Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/25.9T1VFX-A.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: TRATAMENTO INVOLUNTÁRIO AMBULATÓRIO
SESSÃO CONJUNTA
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Sumário:
I. A realização da sessão conjunta não pressupõe a existência de um requerido internado, tratando-se antes de diligência realizada com vista a ser proferida decisão judicial respeitante ao tratamento involuntário do requerido (a ter lugar em internamento ou em ambulatório) ou o arquivamento do processo.
II. O tratamento involuntário, ainda que em ambulatório, mantém o carácter compulsivo, constituindo, nessa medida, uma restrição da liberdade da pessoa a ele sujeita. Também por isso, e não distinguindo a Lei as formalidades processuais a observar para o regime de internamento ou de ambulatório, antes referindo globalmente o tratamento involuntário, não podem deixar de observar-se todas as formalidades ali prescritas, só assim se cumprindo o contraditório. E para o cumprimento do contraditório é essencial a realização da sessão conjunta, como resulta da própria estrutura e objectivo da sessão.
III. Ao não proceder à sessão conjunta antes de proferir decisão final nos termos do art. 33º da Lei de Saúde Mental, o Mmo. Juiz recorrido preteriu a realização de diligência obrigatória e incorreu na nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119º, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi o disposto no art. 37º da Lei de Saúde Mental.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
No âmbito do Inquérito com o nº 5/25.9T1VFX que corre termos no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, vem o Ministério Público interpor recurso do despacho (proferido em 9.04.2025) que indeferiu a promoção para que fosse designada data para sessão conjunta.
Pede que, na procedência do recurso, se determine a substituição do despacho recorrido por outro que determine a realização de sessão conjunta, diligência que entende de realização obrigatória. Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1. No âmbito dos presentes autos, na sequência de comunicação remetida pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital ..., foi informado que AA, que padece de PSICOSE SOE havia sido internado compulsivamente, em virtude do mesmo evidenciar, em ........2025, alterações formais do pensamento, nomeadamente, de cariz delirante e alucinatório, ideação persecutória dirigida a terceiros, agitação física, períodos de agitação e heteroagressividade, realidade que consubstanciava um risco significativo para a sua integridade física e vida, vide ref.ª 16337854.
2. Na sequência da comunicação recepcionada, mais concretamente por se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos de facto e de Direito, foi, por despacho datado de ........2025, decidido manter e confirmar o internamento involuntário de AA, vide ref.ª 164153512.
3. No seguimento do exposto, foi junto nova avaliação clínico-psiquiátrica, nos termos do art.º 33.º, n.º 1 da Lei 35/2023 de 21.07, (vide ref.ª 16370361), tendo sido promovida a designação/ agendamento de data para sessão conjunta (vide ref.ª 164259464.
4. Não obstante o exposto, não foi designada data para sessão conjunta, sendo que, após ter sido recebida indicação do ... de que, em virtude do requerido ter evidenciado, no decorrer do internamento, uma melhoria clínica em virtude de ter sido reposta a terapêutica clínica, o tratamento involuntário em internamento teria sido substituído por tratamento em ambulatório (vide ref.ª 16502786), foi, em 09.04.2025, proferido despacho com o seguinte teor:
“…Ref.ª 164703599 (de 7/4/2025) – Desde já se consigna que o ora signatário considera que, atento o processado, não haverá necessidade de ocorrer a diligência de sessão conjunta, uma vez que a mesma tem como conditio sine qua non a existência de um requerido(a) internado(a) (cfr. arts. 21º e 22º da N.L.S.M.), o que já não sucede, além de que não permitiria que fosse tomada uma decisão nos moldes previstos no art. 20º da N.L.S.M.
Acresce que nada obsta a que, em momento posterior e caso o(a) requerido(a) não cumpra o tratamento involuntário em regime ambulatório, venha a ser agendada, então, a sessão conjunta sub judice.
Consta do teor do relatório, junto em 1/4/2025, que o paciente apresentava ideias delirantes de prejuízo envolvendo os pais, interpretações delirantes e angústia psíquica secundária. Apresentou alterações de comportamento, incluindo episódios de heteroagressividade dirigida a objectos, ameaças à integridade física de familiares e isolamento social importante, com disfunção sócio-ocupacional. Ficou internado involuntariamente, cumprindo o tratamento, e apresentando melhoria, porém, continua sem qualquer crítica para os sintomas psicóticos pregressos, para a sua doença ou necessidade de tratamento. Tudo isto levou a que os médicos tivessem concluído que o tratamento involuntário em regime ambulatório corresponda à terapêutica adequada.
Assim, não constando dos autos qualquer elemento que coloque em causa o propugnado na A.C.P., determina o Tribunal a substituição do tratamento involuntário em internamento por tratamento involuntário em regime ambulatório, relativamente ao paciente AA, uma vez que estão preenchidos os seus pressupostos, nos termos conjugados do art. 15º, n.º 1, als. a), c) e subalíneas i) e ii) e n.º 3, da N.L.S.M., devendo continuar a ocorrer a revisão prevista no art. 25º (sob a epígrafe “[r]evisão da decisão”) da N.L.S.M., prosseguindo, desse modo, os autos.
Notifique, em conformidade, os diversos intervenientes processuais…”.
5. Ora, o Ministério Público não concorda com o teor do supramencionado despacho judicial, uma vez que o mesmo, em nosso entendimento, não só é desprovido de suporte legal, mas também viola o que legalmente se encontra previsto nos art.º 21.º, n.º 1, 27.º ex vi art.º 33.º, todos da Lei 35/2023 de 21.07.
6. Analisados os referidos preceitos legais, em nosso entendimento, não resulta qualquer causa que fundamente a desnecessidade da realização da sessão conjunta, ao invés, verificamos que o tratamento involuntário em regime ambulatório, não obstante o consentimento do internando, tem subjacente a possibilidade de sujeição do doente a tratamento em regime de internamento, sempre que o requerido deixe de cumprir as condições estabelecidas para o tratamento em ambulatório, mediante comunicação ao tribunal competente.
7. De acrescentar que, em nosso entendimento, o legislador nacional, com a nova Lei de Saúde Mental, além do mais, pretendeu, na realidade, sublinhar e reforçar o regime instituído pela Lei 36/98 de 24.07, no decorrer da qual, o art.º 19.º, n.º 1 dispunha, ao invés da Lei 35/2023 de 21.07, que “…Na sessão conjunta é obrigatória a presença do defensor do internando e do Ministério Público…”, sendo que, ao substituir a expressão “internando” ( art.º 19.º, n.º1 Lei 36/98 de 24.07) por “requerido” (art.º 21.º da Lei 35/2023 de 21.07) o legislador pretendeu ultrapassar quaisquer dúvidas ou extinguir práticas judiciárias inadequadas existentes, e por conseguinte, impor, sem qualquer margem para dúvidas, que, em todos os processos de tratamento involuntário, quer o requerido se encontre a beneficiar de tratamento involuntário em regime de internamento ou em regime de ambulatório, teria de ser agendada e realizada a diligência de sessão conjunta.
8. Efectuada uma análise a todas as supramencionadas disposições legais, resulta, em qualquer margem para dúvidas, que a sessão conjunta está prevista como uma diligência obrigatória do processo de tratamento involuntário, a qual deve preceder a decisão final, sendo que, tal obrigatoriedade existe, quer se trate do processo resultante de internamento de urgência, atenta a remissão do art.º 33.º, n.º 3 da Lei 35/2023 de 21.07, aplicando-se a todas as situações de tratamento involuntário, ou seja, quer o requerido se encontre em internamento ou em ambulatório, vide art.ºs 22.º, n.º 3 e 4, 23.º, n.º 2, al. d) e 33.º, n.º 4, todos da Lei 35/2023 de 21.07.
9. Pelo exposto, consideramos que a não realização da diligência de sessão conjunta consubstancia uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119.º, alínea d), do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no art.º 37.º, da Lei de Saúde Mental, uma vez que a mesma é obrigatória.
10. De acrescentar que, por força do disposto do art.º 5.º da Lei n.º 35/2023, um dos objetivos da política de saúde mental é promover a titularidade efetiva dos direitos fundamentais das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e combater o estigma face à doença mental, pelo que, apenas e tão-só através da realização da sessão conjunta tais direitos podem ser, devidamente, acautelados.
11. Pelo exposto, consideramos que o despacho recorrido deve ser substituído por outro que determine a realização de uma sessão conjunta, diligência de realização obrigatória, uma vez que apenas mediante a sua realização poderá assegurar-se o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos requeridos em processos de tratamento involuntário, com a presença obrigatória do defensor ou mandatário constituído e do Ministério Público (cfr. artigos 21º e 22º, da Lei da Saúde Mental), por forma a acautelar a legalidade do processo e o princípio do contraditório, tendo o Tribunal a quo violado as disposições conjugadas dos artigos 8.º, 14.º, 15.º, 19.º, 20.º, 21.º, 23.º, 27.º, 33.º, n.º 3, da Lei n.º 35/2023 de 21 de Julho (Nova Lei de Saúde Mental), artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
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Não houve contra-alegações.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de acompanhar, na íntegra, o recurso apresentado, remetendo para a fundamentação inserta na mesma peça processual “por uma questão de economia processual”.
Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
A decisão recorrida é a seguinte:
Ref.ª 164703599 (de 7/4/2025) – Desde já se consigna que o ora signatário considera que, atento o processado, não haverá necessidade de ocorrer a diligência de sessão conjunta, uma vez que a mesma tem como conditio sine qua non a existência de um requerido(a) internado(a) (cfr. arts. 21º e 22º da N.L.S.M.), o que já não sucede, além de que não permitiria que fosse tomada uma decisão nos moldes previstos no art. 20º da N.L.S.M.
Acresce que nada obsta a que, em momento posterior e caso o(a) requerido(a) não cumpra o tratamento involuntário em regime ambulatório, venha a ser agendada, então, a sessão conjunta sub judice.
Consta do teor do relatório, junto em 1/4/2025, que o paciente apresentava ideias delirantes de prejuízo envolvendo os pais, interpretações delirantes e angústia psíquica secundária. Apresentou alterações de comportamento, incluindo episódios de heteroagressividade dirigida a objectos, ameaças à integridade física de familiares e isolamento social importante, com disfunção sócio-ocupacional.
Ficou internado involuntariamente, cumprindo o tratamento, e apresentando melhoria, porém, continua sem qualquer crítica para os sintomas psicóticos pregressos, para a sua doença ou necessidade de tratamento.
Tudo isto levou a que os médicos tivessem concluído que o tratamento involuntário em regime ambulatório corresponda à terapêutica adequada.
Assim, não constando dos autos qualquer elemento que coloque em causa o propugnado na A.C.-P., determina o Tribunal a substituição do tratamento involuntário em internamento por tratamento involuntário em regime ambulatório, relativamente ao paciente AA, uma vez que estão preenchidos os seus pressupostos, nos termos conjugados do art. 15º, n.º 1, als. a), c) e subalíneas i) e ii) e n.º 3, da N.L.S.M., devendo continuar a ocorrer a revisão prevista no art. 25º (sob a epígrafe “[r]evisão da decisão”) da N.L.S.M., prosseguindo, desse modo, os autos.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em causa está saber se em Processo de tratamento involuntário a realização de sessão conjunta é obrigatória e a sua não realização constitui nulidade insanável, nos termos do art. 119º, alínea c), do Cód. Proc. Penal, aplicável por força do disposto no art. 37º, da Lei de Saúde Mental.
Nos termos da alínea c) do art. 119º, do Cód. Proc. Penal constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do defensor nos casos em que a lei determinar a respectiva comparência; e nos termos do art. 37º da Lei de Saúde Mental (Lei 35/2023 de 21.07) “nos casos omissos aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal”.
Os autos de onde foi extraído o presente recurso (em separado) são tramitados sob a forma de processo comum de tratamento involuntário.
Compulsados os mesmos verifica-se que:
- o ..., comunicou que AA, que padece de Psicose SOE, havia sido internado compulsivamente em ........2025, por evidenciar alterações formais do pensamento, nomeadamente, de cariz delirante e alucinatório, ideação persecutória dirigida a terceiros, agitação física, períodos de agitação e heteroagressividade, realidade que consubstanciava um risco significativo para a sua integridade física e vida;
- em ........2025 o Tribunal decidiu manter e confirmar o internamento involuntário de AA por se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos de facto e de direito;
- em 3.03.2025 foi junta avaliação clínico-psiquiátrica que informava manterem-se os pressupostos para o internamento involuntário;
- promoveu, então, o Ministério Público, que se designasse data para a realização de sessão conjunta;
- o Tribunal não designou data para a realização de sessão conjunta mas ordenou a realização de “diligências prévias, para uma mais conscienciosa tomada de decisão”;
- em 1.04.2025 foi junta nova avaliação clínico-psiquiátrica, constando do relatório que AA, tendo ficado internado involuntariamente, cumpriu o tratamento e apresenta melhoria, porém, continua sem qualquer crítica para os sintomas psicóticos pregressos, para a sua doença ou necessidade de tratamento, tendo ficado sujeito a tratamento involuntário em regime ambulatório por tal se afigurar a terapêutica adequada;
- Foi então proferido o despacho recorrido que decidiu “não haver(á) necessidade de ocorrer a diligência de sessão conjunta, uma vez que a mesma tem como conditio sine qua non a existência de um requerido(a) internado(a) (cfr. arts. 21º e 22º da N.L.S.M.), o que já não sucede, além de que não permitiria que fosse tomada uma decisão nos moldes previstos no art. 20º da N.L.S.M.”. Em tal despacho foi ainda exarado que “determina o Tribunal a substituição do tratamento involuntário em internamento por tratamento involuntário em regime ambulatório, relativamente ao paciente AA, uma vez que estão preenchidos os seus pressupostos, nos termos conjugados do art. 15º, n.º 1, als. a), c) e subalíneas i) e ii) e n.º 3, da N.L.S.M., devendo continuar a ocorrer a revisão prevista no art. 25º (sob a epígrafe “[r]evisão da decisão”) da N.L.S.M., prosseguindo, desse modo, os autos”.
Dispõe o art. 14º da Lei de Saúde Mental que “o tratamento involuntário é orientado para a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção terapêutica e reabilitação psicossocial” e nos termos do nº 3 do art. 15º, “o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório, assegurado por equipas comunitárias de saúde mental, exceto se o internamento for a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, cessando logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório”.
O caso que agora nos ocupa foi um internamento de urgência, com regulação nos arts. 28º ss da Lei de Saúde Mental (para onde se remetem todos os artigos citados de agora em diante).
O art. 28º determina que pode haver lugar ao tratamento involuntário em internamento, quando o perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do próprio ou de terceiros seja iminente e esteja verificado o disposto no nº 1 do artigo 15º. Foi o caso.
Nestas circunstâncias, e como aconteceu nos autos, o internando é conduzida a serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria (art. 29º), onde é submetido a avaliação clínico-psiquiátrica com registo clínico e lhe é prestada a assistência médica necessária (art. 30º). Quando decorra da avaliação clínico-psiquiátrica a necessidade de internamento e o internando a ele se oponha, o serviço de urgência hospitalar comunica de imediato a admissão daquele ao tribunal judicial competente, com cópia do relatório da avaliação (art. 31º 1).
Prescreve o art. 32º (sob a epígrafe “confirmação judicial”) que “recebida a comunicação referida no n.º 1 do artigo anterior, o juiz nomeia defensor ao internando e dá vista nos autos ao Ministério Público para pronúncia sobre os pressupostos do internamento de urgência” (nº 1) e que “realizadas as diligências que considere necessárias, o juiz profere decisão de manutenção ou não do internamento, no prazo de 48 horas a contar da privação da liberdade, fundamentando a decisão” (nº 2), sendo a decisão – exarada de acordo com a previsão do nº 4 – comunicada ao tribunal competente, ao internado e ao familiar mais próximo que com ele conviva ou à pessoa que viva com o internado em condições análogas às dos cônjuges, bem como ao médico assistente, sendo aquele informado dos direitos e deveres processuais que lhe assistem (nº 5).
De seguida, como determina o art. 33º (sob a epígrafe “decisão final”):
“1- Recebida a comunicação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior (a decisão de manutenção do internamento é comunicada, com todos os elementos que a fundamentam, ao tribunal competente) o juiz dá início ao processo de tratamento involuntário, ordenando que, no prazo de cinco dias, seja feita nova avaliação clínico-psiquiátrica, a cargo de dois psiquiatras, distintos dos que tenham procedido à anterior, com a colaboração de outros profissionais da equipa multidisciplinar do serviço de saúde mental.
2 - Nos casos previstos no número anterior é aplicável o disposto no artigo 18.º, com as necessárias adaptações.
3 - Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica e realizadas as demais diligências necessárias, é designada data para a sessão conjunta, à qual é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 21.º a 24.º
4 - Se a decisão final for de tratamento involuntário é aplicável o disposto nos artigos 25.º a 27.º, com as necessárias adaptações.”
De referir que os artigos 21º a 24º estabelecem os termos em que é realizada a sessão conjunta e os artigos 25º a 27º impõem a necessidade de revisão da decisão e preveem a possibilidade de cessação do tratamento involuntário e substituição do internamento.
Nos termos do art. 21º e 22º, para a sessão conjunta, são notificados o requerido, quem tenha sido indicada, pelo requerido, como pessoa de confiança, o defensor ou mandatário constituído, o requerente, o Ministério Público e um dos psiquiatras subscritores do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, sendo que o juiz pode convocar para a sessão quaisquer outras pessoas cuja audição considere oportuna, nomeadamente o psiquiatra assistente e profissionais do serviço local ou regional de saúde mental responsável pela área de residência do requerido; na sessão conjunta é obrigatória a presença do defensor ou mandatário constituído e do Ministério Público; e após audição das pessoas notificadas e convocadas, o juiz dá a palavra para alegações sumárias ao defensor ou mandatário do requerente e ao Ministério Público e profere decisão de imediato ou no prazo de cinco dias, se o procedimento revestir complexidade.
O despacho recorrido foi proferido no momento em que se exigia que fosse proferida decisão final, nos termos do art. 33º da Lei de Saúde Mental e pressupondo a realização de sessão conjunta, nos termos do nº 3 daquele normativo, prévia à prolacção da mencionada decisão final.
Entendeu o Mmo. Juiz a quo que não havia necessidade de ocorrer a diligência de sessão conjunta porque, segundo ele, a mesma tem como conditio sine qua non a existência de um requerido internado e o requerido encontrava-se já em tratamento involuntário em regime ambulatório.
Todavia, a realização da sessão conjunta, fundamental para que nesta fase se dê cumprimento ao princípio do contraditório (veja-se as pessoas que são notificadas para comparecer), não pressupõe a existência de um requerido internado, tratando-se antes de diligência realizada com vista a ser proferida decisão judicial respeitante ao tratamento involuntário do requerido (a ter lugar em internamento ou em ambulatório) ou o arquivamento do processo no caso previsto no nº 4 do art. 22º. Não sendo arquivado o processo, é proferida decisão, com indicação, nomeadamente, das razões do tratamento involuntário, por referência ao disposto no art. 15º e especificando se o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório ou em internamento.
Enquanto durar o tratamento involuntário – em ambulatório ou em internamento – o processo não é arquivado, havendo necessidade de proceder às revisões obrigatórias a que já aludimos e podendo o internamento ser retomado nos termos do nº 3 do art. 27º.
O tratamento só cessa quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem (art. 26º).
Há que não perder de vista que o tratamento involuntário, ainda que em ambulatório, mantém o carácter compulsivo, constituindo, nessa medida, uma restrição da liberdade da pessoa a ele sujeita. Também por isso, e não distinguindo a Lei as formalidades processuais a observar para o regime de internamento ou de ambulatório, antes referindo globalmente o tratamento involuntário, não podem deixar de observar-se todas as formalidades ali prescritas, só assim se cumprindo o contraditório.
E para o cumprimento do contraditório é essencial a realização da sessão conjunta, como resulta da própria estrutura e objectivo da sessão.
Este é também o entendimento defendido por António Latas e Fernando Vieira (Notas e comentários à Lei da Saúde Mental, Centro de Estudos Judiciários, pág. 136 e 137, Coimbra Editora 2004), que embora referente à anterior Lei de Saúde Mental, continua a manter actualidade no que à presente análise respeita. Escrevem aqueles Autores, em anotação ao art. 20º que “temos igualmente por assente que nos casos de que trata o artº 33º o processo não finda, antes prossegue seus termos, o que significa que terão lugar as diligências que obrigatoriamente teriam que preceder o internamento (avaliação clínico-psiquiátrica e sessão conjunta) bem como a decisão final sobre o internamento do doente que permanece em tratamento ambulatório ao abrigo do artº 33º, pois a possibilidade de continuar a sujeitar o doente a tratamento compulsivo, pressupõe necessariamente a decisão final sobre o internamento, no momento próprio e pelo tribunal competente (artº 27º) conforme resulta inequivocamente da inserção sistemática e do teor do artº 33.
Ao não proceder à sessão conjunta antes de proferir decisão final nos termos do art. 33º da Lei de Saúde Mental, o Mmo. Juiz recorrido preteriu a realização de diligência obrigatória e incorreu na nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119º, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi o disposto no art. 37º da Lei de Saúde Mental (o Recorrente tanto apela a nulidade prevista na alínea c) como à prevista na alínea d), mas é a primeira que está em causa).
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Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso e revogam o despacho recorrido, ordenando a sua substituição por outro que determine a realização de sessão conjunta.
Sem custas.

Lisboa 7.10.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Rui Coelho
Ester Pacheco dos Santos