Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ GOMES | ||
Descritores: | INVIABILIDADE FUNDAMENTAÇÃO DIREITO AO BOM NOME DIREITO À IMAGEM SOCIEDADE COMERCIAL PROVIDÊNCIA CAUTELAR PERICULUM IN MORA EQUIDADE APLICAÇÃO DA LEI | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/04/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | 1. O juízo de improcedência com fundamento em manifesta inviabilidade da pretensão deduzida só deve ser proferido nos casos em que, face ao alegado pelo impetrante, seja de todo insustentável, segundo a doutrina e jurisprudência correntes, nomeadamente quando seja seguro concluir que, mesmo a provar-se todo o alegado, nunca a providência lograria qualquer êxito no plano jurídico. 2. Tal juízo de improcedência deve ser sustentado na base de uma ponderação concreta dos fundamentos alegados e não em meras considerações genéricas ou conclusivas. 3. O direito ao bom nome, reputação e imagem de uma sociedade comercial é tutelável, nomeadamente em sede de providência cautelar, por equiparação como as pessoas singulares, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, ex vi do artigo 12.º, n.º 2, da Constituição e do artigo 70.º do CC. 4. O requisito do periculum in mora, como pressuposto da tutela cautelar co-mum, traduz-se num conceito jurídico indeterminado gradativo a preencher no confronto do caso concreto, à luz dos padrões sócio-culturais do tipo de comportamento ou situação social relevante e da teleologia subjacente à norma em que se inscreve, cabendo à doutrina e à jurisprudência ir sedimentando os parâmetros dessa valoração normativa. 5. Nessa perspectiva, não se deve partir de uma bitola genérica, meramente abstracta, mas antes tomar em linha de conta as particularidades da situação singular em presença, de forma a perscrutar nelas os sinais apelativos de uma justiça equitativa que permita, de algum modo, a aplicação flexível da norma, num esforço de conciliação ou síntese entre os valores ético-sociais e o direito. 6. A alegação de factos que torne verosímil a violação ou a ameaça de violação do direito ao bom nome, reputação e imagem de uma sociedade comercial, bem com de factos indiciários tendentes a demonstrar a gravidade dessa lesão ou ameaça, em grau dificilmente reparável, como seja a divulgação de notícias atentatórias da credibilidade e honestidade dessa sociedade, é quanto basta para que se imponha a realização de diligências probatórias sobre os factos controvertidos. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. A sociedade FX - … Ld.ª, instaurou, em …/07/2012, junto das Varas Cíveis de Lisboa, procedimento cautelar comum, contra a MO -…, Ld.ª, e a MF –…, Ld.ª, alegando, no essencial, que: -A requerente e as requeridas são sociedades comerciais, concorrentes, que actuam como instituições de pagamentos sujeitas a autorização e supervisão do Banco de Portugal, nos termos regulados, em especial, pelo Dec.-Lei n.º 317/2009, de 30-10, e, mais genericamente, pelo Dec.-Lei n.º 298/92, de 31-12; - A sua actividade traduz-se, fundamentalmente, na prestação de serviços de transferência de dinheiro de Portugal para o … e, residualmente, para outros destinos, serviços esses prestados em lojas adequadamente localizadas nas zonas de maior tráfego de peões das cidades mais relevantes do País; -Procedem, pois, ao envio de fundos de Portugal para o … provenientes, em mais de 80%, de imigrantes … em Portugal, sendo o remanescente integrado sobretudo por investidores portugueses que pretendam colocar, o mais rapidamente possível, o seu dinheiro no destino visado; -Os negócios em referência dependem essencialmente do montante transaccionado, tendo como única remuneração um pequeno ganho cambial obtido em cada operação, que até ao início de Julho de 2012 variava entre 1% e 3% sobre o valor enviado, e portanto sem cobrança de nenhuma taxa nem comissão pelo serviço ao cliente; -Cada instituição de pagamento é tanto mais procurada quanto mais alto for o câmbio que, a cada momento, oferece aos seus clientes; -O mercado de clientes é sobretudo constituído por cidadãos …, de rendimentos mensais médios de € 600,00/€700,00, que utilizam os serviços da requerente e das requeridas para remeterem os proventos do seu trabalho para familiares e amigos residentes no …; -Para a publicitação dessa actividade, designadamente das taxas de câmbio que praticam a cada momento, as instituições de pagamento utilizam, vulgarmente, anúncios em jornais regionais, em canais de televisão por cabo e em estações de rádio; -Divulgam também anúncios das taxas praticadas nas montras das lojas, em panfletos distribuídos nas ruas de maior movimento de peões e junto de zonas residenciais dos clientes-alvo, bem como nos sítios da Internet de cada instituição e através de promoção por SMS; -Actualmente a requerente dispõe de 17 lojas, a requerida MF de 33 lojas e a requerida MO de 14 lojas, localizadas conforme documentação junta; -As requeridas MF e MO operam no referido mercado, respectivamente, desde 1997 e 2003, tendo tido um crescimento muito rápido favorecido pela imigração de … no nosso País entre 2000 a 2009; -As requeridas repartiam então o mercado, onde detinham posição dominante, praticando taxas muito baixas e pouco atractivas para os clientes, obtendo assim muito bons lucros; -Em 2010, a requerente, devidamente autorizada pelo Banco de Portugal, entrou no mercado, beneficiando duma estrutura racional, mais flexível e reduzida do que as suas congéneres, numa altura em que o País dava sinais de crise evidente e em que muitos imigrantes regressavam aos países de origem, o que fez com que o mercado se tornasse menor e mais concorrencial; -A partir da entrada de requerente no mercado, as requeridas, agindo em conjunto, utilizam a sua posição para impor as suas taxas de câmbio, cartelizando o mercado e difamando, por todos os meios ao seu alcance a requerente para praticar taxas mais atraentes, procurando a sua eliminação; -Assim, as requeridas encetaram, de forma concertada, uma campanha de ataques à requerente, mais ou menos dissimulados, que culminou com um acto de agressão explícito através de informações falsas dadas ao semanário assim a requerida o “…”, constantes de uma notícia publicada a …/06/2012, conforme cópia junta, fazendo a distribuição contínua de cópias dessa notícia por via de flyers/panfletos, em locais estratégicos, designadamente junto das lojas delas e da requerente, inserindo a mesma notícia nos seus sítios da Internet e difundindo-a através do Facebook, o que ainda hoje se mantêm; -A par disso, as requeridas têm simulado episódios com alegados clientes de forma a denegrir a imagem e eficiência do funcionamento da requerente, que divulgam através dos seus sites, das redes sociais e por SMS, o que ainda continuam a fazer; -A notícia publicada no semanário …, no sentido de que a FX “vende com prejuízo” e que o câmbio praticado é o “maior do mundo” é falsa, sendo que as contas da requerente – tal como as das requeridas – são auditadas e publicadas pelo Banco de Portugal, de onde não se pode concluir por nenhuma prática de dumping; -Na notícia do semanário …, de …/06/2012, vieram as requeridas afirmar ter apresentado queixa ao Banco de Portugal sobre as alegadas práticas da requerente, mas esta não tem conhecimento da existência dos respectivos processos; -Dizem ainda as requeridas que a situação da requerente é insustentável e que, “caso entre em incumprimento, isso afectaria todo o mercado”, o que contraria as declarações de um colaborador da requerente, segundo o qual a empresa suporta melhor a actividade por ter uma estrutura de custos inferior às concorrentes; - A referida notícia sublinha que a concorrência acusa também a FX de demorar muito tempo a fazer as transferências, tempo esse perfeitamente regular e no estrito cumprimento das regras de Compliance; -Afirmam ainda as Requeridas que “facilmente eles conseguem juntar cinco milhões de euros numa semana e a partir daí ninguém sabe o que pode acontecer; até podem fechar e sair do país”, o que é falso e insidioso, tanto mais que todas as instituições de pagamento estão obrigadas a contratar apólices de seguro que cubra todos os seus movimentos, como o fez a requerente; -No entanto, o … não é requerido nesta providência porque não voltou a publicar qualquer notícia daquele teor e até publicou a resposta da requerente; -Em resultado das referidas acções das requeridas, a requerente tem sofrido quebras muito acentuadas no volume de clientes e de transferências; -Durante o mês de Janeiro de 2012, realizaram-se aos balcões da requerente 4.038 operações de transferência de dinheiro de Portugal para o …, correspondente a um total de € 2.296.148,00; -E durante o mês de Junho do mesmo ano, o número de operações foi de 6.798, correspondendo ao total de € 3.979.536,00, o que representou um aumento de 73% em volume de dinheiro e de 68% em número de remessas; -De 1 de Junho a 30 de Junho de 2012, aos balcões da requerente fizeram-se 226 remessas por dia, o que correspondeu ao montante diário de € 131.651,00; -Por seu turno, as requeridas, de Janeiro para cá, tiveram uma significativa redução dos seus resultados de exploração, conforme dados publicados pelo Banco de Portugal; -Mais concretamente, a requerida M. O… publicou em Março de 2012 um resultado trimestral negativo de € 185.626,00 contra um resultado negativo no período homólogo de 2011, de apenas € 163.978,00, ou seja menos 13%; -E a requerida MF, em Março de 2012, apresentou um resultado trimestral negativo de € 126.408,28 contra um resultado positivo de € 15.764,27, no período homólogo de 2011, ou seja de menos 900%; - Enquanto que a requerente apresentava um aumento de quase 200% nos resultados do 1.º trimestre de 2012 comparado com o período homólogo do ano anterior; -Porém, de 5 a 16 de Julho de 2012, após a publicação da notícia no semanário …, de …/06/2012, a média da requerente caiu para 192 remessas por dia, correspondendo ao montante diário de € 108.712,00, o que representa uma quebra de 20% do número de remessas e de 22% do volume de dinheiro; -Assim, o prejuízo da requerente, ao fim de apenas duas semanas contadas desde 5 de Julho de 2012, monta a, pelo menos, € 38.038,00, sem considerar a tendência de degradação dos números referidos; -A continuação das acções de divulgação de falsidades por parte das requeridas são geradores do descrédito da requerente no mercado e são de molde a levar à sua destruição, o que só pode ser evitado por medidas judiciais que impeçam a sua propagação; -Além da referida quebra, o valor do prejuízo da requerente pela continuação daquela propagação estima-se em € 2.717,00 por dia, ou seja 2,5% do valor médio diário de € 108.712,00. Concluiu a requerente a pedir a decretação de providência cautelar não especificada, sem prévia audiência das requeridas, que determine às mesmas o seguinte: a) - a remoção dos sítios da Internet da cópia notícia do … ou de qualquer, notícia ou informação sobre a Requerente de idêntico teor ou de teor denegridor da sua imagem comercial ou da imagem dos seus gerentes ou sócios; b) – a remoção das montras das suas lojas da publicitação, seja de que forma for, da notícia do … ou de qualquer, notícia ou informação sobre a requerente de idêntico teor ou de teor denegridor da sua imagem comercial ou da imagem dos seus gerentes ou sócios; c) - a remoção do Facebook ou de qualquer outra rede social da notícia do … ou de qualquer, notícia ou informação sobre a Requerente de idêntico teor ou de teor denegridor da sua imagem comercial ou da imagem dos seus gerentes ou sócios; d) - a proibição da distribuição da falsa e caluniosa notícia por funcionários das Requeridas nas imediações das lojas, e nas mes-mas. 2. Não obstante o pedido de dispensa de audiência prévia das requeridas, foi proferido despacho liminar, em 24/07/2012, (fls. 54-55), a indeferir tal dispensa e a ordenar a citação das requeridas para, querendo, deduzirem oposição. 3. Citadas, as requeridas deduziram, separadamente, oposição mediante impugnação de facto e de direito, tendo a requerida MF concluído pela falta de verificação dos requisitos e pressupostos da providência, enquanto que a requerida MO concluiu pelo indeferimento da mesma por não provados os pedidos formulados. 4. Tanto a requerente como as requeridas, além da prova documental apresentada, ofereceram logo os respectivos róis de testemunhas. 5. Findos os articulados e sem realização das diligências probatórias requeridas, foi de imediato proferida decisão, em 6/09/2012, em que se concluiu nos seguintes termos: Pelo exposto, reconhecendo-se “ab initio” que as pretensões da requerente carecem de fundamento jurídico, pois, mesmo a demonstrar-se tudo quanto alega, pelo menos uma parte dos pedidos não têm como contraparte todos os envolvidos e por não serem avançados indícios da existência de “periculum in mora”, requisito imprescindível para que se possa fazer apelo ao procedimento cautelar, não pode o tribunal dar acolhimento ao solicitado, julgando o presente procedimento improcedente por não provado. 6. Inconformada com essa decisão, a Requerente apelou dela, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Na sentença recorrida considerou-se que a providência não poderia proceder por dois motivos fundamentais: a) - por falta de legitimidade, na medida em que, estando em causa falsidades constantes de uma notícia publicada no jornal …, os responsáveis pela mesma deveriam estar presentes em juízo; b) - Por não se verificar o pressuposto do periculum in mora, referida que era à ausência de meios pelas Recorridas para um eventual futuro ressarcimento dos danos causados à Recorrente, uma vez que não é indiciada a debilidade da situação das Recorridas. 2.ª - A questão da falta legitimidade das Requeridas, padece, salvo o devido respeito, de um equívoco quanto ao propósito da presente providência cautelar; 3.ª - Com efeito, o jornal … publicou a notícia no final do mês de Junho, tendo a Recorrente exercido o direito de resposta que foi devidamente atendido. 4.ª -Nesse contexto, entendeu-se não se justificar qualquer demanda de natureza cautelar ao hebdomadário 5.ª - Mas a situação é essencialmente diferente no que se refere às Recorridas. 6.ª - De facto, conforme alegado no requerimento inicial, estas divulgaram e continuam a divulgar a notícia junto do mercado de clientes desta actividade. 7.ª - Esta divulgação é um facto juridicamente distinto da publicação da notícia no jornal em si e, pelo seu carácter sistemático e continuado, prolonga no tempo das notícias aí veiculadas, potenciando a sua repercussão muito para além do seria o normal por via da simples publicação da notícia numa única edição do jornal. 8.ª - Acresce que a divulgação por parte das Requeridas é realizada junto do público específico da Recorrente, porventura muito diferente do público do jornal …, em termos que multiplicam os efeitos nefastos da notícia para a reputação da Recorrente, com imediata repercussão económica na Recorrente.9.ª - É essa actuação que a Recorrente pretende que seja feita cessar de forma cautelar. 10.ª - E, a esse respeito, apenas se justifica que sejam demandadas as Recorridas, enquanto responsáveis pela actuação em causa, e não o jornal …, cuja conduta não está aqui em causa. 11.ª - Esteve portanto mal a sentença recorrida ao considerar ser necessária, ou sequer útil, a presença do jornal … no presente processo. 12.ª - Também não é verdade que não exista periculum in mora, sendo que a este respeito a sentença identificou de forma errónea o perigo indicado pela Requerente. 13.ª - De facto, o perigo que se pretende acautelar não se refere à eventual futura insolvência das Recorridas e concomitante impossibilidade de ressarcimento dos danos causados à Recorrente; o perigo que se pretende afastar é o de a Recorrente desde já vir a soçobrar economicamente, por não ser viável a sua actividade face ao o desvio de clientela desleal e ilicitamente perpetrados pelas Recorrentes por via da conduta ilícita e desleal cuja cessação se requer. 14.ª - Os factos a que se reporta esses dados são indicados no requerimento inicial (artigos 6-9, 47-50, 94-106). 15.ª - O que se pretende acautelar com o presente procedimento não é uma qualquer garantia patrimonial das Recorridas que assegure o futuro ressarcimento dos créditos da Recorrente; o que se pretende evitar é apenas que, por via da continuação da actividade que se reputa ilícita e desleal por parte das Recorridas, a actividade económica Recorrente venha a tornar-se inviável e venha a fechar portas. 16.ª - Ora, esse perigo permanece e agrava-se a cada dia que passa; 17.ª - Decidindo como decidiu o Mm.º Juiz “a quo” violou o disposto no artigo 387.º/1 do C.P.C. 18.ª - Equivocando-se sobre o perigo que se pretende afastar, a sentença não se pronunciou devidamente sobre a questão que era colocada pela providência cautelar. 19.ª - Face ao que a sentença padecerá de nulidade, nos termos do artigo 668.º/1/d), o que para os devidos efeitos se argúem. Pede a apelante que se revogue a decisão recorrida e se ordene o prosseguimento do processo cautelar até final. 7. As requeridas apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado, sendo que a apelada MF remata com a seguinte síntese conclusiva: 1.a – O objecto do presente recurso cinge-se a saber se Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, por um lado, violou o disposto no art. 387.°, n.° 1, do CPC e, por outro, incorreu em omissão de pronúncia e cometeu a nulidade prevista no art. 668.°, n.° 1, alínea d), do CPC. 2.ª - O Tribunal “a quo” não incorreu em omissão de pronúncia, por ter conhecido e decidido fundamentadamente quanto à falta de pressupostos da providência, designadamente do “periculum in mora”, concluindo pela falta de alegação dos respectivos factos e dos pressupostos essenciais para o decretamento da providência. 3.ª – As alegações e as conclusões da Apelante são omissas quanto ao sentido com que deveria ter sido interpretado e aplicado o art. 387.º, n.° 1, do CPC, alegadamente violado, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 685.°-A, n.° 2, alínea b), do CPC, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 685.°-A, n.° 3, do CPC, julgando-se desnecessária e inútil a notificação da Apelante, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 685.°, n.° 4, do CPC, deve recusar-se, nesta parte, o conhecimento do recurso. 4.ª – Sem prescindir, por cautela, sempre se dirá que a sentença recorrida deve ser confirmada, por não ter sido violado o art. 387.°, n.° 1, do CPC e o Tribunal a quo, em face da falta e deficiente alegação da matéria de facto, ter concluído que a providência requerida não deveria prosseguir por não ser totalmente perceptível o direito a acautelar, nem os factos enquadráveis no “periculum in mora” e nada ter decidido quanto à (i)legitimidade por falta de demanda do jornal …. 5.ª – Não tendo sido proferido despacho liminar, não poderia o Tribunal a quo terse apercebido, em momento anterior ao da decisão, da manifesta falta de fundamentos de facto e de pressupostos da providência, sendo-lhe licito decidir, como decidiu, designadamente, por analogia com o disposto no art. 795.º, n.° 1 do CPC, por não estar obrigado a designar data para a audiência final prevista no art. 386.°, n.° 1 do CPC. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos conjugados dos artigos 684.º, n.º 3, 684.º, n.º 2, 685.º-A, n.º 1, e 685.º-B, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Dentro de tais parâmetros as questões suscitadas no âmbito do presente recurso consistem em ajuizar sobre: a) – a invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia; b) – a prematuridade do julgamento quanto ao mérito da providência peticionada. De referir ainda, a este propósito, que a recorrente, nas suas conclusões recursórias indica o entendimento que deve ser perfilhado na decisão de recurso, ao pugnar pelo prosseguimento do processo, o que basta para a observância do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 685.º-A do CPC, não ocorrendo, pois, motivo para o não conhecimento do objecto do recurso, ao contrário do que parece sustentar a apelada MF. III – Fundamentação 1. Quanto à invocada nulidade da decisão recorrida com fundamento em omissão de pronúncia Invoca a apelante a nulidade da decisão recorrida com fundamento em omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. Como é sabido, a apontada nulidade constitui sanção para a inobservância do dever de pronúncia imposto ao tribunal pelo artigo 660.º do CPC. Esse dever de pronúncia incide sobre as questões que sejam suscitadas pelas partes ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, o que significa, que só ocorrerá tal nulidade quando o tribunal deixe de apreciar as pretensões formuladas ou as excepções deduzidas ou as que o tribunal deva conhecer ex officio. Já não relevam para tal efeito os casos em que o tribunal deixe porventura de ter em conta factos relevantes alegados pelas partes, situações estas que se traduzem, em regra, em erros de julgamento, cuja impugnação respeita já ao mérito da causa. No caso vertente, o tribunal recorrido tomou conhecimento do mérito da providência cautelar requerida, considerando que ela se afigurava, desde logo, manifestamente improcedente, porquanto as pretensões da requerente careciam de fundamento jurídico, já que, mesmo a demonstrar-se tudo quanto alega, pelo menos uma parte dos pedidos não têm como contraparte todos os envolvidos e por não serem avançados indícios da existência de periculum in mora, requisito imprescindível para que se possa fazer apelo ao procedimento cautelar, julgando-o assim tais pretensões improcedentes por não provadas. Significa isto que o tribunal recorrido, afora a consideração sobre a uma eventual ilegitimidade quanto a alguns dos pedidos, acabou por formular um juízo negativo global sobre o mérito dessas pretensões, sustentado numa manifesta inviabilidade de direito. Assim sendo, pronunciou-se sobre o mérito das pretensões formuladas pela requerente, não incorrendo em qualquer vício de omissão de pronúncia, podendo, quando muito, discutir-se a oportunidade dessa decisão ou até seu mérito. Termos em que improcede a arguida nulidade da decisão recorrida. 2. Quanto à prematuridade da decisão proferida sobre o mérito da providência O tribunal recorrido, depois de equacionar os requisitos legais das providências cautelares requeridas, julgou as mesmas improcedentes com base nas seguintes considerações: No tocante à invocação do direito, é consistente a alegação da oponente, no sentido de que não é totalmente perceptível qual o direito que se visa acautelar: se o direito a não ver publicada a notícia, se o direito a não a ver difundida, se o direito a prosseguir com as suas práticas comerciais. Parece-nos, porém, mais ou menos claro que o que a requerente pretende é poder prosseguir com a sua actividade, sem que às requeridas assista o direito de se pronunciarem a propósito da legalidade da mesma. Neste sentido, coloca-se até uma óbvia questão de legitimidade. A requerente pretende a remoção de uma notícia de um jornal de todos os sítios da Internet, sem que demande o emitente e autor primitivo dessa mesma notícia. A requerente pretende fazer calar uma notícia por todo e qualquer meio, sem trazer à demanda o seu autor. O que se nos afigura, porém, evidente é que não são alegados factos atinentes ao receio, justificado, de lesão grave e dificilmente reparável do direito ou interesse (periculum in mora). Não se põe em crise que a requerente tenha em mente a prossecução da sua actividade comercial, que uma notícia de jornal de acordo com a qual a sua actividade se pauta por práticas ilegais seja susceptível de originar quebras de negócio e que as requeridas possam estar a contribuir para a difusão dessa notícia. A requerente cinge-se, todavia, a alegar que as situações financeiras estão muito degradadas, pelo que deverão ser desde já condenadas a caucionar o pagamento dos prejuízos, sob pena de até ao julgamento da acção principal a propor poderem não ter com que a indemnizar. Ocorre, todavia, por um lado que dizer que situações financeiras estão muito degradadas é uma mera conclusão de factos que não foram enunciados. Por outro lado, atentos os pedidos formulados, a presente providência nunca servirá para caucionar, para garantir o pagamento de uma indemnização. Nenhum pedido é formulado nesse sentido. Assim, o eventual decretamento da providência em nada contribuirá para garantir o pagamento de uma hipotética justa indemnização pelo ocasionar de prejuízos. Em conclusão, não se vê como possam as requeridas ser condenadas nos pedidos formulados desacompanhadas da entidade gestora do jornal que publicou a notícia visada. Mas mesmo que se justificasse o convite a fazer intervir a entidade detentora do aludido órgão de informação, tal mostra-se inútil, pois a requerente não invoca factos que permitam concluir que esperar por uma decisão no processo principal inviabilizará o seu eventual direito a indemnização. Efectivamente, a mera caracterização das situações financeiras das requeridas como degradadas não permite extrair qualquer conclusão neste âmbito. Assim, a falta de alegação de pressupostos essenciais para o decretamento da providência, sempre tornaria inócua a respectiva prossecução. Vedando a lei a prática de actos inúteis, inexiste, pois, fundamento para a prossecução dos autos, sendo desde já de declarar o procedimento totalmente improcedente. O que, salvo o devido respeito, se mostra, desde logo, muito estranho é que, não tendo as providências requeridas sido objecto de indeferimento liminar imediato ou de despacho de aperfeiçoamento, o tribunal recorrido, findos os articulados e sem realização de quaisquer diligências probatórias sobre os factos controvertidos, tenha acabado por julgar manifestamente improcedentes, de direito, aquelas pretensões. Como é sabido, uma tal juízo de improcedência só deve ser proferido nos casos em que, face ao alegado pelo impetrante, seja de todo insustentável, segundo a doutrina e jurisprudência correntes, nomeadamente quando seja seguro concluir que, mesmo a provar-se todo o alegado, nunca a providência lograria qualquer êxito no plano jurídico. Parece ter sido esta a conclusão da decisão recorrida. No entanto, não se pode deixar de observar que, na respectiva fundamentação, o tribunal a quo, depois de traçar, em abstracto, os parâmetros dos requisitos legalmente exigidos para a decretação da providência cautelar comum, limita-se a tecer considerações de ordem muito geral e conclusiva sobre os fundamentos alegados pela requerente, sem uma concreta ponderação desses fundamentos, em especial no que respeita ao que fora detalhadamente alegado pela requerente como factos atinentes ao receio justificado de lesão grave e dificilmente reparável do direito ou interesse que se pretende acautelar. Senão vejamos. Estamos no âmbito de uma providência cautelar comum conservatória, complexa, envolvendo três segmentos de natureza injuntória para remoção de informação divulgada e mantida em sites da Internet, no facebook e outros locais das requeridas, tida por atentatória da imagem e bom nome comercial da requerente, e um segmento de cariz inibitório ou de proibição de comportamentos futuros de tipo similar pelas mesmas requeridas Ora, segundo os artigos 381.º, n.º 1, e 387.º, n.º 1, do CPC, são requisitos positivos da providência cautelar comum os seguintes: a) - a probabilidade séria da existência do direito invocado que se pretende acautelar – fumus boni iuris; b) - o fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável desse direito - periculum in mora. Quanto ao primeiro desses requisitos, basta que se verifica a verosimilhança da existência do direito que se pretenda fazer valer em acção própria. Já o segundo requisito, implica uma prova de grau mais consistente, ainda que indiciária, sobre a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável desse direito, que tanto pode consistir num puro estado de ameaça de lesão, como em lesão ainda não consumada, ou seja, lesão já iniciada mas em curso. Em particular, este último requisito traduz-se num conceito jurídico indeterminado gradativo, “carecido de preenchimento valorativo” a fazer no confronto do caso concreto, à luz dos padrões socioculturais do tipo de comportamento ou situação social relevante e da teleologia subjacente à norma em que se inscreve[1]. Cabe, pois, à doutrina e jurisprudência ir sedimentando os parâmetros dessa valoração normativa. Nessa perspectiva, não se deverá partir de uma bitola genérica, meramente abstracta, mas antes tomar em linha de conta as particularidades da situação singular em presença, de forma a perscrutar nelas os sinais apelativos de uma justiça equitativa que permita, de algum modo, a aplicação flexível da norma, num esforço de conciliação ou síntese entre os valores ético-sociais e o direito. Há, no entanto, que evitar interpretações arbitrárias e por isso recorrer a directrizes objectiváveis e sustentadas numa base de razão prática. Por isso, a doutrina e jurisprudência têm firmado o critério de que a lesão relevante se tem de situar num padrão de gravidade qualificada pela difícil reparabilidade dos danos ocorridos ou previsíveis, não se bastando com uma simples lesão nem com uma lesão de gravidade reduzida[2]. Regressando agora ao caso vertente, no que respeita à identificação do direito invocado, não divisamos as dificuldades dessa identificação referidas na decisão recorrida. Ora, do alegado pela requerente decorre, claramente, que ela pretende acautelar o seu direito ao bom nome e imagem que tem no mercado em que actua e que considera afectado e ameaçado pela iniciativa de divulgação das notícias que imputa às requeridas. Com efeito, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República consagra, no domínio dos direitos fundamentais, o direito ao bom nome, à reputação e à imagem, garantias estas extensíveis às pessoas colectivas no que for compatível com a sua natureza, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da mesma Lei Fundamental. Por sua vez, o artigo 70.º do CC protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral, conferindo-lhe o direito de requerer as providências adequadas com o fim de evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos de ofensa já cometida, o que não poderá deixar de abranger, na medida da sua equiparação, as próprias pessoas colectivas, designadamente as sociedades comerciais. Como se ponderou em acórdão desta Relação, de 23 de Março de 2010[3], “para uma sociedade comercial que, por definição, prossegue o lucro, é fundamental a protecção do seu bom nome na praça e na actividade económica que desenvolve, nomeadamente, numa imagem de honestidade, credibilidade e prestígio social”. No referido aresto, considerou-se que “é lesiva deste interesse da sociedade a conduta de outra sociedade materializada na afixação pública de um cartaz informando que a primeira, sua cliente, tinha por liquidar uma dívida…” Do relatório acima exposto, em que se procurou espelhar o quadro fáctico alegado pela requerente, constam elementos concretos em que esta alicerça a sua credibilidade comercial, no mercado em que actua, com referência ao próprio volume de negócios e ao tipo de actividade que desenvolve num contexto de concorrência com as requeridas. Por outro lado, consta também aí a referência aos factos alegados tendentes a demonstrar que a actuação que imputa às requeridas pela iniciativa de divulgação das notícias em foco se afigura lesiva dessa credibilidade comercial, factos esses que se traduzem em comportamentos concretos imputados às mesmas requeridas na divulgação de tais notícias em locais ou sítios digitais acessíveis ao público concretamente identificados. Nesse espectro alegatório, não se divisa que se suscitem dúvidas sérias sobre a espécie ou natureza do direito que a requerente pretende acautelar. Relativamente à alegada lesão ou ameaça de lesão grave desse direito, o que se colhe do requerimento inicial são também afirmações mais ou menos precisas de comportamentos concertados imputados às requeridas traduzidos na divulgação, por diversos meios, de notícias sobre o desempenho empresarial da requerente susceptíveis de a denegrir no respectivo mercado, mediante a divulgação de notícias falsas sobre aquela, nomeadamente junto do semanário Sol, na Internet e no Facebook, sendo que tais comportamentos são configurados como ainda persistentes e portanto constituindo ameaça de perdurar na lesão já iniciada. E quanto à sua gravidade, a requerente alegou, como factos indiciários, os níveis de quebra abrupta do seu volume de negócios já verificado, de forma a demonstrar que a manutenção dessas práticas pode levar à sua destruição económico-financeira. Invoca, assim, a requerente, como grave lesão desse direito o facto de poder vir a soçobrar economicamente, por não ser viável a sua actividade face ao desvio de clientela desleal e ilicitamente perpetrado pelas requeridas por via da conduta ilícita cuja cessação requer. Perante este cenário, suficientemente suportado no alegatório da requerente, afigura-se prematuro formular um juízo de manifesta improcedência, sem a prévia produção da prova oferecida. De resto, parece ter sido nesse sentido a decisão liminar que ordenou a citação das requeridas. Também não se vê que aqui esteja em causa sequer o comportamento do semanário Sol, porquanto nem a requerente lhe pretende atribuir responsabilidade pela divulgação de tais notícias, mas sim às próprias requeridas que as teriam veiculado junto daquele semanário e noutros sitos de acesso público. Por isso, salvo o devido respeito, mostra-se algo despropositada a consideração do tribunal a quo em equacionar a necessidade de outros intervenientes processuais. Em suma, do alegado pela Requerente decorre com a necessária nitidez qual o direito que se pretende acautelar – o direito à sua imagem, bom nome e reputação comercial -, quais as lesões ou ameaças de lesão imputadas às requeridas e ainda os factos indiciárias susceptíveis de configurar um risco de lesão grave e dificilmente reparável desse direito, mormente na sua vertente económico-financeira. Nesta conformidade, não se afigura que se possa, sem mais, concluir pela manifesta improcedência de direito invocado, mormente por falta de alegação dos requisitos das medidas cautelares peticionadas, o que significa que a decisão recorrida foi prematura ao ajuizar sobre a manifesta inviabilidade das pretensões cautelares formuladas sem a prévia produção de prova sobre a factualidade controvertida. IV - Decisão Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente, anulando-se a decisão recorrida, por prematura, e ordenando-se o prosseguimento dos autos para a realização das diligências probatórias requeridas. As custas do recurso ficam a cargo das apeladas. Lisboa, 4 de Dezembro de 2012 Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado Rosa Maria Ribeiro Coelho ------------------------------------------------- [1] Sobre a noção de conceito jurídico indeterminado gradativo e modo do seu preenchimento, vide, entre outros, J. Baptista Machado Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1987, pag. 114, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, Almedina, 1984, pag. 181. [2] No sentido exposto, vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 5 – Procedimento Cautelar Comum, Almedina, 1998, pags. 83-87. [3] Relatado pelo Exm.º Juiz Desembargador João Aveiro Pereira, no processo 7527/04.3YXLSB.L1-1, publicado na Internet – http://www.dgsi.pt. |