Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
| Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA IMUNIDADE JUDICIÁRIA CONSULADO PORTUGUÊS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/10/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | REVISÃO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | I - A imunidade de jurisdição dos estados estrangeiros deve ter um âmbito restrito. O princípio da imunidade jurisdicional não se aplica quando o Estado é demandado na qualidade de sujeito de um negócio de direito privado, mas apenas quando o mesmo Estado intervém na relação jurídica na qualidade de Estado soberano, dotado de "jus imperii" II - Importa atender às funções desenvolvidas pelo trabalhador - se eram funções subalternas ou funções de direcção na organização do serviço público do Estado, funções de autoridade ou de representação. III - Atendendo às funções exercidas pelo Requerente, contratado como cozinheiro, conclui-se que, sendo as mesmas meramente subalternas, não podem considerar-se abrangidas pelo jus imperii. Tratou-se de um contrato de trabalho de natureza privada. (F.G) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO W, cidadão brasileiro, Brasil, instaurou contra o Estado Português acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja revista e confirmada a sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, do Rio de Janeiro, em 5 de Setembro de 1995, que condenou o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro a pagar a W, na qualidade de trabalhador (cozinheiro) do Consulado, quantia a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento de obrigações que sobre este impendem como empregador. O MºPº, em representação do Estado Português, veio contestar a acção, deduzindo oposição nos termos do art. 1098º do CPC, como consta do articulado de fls. 38 a 43 dos autos, essencialmente porque o Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro e o Estado Português não renunciaram à imunidade de jurisdição, pelo que se verifica a incompetência absoluta do Tribunal que proferiu a sentença revidenda e assim deve ser negadas a confirmação e revisão requeridas. Observado o disposto no art. 1099º, nº 1, do CPC, o Ministério Público apresentou alegações. Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir. Fundamentalmente está em causa apreciar e decidir se a decisão confirmanda é conforme aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, estando reunidos todos os pressupostos necessários à confirmação da sentença revidenda, para o que importa verificar se, no caso, o Estado Português goza de imunidade judiciária relativamente ao litígio dos presentes autos. II - FACTOS PROVADOS 1. O cidadão brasileiro, W, intentou no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Brasil, acção contra o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, pedindo a condenação no pagamento de determinadas verbas, tudo como consta da petição junta a fls. 6 a 8 dos autos. 2. Foi proferida sentença, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, do Rio de Janeiro, em 5 de Setembro de 1995, que condenou o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro a pagar a W, na qualidade de trabalhador (cozinheiro) do Consulado, quantia a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento de obrigações que sobre este impendem como empregador. III - O DIREITO 1. Da imunidade O direito internacional comum reconhece aos Estados certos direitos derivados da sua qualidade de sujeitos de direito internacional, direitos esses essenciais, sem os quais os Estados não poderiam viver e dos quais decorrem todos os seus outros direitos. Um desses direitos fundamentais é o direito à igualdade (igualdade nas relações entre os Estados, direito a uma igual medida de soberania, garantia da igualdade na aplicação do direito internacional). A soberania é um dos elementos constitutivos do Estado, sendo uma das suas marcas o exercício dos poderes de jurisdição, tanto de sentido normativo, como administrativo, ou jurisdicional, havendo uma tendencial correspondência entre os limites territoriais e o alcance do direito de jurisdição(1). Todavia, os direitos fundamentais dos Estados sofrem algumas restrições. A imunidade de jurisdição de que gozam os Estados estrangeiros é uma dessas restrições. O princípio da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros é um corolário do princípio da igualdade soberana dos Estados e está consagrado no art. 2º, nº 1 da Carta das Nações Unidas. De acordo com o mesmo, em regra, nenhum Estado pode julgar os actos de um outro ou mesmo um dos seus órgãos superiores, designadamente por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste, o que traduz a conhecida máxima de direito internacional "par in parem non habet imperium". Porém, desde há muito que o princípio da imunidade de jurisdição dos Estados tem vindo a sofrer restrições. Posta de lado a concepção absoluta dessa imunidade, de há muito vem sendo admitida a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, para, restritivamente, só quanto aos primeiros a imunidade ser admitida como salvaguarda da soberania e igualdade dos Estados nas suas relações internacionais. A imunidade relativa encontra a sua justificação no facto de os actos praticados revestirem carácter privado, colocando o Estado estrangeiro ao nível de um particular, sendo portanto estranhos ao exercício da soberania. Na verdade, o desenvolvimento das relações internacionais e a intervenção crescente do Estado em áreas do direito privado concorreram para o reforço da teoria da imunidade relativa em detrimento da teoria da imunidade absoluta. Este desenvolvimento da doutrina foi acompanhado a nível legislativo. Assim, a Convenção de Basileia, ao limitar o número de casos em que os Estados podem invocar a imunidade de jurisdição, acompanha a tendência que se desenvolveu na doutrina e jurisprudência da maioria dos países. Efectivamente, impondo-se a exigência de uma solução internacional unívoca sobre as hipóteses em que o exercício da jurisdição seria admissível, o Conselho da Europa, em 16/5/72, em Basileia, abriu à assinatura dos Estados membros e à adesão dos Estados não membros, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, que adoptou o critério de enunciar especificamente, nos art. 1º a 14º, as situações e relações jurídicas relativamente às quais é aplicável a excepção ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros. Esta Convenção, que embora assinada por Portugal em 10/5/79 não foi, ainda, ratificada, estatui no seu artigo 5º que: "1- Um Estado contratante não pode invocar imunidade de jurisdição perante um tribunal de um outro Estado contratante se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular, se o trabalho dever ser realizado no território do Estado do foro". "2 - O parágrafo 1 não se aplica : a) se a pessoa física tiver a nacionalidade do Estado empregador na altura em que o processo foi instaurado; b) se na altura da celebração do contrato a pessoa singular não tinha a nacionalidade do Estado do foro nem residia habitualmente nesse Estado; ou c) se as partes do contrato acordaram em sentido contrário, por escrito, a menos que, de acordo com a lei do Estado do foro, os tribunais desse Estado tivessem jurisdição exclusiva em virtude do objecto do processo". A este respeito refere Albino Azevedo Soares o seguinte: "Actualmente, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados consagra a tese da imunidade relativa e põe definitivamente de lado a qualificação do acto através da sua finalidade. Em matéria de contratos distingue entre os contratos de trabalho e outros contratos, não permitindo, em qualquer dos casos, que o Estado possa invocar a imunidade de jurisdição. Tal orientação, cujo teor é justificado pelo facto de a actuação estadual que obriga à celebração de tais contratos não poder ser considerada jure imperii, é complementada pelo artº 7º, que nega igualmente a possibilidade de o Estado recorrer àquele tipo de defesa formal sempre que a actividade financeira, industrial ou comercial é levada a cabo por um escritório, agência ou estabelecimento que age da mesma forma como agiria uma pessoa privada."(2) 2. Do exercício do poder público considera o MºPº que, por força da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas aprovada em 18/4/1961 e a que Portugal aderiu pelo DL 48295 de 27/3/1968, não deveria ter sido proferida a sentença revidenda que condenou o Estado Português no pagamento de determinada quantia a cidadão brasileiro, que foi contratado pelo Consulado Português no Rio de Janeiro, Brasil, aí exercendo as funções de cozinheiro, gozando o referido Consulado de imunidade. Porém, como é bom de ver, o aqui Requerente, A. na acção que intentou no Tribunal de Trabalho do Rio de Janeiro, não demandou o Consul-Geral mas antes o Consulado Português, sendo certo que o art. 43º concede imunidade aos funcionários e trabalhadores consulares e não já ao próprio Estado. Demandado o próprio Estado Português, através da sua embaixada, não está em causa a aplicação directa do regime das imunidades previstas na Convenção de Viena, mas tão-só a sua análise enquanto elemento a levar em conta na apreciação da questão da imunidade do Estado Português. Portanto, com vista a dar solução à situação em apreço nos autos, importará analisar de que forma o Estado Português se comporta no que tange à questão da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros perante os tribunais portugueses. Não existindo, no direito português, norma que regule a imunidade, a questão tem que ser apreciada à luz das normas e dos princípios do Direito Internacional, os quais, segundo o art. 8º, nº 1 do CRP, fazem parte integrante do direito português. Ora, a jurisprudência tem vindo a evoluir, de posições que consideravam em termos quase absolutos a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros, para a tese da imunidade restrita. Para o efeito passou a relevar a distinção entre as actividades governamentais tradicionais e as que entram no domínio das transacções comerciais, isto é, a distinção entre os actos iure imperii e os actos iure gestionis.(3). 2.1. Donde, a resolução da questão em apreço relativa à recusa de imunidade ao Estado Português, tendo como adquirido que a teoria restritiva da imunidade é hoje dominante, passa por saber se a actividade a que se refere o litígio é ou não soberana, ou seja, se é jure imperii ou jure gestionis. Importa, assim, para efeito da determinação da imunidade de jurisdição ter em conta a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, atendendo a que, como vimos, segundo a tese dominante, a imunidade é relativa e restrita apenas aos acta jure imperii. Entre nós, segundo Antunes Varela, são actos de gestão pública os que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou outro ente público e assentam sobre o jus auctoritatis da entidade que os pratica, e são actos de gestão privada aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outros entes públicos, estão sujeitos às mesmas regras, que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares; nestes últimos, o Estado intervém como simples particular, despido de seu jus auctoritatis(4). No mesmo sentido, Vaz Serra refere que "actos de gestão pública, por oposição aos actos de gestão privada de Administração, são os praticados no exercício de uma função pública para os fins de direito público da pessoa colectiva(5). "Os actos de gestão pública são os praticados no exercício de uma função pública para os fins de direito público da pessoa colectiva, isto é, os regidos pelo direito público e, consequentemente, por normas que atribuem à pessoa colectiva pública poderes de autoridade (jus imperii) para tais fins"(6). São actos jure imperii os actos de poder público, de manifestação de soberania; enquanto, os actos jure gestionis, são actos de natureza privada, os que poderiam ser de igual modo praticados por um particular. Sobre esta temática se pronunciou o Acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2002, nos seguintes termos: "As sessões regulares do Instituto de Direito Internacional vêm, desde há vários anos, salientado que deve ser, em via de regra, afastada a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro quanto estejam em causa relações reguladas pelo direito privado (civil e comercial), o que inclui, além do mais (transacções comerciais, contratos para fornecimento de serviços, empréstimos e obrigações financeiras, titularidade, posse e uso de propriedade, protecção da propriedade industrial e intelectual, acções in rem relativas a navios e cargas, etc.), "contracts of employment and contracts for professional services to which a foreign State (or its agent) is a party" (cfr. artigo III, d), do Projecto de Resolução relativo à Imunidade de Jurisdição dos Estados, apreciado na sessão plenária de Santiago de Compostela, em 1989, publicado no Annuaire de l'Institut de Droit International, vol. 63, tomo II, pág. 83-120; artigo II, c), da Resolução adoptada na sessão de Basileia, em 1991, publicada no Tableau des Résolutions Adoptées (1957-1991), Instituto de Direito Internacional, Paris, 1992, págs. 220-231). (7) No que ao não reconhecimento da imunidade de jurisdição em litígios laborais, respeita, refere este acórdão, citando Isabelle Pingel-Lenuzza(8), que "a prática tende a admitir (...) que o Estado não beneficia da imunidade nos litígios que o opõem a uma pessoa privada com a qual concluiu o contrato de trabalho". Porém, continua o acórdão a que vimos fazendo referência que "se a imunidade é geralmente recusada ao Estado estrangeiro nos casos em que o litígio respeita a um trabalhador que exerce funções subalternas, ela já lhe é frequentemente concedida quando a pessoa em causa ocupa funções mais elevadas. A justificação desta orientação assenta no reconhecimento de que só os contratos de trabalho celebrados com pessoal de grau elevado é que é verdadeiramente susceptível de estar relacionado com o exercício do poder público (jus imperii) e de beneficiar, a este título, da imunidade "(9). 3. Do trabalho subordinado No caso concreto, para dar resposta a esta questão, estando em causa um litígio laboral, importa atender às funções desenvolvidas pelo trabalhador - se eram funções subalternas ou funções de direcção na organização do serviço público do Estado demandado, funções de autoridade ou de representação. Ora, atendendo às funções supostamente exercidas pelo Requerente, que era cozinheiro, conclui-se que, sendo as mesmas meramente subalternas, não podem considerar-se abrangidas pelo jus imperii. Tratou-se de um contrato de trabalho de natureza privada. Assim o entendeu, aliás, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região do Rio de Janeiro, que conheceu este caso. Efectivamente, trata-se de um trabalhador por conta de outrem, dependente para a sua subsistência, do rendimento do trabalho. O objecto da actividade do aqui Requerente, enquanto cozinheiro no Consulado cingia-se, certamente, ao serviço relacionado com a preparação de refeições no referido Consulado, exercendo, tais funções, em obediência às directivas e ordens do seu máximo superior hierárquico, em última instância, o Consul-Geral. 3.1. Diz o MP que o Consulado Geral e o Estado Português não renunciaram à imunidade de jurisdição. Porém, como vimos, no caso, o Estado Português não gozava da referida imunidade pelo que não era necessária a notificação do Réu no sentido de declarar se aceitava ou não submeter-se à jurisdição brasileira. Ainda assim, desconhecendo-se se tal notificação foi ou não efectuada em termos expressos, não restam dúvidas de que o Consulado teve conhecimento da acção, tanto assim que se fez representar em juízo, em 8/8/1995, por mandatário, Drª. O (cfr. fls. 12 dos autos), que, no acto ou posteriormente, não arguiu qualquer irregularidade processual. Só após o trânsito da sentença proferida, já em fase de execução da sentença de condenação, em 6/2/2001, foi invocada a imunidade do Estado Português, conforme cópia do ofício fls 46. Seja como for, e como se referiu, tal invocação, para além de se afigurar extemporânea, também se revela inócua, na medida em que a situação não estaria nunca abrangida pela imunidade: - as funções para que foi contratado não eram de direcção, antes tinham carácter subalterno,- o Autor, ora Requerente, cumpria todas as tarefas próprias dum cozinheiro, exercendo-as sob a direcção da entidade empregadora, pelo que tudo aponta para a celebração de um contrato de trabalho de natureza privada. 4. Da jurisprudência Este entendimento é, aliás, o único compatível com a jurisprudência nacional que vem acompanhando, como se referiu, a teoria restritiva da imunidade judiciária e assim tem decidido. Neste sentido, foi decidido nesta Relação de Lisboa, que: "A imunidade de jurisdição dos estados estrangeiros deve ter um âmbito restrito. O princípio da imunidade jurisdicional dos Estados Estrangeiros não se aplica quando o Estado é demandado na qualidade de sujeito de um negócio de direito privado, mas apenas quando o mesmo Estado Estrangeiro intervém na relação jurídica na qualidade de Estado soberano, dotado de "jus imperii"(10) No mesmo sentido se entendeu que: "I - A imunidade de jurisdição dos estados estrangeiros deve ter um âmbito restrito, limitado aos actos de gestão pública, aos actos praticados sob o domínio dos "jus imperii"; não gozando de imunidade de jurisdição sempre que o estado age "iure gestionis". "II - Mas ainda que se perfilhe o principio da imunidade de jurisdição absoluta, in casu, a República Federativa do Brasil terá renunciado a tal imunidade ao aceitar a jurisdição local, não invocando tal imunidade, aceitando ser citada para a acção e constituindo mandatário para a representar no processo. III - Nos termos dos arts. 11º, 15º, nº 1 do C.P.T. 81 e 65º, nº 1, alíneas b) e c) do C.P.C., o tribunal do trabalho de Lisboa é internacionalmente competente para conhecer da acção que a Autora, que reside em Portugal moveu contra a República Federativa do Brasil, entidade patronal, prestando trabalho na Embaixada do Brasil, em Portugal"(11). Também se decidiu que: "I- A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros continua a ser considerada como princípio fundamental do direito internacional, mas deve ter um âmbito restrito, limitado aos actos de gestão pública (acta jure imperii) visto que, radicando no princípio da igualdade e soberania dos Estados, só se justifica quando os Estado exercem funções de poder público. II- O Estado estrangeiro não deve beneficiar de imunidade quanto a um acto qualificado como de gestão privada (acta jure gestionis) dado que nele intervém como qualquer particular. III- A celebração por um Estado estrangeiro de um contrato de trabalho com um motorista, assim como o despedimento deste, não são actos de gestão pública, não gozando, por isso, o Estado em causa de imunidade de jurisdição, pelo que os tribunais portugueses são competentes para conhecer das acções em que tal se discuta"(12) E ainda que, "I - Configura acção de indemnização fundada em responsabilidade civil, emergente do incumprimento de uma obrigação acessória do contrato de trabalho - como é a obrigação contributiva perante a Segurança Social - ou, pelo menos, fundada no enriquecimento sem causa (art. 473º e segs. do CC), e não execução para pagamento coercivo das contribuições à Segurança Social, como à primeira vista se poderia pensar, aquela em que um trabalhador demanda a entidade patronal pedindo a respectiva condenação a pagar à Segurança Social as contribuições relativas à actividade prestada ao seu serviço durante certo período, como forma de obter a reparação, por reconstituição natural, do prejuízo causado ao A. pelo comportamento da R. que consiste na omissão de tal pagamento, o que, pela repercussão que necessariamente terá no valor da pensão de velhice a que o A. terá direito, é causa adequada do prejuízo que se traduz na diferença entre o valor da pensão calculada com base em todos os salários que auferiu ao longo da sua carreira profissional e da pensão calculada sem considerar os salários do período em causa. II- Porque a competência do Tribunal se afere pelos termos em que o A. delineia a causa, é competente para esta acção o Tribunal do Trabalho, por se tratar de uma acção emergente de uma relação de trabalho subordinado, já que, subjacente ao comportamento ilícito e culposo imputado ao R., ou pelo menos ao enriquecimento ilegítimo do mesmo, está uma obrigação legal que só existe porque entre as partes vigorou um contrato de trabalho. III- Face ao objecto da acção tal como ficou delineado, o prazo de prescrição a considerar é o previsto para os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação (art. 38º nº 1 da LCT) e não o previsto no art. 49º da Lei de Bases da Segurança Social (L. nº 32/2002 de 20/12). IV- A imunidade jurisdicional dos Estados é um princípio de direito internacional público, corolário da igualdade dos Estados, que visa garantir o respeito pela soberania. V- Se alguma vez tal princípio teve carácter absoluto, tem vindo a perdê-lo, sendo hoje dominante na doutrina e na jurisprudência internacionais a concepção restrita da imunidade judiciária dos Estados. VI- De acordo com a teoria restrita da imunidade, importa saber se o caso em litígio diz respeito à actividade soberana do Estado (jure imperii) ou a actos de natureza privada, que poderiam ser de igual modo praticados por um particular (jure gestionis). VII- A actuação do Estado estrangeiro que, enquanto empregador, omitiu o pagamento à Segurança Social) das contribuições relativas a um seu trabalhador subordinado, sem funções de responsabilidade no serviço público prestado pelo Consulado, configura um acto jure gestionis, não beneficiando, pois, de imunidade jurisdicional. VIII- O mesmo não vale relativamente às acções de impugnação de despedimento colectivo, na medida em que o fundamento para o despedimento se enquadre numa reestruturação dos serviços consulares, em conformidade com orientações do respectivo Ministério das Relações Exteriores, por esse acto configurar um verdadeiro acto de soberania (jure imperii) relativamente ao qual tem cabimento a invocação da imunidade jurisdicional, falecendo assim à jurisdição portuguesa competência internacional para conhecer do litígio".(13) No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça. "I - O artigo 31 da Convenção de Viena, aprovada pelo Decreto-Lei n. 48925 de 27 de Março de 1968, estabelece a imunidade de jurisdição civil mas exceptuou os casos de acções reais relativas a imóveis privados do diplomata, as referentes a actividade profissional não diplomática do agente e as referentes a actividade comercial do agente. II - No artigo 31 pretendeu-se excluir todas as actividades praticadas fora da função diplomática do agente e entre essas a contratação de uma empregada domestica para fazer serviço na residência particular do diplomata. III - Por consequência, os tribunais de trabalho portugueses são territorialmente competentes para conhecer de uma acção emergente de contrato individual de trabalho em que e Réu um agente diplomático" (14). Também se decidiu que: I - A regra consuetudinária de direito internacional segundo a qual os Estados estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição local quanto às causas em que poderiam ser réus não foi revogada pela Constituição da República Portuguesa de 1976, uma vez que, na sua formulação mais recente, essa regra não contraria nenhum dos preceitos fundamentais da Constituição. II - Essa formulação conforme ao sistema constitucional português é a concepção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos actos praticados jure imperii, excluindo dessa imunidade os actos praticados jure gestionis; isto é, a imunidade não abrange os actos praticados pelo Estado estrangeiro tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania. III - Quer a extensão da aludida regra, quer os critérios de diferenciação entres estes tipos de actividade, não têm contornos precisos e evoluem de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional. IV - Relativamente aos litígios laborais, designadamente acções fundadas em despedimento ilícito, essa prática não tem reconhecido a imunidade do Estado estrangeiro quando o trabalhador exerce funções subalternas, e não funções de direcção na organização do serviço público do réu ou funções de autoridade ou de representação V - Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual foi intentada acção de impugnação de despedimento, por empregada doméstica, que exercia a sua actividade, consistente essencialmente em tarefas de limpeza e de confecção de refeições, na residência do respectivo Embaixador, sendo essa relação laboral regulada pelo direito português em termos idênticos ao vulgar contrato de trabalho para prestação de serviços domésticos celebrado com qualquer particular".(15) Mais recentemente o STJ pronunciou-se nos seguintes termos: "I - A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18-04-61) atribui aos agentes diplomáticos. II - Esta imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido actual deve ser captado e definido. III - É hoje dominante a concepção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos actos praticados jure imperii, excluindo da imunidade os actos praticados jure gestionis. IV - Quer a extensão da aludida regra, quer os critérios de diferenciação entres estes tipos de actividade, não têm contornos precisos e evoluem de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional. V - Embora Portugal tenha assinado a Convenção de Basileia sobre a imunidade dos Estados em 10-05-79 - de acordo com a qual não pode em princípio ser invocada a imunidade de jurisdição se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular - não ratificou esta convenção, o que significa que, em face do que estabelece o artº 8º, n.º 2 da CRP, a mesma não vigora na ordem interna portuguesa . VI - Todavia este facto não a torna inócua, na medida em que,evidenciando uma certa tendência na definição do princípio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, na prática internacional (subscreveram e ratificaram a Convenção a Áustria, Bélgica, Chipre, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Suíça e Reino Unido), pode ajudar a definir o conteúdo, a marcha evolutiva e o sentido actual da correspondente regra consuetudinária, sendo certo que o costume internacional é a segunda das fontes formais enunciadas no artº 38º-1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça. VII - Também o projecto de articulado sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e da sua Propriedade apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas (em 1991) pela Comissão de Direito Internacional constituída no âmbito da ONU, não sendo vinculante, tem o mérito de demonstrar, ao estabelecer várias restrições ao princípio da imunidade jurisdicional dos Estados (segundo o qual, a imunidade pode ser invocada se estiver em causa um contrato de trabalho e o objecto do processo for a sua renovação ou a reintegração duma pessoa singular), uma tendência generalizada na prática dos Estados no sentido do alargamento das restrições ao princípio da imunidade dos Estados Estrangeiros, o que tem igualmente reflexos na delimitação do conteúdo objectivo da referida regra costumeira. VIII - Sabido que, na ordem interna portuguesa, vigora o costume internacional de âmbito geral (artº 8º, n.º 1 da CRP), com o conteúdo e o sentido actualizado, e uma vez que toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar generalizadamente radicada na consciência jurídica das colectividades - o que impõe grande prudência e muita segurança na sua aplicação -, é de considerar que o âmbito das restrições que aquela regra consuetudinária permite, não pode ultrapassar as que constam da convenção e projecto de articulado referidos (que constituem manifestações de uma certa prática, ou tendência, internacional). IX - Numa acção de impugnação de despedimento intentada por uma trabalhadora que fazia parte do "pessoal administrativo e técnico" da delegação comercial da Embaixada da Áustria em Lisboa, cumprindo funções de secretária (de carácter subalterno e não estreitamente relacionadas com o exercício de autoridade governamental), em que o fundamento da acção é a comunicação à autora de que o contrato de trabalho cessou (situação em que a parte agiu como qualquer empregador privado), a Embaixada da Áustria goza de imunidade de jurisdição relativamente ao pedido de reintegração da autora e aos que tenham essa reintegração como pressuposto. X - Quanto aos restantes pedidos - de pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnizações por violação de direito a férias, danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito e, à cautela, de indemnização em substituição da reintegração ou indemnização pela caducidade do contrato - os tribunais portugueses têm competência internacional para deles conhecer". (16) Se assim é, ou seja, se os tribunais portugueses vêm considerando ter competência internacional para conhecer acções propostas contra os serviços consulares de país estrangeiro no que respeita aos seus funcionários que desempenham serviço subordinado, certamente não poderá defender outro comportamento quando demandado por trabalhador de um seu consulado em país estrangeiro, como é o caso dos autos. Donde a conclusão que inexistem fundamentos para se ter por violado o disposto no art. 1100º nº 2 do CPC. A sentença revidenda não é contrária aos princípios da ordem pública portuguesa nem contém decisão cujo reconhecimento produza um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Em consequência, verificam-se os requisitos da confirmação previstos nas alíneas a) a e) do artigo 1096°, do Código de Processo Civil, sendo certo que a decisão em causa em nada colide com princípios da ordem pública internacional do Estado Português, previstos na alínea f) do citado art. 1096º do CPC. IV - DECISÃO Termos em que se decide declarar revista e confirmada a sentença em causa, que condenou o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro a pagar a W, quantia a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento de obrigações que sobre este impendem como empregador. Sem custas. Lisboa, 10 de Maio de 2007. (Fátima Galante) (Ferreira Lopes) (Manuel Gonçalves) ___________________________________________________ 1 Jónatas E. M. Machado, in Direito Internacional, do Paradigama Clássico ao Pós-11 de Setembro", pg 130 e segs. 2 Albino de Azevedo Soares, in "Lições de Direito Internacional Público", 4ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, pg. 341e segs. 3 Albino de Azevedo Soares, in "Lições de Direito Internacional Público", 4ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, pg. 340. 4 Das Obrigações em geral, vol. I, 7. edição, 643, e R.L.J. 124, páginas 59 e seguintes 5 R.L.J. 103, página 343 6 Vaz Serra, (R.L.J. 110, página 315). 7 Ac. STJ de 13/11/2002 (Mário Torres), wwwdgsi.pt/jstj. 8 Les Immunités des États en Droit International, Éditions Bruylant / Éditions de L'Université de Bruxelles, Bruxelas, 1997 9 Ac. STJ de 13/11/2002 (Mário Torres), já citado. 10 05/03/98 RL (Loureiro da Fonseca), www.dgsi.pt/jtrl. 11 Ac. RL de 13/12/2000 (Ferreira Marques), www.dgsi.pt/jtrl. 12 Ac. RL de 23/06/2004 (Paula Sá Fernandes), www.dgsi.pt/jtrl. 13 Ac. RL de 21.9.2005 (Maria João Romba), www.dgsi.pt/jtrl. 14 Ac. STJ de 30.1.91 (Roberto Valente), www.dgsi.pt/jstj 15 Ac. STJ de 13/11/2002 (Mário Torres), já citado. 16 Ac. do STJ datado de 12/1/2006, mas que consta no site com a data de 18/2/2006 (Maria Laura Leonardo), www.dgsi.pt/jstj |