Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4551/2008-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: TRABALHADORA GRÁVIDA
DESPEDIMENTO
SERVIÇO DOMÉSTICO
PARECERES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: No despedimento ocorrido num contrato de serviço doméstico, ainda que se tenha provado que a trabalhadora estava grávida, não é exigível parecer prévio da Comissão para a Igualdade – CITE
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A…, residente na Rua … moveu a presente acção declarativa com processo, contra:

B… e C…, ambos residentes na rua …, em Lisboa, pedindo “que se declare ilícito o seu despedimento; e que os réus sejam condenados a reintegrá-la ou, não havendo acordo quanto a essa reintegração, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 60 dias de retribuição base por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido desde a data de início do contrato até à data do despedimento, ou seja, € 6.895,58; serem os réus condenados a pagar-lhe a quantia de € 7.710,93, correspondente ao trabalho suplementar prestado e € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 483 do CC; serem os réus condenados a pagar a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 436 n.º1) do CT; serem ainda condenados no pagamento de juros moratórios à taxa ou taxas supletivas que, entretanto, vigorarem, desde a citação até ao efectivo pagamento”

Para o efeito alega que exerceu sob ordens direcção e fiscalização dos réus, actividades destinadas à satisfação das necessidades específicas do agregado familiar, de 15 de Maio de 2000 a 15 de Março de 2006, data em que foi por aqueles despedida, com alegação de justa causa, fundamentada em factos que não ocorreram ou que não revestiram a gravidade que estes lhe atribuíram.

O despedimento é ilícito, uma vez que, não só são improcedentes os motivos invocados, como não foi observado o procedimento exigido no artigo 51º do Código de Trabalho e artigo 98º da Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, segundo o qual é obrigatório o parecer prévio da CITE para proceder ao despedimento de trabalhadora grávida. Situação em que a autora se encontrava à data do despedimento.

Na contestação os réus pugnaram pela improcedência do pedido. Em reconvenção pedem a condenação da autora a pagar-lhes a quantia de indemnização no valor de € 20.000,00, por danos não patrimoniais, bem como € 255,00 de danos patrimoniais. Pedem ainda a condenação da autora, como litigante de má fé.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

Por todo o exposto, julga-se

- a acção improcedente e, em consequência, absolve-se os réus do pedido;

- a reconvenção improcedente e, em consequência, absolve-se a autora de tal pedido; - absolvem-se as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé”


A autora inconformada interpôs recurso, tendo nas alegações proferido as a seguir transcritas,
Conclusões:
(…)

Nas contra-alegações os réus pugnaram pela manutenção da decisão recorrida.

O Exmº Procurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir

I – As questões suscitadas nas conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, são relativas à invalidade do despedimento, por falta do parecer prévio da CITE, e por inexistência de justa causa; e ainda suscitado o direito à indemnização por danos não patrimoniais.

II – Fundamentos de facto

Foram dados como provados pelo tribunal recorrido os seguintes factos:
(…)


III – Fundamentos de direito

No caso em apreço, está em causa um contrato de serviço doméstico pelo qual a autora se obrigou, mediante retribuição, a prestar aos réus, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação de necessidades próprias ou específicas de agregado familiar, e dos respectivo membros, sujeito assim ao regime especial previsto no DL n.º 235/92, de 24/10.

Na verdade, o facto de estar sujeito a um regime especial resulta da sua particular especificidade, como é sublinhado no preâmbulo do referido decreto-lei, pois a circunstância do trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal que postulam um permanente clima de confiança, exige, a par da consideração da especificidade económica daqueles, que o seu regime se continue a configurar como especial em certas matérias.

Assim sendo, as regras do Código de Trabalho só lhe são aplicáveis quando não sejam incompatíveis com a especificidade do contrato de serviço doméstico, tal como decorre do art.º11, do CT.

O contrato em causa celebrado entre a autora e os réus cessou com a comunicação de 16 de Março de 2006, na qual lhe foi comunicado que: «Em conclusão, nos termos e para os efeitos do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24/10, consideramos que os factos descritos impossibilitam a manutenção do contrato de serviço doméstico que tem existido com a trabalhadora, promovendo-se a sua rescisão com justa causa, cessando este com efeitos a partir da recepção da presente carta».
Consubstancia assim esta comunicação um despedimento, enquanto forma de resolução promovida pela entidade empregadora, ao abrigo do art. 29 do citado diploma, que dispõe:

«1- Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico.
2- Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato.
3- No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem.
4- A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço».
Decorre ainda deste normativo que o despedimento com justa causa, no regime especial do serviço doméstico, não carece de procedimento disciplinar, devendo apenas ser comunicado por escrito, com justificação dos factos e circunstâncias que o fundamentam.
A autora, para além de invocar a ausência de fundamentos no despedimento, alega que o mesmo não foi precedida de parecer da CITE, nos termos do art.º51 do CT, o que determina a sua nulidade, dado que resultou provado que aquando do mesmo a autora estava grávida de 7 meses, tendo o seu filho nascido a 25 de Maio de 2006.

Vejamos então

O art.º34, a) do CT, estipula que entende-se por trabalhadora grávida aquela que informa o empregador do seu estado de gestação, por escrito e mediante a apresentação de atestado médico.
O art.º51 do CT dispõe que: “ O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante carece sempre de parecer prévio da entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.” Os nºs 3 e 4 dispõem, ainda, que o referido parecer deve ser comunicado ao empregador e à trabalhadora nos 30 dias subsequentes à recepção do processo despedimento pela entidade competente, sendo inválido o despedimento caso não tenha sido solicitado esse parecer, cabendo o ónus da prova deste facto à entidade empregadora.
Como é referido no Acórdão deste Tribunal, de 14/12/2004 , cujo relator é adjunto neste acórdão, e se encontra publicado na Internet dgsi, «um tal parecer, muito embora se insira no escopo último da lei de protecção na maternidade, não pode deixar de ser entendido como um dos elementos coadjuvantes, mas essencial, na ponderação que à entidade patronal compete efectuar ao proferir a decisão disciplinar de cessação unilateral do contrato de trabalho ou despedimento de uma sua trabalhadora que se encontre em qualquer das ditas circunstâncias… e mais à frente refere que aludido Parecer deverá ser solicitado uma vez finda as diligências probatórias, «pois só dessa forma poderá a mesma dispor das condições adequadas à emissão de cabal parecer. Tudo aponta, pois, no sentido de que este parecer apenas possa ser solicitado pela entidade patronal à entidade competente, concluída que se mostre a fase de instrução do procedimento disciplinar e antes, obviamente, da fase de deliberação a adoptar por aquela, remetendo, para o efeito à entidade competente, cópia do procedimento disciplinar.”
Ora, como acima se referiu, no regime do serviço doméstico não existe a obrigatoriedade do procedimento disciplinar, sendo suficiente a sua comunicação por escrito em que se mencionem os respectivos fundamentos. Deste modo, a prolação do parecer prévio da CITE, que se segue à elaboração do processo disciplinar, nos termos art.º51, do CT, não é compatível com o regime do serviço doméstico que não contempla o processo disciplinar.
Entendimento que veio a ser confirmado pelo disposto no art.º98, do Lei n.º 35/2004, de 9 de Julho, que regulamento o art.º51, do CT, o qual especifica as modalidades de despedimento (art.ºs 414 e 418, do CT) e momento processual após o qual se deve solicitar o parecer à Comissão para a igualdade, CITE, e nele não se menciona o regime especial do serviço doméstico.
Mas resultou ainda apurado que, em anterior decisão disciplinar, foi solicitado, pelos réus à CITE, parecer prévio para o despedimento da trabalhadora grávida, a qual, em resposta, emitiu a informação n.º 72/CITE/2005, de que foi deliberado por unanimidade dos seus membros «não emitir parecer prévio ao despedimento de trabalhadoras titulares de um contrato de trabalho do serviço doméstico e que se encontrem grávidas, puérperas ou sejam lactantes…» – conforme documento de fls. 44 e 46
Afigura-se-nos assim concluir que no despedimento em causa, ocorrido sob o regime do serviço doméstico, e ainda que se tenha provado que a trabalhadora estava grávida (embora sem se terem provado os requisitos do artº 34, do CT, comunicação por escrito da situação de gravidez e a entrega do respectivo atestado médico), não é exigível parecer da Comissão para a Igualdade – CITE –
Não se verifica pois a invocada invalidade.

Mas, como acima se aludiu, a recorrente sustenta ainda que os factos que fundamentam o seu despedimento não revestem gravidade que consubstancie a sua justa causa.
No regime do serviço doméstico, como se refere, no n.º1 do artº29, do DL n.º235/92, constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico.
No art.º30, do mesmo diploma, estão elencados alguns desses comportamentos, designadamente a falta de urbanidade no trato com os membros do agregado familiar do empregador – al.) l) do mesmo.

No caso, resulta da matéria factual apurada que no desempenho das suas funções a autora sempre teve como objectivo dar conforto, segurança e proporcionar felicidade ao menor, de quem cuidou desde os 2 meses de idade e a quem se afeiçoou e com quem até ao dia 1 de Março de 2006 nunca teve medo de estar ou ficar (factos 26 a 28).

Porém, no dia 1 de Março de 2006, quando o filho dos réus, com 5 anos de idade, ficou em casa com a autora, por comportamento desta e ainda porque a mesma deixou cair umas migalhas nas plasticinas, com que o filho dos réus estava a brincar, o mesmo revelou um choro repetido e dificuldades em conciliar o sono, recusando-se a estar na presença da autora e em consequência, por médica psicóloga, foi constatado que: Com efeito, e conforme foi possível confirmar na primeira consulta psicológica, o J… apresentava um conjunto de alterações comportamentais que se enquadram dentro de um quadro de Stress Pós-Traumático (Critérios de Diagnóstico do DSM-IV – “Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders”). Dos 6 critérios de diagnóstico desta Perturbação da Ansiedade, a criança a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico.

O J… revelou um comportamento adequado no decurso da consulta psicológica, porém, perante “estratégias terapêuticas de confronto com a situação traumática”, isto é quando se apelou à recordação da relação com a empregada e ama, o J… apresentou respostas emocionais sintónicas com o quadro sintomatológico acima supra-descrito: 1) recusa na recordação da vivência traumática (assim como todo e qualquer estímulo que a remetesse para a mesma); 2) medos e 3) labilidade emocional.
Foi prescrito um programa de “Coaching Parental” de forma a atenuar as respostas emocionais apresentadas por esta criança. - (factos 16 a 24).

Ora, destes factos resulta ter havido, da parte da recorrente, uma violação grave do seu dever de cuidar devidamente do filho menor de idade dos recorridos, sendo legítimo concluir que estes perderam a confiança que tinham na autora para poder continuar a cuidar e assistir o seu filho o que, considerando a natureza especial da relação em causa, impossibilita definitivamente a manutenção do contrato de serviço do doméstico, tornando intolerável a convivência familiar diária com a autora, consubstanciando por isso justa causa no despedimento efectuado.

A recorrente reclama ainda, nas alegações do recurso interposto, uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados, em virtude da insubsistência da justa causa, ao abrigo do art. 436 a) do CT.

Ora, além de não se ter provado qualquer conduta ilícita, por parte dos réus, no despedimento efectuado, também, da matéria de facto apurada não resulta que os danos de que a autora padece (depressão) sejam decorrentes do referido despedimento (nexo causal), como aliás a recorrente reconhece, na conclusão n.º 29 do recurso interposto.
Deste modo, não pode, também, proceder este fundamento do recurso.

IV – Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recuso interposto e confirma-se a sentença recorrida.
Custa pela recorrente.

Lisboa, 1 de Outubro de 2008.


Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena Carvalho