Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1269/09.0TVLSB.L1-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CLÁUSULAS NULAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é uma doença do sistema imunológico humano causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), sendo este transmitido através do contato directo de uma membrana mucosa ou na corrente sanguínea com um fluido corporal que contêm o HIV, tais como sangue, sêmen, secreção vaginal, fluido preseminal e leite materno, não se transmitindo, porém, segundo os dados mais recentes, através do ar, tosse ou espirros, suor, aperto de mão ou abraços, saliva ou beijos, roupas, louças, talheres ou restos de comida, nem em sanitários, piscinas ou transportes públicos, por picadas de insectos ou através de animais.
II - O contrato de seguro outorgado por um Sindicato em representação e no interesse de um conjunto de trabalhadores, seus associados, assumindo aquele a posição de tomador e cada um destes a posição de segurado, renovável anualmente e destinado a garantir o pagamento do capital seguro aos beneficiários, caso a morte da pessoa segura ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, sendo o prémio pago pela entidade patronal, é um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, temporário e não contributivo.
III - Nos seguros de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura, havendo que distinguir os seguros de vida em “caso de morte” dos seguros de vida em “caso de vida”.
IV - Os seguros de vida em caso de morte são aqueles em que o segurador se obriga a pagar ao beneficiário (ou beneficiários) designado uma determinada importância, estando esta prestação condicionada à morte da pessoa segura.
V - Nos seguros de vida em caso de morte há ainda que distinguir os “seguros de vida inteira” e “seguros temporários”: nos seguros de vida inteira, a seguradora obriga-se ao pagamento do capital seguro no momento em que ocorra a morte da pessoa segura; nos seguros temporários, a seguradora só se obriga a pagar o capital seguro se a pessoa segura falecer até determinada data ou dentro dum período de tempo determinável.
VI - Os preceitos constitucionais relativos a «direitos, liberdades e garantias» (e os de natureza análoga) são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e as privadas, pessoas singulares ou colectivas, adquirindo assim eficácia erga omnes (artigo 18.º, n.º 1, da CRP).
VII - As normas atinentes a direitos, liberdades e garantias são sempre normas perceptivas, importanto, porém, distinguir as normas constitucionais que são exequíveis por si mesmas, daquelas que tenham uma natureza mais programática, cuja eficácia dependa de regulamentação a estabelecer pelo legislador ordinário.
VIII - Se a norma constitucional for exequível por si mesma, o interessado pode invocar os seus direitos, com fundamento nos próprios preceitos constitucionais, ainda que na falta ou insuficiência de lei ordinária.
IX - Se, pelo contrário, estiver apenas em causa o princípio da igualdade objectivamente considerado no quadro das relações privadas, deve ter-se em conta que o mesmo é um princípio informador de toda a ordem jurídica e que a sua transposição para o domínio do direito privado impõe algumas adaptações.
X - Entre os direitos fundamentais susceptíveis de aplicação directa e imediata figuram os princípios da igualdade e não discriminação, consagrados no artigo 13º da Constituição, pelo que se estiver em causa um autêntico direito fundamental de igualdade, tal como ele é definido na Constituição, e não um mero princípio de igualdade de natureza simplesmente objectiva, a questão da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais não pode ser posta em causa.
XI - As noções de igualdade e não discriminação encontram-se estreitamente ligadas entre si; o princípio da igualdade manda tratar do mesmo modo o que for igual e de modo diferente o que for desigual – é a chamada vertente positiva do princípio. Por isso, as diferenças de tratamento podem ser legítimas, ou seja, podem ter justificação. Mas esta não existe quando, sem fundamento substancial e ou objectivo, se trata de forma desigual o que é igual ou pelo menos semelhante, ou quando se trata por igual situações claramente diferentes. Por esta via se cria o que pode designar-se por discriminação – a proibição da discriminação é a vertente negativa do princípio da igualdade.
XII - Constitui orientação sedimentada no Tribunal Constitucional que o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP «vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional» e «postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)».
XIII - Este princípio impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e tratamento diferente ao que for essencialmente diferente, pelo que o Tribunal Constitucional tem entendido uniformemente que «igualdade» não significa proibição de tratamentos jurídicos diferenciados, mas antes a proibição de diferenças que afectem as pessoas e que não sejam fundamentadas à luz do próprio sistema constitucional.
XIV - O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções, mas proíbe o arbítrio, ou seja: proíbe diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes; e proíbe ainda a discriminação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do artigo 13º da Constituição.
XV - As diferenças de tratamento podem ser legítimas quando: a) se baseiam numa distinção objectiva de situações; b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2 do artigo 13.º da CRP; c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.
XVI - A enumeração dos factores de discriminação constante do n.º 2 do artigo 13.º da CRP é meramente exemplificativa, como resulta desde logo da parte final do n.º 1 do seu artigo 26.º, em que se consagra como direito pessoal a «protecção legal contra quaisquer formas de discriminação», sendo, todavia, igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas noutros motivos, sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático ou simplesmente arbitrários ou impertinentes.
XVII -Viola os princípios da igualdade e da não discriminação a inclusão, num seguro de grupo do ramo vida, em caso de morte, temporário, de uma ou várias cláusulas que estabeleçam um capital seguro a favor da generalidade das pessoas seguras, exceptuando-se apenas aquelas em que a morte for provocada ou agravada pela SIDA, em relação às quais o capital seguro é fixado, apenas com esse fundamento, em montantes inferiores.
XVIII - Tais cláusulas, por contrárias a disposição legal de carácter imperativo, são nulas, no segmento em que estabelecem que o capital seguro é reduzido apenas quando a morte da pessoa segura for provocada ou agravada pela SIDA.
XIX - Nos seguros de grupo, ramo vida, em caso de morte, a SIDA não pode ser tratada em paralelo com o suicídio, por estarem em causa situações muito diferentes, uma vez que, quanto ao suicídio, há razões objectivas que justificam um diferente tratamento, por estar em causa um acto voluntário do segurado, que poderá propiciar situações de fraude, o que não sucede em relação à morte provocada ou agravada pela SIDA.
XX - A lei portuguesa aceita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas apenas daqueles que, pela sua gravidade, isto é, que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral do lesado, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

I

1. A.. intentou a presente acção com processo ordinário contra “B…COMPANY” e  “C...SA”

Para tanto alegou, em síntese:
D.., filho da autora, era comissário de bordo da C…SA desde 1974 e, ao abrigo dos acordos estabelecidos entre o Sindicato… e aquela Companhia, no âmbito dos acordos colectivos de trabalho, todos os tripulantes de cabine passaram a estar cobertos por um seguro de vida e invalidez.
Para o efeito, a C…SA celebrou com a R. “B…COMPANY.., um contrato de seguro de grupo para os seus trabalhadores tripulantes de cabine, tendo por objecto cobrir os riscos de morte e os riscos complementares, o qual ficou titulado pela apólice nº ..., abrangendo, designadamente, o filho da A.
No dia 26/11/2005, o filho da A., que se encontrava ao serviço da 2ª Ré, veio a falecer por doença, constando do certificado de óbito que a causa da morte foi linfoma não Hodgkin, tipo B de alto grau, para o qual contribuiu o Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA).
Por informação da 2ª R., a A. veio a participar a morte do seu filho à 1ª R., no dia 6 de Janeiro de 2006, para receber o capital seguro.
Só após muita insistência e decorrido muito tempo é que a A., através do seu advogado, para o efeito constituído, logrou obter informação sobre a apólice e as suas condições contratuais, ficando então a saber que o valor do capital seguro em caso de falecimento era de €124.699,99, mas que este seria reduzido para €24.939,89 no caso de falecimento por doença causada ou agravada por Síndrome de imunodeficiência adquirida, de acordo com a acta Adicional nº 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, que ambas as RR subscreveram, assim alterando as condições de cobertura dessa apólice.
A 1ª R., de acordo com a garantia prestada pelo filho da A., liquidou directamente à Caixa Geral de Depósitos a quantia de €20.000,00, acrescida de €600,00 de despesas, tendo ficado com o remanescente de €4.339,89 que pretendeu entregar à A..
A A., no entanto, não se conformou com o valor do recibo de indemnização e recusou-se a receber tal quantia, esclarecendo que o seu filho nunca havia sido informado das condições gerais do seguro, tendo falecido na convicção de que a cobertura do seguro era igual à dos seus colegas, em caso de morte.
Considerando que as alterações introduzidas pela Acta Adicional n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, que alteraram as condições anteriormente estabelecidas, penalizam as pessoas seguras e constituem uma violação do princípio da igualdade e não discriminação consagrados na Constituição e, bem assim, os compromissos assumidos por Portugal nas Nações Unidas na Declaração de Compromisso da Luta contra a SIDA de 25 a 27 de Junho de 2001, expressou o entendimento de que essa acta deve ser declarada nula, nos termos dos artigos 280º, 294º e 405º, todos do Código Civil.
Tendo a nulidade efeito retroactivo, nos termos do artigo 289º do C.C., deveria ser pago à A. o valor de €104.699,99, correspondente ao capital seguro de €124.699,99, deduzidos da quantia de €20.600,00 que a 1ª R. pagou à Caixa Geral de Depósitos.

Pediu ainda a autora que as R.R. fossem condenadas a pagar-lhe a quantia de €124.699,99, igual ao capital do seguro, a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual, também acrescida de juros de mora contados desde o falecimento do filho, quanto à 1ª R., e desde a citação, quanto à 2ª R..

Finalmente, pede a condenação solidária das R.R. a pagar-lhe a quantia de €20.000,00, a título de indemnização por responsabilidade civil, a fixar nos termos do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006 de 25 de Agosto, atendendo à condição humilde da A., (rendimento anual de €5.300,00), ao sofrimento e à angústia, pelo acto de discriminação praticado pelas R.R. contra o seu falecido filho, cujas sequelas persistem, e ainda ao facto de não ter beneficiado da quantia do capital seguro para fazer face à sua sobrevivência durante 3 anos, tendo ainda em conta o poder económico dos autores da infracção, tudo com juros de mora à taxa legal, contados desde a data da propositura da acção.

2. Citada, a R. “B…COMPANY” confirmou a celebração do contrato de seguro com o Sindicato, que a partir de 1994 passou a ter como tomador do seguro a C…SA, esclarecendo ainda as sucessivas alterações que foram acordadas em actas adicionais n.ºs 283/21, de 28/10 de 1993, 290/22, de 1/2/1994, e 291/22, de 2/2/1994, que incidiram muito particularmente sobre o âmbito de cobertura e capital seguro.
Invocou igualmente a excepção do âmbito de cobertura do contrato de seguro, pois o filho da A. teria efectivamente falecido por complicações emergentes do SIDA e, por isso, a R. só estaria obrigada a pagar o valor da indemnização convencionada.
Sustentou também a legitimidade das alterações feitas ao âmbito de cobertura e dos capitais seguros, que foram negociadas pela associação sindical que representava o filho da A., as quais, do seu ponto de vista, não constituem qualquer discriminação ou violação ao princípio da igualdade, pois correspondem ao interesse das partes contratantes em função da constatação duma situação de agravamento do risco coberto, que foi comprovada por estudos actuariais, sendo o prémio acordado adequado às indemnizações previstas.
Também invocou a inaplicabilidade da responsabilidade civil pré-contratual, uma vez que o filho da A. não era parte no contrato, mas mero beneficiário do seguro, não sendo por isso devida a indemnização de €124.699,99 ou qualquer outra.
Finalmente, também pugnou pela improcedência do pedido fundado na Lei n.º 46/2006, por não ter praticado qualquer acto discriminatório, sendo que essa lei não estava em vigor, quer à data da morte do filho da A., quer à data das alterações operadas no contrato de seguro.
E concluiu pela inadmissibilidade das alterações ao pedido e causa de pedir constantes da petição reformada e pela procedência das excepções alegadas, com a consequente absolvição da R. da instância e do pedido.

3. A C…SA também contestou impugnando os factos alegados pela A., realçando que todas as alterações ao contrato de seguro foram negociadas pelo sindicato que representava o filho da A., sendo certo que do acordo de empresa celebrado com esse sindicato apenas se estabelecia que a entidade patronal garantia a existência de um seguro que cobrisse o risco de morte e incapacidade permanente, sem garantir valores do capital seguro.
Também sustentou que não tinha obrigação de divulgar as condições do seguro, mas que sempre prestou essas informações aos trabalhadores que manifestassem interesse nesse sentido, pelo que, se o filho da A. não conhecia as cláusulas do contrato de seguro, é porque não teve curiosidade para se inteirar do seu conteúdo.
Defendeu ainda que o filho da A. não foi alvo de qualquer discriminação, porque as alterações ao seguro foram acordadas pelo sindicato que o representava e foram estabelecidas num momento muito anterior à descoberta da sua doença, ou da assunção do compromisso por Portugal junto das Nações Unidas, sendo que esse trabalhador nunca se opôs às alterações assim convencionadas.

E concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

4. A A. replicou e concluiu como na petição, dizendo que não se verificam as excepções invocadas.
II
1. Findos os articulados, por despacho de fls. 245 a 250 foi admitida “nova petição inicial aperfeiçoada, dando-se sem efeito a apresentada inicialmente”.

Foi deduzido o incidente de intervenção provocada de M.., pai e co-herdeiro do falecido D.., o qual nada requereu.
No despacho saneador foram as partes julgadas legítimas.
Procedeu-se a audiência de julgamento.
Foram dadas as respostas aos vários artigos da BI, sem qualquer reclamação.
Finalmente foi proferida a competente sentença, com a absolvição das rés de todos os pedidos: «por todo o exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em conformidade, absolvemos as R.R. dos pedidos».

2. Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões:
1 - Da análise da matéria de facto, e aquela que mais interessa à decisão em crise, constata-se que está provado que:
1)- Em 01 de Janeiro de 1988 a 2ª Ré, B…COMPANY, (que na verdade é a 1ª Ré) celebrou com o SINDICATO (que não é parte nos presentes autos), um contrato de seguro de grupo, temporário, anual e renovável, titulado pela apólice ..., tendo como tomador o citado Sindicato e , desde 1994 a 1ª Ré C…SA;
2)- Que as condições gerais do referido contrato cobriam os riscos de morte (principal) e invalidez absoluta e permanente (acessória);
3)- Que o contrato de seguro de grupo se destinava a garantir o pagamento do capital seguro (25.000.000$00, em caso de morte);
12)- Que a C.. SA sempre agiu em plena sintonia com o Sindicato do trabalhador em causa, não se obrigando a manter qualquer valor pré estabelecido, podendo este sofrer tantas vicissitudes quantas aquelas que, paralelamente, a conjuntura económica da C…SA.. vier a determinar.
16)- a 2ª Ré C…SA e a 1ª Ré B..COMPANY, por acordo, subscreveram a Acta Adicional Nº 291/92, na sequência das negociações sindicais no ano de 1993 e início de 1994, entre a A... e a estrutura sindical a que o filho da A. pertencia, o SIDICATO, tendo a C...SA subscrito na referida acta aquilo que já anteriormente havia sido negociado entre o SINDICATO e a B… COMPANY(Resposta ao 20º da base instrutória). No caso em apreço, o valor do seguro em caso de morte por SIDA, foi reduzida para o valor de 5.000.000$00.
2 – Ora, a douta sentença em crise, nesta matéria de facto provada, profere graves irregularidade quer na apreciação dos factos quer na aplicação da Lei.
3 - Na verdade, em sede de negociação sindical, o Sindicato não deve nem pode negociar com uma entidade seguradora, as condições a estatuir no Acordo de Empresa porque esta não é parte activa nas relações em sede de contratação colectiva.
Os AE negociados em sede de contratação colectiva e publicados em BTE não contêm, nenhum deles, qualquer assinatura da B...COMPANY, como parte negocial, logo é entidade estranha a estes acordos.
4- A Acta adicional nº 283/21 à apólice celebrada em 28/10/1993, determinou o capital do seguro em caso de falecimento Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) seria reduzida para 10.000.000$00, como se refere no ponto 14 da matéria de facto provada, mas tal situação quer tenha sido celebrada pelo SINDICATO quer tenha sido celebrada pela 2ª Ré C..SA não as isenta de responsabilidades pela violação dos comandos da Constituição da República Portuguesa, e neste ínterim, mais uma vez se refere, o SIDICATO não é parte nos presentes autos, e se as RR entendessem que o deviam responsabilizar pela sua co-participação nesta ilegalidade, deveriam ter promovida o chamamento à demanda desta entidade, e não o fizeram.
5 - E existindo o citado seguro, com as coberturas que se conhecem, legais ou não, ao trabalhador (que constava da listagem fornecida pela 2ª Ré á 1ª Ré), ou aos seus beneficiários em caso da sua morte, é devido o pagamento do capital seguro, e nem vale a pena, como faz a sentença, fantasiar hipóteses de o seguro poder caducar pela passagem do trabalhador à situação de reforma, ou saber se as Seguradoras têm ou não contratos padronizados.
6 - E não parece correcta a afirmação simplista de que “o contrato de seguro dos autos é um contrato de seguro de grupo não contributivo, porque os segurados são meros beneficiários (cuja noção, também esta, a sentença “a quo” vai buscar ao artº 1º h) do DL 176/95, posteriormente revogado pelo DL 72/2008), e é também uma classificação abusiva, pois o contrato celebrado em 1983 não pode ter a classificação de uma norma elaborada em 1995 com revogação em 2008.
7 - E se a decisão “a quo” quiser fazer extrapolações temporais, diremos que o contrato de seguro de grupo assume a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes.
8 - O seguro de grupo, apesar de tradicionalmente não ter regulamentação autónoma, no nosso quadro legal, encontrava-se definido no DL 176/95 já aí se estatuindo que “o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si ao tomador por um vínculo ou interesse comum” mas nada mais (e mesmo assim uma definição posterior à data da celebração do contrato), pelo que foi sentida a necessidade de regular uma franja substancial da actividade seguradora que não tinha tratamento sistemático, como era o caso do seguro de grupo, por isso o legislador criou o RJCS (DL 72/2008) inserindo neste novo diploma, um conjunto de regras disciplinadoras de certas situações jurídicas que se generalizaram.
Ou seja, todo este conjunto de regras disciplinadoras, em que a sentença, em crise, se sustenta, só foram criadas após o óbito do filho da Autora, e obviamente muito após a celebração do contrato de seguro (1983) e portanto sem aplicação prática ao caso vertente.
9 - Deste modo, as asserções que as RR pretendem fazer valer, in casu, e que a douta sentença “a quo” sustenta, só poderiam ter viabilidade após a entrada em vigor do regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008) e nunca antes, pelo que é uma aplicação extemporânea, ilegal e até abusiva, face a nova realizada trazida pelo RJCS, e que só pode redundar na nulidade das cláusulas adicionais (todas).
10 -Não pode a A. deixar de refutar e de impugnar a consideração expendida na douta sentença quando refere, “temos desde já de realçar que, em face dos fundamentos alegados torna-se claro que o pedido é despropositadamente mais amplo que a causa de pedir que o sustenta”.
11 - Mas então não está formulado no pedido que: se deve considerar nula a acta adicional, tendo esta nulidade efeito retroactivo e, condenar-se a 1ª ré a pagar á autora a quantia de 124.699,99€ (que corresponde na antiga moeda a 25.000.000$00), mas deduzidos 20.000,00€ que a 1ª ré pagou à CGD por via de um adiantamento de um contrato promessa.
12 - Aliás, em nossa opinião, a douta sentença, ora em crise, enferma de um erro grosseiro de apreciação, quando, no ponto 3 do pedido de declaração de nulidade de acta adicional, refere que, “o que a A. quer é que seja declarada, “apenas” e só a nulidade parcial da acta adicional 291/11 de 3 de fevereiro de 1994. e tal não é verdade como até é contraditório com o pedido da ora reclamante.
13 - Se a autora pretendesse “apenas” a nulidade da citada acta, estaria a conformar-se com a redução de 25.000.000$00 para 10.000.000$00, o que não é manifestamente o caso. O que a autora pretende é a nulidade de todas as actas adicionais, porque todas elas se mostram violadoras dos preceitos constitucionais, quer sejam acordadas entre a B…COMPANY e o SINDICATO quer sejam acordadas entre a A… e a 2ª ré C…SA da autora vem pedir “apenas” a nulidade da acta 291/22, se formula o pedido de pagamento de 25.000.000$00.
14- O pedido não foi sustentado na disposição da Lei 46/2006. Outrossim teve apenas o condão de mostrar a preocupação do legislador na problemática das constantes descriminações que vinham sendo praticadas, a todos os níveis, mas não como sustentação do pedido. Este sustenta-se na violação da CRP e dos seus princípios fundamentais.
15 - Mas mais, secundarizando as posições da 1ª ré, sempre se dirá, que, grande parte da sustentação da sentença “a quo” se baseia, por exemplo, na lei 14/2008 de 12/3, onde se descreve que o legislador teve o cuidado de estabelecer alguns critérios legais que a este respeito importará relevar (…) especialmente em matéria de seguros, citando o seu artº 6º.
16 - Igualmente a sentença, em crise, apoia a sua decisão no regime jurídico dos contratos de seguros aprovado pelo decreto-lei 72/2008, de 16/4, citando o seu nº 2, no que tange à definição de práticas discriminatórias, e ainda o nº 15, sobre o estabelecimento da não proibição de praticas de avaliação, podendo inclusive a seguradora recusar ou agravar o prémio em razão da deficiência ou risco agravado de saúde.
17 - Ora, toda a sustentação da decisão tem suporte na evocação das disposições da lei 46/2006, de 28/8; no Decreto-Lei nº 72/2008, de 16/4 (regime jurídico dos contratos de seguros) e na lei 14/2008, de 12/3, e na verdade o óbito do trabalhador (filho da autora) ocorreu em Novembro de 2005.
18 - E é até pouco razoável que a douta sentença venha reconhecer que, “nenhuma destas leis estava em vigor seja no momento em que foi celebrado o contrato de seguro, seja no momento em que foram feitas as alterações, seja até no momento em que ocorreu o óbito do filho da autora, pelo que não se poderia impor á seguradora o cumprimento de formalidades inexistentes.
19 – Mas, todavia invoca-se, e isto é que é surpreendente, “é que o que releva para o caso concreto é que podem ser admissíveis tratamentos diferenciados na medida  em que tenham razoáveis justificações objectivas, competindo ao julgador, na falta de lei expressa directamente aplicável apreciar a justeza dessas possibilidades, como se Portugal que é um estado de direito, em sessão especial da assembleia geral das nações unidas, sobre o vih/sida, realizada em 25/27 de junho de 2001, subscreveu a declaração de compromisso, que previa a irradicação de todas as formas de discriminação que afectassem a dignidade humana subscreveu a citada declaração de compromisso a qual entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico, mediante regulamentação própria e específica.
20 - Com o devido respeito, parece-nos ser ainda um erro afirmar-se que, “se um sindicato tinha legitimidade para contratar o seguro em representação dos trabalhadores (cujo pagamento dos prémios era e sempre foi pago pela entidade empregadora) também tinha legitimidade para negociar e alterar as condições do mesmo (mesmo ao arrepio de disposições constitucionais).
21 - O problema é que não tinha, nem o SINDICATO (que não é parte nos presentes autos) nem a 1ª ré, nem a 2ª ré. e é até irrelevante e deslocado trazer-se à colação que alguns trabalhadores até podiam nem estar de acordo com as alterações produzidas.
22 - A constituição da república contém, na verdade, uma força geradora de direito privado, e as suas normas não são meras directivas pragmáticas de carácter indicativo (por isso estamos em frontal desacordo com a sentença “a quo”), são ao invés, normas vinculativas que devem ser acatadas pelo legislador pelo juiz e pelos demais órgãos do estado.
23 - Na verdade, o legislador deve emitir normas de direito civil não contrárias à constituição, e o juiz e os órgãos administrativos não devem aplicar normas inconstitucionais.
24 - As normas constitucionais, designadamente as que reconhecem direitos fundamentais, têm também, eficácia no domínio das relações entre particulares, impondo-se, por exemplo, à vontade dos sujeitos jurídico-privados nas suas convenções. O reconhecimento e tutela destes direitos fundamentais e princípios valorativos constitucionais no domínio das relações de direito privado processa-se mediante os meios de produção próprios deste ramo de direito, a nulidade, por ser contra a ordem pública (art. 280º c.c).
25 - Ora, o que é facto é que o artº 13º proíbe todas as formas de discriminação (pelo menos era um principio em vigor em Novembro de 2005) não podendo as relações entre privados sobrepor-se, como reconhece a sentença, às disposições constitucionais sob pena de violação destas, que resultará em nulidade dos actos praticados.
22 - O que a douta sentença pretende fazer prevalecer é um sentido economicista da aplicação do direito em detrimento dos princípios de formação do direito e dos princípios constitucionais, que são erga omnes.
27 - Na verdade, parece-nos, até imoral e pouco sensato dizer-se que a discriminação operada pela cláusula da acta adicional, em si mesma, não afecta de forma directa a dignidade da pessoa humana, mais não representando que um constante branqueamento das posições assumidas pelas RR, e até deveria questionar-se a 2ª ré se teve redução, nos prémios de seguros dos seus trabalhadores afectados por esta discriminação, como é reconhecida na decisão.
28 - A propósito da “suposta permissibilidade” tratamentos diferenciados na medida em que tenham razoáveis justificações objectivas, sempre se dirá, como referido na p.i. a posição assumida por Portugal em sede de reunião extraordinária das nações unidas sobre a problemática do flagelo do AIDS.
29 - Acresce que a apreciação feita em sede de responsabilidade pré-contratual, o que pretende o pedido é que a 2ª ré, que deu azo a que se produzisse esta violação com a sua conduta e com a sua contribuição, também seja penalizada em igual montante a título de responsabilidade pré-contratual, e não que se venha, de novo, reclamar qualquer participação à 1ª ré.
30 - Salvo o devido respeito não parece existir qualquer perplexidade, já que a 2ª ré não pode isentar-se da sua quota-parte de culpa e de responsabilidade, nesta trapalhada, para a qual contribuiu decisivamente.
31 - Na verdade, como refere o artº 6º do código civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nelas estabelecidas “ nomeadamente a disposição do artº 280º do mesmo C.C..
32 - Finalmente no que tange à questão da responsabilidade por actos discriminatórios, refere a douta sentença, e bem, a pretensão da autora, fundava-se no quadro da responsabilidade civil extracontratual, prevista no artº 483º e sgts.
33 - Ora, o que se verifica é que, não é tanto pessoalizar a questão dos autos, porque a questão é geral, consubstanciando um comportamento de dolo ou mera culpa, como se viu, pelo que a responsabilidade dos actos discriminatórios cabe às duas RR e não estava dependente um do outro, porque o acto foi único: a violação de deveres e de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.
34 - A decisão também refere a questão dos dados actuariais e da sua importância para a formação dos seguros, mas, salvo o devido respeito e melhor opinião, a questão da matemática actuarial deve ser afastada da apreciação dos presentes autos, uma vez que o diploma que lhe deu a instituiu não se encontrava em vigor na data do óbito do filho da autora no que tange á questão do risco financeiro, - artº 6º da lei 14/2008.
35 - Acresce que a seguradora não demonstrou nunca, como era sua obrigação, ter logrado provar, e tinha esse ónus, de ter comunicado ao segurado a descrição das especificadas cláusulas contratuais adicionais, e das quais a autora (sua mãe) só veio a tomar conhecimento por expresso pedido do seu mandatário, e tal omissão não exime a 1ª ré, da sua responsabilidade, como se refere no ac. da Relação de Lisboa de 17/2/2005.
36 - Na verdade, sendo o seguro de grupo um contrato de seguro deve ser-lhe aplicável, em primeira linha a legislação relativa a seguros. Depois, como o seguro de grupo não tinha regulamentação autónoma no quadro legal da nossa legislação, deve aplicar-se a legislação ao tempo em vigor. Ora, nos termos do artº 427º do Cod. Com., o contrato de seguro regula-se pelas disposições da respectiva apólice, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência pelas disposições desse mesmo código comercial.
37 - Além disso, estando em causa um contrato de seguro de adesão, é inequívoco que se tem que atender ao regime geral das clausulas contratuais gerais (e o aderente nunca foi conhecedor das clausulas adicionais) – dl 446/85 de 22/10, sendo certo que, apesar das alterações que este diploma recebeu em 1995, 1997 e 2001, nunca o legislador incluiu qualquer excepção previstas no seu artº 3º aos contratos de seguro, pelo que nenhuma cláusula das apólices goze de benefícios de excepção, acrescentando-se o facto de o nº 3 da clausula 5ª deste citado diploma dl 446/85 (e no que tange ás actas adicionais), estatuir que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva ao contratante (e aderentes) cabe ao contratante que submeta a outrem essas mesmas clausulas gerais.
38 - Perante a autora (e também perante o seu filho aderente do seguro) não tendo a 1ª ré seguradora cumprido o aludido dever de comunicação e explicação, tal facto acarreta que se considerem excluídas do contrato as citadas actas adicionais, como se prevê, entre outros, no ac. TAP de 12/04/2010, no âmbito do processo 1443/04.6tbgdm.p1, a propósito de uma situação de suicídio, com interesse para os presentes autos.
39 – A douta sentença violou o art. 280º do CC, artº 13º da CRP, 427º do código comercial. 483º CC, 3º, nº 3, clausula 5ª do dl 446/85 de 22.10.

E termina dizendo que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que mantenha válida, na parte não afectada, o contrato de seguro celebrado em 1983, determinando-se a NULIDADE DE TODAS AS CLAUSULAS ADICIONAIS, por violação do princípio da Igualdade previsto no artigo 13º da CRP, ex vi dos artigos 280º, 294º e 405º, todos do C. Civil, condenando-se as RR a pagarem à Autora as quantias pedidas

3. Em contra-alegações concluiu a ré seguradora:
A. Não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, veio a Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto e apresentar os fundamentos de direito pelos quais, em seu entender, deveria a mesma ser revogada.
B. Em súmula, entende a Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” enferma de graves irregularidades na apreciação da matéria de facto – que, contudo, não especifica – e viola o disposto nos artigos 280.º e 483.º do CC, 13.º da CRP, 427.º do C.Com e 3.º, n.º 3, e 5.º do RJCCG, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que “mantenha válido na parte não afectada o contrato de seguro celebrado em 1983, determinando-se a nulidade de todas as clausulas adicionais, por violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP, ex vi do art. 280.º,294.º e 405.º do CC, condenando-se as RR. a pagarem à Autora as verbas indemnizatórias referenciadas no seu pedido.”
C. Sucede, contudo, que, em sede do presente recurso, não poderá o Tribunal ad quem declarar a nulidade de todas as cláusulas adicionais ao contrato de seguro grupo temporário anual renovável, melhor identificado no ponto 1) da matéria de facto, porquanto, este pedido de declaração de nulidade de todas as cláusulas adicionais ao referido contrato de seguro grupo excede, manifestamente, os que haviam sido formulados na petição inicial, não sendo, subsequentemente, admissível, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 273.º do CPC.
D. Acresce que, conforme se deixará exposto infra, não assiste razão aos Recorrentes, não merecendo a douta decisão recorrida censura.
E. A Recorrente começa as suas alegações por indicar que irá especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e sobre os quais se impunha decisão diversa.
F. Porém, a Recorrente, em seguida, não especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto.
G. Atenta a sobredita omissão, deverá o recurso quanto à impugnação da matéria de facto ser rejeitado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 685.º-A do CPC.
H. No que respeita ao incumprimento do ónus previsto no artigo 685.º-B do CPC, vide por todos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 30/11/2010, com o n.º de processo 415491/08.8YIPRT.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
I. Note-se que a Recorrente se limita a citar os pontos 1) a 3), 12) e 16) da matéria de facto e a invocar que “em sede de negociação sindical, o sindicato não deve, nem pode, negociar com uma entidade seguradora, as condições a estatuir no Acordo de Empresa, porque esta não é parte activa nas relações em sede de contratação colectiva.”
J. Ora, em ponto algum da matéria de facto se constata que o Sindicato… negociou com a B…COMPANY as condições a estatuir no Acordo de Empresa. Conforme resulta dos pontos de facto 8) a 12) os Acordos de Empresa foram (e são) celebrados entre o SINDICATO e a C...SA
K. Mais refere a Recorrente que o facto de a acta adicional n.º 283/21, de 28 de Outubro de 1993, melhor identificada no ponto de facto 13), ter sido celebrada com o SINDICATO não isenta as Recorridas de responsabilidades e que se estas pretendiam responsabilizar aquele sindicato deveriam ter requerido a sua intervenção na presente lide, também, neste particular não se compreende qual o ponto de facto que a Recorrente pretende impugnar.
L. Finda, deste modo, a Recorrente a sua “impugnação” da matéria de facto, sem especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados ou indicar os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto.
M. Termos em que, deverá o recurso, quanto à impugnação da matéria de facto, ser rejeitado, ao abrigo disposto no artigo 685.º-A do CPC.
N. Nas suas alegações e previamente a pronunciar-se relativamente à violação do princípio da igualdade, vem a Recorrente reprovar a douta decisão recorrida por esta qualificar o contrato de seguro de grupo, como contributivo, considerar o 1.º pedido formulado na petição inicial despropositadamente mais amplo que a causa de pedir que o sustenta.
O. Sucede, contudo, que o contrato de seguro de grupo em apreço nos presentes auto é, efectivamente, um contrato de seguro de grupo contributivo (vide por todos José Vasques, in Contrato de Seguro, Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999) e que, ao invés do que parece ter sido percepcionado pela Recorrente, a decisão recorrida ao fazer alusão à desproporção do pedido, não se referia ao quantum indemnizatório, mas à amplitude da declaração de nulidade, porquanto não se justificaria que abrangesse toda a acta n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, mas tão só a 2.ª parte da cláusula 2.
P. Do mesmo modo não assiste razão à Recorrente ao alegar que a decisão recorrida enferma de um erro grosseiro no ponto 3 do capítulo III (“Enquadramento Jurídico”), porquanto, aquilo que a Recorrente pretendia, desde o início, era a declaração de nulidade de todas as cláusulas adicionais, porque todas elas violariam preceitos constitucionais. Tal não corresponde à verdade, na justa medida em que o pedido de declaração de nulidade formulado na petição inicial (aperfeiçoada) se dirige somente à acta n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994. Sendo que, é a própria decisão recorrida que alarga o conhecimento da pretensão formulada, ao reconhecimento de que se verificam em todas as actas adicionais um vício substantivo semelhante ao alegado quanto à da acta adicional n.º 291/22 de 2 de Fevereiro de 1994.
Q. Não assiste ainda razão à Recorrente ao alegar que a sentença recorrida assenta em diplomas que não estariam em vigor à data da assinatura do contrato de seguro de grupo em apreço nos presentes autos e da ocorrência do sinistro – falecimento da pessoa segura -, nomeadamente, na Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, no Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e na Lei 14/2008, de 12 de Março, pois, estes diplomas foram citados, em exclusivo, para enquadramento do regime legal e como cânone interpretativo, faculdade que é, de resto, colocada à disposição do julgador interprete pela nossa lei civil.
R. No que respeita à violação do princípio da igualdade e não discriminação, consagrado artigo 13.º da CRP, invocada pela Recorrente, subscreve-se, integralmente, o entendimento perfilhado na douta sentença recorrida.
S. As cláusulas a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto não são inválidas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, e 294.º do CC, por contrárias à lei imperativa e à ordem pública, nomeadamente por violação do princípio da igualdade e não discriminação, consagrado artigo 13.º da CRP.
T. Porquanto, o princípio da igualdade e não discriminação não proíbe diferenciações de tratamento, mas apenas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, que não tenham qualquer justificação ou fundamento material bastante (vide por todos Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, p. 340).
U. Sendo que o tratamento diferenciado previsto nas cláusulas a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto está fundado em razões objectivas e aceitáveis, não se traduziu numa imposição meramente arbitrária por parte da B…COMPANY, ou da C…,SA e não coloca em causa a dignidade da pessoa humana, em particular da pessoa segura, tendo sido acordado no quadro duma relação laboral colectiva, em que o sindicato tinha legitimidade para, em representação dos seus associados, entre os quais a pessoa segura, vincular todos os trabalhadores que pudessem fazer parte do “grupo segurável”;
V. Termos em que deverá manter-se a sentença recorrida, por não se ter verificado uma violação do princípio da igualdade e não discriminação, consagrado artigo 13.º da CRP, e, em consequência, não serem nulas as cláusulas a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, e 294.º do CC.
W. Do mesmo modo, no que respeita aos (vários) pedidos indemnizatórios formulados pela Recorrida se adere aos fundamentos constantes da sentença recorrida.
X. Uma vez que não poderia haver assunção de responsabilidade pré-contratual pelas Recorridas, por já existir uma relação contratual e já se ter verificado o facto que obriga ao cumprimento da obrigação estipulada no contrato de seguro de grupo – contrato a favor de terceiro.
Y. Sendo incompreensível que a Recorrente venha, em sede de alegações, esclarecer que o pedido fundado em responsabilidade pré-contratual seria tão-somente que a C…SA fosse responsabilizada, em simultâneo com a B…COMPANY, pelo pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes das cláusulas de redução do capital seguro que a Recorrente receberia, assim, em duplicado.
Z. De igual modo não poderia haver assunção de responsabilidade civil por factos ilícitos, por não terem sido alegados e provados os pressupostos previstos no artigo 483.º do CC, a saber, o facto, a ilicitude do facto, a imputação culposa do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nomeadamente por a conduta das Recorridas ser lícita e o único dano susceptível de indemnização ser o que poderia decorrer da redução do capital seguro.
AA. Termos em que deverá manter-se a sentença recorrida e a improcedência dos pedidos declarativos e condenatórios (pedidos de indemnização) formulados contra as Recorridas.
BB. Em sede de alegações veio ainda a Recorrente alegar que a B..COMPANY não teria cumprido o dever de comunicação, estatuído no artigo 5.º do RJCCG.
CC. Sucede que, como resulta dos pontos 12) a 17) da matéria de facto, o sindicato em que a pessoa segura e filho da Recorrente era filiado, o SINDICATO, interveio nas negociações das actas adicionais a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto. Sendo, inclusivamente, o tomador de seguro, aquando da outorga da acta adicional n.º 283/21, de 28 de Outubro de 1993, em que se encontra prevista, pela primeira vez, a redução do capital seguro.
DD. Dir-se-á, assim, que as cláusulas que compõem as actas adicionais a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto, não consubstanciam cláusulas contratuais gerais, por não terem sido elaboradas sem prévia negocial (artigo 1.º do RJCCG).
EE. Em todo caso, acresce que era ao tomador de seguro que cabia o dever de comunicar aos aderentes o teor das cláusulas que compunham o contrato de seguro de grupo a que aderiam, bem como fornecer-lhe os esclarecimentos que tivessem por necessários, sem prejuízo da B…COMPANY lhe providenciar meios, para o efeito (vide por todos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º de processo 07B1277, datado de 10-05-2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
FF. Acresce que não é crível que o filho da Recorrente desconhecesse o teor das cláusulas que compunham o contrato de seguro de grupo, porquanto o capital seguro foi dado em garantia de um contrato de mútuo celebrado, pelo mesmo, junto da Caixa Geral de Depósitos, beneficiária do contrato de seguro de grupo, a quem, de resto, já foi paga a quantia de € 20.000,00 (pontos 33) a 34) da matéria de facto). Sendo também exigível diligência da parte que vai aderir às referidas cláusulas (vide por todos Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com o n.º de processo 1582/07.1TBAMT-B.P1, datado de 23-09-2010, disponível para consulta em www.dgsi.pt)
GG. Deverá, assim, manter-se a decisão recorrida, por as cláusulas que compõem as actas adicionais a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto não consubstanciam cláusulas contratuais gerais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1.º do RJCCG, ou por o dever de comunicação, estatuído no artigo 5.º do RJCCG, ter sido cumprido, sendo, subsequentemente, válidas as actas adicionais a que é feita referência nos pontos 13) a 15) da matéria de facto.
HH. Termos em que deverá manter-se a sentença recorrida por esta, ao invés do alegado pela Recorrente, não violar o disposto nos artigos 280.º e 483.º do C.C., 13.º da CRP, 427.º do C. Com e 3.º, n.º 3, e 5.º do RJCCG.

4. Em contra-alegações concluiu a T..:
1. A douta sentença não oferece qualquer reparo.
2. As alegações da autora não se fundamentam nem se consubstanciam em qualquer facto dado como provado, nem colocam em causa a prova produzida em sede do tribunal “a quo”.
III
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Vem provada a seguinte matéria de facto:
1) A 1 de Janeiro de 1988, a 2ª R., B,,,COMPNY, celebrou com o Sindicato.., um contrato de seguro de grupo temporário anual, renovável, titulado pela apólice n.º ..., no qual figurava como tomador o sobredito Sindicato, tendo, depois de 1994, passado a ser identificado como tomador a ora 1ª R., C…SA (cfr. doc.s de fls 42 a 47, 114 a 151, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – (Al. A) dos factos assentes);
2) Nos termos do art. 2.º das condições gerais do referido contrato, o mesmo tinha por objecto cobrir o risco de morte – cobertura principal – e os riscos complementares previstos nas condições especiais que passaram a integrar o contrato de seguro de grupo, por força das acta adicional n.º 730/27, datada de 1 de Julho de 1998, a saber: (i) extensão da garantia – complementar de invalidez absoluta e permanente; (ii) extensão da garantia – complementar de morte por acidente; (iii) extensão da garantia – complementar de morte por acidente de circulação; e (iv) extensão da garantia – complementar de duplo efeito (cfr. doc. de fls 114 a 151) – (Al. B) dos factos assentes);
3) O contrato de seguro de grupo celebrado com a A… destinava-se a garantir o pagamento do capital seguro, em caso de morte de Pessoa Segura, no caso em apreço de D… – (Al. C) dos factos assentes);
4) Ao abrigo do disposto nos artigos 11.º e 12.º das condições gerais, podiam aderir ao contrato todos os candidatos que compunham o grupo segurável (cfr. cit. doc. a fls 118 a 119) – (Al. D) dos factos assentes);
5) De acordo com as actas adicionais n.º 290/22 e n.º 291/22, datadas de 1 e 2 de Fevereiro de 1998, respectivamente - que estabeleceram as condições particulares do contrato de seguro de grupo - compunham o grupo segurável todos os tripulantes de cabine ao serviço da C..,SA constantes das listas fornecidas pela mesma à A… (cfr. doc.s de fls 140 a 151) – (Al. E) dos factos assentes);
6) Após a adesão, nos termos do artigo 6.º das condições gerais do contrato de seguro de grupo, cada Pessoa Segura podia escolher os beneficiários que teriam o direito a receber o capital garantido em caso de falecimento, sendo que em caso de falecimento da Pessoa Segura, a B…COMPANY pagaria o capital garantido aos beneficiários ou, em caso de falta ou pré-morte destes, ao cônjuge da Pessoa Segura ou, em caso de falta ou pré-morte deste, aos herdeiros da Pessoa Segura (cfr. cit. doc. a fls 116) – (Al. F) dos factos assentes);
7) No caso, em 30 de Novembro de 2004, a Pessoa Segura estabeleceu uma cláusula beneficiária em favor da Caixa Geral de Depósitos, em …, até ao pagamento do montante em dívida (cfr. doc.s de fls. 153 a 156) – (Al. G) dos factos assentes);
8) A 2ª R. (C..SA), procede anualmente a negociações com os Sindicatos representativos dos seus trabalhadores, no caso vertente, com o Sindicato.., estrutura sindical da qual o falecido D… era filiado, cumprindo escrupulosamente o clausulado do Acordo de Empresa em vigor – (Resposta ao 14º da base instrutória);
9) Em todos os Acordos de Empresa, outorgados com o referido Sindicato desde 1988, a C.. SA obriga-se tão só e apenas, nos termos do n.º 1 da cláusula 73ª, a garantir “aos tripulantes um seguro cobrindo os riscos de morte, incapacidade permanente ou perda de licença de voo, e incapacidade temporária, total ou parcial, resultante de doença ou acidente, inerente ou não à prestação de trabalho, bem como os riscos de guerra e de zonas epidémicas” – (Resposta ao 15º da base instrutória);
10) Em nenhuma cláusula do referido Acordo de Empresa se estipula, ou alguma vez se estipulou no passado, que a C...SA deva, ou esteja obrigada a proceder à divulgação dos termos ou valores em que o referido seguro de vida é anualmente negociado – (Resposta ao 16º da base instrutória);
11) Os valores a atribuir aos beneficiários da referida apólice são susceptíveis de negociação anual com a 1ª R. (B…COMPANY), estando na completa disponibilidade das partes (C…SA e B…COMPANY) a negociação e alteração anual dos montantes em causa, atendendo nomeadamente à conjuntura económica da C…SA – (Resposta ao 17º da base instrutória);
12) A C…SA agiu sempre em plena sintonia com o Sindicato do trabalhador em causa, não se obrigando a manter qualquer valor pré-estabelecido, podendo este sofrer tantas vicissitudes quantas aquelas que, paralelamente, a conjuntura económica da C…SA vier a determinar – (Resposta ao 18º da base instrutória);
13) A essa apólice de seguro foi aditada uma acta adicional n.º 283/21, em 28 de Outubro de 1993, entre a B…COMPANY e aquele que à época era Tomador de Seguro, o Sindicato, nos termos da qual ficou estabelecido relativamente ao capital seguro em caso de morte, na cláusula 2.ª da acta, que: “I -O Capital Seguro em caso de Falecimento fixa-se em 25.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 10.000.000$00 (Dez Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura.” (cfr. doc. de fls 158 a 159) – (Al. H) dos factos assentes);
14) Após a 2ª R., C..SA, ter passado a figurar no contrato de seguro de grupo como Tomador de Seguro, em 1 de Fevereiro de 1994 foi celebrada a acta adicional n.º 290/22, nos termos da cláusula 2.ª da qual ficou estabelecido que: “I -O Capital Seguro em caso de falecimento fixa-se em 25.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 10.000.000$00 (Dez Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura.” (cfr. doc. de fls 141 a 145) – (Al. I) dos factos assentes);
15) A acta adicional n.º 290/22 foi alterada, a 2 de Fevereiro de 1994, pela acta adicional n.º 291/22 e, no que respeita ao capital seguro em caso de morte, a cláusula 2.ª passou ter a seguinte redacção: “I -O Capital Seguro em caso de Falecimento é fixado em 25.000.000$00 (Vinte milhões de escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 5.000.000$00 (Cinco milhões de escudos) para cada Pessoa Segura.” (cfr. doc. de fls 147 a 151) – (Al. J) dos factos assentes);
16) A 2ª R., C…SA, e a 1ª R., B…COMPANY, por acordo, subscreveram a Acta Adicional n.º 291/22, na sequência de negociações sindicais decorridas no ano de 1993 e início do ano de 1994, entre a B…COMPANY e a estrutura sindical a que o filho da A. pertencia, o SINDICATO, tendo a C..SA subscrito na referida acta aquilo que já anteriormente havia sido negociado entre o SINDICATO e a B…COMPANY – (Resposta ao 20º da base instrutória);
17) O sindicato (…), de que o filho da A. era filiado, negociou a referida Acta, tendo sido essa estrutura sindical (…) que a propôs negociar e aceitar, tendo depois sido apenas assinada pela 2ª R. (C..SA), como tomadora do seguro – (Resposta ao 21º da base instrutória);
18) O filho da A., desde 1994 até à data do seu falecimento, em 2005, nunca pôs em causa o conteúdo da acta adicional, bem como aos valores pecuniários constantes do seguro em causa – (Resposta ao 22º da base instrutória);
19) Os valores monetários do contrato de seguro são livremente negociados pela C…SA e B…COMPANY, sempre com audição prévia do Sindicato representativo desta classe de trabalhadores, o SINDICATO, tendo as referidas condições outorgadas na Acta n.º 290/22 de 1 de Fevereiro de 1994, em tudo idêntica à Acta n.º 291/22 de 2 Fevereiro de 1994, sido mantidas no essencial ano de 1997, através da Acta n.º 540/25 de 13 de Fevereiro de 1997 (cfr. doc. de fls 215 a 216) – (Resposta ao 23º da base instrutória);
20) As diversas actas aditadas ao contrato de seguro de grupo dos autos, espelhavam as negociações, em regra anuais, encetadas entre a B…COMPANY e o Sindicato…, até 9 de Fevereiro de 1994, sendo desde então negociadas directamente com a C…SA– (Resposta ao 24º da base instrutória);
21) A redução do capital seguro, em casos excepcionais – que abrange os doentes de Sindroma de Imunodeficiência Adquirida, mas também doentes do foro psicológico ou ortopédico – tem como pressuposto a atribuição de contrapartidas pela Seguradora, como sejam as extensões de garantia, previstas nas condições especiais, ou a diminuição do prémio pago pelo Tomador de Seguro, que foram aceites pelo sindicato, e negociados pela entidade patronal – (Resposta ao 25º da base instrutória);
22) No ano de 1993 houve um aumento muito significativo da sinistralidade relativa à apólice em causa, o que obrigou a que tivesse sido ponderada a necessidade de aumentar proporcionalmente o prémio de seguro, mas como a C…SA não aceitou aumentar a comparticipação que dava para o SINDICATO pagar o respectivo prémio, tal levou a que esse sindicado tivesse acordado com a seguradora em reduções nas coberturas que ficaram a constar das actas adicionais n.º 283/21 de 22 de Outubro de 1993, n.º 290/22 de 1/2/1994 e n.º 291/22 de 2/2/1994, nomeadamente quanto aos valores das indemnizações por certos tipos de sinistros, aí se incluindo a ponderação que então se fazia do aumento de risco de morte que importava a consideração do Sindroma de Imunodeficiência Adquirida  -(Resposta ao 27º da base instrutória);
23) A redução do capital seguro no caso de Sindroma de Imunodeficiência Adquirida, ou de doença causada, ou agravada por aquele Sindroma, ou quando a Pessoa Segura padece de doenças do foro psiquiátrico ou do foro ortopédico é motivada por estudos de actuariais destinados a calcular os riscos futuros e financeiros e em função destes determinarem o prémio de seguro a pagar pelo tomador – (Resposta ao 26º da base instrutória);
24) Por escritura de habilitação de herdeiros de 21 de Dezembro de 2005, foi declarado que D…, faleceu no dia 26 de Novembro de 2005, no estado de solteiro, maior, sem deixar descendentes, nem tendo feito testamento ou qualquer disposição de última vontade, sendo seus únicos herdeiros os seus pais, A…, aqui A., e M…, aqui chamado a intervir (cfr. doc. de fls 16 a 18) – (Al. L) dos factos assentes);
25) De acordo com o certificado de óbito de D.., este faleceu a 26 de Novembro de 2005, em consequência de Linfoma Não Hodgkin tipo B de alto grau, para o qual contribuiu o facto de padecer de Síndrome Imunodeficiência Adquirida (cfr. doc. de fls 40) – (Al. N) dos factos assentes);
26) Essa causa de morte foi corroborada pela carta remetida pelo Hospital…, onde se menciona que: “Em resposta à carta de V.Ex.ª referente ao Processo n.º … do Senhor D…, falecido neste hospital em 26 de Novembro de 2005 cumpre-me informar o seguinte:
- O doente foi seguido na consulta externa de infecciologia e medicina tropical deste hospital desde 18 de Abril de 2002, data em que foi requisitada serologia anti-VIH-1 que veio a revelar-se positiva.
- O diagnóstico de Linfoma não Hodgkin foi conhecido em 26/10/2005 na avaliação histológica de biopsia ganglionar efectuada em 18 de Outubro de 2005.” (cfr. doc. de fls 170) – (Al. O) dos factos assentes);
27) A 2ª R., T…, participou o óbito da Pessoa Segura à 1ª R., B…COMPANY, mediante carta, datada de 3 de Janeiro de 2006 (cfr. doc. de fls 161) – (Al. M) dos factos assentes);
28) Na ausência de notícias sobre o pagamento do seguro por parte da 1ª R., a A. constituiu um Advogado para junto da seguradora obter informação sobre o pagamento do prémio e respectivo valor – (Resposta ao 2º da base instrutória);
29) Contactado telefonicamente, a 19 de Maio de 2006, o Sr. LC, do departamento de sinistros da 1ª R., pelo advogado da A., foi solicitado que enviassem uma procuração forense, emitida pela A. – (Resposta ao 3º da base instrutória);
30) Na sequência dessa conversa telefónica, o mandatário da A., enviou á 1ª R. a carta de fls 41 datada de 30 de Maio de 2006, acompanhada da respectiva procuração forense, solicitando informação sobre o estado em que se encontravam os processos, por não ser conhecida uma resposta sobre o pagamento das indemnizações previstas nas respectivas apólices – (Resposta ao 4º da base instrutória);
31) No dia 18 de Outubro de 2006, o mandatário da A. contactou telefonicamente o funcionário LC do Departamento de Sinistros da 1ª R., tendo obtido a informação de que o processo ainda não estava concluído, informando ainda que o prémio anual devido pelas coberturas contratuais encontrava-se fixado nas condições particulares, de acordo com o artº 3º das condições especiais, e da Acta Adicional nº 291/22 de 02 de Fevereiro de 1994 e que o valor do capital seguro em caso de falecimento era de €124.699,99, mas seria reduzido para €24.939,89 no caso de falecimento por doença, Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, ou de doença causada ou agravada pelo dito sindroma, de acordo com a acta Adicional nº 291/22, a 02 de Fevereiro de 1994, que as 1º e 2ª Rés subscreveram – (Resposta ao 5º da base instrutória);
32) No dia 20 de Outubro de 2006, a 1ª Ré, através do Sr. LC do departamento de Sinistros, remeteu para o mandatário da Autora um fax, com as condições especiais da apólice (cfr. doc. de fls 48 a 49) – (Resposta ao 6º da base instrutória);
33) Foi considerando o teor da cláusula beneficiária do contrato de seguro de grupo dos autos e que D… fazia parte do grupo segurável como tripulante de cabine ao serviço da C..SA, tendo a pessoa assim segura falecido de doença – Línfoma Não Hodgkin tipo B de alto grau, causada e agravada pelo Sindroma de Imunodeficiência Adquirida –, que a 1ª R., A…, após a participação do óbito pela 2ª R., C..,SA procedeu ao pagamento, no dia 3 de Janeiro de 2006, do montante em dívida à Caixa Geral de DepósitoS, que ascendia a € 20.000,00, acrescidos de despesas, no valor de €600,00 (cfr. doc.s de fls 160 a 167) – (Al. P) dos factos assentes);
32) A 1ª R., A.., uma vez pago o montante em dívida (€ 20.000,00) à Caixa Geral de Depósitos – beneficiária do contrato de seguro de grupo – remeteu carta ao mandatário da A., à qual seguia anexo recibo de indemnização, no valor de €4.339,89, que deveria ser entregue à B…COMPANY a contra entrega do pagamento daquele montante (cfr. dos. de fls 172 a 174) – (Al. Q) dos factos assentes);
33) A A. recusou receber somente tal quantia e não procedendo à assinatura e devolução do referido recibo – (Al. R) dos factos assentes);
34) Quer a companhia 1ª R. (B..COMPANY), quer a entidade patronal 2ª R. (C..SA), nunca informaram, nem nunca entregaram ao filho da A. cópia das condições gerais, especiais e particulares do seguro subscrito – (Resposta ao 7º da base instrutória);
35) A 1ª R. e a 2ª R. nunca informaram nem esclareceram o filho da A. sobre as cláusulas do contrato de seguro, entre ambas celebrado – (Resposta ao 8º da base instrutória);
36) A A. só tomou conhecimento das condições gerais e particulares do seguro em causa com a carta de 18 de Outubro de 2006 – (Resposta ao 9º da base instrutória);
37) O falecido sempre esteve convencido que a cobertura do seguro era igual à dos seus colegas, em caso de morte – (Resposta ao 10º da base instrutória);
38) A 2ª R. (C…SA), por regra, não costuma fornecer aos seus trabalhadores documentação relacionada com os contratos de seguro, excepto quando esta lhe seja expressamente solicitada e se justifique a sua apresentação a propósito duma situação concreta, nomeadamente tendo em vista accionar um seguro ou resolve problemas concretos com a seguradora relativos a determinado seguro, sendo que no caso da A., a 2ª (C…SA) remeteu aquela para a 1ª R. (B…COMPANY) no sentido de resolver o problema da indemnização devida – (Resposta ao 11º da base instrutória);
39) O filho da A. nunca solicitou qualquer informação relativa ao contrato de seguro à T... – (Resposta ao 19º da base instrutória);
41) A A. vive apenas do rendimento duma pensão de reforma de valor não apurado – (Resposta ao 12º da base instrutória);
42) A A., que já se sentia desamparada com a morte do filho que era o seu único suporte, ficou perturbada com o facto de as R.R. não assumirem o pagamento da indemnização por morte que considerava ser a devida – (Resposta ao 13º da base instrutória).
**
Perante os factos apurados, vejamos quais as questões a decidir, sendo certo que é pelas conclusões da recorrente que se determinam o âmbito e os limites do recurso (artigo 684.º, n.º 3, do CPC).
A) Eventual alteração da matéria de facto;
B) Conhecimento da eventual nulidade das actas adicionais n.ºs 283/21 e 290/22.
C) Caracterização do contrato de seguro celebrado entre a “A…” e o Sindicato;
D) Conhecimento da alegada nulidade e inconstitucionalidade das actas adicionais n.ºs 283/21, 290/22 e 291/22, por violação dos princípios da igualdade e não discriminação consagrados no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
E) Da alegada responsabilidade pré-contratual das RR.
F) Aplicação da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, e o dever de indemnizar.
IV

1. Poderia deduzir-se do início das alegações deste recurso que a autora pretenderia que fosse alterada a matéria de facto, chegando mesmo a afirmar: «vejamos, pois, os concretos pontos, de facto, que se consideram incorrectamente julgados, e sobre os quais se impunha e impõe decisão diferente, e que consequentemente, vão impugnados».
A verdade é que em parte alguma se indicam os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados.
Vejamos.
A presente acção foi proposta em Maio de 2009, pelo que é aplicável o C.P.Civil na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, em vigor desde 01.01.2008.
Como estatui o n.º 1 do artigo 712.º do CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documentos novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Aqui apenas poderia estar em causa a alínea a).
Estipula o artigo 685º-B, sob a epígrafe «o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto»:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3. (…)
4. (…)
5.(…)»
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 522.º-C determina: [q]uando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.  

2. Esta matéria vinha regulada de forma semelhante no artigo 690.º-A do CPC anterior à reforma de 2007.
Pode ler-se no preâmbulo do Decreto-lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que aditou o artigo em análise: «[a] consagração desta nova garantia (duplo grau de jurisdição em matéria de facto) das partes no processo civil implica naturalmente a  criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso é à respectiva fundamentação».
Em anotação ao mesmo artigo refere LEBRE DE FREITAS[1]: «[n]o nº 1, impõe-se ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (neste sentido: AMÂNCIO FERREIRA, Manual cit., p. 157, criticando o ac. do STJ de 1.10.98, BMJ, 480,p.348, que, mais sensatamente, mas em contrário do texto legal, julgou dever ser convidado o apelante a suprir a falta)».
Também em anotação a este artigo escreve LOPES DO REGO[2]:
«Este preceito, aditado pelo DL n.º 39/95, vem estabelecer um particular ónus de alegação e fundamentação a cargo do recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Tal solução é justificada no preâmbulo daquele diploma legal: “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».
Finalmente, esclarece o mesmo autor que, no sentido de se desincentivar claramente possíveis manobras dilatórias, este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa sobre matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos n.ºs 1 e 2.
E resulta do n.º 1 do artigo em análise (art. 685.º-B, com a redacção resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) que o recorrente tem de proceder obrigatoriamente a estas especificações, sob pena de rejeição do recurso nessa parte.
Pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que aditou este artigo: «[é] ainda de referir a alteração das regras que regem o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, determinando que cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição…».
Por outro lado, tem sido entendimento dos nossos Tribunais Superiores que a reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712º, do C.P.C., não pode confundir-se com um novo julgamento[3]. É também o que resulta do preâmbulo do citado DL nº39/95, onde se refere que «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento ...». E, ainda, que « ... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC, segundo o qual “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está confiado ao tribunal da 1ª instância, sendo certo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, podendo entrar também elementos que não podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio.

3. Tais requisitos de admissibilidade de impugnação da decisão de facto tem em vista delimitar o objecto do recurso quanto aos pontos de facto questionados, identificar os meios de prova convocados para a sua reapreciação e, quando se trata de prova gravada, permitir a sua fácil localização no suporte de registo, quer por parte do recorrido, quer por parte do tribunal de recurso.
Como consta da acta de audiência de discussão e julgamento, os depoimentos das testemunhas foram gravados. Por isso, a recorrente deveria indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. E, como se disse, também deveriam ser especificados os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que “imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Todavia, como salientámos, a recorrente começa as suas alegações dizendo que irá especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e sobre os quais se impunha, em seu entender, decisão diversa da apurada. A verdade é que não especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusessem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto, razão pela qual o recurso terá de ser rejeitado quanto à eventual alteração da matéria de facto.

4. A recorrente, nas conclusões 1 a 3 (para onde se remete), limita-se a citar os pontos 1 a 3 e 12 e 16 da matéria de facto provada, a afirmar que a sentença (“nesta matéria de facto provada”) “profere graves irregularidades quer na apreciação dos factos quer na aplicação da lei”, e a invocar que “em sede de negociação sindical, o sindicato não deve, nem pode, negociar com uma entidade seguradora, as condições a estatuir no Acordo de Empresa, porque esta não é parte activa nas relações em sede de contratação colectiva.”
Ora, em ponto algum da matéria de facto se afirma que o Sindicato  negociou com a seguradora as condições relativas ao Acordo de Empresa. Pelo contrário: resulta da matéria de facto dada como provada sob os nºs 8 a 12 que os Acordos de Empresa eram celebrados entre o SINDICATO e a C...SA
Consequentemente, entende-se que a apelante apenas quis dizer que, perante os factos apurados, a solução a dar ao pleito deveria ser outra. Mas, por um lado, fê-lo de forma pouco clara e, por outro, isso nada tem que ver com uma eventual a alteração da matéria de facto, sendo certo que, em qualquer circunstância, não se verificam os necessários pressupostos.

V
1. A A. pede que seja declarada a nulidade da Acta Adicional n.º 291/22, de 2 de Fevereiro de 1994, invocando para o efeito que a mesma viola normas de interesse público na parte em que estabelece condições discriminatórias para a definição do capital garantido em caso de morte, nomeadamente pela redução de 25.000.000$00 para 5.000.000$00 quando a causa do falecimento seja o SIDA ou doença causada ou agravada pelo SIDA.
A este propósito foi referido na douta sentença:
«Temos desde já de realçar que, em face dos fundamentos alegados, torna-se claro que o pedido é desproporcionadamente mais amplo que a causa de pedir em que se sustenta. No fundo, o que a A. quer é que seja declarada, apenas e só, a nulidade parcial da Acta Adicional n.º 291/22 de 2 de Fevereiro de 1994, no que se refere à 2ª parte da sua cláusula 2, n.º I (…), pois só essa parte enferma do vício apontado».
Mas diz a apelante neste recurso que não é assim, pois, caso contrário, estaria a conformar-se com a redução do prémio de 25.000.000$00 para 10.000.000$00, o que não corresponde à verdade. «O que a autora pretende é a nulidade de todas as actas adicionais porque todas elas se mostram violadoras dos preceitos constitucionais, quer sejam acordadas entre a B…COMPANY e o SINDICATO quer sejam acordadas ente a  B… COMPANY e a 2ª ré C…SA.»
Como vimos, em 1 de Janeiro de 1988, a B…COMPANY celebrou com o Sindicato… um contrato de seguro de grupo anual, renovável, titulado pela apólice n.º ..., no qual figurava como tomador[4] este Sindicato, tendo, depois de 1994, passado a figurar nessa qualidade a C….SA
Mas ficou ainda provado:
A essa apólice de seguro foi aditada uma acta adicional n.º 283/21, em 28 de Outubro de 1993, entre a B.. COMPANYe aquele que à época era Tomador de Seguro, o Sindicato, nos termos da qual ficou estabelecido relativamente ao capital seguro em caso de morte, na cláusula 2.ª da acta: “I -O Capital Seguro em caso de falecimento fixa-se em 25.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 10.000.000$00 (Dez Milhões de Escudos) para cada Pessoa;
Depois de a C…SA ter passado a figurar no contrato como Tomador de Seguro, em 1 de Fevereiro de 1994 foi aditada a acta adicional n.º 290/22, na qual ficou estabelecido: O Capital Seguro em caso de falecimento fixa-se em 25.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 10.000.000$00 (Dez Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura”;
Esta acta adicional (n.º 290/22) foi alterada, em 2 de Fevereiro de 1994, pela acta adicional n.º 291/22 e, no que respeita ao capital seguro em caso de morte, a cláusula 2.ª passou ter a seguinte redacção: “O Capital Seguro em caso de Falecimento é fixado em 25.000.000$00 (Vinte milhões de escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 5.000.000$00 (Cinco milhões de escudos) para cada Pessoa Segura.”
Quer na acta adicional n.º 283/21, quer a acta adicional n.º 290/22, estabeleceu-se que o capital seguro, em caso de falecimento, seria de 25.000.000$00, excepto no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o capital foi fixado em 10.000.000$00 para cada pessoa segura.
Mas, segundo a acta n.º 291/22, o capital seguro continuaria a ser de 25.000.000$00 para cada pessoa segura, excepto em caso de suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o capital foi reduzido para 5.000.000$00.

Portanto, a única diferença entre estas três actas reside na redução do capital seguro (nas duas primeiras para 10.000.000$00 e na última para 5.000.000$00) no caso de suicídio, SIDA ou de doença causada ou agravada por este Síndrome.

2. Parece não haver qualquer dúvida de que a razão de ser destas alterações é a mesma, pelo que aquelas actas adicionais terão de ter igual tratamento, não havendo qualquer razão para que seja apreciada apenas a alegada nulidade relativa a esta última, em que o capital foi reduzido a 5.000.000$ no caso de a morte ocorrer por doença provocada ou agravada pelo SIDA. Como diz a apelante, o contrário significaria a aceitação da redução do capital seguro de 25.000 euros para 10.000 euros, o que, manifestamente, não se verifica, como resulta claramente da petição inicial.
Não faria o menor sentido declarar-se a nulidade de uma cláusula e manter outra ou outras, sofrendo todas do mesmo vício: a nulidade
O que está em causa em qualquer delas é saber se houve violação do princípio da igualdade e da não discriminação, e os motivos invocados nesse sentido são os mesmos, quer na redução do capital para 10.000.000$00 (pelas actas 283/21 e 290/22) quer na sua redução para 5.000.000$00 (pela acta 291/22).
E, tratando-se de cláusulas nulas, sempre seriam de conhecimento oficioso (artigo 286.º do C. Civil).
VI
1. A principal questão posta à nossa consideração consiste em saber se a cláusula II de cada uma das actas n.ºs 283/21, 290/22 e 291/22, acordadas entre a seguradora e o tomador do seguro, nos termos das quais foi estabelecido que o capital seguro em caso de falecimento foi fixado em 25.000.000$00 para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma, em que o Capital garantido foi fixado em 10.000.000$00 para cada Pessoa Segura (nas duas primeiras actas) e em 5.000.000$00 na terceira, são nulas, por violação do princípio da igualdade e não discriminação na parte quem em que o capital é reduzido para 10.000.000$00 e 5.000.000$00, respectivamnte.

No entender da apelante, a disposição legal imperativa e de ordem pública pretensamente violada seria o princípio da igualdade e não discriminação consagrado fundamentalmente no artigo 13º da C.R.P., nos termos do qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Mas a Constituição consagra o mesmo princípio noutras disposições normativas: no artigo 26º, n.º 1, garante, como direito pessoal, nomeadamente, «a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação[5]»; e do artigo 71.º ressalta  também a preocupação de garantir a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, nomeadamente na vertente relativa a pessoas que sejam portadoras de deficiências[6].
«O direito à protecção legal contra qualquer forma de discriminação é a expressão subjectiva do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º e nessa medida poderia defender-se que é tautológico. A generalidade dos casos de discriminação colocados à jurisdição constitucional tem sido, aliás, resolvida no âmbito do princípio geral da igualdade (acórdão n.º 436/00). A referência do artigo 26.º, n.º1, tem, no entanto, um sentido útil. Por um lado, parece impor um dever de legislar sempre que seja necessário tomar medidas para combater as formas de discriminação que a Constituição considera intoleráveis. Por outro lado, contribui para esclarecer e reforçar o sentido e o alcance dos outros direitos pessoais.[7]»
Estas disposições constitucionais, que definem direitos fundamentais, têm aqui uma particular relevância prática, na medida em que o artigo 18º, n.º 1, da C.R.P. estabelece que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas».
Aqui se salienta o carácter preceptivo, e não meramente programático das normas sobre direitos, liberdades e garantias.
Esta norma constitucional contém, no entender de Jorge Miranda/Rui medeiros, os mais importantes dos princípios materiais comuns aos direitos, liberdades e garantias num Estado de Direito democrático[8]:
1. A aplicação imediata dos preceitos constitucionais (n.º 1, 1ª parte);
2. A vinculação de todas as entidades públicas (n.º 1, 2ª parte;
3. A vinculação das entidades privadas (n.º 1, 3ª parte);
4. A reserva de lei (n.º 2);
5. O carácter restritivo das restrições (n.ºs 2 e 3), traduzida, designadamente, em proporcionalidade (n.º 2, 2ª parte), generalidade e abstração de lei restritiva (n.º3, 1ª parte), proibição de lei restritiva retroactiva (n.º 3, 2ª parte) e garantia do conteúdo essencial (n.º 3, 3ª parte).
Importa aqui ter em especial consideração os princípios referidos em 1 e 3.
Aqueles princípios constitucionais têm, pois, imediata aplicação, nos termos que referiremos nas relações jurídicas estabelecidas entre entidades privadas, tendo as normas constitucionais, em matéria de direitos fundamentais, força bastante para adstringirem os comportamentos de todos os cidadãos entre si, sem necessidade de mediatização do legislador ordinário[9].
«As normas atinentes a direitos, liberdades e garantias são sempre normas perceptivas. Importa, porém, distinguir consoante sejam ou não exequíveis por si mesmas (o que corresponde a dois modos ou a dois gaus, um mais intenso do que o outro, de consagração dos direitos e de vinculação legislativa).[10]»
Por conseguinte, é muito importante distinguir as normas constitucionais que são exequíveis só por si, daquelas que tenham uma natureza mais programática, cuja eficácia dependa de regulamentação a estabelecer pelo legislador ordinário.
«Se a norma constitucional for exequível por si mesma, o sentido específico do n.º 1 [do artigo 18.º], consistirá na possibilidade imediata de invocação dos direitos por força da Constituição, ainda que haja falta ou insuficiência de lei. A regulamentação legislativa, se se der, nada acrescentará de essencial: apenas poderá ser útil (ou porventura necessária) pela certeza e segurança que criar quanto às condições de exercício dos direitos ou quanto à delimitação frente a outros direitos.[11]»
 Nestes casos, pode o cidadão invocar os seus direitos com esse mesmo fundamento, ainda que na falta ou insuficiência de lei ordinária.
«Pelo contrário, se a norma não for exequível por si mesma (…) o sentido do artigo 18.º, n.º 1, será a adstrição do legislador a editar as medidas legislativas para dar cumprimento à Constituição sem dependência das condições programáticas – económicas e institucionais – descritas no artigo 9.º, alínea d). Na falta dessas medidas, ocorrerá inconstitucionalidade por omissão, com a consequente sujeição ao regime de controlo do artigo 283.º»[12].
Assim, o legislador ordinário limita-se a “regulamentar” as normas constitucionais que são exequíveis por si sós, mas tem que concretizar as normas constitucionais não exequíveis por si mesmas.
E referem a propósito GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA: «A primeira característica do regime próprio dos “direitos, liberdades e garantias” é de as normas que os reconhecem e garantem serem directamente aplicáveis (n.º 1).[13]»
«Os direitos, liberdades e garantias não estão, prima facie, dependentes de lei concretizadora. Em termos jurídico-dogmáticos, os direitos e garantias são diretamente aplicáveis porque: (1) concebem-se e valem constitucionalmente como norma concretamente definidora de posições jurídicas (norma normata) e não apenas como norma de produção de outras normas jurídica (normas normans); (2) prima facie, isto é, numa primeira aproximação, aplicam-se sem necessidade de interposição conformadora de outras entidades, designadamente do legislador (interpositio legislatoris); (3) também, em princípio, constituem direito actual e eficaz e não apenas directivas de aplicabilidade futura.[14]»
E bem se compreende que assim seja, pois trata-se de princípios fundamentais dum Estado de direito democrático, não podendo ser postos em causa pelo legislador ordinário. No entanto, o facto de serem directamente aplicáveis não dispensa a investigação dos pressupostos de aplicabilidade directa. «Com efeito, e em primeiro lugar, a aplicabilidade directa não significa que as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias configurem, desde logo, direitos subjectivos, absolutos e autónomos susceptiveis de poderem valer como alicerce jurídico necessário e suficiente para a demanda de posições jurídicas individuais. A aplicabilidade directa não dispensa, em segundo lugar, um grau suficiente de determinabilidade, isto é, um conteúdo jurídico suficientemente preciso e determinável quanto aos pressupostos de facto, consequências jurídicas e âmbito de protecção do direito invocado, sendo a própria Constituição a dizer que, em certos casos, se torna indispensável uma lei concretizadora. Em terceiro lugar, a aplicabilidade directa transporta, em regra, direitos subjectivos, o que permite: (1) invocar as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias, na ausência da lei; (2) invocar a invalidade dos actos normativos que, de forma directa, ou mediante interpretação, infrinjam os preceitos consagradores de direitos, liberdades e garantias, impondo-se, assim, na solução dos casos concretos, contra a lei e em vez da lei, ou contra determinada interpretação da lei.»[15]
Os preceitos relativos a «direitos, liberdades e garantias» vinculam desde logo as entidades públicas, como não poderia deixar de ser. Mas vinculam também as entidades privadas, pessoas singulares ou colectivas, adquirindo assim eficácia geral, erga omnes[16] (n.º 1, in fine). Ou seja, o princípio da igualdade pode ter também como destinatários os próprios particulares nas relações entre si (eficácia horizontal do princípio da igualdade).
É que, tal como o Estado, também os cidadãos nas suas relações privadas têm o dever de não perturbar ou impedir o normal exercício dos direitos fundamentais. A eficácia das normas destes direitos nas relações privadas transforma estes em princípios objectivos de ordem jurídica civil, tornando inválidos os actos ou negócios jurídicos que lhes sejam contrários[17].
A questão que se põe é a de saber se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é uma eficácia imediata ou mediata, isto é, se a vinculação das entidades privadas decorre de forma directa e necessária dos direitos constitucionalmente garantidos ou se se afirma apenas através da lei, isto é, na medida em que o Estado configure legalmente a situação jurídica das entidades privadas de acordo com os direitos fundamentais. «A solução depende essencialmente de saber se constitucionalmente existe apenas um princípio de igualdade, de natureza simplesmente objectiva, ou se existe (e em que medida) um autêntico direito fundamental de igualdade, pois, neste último caso, aplica-se a regra da eficácia directa dos “direitos, liberdades e garantias” nas relações entre particulares»[18]. Por isso, o problema não se suscita relativamente àqueles direitos fundamentais de igualdade expressamente previstos na Constituição, em sede de “direitos, liberdades e garantias” (ou dotados de natureza análoga), pois quanto a estes é inequívoco que beneficiam do regime do artigo 18.º, n.º 1; e o mesmo sucede relativamente aos direitos fundamentais que, não pertencendo ao elenco dos direitos, liberdades e garantias, gozam, todavia, de eficácia imediata nas relações entre particulares por força de normas constitucionais expressas[19].
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[20] o texto da Constituição não faz qualquer restrição e «o facto de se dizer que os direitos fundamentais são “directamente aplicáveis e vinculam as entidades (…) privadas”, parece não poder deixar de ler-se no sentido de que os direitos fundamentais previstos neste artigo têm uma eficácia imediata perante entidades privadas». E, no dizer dos mesmos autores «aplicam-se também às relações entre particulares e, em princípio, nos mesmos termos em que se aplicam às relações entre os particulares e o Estado».
É neste contexto que se coloca a questão da “eficácia horizontal” dos direitos, liberdades e garantias definidos na Constituição, na medida em que não está em causa a mera relação vertical entre o Estado e os cidadãos, mas também as relações, ditas “horizontais”, entre entidades privadas, nas suas relações entre si (Drittwirkung).
Outra questão de grande relevância para o caso em apreço consiste em saber se a eficácia dos “direitos, liberdades e garantias” nas relações privadas vale para todos eles e para todas as relações privadas ou se deveria limitar-se àqueles direitos e àquelas relações em que se exprimem relações de poder ou de dependência que justifiquem qualquer analogia com as relações entre o individuo e os poderes públicos.
Aqueles mesmos autores[21] defendem que a eficácia das normas dos direitos fundamentais nas relações privadas transforma estes em princípios objectivos da ordem jurídica civil, tornando inválidos os actos ou negócios jurídicos contrários aos direitos fundamentais e susceptíveis de serem civil e criminalmente sancionáveis os  factos que os infrinjam. «Do que não há dúvida, porém, é que a Constituição portuguesa faz aplicar expressamente os direitos fundamentais às relações entre entidades privadas, sem qualquer restrição ou limitação…». «Desse modo, a aplicação dos direitos, liberdades e garantias às relações ente particulares só não tem lugar no caso daqueles direitos que, expressamente, ou pela sua própria natureza, só podem valer perante o Estado…»

2. Entre os direitos fundamentais susceptíveis de aplicação directa e imediata estão precisamente os princípio da igualdade e não discriminação, consagrados no artigo 13º da Constituição, sendo, contudo, necessário, clarificar algumas situações.
Para Gomes Canotilho e Vital Moreira[22], se estiver em causa um autêntico direito fundamental de igualdade, tal como ele é definido na Constituição, e não um mero princípio de igualdade de natureza simplesmente objectiva, a questão da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais nunca pode ser posta em causa.
Se, pelo contrário, estiver em causa apenas o princípio da igualdade objectivamente considerado no quadro das relações privadas, deve ter-se em conta que o mesmo é um princípio informador de toda a ordem jurídica e que a sua transposição para o domínio do direito privado impõe algumas adaptações, por forma a não aniquilar a especificidade das relações jurídico-civis.
Assim, a vinculação do direito privado ao princípio da igualdade deve respeitar:
a) a proibição de discriminação com base nas categorias subjectivas especificamente previstas no n.º 2 do artigo 13º da C.R.P.; b) a aplicação geral do princípio da igualdade, através da imposição de um dever de igualdade de tratamento relativamente a indivíduos ou organizações que sejam titulares duma posição de poder social, e c) a aplicação geral do mesmo princípio, mediante a exigência de tratamento igual nas relações com particulares que explorem serviços ou estabelecimentos abertos ao público.
No caso sub judice, trata-se de uma norma que confere o direito à igualdade e não discriminação, pelo que não seria necessária qualquer lei ordinária a concretizar estes princípios. Embora, como é evidente, a lei ordinária sempre possa esclarecer dúvidas, podendo, por isso, ser útil (ou porventura necessária) pela certeza e segurança que possa criar quanto às condições de exercício desses direitos ou quanto à sua delimitação de outros. Deste modo, no fundo, os diplomas legais que viessem a ser publicados sobre a aplicação do princípio da igualdade, em nada acrescentariam de essencial ao direito fundamental consagrado no artigo 13º, limitando-se a concretizar aspectos concretos da sua aplicabilidade e a esclarecer casos duvidosos.
Tal como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[23], há que ter em conta as regras específicas de igualdade e diferenciação constantes da Constituição que se impõem às relações particulares, nos actos e contratos que nelas directamente se subsumam. «Nas relações entre os particulares [para além dos casos a que aqueles Autores se referem na anotação XI que fazem ao artigo 13.º], prevalece o princípio da autonomia privada, salvo quando ocorram discriminações que, para lá da cláusula geral do artigo 13º, n.º 2, da Constituição, atinjam a dignidade das pessoas ou comportem abusos de poder de facto».

VII
Mas há que concretizar um pouco melhor em que se traduz o princípio da igualdade, com relevância para o caso em apreço.

1. A Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da igualdade no artigo 13.º, que dispõe:
«Artigo 13
(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
As questões relativas ao princípio da igualdade têm sido amplamente tratadas entre nós tanto pela doutrina[24]como pela jurisprudência.
No acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 199/2009, de 28 de Abril, foi referido ser vasta a sua jurisprudência sobre o princípio da igualdade, nas suas várias dimensões, como resulta de uma síntese feita no seu acórdão n.º 232/2003, de 13 de Maio de 2003[25]. Neste, por sua vez, foi salientado que o acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no acórdão nº 563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade.
Com efeito, procede-se naquele aresto (232/2003), citando e transcrevendo passagens de outros acórdãos do mesmo Tribunal, a uma síntese do acervo jurisprudencial anterior sobre o princípio da igualdade, que se mantém sem alterações[26].
Naquele douto acórdão refere-se que é orientação seguida pelo Tribunal Constitucional a de que o princípio da igualdade «vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional» e «postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)». O princípio «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas».
Para o Tribunal Constitucional, caem sob a alçada da “proibição do arbítrio” desigualdades materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. «Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação de iniciativa do legislador». À proibição do arbítrio acrescem mais duas dimensões ou vertentes do princípio da igualdade que são a proibição da discriminação, que significa a ilegitimidade de qualquer diferenciação baseada em critérios subjectivos, como são aqueles que vêm referidos no n.º 2 do artigo 13da Constituição, e a obrigação de diferenciação, que surge com forma de compensar as desigualdades de oportunidades.

2. Mas vejamos mais em pormenor algumas das referências feitas naquele acórdão (232/2003)
    «[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
    “1.1.- O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, gene­ricamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, si­tuação económica ou condição social”.
    Princípio estruturante do Estado de Direito demo­crático e do sistema constitucional global (cfr., neste senti­do, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princí­pio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, te­nham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdi­cional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da "atribuição aos preceitos constitucionais res­peitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vincula­tividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (arti­go 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. acórdão do Tribunal Cons­titucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990).
    Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamen­te, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o trata­mento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)  -  cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
    1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
    Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de con­formação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94  -  sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico di­verso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídi­cas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”).  A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propó­sito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Juris­prudência, ano 124, pág. 327;  Alves Correia, O Plano Urbanís­tico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425;  acórdão nº 330/93).
    Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legis­lador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, ob. cit., pág. 402) o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da "di­ferença" de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
    O nº 2 do artigo 13º da Constituição da República enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente  -  presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade  -  mas que são enunciados a título meramente exemplicativo:  cfr., v.g., os Acórdãos nºs. 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e, I Série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer nº 1/86, da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol., 1º, pág. 5 e segs., maxime pág. 11.  A intenção discriminatória (...) não opera, porém, automa­ticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de ra­zoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade"».
O Tribunal Constitucional (acórdão nº 412/02, in D.R., II Série, de 16-12-2002), recordou que o princípio da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.
Nesse acórdão, o Tribunal apoiou-se ainda em duas anteriores decisões suas, começando por citar o que se disse no Acórdão nº 180/99 (in AcTC, 43º vol, pp. 135ss):
“(...) O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem‑se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]”.
Lembrou, depois, a linha argumentativa do acórdão nº 409/99 (in AcTC, vol. 44º, pp 461ss):
O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in “Diário da República”, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).

3. É, com efeito, antiga, e encontra-se consolidada, a jurisprudência do Tribunal Constitucional que vem densificando o conteúdo do princípio da igualdade contido no artigo 13º da CRP.
E sempre tem entendido que «igualdade» não significa proibição de tratamentos jurídicos diferenciados; significa antes a proibição de diferenças que afectem as pessoas e que não sejam fundamentadas à luz do próprio sistema constitucional. No dizer de Dworkin, não está – não pode estar – aqui em causa um «direito» das pessoas a um tratamento em todos os casos iguais; o que está em causa é o «direito» a ser-se tratado como um igual. (Ronald Dworkin, Sovereign Virtue, The Theory and Practice of Equality, Harvard University Press, 2000, p. 11).
«Uma coisa é a proibição do arbítrio, ou de diferenças legislativamente impostas e que não tenham a justificá-las um qualquer fundamento racional bastante; outra, a proibição de discriminação, ou de diferenças que encontrem o seu fundamento em certos “critérios subjectivos” que, pela sua estreita relação com a dignidade das pessoas, a Constituição entendeu serem à partida insusceptíveis de justificar a existência de regimes jurídicos distintos. A utilidade do “distinguo” –  disse-o o Tribunal Constitucional, por exemplo, no Acórdão nº 191/88 (DR, Iª série, nº 231, p. 4080) – não está apenas no facto de ele ter acolhimento no próprio texto da Constituição, que reserva o n.º 2 do artigo 13º à enunciação separada da proibição de discriminação; está ainda, e sobretudo, no facto de às duas “dimensões da igualdade” corresponderem testes de constitucionalidade dotados de diversa “densidade”. É que «quando ao nível normativo se estabelece uma diferenciação que se escora em um desses factores» [os tais ‘critérios subjectivos’ que se mostram à partida como insusceptíveis de fundamentar diferenças de trato entre as pessoas], então, «será de presumir, ao menos à partida, que se está perante uma discriminação constitucionalmente inadmissível», sendo que «se posterior investigação revelar que tal factor é a única e exclusiva causa da diferenciação, então será certo e seguro que se registará infracção ao princípio constitucional da igualdade» (Acórdão nº 191/88, loc. cit.). Mas se forem outros e diferentes os motivos que fundaram a diferença diverso terá que ser, também, o teste de constitucionalidade que se lhes aplicará…»[27].

4. Portanto, este princípio não impede o legislador de estabelecer distinções. Mas proíbe que adopte medidas discriminatórias - o que vale por dizer que lhe proíbe que estabeleça tratamentos desiguais sem fundamento material bastante para o efeito (ou seja, sem que exista um fundamento razoável, uma justificação objectiva e racional).
  No acórdão nº 39/88, publicado no Diário da República, I série, de 3 de Março de 1988, foi escrito, a propósito: o princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do artigo 13º.

5. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) vem entendendo como discriminação a distinção desprovida de justificação objectiva e razoável, isto é, uma distinção que não prossegue uma finalidade legítima ou em que não se detecta uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregados e o fim visado.
Para ser objectiva, a distinção colocada perante o Tribunal terá de se fundar em características de um grupo ou categoria social e não de pessoas tomadas individualmente; a distinção será razoável na medida em que, embora se reporte a esse grupo, não implique a inversão do princípio da igualdade. Por sua vez, o Tribunal vem seguindo a orientação de que o juízo de proporcionalidade consente às autoridades nacionais uma certa margem de apreciação quanto às diferenciações em apreciação, na medida em que aquelas autoridades muitas vezes se encontram confrontadas com situações cuja diversidade reclama soluções jurídicas diferentes, sem embargo de o Tribunal entender que a existência de um denominador comum aos sistemas jurídicos dos Estados membros é um índice pertinente do carácter razoável ou não razoável da diferença de tratamento.
VIII
Antes de prosseguirmos seja-nos permitida uma pequena incursão no domínio da medicina e na evolução da doença e sua repercussão a nível mundial, para melhor compreensão do que está em causa.
1. A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é uma doença do sistema imunológico humano causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). O VIH é um vírus de tal modo poderoso que, ao entrar no organismo, dirige-se ao sistema sanguíneo, onde começa de imediato a replicar-se, atacando o sistema imunológico, destruindo as células defensoras do organismo humano e deixando a pessoa infectada (seropositiva), mais debilitada e sensível a outras doenças, as chamadas infecções oportunistas que são provocadas por micróbios e que não afectam as pessoas cujo sistema imunológico funciona regularmente.
A SIDA é o estado mais avançado da doença provocada pelo VIH. Infectado o indivíduo pelo HIV, reage o organismo através da produção de anticorpos específicos, incapazes, ao que parece, de o eliminar, permanecendo em estado latente durante mais ou menos tempo sem provocar a doença.
O vírus pode manter-se incubado no corpo humano por tempo indeterminado, sem que manifeste quaisquer sintomas. Uma pessoa infectada pode não ter sinais de doença, podendo aparentar um estado saudável durante alguns anos. A SIDA caracteriza-se, pois, por uma quebra do sistema imunitário do organismo.
O HIV é transmitido através do contato directo de uma membrana mucosa ou na corrente sanguínea com um fluido corporal que contêm o HIV, tais como sangue, sêmen, secreção vaginal, fluido preseminal e leite materno.
Mas tem sido afirmado, por outro lado, que não se transmite através do ar, tosse ou espirros, suor, pelo aperto de mão ou abraços, saliva ou beijos, roupas, louças, talheres ou restos de comida, nem em sanitários, piscinas ou transportes públicos, por picadas de insectos ou através de animais.
A SIDA foi relatada pela primeira vez pelos Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos, em 1981, e a sua causa, o HIV, foi identificado no início dos anos 80 do século XX. Pouco tempo depois foi reportada na Europa, com características epidemiológicas, imunológicas e clínicas idênticas, constituindo-se como uma pandemia, com 42 milhões de infectados, por exemplo, em 2003[28].
Embora os tratamentos para a SIDA e HIV possam retardar o curso da doença, não há actualmente nenhuma cura ou vacina.
Em 2007, estimava-se que 33,2 milhões de pessoas viviam com a doença em todo o mundo e que tenha provocado a morte a cerca de 2,1 milhões de pessoas, incluindo 330.000 crianças. Todavia, mais de três quartos dessas mortes ocorreram na África Subsaariana.
Em Portugal, até 30 de Junho de 2002, foram recebidas pelo Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis notificações de 20.256 casos de infecção por VIH, dos quais 9.386 casos de SIDA, destes, 357 causados por VIH-2 e 130 casos que referem infecção associada VIH-1 e VIH 2. Desde 1996, pela primeira vez registou-se, no ano 2000, diminuição no número de casos de SIDA, reflectindo o efeito da terapêutica anti-retroviral de combinação (HAART) na retardação da progressão para SIDA. Os casos de SIDA confirmam o padrão epidemiológico registado, anualmente, a partir de 2000, com aumento proporcional do número de casos de transmissão heterossexual e diminuição daqueles associados à toxicodependência, que representam 50,1% do total de casos notificados. Em 2001, os homossexuais representavam 5,8% dos casos de SIDA, os heterossexuais 35,7% e os toxicodependentes 53,7%[29].
Desde 1983 até 2009, a doença já tinha infectado em Portugal quase 35 mil pessoas.

2. O debate ético-legal em torno do VIH e da Sida tem sido realizado por todo o lado e tem assumido especial enfase a nível das instituições internacionais, de que destacamos[30].
- O Conselho da Europa e os Ministros da Saúde dos Estados-membros deliberaram, em 4 de Junho de 1991, a adopção de um plano de acção para 1991/93, denominado "A Europa contra a Sida", prolongado até 31 de Dezembro de 1995, cujo ponto 6. versa sobre a "Análise a nível comunitário, em cooperação com os Estados membros, de situações discriminatórias, reais ou potenciais neles verificadas, nomeadamente em matéria de emprego, seguros, habitação, educação e cuidados de saúde".
- A Organização Mundial de Saúde, na 41ª Assembleia Mundial da Saúde, adoptou, em 13 de Maio de 1988, a Resolução intitulada "Non-discrimination à l'égard des personnes infectées par le VIH et les sidéens". Solicitou aos 167 Estados-membros a protecção dos direitos do homem e a dignidade das pessoas infectadas pelo VIH ou pela Sida e a eliminação de acções discriminatórias no que concerne, além do mais, ao fornecimento de serviços, incluindo as viagens e o emprego.
Para a implementação de medidas nesse sentido foram invocadas três razões, do ponto de vista da saúde pública,.
Em primeiro lugar, considerou o facto de o VIH se propagar, quase sem excepção, por comportamentos identificáveis e acções específicas - relações de sexo e administração de drogas por via intravenosa - que relevam em geral do livre arbítrio de cada um.
Em segundo lugar, porque na maior parte dos casos, a transmissão do VIH resulta do contacto de duas pessoas, bastando que a pessoa infectada ou não infectada mude de comportamento para que não ocorra a transmissão.
Finalmente, salientou-se que o VIH é comummente transmitido por comportamentos privados, secretos, clandestinos e, em alguns países, ilegais.
E concluiu-se que a estigmatização e discriminação relativamente aos portadores do VIH e/ou afectados pela Sida os estimula à clandestinidade e à ocultação da doença e, consequentemente, à indiferença perante os meios de tratamento socialmente disponíveis e à afectação negativa da saúde pública.
- No contexto VIH/SIDA, no âmbito de uma consulta internacional sobre a matéria, foi sublinhado que o respeito das normas internacionais relativas aos direitos do homem não é só uma exigência jurídica, mas também assume utilidade prática na luta contra a Sida e constitui um imperativo moral para a humanidade.
O Anexo III reporta-se a vários aspectos sobre os direitos do homem.
No que concerne ao direito ao trabalho, salienta-se que, na medida em que neste domínio podem ser permitidas certas formas de discriminação, a questão é a de saber se objectivamente existe ou não uma relação entre o motivo da discriminação e a execução correcta e eficaz das tarefas concernentes.
Acrescenta-se que, se a um candidato a um emprego, este é recusado pela simples razão de estar ou de se supor estar infectado pelo VIH, isso poderá atentar contra o direito dessa pessoa ao trabalho, a menos que esteja estabelecido que a inexistência da infecção constitui qualificação indispensável e necessária para o efeito ou que, pela sua natureza, compromete a execução das tarefas em causa.
Sublinha-se, além disso, que a situação das pessoas infectadas pelo VIH não é diversa das que sofram de outra doença de repercussões análogas, e que não deve ser imposta a despistagem em causa no quadro da avaliação da aptidão para o trabalho.

3. Vário textos jurídicos internacionais se pronunciam directa ou indirectamente sobre esta questão:
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948[31]:
Nos termos do artigo 1º, todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, e, por força da primeira parte do artigo 2º, podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, de origem nacional ou social, fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Face ao disposto nos artigos 7º, 21º, nº 2, e 23º, nº 1, todos são iguais perante a lei e têm direito, sem distinção, à sua protecção, designadamente contra qualquer discriminação, bem como ao acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país, e o direito ao trabalho de sua livre escolha.
- No quadro dos sistemas regionais importa considerar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 4 de Novembro de 1950.
Nos termos do artigo 8º, qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, sem que no seu exercício possa haver ingerência da autoridade pública, salvo, além do mais, para a protecção da saúde ou dos direitos e liberdades de terceiros.
E à luz do artigo 14º, o gozo dos direitos e liberdades reconhecidas na Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões, origem nacional ou social, pertença a minoria nacional, riqueza, nascimento ou qualquer outra situação.
- O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido, por um lado, que o respeito pela vida privada consagrado no artigo 8º da CEDH e que resulta das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, é um dos direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica comunitária, que comporta o direito das pessoas manterem secreto o estado de saúde, e, por outro, que podem ser impostas restrições aos direitos fundamentais por ela protegidos desde que correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que atente contra a própria essência do direito protegido (Acórdão de 5 de Outubro de 1994, "Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância", 1994-10, páginas -4781 a 4793).
IX
Do contrato de Seguro.
1. Está em causa um contrato de seguro de grupo, anual e renovável, celebrado em 01.01.1988 entre o Sindicato… e a companhia de Seguros “B…COMPANY”, no qual figurava como tomador aquele Sindicato, tendo, depois de 1994, passado a ocupar essa posição a R. C.. SA
Nos termos do artigo 2.º das condições gerais do contrato, o mesmo tinha por objecto cobrir o risco de morte – cobertura principal – e os riscos complementares previstos nas condições especiais que passaram a integrar o contrato de seguro de grupo, por força das acta adicional n.º 730/27, datada de 1 de Julho de 1998, a saber: (i) extensão da garantia – complementar de invalidez absoluta e permanente; (ii) extensão da garantia – complementar de morte por acidente; (iii) extensão da garantia – complementar de morte por acidente de circulação; e (iv) extensão da garantia – complementar de duplo efeito. E destinava-se a garantir o pagamento do capital seguro, em caso de morte da pessoa segura, aos seus beneficiários.
O contrato de seguro tinha a sua regulamentação geral nos artigos 425º e seguintes do Cód. Comercial, conjugado com o Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, que inicialmente estabeleceu o regime jurídico dos contratos de seguro, sendo agora a sua disciplina prevista e regulada pelo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
O artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) aprovado por este diploma legal reza assim: «Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente».
O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente acordado.
E, segundo Guerra da Mota[32], o seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma quantia em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado) se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou de casos fortuitos) ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas.
Assim, uma pessoa (segurado) transfere para outra (seguradora) o risco da verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento, como contrapartida, de uma determinada prestação pecuniária.
Trata-se, assim, de um contrato bilateral (dele nascem obrigações para ambas as partes), oneroso (as prestações de ambas as partes implica uma atribuição patrimonial), tipicamente aleatório (na medida em que a prestação da seguradora está dependente de um evento futuro e incerto), de prestações recíprocas (o pagamento do prémio tem como correspectiva a obrigação garantir um risco) e de execução continuada.
Entendia-se assim que o seguro era um negócio formal, já que devia ser reduzido a escrito num instrumento que constituía a apólice de seguro[33], regulando-se pelas estipulações particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste, pelo disposto no Código Civil, ex vi dos artigos 3º e 427º do C. Comercial.
Entretanto, conforme preceituado no artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, a validade do contrato não depende da observância de forma especial. Todavia, o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa, tal como anteriormente, por apólice, e a entregá-lo ao tomador do seguro. Aliás, isso mesmo resulta do seu preâmbulo: «quanto à forma, e superando as dificuldades decorrentes do artigo 426.º do Código Comercial, sem descurar a necessidade de o contrato de seguro ser reduzido a escrito na apólice, admite-se a sua validade sem observância de forma especial (…). Quanto à validade do contrato, ele não depende da observância de qualquer forma especial».

2. O seguro do ramo vida tinha regulação própria nos artigos 455º e seguintes do Código Comercial, sendo algumas matérias igualmente tratadas pelo já referido Decreto-Lei n.º 176/95 (v.g. artigos 2.º e 10.º a 12.º), posteriormente revogado pelo citado Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.04.2008, agora em vigor.
Como resulta do artigo 176.º, n.º 1, do RJCS «o seguro de pessoas pode ser contratado como seguro individual ou seguro de grupo». A noção de seguro de grupo consta agora do artigo 76.º: «o contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar».
Os seguros de grupo propriamente ditos são os que reúnem cumulativamente três características, segundo Margarida Lima Rego[34]: É um verdadeiro contrato; é um contrato de seguro; é um contrato com um único tomador (o subscritor do contrato) (num seguro de grupo, os participantes não têm a qualidade de tomadores).
«Tratando-se de seguros de pessoas, não se exige, portanto, que os participantes sejam as pessoas seguras: exige-se somente que sejam eles os segurados. O mesmo é dizer que todo o seguro de grupo é um seguro por conta de outrem: é celebrado pelo subscritor, como tomador, por conta dos participantes, os segurados. E é, evidentemente, a estes últimos, e somente a estes últimos, que se exige que tenham interesse no seguro. Inversamente, o seguro de grupo não será necessariamente um seguro a favor de terceiro – salvo disposição legal em contrário, inexistente no nosso sistema…»[35]
Os seguros de grupo podem ser contributivos ou não contributivos (artigo 77º do R.J.C.S.). Na primeira hipótese, todos os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio (na segunda, só o tomador do seguro paga a totalidade do prémio devido[36].
Também no Decreto-Lei n.º 176/95 já se continham as noções de «seguro de grupo» (seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador), de «seguro de grupo contributivo» (seguro de grupo em que os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio) e de «seguro de grupo não contributivo» (seguro de grupo em que o tomador do seguro contribui na totalidade para o pagamento do prémio).
«Numa primeira abordagem, e tendo por referência o quadro regulatório introduzido pela LCS, a arquitectura do seguro de grupo revela uma estrutura triangular: o tomador celebra um contrato com o segurador, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo, tornando-se então segurados»[37].
O seguro em causa é um seguro de grupo não contributivo, porque as pessoas seguras são meras beneficiárias da prestação da seguradora, competindo exclusivamente ao tomador do seguro a obrigação de pagamento do prémio.
Este seguro foi celebrado em cumprimento dum acordo assumido pela T..., enquanto entidade patronal, no quadro da contratação colectiva estabelecida com o sindicato representativo dos seus trabalhadores tripulantes de cabine. No entanto, tal contratação não decorre duma imposição legal, mas da livre vontade expressa pela entidade patronal de assumir esse compromisso em benefício dos seus trabalhadores. É um contrato de seguro temporário, anual, renovável, não se obrigando a C..SA a manter qualquer valor pré-estabelecido, podendo, por isso, sofrer tantas vicissitudes quantas aquelas que, paralelamente, a conjuntura económica viesse a determinar.
É, consequentemente, um seguro facultativo, porquanto não existe uma obrigação legal, quer por parte dos sindicatos relativamente aos trabalhadores seus associados, quer por parte das entidades patronais relativamente aos seus funcionários, de celebrarem contratos de seguro que garantam o pagamento duma determinada prestação pecuniária em caso de risco de morte ou incapacidade[38].
Mas trata-se de um seguro de vida, estabelecendo agora o artigo 183.º do RJCS: «no seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura». E também no Decreto-Lei n.º 176/95 se fazia a distinção entre contratos de seguro ramo “Vida” e contratos de seguro ramo “Não Vida”.
Convém distinguir os seguros de vida em caso de morte e os seguros de vida em caso de vida.
Os seguros de vida em caso de morte são aqueles em que o segurador se obriga a pagar, ao beneficiário (ou beneficiários) designado, um determinado montante por morte da pessoa segura durante a vigência do contrato. Nestes seguros, a prestação da seguradora está condicionada à morte da pessoa segura. «Por o evento aleatório aqui em causa (morte) corresponder a um verdadeiro risco, no sentido que o termo tradicionalmente acolhe em face do contrato de seguro - enquanto evento não pretendido pelo segurado – surgem por vezes designados como seguros de risco»[39].
Dentro destes há ainda que distinguir entre “seguros de vida inteira” e “seguros temporários”.
Nos seguros de vida inteira, a seguradora obriga-se ao pagamento do capital seguro no momento em que ocorra a morte da pessoa segura, o que tem como contrapartida a obrigação do pagamento dum prémio, que pode ser único ou periódico. No caso dos seguros temporários, a seguradora só se obriga a pagar o capital seguro se a pessoa segura falecer até determinada data ou dentro dum período de tempo determinável. O que significa que a pessoa segura, ou o beneficiário, pode não chegar a receber o capital seguro, o que sucederá se o facto que determina o pagamento da prestação pela seguradora não se verificar durante o período de tempo que lhe confere ilegibilidade para esse efeito[40].
Os seguros de vida em caso de vida são seguros de «sobrevivência» no sentido de que, tipicamente, o propósito destes seguros é prover ao sustento da própria pessoa segura – neste caso também designada como segurada – no caso de esta sobreviver além de uma determinada idade (ou além de um qualquer outro acontecimento: designadamente, a morte de outrem). O sinistro corresponde aqui à circunstância de a pessoa segura permanecer viva em determinada data, ou a partir de determinada data[41]. Nestes seguros, o segurador obriga-se a pagar o capital acordado, no termo do contrato, se a pessoa segura se encontrar viva na data prevista.
Não estamos, in casu, perante um contrato seguro de vida inteira (vitalício), mas sim dum seguro de vida temporário. No caso da cobertura da morte relativa ao falecido V…, os beneficiários identificados na apólice só teriam direito ao recebimento do capital seguro se o evento que determinava o cumprimento dessa prestação por parte da seguradora (morte ou incapacidade para trabalho) ocorresse até ao momento em que aquele ainda integrasse o “grupo segurável”. O “grupo segurável” era determinado pela lista que a C…SA fornecia anualmente à B…COMPANY, da qual só deviam constar os nomes dos seus trabalhadores tripulantes de cabine que estivessem ao serviço dessa companhia aérea, em efectividade de funções.
Nos contratos de vida inteira, a seguradora tem sempre de pagar uma indemnização pela morte, porque se trata de um evento de ocorrência futura necessária, desconhecendo-se apenas o momento exacto da sua verificação. Nos contratos de seguro de vida temporários, pelo contrário, a obrigação de pagamento do capital seguro está sujeita à regra da aleatoriedade.

Portanto, o contrato em causa é um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, temporário e não contributivo.
X
1. As noções de igualdade e não discriminação encontram-se estreitamente ligadas entre si. O princípio da igualdade manda tratar do mesmo modo o que for igual e de modo diferente o que for desigual – é a chamada vertente positiva do princípio. Por isso, as diferenças de tratamento podem ser legítimas, ou seja, podem ter justificação. Mas esta não existe quando, sem fundamento substancial e ou objectivo, se trata de forma desigual o que é igual ou pelo menos semelhante, ou quando se trata por igual situações claramente diferentes. Por esta via se cria o que pode designar-se por discriminação – a proibição da discriminação é a vertente negativa do princípio da igualdade.
O princípio da igualdade tem uma vertente negativa que consiste na vedação de privilégios (vantagens infundadas) e de discriminações (desvantagens), não se bastando a Constituição com a mera proibição da discriminação, mas protegendo também as pessoas contra a discriminação (art. 26º n.º 1 “in fine” da C.R.P.).
Na vertente positiva, o princípio da igualdade impõe um tratamento de situações iguais de forma igual; o tratamento de situações desiguais de forma desigual; proporcionalidade dos tratamentos iguais e dos desiguais; ponderação do tratamento das situações não só como elas existem, mas também como elas deveriam existir; e ponderação desse princípio no âmbito dos padrões materiais da Constituição[42].
Não se proíbem diferenciações de tratamento, mas apenas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, que não tenham justificação ou fundamento material bastante. As diferenças de tratamento podem ser legítimas se materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade.
Quando houver um tratamento desigual impõe-se uma justificação material para essa desigualdade. E, quer o fim, quer os critérios do tratamento desigual têm de ser conformes à Constituição. Mas, para além disso, o tratamento desigual deve pautar-se por critérios de justiça, exigindo-se, desta forma, uma correspondência entre a solução desigualitária e o parâmetro que lhe empresta fundamento material. Estes parâmetros não se deduzem muitas vezes autonomamente do princípio da igualdade, mas sim de outras normas constitucionais referentes aos direitos fundamentais, ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao princípio da socialidade»[43].
O legislador ordinário vem estabelecendo alguns critérios legais sobre a aplicação destes princípios.
Assim, por exemplo, a Lei n.º 14/2008, de 12 de Março, proíbe a discriminação, directa ou indirecta, em função do sexo, no acesso a bens e serviços, seu fornecimento e sanciona a prática de actos que se traduzam na violação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. E aplica-se às entidades públicas e privadas que forneçam bens e prestem serviços disponíveis ao público a título gratuito ou oneroso, com as excepções aí previstas (artigo 2.º).
Em matéria de seguros estabelece desde logo que da consideração do sexo, como factor de cálculo dos prémios ou prestações de seguro, não pode resultar diferenciação nos prémios e prestações (artigo 6º n.º 1). Ressalvando, no entanto, a possibilidade dessa diferenciação, caso decorra duma avaliação do risco baseada em dados actuariais e estatísticos relevantes e rigorosos (n.º 2 do artigo 6º), os quais, convém sublinhá-lo, só relevam quando obtidos nos termos das normas regulamentares emitidas para o efeito pelo Instituto de Seguros de Portugal (n.º 3 do artigo 6º).
Por sua vez, a Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, tem por objecto prevenir e proibir a discriminação, directa ou indirecta, em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de uma qualquer deficiência (artigo 1.º, n.º 1). E aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde (n.º 2 do mesmo artigo), vinculando todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas (artigo 2.º, n.º 1). Entre as práticas discriminatórias que são proibidas encontra-se precisamente «a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguro» [artigo 4º al.c)].
Relativamente às disposições gerais sobre a igualdade e não discriminação podem ver-se também os artigos 23.º a 28.º do Código do Trabalho.

2. Reconheceu-se na douta sentença que, «do ponto de vista objectivo, há aqui pelo menos um efeito aparente que parece inaceitável, porque nos transmite a ideia de que é valorada de forma diferente a vida humana, uma vez que não é patente, dos termos da apólice, o motivo justificativo da diferença de prestações assim estabelecidas».
No entanto, logo se esclareceu que terão de ser ponderadas as especificidades deste contrato de seguro, em função da natureza do vínculo assumido: «[s]e estivéssemos perante o “seguro de vida inteira” (vitalício), então era claro que havia uma valoração da vida humana diferenciada apenas em função duma causa de morte, o que em si mesmo constituiria uma discriminação completamente injustificada. Nunca se poderia aceitar que a vida humana objectivamente considerada valesse, mais ou menos, em função da causa de morte».
Parece não haver qualquer dúvida de que tem de ser assim. É que a redução do capital seguro, nos seguros de vida inteira, para os casos de morte causada pelo SIDA, seria uma discriminação intolerável e totalmente injustificada, porque a morte, nestes seguros, é um facto que ocorrerá necessariamente, apenas se ignorando quando o evento se verificará (certus an incertus quando). A seguradora pagará sempre a respectiva indemnização, só não se sabendo quando o pagamento será feito. O facto gerador (a morte) ocorrerá necessariamente, seja qual for a origem, razão pela qual seria totalmente injustificada e mesmo absurda qualquer discriminação a este respeito, uma vez que, como foi observado na douta sentença, nunca se poderia aceitar que a vida humana objectivamente considerada valesse, mais ou menos, em função da causa de morte.
Já dissemos que o seguro em causa é facultativo e de “vida temporário”. Ou seja, a seguradora só estava obrigada a pagar a prestação acordada para a eventualidade de a morte ocorrer durante o período de cobertura previsto na apólice. Caso a morte ocorresse depois de o trabalhador deixar de estar ao serviço da T…, por exemplo por motivo de reforma, a seguradora ficava desde logo desonerada do pagamento do capital seguro. Trata-se de um facto que pode não ocorrer, ou seja, de um facto incerto (incertus an incertus quando).
Assim, sendo o risco coberto de valor potencialmente inferior, porque não era de verificação necessária, era possível convencionar um prémio menor e mais adequado à probabilidade de verificação do risco assumido pela seguradora. E, assim, refere-se na douta sentença: «durante o ano de 1993 verificou-se um aumento muito significativo da sinistralidade relativa à apólice em causa. O que levou a que a seguradora tivesse colocado à consideração do sindicato um aumento proporcional do prémio, no quadro na negociação da próxima renovação do contrato. As causas desse aumento de sinistralidade, ao que nos foi dado a perceber, tiveram a ver precisamente com situações de suicídio e casos de SIDA de funcionários tripulantes de cabine da C…SA».
O sindicato dos trabalhadores tripulantes de cabine terá colocado à C…SA a possibilidade de aumento do prémio, no quadro das negociações colectivas de trabalho. Mas, a C…SA, em período de contenção de custos, não terá aceitado aumentar a comparticipação que vinha dando ao SINDICATO para pagamento do respectivo prémio, o que fez com que este sindicato tivesse acordado com a seguradora fazer reduções nas coberturas, as quais ficaram a constar, na parte que agora importa considerar, das actas adicionais n.º 283/21, de 22 de Outubro de 1993, n.º 290/22, de 1/2/1994, e n.º 291/22, de 2/2/1994, nomeadamente quanto à redução dos valores das indemnizações a pagar por certos tipos de sinistros.
Terá sido este o motivo que levou ao estabelecimento de um capital seguro diferenciado para os casos de morte por suicídio ou provocada ou agravada pela SIDA.

3. Mas a questão que se coloca é a de saber se essa justificação é aceitável, ou se, pelo contrário, constitui um tratamento discriminatório, sem fundamento material bastante.
Conforme apurado, no quadro do ordenamento jurídico vigente, são admitidas situações de tratamento diferenciado com justificações objectivas muito semelhantes às que motivaram a cláusula ora posta em causa. O que se passa é que, como bem se observa na douta sentença, o legislador tenta limitar a possibilidade de ocorrência dessas excepções através dum controlo “a priori” dos seus fundamentos (v.g. art. 6º n.º 2 da Lei n.º 14/2008 de 12 de Março ou art. 15º, n.º 2, do R.J.C.S. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), algumas vezes apelando à intervenção das entidades públicas, como o Instituto de Seguros de Portugal (Lei n.º 14/2008), outras a comissões tripartidas com intervenção do próprio visado pelo acto discriminatório (art. 15º n.º 4 do R.J.C.S.).
Sucede que, conforme referido, nenhuma destas leis estava em vigor, quer no momento em que foi celebrado o contrato de seguro, quer no momento em que foram feitas as alterações constantes das actas adicionais, quer no momento em que ocorreu o óbito do filho da A., ou quando esta fez accionar o seguro. Assim, a questão não pode ser decidida por aplicação directa dessas normas, mas também não podem pura e simplesmente ser ignoradas, pois através delas podemos conhecer o pensamento do legislativo sobre a matéria e a doutrina mais recentre sobre a questão. E, independentemente da lei ordinária, são aplicáveis as disposições constitucionais, nos termos referidos, pois, como dissemos, os princípios da igualdade e discriminação têm também aplicação nas relações entre privados.

4. Com interesse para esta problemática ficou provado:
11) Os valores a atribuir aos beneficiários da referida apólice são susceptíveis de negociação anual com a 1ª R. (B…COMPANY), estando na completa disponibilidade das partes (C…SA e B..COMPANY) a negociação e alteração anual dos montantes em causa, atendendo nomeadamente à conjuntura económica da C…SA;
12) A C...SA agiu sempre em plena sintonia com o Sindicato do trabalhador em causa, não se obrigando a manter qualquer valor pré-estabelecido, podendo este sofrer tantas vicissitudes quantas aquelas que, paralelamente, a conjuntura económica da C…SA vier a determinar;
13) A essa apólice de seguro foi aditada uma acta adicional n.º 283/21, em 28 de Outubro de 1993, entre a B..COMPANY e aquele que à época era Tomador de Seguro, o Sindicato…, nos termos da qual ficou estabelecido relativamente ao capital seguro em caso de morte, na cláusula 2.ª da acta: “I -O Capital Seguro em caso de Falecimento fixa-se em 25.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura, salvo no caso de Suicídio, Sindroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou de doença causada ou agravada pelo Sindroma em que o Capital garantido é fixado em 10.000.000$00 (Dez Milhões de Escudos) para cada Pessoa Segura.”;
16) A 2ª R., T…, e a 1ª R., A.., por acordo, subscreveram a Acta Adicional n.º 291/22, na sequência de negociações sindicais decorridas no ano de 1993 e início do ano de 1994, entre a B..COMPANY e a estrutura sindical a que o filho da A. pertencia, o SINDICATO, tendo a C..SA subscrito na referida acta aquilo que já anteriormente havia sido negociado entre o SINDICATO e a B…COMPANY;
17) O sindicato, de que o filho da A. era filiado, negociou a referida Acta, tendo sido essa estrutura sindical que a propôs negociar e aceitar, tendo depois sido apenas assinada pela 2ª R. (C…SA), como tomadora do seguro;
18) O filho da A., desde 1994 até à data do seu falecimento, em 2005, nunca pôs em causa o conteúdo da acta adicional, bem como aos valores pecuniários constantes do seguro em causa;
19) Os valores monetários do contrato de seguro são livremente negociados pela C…SA e B…COMPANY, sempre com audição prévia do Sindicato representativo desta classe de trabalhadores, o SINDICATO, tendo as referidas condições outorgadas na Acta n.º 290/22 de 1 de Fevereiro de 1994, em tudo idêntica à Acta n.º 291/22 de 2 Fevereiro de 1994, sido mantidas no essencial ano de 1997, através da Acta n.º 540/25 de 13 de Fevereiro de 1997;
20) As diversas actas aditadas ao contrato de seguro de grupo dos autos, espelhavam as negociações, em regra anuais, encetadas entre a B…SA e o Sindicato…, até 9 de Fevereiro de 1994, sendo desde então negociadas directamente com a T…;
21) A redução do capital seguro, em casos excepcionais – que abrange os doentes de Sindroma de Imunodeficiência Adquirida, mas também doentes do foro psicológico ou ortopédico – tem como pressuposto a atribuição de contrapartidas pela Seguradora, como sejam as extensões de garantia, previstas nas condições especiais, ou a diminuição do prémio pago pelo Tomador de Seguro, que foram aceites pelo sindicato, e negociados pela entidade patronal.

Assim sendo, não há qualquer dúvida de que a C…SA podia reduzir o capital seguro em relação a todos os trabalhadores (cfr. sobretudo os factos 12 e 20). É que parece não haver dúvidas de que estamos no domínio da autonomia privada e nada tinha sido acordado no sentido de o capital se manter inalterado. Pelo contrário, pois foi dado como provado a este respeito (factos 11 e 12): os valores a atribuir aos beneficiários da referida apólice são susceptíveis de negociação anual com a B...COMPANY, estando na completa disponibilidade das partes (C…SA e B..COMPANY) a negociação e alteração anual dos montantes em causa; a C…SA agiu sempre em plena sintonia com o Sindicato, não se obrigando a manter qualquer valor pré-estabelecido, podendo este sofrer tantas vicissitudes quantas as que, paralelamente, a conjuntura económica da C…SA viesse a determinar.
E, de resto, o próprio sindicato tomou parte nas negociações (Cfr. n.ºs 11, 16 e 17 dos factos provados). Além disso, não estariam em causa princípios de ordem pública que as partes tivessem que observar.

5. Mas, questão diferente é a de saber se podia reduzir o capital seguro somente em relação aos casos de suicídio ou de morte causada ou agravada pela SIDA.
O artigo 27 da BI tinha a seguinte redacção: “Existe um aumento exponencial do risco, que importa da consideração do Sindroma de Imunodeficiência Adquirida e que, caso se estivesse a coberto do contrato de seguro de grupo, importaria o aumento proporcional do prémio de seguro”.
E sobre ele recaiu a seguinte resposta: Provado que no ano de 1993 houve um aumento muito significativo da sinistralidade relativa à apólice em causa, o que obrigou a que tivesse sido ponderada a necessidade de aumentar proporcionalmente o prémio de seguro, mas como a C… SA não aceitou aumentar a comparticipação que dava para o SINDICATO pagar o respectivo prémio, tal levou a que esse sindicado tivesse acordado com a seguradora em reduções nas coberturas que ficaram a constar das actas adicionais n.º 283/21 de 22 de Outubro de 2993, n.º 290/22 de 1/2/1994 e n.º 291/22 de 2/2/1994, nomeadamente quanto aos valores das indemnizações por certos tipos de sinistros, aí se incluindo a ponderação que então se fazia do aumento de risco de morte que importava a consideração do Sindroma de Imunodeficiência Adquirida.
E ficou também provado, em resposta ao artigo 26 da BI (facto n.º 23), que a redução do capital seguro no caso de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, ou de doença causada, ou agravada por aquele Síndrome, ou quando a Pessoa Segura padece de doenças do foro psiquiátrico ou do foro ortopédico é motivada por estudos de actuariais destinados a calcular os riscos futuros e financeiros e em função destes determinarem o prémio de seguro a pagar pelo tomador.
E alega a este propósito a R seguradora que a redução do capital em casos excepcionais (o que sucederia não só com a SIDA, mas também com doentes do foro psicológico ou ortopédico) tem como pressuposto a atribuição de contrapartidas pela seguradora, como sejam as extensões de garantia, previstas nas condições especiais, ou a diminuição do prémio pago pelo tomador de seguro, que foram aceites pelo sindicato e negociadas pela entidade patronal.

Cumpre, porém, salientar a este propósito:
- não vemos que tenha sido alegado que se tenha verificado um aumento dos casos de SIDA e, sobretudo, se tal aconteceu em relação aos trabalhadores da C..SA em geral e dos de cabine em particular; a ter acontecido seria muito fácil alegá-lo.
- as doenças do foro psiquiátrico e ortopédico não estão incluídas nas cláusulas adicionais a que nos vimos referindo, que são as que estão directamente em causa. Na acta adicional n.º 291/22 refere-se com muita clareza a redução do capital seguro de 25.000.000$00 para 5.000.000$00. Os seus nºs. I e II (referentes ao falecimento do segurado e a invalidez absoluta e permanente, respectivamente) referem-se apenas ao suicídio e à SIDA. As doenças do foro psiquiátrico e ortopédico não são aqui consideradas. O n.º III da mesma acta é que se refere às doenças do foro psiquiátrico e ortopédico, mas apenas para os casos de invalidez (e noutras circunstâncias).
- por razões económico-financeiras era necessário estabelecer algumas restrições para que o seguro pudesse manter-se sem grandes encargos adicionais para a C…SA. Mas, em vez de, por exemplo, o capital seguro ser reduzido em relação a todos os segurados, foi acordado tratar de forma diferente os que fossem afectados por certas doenças, mais concretamente pelo HIV e o suicídio (mas somente para estes casos).
- aquelas dificuldades económicas levaram a que o sindicato tivesse acordado com a seguradora fazer reduções nas coberturas que passaram a constar das actas adicionais quanto aos valores das indemnizações por certos tipos de sinistros, “aí se incluindo a ponderação que então se fazia do aumento de risco de morte que importava a consideração do Sindrome de Imunodeficiência Adquirida”.
- foi dado como provado que a redução do capital seguro no caso de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, ou de doença causada, ou agravada por aquele Síndrome, ou quando a pessoa segura padecesse de doenças do foro psiquiátrico ou do foro ortopédico era motivada por estudos de actuariais destinados a calcular os riscos futuros e financeiros e em função destes determinarem o prémio de seguro a pagar pelo tomador. A verdade é que se desconhecem os ditos estudos e se os que eventualmente foram feitos justificavam a redução da indemnização a pagar aos segurados que viessem a morrer por qualquer doença provocada pelo vírus da SIDA.
Não basta, com efeito, a invocação de “estudos actuariais” para daí se concluir pela existência de maior ou de diferente risco. É imperioso fazer a prova desses estudos e, sobretudo, da sua fiabilidade. Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º do RJCS, nos casos previstos no seu n.º 2, «não são proibidas, para efeitos e celebração, execução e cessação do contrato de seguro, as práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprios do segurador que sejam objectivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora».
Ora, no caso em apreço apenas foi invocado que a redução do capital seguro no caso de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, ou de doença causada, ou agravada por aquele Síndrome, ou quando a Pessoa Segura padece de doenças do foro psiquiátrico ou do foro ortopédico foi motivada por estudos de actuariais destinados a calcular os riscos futuros e financeiros e em função destes determinarem o prémio de seguro a pagar pelo tomador.
Porém, como se disse, não foi feita qualquer prova deste facto.

6. Diz-se que esta discriminação de situações foi estabelecida num quadro negocial típico das relações jurídicas de direito privado que reflecte o pleno exercício do princípio da autonomia privada, em que os contraentes ponderam os seus interesses e vinculam-se em função das percepções e valorações que têm dos mesmos.
Sucede, porém, que tais direitos têm os limites impostos pela lei, e sobretudo pela Constituição.
O conflito entre direitos iguais ou da mesma espécie resolve-se pela cedência de cada um, na medida do necessário para que todos possam produzir igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (artigo 335.°, n.º 1 do Código Civil). Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente o conflito há-de resolver-se pela prevalência do direito que deva considerar-se superior (artigo 335.º, n.º 2 do mesmo diploma legal).
E já vimos que, em conformidade com o disposto no artigo 18.º da Constituição, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e as privadas.
Não estamos perante um seguro de vida celebrado directamente entre o segurado e a seguradora. Foi o sindicato em que o filho da A. era filiado que negociou a referida acta, tendo sido essa estrutura sindical (…) que propôs negocia-la e aceitá-la, tendo posteriormente sido assinada apenas pela 2ª R. (C…SA), como tomadora do seguro. Mas aquele não participou nas negociações e certamente não pensava que viria a falecer tão cedo e, sobretudo, em virtude desta doença. E também ficou provado que, desde 1994 até à data do seu falecimento, em 2005, nunca pôs em causa o conteúdo da acta adicional, bem como os valores pecuniários constantes do seguro em causa. Desconhece-se, porém, se tinha conhecimento dessas alterações, sendo certo que ficou provado que as RR nunca informaram nem esclareceram o filho da A. sobre as cláusulas do contrato de seguro, e que este sempre esteve convencido de que a cobertura do seguro era igual à dos seus colegas, em caso de morte (factos 35 e 37). Mas também ficou provado que o filho da A. nunca solicitou à C…SA qualquer informação relativa ao contrato de seguro.
A este propósito foi referido na douta sentença: só que, nestes casos, por estarmos perante relações jurídicas entre particulares, a proibição da discriminação só relevará se atingir a dignidade da pessoa humana ou se comportar um abuso de poder de facto (critério avançado por Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Ob. Loc. Cit., pag. 127). Ou, segundo outro critério, aceitaremos a discriminação se não for apenas arbitrárias e irrazoáveis, não tendo qualquer justificação ou fundamento material bastante, tendo em particular atenção que a distinção deve ser objectiva, com um fim legítimo, segundo a Constituição, e deve revelar-se necessária, adequada e proporcionada à satisfação do seu objectivo (critério avançado por Gomes Canotilho e Vital Moreira in Ob. Loc. Cit., pag. 340).
Mas é precisamente esta a questão a que urge dar resposta.

7. A SIDA é tratada, no seguro em causa, em paralelo com o suicídio. A verdade é que são situações completamente diferentes, pois o suicídio é um acto voluntário e a SIDA é uma doença do sistema imunológico humano causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).
O “Regime Jurídico do Contrato de Seguro” atualmente em vigor estabelece no artigo 191.º, n.º 1, uma exclusão de cobertura relativa ao suicídio nos seguros vida quando o mesmo ocorra até um ano após a celebração do contrato, salvo convenção em contrário. E o artigo 458.º do C. Comercial determinava que o segurador não era obrigado a pagar a quantia segura, se a morte das pessoas, cuja vida se segurou, resultasse, designadamente, de suicídio voluntário.
Em relação ao suicídio existem razões objectivas que justificam diferente tratamento, pois está em causa um acto voluntário, que poderá mesmo propiciar situações de fraude. Por exemplo o artigo 192.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro determina que «o autor, cúmplice, instigador ou encobridor do homicídio doloso da pessoa segura, ainda que não consumado, perde o direito à prestação…». E o artigo 10 da apólice (n.º 1) diz expressamente que o suicídio só está coberto desde que «ocorra a partir do segundo ano a contar da data de adesão da Pessoa segura». Trata-se de situações em que se justifica plenamente esta diferença de tratamento, pois, em ambos os casos, podem ocorrer situações de fraude.
Mas o mesmo não sucede em relação à morte provocada pela SIDA, porque de uma verdadeira doença se trata. Apesar disso, só em duas situações (SIDA e suicídio) o capital seguro foi reduzido para 5.000.000$00.
Ora, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário, não existe qualquer relação entre estas duas causas de morte. E o simples facto de serem tratadas em igualdade de circunstâncias já poderá ser considerado discriminatório. Repare-se que até a redução do capital seguro é a mesma em ambas as situações, o que significa que são tratadas da mesma forma, sendo certo que são completamente diferentes. Bem poderá afirmar-se que se trata aqui de modo igual o que é diferente.

8. Há que reconhecer, contudo, que não estamos perante um caso de fácil solução, como de resto resulta da sentença recorrida que, sublinhe-se, e deve ser salientado, está muito bem fundamentada.
Mas, quer-nos parecer que existem outras razões que justificam uma decisão diferente.
É certo que a SIDA é uma doença transmissível e tem provocado muitas mortes pelo mundo fora. Mas não ficou demonstrado que em Portugal, que é o que sobretudo importa considerar, atinja proporções superiores a muitas outras doenças. Também vimos que só se transmite em casos devidamente identificados: através do contato directo de uma membrana mucosa ou na corrente sanguínea com um fluido corporal que contêm o HIV, tais como sangue, sêmen, secreção vaginal, fluido preseminal e leite materno. E, segundo os dados conhecidos, não se transmite, designadamente, através do ar, tosse ou espirros, suor, pelo aperto de mão ou abraços, saliva ou beijos, roupas, louças, talheres ou restos de comida, nem em sanitários, piscinas ou transportes públicos.
Esta diferença é muito significativa, pois, se se transmitisse por algum destes meios é que constituiria um perigo para quem tivesse de contactar diariamente com muitas pessoas de diversas origens e em diferentes situações.
Se se tivesse demonstrado, por exemplo, que entre os tripulantes de cabine havia uma grande incidência de portadores desta doença e que tinham ocorrido muitas mortes num determinado período de tempo, a solução poderia ser diferente até porque poderiam ser detectadas situações de fácil transmissão. Mas não é o caso.
É sabido que existem outras doenças que também não têm cura, como, por exemplo, certos tipos de cancro, provocando alguns deles a morte em curto espaço de tempo, e atingem uma boa percentagem da população mundial e também da portuguesa. E, tanto quanto sabemos, morre-se muito mais de cancro do que de SIDA. As doenças cardiovasculares, por exemplo, são a principal causa de morte no mundo e em Portugal. Dentro desta lógica, aquelas actas adicionais deveriam abranger também as pessoas que viessem a morrer de AVC, por exemplo.
A seguradora não ignorava que poderiam existir casos de SIDA e que poderiam provocar uma determinada percentagem de óbitos. Mas também sabia que podiam existir outras doenças tanto ou mais mortíferas, atingindo maior número de trabalhadores da C...SA E, como dissemos, não está provado que houvesse pessoas infectadas pela SIDA em número superior a outras doenças de gravidade semelhante.
A verdade é que, relativamente à redução do capital a pagar aos beneficiários em caso de morte durante a vigência do contrato, só foi feita excepção à SIDA e ao suicídio. E, como já dissemos, não vemos que exista qualquer semelhança entre estas duas situações.

9. Conforme referido, a enumeração constante do n.º 2 do artigo 13.º da CRP é meramente exemplificativa, como resulta desde logo da parte final do n.º 1 do artigo 26.º em que se consagra como direito pessoal a «protecção legal contra quaisquer formas de discriminação». Mas, como é natural, aí estão incluídas os casos mais significativos[44] e em que os direitos são mais frequentemente violados. Todavia, são igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas noutros motivos, «sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estrado de direito democrático ou simplesmente arbitrários ou impertinentes.[45]»
Desse elenco não fazem parte, por exemplo, razões relacionadas com doenças (discriminação em razão de doença). Mas, salvo melhor opinião, justifica-se também que, em princípio, não se conceda um tratamento diferente em razão da doença, pois, caso contrário, bem poderia acontecer que, por exemplo, as pessoas fossem discriminadas por terem esta ou aquela doença, desde que assumisse uma certa gravidade. E em épocas não muito recuadas afirmava-se com bastante frequência que determinados indivíduos eram discriminados apenas por serem seropositivas.
Todavia, como é óbvio, poderá haver casos, e existem seguramente alguns, que justificam diferente tratamento. Uma pessoa que sofra duma doença facilmente transmissível terá de ter um tratamento diferente e não poderá invocar o direito de, por exemplo, executar certas tarefas ou estar em contacto directo e permanente com colegas de trabalho. Ponto é que essa diferenciação seja feita com base em dados objectivos.
Não vem provado que a SIDA provoque mais mortes do que outras doenças muito frequentes entre nós, ou que entre os trabalhadores de cabine (ou mesmo a nível doutros trabalhadores da C…SA) houvesse grande incidência de infectados.
Não vemos por que razão, sendo necessário reduzir as despesas da C…SA com os prémios de seguro, teriam de ser tratados de forma diferente trabalhadores que viessem a sofrer de determinada doença. As invocadas razões não podem justificar, em nosso entender, este diferente tratamento entre a SIDA e as outras doenças de gravidade semelhante.
Entende-se, pois, que esta diferença de tratamento não é «razoável, racional e objectivamente fundada», antes parecendo ser preocupação exclusiva da seguradora e da C…SA reduzir encargos. E se a redução desses encargos é legítima, daí não se pode concluir que se justificam os meios para tanto utilizados.
Não se ignora que não estamos perante um caso extremo em que se possa dizer que o critério adoptado é totalmente arbitrário e baseado em critérios meramente subjectivos. Mas, também não nos parece que haja razões válidas e suficientemente fortes para um seropositivo ser tratado de forma diferente nas situações que estamos a considerar. Não se trata de alguém que, infectado pelo vírus da SIDA, pretende fazer um seguro de vida e em que a seguradora pode impor certas condições, tal como sucede com outras doenças. O que está em causa é um seguro de grupo do ramo vida, temporário e não contributivo, em que o capital seguro é de um determinado montante em relação a cada pessoa segura (no caso 25.000.000$00 para o caso de morte do segurado durante o período de tempo seguro), excepto nos caso em que a morte da pessoa segura ocorra por suicídio ou por doença provocada ou agravada pela SIDA. Nestes casos (e só nestes) o capital seguro foi reduzido para 20%, o que não deixa de ser sintomático.
É certo que a grande maioria dos trabalhadores seguros não morrerá na vigência do contrato, e uma pequena percentagem morrerá de SIDA ou de outra doença de gravidade semelhante. Mas, destinando-se o seguro de grupo a cobrir os riscos dos trabalhadores de uma determinada classe profissional, e podendo alguns deles vir a sofrer de doenças tão mortíferas como as provocadas pela SIDA, não se vê qualquer razão para somente serem excluídos os que viessem a morrer de doença provocada ou agravada por este síndrome.
Nos seguros de vida é necessário, evidentemente, ter em atenção situações de doença, sob pena de só serem procurados em situações muito graves, o que seria economicamente inviável para as seguradoras[46].
 Mas nada nos garante que um trabalhador da mesma idade e no mesmo ambiente de trabalho não possa adquirir uma doença mais mortífera do que a SIDA. Desconhece-se se quando foi feito o seguro se sabia que alguma das pessoas seguras estava infectada. A verdade é que, inicialmente, não foi estabelecida qualquer restrição à SIDA ou a qualquer outra doença.
Afirma-se na douta sentença que «a diferença de tratamento decorre da ponderação da reciprocidade e equilíbrios das prestações patrimoniais de ambas as partes no contrato e foi fundada em estudos actuariais, reportados à sinistralidade concreta verificada, cujos pressupostos objectivos eram conhecidos e foram aceites por ambas as partes». E, depois de se considerar que o filho da A., em concreto, não terá sido ouvido quando ocorreram as negociações que conduziram às alterações em causa, explicita-se: «mas temos de realçar também que esse seguro foi estabelecido no quadro das negociações colectivas de trabalho estabelecidas entre a C…SA e o sindicado que o representava, tendo sido este último quem, ainda em representação dos seus associados (aí se incluindo o filho da A.), aceitou os fundamentos objectivos que levaram ao acordo que ficou formalizado nas actas adicionais em causa».
Não há dúvida de que o contrato de seguro foi estabelecido no quadro das relações colectivas de trabalho, pelo que é suposto ter sido negociado no interesse comum, ou seja, da generalidade dos trabalhadores e não no interesse individual de cada pessoa potencialmente segura. Assim, poderá dizer-se que se o Sindicato tinha legitimidade para contratar o seguro em representação dos seus associados, igual legitimidade lhe assistiria para negociar e alterar essas condições em sua representação e no seu interesse. Mas não podia negociar condições contrárias à Constituição, pois, como não podia deixar de ser, também a autonomia privada tem limites. Como dissemos, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias (e aos direitos fundamentais de natureza análoga) são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e as privadas.
O princípio da igualdade de tratamento pressupõe que todo o cidadão tem direito a ser tratado como igual, só podendo ser tratado de forma diferente quando razões objectivas o justifiquem, embora tenhamos que reconhecer que nem sempre é fácil apurar quando estão em causa situações semelhantes e que mereçam igual tratamento.
Quando houver um tratamento desigual impõe-se uma justificação material para essa desigualdade. E, quer o fim, quer os critérios do tratamento desigual têm de ser conformes à Constituição. Assim, caem sob a alçada da “proibição do arbítrio” desigualdades materialmente não fundadas ou sem uma fundamentação razoável, objectiva e racional. Por isso, o Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade admite diferenciações de tratamento, mas desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais.
Portanto, proíbem-se discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional. Ora, não vemos que tenha sido dada qualquer justificação válida para a diferença de tratamento entre a SIDA e outras doenças de gravidade semelhante.
Em suma, o tratamento diferenciado previsto nas cláusulas em apreço para os trabalhadores portadores do HIV não se encontra fundado em razões objectivas e minimamente aceitáveis, traduzindo-se antes numa imposição arbitrária por parte da seguradora, ou da entidade patronal, pondo em causa a dignidade da pessoa humana. E a tanto não obsta a circunstância de terem sido negociadas no quadro duma relação laboral colectiva.
Criou-se, pois, uma situação de injustiça relativa, sem qualquer justificação aceitável, e a discriminação teve por fundamento razões contrárias aos princípios essenciais dos aludidos preceitos constitucionais.

10. Os negócios jurídicos contrários à lei, ou a disposição legal de carácter imperativo, são nulos (artigos 280.º, n.º 1, e 294º, ambos do C. Civil).
Ora, como ficou amplamente demonstrado, embora, com o devido respeito por diferente opinião, aquelas cláusulas violam os princípios da igualdade e não discriminação contantes do artigo 13.º da CRP, pelo que são nulas e de nenhum efeito na parte em que o capital seguro foi reduzido para 10.000.000$ e 5.000.000$00, respectivamente, nos casos em que a morte da pessoa segura venha a ser provocada ou agravada pela SIDA. E, consequentemente, o capital a considerar é de 25.000.000$00, ou seja, na moeda em vigor, €124.699,99

XI
A A. pede ainda que as RR sejam condenadas a pagar-lhe uma quantia igual ao valor do capital seguro - 124.699,99 euros - a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual.
Em 1ª instância foi dito que este pedido não está minimamente fundamentado, quer em termos de direito, quer em termos de facto. E foi esclarecido: «Este pedido resulta da confusão criada pela apresentação de duas petições iniciais, que não eram integralmente coerentes entre si, tendo a A. esclarecido que terá existido um lapso na remessa duma primeira petição que não estava na sua versão final e, logo que verificou tal facto, remeteu uma petição aperfeiçoada, na qual se formula então esta nova pretensão indemnizatória. Passa-se que, apesar do “aperfeiçoamento”, a nova petição limita-se aqui a conter um novo pedido, sem explicitar quais os fundamentos de facto e de direito do mesmo. Sendo que, na réplica, pouco mais acrescenta de que o facto de que o filho da A. era uma pessoa segura, que as R.R. não cumpriram a obrigação de informação, violaram conscientemente o princípio da igualdade, actuando assim em manifesta má-fé, em clara violação do Art. 227º do C.C.. Parece assim que a A. funda a sua pretensão numa alegada violação do princípio da boa-fé, decorrente no não cumprimento do dever de informação, como sendo o facto que determinaria a responsabilidade civil das R.R.»
O n.º 1 do artigo 227º do C.C. estabelece que «quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
«O nosso legislador consagra deste modo, expressamente, a responsabilidade pela chamada culpa na formação do contrato (tomada a palavra “formação” num sentido amplo). Trata-se de uma responsabilidade pré-contratual porque não deriva da violação do contrato e sim da forma irregular como um dos interessados se conduz no iter negotii (culpa in contrahendo[47]
O contrato de seguro em causa foi celebrado entre a Seguradora B..COMPANY e o Tomador do seguro - primeiro o SINDICATO e depois a C..SA, como se disse. E, relativamente ao primitivo, não há qualquer dúvida de que nada ressalta dos autos que estes não tenham agido de boa fé. A questão só poderá colocar-se em relação às alterações a que já nos referimos desenvolvidamente.
A responsabilidade por culpa na formação dos contratos tem natureza contratual (não extra-contratual). Essa responsabilidade resulta de ter sido ofendido o princípio da boa-fé (que consiste, em regra, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir) que impõe o respeito pela confiança que uma das partes criou na outra, e que fez com que esta adoptasse uma determinada conduta que lhe terá causado danos.
Tanto o falecido D… como a mãe, ora autora, não tiveram qualquer intervenção no contrato. E as alterações introduzidas, embora podendo prejudicar a beneficiária, não foram feitas com o propósito de a atingir directamente.
E parece oportuno recordar aqui o seguinte:
A C…SA e a B…COMPANY, por acordo, subscreveram a Acta Adicional n.º 291/22, na sequência de negociações sindicais ocorridas no ano de 1993 e início do ano de 1994, entre a A… e a estrutura sindical a que o filho da A. pertencia, o SINDICATO;
Foi este sindicato que negociou aquela Acta, a qual foi depois assinada pela C…SA, então já como tomadora do seguro;
O filho da A., desde 1994 até à data do seu falecimento, em 2005, nunca pôs em causa o conteúdo da acta adicional, bem como os valores pecuniários constantes do seguro em causa.

É certo que, quer a seguradora, quer a entidade patronal (C..SA), nunca informaram, nem entregaram ao filho da A. cópia das condições gerais, especiais e particulares do seguro. E nunca o informaram nem esclareceram sobre as cláusulas do contrato de seguro, entre ambas celebrado. Mas também filho da A. nunca solicitou à sua entidade patronal (C…SA) qualquer informação relativa ao contrato de seguro.
Em casos como este são geralmente os sindicatos que dão a conhecer aos seus associados as alterações que vão sendo feitas aos seus direitos laborais. Aliás, ficou provado que a C…SA, por regra, não costuma fornecer aos seus trabalhadores documentação relacionada com os contratos de seguro. Mas as alterações foram feitas com o acordo do Sindicato.

A violação daqueles deveres de conduta pode dar lugar à obrigação de indemnizar, mesmo que o contrato não chegue a ser celebrado (fala-se aqui de responsabilidade civil pré-contratual – teoria da “culpa in contrahendo”) ou mesmo após a sua extinção pelo cumprimento (fala-se então de responsabilidade civil pós-contratual – teoria da “culpa post pactum finitum”). Mas, para o efeito é necessário que se verifiquem os necessários pressupostos.
Ora, face ao exposto não vemos que as partes no contrato tenham agido de má-fé, pelo que não estamos perante uma situação de responsabilidade pré-contratual.
XII
Da responsabilidade por actos discriminatórios.

1. Com fundamento em alegado comportamento discriminatório das R.R. relativamente ao filho da A., ao penalizá-lo na celebração do contrato de seguro em razão da doença que lhe veio a causar a morte, pede esta que aquelas sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização, por responsabilidade civil, a fixar nos termos do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006, de 25 de Agosto.                                                                  
Esta Lei (que proíbe e pune a discriminação em razão a deficiência e da existência de risco agravado de saúde) ainda não tinha entrado em vigor à data do falecimento do filho da autora, pelo que não tem aqui aplicação (artigo 12.º do C. Civil).
Entretanto, o seu artigo 7.º determina que a prática de qualquer acto discriminatório contra pessoas com deficiência confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais. Mas, in casu, não se trata propriamente de uma discriminação em razão de deficiência. E, por outro lado, as alterações ao contrato, como vimos, não foram feitas para prejudicar directamente o filho da autora, nem esta, obviamente.
A autora alega que «sofreu angústia e ansiedade pelo acto discricionário praticado pelas rés contra o seu falecido filho ao penalizá-lo na celebração do contrato de seguro de acidentes pessoais em razão da sua doença que lhe causou a morte» (artigo 26 da PI). E em resposta ao artigo 13 da BI apenas foi dado como provado: a autora que já se sentia desamparada com a morte do filho que era o seu único suporte, ficou perturbada com o facto de as R.R. não assumirem o pagamento da indemnização por morte que considerava ser a devida.
Assim, embora o pedido não pudesse ser feito com aquele fundamento, poderia fundar-se no quadro da responsabilidade civil extracontratual a que aludem os artigos 483º e seguintes do Código Civil.
Para tanto seria necessário que se verificassem os respectivos pressupostos.
Determina o artigo 483.º:
«1- Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
2- Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei»
Estamos perante um caso de eventual responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
A autora alega ter sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial no montante de 20.000,00 euros. Mas, em primeiro lugar, há que dizer que a autora devia ter descriminado esses danos, uma vez que são de natureza diferente. Todavia, em relação aos danos patrimoniais parece-nos evidente que não foi alegado qualquer facto de que resultasse a obrigação de indemnizar, face ao preceituado nos artigos 562.º e 563.º do Código Civil.

2. Todavia, a circunstância de a autora (que já se sentia desamparada com a morte do filho, que era o seu único suporte) ter ficado perturbada por as R.R. não assumirem o pagamento da indemnização que ela considerava ser a devida, poderia causar danos de natureza não patrimonial, desde que devidamente alegados e provados.
Nos termos do artigo 496º do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Procura-se, assim, com a indemnização pelos danos não patrimoniais, atenuar as consequências que para o lesado advêm da conduta do lesante. Ou, como se ponderou no acórdão do STJ de 16.04.91[48], o artigo 496º do C.C. fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado.
Por isso deve entender-se que com a avaliação de tais danos se pretende mais compensar do que indemnizar o mal causado pela lesão sofrida.
Nesta linha de pensamento escrevia Vaz Serra na RLJ ano 113º-104: «a situação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto que não é um equivalente do dano, um valor que reponha a coisa no estado anterior à lesão, tratando-se então de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente».
Ou, como escreve Inocêncio Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, pag. 297: «na  impossibilidade de reparar directamente os danos pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente através de uma soma em dinheiro susceptível de proporcionar satisfações porventura de ordem espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados».
Tem-se entendido, e com razão, que é muito difícil, senão impossível, calcular o montante exacto da compensação devida pelos danos morais. E, como dissemos, não se trata propriamente de indemnizar a vítima, mas antes de a tentar compensar, assim se atenuando um mal já consumado. É que o dinheiro pode proporcionar à pessoa lesada satisfações não só de carácter económico, mas também de carácter espiritual e até mesmo moral, que possa atenuar a dor e o sofrimento.
Antunes Varela[49] diz que “a indemnização” por danos morais reveste uma natureza acentuadamente mista: «por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reparar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente».
Trata-se, com efeito, de prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo, ao contrário do que sucede com os danos patrimoniais. O património não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico.

3. A nossa lei aceita, pois, a ressarcibilidade dos danos morais, mas apenas daqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito: o dano há-de ser de tal maneira grave que justifique a concessão ao lesado duma satisfação de ordem pecuniária (compensação), ou, como se refere no acórdão do STJ de 15.06.93 (BMJ 428- 535), que revistam gravidade objectiva e acentuada, de modo a justificarem uma compensação de ordem pecuniária. «Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral» (ac. STJ de 26.06.91- BMJ 408-538).
Para que possa ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais é necessário que a conduta do lesante seja apta a provocar danos graves; e essa gravidade há-de ser aferida objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 2007 e de 12 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt nos procs. nºs 07B2528 e 08B2972, respectivamente).
Portanto, não seria suficiente que a autora provasse que sofreu danos de natureza moral (não patrimonial). Seria ainda necessário que provasse que esses danos eram de tal maneira graves que justificassem a tutela do direito.

Assim, tendo em consideração os factos dados como provados (e só estes podem ser tidos em conta), não nos parece que se possa concluir que a autora sofreu danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito e, portanto, devam ser indemnizados.

XIII
Em síntese:

1. O síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é uma doença do sistema imunológico humano causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), sendo este transmitido através do contato directo de uma membrana mucosa ou na corrente sanguínea com um fluido corporal que contêm o HIV, tais como sangue, sêmen, secreção vaginal, fluido preseminal e leite materno, não se transmitindo, porém, segundo os dados mais recentes, através do ar, tosse ou espirros, suor, aperto de mão ou abraços, saliva ou beijos, roupas, louças, talheres ou restos de comida, nem em sanitários, piscinas ou transportes públicos, por picadas de insectos ou através de animais.

2. O contrato de seguro outorgado por um Sindicato em representação e no interesse de um conjunto de trabalhadores, seus associados, assumindo aquele a posição de tomador e cada um destes a posição de segurado, renovável anualmente e destinado a garantir o pagamento do capital seguro aos beneficiários, caso a morte da pessoa segura ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, sendo o prémio pago pela entidade patronal, é um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, temporário e não contributivo.

3. Nos seguros de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura, havendo que distinguir os seguros de vida em “caso de morte” dos seguros de vida em “caso de vida”.

4. Os seguros de vida em caso de morte são aqueles em que o segurador se obriga a pagar ao beneficiário (ou beneficiários) designado uma determinada importância, estando esta prestação condicionada à morte da pessoa segura.

5. Nos seguros de vida em caso de morte há ainda que distinguir os “seguros de vida inteira” e “seguros temporários”: nos seguros de vida inteira, a seguradora obriga-se ao pagamento do capital seguro no momento em que ocorra a morte da pessoa segura; nos seguros temporários, a seguradora só se obriga a pagar o capital seguro se a pessoa segura falecer até determinada data ou dentro dum período de tempo determinável.

6. Os preceitos constitucionais relativos a «direitos, liberdades e garantias» (e os de natureza análoga) são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e as privadas, pessoas singulares ou colectivas, adquirindo assim eficácia erga omnes (artigo 18.º, n.º 1, da CRP).

7. As normas atinentes a direitos, liberdades e garantias são sempre normas perceptivas, importanto, porém, distinguir as normas constitucionais que são exequíveis por si mesmas, daquelas que tenham uma natureza mais programática, cuja eficácia dependa de regulamentação a estabelecer pelo legislador ordinário.

8. Se a norma constitucional for exequível por si mesma, o interessado pode invocar os seus direitos, com fundamento nos próprios preceitos constitucionais, ainda que na falta ou insuficiência de lei ordinária.

9. Se, pelo contrário, estiver apenas em causa o princípio da igualdade objectivamente considerado no quadro das relações privadas, deve ter-se em conta que o mesmo é um princípio informador de toda a ordem jurídica e que a sua transposição para o domínio do direito privado impõe algumas adaptações.

10. Entre os direitos fundamentais susceptíveis de aplicação directa e imediata figuram os princípios da igualdade e não discriminação, consagrados no artigo 13º da Constituição, pelo que se estiver em causa um autêntico direito fundamental de igualdade, tal como ele é definido na Constituição, e não um mero princípio de igualdade de natureza simplesmente objectiva, a questão da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais não pode ser posta em causa.

11. As noções de igualdade e não discriminação encontram-se estreitamente ligadas entre si; o princípio da igualdade manda tratar do mesmo modo o que for igual e de modo diferente o que for desigual – é a chamada vertente positiva do princípio. Por isso, as diferenças de tratamento podem ser legítimas, ou seja, podem ter justificação. Mas esta não existe quando, sem fundamento substancial e ou objectivo, se trata de forma desigual o que é igual ou pelo menos semelhante, ou quando se trata por igual situações claramente diferentes. Por esta via se cria o que pode designar-se por discriminação – a proibição da discriminação é a vertente negativa do princípio da igualdade.

12. Constitui orientação sedimentada no Tribunal Constitucional que o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP «vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional» e «postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)».

13. Este princípio impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e tratamento diferente ao que for essencialmente diferente, pelo que o Tribunal Constitucional tem entendido uniformemente que «igualdade» não significa proibição de tratamentos jurídicos diferenciados, mas antes a proibição de diferenças que afectem as pessoas e que não sejam fundamentadas à luz do próprio sistema constitucional.

14. O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções, mas proíbe o arbítrio, ou seja: proíbe diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes; e proíbe ainda a discriminação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do artigo 13º da Constituição.

15. As diferenças de tratamento podem ser legítimas quando: a) se baseiam numa distinção objectiva de situações; b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2 do artigo 13.º da CRP; c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.

E PROPORCIONADAS À SATISFAÇÃO DO SEU OBJECTIVO
16. A enumeração dos factores de discriminação constante do n.º 2 do artigo 13.º da CRP é meramente exemplificativa, como resulta desde logo da parte final do n.º 1 do seu artigo 26.º, em que se consagra como direito pessoal a «protecção legal contra quaisquer formas de discriminação», sendo, todavia, igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas noutros motivos, sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático ou simplesmente arbitrários ou impertinentes.

17. Viola os princípios da igualdade e da não discriminação a inclusão, num seguro de grupo do ramo vida, em caso de morte, temporário, de uma ou várias cláusulas que estabeleçam um capital seguro a favor da generalidade das pessoas seguras, exceptuando-se apenas aquelas em que a morte for provocada ou agravada pela SIDA, em relação às quais o capital seguro é fixado, apenas com esse fundamento, em montantes inferiores.

18. Tais cláusulas, por contrárias a disposição legal de carácter imperativo, são nulas, no segmento em que estabelecem que o capital seguro é reduzido apenas quando a morte da pessoa segura for provocada ou agravada pela SIDA.

19. Nos seguros de grupo, ramo vida, em caso de morte, a SIDA não pode ser tratada em paralelo com o suicídio, por estarem em causa situações muito diferentes, uma vez que, quanto ao suicídio, há razões objectivas que justificam um diferente tratamento, por estar em causa um acto voluntário do segurado, que poderá propiciar situações de fraude, o que não sucede em relação à morte provocada ou agravada pela SIDA.

20. A lei portuguesa aceita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas apenas daqueles que, pela sua gravidade, isto é, que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral do lesado, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Declaram-se nulas as actas adicionais n.ºs 283/21, de 22.10.93, 290/22, de 01.02.94, e 291/22, de 02.02.94, na parte em que estabelecem que o capital seguro é reduzido para 10.000.000$ e 5.000.000$00, respectivamente, nos casos em que a morte da pessoa segura for provocada ou agravada pela SIDA.
2. Condenam-se as RR a pagar à autora a quantia de € 104.699,99, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.
3. Absolvem-se as RR dos restantes pedidos.
4. As custas serão suportadas na proporção do vencido em ambas as instâncias.

Lisboa, 26.06.2012.

José David Pimentel Marcos.
Tomé Gomes.
Maria do Rosário Morgado.
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[1]   Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, 2003, pág. 52.
[2]   Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2004, págs. 584/585.
[3]  Cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14.03.2006, CJ Ano XIV, Tomo I, 130.
[4] O tomador é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio.
[5]  O direito (pessoal) à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação foi introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/97 (5ª Revisão). Este direito «terá conteúdo útil e autónomo como um direito especial de igualdade, dada a natureza de direito pessoal beneficiador do regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias; além disso, apresenta-se como um direito subjectivo fundamentalmente reconduzível a um direito à prática de não discriminação» (Gomes Canotilho/vital Moreira, em anotação ao artigo 26.º)
[6]  Trata-se de «um direito de igualdade, de um direito a não serem vítimas de uma capitis deminutio, não podendo ser privados de direitos, ou ver os seus direitos restringidos por motivos de deficiência…»
[7]  JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit. pág. 294.
[8]  JORJE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, pág. 152.
[9]  Cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 152.
[10]  JORGE  MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit. pág. 152/153.
[11]  Jorge Miranda/Rui medeiros, ob. cit. pág. 153.
[12]  Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 1998, págs. 277/278
[13]  Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, 381/382.
[14]  GOMES CANOTILHO/VIRAL MOREIRA, ob. cit. pág. 382.
[15]  GOMES CANOTILHO/VIRAL MOREIRA, ob. cit. pág. 382.
[16]  GOMES CANOTILHO/VIRAL MOREIRA, ob. cit. pág. 384.
[17]  Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit. pág. 385 a 387.
[18]  GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit. pág. 346.
[19] Tenha-se em consideração que, nos termos do artigo 17.º da CRP o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se não só aos enunciados no título II, mas também aos direitos fundamentais de natureza análoga.
[20]  Ob. loc. cit. pág. 385.
[21]  Idem, págs. 385/386.
[22] Ob. loc. cit. págs. 346 e segs.
[23]  Ob. cit. pág. 127.
[24] Na doutrina podem ser consultados, entre outros: Gomes Canotilho/Vital Moreira, Direito Constitucional e Teoria da constituição, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 426 e sgs.; os mesmos autores em anotação ao artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4ª Edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 237 e sgs; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra 2005, pags. 115 e segs.. Em Direito Administrativo podem ser vistos, nomeadamente: Marcelo Rebelo de sousa/André salgado de Matos, Direito Administrativo, Tomo I, 3ª Edição, Dom Quixote, 2008, págs. 225 e segs; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Coimbra 2001, págs. 122 e sgs.
[25]  No recurso que deu origem ao acórdão n.º 199/2009 estava em causa o princípio da igualdade, enquanto vínculo específico do legislador (na expressão do acórdão 69/2008) na sua vertente de proibição do arbítrio, ou seja, de imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e de interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais.
[26] Os acórdãos do TC que serão referidos encontram-se disponibilizados desde o ano de 1989 no sítio WWW.tribunalconstitucioanl.pt./tc/acordaos.
[27]  Ac. TC. 69/2008, de 31.01.2008.
[28]  Cfr. Manual Sobre Doenças Infecciosas, de Francisco Antunes, Permayer Portugal, 2003, pág.179.
[29]  Cfr. Manual Sobre Doenças Infecciosas, de Francisco Antunes, Permayer Portugal, 2003, pág.180.
[30] Para maiores desenvolvimentos desta matéria veja-se o parecer do Conselho Consultivo da PGR P0002611995, de 25.05.95, relatado por Salvador da Costa.
[31] Nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da CRP “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrado de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
[32]  O Contrato de Seguro Terrestre, vol. I, pág. 271.
[33]  Cfr. art.º 426.º do C. Comercial.
[34]  Contrato de Seguros e Terceiros, Coimbra Editora, 2010, pág. 788 e segs.
[35]  Margarida Lima Rego, ob. cit. págs. 792/793.
[36]  Cfr. José Vasques, ob. cit. pág. 48.
[37]   Maria Inês de Oliveira martins, “Seguro de Vida…”, Coimbra Editora, 2010, pág. 77.
[38] Este contrato de seguro não é um contrato do ramo de acidente de trabalho, este sim obrigatório nos termos do artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
[39]  Maria Inês de Oliveira martins, ob. cit. pág. 87.
[40]  Cfr. JOSÉ VASQUES, ob. cit. pág. 75 e segs.
[41]  Cfr. Margarida Lima rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra Editora, 2010, pág. 589.
[42]  Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. loc. cit. pág. 121.
[43]  Gomes Canotilho/vital moreira, ob. loc. cit. págs. 340/341.
[44]  Por exemplo, em relação à “orientação sexual” o princípio em causa apenas foi introduzido pela LC n.º 1/2004.
[45]  Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, Vol. I. pág. 340.
[46]  Vejam-se a propósito os artigos 177.º e 178.º do GJCS.
[47]  Inocêncio Galvão Telles, Direito Das Obrigações, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 55.
[48]  BMJ 406-618.
[49]  Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 502.