento a que se aludiu no relatório. [3]Pese embora a formulação das pretensões recursivas tenha sido feita, a final, pela ordem inversa à qual foram suscitadas as questões respetivas. [4]A fundamentação jurídica da decisão é a seguinte: “Estabelece o artigo 69.º do Código das Sociedades Comerciais: “1- A violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios. 2- É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmas irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correcção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar. 3- Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos lesais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público. ” [destaques da nossa autoria]. Afirma-se no preâmbulo do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 262/86, de 2 de setembro: “Também em consonância com a 2ª Directiva da CEE é limitada a possibilidade de a sociedade adquirir acções próprias, de modo a melhor garantir os direitos dos credores (artigos 316. ° a 325.°).”. Por sua vez, prescreve o artigo 349.° do Código das Sociedades Comerciais: “(...) - Capitais próprios (CP), corresponde ao somatório do capital realizado, deduzidas as ações próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em ativos financeiros;”. Destarte, as ações próprias são inscritas como dedução ao capital próprio. No caso em apreço, o balanço aprovado, negando a existência de 25% de ações próprias, não é fidedigno, ao nível do capital próprio. Com efeito, da deliberação impugnada resulta capital próprio de € 95 667.18. Nas contas a apreciar na assembleia de 15-06, a R. admite capital próprio negativo. Está em causa a intangibilidade do capital social - artigos 32.° e 35.° do Código das Sociedades Comerciais. Mantendo-se a deliberação impugnada no comércio jurídico, periga a garantia dos direitos dos credores. Concluímos pela nulidade da deliberação 1). Dependendo as demais deliberações da validade e eficácia da deliberação de aprovação das contas de 2020, impõe-se, igualmente, declarar a sua invalidade. Aqui chegados, impondo-se a integral procedência da ação, prejudicada se torna a apreciação do demais alegado - artigo 608.°/2, do Código de Processo Civil”. [5]Documento a que adiante melhor se aludirá. [6]Acórdão do STJ de 21-03-2019, processo nº 2827/14.7T8LSB.L1.S1 (Relator: Oliveira Abreu), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência. [7]Sendo que a autora invocou fundamentos de vária ordem para sustentar a invalidade das deliberações, como se assinalou no relatório. [8]Aceitando-se que essa apreciação deve ser feita em função dos contornos do caso. Como se referiu no acórdão do STJ de 18-01-2018, processo nº 1005/12.4TBPVZ.P1.S1 (Relator: Abrantes Geraldes): “Ainda que exista identidade quanto aos efeitos jurídicos que decorrem da figura da nulidade e da anulabilidade (art. 289º do CC), não existe neste campo a liberdade de o juiz optar pela declaração da anulabilidade quando apenas tenha sido peticionada a nulidade. E mesmo em relação à correcta qualificação do efeito jurídico o Tribunal não pode deixar de ponderar se em que medida foi assegurado o exercício do contraditório a respeito da figura jurídica resultante da convolação, no pressuposto de que os meios de defesa que ao réu é legítimo invocar num caso e noutro não são idênticos. Explicitando melhor: - Dispositivo: a anulabilidade carece de invocação pelo interessado, a quem compete também, e em exclusivo, alegar os factos que determinam tal efeito jurídico (art. 287º, nº 1, 1ª parte, do CC); - Contraditório: nos casos de anulabilidade é legítimo ao réu excepcionar a caducidade pelo decurso do prazo que está afastada nos casos de nulidade negocial (art. 287º, nº 1, 2ª parte, do CC); ademais, a anulabilidade é sanável mediante confirmação que tanto pode ser expressa como tácita, nos termos do art. 288º do CC, devendo ser garantida a possibilidade de ser alegada a existência dessa confirmação, a qual, contudo, é indiferente nos casos em que se prescreve a nulidade; - Preclusão: é necessário acautelar que a contraparte se possa defender quanto à invocação da anulabilidade e respectivos fundamentos, o que só é possível se no articulado precedente tiver sido exposto o vício e a respectiva sustentação, a fim de que possa ser exercido o contraditório; - Caso julgado: a delimitação dos poderes do Tribunal também serve o próprio interessado na declaração de anulação, evitando que uma precipitada qualificação jurídica da sua pretensão acabe por vinculá-lo através de uma sentença de improcedência. Não se trata, pois, de sacralizar os conceitos de nulidade e de anulabilidade, mas tão só assegurar que sejam respeitadas as pertinentes regras substantivas e adjectivas que não se quedam pela oficiosidade na aplicação do direito, de tal modo que se não for possível concluir que o objecto do processo inclui a anulabilidade do negócio com o específico fundamento que a tal conduz é vedado ao Tribunal conhecer e declarar esse efeito jurídico”. [9]O poder jurisdicional da primeira instância estava esgotado relativamente à decisão proferida sobre a relação material controvertida, ou seja, à matéria da causa (art. 613.º, nº1 do CPC), mas não, obviamente, relativamente a incidentes que, suscitados apenas depois da prolação da sentença, não envolvem o retomar de qualquer juízo sobre aquela relação, circunscrevendo-se a outras matérias, mormente de cariz adjetivo, como seria o caso. [10]Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2006, p. 155. [11]O despacho que indefere o pedido de suspensão da instância só pode ser impugnado por via do recurso interposto da decisão final, não motivando uma apelação autónoma (art. 644.º, nº3 do CPC), sendo que a eventual procedência da impugnação apenas gera a anulação dos atos subsequentes ao despacho revogado; ao invés, o despacho que defere o pedido de suspensão pode ser impugnado autonomamente, sob pena de inutilidade absoluta (art. 644.º, nº 2, alínea h) do CPC). [12]Artigo 62.º (Renovação da deliberação) 1- Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros. 2- A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. 3- O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação. [13]Saliente-se que é consensual que a faculdade de renovação sempre existiria independentemente da sua específica consagração porquanto decorre de princípios gerais, sendo uma das manifestações da capacidade jurídica das pessoas coletivas. [14]Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, 2010, vol. I, Coimbra: Almedina, p. 707. [15]Refere Manuel A. Carneiro da Frada (Renovação de Deliberações Sociais, 1987, Coimbra, pp.5-8): “Através da renovação, os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado, concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o seu lugar. Se uma dada deliberação se apresenta ferida de nulidade [o autor expressa o entendimento de que “[à] nulidade da deliberação é de equiparar a deliberação anulada por sentença”], os efeitos a que tendia a título directo e principal e em vista dos quais foi tomada, não se produzirão. Podem, porém, os sócios, a quem continua a interessar a regulamentação de interesses (ou o comando) visada pelo acto nulo antecedente, tomar sobre o mesmo objecto nova deliberação com o mesmo conteúdo, e agora validamente, a qual virá assim a constituir-se como única fonte dos efeitos jurídicos intentados. É como se a deliberação antecedente não tivesse existido e fosse agora concluída pela primeira vez. Quando a deliberação primeiramente tomada é simplesmente anulável, o seu destino está dependente do exercício, ou não, do direito de anulação. Mas não deixa de surtir desde o início a eficácia que, segundo o seu teor, lhe deva corresponder. Se os sócios procedem agora a uma renovação da medida aprovada naquela, substituem-na enquanto facto gerador de efeitos jurídicos, do mesmo passo que eliminam os efeitos – precários – por aqueloutra produzidos. A renovação vai pois nestes casos indissociavelmente ligada à revogação da deliberação anterior, revogação esta que ocorre na maior parte dos casos tacitamente. Assente que se pretende substituir uma deliberação que está de pé, forçoso é que se queira revogar os efeitos dessa mesma deliberação. (…) Resumindo em curtas palavras o que acaba de dizer-se, através da deliberação renovatória a sociedade pode afastar os inconvenientes que ao desenvolvimento regular da sua actividade põe a existência de uma deliberação viciada ou, ao menos, a incerteza da sua validade. Através dela, entra em cena uma nova regulamentação ou um novo comando das relações sociais cujos efeitos são (estes assim) plenamente estáveis [supondo claro está, que a nova deliberação se apresenta imune de qualquer vício]. Em determinados casos, conforme se verá infra, a renovação obstará até a que possa vir a bom termo a acção de impugnação ou declarativa de nulidade intentada contra a anterior deliberação viciada”. [16]Ao contrário do que aconteceu relativamente às deliberações impugnadas por via da presente ação, com referência às deliberações tomadas anteriormente. [17]Como refere Manuel A. Carneiro da Frada (obr. cit. pp. 9-10), com a renovação opera-se a “substituição de uma anterior deliberação por uma outra que lhe tome o conteúdo. E na verdade, se se trata de concluir ex novo sobre um mesmo objecto uma outra deliberação, à qual são de imputar em exclusivo os efeitos jurídicos pretendidos, trata-se também de substituir a anterior deliberação (pela posterior) enquanto fonte geradora desses efeitos. À renovação vai pois indissociavelmente ligada uma substituição. Não nos parece porém que toda a substituição se identifique e portanto se esgote numa renovação. Com efeito, a deliberação renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada. Já a substituição parece não exigir este requisito. Para que a haja basta que uma nova regulamentação (eventualmente diversa) deva ocupar o lugar da anterior. Teremos assim uma substituição e não já uma renovação, sempre que os sócios tomem uma deliberação com conteúdo diferente do da antecedente cujo lugar vem ocupar”. Cfr., ainda, p. 9, nota 13. [18]O que se manifesta, até, em face da ordem de trabalhos que foi fixada pela ré para a assembleia de 13-01-2022 e de 15-06-2022 – cfr. a factualidade enunciada como assente sob os números 3 e 9. [19]Refere Meneses Cordeiro, a propósito da renovação de deliberações sociais e com referência ao aludido art. 62.º, que “a contrario sensu, não é possível renovar deliberações nulas por força do artigo 56.º/1, c) e d): desta feita, o vício é substantivo; a “nova” deliberação, para ser válida, teria forçosamente de ser diferente da anterior” (Manual de Direito das Sociedades, 2007, I, Coimbra: Almedina, p. 762). [20]A este propósito, cfr. ainda Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 1986, Coimbra: Almedina, p. 267: “Claro que, se a anterior deliberação, em vez da anulabilidade, estiver ferida de nulidade, só impropriamente se falará nesse caso de sanação, constituindo a retomada pela assembleia geral, em semelhante hipótese, e para todos os efeitos, uma deliberação ex novo, insusceptível de ser limitada pela anterior, a nosso ver, pois sendo ela nula, é inteiramente como se nunca tivesse existido. Por outro lado, a sanação será naturalmente impossível se o vício da deliberação anterior residir no seu próprio conteúdo, a não ser que este possa ser alterado e limpo da sua parte inválida”. [21]“A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Coimbra: Almedina, p. 561). Cfr., ainda, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 1946, Vol. 3º, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 366-369, aludindo o autor, no âmbito das “causas anormais de extinção da instância”, a três modalidades de extinção da relação jurídica, correspondendo a outras tantas modalidades de extinção da lide ou outros tipos de impossibilidade: a lide que se tornou impossível pela extinção do sujeito, a lide que se tornou impossível pela extinção do objeto e a “lide que se tornou impossível pela extinção da causa, isto é, pela extinção dum dos interesses em conflito” (p. 369). [22]Sobre a tipologia do referido preceito, e considerando que o legislador criou “um regime mais favorável no que respeita às deliberações relativas à prestação de contas, que se afasta significativamente do regime geral de invalidade das deliberações contemplado no CSC”, cfr. Ana Maria Gomes Rodrigues, in Prestação de Contas e o Regime Especial de Invalidade das Deliberações Previstas no art. 69.º do CSC, 2010, IDET- Instituto de direito das empresas e do trabalho, Miscelâneas, nº6, Coimbra Almedina pp. 99-183. [23]Que revogou o Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21-11. [24]Nos termos do número 1, 1.3 do Anexo: “O SNC, que assimila a transposição das directivas contabilísticas da UE, é composto pelos seguintes instrumentos: Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); Modelos de demonstrações financeiras (MDF); Código de contas (CC); Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF); Norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF-PE); Normas interpretativas (NI)” [25]Nos termos do art. 11.º, número 1 do diploma (“[d]emonstrações financeiras”), as entidades sujeitas ao SNC são obrigadas a apresentar as seguintes demonstrações financeiras: a) Balanço; b) Demonstração dos resultados por naturezas; c) Demonstração das alterações no capital próprio; d) Demonstração dos fluxos de caixa pelo método directo; e) Anexo” [26]Por seu turno, a Portaria n.º 986/2009 de 7 de setembro aprovou os modelos das demonstrações financeiras referidas, que constam de anexos à portaria, mais precisamente, nos termos do art. 1.º: “a) Anexo n.º 1: balanço; b) Anexo n.º 2: demonstração dos resultados por naturezas; c) Anexo n.º 3: demonstração dos resultados por funções; d) Anexo n.º 4: demonstração das alterações no capital próprio; e) Anexo n.º 5: demonstração dos fluxos de caixa - método directo; f) Anexo n.º 6: anexo”. [27]Como refere Ana Maria Gomes Rodrigues, obr. cit. p. 162, nota 71 “[d]eve atender-se que o legislador contabilístico não define contas não apropriadas, define a contrario contas apropriadas, conforme consta do & 46 da EC”; a autora entende que se deve “interpretar extensivamente o conceito de contas irregulares do legislador societário como equivalente ao conceito de contas não apropriadas do legislador contabilístico”. [28]“Como princípio saudável de gestão de uma actividade económica organizada, impõe-se – com tanto mais intensidade quanto mais vasta e complexa for a organização – a necessidade de registo constante e integral da actividade e de periódicos acertamentos da situação.(…) Pode assim concluir-se que os interesses da sociedade, dos sócios, dos credores sociais e do próprio Estado confluem todos numa comum exigência de acertamento periódico da situação (económica) da sociedade, que a lei vem progressivamente estabelecendo através de imposições de crescente vigor e aperfeiçoamento” (Pinto Furtado, obr. cit. pp.274-275). [29]Meneses Cordeiro, obr. cit. Vol. II, pp. 669-670. Continua o autor: “Mas além disso: - desequilibra o funcionamento interno das sociedades, uma vez que a administração passaria a dispor dos votos correspondentes às acções próprias; - falseia as regras do mercado, podendo dar corpo a uma procura artificial e consequente subida de cotações; - artificializa o esquema societário, que perde na dimensão básica da cooperação entre pessoas; - desequilibra qualquer negociação: a sociedade, por definição, dispõe de informação privilegiada sobre o seu estado económico e sobre as suas perspectivas, podendo tirar partido desse conhecimento, em detrimento do público interessado”. [30]Artigo 349.º Limite de emissão de obrigações 1 - A emissão de obrigações por sociedades anónimas depende de a sociedade emitente apresentar, após a emissão, um rácio de autonomia financeira igual ou superior a 35 /prct., calculado a partir do balanço da sociedade, através da seguinte fórmula: Autonomia financeira = CP/AL x 100 Em que: - Capitais próprios (CP), corresponde ao somatório do capital realizado, deduzidas as ações próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em ativos financeiros; - Ativos líquidos (AL), corresponde aos ativos reconhecidos de acordo com o normativo contabilístico aplicável. 2 - O balanço utilizado para o cálculo referido no número anterior deve ser um dos seguintes e, existindo mais do que um, deve ser o mais recente: a) O balanço do último exercício, desde que tenha sido encerrado nos seis meses anteriores à data da emissão de obrigações; b) Um balanço reportado a uma data que não anteceda o trimestre anterior à data da emissão de obrigações; ou c) O balanço do primeiro semestre do exercício em curso à data da emissão de obrigações, caso a sociedade esteja obrigada a divulgar contas semestrais nos termos do n.º 1 do artigo 246.º do Código dos Valores Mobiliários. 3 - O cumprimento do requisito previsto no n.º 1 deve ser verificado através de parecer do conselho fiscal, do fiscal único, ou revisor oficial de contas. 4 - O requisito fixado no n.º 1 não se aplica: a) A sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado; b) Às sociedades que apresentem notação de risco da emissão ou do programa da emissão ou da sociedade, neste caso para uma espécie de crédito que inclua as obrigações a emitir, atribuída por sociedade de notação de risco registada na Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) ou reconhecida como Agência de Notação Externa pelo Banco de Portugal; c) Às emissões cujo reembolso seja assegurado por garantias especiais constituídas a favor dos obrigacionistas. d) Às emissões cujo valor nominal unitário seja igual ou superior a euros 100 000,00, ou o seu contravalor em euros, ou cuja subscrição seja efetuada exclusivamente em lotes mínimos de valor igual ou superior a euros 100 000,00, ou o seu contravalor em euros; e) Às emissões que sejam integralmente subscritas por investidores qualificados, na aceção do Código dos Valores Mobiliários, e desde que as obrigações emitidas não sejam subsequentemente colocadas, direta ou indiretamente, junto de investidores não qualificados (sublinhado nosso). [31]Foi publicado o Aviso n.º 15655/2009 de 7 de setembro, no DR Série II – n.º 173 tendo por objeto o “Sistema de Normalização Contabilística - Norma Contabilística e de relato financeiro 1”, nos seguintes termos e na parte que ora releva: “Pelo Despacho n.º 588/2009/MEF do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 14 de Agosto de 2009, em substituição do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, foram homologadas as seguintes Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho: Norma contabilística e de relato financeiro 1 Estrutura e conteúdo das demonstrações financeira (…) Norma contabilística e de relato financeiro 27 Instrumentos financeiros Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base as Normas Internacionais de Contabilidade IAS 32 - Instrumentos Financeiros: Apresentação, IAS 39 - Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 - Instrumentos Financeiros - Divulgação de Informações, adoptadas pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro. Sempre que na presente norma existam remissões para as normas internacionais de contabilidade, entende-se que estas se referem às adoptadas pela União Europeia, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Julho e, em conformidade com o texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro. Objectivo (parágrafo 1) (…) Reconhecimento (parágrafos 6 a 10) 6 - Uma entidade deve reconhecer um activo financeiro, um passivo financeiro ou um instrumento de capital próprio apenas quando a entidade se torne uma parte das disposições contratuais do instrumento. 7 - Uma entidade não deve incluir os custos de transacção na mensuração inicial do activo ou passivo financeiro que seja mensurado ao justo valor com contrapartida em resultados. 8 - Uma entidade deve reconhecer instrumentos de capital próprio no capital próprio quando a entidade emite tais instrumentos e os subscritores fiquem obrigados a pagar dinheiro ou entregar qualquer outro recurso em troca dos referidos instrumentos de capital próprio. Se os instrumentos de capital próprio forem emitidos antes dos recursos serem proporcionados a entidade deve apresentar a quantia a receber como dedução ao capital próprio e não como activo. Se os recursos ou dinheiro forem recebidos antes da emissão de acções e a entidade não poder ser obrigada a devolver tais recursos ou dinheiro, a entidade deve reconhecer um aumento de capital próprio até ao limite da quantia recebida. Na medida em que as acções sejam subscritas mas nenhum dinheiro ou outro recurso tenha sido recebido, nenhum aumento de capital próprio deverá ser reconhecido. 9 - Se uma entidade adquirir ou readquirir os seus próprios instrumentos de capital próprio, esses instrumentos ("quotas/acções próprias") devem ser reconhecidos como dedução ao capital próprio. A quantia a reconhecer deve ser o justo valor da retribuição paga pelos respectivos instrumentos de capital próprio. Uma entidade não deve reconhecer qualquer ganho ou perda na demonstração de resultados decorrente de qualquer compra, venda emissão ou cancelamento de acções próprias. 10 - No caso da entidade emitente ficar obrigada ou sujeita a uma obrigação de entregar dinheiro, ou qualquer outro activo, por contrapartida de instrumentos de capital próprio emitidos pela entidade, o valor presente da quantia a pagar deverá ser inscrito no passivo por contrapartida de capital próprio. Caso cesse tal obrigação e não seja concretizado o referido pagamento, a entidade deverá reverter a quantia inscrita no passivo por contrapartida de capital próprio” (sublinhado nosso). [32]Cfr. o documento junto com a petição inicial e que não se mostra impugnado, a que o tribunal necessariamente atendeu para dar como provada a matéria em causa, documento identificado como anexo 7 junto à ata da assembleia geral realizada em 28-10-2021, cujas deliberações foram renovadas por via de outras tomadas na assembleia geral de 13-01-2022 e ora impugnadas. [33]Paulo Olavo Cunha, 2020, Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, Coimbra: Almedina, p. 302. [34]Debruçando-se sobre a anulabilidade e a nulidade das deliberações sociais e no âmbito destas últimas, Vasco da Gama Lobo Xavier (Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, 1976, Coimbra: Atlântida Editora) identifica as deliberações sociais que atentam contra normas que visam em primeira linha a defesa do interesse público “tomada a expressão num sentido restrito, que exclui todos os casos em que, no fundo, se trata de um interesse de sujeitos privados, mesmo quando a amplitude e a indeterminação da esfera dos respectivos portadores (v.g., terceiros) leva geralmente a considerá-lo interesse público” (p.135); cfr. ainda a nota 28 (pp. 135-147). O outro plano em que o autor situa as deliberações nulas é, precisamente, o das normas de proteção de terceiros. Assim: “Por seu lado, outras disposições há que, não obstante regularem a «vida interna da sociedade», visam directamente a protecção de terceiros estranhos ao grémio corporativo. Pense-se nos preceitos através dos quais o legislador atribuiu ao capital social uma função de garantia dos direitos dos credores da sociedade, designadamente proibindo a distribuição pelos sócios, a título de lucros, de quantias susceptíveis de tornar o património da empresa inferior à cifra daquele (…) e ainda nos preceitos que pretendem assegurar a integral realização do mesmo capital (…). Ora também parece claro que não deve ser consentido aos sócios o decidirem das consequências da infracção de tais normas – e, portanto, dos efeitos da deliberação que as viole –, mediante o exercício ou o não-exercício do seu direito de impugnação de deliberações ilegais. O funcionamento da tutela de terceiros que o legislador teve o cuidado de estabelecer pelo modo referido não pode deixar-se entregue ao bel-prazer dos associados. (…) E, visto que é impraticável conseguir-se que venham a assentir nestas deliberações todos os terceiros com elas virtualmente prejudicados, dada a evidente indeterminação de tais sujeitos, resta-nos uma única solução admissível – a da nulidade dos actos em questão” (pp. 140-142). [35]A gravidade dos erros subjacentes aos tipos retratados no art. 69.º é muito diversa, concordando-se com Ana Maria Gomes Rodrigues (obr. cit.), quanto refere que pode “variar entre meros erros aritméticos a autênticos comportamentos “fraudulentos” com vista a obter a informação que se deseja divulgar, ainda que a mesma não possa traduzir a imagem verdadeira e apropriada da entidade exigida pelo sistema societário e contabilístico” (p. 153, assinalando-se que nos parece ter ocorrido lapso manifesto e que a referência pretendida será possa não traduzir). A este propósito cfr. o elenco de “alguns exemplos de incorrecções incluídos nas contas e que podem tornar inválidas (nulas ou anuláveis) as deliberações tomadas pela assembleia geral” apresentados pela autora, dando nota de uma grande diversidade de situações, nomeadamente: -“Erros algébricos ou matemáticos”; -“Violação de preceitos legais contabilísticos imperativos, nomeadamente a violação dos pressupostos subjacentes à elaboração das demonstrações financeiras: regime de acréscimo e da continuidade. (…)”; -“A não obediência às características qualitativas e aos respectivos requisitos da informação financeira, pondo em causa a utilidade das DF”; -“Incorrecta classificação das massas do activo, do passivo e do capital próprio”. Concluindo a autora que “a aprovação de DF e/ou relatórios da gestão inapropriados colocam em causa diversos interesses. Com efeito, transmitem aos utilizadores uma informação «fraudulenta» ou não cumpridora dos objectivos que lhe são confiados, ou seja, não proporcionam informação adequada/apropriada acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações da posição financeira de uma entidade, não vindo a revelar-se útil para a tomada de decisões económicas dos vários utentes dessa DF. São, por isso, susceptíveis de conduzir a sérios problemas, pois se as contas aprovadas pelos sócios enfermarem de vícios graves, que joguem com o desempenho da entidade afectam diversos interesses. São eles: os interesses públicos por via da incorrecção do apuramento do imposto a pagar; os de os sócios pela deficiente distribuição de resultados a que podem ter direito e a constituição de uma reserva legal abaixo do limite exigido por lei; e o de os credores por via da redução da capacidade da empresa em cumprir com as suas obrigações presentes e futuras. Assim, uma deliberação que aprovou contas com este tipo de vícios deveria, à luz dos princípios societários, implicar a nulidade dessa deliberação” (pp. 168-174). |