Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO ALARGADA GRAVAÇÃO DEFICIENTE IRREGULARIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | I- Quando no recurso se impugne, de forma alargada, a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, encontrando-se gravados, de forma total ou parcialmente imperceptível, depoimentos de testemunhas, cujas passagens foram invocados para fundamentar o erro de julgamento e que, na alegação dos recorrentes, impõe decisão diversa da recorrida, tal circunstância impede a apreciação correcta do recurso da matéria de facto pelo Tribunal de Recurso. II- Tal vício não constitui nulidade (art.ºs 119.º e 120.º do CPP), porém o art.º 123.º, n.º 2 do CPP determina que se pode ordenar, mesmo oficiosamente e a todo o tempo, a reparação dessa irregularidade, quando ela puder afectar o valor do acto praticado, o que é o caso. III- Em consequência, deve ser ordenada a anulação da sessão ou sessões de prova em que as testemunhas foram inquiridas, bem como a sentença e a repetição da prova, no que respeita aos depoimentos gravados de forma deficiente, com documentação e prolacção posterior de nova sentença. IV- Quando o tribunal recorrido não se pronunciou, em sede de sentença, quanto a factos alegados, nomeadamente na contestação, com impacto directo na decisão da causa, a sentença padece de nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do disposto nos art.ºs 368.º, n.º2, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. c), 2 do CPP. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO 1. Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Publico acusou: AA, filho de BB e de CC, natural de ..., Ilha Graciosa, onde nasceu a ...1953, divorciado, sócio gerente, residente no Rua ..., ...; DD, filho de EE e de FF, natural de ..., ..., Ilha Terceira, onde nasceu a ...1959, casado, sócio gerente, residente no Caminho ..., ...; e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., NIPC 512..., com sede na Zona Portuária do ..., ..., imputando a prática, ao arguido AA, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.º 1, e n.º 4, al. a), do Código Penal, ao arguido DD, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.º 1, e n.º 4, al. a), do Código Penal, e à arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., após alteração da qualificação jurídica, de um crime de crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.º 1, e n.º 4, al. a), e 11.º, n.º 2, al. a), e n.º 4 do Código Penal. 2. Realizado o julgamento no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Competência Genérica da ..., foi proferida Sentença condenatória em que foi decidido: 1. julgar a acusação, após alteração de factos e da qualificação jurídica, procedente, por provada, e, em consequência: 1.1. Condena-se o Arguido AA, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período de 4 (quatro) anos; 1.2. Condena-se o Arguido DD, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período de 4 (quatro) anos; 1.3. Condena-se a Arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., pela prática de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, por referência aos artigos 11.º, n.ºs 2, al. a), e n.º 4, do Código Penal, na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 200,00 (duzentos euros), no montante global de € 96.000,00 (noventa e seis mil euros); 1.4. Substitui-se a pena de multa referida em 1.3. por caução de boa conduta, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), pelo período de 4 (quatro) anos; 1.6. Condenam-se os Arguidos AA, DD e Transportes Marítimos. no pagamento dos encargos e custas crime do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s; 2. julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado pelos Demandantes GG, HH e II, e, em consequência: 2.1. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento, solidário, em conjunto, aos Demandantes da quantia de € 81.000,00 (oitenta e um mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.2. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário ao Demandante GG da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.3. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário à Demandante HH da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.4. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário à Demandante II da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.5. absolvem-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. do demais peticionado. Custas do pedido de indemnização civil pelos Demandantes GG, HH e II e pelos Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, do Código de Processo Civil, na proporção aritmética do decaimento. Boletins à DSIC. Determina-se que, após trânsito, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, se proceda à recolha de ADN dos arguidos pessoas singulares, nos moldes prescritos em tal diploma legal. 3. Inconformados com o Acórdão Condenatório, os arguidos AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., vieram interpor recursos separados mas que em tudo idênticos, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A) A apreciação da prova produzida em audiência de julgamento não valorou a essencial e determinante intervenção do sinistrado JJ para a produção não do sinistro (rompimento do cabo e queda da plataforma de transporte de carga) mas do resultado que o vitimou, sinistrado, esse, marinheiro mais do que experiente e possuidor de vários títulos oficiais que o habilitavam, se necessário fosse, a pilotar, ele próprio, o navio em causa, afastando, assim, o disposto nos art.ºs 570º a 572º do Código Civil e no art.º 31º do Código Penal ao caso aplicáveis. B) De igual modo, não valorou corretamente, o Tribunal a quo, a importância das ordens verbais e das instruções dadas a todos os funcionários da arguida TMG, quer pela gerência da empresa, mormente pelos arguidos nestes autos, quer pelos comandantes de cada um dos navios da empresa, quanto à matéria de segurança no trabalho, desde logo no que tange a não andarem na zona de elevação de cargas, a não passarem por baixo de cargas suspensas e, para o que ao caso interessa, a não se fazerem transportar na plataforma onde eram colocadas as paletes que depois eram içadas de e para os navios, sendo que considerou tais factos provados (pontos n.ºs 109 a 125 da matéria de factos julgada provada) mas não retirou dos mesmos as devidas consequências lógicas; C) O Tribunal a quo não deu importância alguma ao facto de não ser necessário ao trabalhador passar sequer perto da zona de movimentação de cargas, mormente porque a escada de acesso do cais ao navio - caminho certo e seguro a percorrer, como era do conhecimento de todos os marinheiros – e, uma vez no convés, à dita “porta do homem” que, por seu turno, conduz a uma escada interior coberta que leva ao porão de carga, fica longe da área de operação da grua e da empilhadora, sendo que, mesmo que a carga caísse ou que o cabo rebentasse, como foi o caso, jamais seria, qualquer trabalhador que fizesse esse circuito, atingido por aquela (factos julgados provados nos pontos 111 e 124 e referidos no depoimento dos funcionários dos TMG, desde logo os Mestre KK e LL); D) O tipo legal de crime do art.º 152º-B do C.P., concretamente pela letra do mesmo: “Quem não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo …”, a violação de normas legais ou regulamentares indica estarmos perante uma norma penal em branco cujo preenchimento tem de ser feito por apelo a outras normas que traduzam deveres em matéria de segurança e saúde no trabalho, não sendo mais do que uma remissão para aquelas que, por seu turno, já comportam um quadro sancionatório em matéria contraordenacional em caso de serem violadas. Pelo que há a necessidade de um “plus” para se ultrapassar a dimensão ontológica própria do direito sancionatório administrativo para o penal e essa passagem de grau opera-se pela sujeição do trabalhador a perigo concreto de grave ofensa para o seu corpo ou a saúde (agravando-se a pena em caso de morte). E) Para o trabalhador estar sujeito ao perigo concreto emergente das operações com a grua, teria de ter sido obrigado ou posto a trabalhar na zona de operação da mesma, ao lado ou por baixo da elevação das cargas, coisa que ninguém – desde logo o M.P. na sua acusação - disse ter sucedido. Ou seja: não foi criado perigo algum concreto na esfera jurídica do trabalhador pela operação da grua, o perigo foi ele que o criou ao saltar, inopinadamente, para a plataforma que ia ser içada, pelo que há uma clara exclusão da tipicidade que deveria ter implicado a clara absolvição penal dos arguidos, o mesmo se passando em sede civil. F) O trabalhador, à data do sinistro tinha já 9 anos de experiência, pelo menos (facto provado n.º 9), sendo que no facto provado n.º 10 é expressamente reconhecido que o sinistrado tinha autonomia técnica no domínio das suas funções de marinheiro e estava sobre a direção técnica – recebendo ordens – do mestre do navio MM, tal como resulta dos factos provados dos pontos 109 a 113. G) Relevante para a questão dos cuidados com a rotação dos cabos, com o seu período de vida útil e, sobretudo, com a inspeção/verificação das condições dos mesmos, temos a matéria julgada provada em 13, sendo que o cabo não tinha ainda 3 meses de uso e havia sido inspecionado detalhadamente duas semanas antes (sem prejuízo das inspeções visuais feitas de cada vez que era usado, como resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas). H) No ponto 14 da matéria de facto julgada provada é esclarecido, como resulta também do depoimento das testemunhas, que a plataforma içada pelo cabo era para ser exclusivamente utilizada para a elevação de carga e não de pessoas. I) No ponto 15 da matéria de facto julgada provada é esclarecido o peso que a carga, à data dos factos, acondicionada na plataforma tinha, concretamente 1.320 kg, sendo que, como resulta tanto dos documentos juntos aos autos como dos depoimentos das testemunhas, a grua podia elevar até 5 toneladas e o cabo então em uso podia suportar 12 toneladas, pelo que, fazendo as contas, conclui-se, objetivamente, que a mesma estava muito abaixo do peso limite para que podia ser empregue. J) Os factos provados constantes do ponto 16 devem ser combinados com os do ponto 17, pelo que o trabalhador JJ colocou-se, intencional e conscientemente (conforme julgado provado no ponto 116 dos factos provados), em cima da plataforma, oculto pelas paletes lá depositadas, numa posição em que o grueiro não o podia ver (factos dos pontos 117 e 119 julgados provados), tendo sido por isso que iniciou, sem saber da presença daquele na referida plataforma, a operação de içar a mesma para o navio. K) Convém conjugar esses factos provados com os dos pontos 109 a 114, concretamente com as instruções/ordens dadas pelo Mestre do navio MM aos seus tripulantes, entre os quais JJ, mormente quanto às do facto julgado provado no ponto 113, instruções/ordens, essas, mais uma vez, conhecidas tanto do sinistrado como dos demais trabalhadores (factos julgados provados dos pontos 112, 113, 116, 122, 123 e 124). L) Quanto à rutura do cabo há que conjugar a matéria julgada provada no ponto 19 com a do ponto 125 (ausência de danos visíveis que comprometessem a integridade do cabo e que alertassem para a necessidade da sua substituição), devendo ter-se, como elemento interpretativo, mais que não seja, a matéria julgada provada nos pontos 114 e 115. M) Resulta dos depoimentos supra citados, desde os dos funcionários da empresa, aos da empresa que presta serviços de saúde e segurança no trabalho, bem como aos relatórios juntos aos autos das duas peritagens efetuadas ao cabo a fls. 423 a 434 por OA, S.A. (a fabricante) e 106 a 116 pelo Instituto da Soldadura e Qualidade, Laboratório de Materiais, documento junto pela Inspeção Regional do Trabalho, que não era expectável que o cabo rebentasse sem avisar, quer no tocante aos fios que habitualmente se soltam nesses casos e que começam a serpentear ao lado do cabo, quer pela mudança de cor do mesmo, quer ainda pelo tempo de uso que tinha e de ter sido inspecionado formalmente há duas semanas, para além de o ser antes de cada vez que era usado, não sendo visíveis ao olho nu quaisquer danos que apontassem para semelhante desfecho. N) Quanto à matéria do facto julgado provado com no ponto 24 a mesma é sindicável, como supra se referiu, em sede contraordenacional, não podendo ser aritmeticamente arregimentada para dar “o salto” qualitativo para o Direito Penal, mormente porque, como acima já se demonstrou pela citação dos factos julgados provados, que o sinistro não se deu por falta de avisos/instruções/ordens, pois, como já se referiu, todos os trabalhadores sabiam, e para o que ao caso interessa, o Sr. JJ também (tanto que se escondeu…), que não podiam saltar para a plataforma para nela se fazerem transportar de e para o navio. O) No que tange ao facto do ponto 24.1. havia sinalética que proibia a entrada e circulação de pessoas estranhas ao serviço (facto provado n.º 120), só se encontravam no cais os funcionários dos TMG ligados especificamente à navegação (facto provado n.º 121), todos os funcionários sabiam que não lhes era permitido utilizar as paletes como forma de elevação ela grua como meio de acesso ao navio ou ao cais (facto provado n.º 122), e que não podiam estar na zona de elevação/descida de carga em suspensão (facto provado n.º 123), o que lhes foi transmitido pela gerência da arguida, através dos ora arguidos, e pelo Mestre do navio (facto provado n.º 124). P) Mais, o Mestre havia dado ordens e indicações quanto ao modo como deveriam decorrer as operações e quanto ao que podiam e não podiam fazer (factos julgados provados nos pontos 111 a 113), sendo os trabalhadores muito experimentes e sabedores que não podiam empreender a conduta descrita no facto 16 (saltar para a plataforma para a utilizarem como meio de transporte) – factos provados n.ºs 114, 116 e 122. Q) A mera falta de sinalética, no caso vertente, não tem dignidade penal, pois não era necessária para avisar quem já sabia das proibições e de como executar corretamente e em segurança as suas funções, que haja punição contraordenacional é uma coisa, que se dê o salto para a penal é outra e é quanto a isso que se insurgem os arguidos, valendo o mesmo, inclusive nos factos indicados como provados, quanto à matéria dos pontos 24.2., 24.3., 24.4., 24.6.. R) Quanto à matéria do ponto 24.5. a argumentação expendida acima permanece válida, uma vez que a ausência de formação formal do grueiro não contribuiu em nada para a verificação do sinistro. Havia que demonstrar a quem acusa, coisa que o M.P. nunca fez, que a grua tinha sido incorretamente operada e que por força desse facto é que se teria dado a rutura do cabo ou, antes disso, a subida do sinistrado para a plataforma. E prova alguma foi feita nesse sentido (basta ler os factos julgados provados). Carrear tal conclusão e forçá-la a significar coisa diversa é uma má apreciação dos factos e uma tremenda injustiça. S) Quanto ao ponto 24.7. não se percebe, em face do teor dos relatórios efetuados na sequência da perícia ao cabo rebentado, não existem técnicos para essa função, sendo que era visual. Note-se que as perícias implicaram, ambas, a destruição do segmento analisado T) Quanto à matéria dos factos provados do ponto 24.8. cumpre, na linha do já supra exposto, referir que, no caso concreto, tal não corresponde à verdade no que tange à verificação efetuada ao navio, suas partes integrantes e ao cabo em concreto que havia sido fiscalizado cerca de duas semanas antes do sinistro (cfr. documento junto aos autos a fls. 97 – Rinave, Registo Internacional Naval – doc. junto pela IRT nas conclusões da sua inspeção – Apenso A), para além do controlo visual do cabo efetuado antes e durante as operações. U) Quanto aos factos dos pontos 24.9., 24.10., 25 e 26 o Tribunal a quo fala, aqui, na linha indicada pelo M.P., da formação formal, dada por uma empresa de segurança e saúde no trabalho, contudo, não deixa – e para o caso vertente é o que verdadeiramente importa pois não estamos a tratar de responsabilidade contraordenacional mas sim penal – de entender como estando provados os factos já supra referidos (pontos 111 a 124) que atestam a existência de formação/instruções/ordens dadas quer pela entidade patronal quer pelo Mestre do navio em matéria de segurança no trabalho e quanto à forma correta como as funções deveriam ser desempenhadas, forma, essa, que levaria a que as mesmas fossem exercidas com segurança (longe da tal sujeição a um perigo concreto). V) Os factos julgados provados nos pontos 27 a 34 e 36 a 38, mais uma vez, são corolários uns dos outros, sendo que cumpre determinar se ausência da formação formal e do planeamento referido criaram um perigo concreto para o trabalhador JJ, perigo, esse, a que este foi sujeito no exercício e para o exercício das suas funções, ora tal conclusão não pode ser tirada no sentido assente na sentença sob pena de contradição com os factos julgados provados nos pontos 111 a 124 que apontam em sentido diametralmente oposto. W) Quanto à matéria do facto julgado provado no ponto 35 a resposta à mesma deveria ter sido negativa e não julgar os arguidos culpados da criação da situação de perigo criada, como acima se demonstrou – e o próprio Tribunal a quo o reconheceu – pelo próprio trabalhador que não estava, ipso facto, sujeito a trabalhar em situação de perigo concreto algum, mormente se houvesse respeitado as instruções/ordens dadas pelos arguidos quanto à forma como deveria ter exercido as suas funções. X) Assim sendo o Tribunal a quo julgou mal os factos julgados provados constantes dos pontos 25, pois entra em contradição com o que o Tribunal julgou provado nos pontos 111 a 124, e a matéria dos pontos 29 a 38 uma vez que foi sempre afirmado que a formação era dada pelo Mestre e pelos trabalhadores mais experientes, pelo que o que não existia era uma formação formal, sendo que nunca foi dito que reconheciam a situação como perigosa, tendo antes explicado, desde logo, todos os cuidados com a verificação e substituição dos cabos e a proibição expressa que a todos fizeram saber da passagem pela zona de elevação e movimentação de cargas bem como da expressa proibição de se fazerem içar na plataforma de elevação de cargas, factos, esses, que deveriam ter sido julgado não provados. Y) O Tribunal a quo retirou conclusões erradas dos factos julgados provados nos pontos 16, 17, 24 em todos os seus pontos, sendo que quanto aos pontos 24.9. e 24.10. o Tribunal a quo reconheceu que havia sido dada formação/instruções/ordens em matéria de desempenho em segurança das funções, pelo que, esta matéria deveria ter sido considerada parcialmente provada na medida em que formação existiu mas não ministrada por entidade certificada para o efeito, 26 a 28, pois destes, podendo resultar responsabilidade contraordenacional não se podia extrair responsabilidade penal pois dos mesmos não resultou a criação de perigo concreto para o trabalhador, nem a sujeição do mesmo a trabalhar em moldes para si perigosos, tendo o perigo sido criado, livre e conscientemente, pelo trabalhador que optou por uma conduta que sabia proibida, porque perigosa, e, ainda assim, conformou-se com tal facto e prosseguiu-a, o que o Tribunal a quo deveria ter concluído, absolvendo os arguidos, da sua responsabilidade criminal e civil. Termos em que, por provado, deve o presente recurso ser julgado procedente e o arguido e demandado, ora recorrente, assim como os demais co-arguidos e co-demandandos, ser absolvido tanto da condenação crime como dos pedidos cíveis, revogando-se a sentença condenatória e assim se fazendo JUSTIÇA. 4. Os recursos foram admitidos por despacho de 29/01/2024: Os arguidos DD, Transportes Marítimos Graciosenses, Lda e AA têm legitimidade e interesse em agir – artigo 401º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do Código de Processo Penal. A decisão é recorrível – artigo 400º, a contrario, do Código de Processo Penal. Os recursos são tempestivos e estão motivados – artigo 411º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código de Processo Penal. Assim sendo, admito os recursos interposto pelos arguidos acima identificados. Os mesmos sobem imediatamente e nos próprios autos para a Relação de Lisboa, tendo efeito suspensivo, de acordo com os art.º 406º, n.º 1, 407º, n.º 1, al. a), 408º, n.º 1, al. a), e 427º, todos do Cód. de Processo Penal. Proceda à junção dos suportes físicos que contém a gravação da prova. Notifique-se em conformidade com os art.º 411º, n.º 6 e 413º, do Cód. de Processo Penal. 5. GG e II, demandantes/Recorridos nos autos à margem referenciados, vêm apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, que terminam com as seguintes Conclusões (transcrição): 1. O recurso da recorrente não tem qualquer fundamento, sendo que o Acórdão recorrido não merece reparo. 2. O ponto 25 e a matéria dos pontos 29 a 38 da matéria de facto dada como provada resulta de uma ponderação crítica e equilibrada da prova produzida, tal como está, de resto, devidamente fundamentado na douta decisão proferida. 3. O Tribunal a quo efetuou a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respetiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro. 4. Aliás, no caso em apreço, tal matéria resulta claramente como um corolário natural da demais matéria dada que foi dada como provada (e de resto não impugnada pelos arguidos) – com especial relevo para o que consta do artigo 24 (não impugnado pelos arguidos). 5. As valorações (meramente) genéricas que os ora apelantes pretendem que sejam efectuadas - diversamente das que foram realizadas pela Sr. Juiz a quo - são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal, o qual dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global (v.g. a inquirição presencial das testemunhas). 6. Os Recorrentes, limitam-se a ensaiar alguma considerações vagas, genéricas e de índole conclusiva, fazendo-o quanto ao depoimento de diversas testemunhas, as quais, contudo, foram todas devida e criticamente analisadas pelo Meritíssimo Juiz a quo, e não impõem decisão diversa, apenas confirmam a decisão sobre a matéria de facto, sendo que a recorrente limita-se a apresentar apenas transcrições parciais, excertos por si “selecionados” relativamente às declarações das mesmas, quando a totalidade das mesmas - presencialmente perante o Tribunal a quo, - foram também devidamente sopesadas e analisadas, de forma crítica, pelo Tribunal. 7. De forma alguma os meios de prova indicados pelos recorrentes impunham decisão diversa (alínea b) do nº 3 do art.º 412º do CPP), pelo que o que estes procurariam agora seria nada mais do que uma segunda convicção acerca da prova que foi devida e fundamentadamente apreciada pelo Tribunal, fazendo tábua rasa do princípio da imediação da produção da prova. 8. A “SUBSUNÇÃO JURÍDICA DA FACTUALIDADE APURADA” encontra-se devidamente fundamentada e vertida na douta Sentença. 9. Da factualidade dada como provada, mormente dos factos 1 a 38, resulta, inequivocamente, que os arguidos AA e DD, enquanto gerentes da sociedade arguida, directamente envolvidos na gestão diária da mesma, a quem incumbia directamente zelar pela segurança dos seus trabalhadores, “não observaram as regras relativas a segurança no trabalho estabelecidas nos artigos 3.º, al. e), 5.º, 6.º, n.ºs 2 e 4, 7.º, 12.º, n.º 2, 28.º, n.º 3, 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, 33.º, n.ºs 2 e 4, 35.º, n.ºs 1, 2 e 4, do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos artigos 15.º, n.º 2, als. d) e l), e n.º 4, 20.º, n.º 1, 73.º e 73.º-A, do Anexo da Lei 3/2014, de 28 de Janeiro, nos artigos 15.º, n.ºs 1 e 2, 20.º e 73.º, da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 281.º, n.º 3, 282.º, n.º 3, e 284.º, do Código do Trabalho”. 10. Isto é assim porque, “pura e simplesmente: não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas; não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que delimitasse a zona de elevação de cargas, com respectiva interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; não diligenciaram pela adopção de um plano de segurança e protecção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; não diligenciaram pela adopção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades, bem como respectivo plano de medidas adequadas de protecção; não concederam formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; não diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; não diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; não diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; não concederam formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de actividades de risco por si desempenhadas; e não concederam formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de actividades de risco desempenhadas pelos mesmos. 11. Ao não o fazerem “sujeitaram JJ, por falta de formação deste e dos demais que consigo trabalhavam, nomeadamente do manobrador da grua, a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, pois que directamente exercia funções junto de local onde eram efectuadas as cargas através de grua. E tanto assim é que, no dia 26/04/2016, o perigo concreto a que sujeitaram tal trabalhador se concretizou, tendo este ido para cima de uma plataforma e falecido em consequência de queda de tal plataforma. 12. Tal teria, certamente, sido evitado se, entre o mais, “o cabo tivesse sido verificado por alguém devidamente habilitado para o efeito (e não uma mera vistoria empírica, ainda que por alguém experimentado), com a consequente emissão de relatórios detalhados (que permitiram ver o progressivo desgaste dos cabos e a identificação da necessidade de substituição), se existissem planos de segurança que previssem a existência de um terceiro a vigiar e a sinalizar a operação e a fixar um perímetro de segurança na zona de movimentação de cargas, devidamente sinalizado”, “se a plataforma tivesse sinalização de proibição de utilização para elevação por pessoas”; “se o grueiro tivesse habilitação e formação que lhe permitisse perceber como manobrar uma grua quando não tem visibilidade total (isto independentemente da facilidade/dificuldade de tal tarefa)” “e, sobretudo, se o falecido JJ, apesar de proibido, tivesse sido devidamente alertado, em formação própria, para os perigos inerentes à conduta que adoptou”. 13. A completa omissão pelos arguidos do cumprimento dos deveres de identificar os riscos (designadamente, de queda da plataforma suspensa ou da sua carga), bem assim de organizar e planear o trabalho de modo a eliminá-los (com sinalização, formação e vigilância por terceiro de forma permanente durante a manobra) ou, pelo menos, a reduzi-los tanto quanto possível, em conformidade com as regras legais definidas para o efeito e supra mencionadas, levou a que a probabilidade objectiva de ocorrer uma lesão da integridade física ou a morte, devido a essa omissão de medidas, fosse muito elevada. 14. As invocadas “ordens verbais” também foram devidamente sopesadas na douta Sentença recorrida, e “ao contrário do pretendido pelos arguidos, a proibição estabelecida e comunicada à vítima não substitui a falta e os efeitos que os planos de segurança, a sinalização, a vigilância por terceiros e a formação teriam, visando, os primeiros, evitar violações conscientes de regras de segurança pelos mais incautos, e, a segunda, alertar para os efectivos e reais fundamentos da proibição estabelecida e certamente não interiorizada pela vítima ao colocar-se dentro da plataforma e num risco extremo que se veio, efectivamente, a revelar-se fatal para si. 15. Tal como consta da Sentença recorrida, “não é o facto de as condutas empreendidas pelos arguidos constituírem também contra-ordenações que exclui a sua responsabilidade criminal, na medida em que o que traz dignidade penal à conduta destes, nos termos da incriminação que lhes vem imputada, é a efectiva sujeição do trabalhador, como no caso dos autos, a um perigo para a vida ou integridade física, o que ocorreu. 16. A existência de alguma responsabilidade da vítima foi também já devidamente ponderada pela douta Sentença, quer aquando da aplicação dos critérios estabelecidos pelo artigo 71º, nº 2 do Código Penal (relevou a favor dos arguidos), quer a propósito da fixação do valor da indemnização civil, que foi reduzida nos termos do artigo 570º do Código Civil. 17. É evidente (e tal consta expressamente consignado e fundamentado na douta Sentença) que os valores arbitrados foram já reduzidos e inferiores relativamente ao peticionado e ao montante dos danos apurados e reflectindo já uma diminuição decorrente do artigo 570º do Código Civil face ao seria justos e devido, atentas as circunstâncias e consequências apuradas 18. Deve ser mantida a douta decisão recorrida. Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, fazendo assim V/ Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA! * 6. O Ministério Público veio apresentar respostas aos recursos idênticas, delas se extraindo as seguintes conclusões (transcrição). Ficou provado de modo muito sólido, claro, inequívoco e sem margem para interpretações que: 1 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, celebraram um contrato de prestação de serviços de segurança e saúde no trabalho, com a empresa “VA” de OO que abrangia unicamente os trabalhadores do escritório e armazéns, mas não o fez – por opção própria, por ser mais oneroso - com os trabalhadores do Mar/Navios; 2 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas e que delimitasse a zona de elevação de cargas, com a consequente interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; 3 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciaram pela adoção de um plano de segurança e proteção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; 4 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela adoção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas atividades, bem como respetivo plano de medidas adequadas de protecção. 5 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram por facultar formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; 6 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; 7 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; 8 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; 9 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram por facultar formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de atividades de risco por si desempenhadas; 10 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciara por facultar formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de atividades de risco desempenhadas pelos mesmos. 11 - De facto, impõe-se a conclusão de que se os arguidos AA e DD, implementassem na atividade laboral da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., como era seu dever um plano de formação no domínio da segurança e saúde no trabalho aos trabalhadores dos navios, haveria uma efetiva consciencialização por parte dos trabalhadores em causa e entre eles a vitima mortal os perigos que adviriam das sua rotinas laborais, e, designadamente tomariam consciência dos perigos com a elevação de cargas sem planeamento, a utilização da plataforma da grua como meio de elevação de trabalhadores e evitariam a circulação de trabalhadores na zona de elevação de cargas. 12 - No âmbito da responsabilidade funcional dos arguidos AA e DD competia a estes garantir a elaboração e implementação um plano adequado a garantir as condições de segurança e de saúde dos seus trabalhadores que diminuísse os perigos associados às rotinas laborais e do relaxamento em regra associado a estas rotinas permitindo que a execução dos trabalhos decorressem em maior segurança e com observância dos preceitos legais e regulamentares nesta matéria, sendo que pelas suas funções, os arguidos conheciam a regulamentação do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho e do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde na Utilização de Equipamentos de Trabalho. 13 - A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. 14 - A douta decisão recorrida é formal e materialmente correta, pelo que, subscrevemos, na íntegra, os seus fundamentos. 15 - Cabe ao tribunal de recurso controlar a convicção do julgador quando esta contrarie as regras da lógica, da experiência e do senso comum. 16 - Assim, afigura-se-nos que o presente recurso não merece qualquer provimento devendo ser mantida a decisão recorrida, sendo a condenação válida, proporcional e adequada à conduta do arguido. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. V. Excelências, porém, decidirão conforme for de Direito e de Justiça! 7. Remetidos os autos a este Tribunal, nos termos e para os efeitos no art.º 416º do C.P.P., foram os autos com vista à Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, formulou o seguinte Parecer: Art.º 416° n.°1 do Código de Processo Penal. Recursos próprios e tempestivos, sendo correto o efeito e o regime de subida atribuídos. Os arguidos DD, AA e Transportes Marítimos Graciosenses Lda., interpõem recurso da sentença proferida e depositada no dia 13 de novembro de 2023. Foram condenados nos seguintes termos: “1.Condena-se o Arguido AA, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período de 4 (quatro) anos; 1.2. Condena-se o Arguido DD, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período de 4 (quatro) anos; 1.3. Condena-se a Arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., pela prática de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, por referência aos artigos 11.º, n.ºs 2, al. a), e n.º 4, do Código Penal, na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 200,00 (duzentos euros), no montante global de € 96.000,00 (noventa e seis mil euros); 1.4. Substitui-se a pena de multa referida em 1.3. por caução de boa conduta, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), pelo período de 4 (quatro) anos; (…) 2. julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado pelos Demandantes GG, HH e II, e, em consequência: 2.1. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento, solidário, em conjunto, aos Demandantes da quantia de € 81.000,00 (oitenta e um mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.2. condenam-se os Demandados AA, DD e Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário ao Demandante GG da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.3. condenam-se os Demandados AA, DDe Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário à Demandante HH da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento; 2.4. condenam-se os Demandados AA, DDe Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., no pagamento solidário à Demandante II da quantia de € 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a notificação aos mesmos do pedido cível até efectivo e integral pagamento(…)” Em sede de recurso, e conforme bem sublinha o Ministério Público na resposta elaborada em 1ª. Instância, em síntese impugnam matéria de facto, invocando erro na apreciação da prova e contradições, pugnando pela sua absolvição. O Ministério Público junto da 1.º a instância respondeu aos recursos, defendendo a sua improcedência. Em concreto, apresentou as seguintes conclusões, comuns aos 3 arguidos: “Ficou provado de modo muito sólido, claro, inequívoco e sem margem para interpretações que: 1 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, celebraram um contrato de prestação de serviços de segurança e saúde no trabalho, com a empresa “VA” de OO que abrangia unicamente os trabalhadores do escritório e armazéns, mas não o fez – por opção própria, por ser mais oneroso - com os trabalhadores do Mar/Navios; 2 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas e que delimitasse a zona de elevação de cargas, com a consequente interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; 3 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela adoção de um plano de segurança e proteção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; 4 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela adoção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do Processo: navio, no conjunto das suas atividades, bem como respetivo plano de medidas adequadas de protecção. 5 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram por facultar formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; 6 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, em nenhum momento diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; 7 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; 8 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; 9 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciaram por facultar formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de atividades de risco por si desempenhadas; 10 - Os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em nenhum momento diligenciara por facultar formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de atividades de risco desempenhadas pelos mesmos. 11 - De facto, impõe-se a conclusão de que se os arguidos AA e DD, implementassem na atividade laboral da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., como era seu dever um plano de formação no domínio da segurança e saúde no trabalho aos trabalhadores dos navios, haveria uma efetiva consciencialização por parte dos trabalhadores em causa e entre eles a vitima mortal os perigos que adviriam das sua rotinas laborais, e, designadamente tomariam consciência dos perigos com a elevação de cargas sem planeamento, a utilização da plataforma da grua como meio de elevação de trabalhadores e evitariam a circulação de trabalhadores na zona de elevação de cargas. 12 - No âmbito da responsabilidade funcional dos arguidos AA e DD competia a estes garantir a elaboração e implementação um plano adequado a garantir as condições de segurança e de saúde dos seus trabalhadores que diminuísse os perigos associados às rotinas laborais e do relaxamento em regra associado a estas rotinas permitindo que a execução dos trabalhos decorressem em maior segurança e com observância dos preceitos legais e regulamentares nesta matéria, sendo que pelas suas funções, os arguidos conheciam a regulamentação do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho e do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde na Utilização de Equipamentos de Trabalho. 13 - A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. 14 - A douta decisão recorrida é formal e materialmente correta, pelo que, subscrevemos, na íntegra, os seus fundamentos. 15 - Cabe ao tribunal de recurso controlar a convicção do julgador quando esta contrarie as regras da lógica, da experiência e do senso comum. 16 - Assim, afigura-se-nos que o presente recurso não merece qualquer provimento devendo ser mantida a decisão recorrida, sendo a condenação válida, proporcional e adequada à conduta do arguido. Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a pertinência, completude, correção jurídica e clareza da sua fundamentação, que realça, com total acerto, os fundamentos de facto e de direito determinantes do entendimento de que os recursos devem ser improcedentes nos termos assertivamente sublinhados. Em seu reforço, apenas acentuamos o seguinte: Os recorrentes centram a sua argumentação essencialmente no facto de ter sido a vítima, ciente dos riscos que corria, que se colocou em situação de perigo. Ressalvando melhor opinião não refutam, contudo, o que a esse propósito, e fundada e assertivamente, o tribunal relevou, nos seguintes termos: “Ora, da factualidade dada como provada, mormente dos factos 1 a 38, resulta, inequivocamente, que a conduta dos arguidos AA e DD integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação de regras de segurança agravado que lhes vem assacado. Na verdade, estes, enquanto gerentes da sociedade arguida, directamente envolvidos na gestão diária da mesma, a quem incumbia directamente zelar pela segurança dos seus trabalhadores, não observaram as regras relativas a segurança no trabalho estabelecidas nos artigos 3.º, al. e), 5.º, 6.º, n.ºs 2 e 4, 7.º, 12.º, n.º 2, 28.º, n.º 3, 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, 33.º, n.ºs 2 e 4, 35.º, n.ºs 1, 2 e 4, do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos artigos 15.º, n.º 2, als. d) e l), e n.º 4, 20.º, n.º 1, 73.º e 73.º-A, do Anexo da Lei 3/2014, de 28 de Janeiro, nos artigos 15.º, n.ºs 1 e 2, 20.º e 73.º, da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 281.º, n.º 3, 282.º, n.º 3, e 284.º, do Código do Trabalho. E isto é assim porque, pura e simplesmente: – não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para o perigo de elevação de cargas; – não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que delimitasse a zona de elevação de cargas, com respectiva interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; – não diligenciaram pela adopção de um plano de segurança e protecção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; – não diligenciaram pela adopção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades, bem como respectivo plano de medidas adequadas de protecção; – não concederam formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; – não diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; – não diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; não diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; – não concederam formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de actividades de risco por si desempenhadas; e – não concederam formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de actividades de risco desempenhadas pelos mesmos. Ao não o fazerem, sujeitaram JJ, por falta de formação deste e dos demais que consigo trabalhavam, nomeadamente do manobrador da grua, a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, pois que directamente exercia funções junto de local onde eram efectuadas as cargas através de grua. (realçado nosso). E tanto assim é que, no dia 26/04/2016, o perigo concreto a que sujeitaram tal trabalhador se concretizou, tendo este ido para cima de uma plataforma e falecido em consequência de queda de tal plataforma. Tal teria, certamente, sido evitado se, entre o mais, o cabo tivesse sido verificado por alguém devidamente habilitado para o efeito (e não uma mera vistoria empírica, ainda que por alguém experimentado), com a consequente emissão de relatórios detalhados (que permitiram ver o progressivo desgaste dos cabos e a identificação da necessidade de substituição), se existissem planos de segurança que previssem a existência de um terceiro a vigiar e a sinalizar a operação e a fixar um perímetro de segurança na zona de movimentação de cargas, devidamente sinalizado, se a plataforma tivesse sinalização de proibição de utilização para elevação por pessoas, se o grueiro tivesse habilitação e formação que lhe permitisse perceber como manobrar uma grua quando não tem visibilidade total (isto independentemente da facilidade/dificuldade de tal tarefa), e, sobretudo, se o falecido JJ, apesar de proibido, tivesse sido devidamente alertado, em formação própria, para os perigos inerentes à conduta que adoptou. A finalidade da intervenção a nível de segurança no trabalho é eliminar ou minimizar o risco na origem. E, a completa omissão pelos arguidos do cumprimento dos deveres de identificar os riscos (designadamente, de queda da plataforma suspensa ou da sua carga), bem assim de organizar e planear o trabalho de modo a eliminá-los (com sinalização, formação e vigilância por terceiro de forma permanente durante a manobra) ou, pelo menos, a reduzi-los tanto quanto possível, em conformidade com as regras legais definidas para o efeito e supra mencionadas, levou a que a probabilidade objectiva de ocorrer uma lesão da integridade física ou a morte, devido a essa omissão de medidas, fosse muito elevada. É que, ao contrário do pretendido pelos arguidos, a proibição estabelecida e comunicada à vítima não substitui a falta e os efeitos que os planos de segurança, a sinalização, a vigilância por terceiros e a formação teriam, visando, os primeiros, evitar violações conscientes de regras de segurança pelos mais incautos, e, a segunda, alertar para os efectivos e reais fundamentos da proibição estabelecida e certamente não interiorizada pela vítima ao colocar-se dentro da plataforma e num risco extremo que se veio, efectivamente, a revelar-se fatal para si. ( realçado nosso) note-se, que não é o facto de as condutas empreendidas pelos arguidos constituírem também contraordenações que exclui a sua responsabilidade criminal, na medida em que o que traz dignidade penal à conduta destes, nos termos da incriminação que lhes vem imputada, é a efectiva sujeição do trabalhador, como no caso dos autos, a um perigo para a vida ou integridade física, o que ocorreu. Mais. Resulta, ainda, da factualidade em causa que os arguidos actuaram de forma dolosa, isto é, sabendo e querendo actuar com falta de observância de disposições legais ou regulamentares e sujeitando, consequentemente, JJ, seu trabalhador, a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde. E, o crime por estes praticado é, tal como acusado, agravado nos termos do art.º 152.º-B, n.º 4, al. a), do Código Penal, pois ocorreu a morte do trabalhador JJ em resultado do perigo criado. Por outro lado, tendo os arguidos AA e DD agido sempre no interesse e por conta da sociedade arguida, nos termos dos arts. 11.º, n.º 2, al. a) e n.º 4, do Código Penal, na versão em vigor à data dos factos, serão penalmente responsáveis não só estes (nos termos do art.º 11.º, n.º 7, do Código Penal) como a mencionada sociedade. Em consonância com todo o exposto e com os fundamentos apresentados nas respostas a recurso elaboradas pelo Ministério Público em 1ª. Instância, emitimos parecer no sentido da improcedência dos recursos. * No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. II -FUNDAMENTAÇÃO II.1 foram dados como provados e não provados pelo Tribunal recorrido na Sentença os seguintes factos: 1. FACTOS PROVADOS: 1.1. FACTOS CONSTANTES DA ACUSAÇÃO 1. A arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. dedica-se ao exercício da indústria de transportes de passageiros e mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores ou qualquer outro ramo de comércio que resolva explorar dentro dos limites da lei, excepto bancário. 2. A 26 de Abril de 2016, a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. tinha como gerentes, entre outros, o arguido AA e o arguido DD. 3. Naquela data, aos arguidos AA e DD cabia fiscalizar, coordenar e acompanhar a execução do trabalho dos trabalhadores da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. 4. Competindo, especificamente, ao arguido AA o acompanhamento dos trabalhadores que laboravam no escritório, e, ao arguido DD o acompanhamento dos trabalhadores que trabalhavam no armazém e no navio, ancorado no Porto Comercial do ..., .... 5. Sem prejuízo disso, a direcção técnica dos trabalhadores do escritório e do armazém, estava a cargo dos chefes de escritório e armazém, e, por seu turno, a direcção técnica dos trabalhadores do navio estava a cargo dos mestres de navio. 6. Ainda naquela data, aos arguidos AA e DD cabia, de igual modo, implementar um plano de segurança e protecção dos trabalhadores do navio, um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades, bem como um plano de medidas adequadas de protecção e ainda verificar o cumprimento das regras de segurança durante a execução dos mesmos. 7. Naquele período, aos arguidos AA e DD cabia contratar trabalhadores, com vista a laborarem para a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. 8. No dia 10 de Abril de 2007, os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., contrataram JJ para desempenhar as funções de marinheiro. 9. Desde tal data até ao dia 26 de Abril de 2016, JJ laborou para a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., em regime de contrato de trabalho em por tempo indeterminado, exercendo as funções compreendidas na categoria profissional de marinheiro, tendo, especificamente, no que ora interessa, como função receber a carga no porão do navio, acondicionando-a e distribuindo-a, por forma a optimizar o espaço existente. 10. No dia 26 de Abril de 2016, no Porto Comercial do ..., ..., JJ estava subordinado às ordens, direcção e fiscalização dos arguidos AA e DD, pese embora tivesse autonomia técnica no domínio das suas funções de marinheiro e estivesse sobre a direcção técnica do mestre do navio MM. 11. Naquela data, no interior do navio MM, junto à antepara do castelo da proa do mesmo, encontrava-se montada uma grua, que, por seu turno, tinha um cabo, que por sua vez tinha um cadernal que prendia uma plataforma, que se destinava exclusivamente à elevação de cargas. 12. O referido cabo era de aço, com 18,00 mm de diâmetro e 76 m de comprimento, com capacidade para suportar 12,717 toneladas de peso. 13. Tinha sido comprado no dia 20 de Agosto de 2015, instalado na mencionada grua no dia 28 de Janeiro de 2016 e validado no dia 28 de Março de 2016. 14. A mencionada plataforma de elevação, de dimensões não apuradas, destinava-se exclusivamente à elevação de carga do interior do navio para exterior do mesmo e vice-versa. 15. No dia 26 de Abril de 2016, entre as 17 horas e 16 minutos e as 18 horas e 32 minutos, na Zona Portuária, sita no ..., a referida plataforma encontrava-se imobilizada no cais, contendo no seu interior duas paletes de carga, com o peso aproximado de 1.320 kg. 16. Aproveitando a circunstância da plataforma se encontrar imobilizada no cais, o trabalhador JJ colocou-se no interior da mesma, ficando junto às duas paletes de carga. 17. Naquele circunstancialismo de tempo, modo e lugar, no momento em que JJ se encontrava no interior da citada plataforma de elevação de cargas, junto às duas paletes de carga, o manobrador da grua, NN, com a intenção de elevar a carga para o interior do navio e desconhecendo que no interior da plataforma se encontrava JJ, elevou a mesma. 18. Naquele instante, o cabo de aço da grua, que elevava a plataforma, contendo a carga e o trabalhador JJ, partiu. 19. A rotura do cabo deveu-se à fadiga do cabo, originada pelo esforço do cabo ao passar nas roldanas, que levou à fissuração dos fios individualmente, tanto na periferia do cabo como do núcleo, provocando uma insuficiência na secção transversal remanescente do fio para suportar a carga aplicada e, levando a rotura final do fio e consequentemente do cabo. 20. Em resultado de tal rotura, a plataforma, que se encontrava elevada, embateu contra os varandins do navio e, seguidamente, embateu contra o casco do navio, tendo após tal embate ficado retida entre o mencionado casco e o cais. 21. Em consequência directa e necessária de tais embates, parte da carga que se encontrava no interior da plataforma colidiu contra o corpo de JJ. 22. Em consequência directa e necessária de tais embates, JJ sofreu um traumatismo toraco-abdominal, e, consequentemente, uma hemorragia interna por rotura da aorta abdominal, o que causou a sua morte naquele dia. 23. No referido circunstancialismo de tempo, modo e lugar, a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. tinha celebrado um contrato de prestação de serviços de segurança e saúde no trabalho, que abrangia os trabalhadores do escritório e armazéns. 24. No referido circunstancialismo de tempo, modo e lugar, os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda.: 24.1. Não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas; 24.2. Não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que delimitasse a zona de elevação de cargas, com respectiva interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; 24.3. Não diligenciaram pela adopção de um plano de segurança e protecção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; 24.4. Não diligenciaram pela adopção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades, bem como respectivo plano de medidas adequadas de protecção; 24.5. Não concederam formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; 24.6. Não diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; 24.7. Não diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; 24.8. Não diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; 24.9. Não concederam formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de actividades de risco por si desempenhadas; 24.10. Não concederam formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de actividades de risco desempenhadas pelos mesmos. 25. Se tivessem sido tomadas as diligências mencionadas no ponto 24 e implementadas na actividade laboral da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., as mesmas evitariam a elevação de cargas sem planeamento, a utilização da plataforma da grua como meio de elevação de trabalhadores e evitariam a circulação de trabalhadores na zona de elevação de cargas. 26. Dada as posições de responsabilidade pelas condições de segurança e de saúde dos seus trabalhadores, competia aos arguidos AA e DD que a execução dos trabalhos decorressem em segurança e com observância dos preceitos legais e regulamentares nesta matéria, sendo que pelas suas funções, os arguidos conheciam a regulamentação do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho e do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde na Utilização de Equipamentos de Trabalho. 27. Sobre os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda, incumbia directamente assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores, bem como assegurar a implementação dos dispositivos, instrumentos, planos e mecanismos mencionados no ponto 24. 28. Cabia aos os arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse, adoptar as medidas do ponto 24, com vista a impedir o acesso do trabalhador JJ ou de outros trabalhadores à zona de elevação de cargas, enquanto estas são elevadas, bem como, com vista a impedir a utilização da plataforma pelo trabalhador JJ ou por outros trabalhadores como meio de transporte de pessoas. 29. Os arguidos AA e DD conheciam a situação de insegurança resultante da não implementação dos dispositivos, instrumentos, planos e mecanismos mencionados no ponto 24. 30. Os arguidos AA e DD conheciam os riscos e os perigos a que trabalhadores estavam sujeitos, em particular do trabalhador JJ, na execução de elevação de cargas sem planeamento, na utilização da plataforma de cargas como meio de transporte de pessoas, na circulação na zona de elevação de cargas, no momento em que estas eram elevadas, e na utilização da grua por pessoa sem formação para o efeito, in casu NN. 31. Os arguidos AA e DD nada fizeram para os afastar de tais perigos, o que quiseram e lograram alcançar. 32. Apesar desse conhecimento, os arguidos AA e DD não asseguraram a implementação dos dispositivos, instrumentos, planos e mecanismos mencionados no ponto 24. o que quiseram e lograram alcançar. 33. Os arguidos AA e DD ao omitirem a implementação dos mecanismos e instrumentos necessários a garantir a segurança colectiva e individual dos trabalhadores do navio, melhor identificados no ponto 24, agiram voluntária e conscientemente. 34. Os arguidos AA e DD ao omitirem a implementação dos mecanismos e instrumentos necessários a garantir a segurança colectiva e individual dos trabalhadores do navio, melhor identificados no ponto 24, não se asseguraram que JJ desempenhava a sua actividade profissional em segurança, nem se asseguraram que este circulava em segurança no seu local de trabalho, com vista a evitar a sua ofensa corporal, bem como a sua morte, nada fazendo para evitar tais perigos, que quiseram e lograram alcançar. 35. A situação de perigo foi criada pelos arguidos AA e DD, agindo em nome e no interesse da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., porquanto eram responsáveis pela segurança e saúde dos trabalhadores, incluindo do trabalhador JJ no respectivo local de trabalho. 36. Apenas porque os arguidos AA e DD omitiram a implementação dos dispositivos, instrumentos, planos e mecanismos mencionados no ponto 24, se verificou a situação de perigo criada pelos mesmos e o resultado de tal perigo, morte do trabalhador JJ. 37. Assim, em consequência directa e necessária de tal omissão, os arguidos AA e DD criaram as condições que permitiram a ocorrência dos factos supra descritos, resultando na morte do trabalhador JJ. 38. Os arguidos AA e DD, enquanto legais representantes da arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. agiram de forma livre, voluntária e consciente nos actos supra descritos, bem sabendo que tais condutas não lhe eram permitidas por lei e eram punidas penalmente. 1.2. FACTOS CONSTANTES DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL 39. JJ nasceu a 25 de Março de 1960. 40. Faleceu, no dia mencionado em 10, no estado de divorciado. 41. II, nascida a 16/05/1994, HH, nascida a 02/12/1997 e GG, nascido a 10/05/2011, são filhos de JJ. 42. JJ, aquando o acidente, era saudável, não tendo doenças conhecidas. 43. Era pessoa bem-disposta e amiga de ajudar os outros. 44. Todos gostavam dele, sendo conhecido pela sua personalidade alegre e como tendo “bom coração”. 45. Era bem considerado por todos os que o conheciam e estimado por todos aqueles com quem convivia, desde vizinhos, amigos, e, especialmente, pela família. 46. Nos seus tempos livres, gostava muito de conviver com os amigos e família, à volta de refeições e brincadeiras (gostando muito de cozinhar para os outros) e em passeios de barco e pesca, gostando muito de tudo o que estivesse ligado à vida do mar e da pesca. 47. Era titular de licença de contramestre, carta de arrais e radioamador. 48. Gostava muito de efectuar trabalhos de bricolage, de proceder a pequenos arranjos em sua casa (de electricidade, carpintarias e pinturas), de efectuar a mecânica e manutenção da sua viatura, e de ajudar em casa de amigos. 49. Desde que saiu de casa dos seus pais, com cerca de 16 anos, sempre foi profissionalmente empenhado e activo. 50. Com 18 anos foi levar um iate às Caraíbas. 51. A partir daí sempre trabalhou na pesca (por sua conta, com a sua própria embarcação, ou por conta de outros), tendo pelo meio prestado serviço militar, até ingressar na empresa Transportes Marítimos Graciosenses, Lda.. 52. Casou com PP a 30 de Agosto de 1992, com quem teve os filhos mencionados em 41. 53. Divorciou-se desta em Janeiro de 2014. 54. GG vivia com a mãe desde o divórcio dos pais e convivia e contactava muito com o seu pai JJ, pernoitando com este todas as semanas. 55. Apesar do divórcio, todos continuaram com um bom relacionamento, inclusivamente efectuando refeições todos juntos em casa do falecido. 56. GG estimava muito o seu pai e este aquele. 57. Nos seus convívios, JJ e GG passeavam juntos, visitavam o parque infantil, tomavam refeições em conjunto e o pai levava o filho a comer um gelado. 58. JJ comprava brinquedos ao seu filho. 59. GG ficou muito abalado quando soube da notícia da morte do seu pai. 60. Atenta a carga emocional, este só soube da notícia apenas uns dias após o óbito, o que o deixou muito afectado, pedindo para ir ao cemitério saber onde o pai estava, local que, periodicamente, continua a pedir para ir visitar. 61. GG tem muitas saudades do pai, o qual era a sua “referência” e o seu “ídolo”. 62. Antes do falecimento do pai, GG era uma criança meiga, sem comportamentos negativos, com bom comportamento na pré-escola. 63. Após a morte do pai, teve um processo de “luto” difícil. 64. Alterou muito o seu comportamento, causando dificuldades na escola, chegando a bater nos colegas no recreio, passando a estar sempre inquieto e revoltado. 65. Por tal motivo, GG passou a ser seguido pela psicóloga na escola, depois foi reencaminhado para centro de saúde, e, mais tarde, foi orientado para a CIT, onde está a ser seguido por uma psicóloga. 66. Na CIT também frequentou a Terapia ocupacional, durante cerca de dois anos, e, actualmente, está na terapia da fala. 67. GG fala muito no pai e manifesta saudades do mesmo. 68. Por vezes, chorava antes de adormecer. 69. A morte de JJ causou ao seu filho GG grande desgosto e profundo abalo, deixando-lhe dor e sofrimento inolvidáveis. 70. HH, na data em que JJ faleceu, vivia com a progenitora. 71. Antes da separação dos progenitores de ambos, HH e o pai passeavam todos juntos, em família, tomavam refeições em conjunto e o pai levava os filhos ao parque infantil. 72. Após a separação dos pais, os contactos de HH com o pai passaram a ser mais ocasionais do que os do irmão GG. 73. Não obstante, a HH estimava muito o seu pai e este aquela. 74. Atenta a sua idade, perder o pai foi muito penoso para esta, tendo a mesma ficado muito abalada quando soube da notícia da morte do seu pai. 75. O que lhe causou grande carga emocional e fez com que tivesse muita dificuldade em entrar na igreja no dia do funeral, para ver o seu pai naquela condição. 76. Apenas quase no final do velório, é que HH conseguiu entrar na igreja, mas começou a chorar muito e teve de sair. 77. HH teve muita dificuldade aceitar o óbito do seu pai. 78. Tem muitas saudades deste. 79. Guarda na sua sala uma fotografia grande do casamento dos pais. 80. Quando HH se casou, em 16/07/2017, não podendo ter sido acompanhada pelo seu pai, foi colocar o seu bouquet de noiva na campa deste. 81. HH vive na ilha do Faial. 82. Sempre que vem à Terceira vai visitar o pai ao cemitério. 83. A morte de JJ causou-lhe grande desgosto e profundo abalo, deixando-lhe dor e sofrimento inolvidáveis, 84. II, na data do falecimento do seu pai, vivia sozinha com este. 85. Aquando da separação dos progenitores, II ficou, inicialmente, a residir com a mãe. 86. Mais tarde, ainda em 2014, na sequência de umas férias na companhia do pai, II solicitou à progenitora para passar a ficar a residir com o pai. 87. Sempre que o pai estava na Terceira e não em viagem de trabalho, JJ e II tomavam refeições em conjunto, cozinhando ambos um para o outro, conviviam muito um com o outro, conversando e fazendo companhia um ao outro. 88. II estimava muito o seu pai e este aquela. 89. II, como filha mais velha, tinha um sentimento de protecção muito grande relativamente ao pai, de quem gostava muito de ajudar e acompanhar. 90. JJ e II eram um grande amparo um do outro. 91. Foi penosa para II a perda do seu pai, tendo esta ficado muito abalada quando soube da notícia da morte do seu pai. 92. Quando soube do acidente, II foi para o Hospital, aguardar informações, onde veio a receber a notícia do óbito. 93. Nesse instante, começou aos gritos e atirou objectos para o chão, tendo sido medicada para se acalmar. 94. Na altura do velório, II esteve sempre ao lado do seu pai, chorando agarrada ao mesmo. 95. Até hoje, II ainda nunca conseguiu entrar no cemitério, profundamente abalada com a situação. 96. E ficou muito triste, não conseguindo ultrapassar esta situação. 97. Pegou em tudo o que era do pai (inclusive os objectos e a roupa que ele tinha consigo aquando do óbito) e colocou tudo num caixote que guarda no sótão, não se querendo desfazer de nada. 98. Guardou zelosamente fotografias e cd´s de música que ele ouvia. 99. Pediu à mãe para levar consigo o álbum de casamento dos pais. 100. Em virtude do óbito do pai, II passou a andar mais triste, começou a ficar revoltada, perdendo interesse com algumas coisas da vida (inclusivamente com a sua apresentação) e pediu à irmã HH para ir viver para a casa em causa, para não ficar sozinha. 101. Antes do óbito do pai, II era pessoa emocionalmente estável. 102. Após a morte do pai, em virtude do estado emocional supra referido, foi seguida em consultas de psiquiatria e medicada para o efeito, durante três ou quatro sessões. 103. II fala muito no pai e tem muitas saudades do mesmo. 104. E teve muita dificuldade em ter de aceitar a situação do óbito do seu pai. 105. A morte de JJ causou-lhe grande desgosto e profundo abalo, deixando dor e sofrimento inolvidáveis. 106. JJ era muito carinhoso para os seus filhos, trabalhador e generoso. 107. JJ faleceu no próprio dia do acidente. 108. Antes do óbito, esteve inconsciente e entrou em paragem respiratória. 1.3. FACTOS CONSTANTES DAS CONTESTAÇÕES 109. O Mestre do navio MM era quem tinha a função de dirigir as operações de carga e/ou descarga deste. 110. E comandava os demais marinheiros. 111. O Mestre do navio MM deu indicações aos marinheiros daquele navio quanto ao modo de desempenharem as suas tarefas a bordo e nas operações de carga e descarga. 112. O Mestre do navio MM deu indicações aos marinheiros daquele navio sobre as questões relativas à segurança pessoal dos mesmos, da carga e do navio. 113. O Mestre do navio MM deu instruções aos marinheiros deste para não subirem para a palete que iria ser carregada para o navio. 114. A tripulação do navio MM era experiente na execução de tarefas de carga e descarga. 115. A empresa Transportes Marítimos Graciosenses Lda. não regista qualquer outro acidente do género do tratado nestes autos com gruas e cabos que tenham causado ferimentos ou óbitos de trabalhadores. 116. JJ sabia que não podia empreender a conduta mencionada em 16. 117. JJ ficou oculto pela altura das paletes empilhadas uma em cima da outra com sensivelmente 2,0 metros. 118. E foi erguido do solo, juntamente com estas. 119. Pelo referido em 117, o grueiro não o conseguia ver. 120. É proibida a presença de pessoas estranhas ao serviço no local. 121. Só estavam no cais os funcionários dos Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., ligados especificamente à navegação. 122. Todos os funcionários presentes no local sabiam que não lhes era permitido utilizar as paletes como forma de elevação pela grua como meio de acesso ao navio ou ao cais. 123. E que não podiam estar na zona de elevação/descida da carga em suspensão. 124. O que lhes foi transmitido quer pela gerência da arguida Transportes Marítimos Graciosenses Lda., através, nomeadamente, dos demais arguidos, quer pelo Mestre do navio MM. 125. O cabo mencionado em 11. e 12. não tinha danos visíveis que comprometessem a sua integridade. 126. Entre a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. e Mútua dos Pescadores – Mútua de Seguros, CRL, foi celebrado contrato de seguro relativo a danos emergentes de responsabilidade civil de exploração inerente à grua incorporada no navio “MM”, por danos relativos à exploração normal da sua actividade e por acidentes de trabalho, titulados pelas apólices n.ºs 88/39378, 88/39726 e 10.00010147. 1.4. FACTOS RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES ECONÓMICAS, PESSOAIS, SOCIAIS E PROFISSIONAIS DOS ARGUIDOS 127. O arguido AA é reformado, auferindo, mensalmente, a título de reforma, cerca de € 2.400,00. 128. Vive sozinho em casa que pertence à filha. 129. Tem despesas fixas mensais de € 110,00 em água, luz, gás e telecomunicações. 130. Gasta, mensalmente, em medicação, cerca de € 100,00. 131. O arguido DD é motorista na sociedade arguida, auferindo, mensalmente, a título de salário, € 1.200,00. 132. Tem o 10.º ano de escolaridade 133. Vive com a mulher. 134. Esta é funcionária na secretaria regional da educação e cultura, auferindo, mensalmente, a título de salário, € 900,00. 135. Tem filhos, maiores de idade e já independentes. 136. Vive em casa própria. 137. A sociedade arguida declarou, no ano de 2021, relativamente a 2020, a título de IRC, um lucro tributável de € 49.280,86, no ano de 2022, relativamente a 2021, a título de IRC, um lucro tributável de € 21.786,20 e no ano de 2023, relativamente a 2022, a título de IRC, um lucro tributável de € 18.414,19. 1.5. ANTECEDENTES CRIMINAIS 138. Os arguidos não têm quaisquer antecedentes criminais. 2. FACTOS NÃO PROVADOS: a) A mais do dado como provado em 16., que, concretamente, se tenha colocado do lado da plataforma que se aproximava da popa do navio. b) A mais do dado como provado em 68. que, quando se lhe pergunta o que se passa, diz “tenho saudades do pai”. c) A mais do dado como provado em 113., que tenha dado instruções aos marinheiros deste sobre a forma como usar o equipamento de protecção individual, e sobre não haver ninguém a circular junto das manobras de carga e descarga. d) No dia referido em 10., o tempo estava bom e o mar estava calmo. e) Não se verificava qualquer oscilação do navio que afectasse as operações em curso. f) A mais do dado como provado em 117., que a altura das paletes fosse de 2,5 metros. g) A conduta referida em 16. foi empreendida com a intenção de ser transportado para o convés, onde iria desempenhar as suas tarefas, sem ter de subir para o navio pelo seu pé e sem ter de descer a escadaria para aquele. h) NN, ao manobrar a grua, conseguia, ver se não havia ninguém no percurso que carga faria do cais até ao interior do porão. II.2 Na decisão recorrida, a decisão sobre a matéria de facto foi motivada pela forma seguinte (transcrição): A convicção do Tribunal adveio da ponderação crítica do conjunto da prova produzida e analisada em audiência de discussão e julgamento. Assim: Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 1 e 2, a convicção do tribunal fundou-se no teor das certidões do registo comercial da sociedade arguida, constantes de fls. 87-96 e 278-292, das quais resulta o objecto da sociedade em causa e, entre outros, o exercício da função de gerente pelos arguidos, pessoas singulares. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 3, 4, 5, 6, 10 e 23, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), devidamente conjugadas com as declarações prestadas por este último também em julgamento, de todas resultando as competências e funções acometidas a tais arguidos no seio da sociedade arguida aquando do evento mortal objecto dos autos, bem como a existência de chefias intermédias, mais resultando do exercício de tais funções, em termos de normalidade, as suas competência no âmbito da segurança dos trabalhadores a seu cargo, inexistindo outrem a quem tivessem delegado tais funções no que tange aos trabalhadores de mar, conforme reportado unanimemente pelas testemunhas OO (sócia da empresa encarregue da segurança e saúde no trabalho da sociedade arguida, no que tange aos trabalhadores de terra) e QQ (técnico de segurança e saúde no trabalho na empresa encarregue da segurança e saúde no trabalho da sociedade arguida, no que tange aos trabalhadores de terra). Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 7, 8 e 9, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), devidamente conjugadas com as declarações prestadas por este último também em julgamento e com o teor da certidão do processo de acidente de trabalho constante do apenso A, de todos resultando as funções dos arguidos em termos de contratações, a contratação da vítima JJ, quando é que tal ocorreu e quais as suas concretas funções. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 11, 12 e 15, a convicção do tribunal fundou-se no teor unívoco e não infirmado das declarações de NN (grueiro da grua em causa), KK (mestre do navio MM), RR (chefe de máquinas) e SS (empregado de armazém), devidamente conjugados com o teor da certidão do processo de acidente de trabalho constante do apenso A, de todos resultando a existência da grua em causa, a qual se mostra, inclusive, fotografada no mencionado apenso, bem como, estando em tal certidão devidamente esclarecidas as características específicas do cabo de aço utilizado e a forma como a palete em causa, no dia do evento objecto dos autos foi utilizada e o que se carregava na mesma. Quanto ao facto dado como provado no n.º 13, a convicção do tribunal fundou-se no teor do processo da inspecção regional do trabalho constante do apenso B, devidamente conjugado com o teor de fls. 97, da certidão do processo de acidente de trabalho constante do apenso A, dos quais contam a aquisição, instalação e validação do cabo em causa. Quanto ao facto dado como provado no n.º 14, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), devidamente alicerçadas com o teor dos depoimentos das testemunhas NN (grueiro da grua em causa), KK (mestre do navio MM), RR (chefe de máquinas) e SS (empregado de armazém), de todos resultando a função da plataforma em apreço. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 16, 17, 18, 117, 118 e 119 e aos factos não provado constantes das alíneas a) e f), a convicção do tribunal fundou-se no teor, não invalidado e com conhecimento directo, do depoimento da testemunha NN (grueiro da grua em causa), o qual descreveu o modo como naquele dia estava a operar a grua do barco MM, e não se tendo apercebido que JJ tinha subido para a plataforma (pois que este, em momento anterior, tinha ido beber água e, quando voltou, sem a testemunha se aperceber, ficou oculto por uma carga de cerca de 2 metros, conforme referiram o mencionado NN, SS, empregado de armazém, e TT, fiel de armazém, que conheciam a carga e sua dimensão), a elevou, altura em que o cabo de aço partiu. Quanto ao facto dado como provado no n.º 19, a convicção do tribunal fundou-se no teor do relatório constante da certidão do processo de acidente de trabalho constante do apenso A, do qual resulta o motivo pelo qual o cabo de aço em causa partiu, devidamente conjugado, ainda que de forma não tão conclusiva, com o teor do relatório de fls. 423 e seguintes, analisando o cabo após partido. Quanto ao facto dado como provado no n.º 20, a convicção do tribunal fundou-se no teor unívoco e não posto em causa das declarações de NN (grueiro da grua em causa) e KK (mestre do navio MM), devidamente conjugados com o teor da certidão do processo de acidente de trabalho constante do apenso A, de todos resultando os embates que a plataforma teve, até se imobilizar, no chão, junto ao barco, o que até se mostra fotografado em tal apenso. Quanto aos factos dados como provados nos n.º 21 e 22, a convicção do tribunal fundou-se no teor unívoco e não infirmado das declarações de NN (grueiro da grua em causa) e SS (empregado de armazém), os quais descreveram que após a queda da plataforma encontraram JJ, dentro da mesma, junto da carga, estando esta “desmanchada”, como disse o primeiro, e em cima dele, devidamente conjugados e complementados pelo teor do relatório de autópsia de fls. 7-8, do qual resultam as lesões sofridas por este e, em termos de normalidade, resultantes de embate da carga neste, atentos os locais das lesões, e com o teor do assento de nascimento de fls. 508, do qual resulta o óbito de JJ no dia em causa. Quanto ao facto dado como provado no n.º 24, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), devidamente conjugadas com o teor dos depoimentos das testemunhas NN (grueiro da grua em causa), KK (mestre do navio MM), RR (chefe de máquinas), LL (mestre do navio Ponta da Barca), UU (inspector da Inspecção Regional do Trabalho) e VV (inspectora da Inspecção Regional do Trabalho), de todos resultando a falta de instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas, a falta de instalação de sinalética, no cais, que delimitasse a zona de elevação de cargas, a falta de plano de segurança e protecção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas, a falta de plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades e de plano de medidas adequadas de protecção, a falta de formação ao manobrador da grua, a falta de habilitação do manobrador da grua, a falta de instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores e de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores, a falta de contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente, a falta de elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo, a falta de formação ao trabalhador JJ no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de actividades de risco por si desempenhadas, a falta de formação aos trabalhadores do navio, no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de actividades de risco desempenhadas pelos mesmos, faltas essas todas do conhecimento dos arguidos e não supridas por estes no âmbito das suas funções na sociedade arguida, apesar dos avisos da empresa que cuidava dos serviços de segurança e saúde no trabalho relativamente ao escritório e armazém de tal sociedade, como reportou a testemunha OO (sócia da mencionada empresa). Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 25 a 38, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), quando às suas funções e omissões em matéria de segurança quanto aos trabalhadores de mar, devidamente conjugadas com o teor do depoimento de OO (sócia da empresa que cuidava dos serviços de segurança e saúde no trabalho relativamente ao escritório e armazém), também neste sentido, e com as mais elementares regras da normalidade ou experiência comum, de tudo resultando, atentas as omissões dos arguidos, sua natureza e âmbito, bem como o intuito das regras de segurança violadas, os perigos criados por estes e concretizados e demais elementos subjectivos do ilícito criminal em apreço nos autos. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 39, 40, 52 e 53, a convicção do tribunal fundou-se no teor do assento de nascimento de fls. 48, do qual resulta o nascimento e óbito em causa, casamento e estado civil de JJ à data da sua morte e data do seu divórcio. Quanto ao facto dado como provado no n.º 41, a convicção do tribunal fundou-se no teor dos assentos de nascimento de fls. 510 a 514, do qual resulta a existência dos filhos de JJ em causa e sua respectiva data de nascimento. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 42 a 51 e 106, a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento conjugado, de conhecimento directo e não infirmado, das testemunhas PP (ex-mulher de JJ), HH (filha de JJ) e II (filha de JJ), as quais as quais, devidamente complementadas pelo teor do depoimento de WW (amigo e ex-colega de JJ), descreveram as características pessoais deste antes de falecer. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 54 a 69, a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento conjugado, de conhecimento directo e não infirmado, das testemunhas PP (ex-mulher de JJ), HH (filha de JJ) e II (filha de JJ), as quais, devidamente complementadas pelo teor do depoimento de XX (professora de GG), descreveram o relacionamento de GG com o seu pai, bem como a reacção deste à perda do pai e as consequências para si de tal perda. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 70 a 83, a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento conjugado, de conhecimento directo e não infirmado, das testemunhas PP (ex-mulher de JJ), HH (filha de JJ) e II (filha de JJ), as quais, devidamente complementadas pelo teor do depoimento de YY (marido de HH), descreveram o relacionamento de HH com o seu pai, bem como a reacção desta à perda do pai e as consequências para si de tal perda. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 84 a 105, a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento conjugado, de conhecimento directo e não infirmado, das testemunhas PP (ex-mulher de JJ), HH (filha de JJ) e II (filha de JJ), as quais, devidamente complementadas pelo teor do depoimento de ZZ (marido de II), descreveram o relacionamento de HH com o seu pai, bem como a reacção desta à perda do pai e as consequências para si de tal perda. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 107 e 108, a convicção do tribunal fundou-se no teor do relatório de autópsia constante de fls. 7-8, devidamente conjugado com o teor do depoimento de TT (funcionário da sociedade arguida e bombeiro que logo socorreu JJ) o qual, de modo não infirmado, descreveu que este, após o acidente, entrou em paragem cardio-respiratória, acabando por falecer conforme resulta do mencionado relatório de autópsia. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 109 a 116 e ao facto não provado constante da alínea c), a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento não infirmado e credível de KK (mestre do navio MM), o qual, embora sem formação específica para o efeito, socorrendo-se da sua experiência empírica, alertava a tripulação, toda ela experiente, para os cuidados a ter com as cargas e descargas, especificamente no que tange à ida para cima das plataformas (o que foi, inclusive, confirmado pelas testemunhas TT, fiel de armazém, AAA, encarregado de manutenção, e BBB, chefe de armazém, o que JJ também sabia por lhe ter sido dito, sendo que, afirma, não há registos na sociedade arguida de qualquer acidente semelhante. Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 120 a 124, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações consonantes e complementares dos arguidos, prestadas perante a Digna Magistrada do Ministério Público e reproduzidas em julgamento, contantes de fls. 256-258 (arguido AA) e de fls. 416-420 (arguido DD), devidamente conjugadas com o teor dos depoimentos das testemunhas NN (grueiro da grua em causa), KK (mestre do navio MM), RR (chefe de máquinas) e SS (empregado de armazém), de todos resultando quem podia estar no local, bem como o conhecimento generalizado, que foi transmitido pela gerência e pelo mestre do barco, quanto à não utilização das plataformas como forma de elevação e à não circulação/permanência junto do local de operação de carga/descarga. Quanto ao facto dado como provado no n.º 125, a convicção do tribunal fundou-se no teor não infirmado do depoimento da testemunha RR (chefe de máquinas), o qual, embora sem formação específica para o efeito, verificou o cabo em causa e o mesmo aparentava estar em boas condições, não fazendo prever o desfecho ocorrido. Quanto ao facto dado como provado no n.º 126, a convicção do tribunal fundou-se o teor das apólices constantes de fls. 620-621 e não impugnadas. Quanto à condição socioeconómica do Arguido AA constante dos n.ºs 127 a 130, a convicção do tribunal fundou-se no teor do relatório policial junto com a RE 5435388, o qual não se mostrou contrariado por qualquer elemento existente nos autos, nem por qualquer regra da normalidade ou experiência comum. Quanto à condição socioeconómica do Arguido DD constante dos n.ºs 131 a 136, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações de tal arguido relativas às suas circunstâncias de vida, o qual mereceu credibilidade e não se mostrou contrariado por qualquer elemento existente nos autos, nem por qualquer regra da normalidade ou experiência comum. Quanto à condição económica da Arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda. constante do n.º 137, a convicção do tribunal fundou-se no teor das declarações de IRC juntas com a RE 5433625. Quanto à ausência de antecedentes criminais dos Arguidos (cfr. o facto 138, dado como provado), a convicção do Tribunal filiou-se na análise dos certificados do registo criminal, constantes da RE 56175996, 56175997 e 56176528. Quanto aos factos não provados constantes das alíneas b), d), e) e h), a convicção do tribunal filiou-se na total ausência de prova positiva quanto à matéria em questão, ninguém tendo reportado tal factualidade, nem resultando a mesma de qualquer outro elemento probatório existente nos autos ou de qualquer regra da normalidade ou experiência comum. Quanto ao facto não provado constante da alínea g), apesar de JJ ter sido encontrado na plataforma em causa, a convicção do tribunal filiou-se na total falta de prova sobre o motivo que levou JJ ao interior da plataforma em causa, desconhecendo-se o que fazia lá dentro e com que finalidade para aí foi. II.3 Na decisão recorrida, foi efectuado pelo Tribunal recorrido o seguinte enquadramento jurídico-penal (transcrição): Vistos os factos, verifiquemos, agora, o direito que se rotula aplicável. Os arguidos AA e DD, estão acusados da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.º 1, e n.º 4, al. a), do Código Penal. Por seu turno, a arguida Transportes Marítimos Graciosenses, Lda., está acusada da prática de um crime de crime de violação de regras de segurança agravado, previsto e punido pelos arts. 152.º-B, n.º 1, e n.º 4, al. a), e 11.º, n.º 2, al. b), e n.º 4 do Código Penal. É o seguinte, no que ora interessa, o conteúdo das disposições legais citadas: – “Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” (art.º 152.º-B, n.º 1, do Código Penal); – “Se dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido: a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do n.º 1;” (art.º 152.º-B, n.º 4, al. a), do Código Penal). – “As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança.” (art.º 11.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na versão em vigor à data da prática dos factos); – “Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade” (art.º 11.º, n.º 4, do Código Penal, na versão em vigor à data da prática dos factos). * 1.1. DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA AGRAVADO Comecemos, então, pela análise do crime de violação de regras de segurança agravado. Tal crime, previsto e punido pelo art.º 152.º-B, n.º 1, do Código Penal (tipo legal em que o bem jurídico protegido é a vida e a integridade física1, para que se mostre consumado, demanda a demonstração dos seguintes elementos: (1) a inobservância de disposições legais ou regulamentares. Assim, em primeiro lugar, é necessário que haja a falta de observância de disposições legais ou regulamentares. E, note-se, o dever de garante recai sobre a pessoa a quem incumbe directamente evitar a violação do bem jurídico penalmente protegido. Trata-se do dever do concreto cumprimento das normas de segurança. Por seu turno, as regras técnicas “disposições legais ou regulamentares” mencionadas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional, vigentes à data do facto. (2) a sujeição de trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde. 1 Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2008, p. 411. Depois, em segundo lugar, sendo o crime em causa de perigo concreto, é necessário que um trabalhador seja efectivamente sujeito a um concreto perigo para a vida ou de grave ofensa para o corpo ou a saúde. Mais. Sendo o crime de resultado, a sua consumação exige a efectiva sujeição do trabalhador à realização de actividade fora das indispensáveis condições de segurança. E, o seu preenchimento tanto pode ter lugar por via de acção como por omissão. (3) a existência de dolo. O crime de violação de regras de segurança, previsto no art.º 152.º-B, n.º 1, do Código Penal é doloso (cfr. o art.º 13.º do Código Penal), estando a sua variante negligente prevista no art.º 152.º-B, n.º 2, do Código Penal. Basta-se, contudo, o preenchimento do mencionado tipo legal, com a mera existência de dolo eventual, o qual deve cobrir todos os elementos objectivos do tipo (in casu, a falta de observância de disposições legais ou regulamentares e a subsequente sujeição de trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde), sendo, pois, suficiente para a realização do tipo de ilícito que o autor represente que não está a observar legais ou regulamentares e a sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, e, não obstante, actue, conformando-se com isso. * Por seu turno, para além dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal da violação de regras de segurança que enunciamos, para que o crime seja agravado, tal como imputado aos Arguidos (art.º 152.º-B, n.º 4, al. a), do Código Penal), é necessário, ainda, que se demonstre a morte o agente. Para que o crime em causa seja o agravado, tal como imputado aos arguidos é necessário que, efectivamente, da conduta de sujeição efectiva a um perigo resulte a morte do trabalhador, prevendo-se, assim, uma agravação da pena em virtude do resultado morte. * 1.2. DA RESPONSABILIDADE DA PESSOA COLECTIVA Isto posto, e no que toca ao agente do crime em apreço, cumpre, ainda, salientar que a responsabilidade criminal não recai apenas no agente singular, nos termos do art.º 11.º, (na versão em vigor à data da prática dos factos), abrangendo, também, por força do art.º 11.º, n.º 2, al. a), do Código Penal (na versão em vigor à data da prática dos factos), no que ora interessa, as pessoas colectivas quando os factos forem cometidos em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, entendendo-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade (art.º 11.º, n.º 4, do Código Penal, na versão em vigor à data da prática dos factos). A responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas e equiparadas foi uma realidade com progressiva e crescente consagração no ordenamento penal positivo, designadamente, nos domínios da criminalidade económica e social, aparecendo, agora, consagrada em termos mais genéricos no Código Penal, como forma de reacção à danosidade social e económica causada por alguns comportamentos ilícitos imputáveis a entes colectivos, frequentemente dotados de forte capacidade económica e para quem as sanções meramente administrativas não constituem um desincentivo suficiente (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS in Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa, Jornadas de Direito Criminal, pg. 51 e seguintes, CEJ, 1983). Para que haja responsabilidade da pessoa colectiva ou equiparada, torna-se necessário que o facto seja praticado por quem actua em termos de exprimir ou vincular a vontade da pessoa colectiva, procurando a satisfação de interesses, embora ilícitos, dessa pessoa colectiva. Tal responsabilidade é concomitante com a dos agentes individuais que, nos termos da previsão da norma, tenham actuado em seu nome e no interesse colectivo, sendo excluída apenas quando estes tenham agido contra ordens expressas de quem de direito (art.º 11.º, n.ºs 6 e 7, do Código Penal). * 1.3. SUBSUNÇÃO JURÍDICA DA FACTUALIDADE APURADA Feita a apreciação abstracta dos crimes em causa, passemos, agora, à análise em concreto da situação dos autos, isto é, à subsunção jurídica da factualidade apurada para concluirmos se estão, ou não, preenchidos os elementos típicos do crime que vem imputado aos arguidos. * Ora, da factualidade dada como provada, mormente dos factos 1 a 38, resulta, inequivocamente, que a conduta dos arguidos AA e DD integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação de regras de segurança agravado que lhes vem assacado. Na verdade, estes, enquanto gerentes da sociedade arguida, directamente envolvidos na gestão diária da mesma, a quem incumbia directamente zelar pela segurança dos seus trabalhadores, não observaram as regras relativas a segurança no trabalho estabelecidas nos artigos 3.º, al. e), 5.º, 6.º, n.ºs 2 e 4, 7.º, 12.º, n.º 2, 28.º, n.º 3, 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, 33.º, n.ºs 2 e 4, 35.º, n.ºs 1, 2 e 4, do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos artigos 15.º, n.º 2, als. d) e l), e n.º 4, 20.º, n.º 1, 73.º e 73.º-A, do Anexo da Lei 3/2014, de 28 de Janeiro, nos artigos 15.º, n.ºs 1 e 2, 20.º e 73.º, da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 281.º, n.º 3, 282.º, n.º 3, e 284.º, do Código do Trabalho. E isto é assim porque, pura e simplesmente: – não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que advertisse para ao perigo de elevação de cargas; – não diligenciaram pela instalação de sinalética, no cais, que delimitasse a zona de elevação de cargas, com respectiva interdição/proibição de trabalhadores, nem circuitos proibidos/passagens permitidas; – não diligenciaram pela adopção de um plano de segurança e protecção dos trabalhadores, a aplicar durante a execução das operações de elevação de cargas; – não diligenciaram pela adopção de um plano de avaliação dos riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores do navio, no conjunto das suas actividades, bem como respectivo plano de medidas adequadas de protecção; – não concederam formação ao manobrador da grua, NN, concretamente formação para manobrar gruas, sabendo que o mesmo não tinha habilitação para o efeito, não diligenciando pela obtenção de tal habilitação; – não diligenciaram pela instalação de sinalização referente a proibição de elevação de trabalhadores, bem como de que tal equipamento não se destinava à elevação de trabalhadores; – não diligenciaram pela contratação de pessoa competente e com formação para proceder à vistoria do cabo de aço da grua, periodicamente; não diligenciaram pela elaboração de relatórios de verificação das manutenções ao cabo com as devidas menções legais; – não concederam formação ao trabalhador JJ, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o seu posto de trabalho e o exercício de actividades de risco por si desempenhadas; e – não concederam formação aos trabalhadores do navio, concretamente no que concerne a formação no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção os seus postos de trabalho e o exercício de actividades de risco desempenhadas pelos mesmos. Ao não o fazerem, sujeitaram JJ, por falta de formação deste e dos demais que consigo trabalhavam, nomeadamente do manobrador da grua, a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, pois que directamente exercia funções junto de local onde eram efectuadas as cargas através de grua. E tanto assim é que, no dia 26/04/2016, o perigo concreto a que sujeitaram tal trabalhador se concretizou, tendo este ido para cima de uma plataforma e falecido em consequência de queda de tal plataforma. Tal teria, certamente, sido evitado se, entre o mais, o cabo tivesse sido verificado por alguém devidamente habilitado para o efeito (e não uma mera vistoria empírica, ainda que por alguém experimentado), com a consequente emissão de relatórios detalhados (que permitiram ver o progressivo desgaste dos cabos e a identificação da necessidade de substituição), se existissem planos de segurança que previssem a existência de um terceiro a vigiar e a sinalizar a operação e a fixar um perímetro de segurança na zona de movimentação de cargas, devidamente sinalizado, se a plataforma tivesse sinalização de proibição de utilização para elevação por pessoas, se o grueiro tivesse habilitação e formação que lhe permitisse perceber como manobrar uma grua quando não tem visibilidade total (isto independentemente da facilidade/dificuldade de tal tarefa), e, sobretudo, se o falecido JJ, apesar de proibido, tivesse sido devidamente alertado, em formação própria, para os perigos inerentes à conduta que adoptou. A finalidade da intervenção a nível de segurança no trabalho é eliminar ou minimizar o risco na origem. E, a completa omissão pelos arguidos do cumprimento dos deveres de identificar os riscos (designadamente, de queda da plataforma suspensa ou da sua carga), bem assim de organizar e planear o trabalho de modo a eliminá-los (com sinalização, formação e vigilância por terceiro de forma permanente durante a manobra) ou, pelo menos, a reduzi-los tanto quanto possível, em conformidade com as regras legais definidas para o efeito e supra mencionadas, levou a que a probabilidade objectiva de ocorrer uma lesão da integridade física ou a morte, devido a essa omissão de medidas, fosse muito elevada. É que, ao contrário do pretendido pelos arguidos, a proibição estabelecida e comunicada à vítima não substitui a falta e os efeitos que os planos de segurança, a sinalização, a vigilância por terceiros e a formação teriam, visando, os primeiros, evitar violações conscientes de regras de segurança pelos mais incautos, e, a segunda, alertar para os efectivos e reais fundamentos da proibição estabelecida e certamente não interiorizada pela vítima ao colocar-se dentro da plataforma e num risco extremo que se veio, efectivamente, a revelar-se fatal para si. E, note-se, que não é o facto de as condutas empreendidas pelos arguidos constituírem também contra-ordenações que exclui a sua responsabilidade criminal, na medida em que o que traz dignidade penal à conduta destes, nos termos da incriminação que lhes vem imputada, é a efectiva sujeição do trabalhador, como no caso dos autos, a um perigo para a vida ou integridade física, o que ocorreu. Mais. Resulta, ainda, da factualidade em causa que os arguidos actuaram de forma dolosa, isto é, sabendo e querendo actuar com falta de observância de disposições legais ou regulamentares e sujeitando, consequentemente, JJ, seu trabalhador, a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde. E, o crime por estes praticado é, tal como acusado, agravado nos termos do art.º 152.º-B, n.º 4, al. a), do Código Penal, pois ocorreu a morte do trabalhador JJ em resultado do perigo criado. Por outro lado, tendo os arguidos AA e DD agido sempre no interesse e por conta da sociedade arguida, nos termos dos arts. 11.º, n.º 2, al. a) e n.º 4, do Código Penal, na versão em vigor à data dos factos, serão penalmente responsáveis não só estes (nos termos do art.º 11.º, n.º 7, do Código Penal) como a mencionada sociedade. * II.4 Na decisão recorrida, foi efectuado pelo Tribunal recorrido a seguinte determinação concreta da medida da pena Nessa conformidade, passemos, então, à determinação concreta da medida da pena a aplicar aos arguidos. Conforme resulta do art.º 40.º, do Código Penal, “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.º 2). Por outro lado, estipula o art.º 70.º, do Código Penal, a preferência do legislador pelas penas não privativas da liberdade, sempre que realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e estatui o art.º 71.º, do mesmo diploma legal, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e, para essa operação, o tribunal terá de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (n.º 2 do mesmo normativo). Assim, a culpa, segundo a função que lhe é político-criminalmente determinada, constitui condição necessária de aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida. Dentro do limite máximo permitido pela culpa, a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva a medida da pena será encontrada em função de exigências de prevenção especial, maxime, de socialização. Em sentido idêntico, cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português. As consequências jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, Coimbra, pp. 227 a 229. 2.1. ARGUIDO AA Comecemos, então, pelo Arguido AA. Prevê o tipo legal da violação das regras de segurança agravado (dos arts. 152.ºB, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal), pena de prisão de 3 a 10 anos. Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são medianas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar com progressiva frequência e associada a uma desvalorização da efectiva necessidade das regras de segurança implementadas e, por vezes, como no caso dos autos, com graves consequências. Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário. Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, pela ausência de antecedentes criminais e atendendo à forma como tudo ocorreu, aconselha uma agravação baixa. Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias: – a admissão parcial dos factos e colaboração para a descoberta da verdade; – a inserção social, familiar e profissional, à data dos factos; – a concorrência de alguma responsabilidade por parte da vítima; – a ausência de antecedentes criminais. Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte: – a ilicitude derivada das várias violações de regras de segurança estabelecidas, com a consequente sujeição a perigo de vida; – o dolo com que actuou; – a falta de consciencialização plena da gravidade das condutas, demonstrada pela desvalorização das necessidades de formação em função das proibições que tinham estabelecido. Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do Arguido deverá ser sancionada, pelo crime em causa, com uma pena de 4 anos de prisão. * Ora, conforme resulta do disposto no artigo 50.º, do Código Penal, “[o] tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Isto é, deverá o tribunal decidir-se pela suspensão da execução da pena de prisão sempre que possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, assente numa expectativa fundada de que a ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição. Estamos, assim, em face de uma medida cuja aplicação não é facultativa, mas antes, trata-se de um poder vinculado do julgador, um poder-dever2, uma vez que, desde que se verifiquem os pressupostos, terá de a aplicar. A suspensão da execução da pena de prisão, surge, assim, como uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, que deve ser decretada, quando a medida concreta da pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão (pressuposto formal), desde que o tribunal, através de um juízo de prognose, conclua que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressuposto material). E, para a formulação do juízo de prognose, o tribunal considera a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. Por seu turno, como vimos já, as finalidades da punição consistem na protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de acordo com o art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal. Concretizemos. Considerando, por um lado, que não foi aplicada ao arguido pena de prisão superior a cinco anos, considerando, por outro lado, que, como dissemos, o arguido, com 70 anos de idade, não tem antecedentes criminais, actuou num quadro funcional de uma 2 Cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português. As consequências jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, Coimbra, p 341. empresa, estando social, profissional e familiarmente integrado, entende-se poder, por ora, formular um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça de pena são suficientes para assegurar a protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração deste na sociedade, pelo que, e atendendo ao período mínimo e máximo de suspensão estabelecido no art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal, deverá a execução da pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa por um período de 4 anos. * 2.2. ARGUIDO DD Passemos, agora, em segundo ligar, ao arguido DD. Prevê o tipo legal da violação das regras de segurança agravado (dos arts. 152.ºB, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal), pena de prisão de 3 a 10 anos. Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são medianas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar com progressiva frequência e associada a uma desvalorização da efectiva necessidade das regras de segurança implementadas e, por vezes, como no caso dos autos, com graves consequências. Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário. Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, pela ausência de antecedentes criminais e atendendo à forma como tudo ocorreu, aconselha uma agravação baixa. Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias: – a admissão parcial dos factos e colaboração para a descoberta da verdade; – a inserção social, familiar e profissional, à data dos factos; – a concorrência de alguma responsabilidade por parte da vítima; – a ausência de antecedentes criminais. Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte: – a ilicitude derivada das várias violações de regras de segurança estabelecidas, com a consequente sujeição a perigo de vida; – o dolo com que actuou; – a falta de consciencialização plena da gravidade das condutas, demonstrada pela desvalorização das necessidades de formação em função das proibições que tinham estabelecido. Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do Arguido deverá ser sancionada, pelo crime em causa, com uma pena de 4 anos de prisão. Ora, conforme resulta do disposto no artigo 50.º, do Código Penal, “[o] tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Isto é, deverá o tribunal decidir-se pela suspensão da execução da pena de prisão sempre que possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, assente numa expectativa fundada de que a ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição. Estamos, assim, em face de uma medida cuja aplicação não é facultativa, mas antes, trata-se de um poder vinculado do julgador, um poder-dever3, uma vez que, desde que se verifiquem os pressupostos, terá de a aplicar. A suspensão da execução da pena de prisão, surge, assim, como uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, que deve ser decretada, quando a medida concreta da pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão (pressuposto formal), desde que o tribunal, 3 Cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português. As consequências jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, Coimbra, p 341. através de um juízo de prognose, conclua que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressuposto material). E, para a formulação do juízo de prognose, o tribunal considera a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. Por seu turno, como vimos já, as finalidades da punição consistem na protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de acordo com o art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal. Concretizemos. Considerando, por um lado, que não foi aplicada ao arguido pena de prisão superior a cinco anos, considerando, por outro lado, que, como dissemos, o arguido, com 54 anos de idade, não tem antecedentes criminais, actuou num quadro funcional de uma empresa, estando social, profissional e familiarmente integrado, entende-se poder, por ora, formular um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça de pena são suficientes para assegurar a protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração deste na sociedade, pelo que, e atendendo ao período mínimo e máximo de suspensão estabelecido no art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal, deverá a execução da pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa por um período de 4 anos. * 2.3. ARGUIDA TRANSPORTES GRACIOSENSES, LDA.. Passemos à arguida Transportes Graciosenses, Lda. Quanto às penas aplicáveis às pessoas colectivas, resulta do art.º 90.º-A, n.º 1, do Código Penal que esta poderá ser de dissolução ou de multa, não se justificando a primeira, atenta a natureza da condenação, o facto de estar em causa arguida com vasta laboração na área, sem antecedentes criminais e não tendo sido criada para praticar crimes de natureza semelhante ao dos autos (art.º 90.º-F, do Código Penal). E, nos termos do art.º 90.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, tal multa, tendo por referência a moldura da pena de prisão, será entre 360 dias e 1200 dias. Isto posto, no que concerne à concreta multa a aplicar, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são medianas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar com progressiva frequência e associada a uma desvalorização da efectiva necessidade das regras de segurança implementadas e, por vezes, como no caso dos autos, com graves consequências. Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário. Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, pela ausência de antecedentes criminais da arguida sociedade e atendendo à forma como tudo ocorreu, aconselha uma agravação baixa. Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor da arguida militam as seguintes circunstâncias: – a vasta laboração, desde 29/09/1955; – a concorrência de alguma responsabilidade por parte da vítima; – a ausência de antecedentes criminais. Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte: – a ilicitude derivada das várias violações de regras de segurança estabelecidas, com a consequente sujeição a perigo de vida; – o dolo com que actuou. Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta da Arguida deverá ser sancionada com uma pena de 480 dias de multa. Correspondendo, nos termos do disposto no art.º 90.º-B, n.º 5, do Código Penal, cada dia de multa a uma quantia entre € 100 e € 10.000, e considerando as condições económicas da arguida nos últimos 3 anos, entende-se fixar tal quantitativo diário em € 200,00, no montante global de € 96.000,00. * Ora, conforme resulta do disposto no artigo 90.º-D, n.º 1, do Código Penal, “Se à pessoa colectiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal substituí-la por caução de boa conduta, entre (euro) 1000 e (euro) 1 000 000, pelo prazo de um a cinco anos”. Isto é, deverá o tribunal decidir-se pela prestação de caução de boa conduta sempre que possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro da arguida, assente numa expectativa fundada de que a ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição. Ora, considerando, por um lado, que não foi aplicada à arguida pena de multa superior a 600 dias, considerando, por outro lado, que, como dissemos, a arguida não tem quaisquer antecedentes criminais, porque o acto em causa se apresenta circunstanciado no tempo, estando esta a laborar desde 1955, entende-se poder, por ora, formular um juízo de prognose favorável à arguida, no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça de pena são suficientes para assegurar a protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração desta na sociedade, pelo que, e atendendo ao período mínimo e máximo de suspensão estabelecido no art.º 90.º-D, n.º 1, do Código Penal, e montante da mesma, deverá a execução da pena de multa ser substituída por caução de boa conduta no montante de € 10.000,00, pelo período de 4 anos. * Na medida em que os arguidos foram condenados serão, ainda, responsáveis pelo pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC’s, e encargos (arts. 513.º e 514.º, do CPP, e 8.º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa ao RCP). * II.5 Na decisão recorrida, foi decidido pelo Tribunal recorrido o seguinte quanto ao PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Por força do disposto no art.º 71.º, do Código de Processo Penal, o qual consagra, como regra, um princípio de adesão obrigatória da pretensão cível ao processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no respectivo processo penal (consagrando, depois, o art.º 72.º, do mesmo diploma legal, quais as situações em que o pedido de indemnização cível pode ser deduzido em separado), sendo a indemnização por perdas e danos regulada pela lei civil (cfr. o art.º 129.º, do Código Penal). O pedido cível formulado pelo lesado, destina-se à efectivação de responsabilidade civil, peticionando-se indemnização de perdas e danos emergentes de crime, entendendo-se por responsabilidade civil a obrigação imposta a alguém de reparar os danos sofridos por terceiro. Ou melhor, e atendendo à classificação legal, estamos aqui, na parte cível, perante uma verdadeira acção de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Tal responsabilidade implica a verificação dos seguintes requisitos: a) o facto (controlável pela vontade do homem); b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano. * Vejamos se, in casu, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, se, aos Demandantes, será de atribuir a indemnização peticionada. Sem necessidade de grandes desenvolvimentos nos principais pressupostos da responsabilidade civil criminal, constata-se que, no caso em presença, mostram-se preenchidos todos os enunciados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme se extraí da análise já feita a propósito da responsabilidade criminal dos arguidos (quanto ao crime de violação de regras de regras de segurança agravado), estando os arguidos obrigados a reparar os danos causados aos lesados em virtude das condutas empreendidas. Ora, o primeiro dos danos cujo ressarcimento é peticionado é o dano morte. Tal dano, porque não patrimonial, é indemnizável na medida em que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil). E, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, segundo critérios de equidade, tendo em conta que a indemnização a arbitrar tem natureza mista: a compensação do lesado pelos danos sofridos e a sua reprovação civilística. Uma vez que o único critério a que a lei manda atender é o da gravidade do dano (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil) há que tomar em atenção os padrões de valoração seguidos pelo STJ, apenas não o fazendo sempre que isso se não justifique por razões de carácter absolutamente excepcional, sendo que a lei determina, que o montante da indemnização deve ser fixado mediante recurso à equidade (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil). É sabido que o tempo da concessão de indemnizações miserabilistas, irrisórias, está definitivamente ultrapassado no nosso país, como se pode confirmar analisando a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída tem oscilado nos últimos anos entre os € 50.000,00 e os € 100.000,00. Atendendo à situação económica dos lesantes, considerando a idade da vítima à data da morte (56 anos) e o futuro que tinha à sua frente, considerando, ainda, que actuou, ainda que de forma diminuta, com culpa, pois sabia estar proibido de ir para cima da plataforma em causa, havendo que nos art.º 570.º, do Código Civil, reduzir tal indemnização, entende-se ser adequada e equitativa a fixação de indemnização de € 81.000,00, pelo dano da morte de JJ, a pagar, pelos arguidos (solidariamente – art.º 497.º, n.º 1, do Código Civil), em conjunto, aos demandantes, seus filhos e herdeiros (art.º 496.º, n.º 2, do Código Civil), procedendo, nesta parte, parcialmente, o peticionado. O que vimos de dizer, vale, ainda, para os danos sofridos por JJ, antes de morrer. E isto porque se provaram os actos dos Arguidos e as normais consequências resultantes do facto de JJ não ter morrido de imediato (cfr. os factos 107 e 108, dados como provados), sendo manifesta a necessidade de reparação dos danos apurados, traduzindo-se os mesmos em danos não patrimoniais. Estão aqui em causa direitos absolutos, nomeadamente, direitos de personalidade, que são constitucional e legalmente protegidos (cfr. arts. 24.º, e seguintes, da Constituição da República Portuguesa, e os arts. 70.º, e seguintes, do Código Civil), pelo que, estes danos à personalidade moral da pessoa merecem a tutela do direito. Deste modo, o art.º 70.º, n.º 1, do Código Civil, determina como princípio básico que todo o indivíduo tem o direito de ver protegida a sua personalidade física e moral. Este direito geral de personalidade visa a realização da autodeterminação e defende contra intervenções ou limitações injustificadas, referindo-se ao direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à honra, à imagem social e de carácter, entre outros. 4 Tais danos, porque não patrimoniais, como dissemos são indemnizáveis na medida em que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil). E, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, segundo critérios de equidade, tendo em conta que a indemnização a arbitrar tem natureza mista: a compensação do lesado pelos danos sofridos e a sua reprovação civilística. Em face da matéria de facto dada como provada, encontram-se, pois, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, atentos os referidos princípios e as circunstâncias de facto concretas em que desenrolou a actuação dos arguidos, bem como o facto de este não ter morrido de imediato, mas ter ficado inconsciente em paragem respiratória, considerando, ainda, que actuou, ainda que de forma diminuta, com culpa, pois sabia estar proibido de ir para cima da plataforma em causa, havendo que nos art.º 570.º, do Código Civil, reduzir tal indemnização, parece-nos adequado fixar, a título de danos não patrimoniais, a compensação/reparação de € 4.500,00, a pagar pelos arguidos (solidariamente – art.º 497.º, n.º 1, do Código Civil) aos demandantes (€ 1.500,00, para cada um), procedendo, nesta parte, parcialmente o peticionado. Passando, agora, para os danos sofridos pelos demandantes em virtude da morte de JJ, temos que os mesmos, por se tratar de danos não patrimoniais graves, merecem a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil). Neste ponto, quanto a cada um dos demandantes, filhos do falecido, provaram-se as consequências, em cada um, resultantes do facto de JJ ter morrido (cfr. os factos 54 a 106, dados como provados), consequências mais do que normais, tendo em conta a gravidade do ocorrido e ligação familiar e afectiva que tinham para com a vítima. 4 Cfr. H. E. HÖRSTER, A Parte Geral do CC Português, Coimbra, 1992, pág. 259 e ss. Em face da matéria de facto dada como provada, encontram-se, pois, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, atentos os referidos princípios e as circunstâncias de facto concretas em que desenrolou a actuação do arguido, bem como aos danos sofridos por cada um dos demandantes (sofrimento causado a cada um pela morte embrionária e abrupta do pai) e sendo certo que tais danos são insusceptíveis de ser minimizados ou apagados, considerando, ainda, que JJ actuou, ainda que de forma diminuta, com culpa, pois sabia estar proibido de ir para cima da plataforma em causa, havendo que nos art.º 570.º, do Código Civil, reduzir tal indemnização, parece-nos adequado fixar, a título de danos não patrimoniais, tal como peticionado, a compensação/reparação de € 20.000,00, a pagar pelos arguidos (solidariamente – art.º 497.º, n.º 1, do Código Civil) cada um dos demandantes GG, HH e II, procedendo, nesta parte, parcialmente, o peticionado. * E note-se, como vem sendo entendido jurisprudencialmente, que o facto de ter sido paga indemnização em sede laboral não exclui as indemnizações supra fixadas, não constituindo uma fixação duplicada indemnização de danos, na medida em que as indemnizações em causa são complementares, estando, naquela sede, essencialmente em causa danos patrimoniais e, nesta sede, danos não patrimoniais. * Consigna-se que, tendo a Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL. sido admitida nos autos como mera interveniente acessória, não é condenada ou absolvida nos presentes autos, independentemente dos contratos de seguro celebrados. * Além das quantias em causa, têm, nos termos do disposto nos arts. 559.º e 805.º, n.º 3, do Código Civil, ainda os demandantes direito a indemnização moratória, correspondente aos juros peticionados desde a data da notificação para contestar o pedido cível, até efectivo e integral pagamento, sendo que a taxa aplicável, havendo de conformar-se com a natureza e os pressupostos da responsabilidade reconhecida, é a supletivamente prevista para os juros civis. * As custas do pedido de indemnização civil serão suportadas pelos Demandantes e Demandados, na proporção aritmética do decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, do Código de Processo Civil.” III- Fundamentos do Recurso Questões a decidir no recurso: Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2 Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 que afetem o recorrente…” Nos termos do art.º 410.º, do CPP (Fundamentos do recurso) 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada. Mais dispõe o art.º 412.º, do CPP: (Motivação do recurso e conclusões) 1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. 2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5 - Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse. 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. Estruturalmente o recurso pode, assim, ter como fundamentos concretos: i. Questões materiais, traduzidas em erro de julgamento em matéria de facto ou erros de julgamento em matéria de direito (art.º 412.º, n.ºs 2 e 3 do CPP). ii. Questões formais que dizem respeito à patologia da sentença, traduzida em erros endógenos da sentença, resultantes sem mais da leitura da sentença, sem elementos exteriores a ela, os designados vícios da sentença-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º2, do CPP) ou erro da falta de fundamentação e exame crítico da prova (art.º 374.º, n.º2, do CPP) e iii. Questões processuais, traduzidas em nulidades ou irregularidades da sentença (art.ºs 379.º e 410.º, n.º3, do CPP) ou nulidades ou irregularidades do processado (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição, Almedina pág. 947. Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes e as respostas aos recursos apresentadas pelo Ministério Público e pelos demandantes cíveis, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes: i)da impugnação da decisão sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto aos factos provados 19 e 25 a 38; ii) (in) verificação de algum dos vícios (de conhecimento oficioso) a que alude o art.º 410.º, n.º2, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; erro notório na apreciação da prova). iii) (in) verificação de erro de direito decorrente de errada subsunção jurídico-penal dos factos face ao crime em que os arguidos foram condenados atenta a valoração incorrecta ou não valoração de factos provados 109 a 125. iv) (in) verificação dos pressupostos da responsabilidade civil no que respeita ao pedido cível; Tem também este Tribunal de conhecer dos seguintes vício, de conhecimento oficioso: • das consequências decorrentes da deficiente gravação da prova de algum ou alguns depoimentos; • da nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a factos sobre os quais o Tribunal não se pronunciou. Comecemos então, por estes dois, considerando que, em caso de procedência, fica prejudicado o conhecimento das demais questões. -Das consequências decorrentes da deficiente gravação da prova de algum ou alguns depoimentos prestados em audiência. Conforme resulta das actas de audiência de julgamento, a documentação foi efectuada através de gravação do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (cfr. art.º 364.º, do CPP). Porém, querendo ouvir-se tal gravação, para efeitos de recurso, nomeadamente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, um dos fundamentos do recurso, se constata que o depoimento da testemunha RR, na sessão de 16/10/2023, é impercetível em vários momentos do seu depoimento no que respeita às respostas dadas às perguntas que lhe vão sendo dirigidas, o mesmo acontecendo com o depoimento da testemunha NN na sessão de 30/10/2023, em partes essenciais do seu depoimento nomeadamente aos minutos 24 a 29 e 1 hora a 1 hora e 21 minutos, sendo que são testemunhas cujo depoimento é alegado para fundamentar a existência de erro de julgamento, como decorre aliás das passagens transcritas pelos recorrentes. Ora, a prova pessoal ou oral revela-se, em duas componentes: de voz e de imagem. O tribunal ad quem fica privado da relação de proximidade com a imagem da pessoa que intervém no julgamento, na qualidade de arguido, testemunha ou declarante. Mas dispõe do acesso directo à voz do autor dos relatos, e pode apreender tudo o que, no processo comunicacional, é transmissível através da voz (gravada). Não deve falar-se por isso de uma total ausência de imediação, mesmo na parte referente à prova pessoal. A documentação da prova é o elemento fundamental para a apreciação do recurso da matéria de facto. A deficiente gravação dos referidos depoimentos nas sessões de audiência aludidas, impede a apreciação correcta do recurso da matéria de facto. É certo não constituir tal nulidade, porém o art.º 123.º, n.º 2, do CPP, determina que se pode ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado. Esta norma não é, no entanto, de fácil interpretação, em particular, em saber que tribunal repara oficiosamente a irregularidade. No CPP Comentado, 2014, António Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Henriques da Graça, p. 409, em anotação ao art.º 123.º, diz-se que “a irregularidade pode ser oficiosamente conhecida, com a reparação imediata, quando for verificada ainda no decurso do próprio acto; previne-se, deste modo, a posterior possibilidade de arguição com a consequente perturbação processual – n.º 2”. Também no mesmo sentido Fernando Gama Lobo Código de Processo penal Anotado pág. 231 “… no caso do n.º 2 temos as irregularidades mais graves; são irregularidades mais graves; são irregularidades que “que afectam o valor do ato praticado”, i.é, geram a sua invalidade. Saber se afetam o valor do ato, é uma conclusão que se alcança através de um juízo de ponderação, um tanto subjetivo, em face da relevância material de um juízo de ponderação, um tanto subjetivo, em face da relevância material da irregularidade. Em princípio afetará, quando põem em causa, em elevado grau, princípios estruturantes do processo ou direitos fundamentais. Estas irregularidades devem ser conhecidas oficiosamente. Logo, não fixando a lei qualquer limite temporal, s.m.o., podem ser invocadas a todo o tempo e a todo o tempo devem ser conhecidas. Reconhecida a irregularidade, deve a mesma ser declarada e reparada, se necessário repetindo corretivamente o ato e invalidando todos os que dele diretamente dependam, seguindo trâmites similares aos das nulidades insanáveis…” Esta doutrina aponta para que a irregularidade seja conhecida no tribunal que a cometeu, daí que se pretenda evitar a consequente perturbação processual. Porém, nem sempre será assim. Na situação em apreço, não tendo o tribunal a quo tomado conhecimento da irregularidade verificada – deficiente gravação – no momento da prática dos actos que praticou depois, não a podia ter oficiosamente suscitado. É certo que os recorrentes dizem que o tribunal a quo considerou incorrectamente provados os factos 19 e 25 a 38, para tanto, se funda, além do mais, no depoimento das referidas testemunhas e, só se pode concluir que estão a impugnar amplamente a matéria de facto. Por conseguinte, é dever deste tribunal ad quem apreciar a decisão sobre a matéria de facto por via do recurso amplo. Por isso, tem que ouvir a prova gravada. Ora, face à deficiente gravação dos referidos depoimentos este tribunal superior está impedido de praticar o seu acto, que é, o de apreciar o recurso da matéria de facto. Se a irregularidade for detectada pode ser regularizada oficiosamente, e para que o seja a irregularidade tem de ter a virtualidade de puder afectar o valor do acto praticado, o que ocorre, in casu. Cumpre, pois, a este tribunal ad quem, ao tomar conhecimento desta irregularidade que o impede de praticar o seu acto, o dever de a declarar, com as consequências processuais inerentes, ordenando a anulação da sessão de prova em que as referidas testemunhas foram ouvidas, RR - na sessão do dia 16/10/2023- e NN - na sessão do dia 30/10/2023 - e, consequentemente, da sentença proferida, e determinar a repetição da prova produzida relativamente a essas testemunhas nessas sessões, com documentação, e prolação de nova sentença. -Nulidade da sentença por omissão de pronúncia: Lida a sentença recorrida, a acusação proferida pelo Ministério Público e as contestações, constatamos que o Tribunal a quo na sentença recorrida não se pronunciou, sobre factualidade relevante, que nos permite, nomeadamente, esclarecer: - o que estava efectivamente a fazer o sinistrado JJ, na plataforma, se efectivamente nela se encontrava, quando ocorreu a rotura do cabo da grua, e de que vestuário e equipamento de protecção individual estava o mesmo munido. -qual o trabalho que na altura em que os factos ocorreram havia sido ordenado fazer ao sinistrado pela entidade patronal e/ou pelo mestre do navio e onde o sinistrado ia desempenhar esse trabalho; -qual o campo de visão do grueiro para o cais quando na cabine da grua e quando manobra a grua; -onde se encontrava o corpo do sinistrado após o cabo rebentar e a carga colidir no seu corpo, como e por quem foi colocado o corpo do sinistrado no cais. -em que consistia a vistoria visual que era realizada ao cabo, com que frequência, razão da frequência e por quem e se o foi no dia dos factos e por quem; -se já havia ocorrido antes dos factos rebentamento de cabos e consequente queda de carga e se era frequente. Nomeadamente, o tribunal a quo não se pronunciou quanto aos seguintes factos alegados e relevantes com incidência e impacto directo na decisão da causa: – o sinistrado ia desempenhar as suas tarefas no convés, (art.º 14.º da contestação); -a escadaria existente para subir para o navio e para o convés a pé (art.º 14.º, da contestação). - as deficiências dos cabos são facilmente detetáveis porque os fios que se quebram enrolam-se de forma ostensiva permitindo a visualização rápida do defeito e a interrupção das operações para a sua substituição imediata. (art.º 11.º da contestação) – O grueiro quando na cabine da grua e quando manobrava a grua não conseguia ver o lado das paletes que estava oposto ao virado para si; se conseguia ou não ver os demais lados das paletes e o espaço no cais junto das mesmas (art.º 15.º da contestação) – se já haviam ocorrido casos de queda da carga (por rebentamento do cabo) (que se depreende em parte do art.º 16.º da contestação no fim). - O grueiro só não conseguiu ver o sinistrado a ir para a plataforma por este ter subido para junto da carga, do lado oposto ao do seu campo de visão (art.º 18.º da contestação). – se as paletes caíram, e, na queda, entalaram o sinistrado, que ficou preso entre o navio e o cais, só não tendo o sinistrado caído à água por força de um dos cabos de amarração do navio que vinha da proa prender lateralmente o navio ao cais junto da popa (art.º 19.º da contestação) – se na altura dos factos, o operador de máquinas, Sr. SS, era quem carregava e carregou as paletes e dava indicações ao grueiro, o mesmo não deu conta, que o sinistrado se colocou na plataforma e porquê e se efectivamente o sinistrado se colocou na plataforma (art.º 20.º da contestação). -Se quando ouviu um barulho e quando olhou viu que o cabo da grua tinha rebentado, o trabalhador JJ estava entalado entre a carga que estava a ser movimentada (e que caiu com o rebentar do cabo) e o casco do navio e se fez algo para desentalar o corpo. (art.º 20.º da contestação). – se o cabo era vistoriado regularmente pelo Mestre, pelo maquinista, mecânico e demais marinheiros, se o foi por algum deles no dia em que os factos ocorreram e antes de estar a ser usado (art.º 21.º da contestação). – a verificação do estado do cabo era visual e todos os tripulantes do navio MM, desde o Mestre até ao marinheiro, levavam-na a cabo (art.º 23.º da contestação (ao ponto 7 do art.º 22.º da acusação)). -desde quando a formação é igualmente dada por uma empresa exterior– aos marinheiros quanto ao modo de desempenharem as suas tarefas a bordo e nas operações de carga e descarga, incluindo todas as questões relativas à segurança pessoal dos mesmos, da carga e do navio e qual é a empresa. (art.º 7.º da contestação). (os pontos da contestação reportam-se à entrada em 02/06/2021 da 3.ª arguida, encontram-se também na outra contestação entrada no mesmo dia, mas com diferente numeração). - deverá o Tribunal a quo ainda concretizar a resposta ao facto alegado na acusação no ponto 34 que deu lugar ao facto provado 37 relativamente a quais os “factos supra descritos” a que se reporta e cuja concretização omitiu e ao facto provado em 38 concretizando quais os “actos supra descritos” se reporta. - relativamente ao facto constante do ponto 9 dos factos provados, decorrente de alteração não substancial dos factos realizada pelo Tribunal a quo, esclarecer se, quando refere “tendo, especificamente, no que ora interessa” pretende dizer que era a função aí descrita a que o sinistrado exercia na data em que os factos ocorreram, dizendo-o de forma clara. A sentença padece assim de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 374º n.º 2 e 379º do CPP por não ter respondido quanto aos factos supra referidos que se consideram relevantes (art.º 368.º, n.º 2, do CPP). Trata-se de vício que não resulta do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum nomeadamente de vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tratando-se, ao invés, de um vício de omissão de pronuncia, cujo conhecimento é prévio a este. Efetivamente, só depois de sabermos quais os factos que o tribunal deu como provados e não provados é que podemos determinar se há vícios de apreciação da prova. (neste sentido, Ac. TRL de 10-01-2013, processo n.º 905/05.2JFLSB.L19; 23-02-2023 processo 101/20.9T9SRQ.L1-9 e do TRE de 12-03-2019, processo n.º 1490/15.2T9FAR.E e Ac STJ de 24-10-2012 Processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1 e do TRG de 25-06-2019, Processo n.º 345/17.0GAPTL.G1). Embora este vício não tenha sido invocado, as nulidades da sentença previstas no art.º 379.º, n.º 1, são de conhecimento oficioso. Efectivamente, com a alteração do Código de Processo Penal operada em 1998, esse artigo foi reformulado, aditando-se a al. c) do n.º 1, bem como o n.º 2, com o seguinte teor: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º». A expressão inovadora “ou conhecidas em recurso” deve ser entendida no sentido do conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime do processo civil que, diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes. Esse n.º 2, do art.º 379.º do CPP, veio consagrar para as nulidades da sentença um regime específico, sem necessidade de reporte ao art.º 119.º, que estabelece o elenco das nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento. Prescrevendo a lei em relação a alguns desses atos processuais o regime das nulidades insanáveis, não se entenderia que, em caso de incumprimento do estabelecido para o ato decisório por excelência, que é a sentença, o conhecimento da respetiva nulidade não fosse oficioso. O art.º 380ºn.º 1 al. a) e n.º 2 do CPP a contrario afasta que esta nulidade possa ser sanada pelo tribunal de recurso, uma vez que, ao dispor que a correcção da sentença pode ser feita, oficiosamente ou a requerimento, quer pelo tribunal que a proferiu, quer pelo tribunal de recurso, expressamente afasta essa possibilidade relativamente aos casos previstos no art.º 379º do CPP. Por tudo o que foi exposto, há que declarar a nulidade da sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que se pronuncie sobre se considera provado ou não provados os factos supra referidos. O conhecimento das restantes questões supra enunciadas fica prejudicado com a verificação e declaração da nulidade da sentença recorrida. IV – DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em: IV.1 Determinar a anulação da sessão de prova na parte do depoimento da testemunha RR (dia 16/10/2023) e da testemunha NN (30/10/2023), determinar a repetição da prova produzida nas respectivas sessões no que respeita aos referidos depoimentos, com documentação e prolação de nova sentença. IV.2 Declarar a nulidade da sentença recorrida, que deve ser substituída por nova sentença que se pronuncie sobre se considera provados ou não provados os factos alegados supra referidos. * Sem custas. Notifique. * Lisboa, 16/01/2025 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Maria de Fátima R. Marques Bessa Nuno Matos Ivo Nelson Caires B. Rosa ______________________________________________________ 1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995 2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1, 5ª Secção. |