Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | PAULA SÁ FERNANDES | ||
| Descritores: | TRABALHADORA GRÁVIDA DESPEDIMENTO SERVIÇO DOMÉSTICO PARECERES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | No despedimento ocorrido num contrato de serviço doméstico, ainda que se tenha provado que a trabalhadora estava grávida, não é exigível parecer prévio da Comissão para a Igualdade – CITE (sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa A…, residente na Rua … moveu a presente acção declarativa com processo, contra: B… e C…, ambos residentes na rua …, em Lisboa, pedindo “que se declare ilícito o seu despedimento; e que os réus sejam condenados a reintegrá-la ou, não havendo acordo quanto a essa reintegração, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 60 dias de retribuição base por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido desde a data de início do contrato até à data do despedimento, ou seja, € 6.895,58; serem os réus condenados a pagar-lhe a quantia de € 7.710,93, correspondente ao trabalho suplementar prestado e € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 483 do CC; serem os réus condenados a pagar a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 436 n.º1) do CT; serem ainda condenados no pagamento de juros moratórios à taxa ou taxas supletivas que, entretanto, vigorarem, desde a citação até ao efectivo pagamento” Para o efeito alega que exerceu sob ordens direcção e fiscalização dos réus, actividades destinadas à satisfação das necessidades específicas do agregado familiar, de 15 de Maio de 2000 a 15 de Março de 2006, data em que foi por aqueles despedida, com alegação de justa causa, fundamentada em factos que não ocorreram ou que não revestiram a gravidade que estes lhe atribuíram. O despedimento é ilícito, uma vez que, não só são improcedentes os motivos invocados, como não foi observado o procedimento exigido no artigo 51º do Código de Trabalho e artigo 98º da Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, segundo o qual é obrigatório o parecer prévio da CITE para proceder ao despedimento de trabalhadora grávida. Situação em que a autora se encontrava à data do despedimento. Na contestação os réus pugnaram pela improcedência do pedido. Em reconvenção pedem a condenação da autora a pagar-lhes a quantia de indemnização no valor de € 20.000,00, por danos não patrimoniais, bem como € 255,00 de danos patrimoniais. Pedem ainda a condenação da autora, como litigante de má fé. Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Por todo o exposto, julga-se - a acção improcedente e, em consequência, absolve-se os réus do pedido; - a reconvenção improcedente e, em consequência, absolve-se a autora de tal pedido; - absolvem-se as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé”
Na verdade, o facto de estar sujeito a um regime especial resulta da sua particular especificidade, como é sublinhado no preâmbulo do referido decreto-lei, pois a circunstância do trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal que postulam um permanente clima de confiança, exige, a par da consideração da especificidade económica daqueles, que o seu regime se continue a configurar como especial em certas matérias. Assim sendo, as regras do Código de Trabalho só lhe são aplicáveis quando não sejam incompatíveis com a especificidade do contrato de serviço doméstico, tal como decorre do art.º11, do CT. O contrato em causa celebrado entre a autora e os réus cessou com a comunicação de 16 de Março de 2006, na qual lhe foi comunicado que: «Em conclusão, nos termos e para os efeitos do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24/10, consideramos que os factos descritos impossibilitam a manutenção do contrato de serviço doméstico que tem existido com a trabalhadora, promovendo-se a sua rescisão com justa causa, cessando este com efeitos a partir da recepção da presente carta». «1- Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. Vejamos então O art.º34, a) do CT, estipula que entende-se por trabalhadora grávida aquela que informa o empregador do seu estado de gestação, por escrito e mediante a apresentação de atestado médico. Mas, como acima se aludiu, a recorrente sustenta ainda que os factos que fundamentam o seu despedimento não revestem gravidade que consubstancie a sua justa causa. No caso, resulta da matéria factual apurada que no desempenho das suas funções a autora sempre teve como objectivo dar conforto, segurança e proporcionar felicidade ao menor, de quem cuidou desde os 2 meses de idade e a quem se afeiçoou e com quem até ao dia 1 de Março de 2006 nunca teve medo de estar ou ficar (factos 26 a 28). Porém, no dia 1 de Março de 2006, quando o filho dos réus, com 5 anos de idade, ficou em casa com a autora, por comportamento desta e ainda porque a mesma deixou cair umas migalhas nas plasticinas, com que o filho dos réus estava a brincar, o mesmo revelou um choro repetido e dificuldades em conciliar o sono, recusando-se a estar na presença da autora e em consequência, por médica psicóloga, foi constatado que: Com efeito, e conforme foi possível confirmar na primeira consulta psicológica, o J… apresentava um conjunto de alterações comportamentais que se enquadram dentro de um quadro de Stress Pós-Traumático (Critérios de Diagnóstico do DSM-IV – “Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders”). Dos 6 critérios de diagnóstico desta Perturbação da Ansiedade, a criança a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. O J… revelou um comportamento adequado no decurso da consulta psicológica, porém, perante “estratégias terapêuticas de confronto com a situação traumática”, isto é quando se apelou à recordação da relação com a empregada e ama, o J… apresentou respostas emocionais sintónicas com o quadro sintomatológico acima supra-descrito: 1) recusa na recordação da vivência traumática (assim como todo e qualquer estímulo que a remetesse para a mesma); 2) medos e 3) labilidade emocional. Ora, destes factos resulta ter havido, da parte da recorrente, uma violação grave do seu dever de cuidar devidamente do filho menor de idade dos recorridos, sendo legítimo concluir que estes perderam a confiança que tinham na autora para poder continuar a cuidar e assistir o seu filho o que, considerando a natureza especial da relação em causa, impossibilita definitivamente a manutenção do contrato de serviço do doméstico, tornando intolerável a convivência familiar diária com a autora, consubstanciando por isso justa causa no despedimento efectuado.
A recorrente reclama ainda, nas alegações do recurso interposto, uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados, em virtude da insubsistência da justa causa, ao abrigo do art. 436 a) do CT. Ora, além de não se ter provado qualquer conduta ilícita, por parte dos réus, no despedimento efectuado, também, da matéria de facto apurada não resulta que os danos de que a autora padece (depressão) sejam decorrentes do referido despedimento (nexo causal), como aliás a recorrente reconhece, na conclusão n.º 29 do recurso interposto. |