Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
Descritores: | LOCAÇÃO FINANCEIRA OPÇÃO DE COMPRA DETENÇÃO CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2008 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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Sumário: | I- À locatária financeira incumbe o ónus de provar (artigo 342.º/1 do Código Civil) que exerceu a opção de compra dos veículos locados nos termos estipulados no contrato de locação financeira. II- A locatária financeira estava obrigada, findo o contrato por caducidade, a restituir os veículos à locadora, responsabilizando-se, assim, por tal incumprimento. III- O proprietário pode reivindicar os veículos do detentor e tem essa qualidade aquele que celebrou com o locatário financeiro contrato-promessa de compra de venda do veículo que lhe foi entregue. IV- O detentor tem de actuar face à coisa entregue com a diligência de um bom pai de família, não lhe sendo lícito actuar como se fosse proprietário, sabendo que o não é, alienando o veículo para sucata: assim procedendo, incorre em responsabilidade face ao proprietário. V- Não é detentor aquele que já não tem o veículo em seu poder à data em que lhe é pedida a restituição por ter cedido a sua posição contratual durante a vigência do contrato de locação financeira, não sendo igualmente responsável, por não ter incorrido em nenhum acto ilícito, perante o proprietário do veículo. (SC) | ||
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Decisão Texto Integral: | TEXTO INTEGRAL:
P. 6148/2008 Decisão liminar nos termos do artigo 705.º do Código de Processo Civil: 1. B…..Leasing, Sociedade de Locação Financeira Mobiliária, SA demandou Tracção-Comércio de Automóveis, S.A.,(X) […], (Y) […], (W) […], (CC)[…], (Z) […], (V) […] e (U) […] deduzindo os seguintes pedidos: a) Reconhecimento pelos RR do direito de propriedade da A. sobre os veículos marca Aprília, modelo Pegaso 650, matrícula 11…; marca Yamaha, modelo XV 535, matrícula 03… ; marca Suzuki, modelo GS 500, matrícula TU…; marca Yamaha, modelo XV 535, matrícula 03…BU; marca Yamaha, modelo XT 350, matrícula 86…BU; marca Yamaha, modelo XV,1.100, matrícula 65-…; marca Yamaha, modelo XJ 600 S, matrícula LP…. b) Condenação dos RR a restituírem ,imediatamente, os veículos descritos. A título subsidiário: c) caso não venha a ser possível, por qualquer motivo, a restituição dos veículos à A. serem os RR solidariamente condenados a pagar, a título de indemnização, o valor de Esc. 4.623.000$00, valor este que deverá ser corrigido, a partir da data da entrada em juízo da presente acção, por força da aplicação da taxa de juro legal, até efectivo pagamento. 2. Alegou a A. que é proprietária dos indicados veículos e que os deu em locação financeira à Ré Tracção; por sua vez a Tracção celebrou com os demais RR contratos de aluguer respeitantes aos indicados veículos que lhes foram entregues; a Ré Tracção não exerceu o direito de compra sobre os mencionados veículos, a A. solicitou-lhe por carta de 17-4-1995 a restituição até ao dia 21-4-2005 dos veículos o que ela não fez alegando que estes estavam em poder dos demais RR que se recusavam a entregá-los; foram estes avisados da extinção do contrato de locação financeira e da consequente obrigação de devolução. Os RR são solidariamente responsáveis pela indemnização correspondente ao valor dos veículos na data em que deveriam ser restituídos à A. caso, por qualquer motivo, tal restituição não venha a ser possível. 3. A acção foi julgada procedente nos seguintes termos: a) Os RR foram condenados a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os veículos. b) Os RR foram condenados a pagar à A. o valor do veículo sendo a responsabilidade da Tracção até ao valor do veículo em 24-4-1995, a apurar em execução de sentença, e a responsabilidade de (W) e (P) […] até ao valor do veículo na data das respectivas citações a liquidar em execução de sentença. 4. Foi interposto recurso da decisão pelos seguintes demandados: (W) […], Tracção - Comércio de Automóveis, S.A., (P) […], interveniente principal. 5. Factos que o Tribunal deu como provados: 1. A A. é uma instituição de crédito que tem como objecto exclusivo a locação financeira de bens de equipamento (A). 2. No exercício da sua actividade a A. adquiriu o veículo Suzuki, modelo 65.500, com a matrícula TU-… (B) 3. A A. celebrou com a Tracção - Comércio de Automóveis S.A. o contrato de locação financeira n.º 930350, nos termos do qual deu de locação a esta, entre outros, o veículo Suzuki, modelo 65.500, matrícula TU-… (C). 4. A Ré Tracção estava licenciada como empresa de aluguer de veículos sem condutor (D). 5. No âmbito da sua actividade a Tracção, S.A. celebrou com (W) […] um contrato de aluguer tendo por objecto o veículo TU-…que lhe entregou (E) 6. O contrato de aluguer de veículo celebrado entre a Tracção, S.A. e a Ré (W), referente ao veículo TU-…, tinha a duração de 18 meses (1) 7. O vencimento do primeiro aluguer foi em 5-3-1993 e o último aluguer foi em 15-8-1994 (7) 8. (W) […] passou a usar o referido veículo (4) 9. A Ré (W) na mesma data celebrou com a Tracção, S.A. um contrato-promessa de compra e venda que tinha por objecto o motociclo de marca Suzuki, modelo GS 500, de matrícula TU-… (5). 10. A Ré (W) pagou à Tracção o acordado preço da venda do motociclo TU… (6). 11. A Ré (W) cedeu a sua posição de promitente compradora no contrato celebrado com a Tracção, S.A. a (P) […] com a aceitação da Tracção, S.A. (7). 12. Na sequência desse contrato (P) […] pagou à Tracção, S.A. a quantia de 238.060$00 através do cheque n.º 2788020129 para liquidação das rendas em atraso (8). 13. A Ré (W) entregou o motociclo TU…a (P) […] em Agosto de 1994 (9). 14. Em data indeterminada (P) […] tomou conhecimento de que o titular inscrito do registo de propriedade do motociclo TU-…era a A. (10) 15. (P) […] solicitou por diversas vezes à Tracção, S.A. a declaração (modelo II) que permitia efectuar a transferência do registo de propriedade do motociclo TU-… (11). 16. Nos termos do contrato de aluguer celebrado entre o A. e a Tracção , S.A. esta poderia exercer o direito de compra do veículo, mediante comunicação escrita 3 meses antes do termo do contrato de aluguer (13). 17. A A. solicitou à Tracção, S.A. por carta datada de 17-4-1995 a restituição do veículo TU-…no prazo de 3 dias (15). 18. A Tracção, S.A. não restituiu o veículo à A. alegando ser a ré (W) que o tinha em seu poder (16). 19. A Ré (W) foi avisada pela A. da extinção do contrato de locação financeira com a Tracção, SA e de que esta não tinha exercido o direito de opção do veículo TU-… (17). 20. O contrato de locação financeira celebrado entre a A. e a Tracção,S.A. teve o seu termo em 16-4-1995 (18). 21. Desde 1994 até 2000 o motociclo TU-…ficou na garagem de (P) […], sem ser usado, o que levou à sua rápida deterioração e desvalorização, acabando por ir para a sucata (22). Apreciando. 6. Pontos prévios O veículo que está em causa nestes autos é o Suzuki, modelo GS 500, matrícula TU…que o A. considerou ter em Abril de 1995 o valor de 660.000$00. A acção foi proposta no dia 20-5-1996. A Tracção foi citada no dia 2-10-1996; a ré (W) foi citada no dia 16-10-1996; o réu (P) […] foi citado no dia 9-5-2005 (fls. 171) na sequência de pedido de intervenção principal provocada passiva deduzido pelo A. (fls. 157). As questões a tratar são, em síntese, as seguintes: saber se a Tracção exerceu o seu direito de opção, situação tida por obstativa à reivindicação das viaturas por caducidade do contrato de locação financeira; saber se os demais RR eram detentores do veículo à data em que lhes foi exigida a restituição pelo locador financeiro; saber se, por não entrega do veículo, incorrem em responsabilidade face ao proprietário da viatura. 7. Recurso da Tracção 7.1. A Tracção sustenta em alegações de recurso que exerceu a opção de compra do veículo conforme doc. de fls. 120/121. 7.2. Não se provou que a Tracção não exercesse tal direito (ver resp. não provada ao quesito 14º). 7.3. Provou-se que a Tracção poderia exercer o direito de compra do veículo mediante comunicação escrita 3 meses antes do termo do contrato de aluguer (resp. ao quesito 13; facto supra 16). 7.4. O contrato de locação financeira celebrado entre o A. e a ré extinguir-se-ia por caducidade no dia 16-4-2005 decorrido o prazo por que foi celebrado (ver artigo 17º da petição a fls. 6 e facto 20 supra). 7.5. De acordo com o disposto no artigo 15.º/1, alínea a) das Condições Gerais a Tracção deveria comunicar por escrito a sua opção de compra até 3 meses antes do termo do contrato” (ver artigo 10º,fls 5). 7.6. Ora o doc. de fls. 120 não corresponde a opção de compra no assinalado prazo e não se mostra que haja sido efectuada anteriormente. 7.7. Cumpria à Tracção o ónus de provar esse facto, o que não sucedeu (artigo 342.º/1 do Código Civil). 7.8. O facto de a Tracção ter celebrado ao abrigo do contrato de locação financeira contratos de aluguer de longa duração com promessa de compra e venda não significa que não se lhe impusesse proferir tal declaração, não se podendo falar aqui de uma actuação estritamente formalista do Banco visto que à data em que a Tracção deveria, nos termos acordados, efectuar tal opção, estava já ela em dívida para com o Banco. 7.9. O A. não estava obrigado a accionar o contrato de seguro-caução a fim de obter junto das seguradoras o pagamento das rendas em débito por parte da Tracção; não se pode, assim, falar de abuso do direito do Banco que , para a Tracção, resultaria do seguinte: que o Banco, face ao incumprimento da Tracção, accionasse o seguro-caução e, accionado este, considerasse dispensável a declaração de opção por ser manifesto que a Tracção a pretendia exercer considerados os termos em que outorgara com terceiros os contratos de aluguer de longa duração, ou seja, com promessa de venda por parte da Tracção. 7.10. Mesmo que a Tracção tivesse pago as rendas a que se obrigara, dificilmente se poderia sustentar que o mero conhecimento dos termos em que os contratos de aluguer foram celebrado impedia o Banco (locador financeiro) de invocar a caducidade pois da referida cláusula resulta a necessidade de uma declaração expressa. Tal questão implicaria a alegação de factos que não foi produzida e também por esta razão o Tribunal não poderia reconhecer um abuso do direito suportado apenas em meras deduções, portanto, sem suporte factual que permitisse considerar afastada a cláusula. 7.11. Refira-se ainda que seria absurdo exigir ao locador financeiro um conjunto de comportamentos como os assinalados, todos em favor de um locatário que, apesar de receber rendas dos locatários de ALD com quem contratara, não pagava as rendas por si devidas ao locador financeiro. O incumprimento do locatário nestas condições afasta qualquer confiança e é revelador de um comportamento contratual eivado de profunda má fé, razão por que seria injustificado exigir ou esperar do locador financeiro actos que só pode esperar quem actua de boa fé, elemento que é essencial para a compreensão das relações contratuais. 7.12. Argumenta a Tracção com o facto de o A. não ter facturado o valor residual e adicionais conforme cláusula 15ª/1 do contrato de locação financeira mobiliária. 7.13. No entanto, este argumento não releva pois a exigência de tal pagamento pressupõe a opção de compra e essa não se demonstrou que tivesse sido efectuada 8. Recurso de (P) […] 8.1. Não foi solicitada a este réu a restituição do veículo a não ser por via da citação ocorrida em 9-5-2005. 8.2. (P) […] recebeu o motociclo em Agosto de 1994 por cessão da posição contratual da Ré (W) no contrato-promessa outorgado entre a referida (W) e a Tracção. 8.3. O motociclo permaneceu desde 1994 até 2000 na garagem de (P) […] sem ser utilizado o que levou à sua rápida deterioração e desvalorização, acabando por ir para a sucata. 8.4. Sustenta, por isso, o recorrente que não podia ter sido condenado a pagar indemnização à A., considerado o valor do veículo à data da citação, visto que, para além do que gastou com a cessão da posição contratual, nenhum enriquecimento houve da sua parte à custa do A pois, por responsabilidade da Tracção que nunca entregou a declaração modelo II que permitia efectuar a transferência do registo de propriedade do motociclo, este veículo teve de permanecer sem uso na garagem do ora recorrente. 8.5. Por outro lado, a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data em que o enriquecido foi citado judicialmente para a restituição (artigos 479.º/2 e 480.º,alínea a) do Código Civil). 8.6. Ora, nessa data (9-5-2005), nenhum locupletamento havia por parte do recorrente. 8.7. Sucede, porém, que o recorrente, a quem o veículo tinha sido entregue na sequência de cessão a seu favor da posição contratual de promitente comprador da ora ré (W), sabia que o veículo era propriedade de terceiro e, por isso, não passava de um mero detentor (artigo 1253.º,alínea c) do Código Civil). Nessa qualidade, o facto de ter o motociclo em seu poder não lhe conferia os poderes próprios de quem é proprietário, designadamente o poder de disposição. 8.8. Não pode invocar face ao A. o contrato de natureza obrigacional que firmou com a Tracção ao qual o proprietário é alheio e, por conseguinte, reivindicada pelo proprietário a entrega do veículo não tinha fundamento para recusar proceder à pretendida entrega. 8.9. O recorrente não podia deixar de conservar o veículo em seu poder, traduzindo acto de disposição, que não lhe era lícito, enviar o motociclo para a sucata ( 21 supra). 8.10. Se, em razão de incumprimento da Tracção, o promitente comprador não podia utilizar o veículo, a Tracção seria a responsável, incluindo-se nessa responsabilidade os custos da manutenção em depósito do motociclo caso a Tracção, face ao seu incumprimento, não aceitasse a devolução do veículo entregue. Estas questões não estão aqui em causa: o que ora importa é que o recorrente alienou o motociclo, entregando-o para sucata, incorrendo, por isso, em actuação culposa face ao proprietário e, nessa medida, é responsável pelo valor correspondente ao valor do veículo que se lhe impunha restituir quando solicitado, ou seja, à data da citação para a presente acção. 8.11. Tal pagamento traduz a indemnização correspondente ao valor do veículo no momento da restituição que se não efectivou por culpa do recorrente, não sendo o fundamento do pedido o invocado enriquecimento sem causa (artigos 483.º. 562.º, 564.º, 1311.º todos do Código Civil). 8.12. O recurso não pode por estas razões deixar de improceder 9. Recurso de (W) […] 9.1. A recorrente insurge-se com a sua condenação visto que à data em que lhe foi exigida a restituição do veículo ela já não era detentora e, enquanto o foi, actuou sempre ao abrigo de contrato-promessa que outorgou com a Tracção. 9.2. De facto, a Ré (W), ainda durante o período de validade do contrato de locação financeira celebrado entre o Banco autor e a Tracção que apenas caducou em 16-4-1995 (20), celebrou em 15-8-1994 com a Tracção um contrato-promessa de compra e venda (7 e 9 supra) tendo pago à Tracção o preço acordado de venda. Veio a ceder a sua posição contratual ainda em Agosto de 1994 com aceitação da Tracção (11) e em Agosto de 1994 entregou o veículo ao cessionário (P)[…] (13). 9.3. Por isso, não lhe podia ser exigida a restituição do veículo à data em que foi citada para a presente acção (16-10-1996) e, actuando como actuou, não incorreu em nenhum acto ilícito pelo qual pudesse ser responsabilizada perante o proprietário do veículo. 9.4. Acaba por não ter interesse analisar a matéria de facto atinente ao referenciado em 19 visto que, a ter sido avisada a recorrente pela A. da caducidade do contrato de locação financeira, esse aviso, obviamente foi posterior à data da caducidade (16-4-1995), efectuava-se num momento em que a recorrente já não era sequer detentora do veículo por força da referida cessão de posição contratual ocorrida em 1994. 9.5. Não podia, portanto, a recorrente ser responsabilizada pela cessão da posição contratual do veículo como se esta ocorresse num momento em que o proprietário reivindicava o veículo, assim dificultando a sua recuperação. Tal pretensão não foi deduzida nestes termos e, se o tivesse sido, atentos os factos provados, não poderia deixar de improceder. 9.6. O recurso da recorrente (W) não pode deixar de proceder. Concluindo: I- À locatária financeira incumbe o ónus de provar (artigo 342.º/1 do Código Civil) que exerceu a opção de compra dos veículos locados nos termos estipulados no contrato de locação financeira. II- A locatária financeira estava obrigada, findo o contrato por caducidade, a restituir os veículos à locadora, responsabilizando-se, assim, por tal incumprimento. III- O proprietário pode reivindicar os veículos do detentor e tem essa qualidade aquele que celebrou com o locatário financeiro contrato-promessa de compra de venda do veículo que lhe foi entregue. IV- O detentor tem de actuar face à coisa entregue com a diligência de um bom pai de família, não lhe sendo lícito actuar como se fosse proprietário, sabendo que o não é, alienando o veículo para sucata: assim procedendo, incorre em responsabilidade face ao proprietário. V- Não é detentor aquele que já não tem o veículo em seu poder à data em que lhe é pedida a restituição por ter cedido a sua posição contratual durante a vigência do contrato de locação financeira, não sendo igualmente responsável, por não ter incorrido em nenhum acto ilícito, perante o proprietário do veículo. Decisão: nega-se provimento aos recursos interpostos pela Tracção e por (P) C…, mas concede-se provimento ao recurso interposto por (W) …que se absolve do pedido. Custas por A. e RR na medida do respectivo decaimento
Lisboa, 24 de Outubro de 2008
(Salazar Casanova) |