Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
Descritores: | ANOMALIA PSÍQUICA CITAÇÃO NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I – Verificada uma situação de incapacidade de facto para receber a citação, o juiz nomeia curador provisório, com a exclusiva incumbência de representar o réu no processo, o qual exercerá as suas funções se e enquanto se mostrar necessário, ou seja, enquanto perdurar a situação de incapacidade de facto ou enquanto não for judicialmente nomeado representante. II – A ocorrência de incapacidade de facto no momento da citação, quando exista e o funcionário faça a citação ou esta seja postal, pode-se fundar a arguição da nulidade do ato, nos termos gerais de direito. III – Tendo a citação sido efetuada na pessoa do réu, e estando este incapacitado de a receber por anomalia psíquica, quando a citação o deveria ter sido feita na pessoa de um curador provisório, pode ser arguida a nulidade do ato nos termos gerais de direito, no caso, por omissão de um ato prescrito pela lei. IV – Por se tratar de uma nulidade processual, a mesma deve ser arguida perante o tribunal a quo, nos termos dos arts. 196.º, 197.º, nº 1, 199.º, nº 1 e 149.º, todos do CPCivil, pelo que, não sendo arguida dentro do prazo legal de 10 dias após a data em que a parte interveio no processo, considera-se a mesma sanada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO VITOR MARIA …intentou ação especial de prestação de contas contra JOSÉ SÉRGIO …pedindo para este prestar contas, relativamente à administração de dois imóveis entre abril de 1999 e a presente data, ou, contestar a ação. Pelo tribunal a quo foi proferido despacho em que decidiu ”não se verificar qualquer umas das circunstâncias previstas nos artigos 188º e 191º do CPCivil e, face à contestação apresentada pelo réu e a constituição de mandatário pelo mesmo, é forçoso concluir que, à data da citação, entendia o conteúdo e alcance dos atos de citação e de constituição de mandatário. Assim, a citação do réu, para os termos da presente ação mostra-se válida e eficaz, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos legais”. Inconformados, vieram os réus/habilitados (como herdeiros de José Sérgio …, apelar do despacho, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentaram as seguintes CONCLUSÕES[3]: A. Os recorrentes encontram-se habilitados aos autos na qualidade de sucessores do falecido R., José Sérgio… B. Não obstante, os relatórios médicos juntos aos autos atestarem que o R. José … na data da citação padecia de um quadro de demência e não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados, em 10 de Julho de 2020 foi proferido o despacho Ref.ª Citius 145132477 no qual a MMa Juiz a quo entende que a demência é uma patologia de evolução e que tendo o R. constituído mandatário e apresentado contestação o mesmo apresentava capacidade de discernimento à data da citação, concluindo não existir qualquer afetação quanto à citação e nem ao posterior processado . C. Ora, atendendo ao teor dos relatórios médicos que atestam com clareza que o R. à data da citação não tinha capacidade para compreender o sentido e alcance dos seus atos, encontrava-se naturalmente prejudicada a sua capacidade para receber a citação, cabalmente exercer os seus direitos processuais incluindo o contraditório, assim como para estar sozinho em juiz, não dispondo de capacidade judiciária. D. Deste modo, o despacho de 10 de julho de 2020, ao considerar válida a citação da R. José Sérgio … e ao não anular todo o processado subsequente, atenta contra os direitos de defesa do R. e impossibilita o exercício do contraditório, designadamente a apresentação de contestação e requerimento probatório pelos sucessores do R. José Sérgio … estes sim, no uso das suas faculdades mentais. E. É entendimento da doutrina e da jurisprudência que “do n.º 2 do art. 630º do CPC extrai-se a seguinte regra: todas as decisões judiciais relativas à simplificação ou organização processual, ou à adequação formal, ou às regras gerais da nulidade dos atos processuais admitem recurso quando contendam quer com os princípios da igualdade ou do contraditório, quer com a admissibilidade de meios probatórios." F. Esta recorribilidade em qualquer circunstância se justifica pelo facto de as decisões em questão colocarem em causa os referidos princípios da igualdade e do contraditório, os quais se assumem como fundamentais e basilares do Estado de Direito Democrático e que, dada a sua importância, têm consagração quer no CPC, quer na Constituição da República Portuguesa. G. Deste modo, o despacho melhor identificado em 3. é recorrível nos termos do referido n.º 2 do art. 630º do CPC, porquanto colide com os princípios da igualdade de armas das partes e do contraditório. H. Nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 644º do CPC há lugar a apelação autónoma do despacho de "rejeição de algum articulado ao meio de prova" e nos termos da al. h) "das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil." I. Ora, o despacho proferido veda aos sucessores do R. falecido (incapaz à data da citação) a apresentação contestação e da respetiva prova, o que colide com os direitos de defesa e contraditório pois o ato praticado pelo falecido está inquinado pela sua falta de capacidade para compreender o alcance dos seus atos e cabalmente tomar posição. J. Igualmente a falta/invalidade da citação e consequentemente anulação de todo o processo inquina todas as restantes diligências, incluindo de produção de prova necessária à boa decisão da causa, pelo que a eventual procedência do recurso afeta toda a restante tramitação processual, sendo inútil a impugnação do despacho recorrido apenas com a decisão final. K. Em suma, o despacho em causa é recorrível nos termos do n.º 2 do art. 630º do CPC, sendo o recurso de apelação autónomo (art. 644º, n.º 2 al. d) e h), a subir em separado (art. 645º, n.º 2). L. O despacho em causa foi notificado ao mandatário dos recorrentes através de notificação elaborada no sistema Citius em 13/07/2017, considerando-se feita em 16 de julho, sendo o presente recurso tempestivo. M. Conforme decorre do supra exposto o presente recurso incide sobre o despacho de 10 de julho (Ref.ª Citius 145132477), no qual a MMa Juiz a quo entende que a demência é uma patologia de evolução e que tendo o R. constituído mandatário e apresentada contestação o mesmo apresentava capacidade de discernimento à data da citação, concluindo não existir qualquer afetação quanto à citação e nem ao posterior processado. N. Através de requerimento datado de 01 de junho de 2016 (Ref.ª 228211 OS) o R. José … juntou relatório médico nos termos do qual o Exmo. Senhor Professor Doutor Joaquim Ferreira, médico do Centro Neurológico Sénior, atestou o seguinte: "Acompanho o docente em referência desde 2012. Apresenta um quadro clínico compatível com diagnóstico de síndroma demencial. A gravidade atual deste quadro clínico condiciono um defeito cognitivo que limita a capacidade para participar em qualquer audiência Judicial. " O. No seguimento deste relatório na ata da diligência de 21 de junho de 2016 (Ref.ª 129453641), foi proferido o seguinte despacho: "Conforme resulta do requerimento de fls. 462 e seguintes e, nomeadamente do documento de fls. 465, o Réu padece de síndroma demencial, sendo acompanhado por médico desde 2012. (...) muito provavelmente terá sido diagnosticado em 2012 e, tendo em consideração que o Réu foi citado para os termos da presente ação em 04-01-2013 (cfr. fls. 101 dos autos), levanta-se a questão se à data da citação, o Réu estava capaz de facto de perceber o sentido e alcance de tal ato, bem como dos demais atos processuais posteriormente por si praticados. Esta questão assume uma relevância preponderante nos presentes autos, dado que se coloca a questão da própria capacidade jurídica e judiciária do Réu. Nessa medida e, porque verificando-se que o Réu, à data da sua citação estava incapaz de perceber o sentido e alcance desse ato e, por inerência dos atos processuais posteriormente praticados, haverá necessidade de declarar a invalidade de todos os atos praticados pelo Réu e, eventualmente, proceder-se à nomeação de um curador "ad /item "ao Réu nos termos do artigo 17º do Código de Processo Civil. Em face do exposto e, perante a necessidade de esclarecimento da data em que se verificou o início do quadro clínico de que padece o Réu no presente momento, determina-se que previamente à realização da presente diligência se notifique a CNS Sade, Lda., na pessoa do Sr. Dr. Joaquim …, para que venha aos autos informar da data em concreto em que foi diagnosticado o síndroma demencial de que padece o Réu, bem como para vir aos autos esclarecer se à data de 04-01-2013, em face do referido síndroma, o Réu se mostrava capaz de perceber o sentido e alcance dos atos por si praticados e, em caso afirmativo, qual a data em que tal se deixou de verificar." P. No seguimento deste despacho, o Exmo. Senhor Professor Doutor Joaquim Ferreira emitiu novo parecer datado de 12/07/2016 (o qual consta da notificação remetida ao mandatário do R. em 20/07/2016. Ref.ª Citius 130017890), nos termos do qual: "Acompanho o doente em referência em consulta de neurologia desde 10.11.2012. Nesta data registei no processo clínico que o doente apresentava um defeito de memória com mais de um ano de evolução. Pela história clínica e a pela minha observação considerei nesse dia como hipótese diagnóstico que o doente apresentava uma síndroma demencial, tendo solicitado os exames de rotina para investigar este tipo de quadros clínicos. Por estes factos explícitos posso considerar que no dia desta observação o doente já apresentava critérios clínicos de demência. Reobservei o doente no dia 05.01.2013 tendo mantido o diagnóstico de demência e aumentado a dose de donepezilo, o que demonstra a minha valorização do defeito cognitivo apresentado. Relativamente à pergunta se o doente se encontrava capaz no dia 04.01.2013 de perceber o sentido e alcance de atos por si praticados posso apenas comentar o seguinte: nessa data e à minha interpretação já apresentava critérios clínicos de demência; a capacidade de ser responsabilizado pelos seus atos está também dependente da complexidade das situações com que se depara; contudo na data mencionada apresentava já um declínio cognitivo clinicamente relevante." Q. Em 17/11/2016, a MMa Juiz a quo despachou o seguinte (Ref.ª Citius 131406814): "Uma vez que do teor de fls. 472 dos autos não é possível extrair uma conclusão segura se o A. à data de 04/01/2013 se mostrava capaz de entender o sentido e alcance dos atos por si praticados, notifique a CNS Saúde, Lda. na pessoa do Senhor Dr. Joaquim Ferreira, para que venha aos autos informar se à data de 04-01-2013, o A. mostrava-se capaz de perceber o sentido e alcance da citação que lhe foi efetuada para os termos dos presentes autos e, as consequências daí emergentes para o próprio." R. Em resposta, o Exmo. Senhor Professor Doutor Joaquim Ferreira apresentou novo parecer datado de 24/11/2016 (notificada ao mandatário do R. com a notificação Ref.ª Citius 131783262 de 05/12/2016), no qual atesta, sem margem para quaisquer dúvidas, que: "o doente em referência, no dia 04.01.2013, não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados dado já apresentar critérios clínicos de demência." S. Ora não obstante, os relatórios médicos atestaram com clareza que na data da citação o R. José Sérgio …, padecia de demência em grau que não lhe permitia "compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados", a MMa Juiz a quo proferiu o despacho recorrido no qual considerou que: "Atendendo a este quadro clínico do R., que muito provavelmente terá sido diagnosticado em 2012 e, tendo em consideração que o R. foi citado para os termos da presente ação em 04-01-2013 (cfr. fls. 101 dos autos), levantou-se a questão se à data da citação, o R. estava capaz de facto de perceber o sentido e alcance de tal ato, bem como dos demais atos processuais posteriormente por si praticados. Esta questão assume uma relevância preponderante nos presentes autos, dado que se coloca a questão da própria capacidade jurídica e judiciária do R., entretanto falecido, dado que se verificando que o R, à data da sua citação, estava incapaz de perceber o sentido e alcance desse ato e, por inerência dos atos processuais posteriormente praticados, haveria necessidade de declarar a invalidade de todos os atos praticados pelo R. e, eventualmente, proceder-se à nomeação de um curador "ad Litem" ao R. nos termos do artigo 17º do Código de Processo Civil. Nessa sequência, determinou-se que previamente à realização da diligência de tomada de depoimento de parte e de inquirição de testemunhas e, perante a necessidade de esclarecimento da data em que se verificou o início do quadro clínico de que padecia o R. naquele momento, se notificasse a CNS Sade, Lda., na pessoa do Sr. Dr. Joaquim Ferreira para que viesse aos autos informar da data em concreto em que foi diagnosticado o síndroma demencial de que padecia o R., bem como para vir aos autos esclarecer se à data de 04-01-2013, em face do referido síndroma, o R. se mostrava capaz de perceber o sentido e alcance dos atos por si praticados e, em caso afirmativo, qual a data em que tal se deixou de verificar. Conforme resulta dos autos, o R. foi citado em 04.01.2013, outorgou mandato forense e apresentou contestação em 07.02.2013. Por requerimento junto aos autos 07.06.2016 e, com o fim de justificar a sua incapacidade para prestar depoimento de parte, o R. juntou declaração médica que, em síntese, atestava que o mesmo, àquela data, padecia de síndrome demencial, com consequente defeito cognitivo que limitava a sua capacidade para participar em qualquer audiência judicial (cf. fls. 462 a 465). Em cumprimento do determinado a fls. 466 a 468 dos autos, foi elaborado e junto aos autos o relatório médico, datado de 12.07.2016, constante de fls. 472 dos autos, no qual se refere que o R. era acompanhado pelo médico subscritor do mesmo, desde 10.11.2012, apresentando nessa altura "defeito de memória com mais de um ano de evolução" e "apresentava critérios clínicos de demência", mais concluindo que aquele, em 04.07.2013 "apresentava já um declínio cognitivo relevante".(...) "Subscrevemos nesta sede o entendimento da Digna Magistrada do Ministério Público, quando refere que a demência é uma patologia de evolução, sendo que se vai agravando com o decorrer dos anos e com o avançar da idade do doente, pelo que se admite como possível (se não provável) que em 2016, o R. apresentasse os sintomas da doença num estado bem mais premente, avançado e significativo do que apresentava em janeiro de 2013. Acresce que o R. contestou os termos da presente ação e, constituiu mandatário nos autos, o que revela que dispunha ainda do necessário discernimento à data da citação, para saber o sentido e alcance de tais atos, tanto assim que contestou a ação, sendo que em momento algum, até à data designada para a tomada de depoimento de parte ao mesmo, o R., através do seu mandatário, tivesse suscitado uma eventual incapacidade de facto do R. Por outro lado, importa atentar que a nulidade de todo o processado depois da petição apenas ocorre, no que se reporta à citação, quando o R. não tenha sido citado e, a falta de citação só se verifica nos casos previstos no artigo 188º do C. P. C. Porém, se o R. intervier no processo sem arguir logo a falta de citação, considera-se sanada a nulidade - cfr. artigo 189º do C. P. C.. No caso dos autos, o R interviu e não arguiu qualquer falta de citação. Fora dos casos previstos no artigo 188º do C P C, rege o disposto no artigo 191º do C. P. C., quanto aos demais casos de nulidade da citação e, para que estes casos sejam conhecidos, terão que ser arguidos nos termos previstos no referido normativo legal, arguição essa que "in casu " também não ocorreu. Daí que não se tendo verificado qualquer umas circunstâncias previstas nos artigos 188º e 191º do C. P. C. e, face à contestação apresentada pelo R. e a constituição de mandatário pelo mesmo, é forçoso concluir que, a data da citação, o R. entendia o conteúdo e alcance dos atos de citação e de constituição de mandatário. De outra vertente apreciada e, conforme refere a Digna Magistrada do Ministério Público, não há notícia nos autos de que tenha sido requerida a interdição do R., a fim de atestar a sua incapacidade. Termos em que pelos fundamentos expostos, a citação do R. para os termos da presente ação mostra-se válida e eficaz, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos legais, o que se determina. Notifique." T. Ora, andou mal a decisão recorrida, a qual procedeu a: • uma incorreta valoração dos relatórios médicos constantes dos autos, que levam forçosamente a concluir que em 04/01/2013 o R. padecia de anomalia psíquica que o incapacitava de "compreender o sentido e alcance dos atos”, carecendo de capacidade para receber a citação assim como de capacidade para cabalmente e conscientemente se determinar e tomar posição, padecendo consequentemente de falta de capacidade judiciária; • uma incorreta interpretação e aplicação dos infra especificados preceitos do CPC, que deveriam ter sido interpretados nos termos abaixo indicados. U. A formação académica de Juízes, Procuradores e Advogados não lhes confere, s.m.o., conhecimentos científicos para concluir em sentido contrário a um relatório médico, pelo que uma decisão antagónica aos juízos técnico-científicos constantes dos relatórios médicos juntos aos autos careceria sempre de ser justificada com base em razões de ciência documentadas através de outro relatório ou parecer médico. V. Ora, tal não acontece na decisão recorrida. W. Acresce que o despacho recorrido não faz qualquer referência ao relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Prof. Doutor Joaquim Ferreira em 24/11/2016 na sequência do despacho de (17/11/2016), pelo que tal relatório não foi tido em consideração pelo Tribunal a quo. X. Deste relatório de 24/11/2016 médico elaborado pelo Exmo. Senhor Prof. Doutor Joaquim Ferreira neurologista que acompanhava o R. José Sérgio … que resulta sem margem para dúvidas que "o doente em referência, no dia 04.01.2013, não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados dado já apresentar critérios clínicos de demência." V. Note-se, inclusivamente, que este médico observou o falecido R. no dia seguinte ao da suposta citação, tendo reforçado a medicação para Alzheimer - cf. relatório de 12/07/2016. Z. Face ao exposto, verifica -se que à data da citação o falecido R. estava incapaz em razão de anomalia psíquica, o que deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo no despacho recorrido. AA. Nos termos do n.º 1 do art. 16.º do CPC "os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador". AB. Por sua vez, o n.º 1 do art. 17.º do mesmo diploma dispõe que "se o incapaz não tiver representante geral deve requerer-se a nomeação dele ao tribunal competente, sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório pelo juiz da causa, em caso de urgência." AC. Resulta destes preceitos que quem tenha a sua capacidade de discernimento afetada em razão de anomalia psíquica carece de capacidade judiciária, não podendo estar por si só em juízo - cf. art. 15º, n.º 1. AO. Como tal, a citação efetuada a quem não tenha capacidade para se determinar e compreender o sentido e alcance dos atos configura uma violação do art. 234.º do CPC, estando ferida de nulidade, assim como os restantes atos do R. incapaz, AE. Vícios que influem no exame e boa decisão da causa, devendo nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 195º do CPC ser anulado todo o processado. AF. Acresce que nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 188.º do CPC existe falta de citação "quando se demostre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável". AG. Ora, a razão de ser da proteção dispensada ao R. que não tem conhecimento da citação por motivo não imputável é axiologicamente igual à que deve ser dispensada ao R. que, apesar de ter recebido a citação, não tem por força de anomalia psíquica capacidade para efetivamente se determinar em função da citação nem para cabalmente exercer os seus direitos incluindo o contraditório, AH. Impõe -se, pois, a aplicação analógica ou uma interpretação extensiva deste preceito no sentido de que existe falta de citação quando o R. não tem capacidade para cabalmente compreender o sentido dos atos e capazmente se determinar/ tomar posição face à citação recebida. AI. E não se diga que tal falta de citação ficou sanada pela circunstância de o R. ter apresentado contestação sem arguir a falta de citação, pois se o mesmo padecia de capacidade para "compreender o sentido e alcance dos atos", igualmente não dispunha de capacidade para praticar atos processuais e muito menos para arguir tal vício. AJ. Assim, igualmente pela via da falta de citação deve ser determinado que a citação efetuada ao incapaz José Sérgio … não produziu quaisquer efeitos, devendo ser anulado todo o processado. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, sendo revogada a decisão recorrida e substituída por nova que declare nula/inválida a citação do falecido R. José Sérgio …, anulando todo o processado. O autor não contra-alegou. Colhidos os vistos[4], cumpre decidir. OBJETO DO RECURSO[5],[6] Emerge das conclusões de recurso apresentadas por CECÍLIA MARIA… , SÉRGIO MARTINS…, CARLOS ALBERTO…, e CLARA MARIA…, ora apelantes, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Saber se à data da citação o réu estava capaz de perceber o sentido e alcance desse ato. 2.) Saber quais as consequências jurídicas caso o réu não estivesse capaz de perceber o sentido e alcance do ato de citação. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS 1.) O R. José Sérgio … foi citado para os termos da ação, em 09 de janeiro de 2013, por carta registada com aviso de receção. 2.) O R. José Sérgio … apresentou, em 07 de fevereiro de 2013, contestação e outorgou procuração forense, datada de 15 de janeiro de 2013. 3.) O R. José Sérgio … pronunciou-se, em 19 de abril de 2013, quanto ao incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo autor. 4.) Autor e réu, em 20 de novembro de 2015, requereram a suspensão da instância por 45 dias, o que por foi deferido, por despacho proferido na mesma data. 5.) O R. José Sérgio …, em 01 de junho de 2016, juntou relatório médico nos termos do qual o Professor Doutor Joaquim Ferreira, médico do Centro Neurológico Sénior, atestou o seguinte: "Acompanho o docente em referência desde 2012. Apresenta um quadro clinico compatível com diagnóstico de síndroma demencial. A gravidade atual deste quadro clínico condiciono um defeito cognitivo que limita a capacidade para participar em qualquer audiência judicial”. 6.) Após a sua junção, em 21 de junho de 2016, foi proferido o seguinte despacho: "Conforme resulta do requerimento de fls. 462 e seguintes e, nomeadamente do documento de fls. 465, o Réu padece de síndroma demencial, sendo acompanhado por médico desde 2012. (...) muito provavelmente terá sido diagnosticado em 2012 e, tendo em consideração que o Réu foi citado para os termos da presente ação em 04-01-2013 (cfr. fls. 101 dos autos), levanta-se a questão se à data da citação, o Réu estava capaz de facto de perceber o sentido e alcance de tal ato, bem como dos demais atos processuais posteriormente por si praticados. Esta questão assume uma relevância preponderante nos presentes autos, dado que se coloca a questão da própria capacidade jurídica e judiciária do Réu. Nessa medida e, porque verificando-se que o Réu, à data da sua citação estava incapaz de perceber o sentido e alcance desse ato e, por inerência dos atos processuais posteriormente praticados, haverá necessidade de declarar a invalidade de todos os atos praticados pelo Réu e, eventualmente, proceder-se à nomeação de um curador "ad /item "ao Réu nos termos do artigo 17º do Código de Processo Civil. Em face do exposto e, perante a necessidade de esclarecimento da data em que se verificou o início do quadro clínico de que padece o Réu no presente momento, determina-se que previamente à realização da presente diligência se notifique a CNS Sade, Lda., na pessoa do Sr. Dr. Joaquim Ferreira, para que venha aos autos informar da data em concreto em que foi diagnosticado o síndroma demencial de que padece o Réu, bem como para vir aos autos esclarecer se à data de 04-01-2013, em face do referido síndroma, o Réu se mostrava capaz de perceber o sentido e alcance dos atos por si praticados e, em caso afirmativo, qual a data em que tal se deixou de verificar." 7.) No seguimento deste despacho, o Professor Doutor Joaquim Ferreira emitiu novo parecer datado de 12/07/2016, nos termos do qual: "Acompanho o doente em referência em consulta de neurologia desde 10.11.2012. Nesta data registei no processo clínico que o doente apresentava um defeito de memória com mais de um ano de evolução. Pela história clínica e a pela minha observação considerei nesse dia como hipótese diagnóstico que o doente apresentava uma síndroma demencial, tendo solicitado os exames de rotina para investigar este tipo de quadros clínicos. Por estes factos explícitos posso considerar que no dia desta observação o doente já apresentava critérios clínicos de demência. Reobservei o doente no dia 05.01.2013 tendo mantido o diagnóstico de demência e aumentado a dose de donepezilo, o que demonstra a minha valorização do defeito cognitivo apresentado. Relativamente à pergunta se o doente se encontrava capaz no dia 04.01.2013 de perceber o sentido e alcance de atos por si praticados posso apenas comentar o seguinte: nessa data e à minha interpretação já apresentava critérios clínicos de demência; a capacidade de ser responsabilizado pelos seus atos está também dependente da complexidade das situações com que se depara; contudo na data mencionada apresentava já um declínio cognitivo clinicamente relevante." 8.) Em 17 de novembro de 2016, foi proferido o seguinte despacho: "Uma vez que do teor de fls. 472 dos autos não é possível extrair uma conclusão segura se o A. à data de 04/01/2013 se mostrava capaz de entender o sentido e alcance dos atos por si praticados, notifique a CNS Saúde, Lda. na pessoa do Senhor Dr. Joaquim Ferreira, para que venha aos autos informar se à data de 04-01-2013, o A. mostrava-se capaz de perceber o sentido e alcance da citação que lhe foi efetuada para os termos dos presentes autos e, as consequências daí emergentes para o próprio." 9.) Em resposta, o Professor Doutor Joaquim Ferreira apresentou novo parecer datado de 24/11/2016, no qual atesta, que: "o doente em referência, no dia 04.01.2013, não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados dado já apresentar critérios clínicos de demência." 10.) Em 10 de julho de 2020, foi proferido o seguinte despacho: “Conforme resulta do requerimento de fls. 462 e seguintes dos autos e, nomeadamente do documento de fls. 464, o R. padecia de síndroma demencial, sendo acompanhado por médico desde 2012. Atendendo a este quadro clínico do R., que muito provavelmente terá sido diagnosticado em 2012 e, tendo em consideração que o R. foi citado para os termos da presente ação em 04-01-2013 (cfr. fls. 101 dos autos), levantou-se a questão se à data da citação, o R. estava capaz de facto de perceber o sentido e alcance de tal ato, bem como dos demais atos processuais posteriormente por si praticados. Esta questão assume uma relevância preponderante nos presentes autos, dado que se coloca a questão da própria capacidade jurídica e judiciária do R., entretanto falecido, dado que se verificando que o R, à data da sua citação, estava incapaz de perceber o sentido e alcance desse ato e, por inerência dos atos processuais posteriormente praticados, haveria necessidade de declarar a invalidade de todos os atos praticados pelo R. e, eventualmente, proceder-se à nomeação de um curador "ad Litem" ao R. nos termos do artigo 17º do Código de Processo Civil. Nessa sequência, determinou-se que previamente à realização da diligência de tomada de depoimento de parte e de inquirição de testemunhas e, perante a necessidade de esclarecimento da data em que se verificou o início do quadro clínico de que padecia o R. naquele momento, se notificasse a CNS Sade, Lda., na pessoa do Sr. Dr. Joaquim Ferreira para que viesse aos autos informar da data em concreto em que foi diagnosticado o síndroma demencial de que padecia o R., bem como para vir aos autos esclarecer se à data de 04-01-2013, em face do referido síndroma, o R. se mostrava capaz de perceber o sentido e alcance dos atos por si praticados e, em caso afirmativo, qual a data em que tal se deixou de verificar. Conforme resulta dos autos, o R. foi citado em 04.01.2013, outorgou mandato forense e apresentou contestação em 07.02.2073. Por requerimento junto aos autos 07.06.2016 e, com o fim de justificar a sua incapacidade para prestar depoimento de parte, o R. juntou declaração médica que, em síntese, atestava que o mesmo, àquela data, padecia de síndrome demencial, com consequente defeito cognitivo que limitava a sua capacidade para participar em qualquer audiência judicial (cf. fls. 462 a 465). Em cumprimento do determinado a fls. 466 a 468 dos autos, foi elaborado e junto aos autos o relatório médico, datado de 12.07.2016, constante de fls. 472 dos autos, no qual se refere que o R. era acompanhado pelo médico subscritor do mesmo, desde 10.11.2012, apresentando nessa altura "defeito de memória com mais de um ano de evolução" e "apresentava critérios clinicas de demência", mais concluindo que aquele, em 04.07.2013 "apresentava já um declínio cognitivo relevante ".(...) "Subscrevemos nesta sede o entendimento da Digna Magistrada do Ministério Público, quando refere que a demência é uma patologia de evolução, sendo que se vai agravando com o decorrer dos anos e com o avançar da idade do doente, pelo que se admite como possível (se não provável) que em 2016, o R. apresentasse os sintomas da doença num estado bem mais premente, avançado e significativo do que apresentava em janeiro de 2013. Acresce que o R. contestou os termos da presente ação e, constituiu mandatário nos autos, o que revela que dispunha ainda do necessário discernimento à data da citação, para saber o sentido e alcance de tais atos, tanto assim que contestou a ação, sendo que em momento algum, até à data designada para a tomada de depoimento de parte ao mesmo, o R., através do seu mandatário, tivesse suscitado uma eventual incapacidade de facto do R. Por outro lado, importa atentar que a nulidade de todo o processado depois da petição apenas ocorre, no que se reporta à citação, quando o R. não tenha sido citado e, a falta de citação só se verifica nos casos previstos no artigo 188º do C. P. C. Porém, se o R. intervier no processo sem arguir logo a falta de citação, considera se sanada a nulidade - cfr. artigo 189º do C. P. C.. No caso dos autos, o R interviu e não arguiu qualquer falta de citação. Fora dos casos previstos no artigo 188º do C P C, rege o disposto no artigo 191º do C. P. C., quanto aos demais casos de nulidade da citação e, para que estes casos sejam conhecidos, terão que ser arguidos nos termos previstos no referido normativo legal, arguição essa que "in casu" também não ocorreu. Daí que não se tendo verificado qualquer umas circunstâncias previstas nos artigos 188º e 191º do C. P. C. e, face à contestação apresentada pelo R. e a constituição de mandatário pelo mesmo, é forçoso concluir que, a data da citação, o R. entendia o conteúdo e alcance dos atos de citação e de constituição de mandatário. De outra vertente apreciada e, conforme refere a Digna Magistrada do Ministério Público, não há notícia nos autos de que tenha sido requerida a interdição do R., a fim de atestar a sua incapacidade. Termos em que pelos fundamentos expostos, a citação do R. para os termos da presente ação mostra-se válida e eficaz, devendo os autos prosseguiram os seus ulteriores termos legais, o que se determina. Notifique." 2.2. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7]. 1.) SABER SE À DATA DA CITAÇÃO O REÚ ESTAVA CAPAZ DE PERCEBER O SENTIDO E ALCANCE DESSE ATO. Se a citação não puder realizar-se por estar o citando impossibilitado de a receber, em consequência de notória anomalia psíquica ou de outra incapacidade de facto, o agente de execução ou o funcionário judicial dá conta da ocorrência, dela se notificando o autor – nº 1, do art. 234º, do CPCivil. A verificação de anomalia psíquica ou de qualquer outra incapacidade de facto apenas deve conduzir ao mecanismo alternativo à citação direta do demandado quando se apresente com gravidade suficiente de molde a comprometer o exercício dos seus direitos processuais[8]. Os atributos do ato de citação dispensam desenvolvidas considerações acerca da necessidade de o sistema processual civil assegurar a todos os demandados que, por si ou por interposta pessoa, tenham efetiva consciência da natureza do ato que lhes é comunicado ou estejam em condições físicas de apreenderem o seu sentido e de acionarem os respetivos meios de defesa[9]. No nº 1 não se exige a gravidade do motivo da impossibilidade, mas sim que a anomalia psíquica seja notória, em consonância com o art. 257 CC[10]. Contrariamente ao regime anterior, pode ser ordenado qualquer meio de prova, ainda que, naturalmente, sobreleve a prova pericial a produzir no processo e o atestado médico[11]. Verificada uma situação de incapacidade de facto para receber a citação, o juiz nomeia curador provisório, com a exclusiva incumbência de representar o réu no processo, o qual exercerá as suas funções se e enquanto se mostrar necessário, ou seja, enquanto perdurar a situação de incapacidade de facto ou enquanto não for judicialmente nomeado representante[12]. Ora, do parecer médico de 24/11/2016, resulta que o réu, “no dia 04.01.2013, não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados dado já apresentar critérios clínicos de demência”. Assim, à data da citação (o tribunal a quo considerou que o réu foi citado em 04.01.2013, quando o foi em 09.01.2013, como se verifica pela data aposta no aviso de receção)[13], “encontrando-se o réu incapaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticado”, estava “incapaz também de perceber o sentido e alcance do ato de citação”. Concluindo, o réu à data da citação apresentava um quadro clínico de demência, estando por força dessa anomalia, incapaz de compreender o sentido e alcance do ato de citação. As pessoas que, por anomalia psíquica ou outro motivo grave, estejam impossibilitadas de receber a citação para a causa são representadas nela por um curador especial – nº 1, do art. 20º, do CPCivil. Reconhecida a incapacidade, temporária ou duradoura, é nomeado curador provisório ao citando, no qual é feita a citação – nº 3, do art. 234º, do CPCivil. Estando o réu incapacitado de receber a citação por anomalia psíquica, deveria ter-lhe sido nomeado curador provisório, na pessoa do qual deveria ser feita a sua citação. Ora, como resulta dos autos, pese embora o réu estivesse impossibilitado de receber a citação por força de anomalia psíquica, não lhe foi nomeado curador provisório, e nem neste efetuada a citação. 2.) SABER QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS CASO O RÉU NÃO ESTIVESSE CAPAZ DE PERCEBER O SENTIDO E ALCANCE DO ATO DE CITAÇÃO. Como se referiu, embora o réu estivesse impossibilitado de receber a citação por força de anomalia psíquica, ela foi efetuada na sua pessoa, e este contestou a ação, e constituiu mandatário judicial. Quid juris? O ato de citação pode ficar inquinado por duas espécies de vícios distintos e de consequências bem diversas: falta de citação e nulidade da citação[14]. Dá-se a falta de citação quando o ato se omitiu; dá-se a nulidade da citação quando o ato se praticou, mas não se observaram, na realização dele, as formalidades prescritas na lei[15]. Há falta de citação quando o ato não é praticado na direção do seu destinatário, ou por ter sido completamente omitido (art. 188-a-a), ou por ter havido erro de identidade do réu (art. 188-1-b) ou por este já ter falecido ou, sendo uma pessoa coletiva, esta estar já extinta (art. 188-1-d). Mas duas outras situações são equiparadas a estas: a de grande probabilidade de o réu não saber da propositura da ação; a de certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação quase-pessoal[16]. Há nulidade da citação quando o ato se realiza com falta de alguma formalidade prescrita na lei. Por formalidade deve entender-se qualquer elemento, de conteúdo ou de forma, exigido pelo art. 227 ou específico da modalidade de citação utilizada[17]. No caso dos autos, embora o réu estivesse impossibilitado de receber a citação por força de anomalia psíquica, a citação foi efetuada na sua pessoa. Mas, se o agente de execução ou o funcionário efetuar a citação, nomeadamente por não constatar a impossibilidade, ou se tiver lugar modalidade de citação que não permita a constatação, tal não impedirá a invocação da impossibilidade de facto, a menos que pela sua transitoriedade, não comprometa a finalidade do ato[18]. A ocorrência de incapacidade de facto no momento da citação continua, no caso de citação pelo funcionário de justiça, a ser regida tão-só pela norma que hoje encontramos no art. 234, sem prejuízo de, quando exista e o funcionário faça a citação ou esta seja postal, poder fundar a arguição da nulidade do ato, nos termos gerais de direito[19]. Assim sendo, não estamos perante um caso de falta de citação[20] (art. 188º, do CPCivil), nem de nulidade da citação (art. 191º, do CPCivil) do réu, mas de uma nulidade por omissão de um ato prescrito pela lei (art. 195º, nº 1, do CPCivil), no caso, a nomeação de um curador provisório ao citando para o representar no processo (art. 234º, nº 3, do CPCivil). A prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – nº 1, do art. 195º, do CPCivil. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um ato que é imposto por essa tramitação. Só há nulidade processual quando o vício respeita ao ato como trâmite, não ao ato como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte[21]. Temos, pois, que tendo a citação sido efetuada na pessoa do réu, e estando este incapacitado de a receber por anomalia psíquica, quando a citação o deveria ter sido feita na pessoa de um curador provisório, pode ser arguida a nulidade do ato nos termos gerais de direito, no caso, por omissão de um ato prescrito pela lei[22]. Estando o réu impossibilitado de receber a citação por força de anomalia psíquica, e não lhe tendo sido nomeado curador provisório para neste ser efetuada a citação, quando o deveria ter sido (art. 234º, nº 3, do CPCivil), foi omitido um ato que a lei prescreve, irregularidade essa, com influência no exame ou decisão da causa (art. 195º, nº 1, do CPCivil). E poderá ainda ser arguida a nulidade, ou, de outro modo, até quando poderia a mesma ser arguida, atendendo a que o réu contestou a ação e constituiu mandatário judicial? Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – nº 1, do art. 199º, do CPCivil. Quando a parte não estiver presente, o prazo de arguição (que é o geral: 10 dias) conta-se a partir do momento em que, depois de cometida a irregularidade, a parte intervier no processo em que, depois de cometida a irregularidade, a parte intervier no processo ou em que foi notificada para qualquer efeito posterior, desde que, no último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento do vício ou podia ter tomado, se agisse com diligência[23]. Quando a nulidade é praticada na ausência da parte, tem esta, para a arguir, o prazo geral de 10 dias (art. 149-1), contados a partir da data em que intervém em ato processual posterior, é notificada para ato processual posterior[24]. Ora, a irregularidade processual foi cometida quando o réu foi citado, isto é, em 04-01-2013, tendo, porém, após esta data, em 07.02.2013, intervindo no processo, outorgando mandato forense e apresentando contestação. Assim, o prazo de 10 dias para invocar qualquer nulidade respeitante à irregularidade cometida começou a correr a 07.02.2013, data em que o réu inequivocamente interveio no processo, ao apresentar contestação e outorgar mandato forense. A invocação por parte dos apelantes da nulidade de um ato praticado em 13-01-2013, apenas nas alegações de recurso [após ter tido intervenção no processo em 07.02.2013, ao apresentar contestação e outorgar mandato forense; de se ter pronunciado em 19.04.2013 sobre incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo autor; de ter em 20.11.2015 requerido a suspensão da instância por 45 dias, e de em 01.06.2016 apresentar relatório médico (onde atesta a sua limitação para participar em qualquer audiência judicial)], é claramente intempestiva, pois o prazo de 10 dias para o efeito previsto há muito que decorreu. Temos, pois, por se tratar de uma nulidade processual, a mesma deveria ter sido arguida perante o tribunal a quo, nos termos dos arts. 196.º, 197.º, nº 1, 199.º, nº 1 e 149.º, todos do CPCivil, pelo que, não tendo havido tal arguição dentro do prazo legal de 10 dias após a data em que o réu interveio no processo, está a mesma sanada[25]. Concluindo, tendo sido praticada uma nulidade processual atípica pelo tribunal (não nomeando curador provisório ao citando para o representar no processo), mas não tendo sido arguida no prazo de 10 dias, contados a partir da data em que interveio no processo, a mesma considera-se sanada. Assim: - O réu, à data da citação, apresentava um quadro clínico de demência, estando por força dessa anomalia, incapaz de compreender o sentido e alcance do ato de citação; - Estando o réu incapacitado de receber a citação por anomalia psíquica, deveria ter-lhe sido nomeado curador provisório, na pessoa do qual seria feita a sua citação; - Embora o réu estivesse impossibilitado de receber a citação por força de anomalia psíquica, não lhe foi nomeado curador provisório, e nem neste efetuada a citação; - A citação foi efetuada na pessoa do réu, tendo contestado a ação, e constituído mandatário judicial; - Não lhe tendo sido nomeado curador provisório para neste ser efetuada a citação, quando o deveria ter sido, foi omitido um ato que a lei prescreve, irregularidade essa, com influência no exame ou decisão da causa; - Tendo sido praticada uma nulidade processual atípica pelo tribunal, mas não arguida no prazo legal de 10 dias, contados a partir da data em que o réu interveio no processo, a mesma considera-se sanada. Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de apelação, há que confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida. 3.2. REGIME DE CUSTAS Custas pelos apelantes (na vertente de custas de parte, por outras não haver[26]), porquanto a elas deu causa por terem ficado vencidos[27]. Lisboa, 2021-03-11[28],[29] Nelson Borges Carneiro Pedro Martins Inês Moura _______________________________________________________ [1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. [2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. [3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil. [4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil. [5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso. [6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir. [7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829. [8] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., pp. 286/87. [9] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 287. [10] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 471. [11] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 471. [12] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 288. [13] Assim, apesar de o réu ter sido citado em 09.01.2013, e não em 04.01.2013, entendemos que também naquela data, “não se encontrava capaz de compreender o sentido e alcance dos atos por si praticados dado já apresentar critérios clínicos de demência”. [14] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, anotado, vol. 1º, p. 312. [15] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, anotado, vol. 1º, p. 312. [16] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, pp. 92/3. [17] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, pp. 93. [18] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 78. [19] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 389. [20] Propunha o projeto de revisão outra causa de falta de citação: esta teria ainda lugar “quando a citação (houvesse) sido efetuada apesar de se verificar incapacidade de facto do citado para a receber” – LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 389. [21] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “O que é uma nulidade processual?”, post publicado em 2018-04-17. [22] O Ac. Tribunal da Relação de Évora de 1981-12-03, Relator: AUGUSTO CABRAL GOUVEIA, CJ, ano 5º, pp. 327/28, entendeu que “O facto de o réu ter sido citado, por o oficial de justiça não se ter apercebido de qualquer anomalia psíquica, não impede que, demostrando-se a demência do citado no processo próprio, esta não seja fundamento da anulação da citação”, não sendo, porém, uma situação idêntica à destes autos, pois além de existir uma ação de interdição intentada contra o réu, o tribunal não apreciou, em concreto, quais as consequências da citação em incapaz de facto. [23] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 249. [24] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 409. [25] Está tal decisão ferida de nulidade, face à grave omissão praticada pelo Juiz, devendo, contudo, a mesma ser arguida no prazo de dez dias após o seu conhecimento. Passado esse prazo e só sendo tal nulidade arguida nas alegações do recurso interposto, está a mesma sanada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-14, Relator: SERRA BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/jstj. [26] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8. [27] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil. [28] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09. [29] Acórdão assinado digitalmente. |