Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25239/19.1T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÃO BANCÁRIO
CONSUMIDOR
ÓNUS DA PROVA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
FURTO
EXTRAVIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1-O cliente bancário que utiliza cartões bancários com objectivos alheios às suas atividades comerciais, empresariais ou profissionais é considerado consumidor e, como tal, tem direito à proteção dos seus interesses económicos.
2-No caso de utilização não autorizada do cartão bancário, resulta do artº 113º do DL 91/2018, que compete ao banco, prestador de serviços, os ónus de alegação e de prova da “negligência grosseira”, pelo utilizador de serviço de pagamento, ou o dolo ou existência de fraude.
3-A circunstância de ter sido utilizado o código PIN, por terceiro, que efectuou as operações de pagamento e de levantamento não significa, por si só, que o autor tenha sido negligente.
4-O artº 111º do DL 91/2018, obriga o prestador de serviços de pagamento a garantir a disponibilidade, a todo o momento, de meios adequados para permitir ao utilizador de serviços de pagamento proceder à comunicação de furto ou extravio do cartão bancário e, a impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a comunicação tenha sido efetuada.
5- Pelo artº 73º do Regime Geral das Instituições de crédito e Sociedade Financeiras (DL 298/92, de 31/12) exige-se aos bancos que na sua conduta observem elevados níveis de competência técnica que assegurem qualidade e eficiência, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente.
6- Essa exigência de elevados níveis de competência profissional e técnica impunham que o operador do call center do banco, para onde o autor telefonou a comunicar o furto do cartão bancário, verificasse que o cliente tinha dois cartões, um de débito e outro de crédito, que nunca tinha utilizado o cartão de crédito e, tivesse perguntado/inquirido, por uma questão de segurança e de certeza, se o cartão furtado era o de débito ou de crédito, não se limitando a uma atitude passiva de ouvir “credit card”.
7- Além disso, se o banco réu tivesse agido com elevado profissionalismo, e tivesse designado funcionário para substituir o gestor de conta do autor durante as suas férias, por certo teria recebido a comunicação do autor a ordenar o cancelamento do cartão de débito logo por volta das 15:00 horas do dia 22/03/2019 e, com isso, não teriam sido realizados quaisquer movimentos na conta do autor.
8- Nos termos do artº 114º do DL 91/2018, sempre que o ordenante/cliente não seja imediatamente reembolsado pelo prestador de serviços de pagamento são devidos ao ordenante juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento tenha negado que autorizou a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efetivo da mesma, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
1-JFC, residente em França, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra D Bank Sucursal em Portugal e, ACB, Sucursal em Portugal, pedindo:
- A condenação das rés a reembolsa-lo da quantia de € 139.026,95, correspondente ao total das operações de pagamento não autorizadas, acrescida do valor dos juros moratórios e compulsórios vencidos, no valor de € 5.012,59 e de juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar ao Autor a quantia de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, que celebrou com o 1º réu, D Bank, em 22/02/2018, um contrato de abertura de conta de depósito à ordem e solicitou a adesão a cartão de débito associado a essa conta; em 22/01/2019 celebrou com o mesmo réu contrato de adesão a cartão de crédito associado à mesma conta bancária.
No dia 23/3/2019, na Africa do Sul, quando o autor se preparava para levantar dinheiro numa máquina multibanco e, como esta máquina não disponibilizava o dinheiro nem devolvia o cartão de débito, surgiu um indivíduo, com uniforme da Shell, posto de combustível onde estava o terminal multibanco, que lhe disse ir chamar o gerente para resolver o problema; porém, ninguém compareceu e o autor apercebeu-se que lhe haviam furtado o cartão de débito; de imediato tentou falar com o seu gerente de conta, JS, o que apenas conseguiu às 15:45 horas de Portugal e, este gerente de conta aconselhou-o a ligar para o “cal center” da 1ª ré a participar o furto do cartão e a solicitar o respectivo cancelamento, o que ele fez de imediato, solicitando o cancelamento do cartão e de toda e qualquer operação que entretanto tivesse sido efectuada; o operador do “call center” informou-o que havia procedido ao cancelamento do cartão e que devia entrar novamente em contacto com o seu gestor de conta. O autor, por email para o seu gestor de conta, confirmou o cancelamento do cartão de débito e, pediu para verificar se na sua conta bancária, depois das 16.00 horas de 22/03/2019, haviam sido realizadas transacções ou operações na conta, não obtendo resposta. Ficou convicto que ninguém poderia utilizar o seu cartão ou efectuar movimentos na conta bancária. Em 26/03/2019, quando regressou a Portugal constatou que após o furto, haviam sido retirados da sua conta bancária 139 026,95€, correspondentes a levantamentos, pagamentos e transferências. Esses movimentos não foram realizados pelo autor nem por si autorizados. Falou com o gestor de conta que o informou que o cartão que ele havia pedido para ser cancelado foi o cartão de crédito e não o cartão de débito. A utilização da expressão “credit card” serve para se referir a qualquer cartão bancário, seja de crédito seja de débito e, por isso, o 1º réu deveria ter cancelado ambos os cartões por estarem associados à mesma conta bancária. O funcionário do réu não perguntou ao autor qual dos cartões pretendia cancelar ou se pretendia cancelar ambos. Sucede que o cartão de crédito do autor não se encontrava, sequer, activado o que poderia ter sido facilmente verificado pelo funcionário com quem falou. O seu gestor da sua conta informou-o que o cartão havia sido utilizado em vários terminais multibanco e que o utilizador conhecia o código PIN. O gestor de conta deveria ter diligenciado pelo cancelamento do cartão quando se apercebeu de movimentos anormais e avultados na conta.
A perda daquele valor causou enorme perturbação, agitação e insónias ao autor, com necessidade de acompanhamento médico. Deixou de ter possibilidade de cumprir as prestações do crédito bancário contraído junto do 1º réu para aquisição de habitação, vendo-se obrigado a vendê-la, o que lhe causou enorme frustração.
2- O 1º réu contestou.
Invoca a sua ilegitimidade passiva, dizendo que vendeu o seu negócio de retalho em Portugal ao ACB, Sucursal em Portugal.
Que o autor ao contactar o “cal center” do 1º réu solicitando o cancelamento do cartão de crédito/credit card, o que foi feito e foi aconselhado a contactar o seu gestor de conta. Em 25/03/2019 o gestor de conta do autor, regressado do período de férias, teve conhecimento da situação relatada pelo autor e percebeu a existência de movimentos atípicos na conta, 15 levantamentos e 34 compras e, nessa sequência, seguiu o protocolo e pediu de imediato à SIBS o cancelamento do cartão de débito do autor e internamente o bloqueio da conta de depósitos à ordem. A SIBS informou que os levantamentos ocorreram com inserção do PIN do cartão não havendo lugar a estorno de fraude. O autor admite que o individuo que lhe furtou o cartão terá tido conhecimento do PIN. Não foi acordado entre autor e réu o limite diário de movimentos na conta bancária.
Desconhece se foi ou não o autor a realizar os movimentos na conta e os pagamentos. Que o Autor não efectuou a comunicação devida nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 110 do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro, da cláusula 6. das “Condições Gerais de Utilização” do Contrato de Adesão a Cartões de Crédito e da al. b) da cláusula 5. da Subsecção H4 das Condições Gerais do contrato de abertura de conta de depósito à ordem.
Conclui pela improcedência do pedido.
3- Foi deduzido incidente de intervenção principal provocada de ACB, S.A., Sucursal em Portugal.
4- Foi indeferido incidente de intervenção principal da ACB, S.A., Sucursal em Portugal.
Foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade de ASF, SA, Sucursal em Portugal.
Foram enunciados os factos não carecidos de prova por, de acordo com o despacho saneador, se encontrarem provados por documento ou por acordo.
Foram enunciados os temas de prova.
5- Por decisão do Tribunal da Relação foi determinada a intervenção da ACB, SA –Sucursal em Portugal.
6- Citada, veio contestar.
Invoca a ilegitimidade passiva da interveniente, ACB, dizendo que não teve qualquer intervenção na factualidade em causa na acção.
Mais alega falta de interesse directo em contradizer.
Por impugnação diz desconhecer a factualidade em discussão.
Pugna pela sua absolvição dos pedidos.
7- Ouvido, o autor defendeu a improcedência das excepções e a procedência da acção.
8- Foi elaborado novo saneador que julgou improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela interveniente ACB.
No essencial foi mantida a selecção anterior sobre a matéria de facto.
9- Realizou-se a audiência final em três sessões e, com data de 28/01/2024 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Decisão
Em consequência do anteriormente exposto decide-se:
Julgar improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolver a Ré e a interveniente principal do pedido.”
10- Inconformado, o autor interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso de apelação vem apresentado pelo Autor, aqui Apelante, da sentença proferida a fls., dos autos, que julgou improcedente, por não provada, a ação apresentada e em consequência absolveu os Bancos Réus, aqui Apelados, dos pedidos deduzidos no libelo e que aqui se reproduzem:
“a) Reembolsar o Autor da quantia de € 139.026,95, correspondente ao total das operações de pagamento não autorizadas, acrescida do valor dos juros moratórios e compulsórios vencidos, no valor de € 5.012,59 e de juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar ao Autor a quantia de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais.
c) Serem condenados nas custas e demais encargos com o processo.”
2. A douta decisão em causa não faz, com o devido respeito, uma correta interpretação dos factos e uma adequada aplicação do direito, pois, na verdade, o Tribunal “a quo” deu como provados factos em desconformidade com a prova produzida e considerou não provada matéria de facto que resultou provada e demonstrada da conjugação dos instrumentos de prova disponíveis nos autos, fazendo assim uma errada subsunção jurídica e errada interpretação das normas legais aplicáveis.
3. Na verdade, o Tribunal “a quo” considerou não provada matéria de facto que resultou provada e demonstrada da conjugação dos instrumentos de prova disponíveis nos autos, fazendo assim uma errada subsunção jurídica e errada interpretação das normas legais aplicáveis.
4. Da análise dos factos dados como provados bem como da aplicação do direito, a Mª Juiz “a quo” concluiu pela improcedência da ação, relativamente aos pedidos formulados pelo Autor.
5. Ora, atendendo à matéria de facto em causa, ao teor dos depoimentos prestados e prova produzida, ao conteúdo dos factos dados como provados, bem como, à adequada aplicação do direito, o Autor, aqui Apelante, entende que a presente ação deveria ter sido julgada totalmente procedente.
6. O Autor entende que apesar do cuidado evidenciado na douta decisão recorrida a mesma enferma de erros na apreciação da matéria de facto, os quais são, por si só, determinantes à boa decisão da causa, implicando, deste modo, à prolação de sentença ou decisão substancialmente oposta à proferida.
7. Na verdade, a prova testemunhal e documental produzida nos autos deveriam ter levado o Tribunal a não considerar dada como assente e provada a matéria de facto que concluísse pela procedência da ação.
8. Em 2018.02.22, as partes celebraram um contrato de abertura de conta, na sequência do qual foi aberta em nome do Apelante uma conta de depósito à ordem junto da Apelada, a que corresponde o NIB 00….414.
9. Na sequência, da abertura da referida abertura de conta, o Apelante, em 2018.10.25, efetuou o pedido de adesão ao cartão de débito associado à referida conta bancária;
10. Sucede que, em 2019.03.22, durante uma viagem de lazer à África do Sul foi subtraído ao Apelante o aludido cartão de débito, tendo, na mesma data, tal facto sido comunicado à Apelada.
11. Não obstante o pedido de cancelamento em apreço, certo é que o cartão não foi objeto de qualquer bloqueio, tendo, em virtude da sua ilícita utilização, sido subtraído ao Apelante o montante total de € 139.026,25”.
12. Para além dos factos assentes em sede de despacho saneador, referenciados nos pontos 1 a 15, da fundamentação fáctica da sentença em apreço e para os quais se remete e aqui se reproduz, importa salientar, nesta apelação, a matéria de facto resultante da produção dos temas de prova, constantes dos pontos 16 a 59, da mesma fundamentação fáctica constante da sentença e para a qual igualmente aqui se remete e importa salientar, reproduzindo-se os que contribuirão à boa decisão da causa;
13. Verifica-se manifesta contradição entre a matéria de facto assente sob os nºs 11, 12, 13 e 14, da matéria de facto assente em sede de despacho saneador com o referenciado como provado sob os nºs 29; 30; 31; 32; 33; 46; 47; 54 e 57; da resposta aos temas da prova;
14. Estando assente – e aceite pelas partes – que o Apelante, na sequência do contacto telefónico efetuado ao gestor da sua conta bancária, o Sr. JS, concretizado cerca das 18:00, hora de França e quando, na África do Sul eram cerca das 19 horas e em Portugal 17 horas (resp. aos pontos 10 e 11), dos temas da prova,
15. Com o resultado do mesmo decorrente, que se encontrava em férias e que telefonasse para o “call center” da Ré, através do número +351 21…, para participar o furto do cartão e solicitar o seu urgente cancelamento;
16. Estando igualmente assente que o gestor da conta do Autor tinha conhecimento dos cartões atribuídos ao Autor e que o telefonema se concretizou nos termos constantes da resposta ao ponto 29, dos temas de prova,
17. E que, nos termos do ponto 11, do qual resulta assente que a 23.3.2019, o Autor enviou ao seu gestor de conta, JS, o e-mail, junto por cópia a fls. 93, escrito em inglês, nos exatos termos no mesmo transcrito, onde se refere, expressamente, ainda que na língua inglesa, o roubo do “credit card” e que, nos termos da resposta ao ponto 14, se menciona a concretização do cancelamento do cartão associado à conta com o NIB: 00…414 (al. O, dos factos assentes),
18. Bem como, estando assente que o funcionário do “call center” ao aceder à conta bancária do Autora, tinha acesso a todas as informações da mesma contantes, nomeadamente, dos movimentos dos cartões, das comunicações efetuadas, dos intervenientes registados e dos saldos existentes,
19. É claro e inequívoco que o cartão que deveria ter sido cancelado, independentemente do Autor sempre se referir ao mesmo como “credit card”, deveria ter sido o cartão de débito associado à mesma conta;
20. Tendo o Banco Réu se limitado, sem qualquer outra averiguação, a cancelar o cartão de crédito (credit card), sem nada fazer em relação ao cartão de débito que, este sim, era o que estava associado à conta bancária com o NIB: 00…414, até por que, como resulta da resposta dada ao ponto 22, dos temas de prova (resposta 33 dos factos provados), o cartão de crédito associado à conta aludida em 1, a conta bancária com o NIB: 00…414, encontrava-se ativo mas sem movimentos,
21. E em termos bancários, apesar dos débitos dos pagamentos efetuados por tal cartão de crédito se concretizarem na conta DO, com o NIB: 00…414, o certo é que o cartão verdadeiramente associado a esta conta é o cartão de débito e não o de crédito que, inclusive, pertence a outra entidade bancária.
22. Ao contrário do referenciado na alínea 34, dos factos provados, em resposta ao ponto 23, dos temas de prova, o funcionário do call center podia – e devia – ter verificado os cartões de que o Autor dispunha, bem como, os que se encontravam ativos e ou sem movimentos, (mesmo que o interlocutor da conversa telefónica – o Autor – se encontrasse a falar em inglês e na ansiedade em que se encontrava, referindo- se, sempre, a “credit card”.
23. Verifica-se idêntica contradição entre as alíneas 29, 30, 31, 32, 33 e 34, da resposta aos correspondentes pontos dos temas de prova.
24. Na realidade, dando-se como assente ou provado que o funcionário do “call center”, depois de identificar o Autor como Cliente do Banco Réu, o informou de que iria proceder ao cancelamento do cartão (de crédito (entenda-se);
25. E que, se quisesse outro, teria de entrar em contacto com o seu gestor de conta e para esperar em linha (resp. ao ponto 16), dos temas de prova);
26. O certo é que, não se verificou qualquer seguimento ao recomendado, se cancelou o cartão de crédito (que, como igualmente está assente, se encontrava ativo mas sem movimentos – ponto 33 – resp. ao ponto 22, dos temas de prova);
27. Sem se concretizar – como se esperava – o necessário contacto com o gestor de conta para, outrossim, se falar ou se concretizar o desejado pelo Autor de cancelar o cartão cujo furto se estava a participar e cujo cancelamento se estava a desejar e desesperadamente a solicitar.
28. A mesma contradição se verifica entre a matéria de facto assente sob os nºs 11, 12, 13 e 14, da matéria de facto assente em sede de despacho saneador com o referenciado como provado sob os nºs 47; 48; 49; 50; 51: 52; 53; 54 e 57; da resposta aos temas da prova.
29. Na verdade, o e-mail do Autor referenciado a 11), da matéria de facto considerada assente em sede do despacho saneador, constante de fls., 93, dos autos, entra na caixa de correio eletrónico do Banco Réu no momento em que é enviado, sendo que, o Banco nada faz e o gestor da conta JS, funcionário da Ré, quando regressa ao trabalho, na sequência do aludido período de férias, já o comunicado no e-mail constava da caixa de correio e do mesmo se dava nota, clara e inequivocamente, ainda que na língua inglesa, a confirmação escrita do comunicado por telefone, quer para o gestor da conta quer para o “cal center”, de que o Autor havia sido vitima de roubo de cartão e que havia pedido ao banco para cancelar todas as transações efetuadas com o cartão depois das 4 pm, hora portuguesa, insistindo que se concretize o cancelamento do cartão, se verifique os movimentos da conta bancária e se inicie com urgência, um processo de fraude. – vidé documento de fls, 93, dos autos – alínea L), dos factos considerados assentes em sede de despacho saneador.
30. Daqui resulta que o Banco Réu teve conhecimento do roubo do cartão e do pedido de cancelamento do mesmo no próprio dia e momento em que o mesmo se verificou, quer por telefone quer por escrito no e-mail confirmativo, e nada faz, limitando-se a concretizar o que resulta da resposta aos pontos 47; 48; 49; 50; 51: 52; 53; 54 e 57 dos temas da prova.
31. O mesmo se passa com a resposta negativa ao 21), dos temas de prova.
32. O facto instrumental de conhecimento público e notório de que a expressão “credit card” significa em português e de harmonia com o “Cambridge English – Portuguese Dictionary”, um cartão de crédito que permite ao seu titular compra coisas e pagar mais tarde,
33. Não responde à matéria dos pontos 20 e 21, dos temas de prova.
34. É que, apesar de, em português, se distinguir o cartão de débito (vulgo, multibanco) e cartão de crédito (vulgo, Visa), o certo é que, como é igualmente do conhecimento público e notório, o estrangeiro, nomeadamente, o inglês (língua com a qual se desenvolveu a conversa do Autor com o funcionário do “call center”) usa – exclusivamente – a expressão “credit card” para todo e qualquer cartão bancário, seja de débito seja de crédito.
35. Dai que, quando o Autor contacta o gestor de conta, JS e o funcionário do “call center” do Banco Réu, e mesmo perguntado acerca do cartão, se referiu – sempre – ao “crédit card”, sem especificar se era o cartão de crédito e/ou de débito, ou cartão Visa ou Multibanco, não se pode concluir, como se conclui na sentença, que o Autor desejava cancelar, especificamente, o cartão de crédito (credit card), tal como, aliás decorre da análise das gravações que adiante se terá de especificar e transcrever.
36. A prova testemunhal e documental produzida nos autos deveriam ter levado o Tribunal a não considerar dada como assente e provada a matéria de facto constante do facto nº 34º (resposta ao ponto 23, dos temas de prova), 50º (resposta ao ponto 45) dos temas de prova), 51º (resposta ao ponto 46, dos temas de prova), 52º, (resposta ao ponto 47, dos temas de prova), 53º, (resposta ao ponto 48, dos temas de prova), 55º (resposta ao ponto 51, dos temas de prova) por exemplo, por se contradizerem, claramente, com o referenciado nos pontos 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 por exemplo.
37. Estando assente o constante nos pontos invocados 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35, como está, o que resulta dos restantes demonstra que o Banco Réu não executou as tarefas que lhe foram confiadas de modo a evitar as respostas da Unicre assentes como provadas nos pontos – 50º, 51º, 52º, 53º e 55º, da resp. aos temas da prova.
38. Concluindo-se, por fim, na parte dos factos dados como não provados os constantes dos pontos 9), 17), 21), 22), 24) e 35), dos temas da prova e ainda os seguintes, dos pontos de prova constantes:
- que o levantamento de dinheiro que o Autor queria efetuar, referido em A), 17 – fosse para efetuar o pagamento do jantar;
- que o Autor não tivesse, em Março de 2019, perspetivas de rendimentos fixos e estivesse a viver apenas das suas poupanças;
- que o Autor se tivesse sentido, na sequência do aludido em 17 – a 37 -, doente e deprimido;
- que o aludido em A), 39 – tenha contribuído para o estado de stress, ansiedade e depressão do Autor;
- que o Autor esteja ansioso, receoso do futuro e do seu modo de sobrevivência económica.
39. Há pois, desde logo, efetiva contradição entre o facto não provado no ponto 17, dos temas de prova e o ponto 11, da matéria de facto assente, correspondente à alínea L), dos factos considerados assentes em sede de despacho saneador.
40. O Autor contactou posteriormente o gestor de conta através do e-mail dado como assente na alínea L), dos factos considerados assentes em sede de despacho saneador.
41. O gestor JS – e consequentemente o Banco Apelado – ignorou a comunicação via e-mail, não responderam nem deram seguimento ao solicitado e referenciado.
42. A matéria dos pontos 21 e 22, dos temas de prova, já referenciada nas presentes alegações, foi efetivamente provada, ao contrário do mencionado na sentença.
43. Tal como se verifica manifesta contradição entre os depoimentos prestados e a fundamentação para a ausência de prova da matéria respeitante aos danos morais invocados, ainda que, os mesmos não
resultem claramente provados, o certo é que se verificaram como resulta da análise dos depoimentos prestados.
44. A sentença “a quo” limitou-se igualmente a proceder sem atentar o depoimento das testemunhas, bem como, o teor das declarações de parte prestadas pelo Autor, que, confirmaram o referenciado nos autos acerca do sucedido e acerca das consequências e alteração das circunstâncias de vida do Apelante.
45. Não restam dúvidas de que o Apelante, na qualidade de Cliente do Apelado, cumpriu com as obrigações associadas ao contrato de cartão de débito, nomeadamente ligou para o contacto previsto no contrato e comunicou, por escrito, o furto do cartão, dentro dos prazos previstos, bem como participou o furto às autoridades locais.
46. Quem não cumpriu com a sua obrigação foi a 1ª Apelada ao permitir que, após a comunicação do furto do cartão feita pelo Apelante, fossem feitos levantamentos e transações de avultado valor da única conta que o mesmo tinha aberta naquela instituição, no total de € 139.026,95 (cento e trinta e nove mil vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos).
47. Qualquer banco, minimamente diligente e que disponha dos meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência dos seus serviços, como lhe é exigido e é o caso do Banco Apelado, teria dado o alerta e entrado em contacto com o Apelante, quando detetasse a quantidade considerável de movimentos a débito realizado num só dia – quanto mais após um reporte de furto de um cartão associada àquela conta -, de forma a certificar-se se existia alguma questão anómala e, se fosse o caso, atuar de imediato e evitar os prejuízos que se verificaram na esfera patrimonial do Apelante.
48. Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, - Processo n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1, proferido em 16/09/2014, disponível em www.dgsi.pt: “Assim, na relação contratual bancária, importa salientar, a par de outros, os seguintes aspetos: (…) o já assinalado carácter profissional e a competência técnica da sua organização impõem ao banco «uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro» e implicam, neste particular domínio, «uma continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente»”.
49. Com o incumprimento culposo das suas obrigações, os Apelados causaram prejuízos ao Apelante, no valor de € 139.026,95 (cento e trinta e nove mil vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), correspondente à soma das operações de pagamentos, efetuadas entre o dia 22 e 25 de março de 2019, não autorizadas pelo Apelante.
50. Pelo que devem ser condenados a reembolsar o Apelante da quantia de € 139.026,95, acrescida de juros moratórios e compulsórios, sobre aquele valor, à taxa de 14 %, calculados desde o dia 26.03.2019, data em que o Apelante comunicou as operações de pagamento que não foram por si autorizadas.
51. A ausência de cuidado demonstrada e retratada nos autos, pela prova efetuada, fez com que fosse incumprido:
1°) A obrigação de fornecer informações claras aos clientes, não sendo suficiente garantir que o Cliente assina dos contratos sem lhe serem especificados os elementos essenciais, nomeadamente o funcionamento e o nível de proteção dos cartões bancários, que não foi feito.
2º) Os débitos efetuados na conta na segunda-feira, 25 de março, demonstram que o Banco Apelado não estava vigilante, apesar de ter sido alertado para o roubo na sexta-feira, 22 de março e de ter recebido um pedido de cancelamento do cartão.
3°) A obrigação de proteger as transações eletrónicas já existia (através do sistema de Visa Electron), reforçada pela norma DSP2 em setembro de 2019, sem que, no caso em apreço, o Banco Apelado não subscreveu qualquer sistema de proteção que permita um controlo mínimo das transações.
52. E, por fim, que o Cliente deve ser informado do nível de proteção das operações de pagamento eletrónico antes da abertura da conta, o que, como resulta dos autos, não se verificou!
53. Claramente que, entre o Autor, aqui Apelante e o Banco Réu, Apelado, se iniciou uma relação bancária caraterizada como uma “relação complexa no seio da qual se estabelecem entre as partes direitos e deveres de vária ordem, assentes numa relação de confiança e no princípio da boa-fé, relação duradoura e na qual pontificam, entre outros, deveres de colaboração e de lealdade mútua, de proteção dos interesses do cliente, de prevenção, de diligência e de cuidado”, tal como se salienta o Prof. Pinto Monteiro, na R.L.J., ano 143, nº 3987, pág. 379.
54. O Banco Réu, na atuação que teve, violou as obrigações que lhe são legalmente impostas, violando os princípios de boa-fé na relação duradoura e os deveres de colaboração e de lealdade mútua, de proteção dos interesses do Cliente, de prevenção, de diligência e de cuidado.
55. Tal como resulta da prova anteriormente transcrita resulta à saciedade que o Banco Réu, aqui Apelado, não cumpriu com os deveres de informação para com o seu Cliente, aqui Autora / Apelante, violando constante do DL nº 298/92, de 31/12.
56. O Banco Réu, no exercício das suas funções, deve informar com clareza acerca dos assuntos que lhe são confiados, concordando-se com o referenciado na douta sentença de que tal dever não traduz um dever absoluto de prestação de informações mas o dever de informação mais fiável possível.
57. Há, no caso dos autos, uma clara violação do dever de boa-fé, como salienta o Profº Menezes Leitão, em Informação Bancária e Responsabilidade, AAVV, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol II, págª 225 e segs, onde se lê que “… não será forçado enquadrar esta situação no âmbito da responsabilidade pré-contratual (artº 277, do CC) uma vez que a informação é prestada para instituição de futuras relações contratuais e a sua falsidade, mesmo que resultante de negligência, constitui manifesta violação do dever de boa-fé.”
58. Em conclusão, a douta sentença que aqui se recorre, nos precisos termos em que a mesma se encontra proferida, encontra-se, com o devido respeito, em plena e clara contradição com a realidade factual e com a prova efectuada e produzida nos autos.
59. A douta sentença não faz, com o devido respeito, uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, violando, entre outros, os normativos invocados e do Código Civil.
60. Ao julgar como se julgou, fez-se, salvo o devido respeito, uma inadequada aplicação do direito aos factos concretos, devendo, pois, ser alterada em função das menções ora mencionadas, julgando procedente a ação.
Nestes termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando o presente recurso de apelação procedente em conformidade com as presentes conclusões, revogando a douta sentença e subsequentemente julgando procedente a ação e condenando os Bancos Réus, aqui Apelados, nos pedidos formulados pelo Auto.
***
11- O réu e interveniente principal contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 28/01/2024, porquanto o Tribunal a quo decidiu absolver o Réu D Bank e o Interveniente Principal ACB dos pedidos contra si formulados pelo Autor.
B. Entende o Autor que a douta sentença não faz uma correta interpretação dos factos e uma adequada aplicação do direito, considerando não provada matéria de facto que considera que resultou provada e demonstrada da conjugação dos instrumentos de prova disponíveis nos autos, fazendo assim uma errada subsunção jurídica e errada interpretação das normas legais aplicáveis.
C.E por este motivo, pretende a alteração da matéria de facto provada, a alteração da fundamentação e consequentemente da decisão a qual deverá ser no sentido de a ação ser julgada procedente.
D. No entanto, o Réu e Interveniente Principal, ora Recorridos, entendem que não assiste razão ao Autor, não podendo a sua pretensão proceder, tendo o Tribunal a quo decidido bem face a toda a prova produzida nos autos, pelo que, deverá manter-se na íntegra a decisão recorrida, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, mas também atenta a argumentação que infra se expõe.
E. Entende o Autor que os factos 1. a 15. dados como assentes em sede de despacho saneador e os factos 18., 19., 20. 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 35., 36., 37., 47., 48., 49., 50., 51., 52., 53., 54., 55., 57. E 58., dados como provados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo seriam suficientes para se concluir pela procedência da acção.
F. Por outro lado, considera o Autor que os factos 34., 45. e 46. dados como provados não deveriam ser considerados como tal e contesta ainda os factos dados como não provados pelo Tribunal a quo.
G. Na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, foram elencadas como questões a decidir, as seguintes: a) à indagação da natureza jurídica do acordo ou acordos celebrados entre Autor e Ré e seu regime jurídico; b) à indagação do eventual cumprimento, por Autor e/ou Ré das respectivas obrigações contratuais e, em suma, à indagação sobre se o Autor comunicou à Ré o furto do seu cartão de débito ou de crédito e/ou se o demandante agiu de forma negligente em sede da utilização do cartão em causa nos autos e cujo furto
comunicou e se a Ré, por seu turno, cumpriu, para com o Autor todas as obrigações sobre a mesma incidentes, em sede legal ou contratual e, c) à indagação, em caso de cumprimento pelo Autor, das suas obrigações na situação dos autos, o mesmo sofreu os danos por si peticionados nos autos.
H. Quanto à primeira questão, não existe divergência nos autos, nem resulta do recurso ora apresentado pelo Autor, que esteja em causa a natureza jurídica e respectivo regime jurídico dos contratos celebrados entre Autor e Réu e posteriormente, Interveniente Principal.
I. Nos referidos contratos, encontram-se previstas diversas obrigações para o banco, enquanto prestador de serviços de pagamento e igualmente obrigações que recaem sobre o cliente bancário, o que o Autor não pode ignorar e vir agora alegar desconhecer porque a tal não foi informado, nomeadamente “…comunicar ao prestador de serviços de pagamento (o banco), logo que de tal tenha conhecimento, a perda, furto, roubo, apropriação abusiva ou qualquer utilização de tais cartões não autorizada de tais meios de pagamento.”
J.O Tribunal a quo não acolheu a versão do Autor que em França os cartões são simultaneamente de débito e de crédito e que credit card significaria cartão bancário, de débito ou de crédito).
K. Depois, atendendo ao teor dos artºs 2º, als. bb), 110, nº 1, al. b) e 115 do Dec. Lei nº 91/2018, “… sobre o cliente bancário que utiliza cartões de débito ou de crédito incidem também obrigações e não apenas direitos, sendo que uma delas se traduz na obrigação de comunicar ao prestador de serviços de pagamento (o banco), logo que de tal tenha conhecimento, a perda, furto, roubo, apropriação abusiva ou qualquer utilização de tais cartões não autorizada de tais meios de pagamento.”
L.O Tribunal a quo concluiu, e bem, que o Autor, nunca comunicou ao banco Réu o furto do cartão de débito associado à sua conta bancária e em causa nos autos e sim e apenas o alegado furto do seu cartão de crédito, que foi logo cancelado.
M. Conforme resulta dos autos, aquando do contacto realizado entre o gestor JS e o Autor no dia 22.03.2019, o primeiro transmitiu de imediato ao Autor que estava ausente do banco, em período de férias, e não dispunha de meios para o auxiliar, mas que, independentemente disso, o procedimento a adoptar nestes casos era sempre o contacto com o serviço call center do Réu para solicitar o cancelamento / bloqueio do cartão, uma vez que estes pedidos não eram processados a nível local.
N. As instruções transmitidas pelo Autor ao funcionário do call center (a testemunha PF) foram claras, porquanto o Autor foi perentório ao afirmar que pretendia o cancelamento do cartão de crédito / credit card.
O. Resultando da prova produzida que o operador do call center que atendeu a chamada do Autor, no dia 22.03.2019, falou com o Autor em inglês e lhe perguntou, duas vezes, se era o seu “credit card” que o demandante queria cancelar, o que o Autor confirmou.
P. Assim decorre da gravação da chamada efectuada pelo Autor para o call center no dia 22.3.2019 junta aos autos pelo banco Réu e reproduzida em audiência de julgamento.
Q.O facto do cartão de crédito se encontrar activo, mas sem movimentos, não é por si só indiciador de que o Autor pretendia cancelar outro cartão que não aquele, pois efectivamente podiam ter furtado o cartão de crédito e o Autor queria, por tal facto, cancelá-lo.
R. No dia 25 de Março de 2019, o Sr. JS, regressado do período de férias e logo ao início da manhã, tendo conhecimento da situação relatada pelo Autor e na qualidade de seu gestor de conta, consultou de imediato a conta de depósito à ordem 00…4.14 e verificou a existência de movimentos atípicos na conta.
S. Nesta sequência, alertado para a situação que lhe havia sido transmitida pelo Autor, o gestor seguiu o protocolo previsto nestes casos, tendo solicitado de imediato à SIBS o cancelamento do cartão de débito do Autor e internamente o bloqueio da conta de depósito à ordem (doc. 4 junto com a contestação do D Bank).
T. Aliás, não fosse a prontidão e diligência do gestor de conta logo que regressou ao trabalho na segunda-feira seguinte – dia 25.03.2019 – e o resultado poderia ter sido ainda pior.
U. Faz-se ainda notar que, na queixa-crime que o Autor apresentou junto das autoridades policiais da África do Sul, é mencionado o “credit card”, não existindo qualquer referência nos factos trazidos aos autos ou em qualquer outra documentação que faça referência ao cartão de débito.
V. Assim, e como bem concluiu o Tribunal a quo: i) o Autor não teve, ao utilizar o cartão de débito na África do Sul, os cuidados que deveria ter tido na sua utilização, possibilitando, por falta de atenção, que outra pessoa visse o seu código PIN e dele se apropriasse, ii) além de nem sequer ter comunicado à Ré o furto do mesmo cartão e sim do seu cartão de crédito, que foi imediatamente cancelado na sequência do seu telefonema para o call center, e iii) existiu negligência do Autor no uso do cartão de débito aludido e pela não comunicação, pelo mesmo, do seu furto ao banco Réu.
W. Não era exigível ao funcionário do call center que questionasse o Autor sobre o cartão que pretendia efectivamente cancelar, porquanto o Autor foi perentório a afirmar que se tratava do cartão de crédito, tendo sido adoptado o procedimento correto para o cancelamento deste cartão mediante contacto e pedido efectuado à Unicre.
X. Nem tão pouco se vislumbra qualquer falta de diligência do banco Réu, por intermédio do gestor da conta do Autor, que se encontrava de férias e sem acesso ao sistema do banco como, mas que falou com o Autor e transmitiu as recomendações previstas nas condições gerais do contrato de adesão à utilização dos cartões, ou seja, de comunicar o seu furto para o call center e cancelar o cartão e de que deveria fazer a participação policial do furto na África do Sul e dirigi-la ao banco, sendo esse o procedimento previsto e que o
Autor tinha de ter.
Y. Acrescendo que foi o próprio gestor que, no dia 25.03.2019 (segunda-feira) tratou de averiguar o que se passava com a conta do Autor e de cancelar o cartão de débito e a própria conta, para evitar mais movimentos e a continuação da sua utilização indevida.
Z. Assim, tendo o Autor agido com negligência grosseira em toda a situação, é evidente ter o mesmo de suportar as perdas decorrentes da sua conduta, em conformidade com o teor do artº 115 do Dec. Lei nº 91/2018, de 12/11.
AA. Acresce referir que o Autor transfere toda a responsabilidade pela utilização dos seus cartões bancários para o banco Réu, como se tal lhe permitisse actuar sem a devida diligência na utilização dos mesmos, pois, em última análise, será o banco a responder pelo risco e a suportar as consequências da irresponsabilidade do Autor.
BB. Pois, da mesma forma que o Autor refere que o banco Réu só teria sido diligente se tivesse questionado e pedido vários elementos ao Autor sobre o cartão que este pretendia efetivamente cancelar, também podemos questionar a diligência do Autor em ter solicitado apenas o cancelamento de um dos cartões associados à conta.
CC. Acresce referir que, o gestor, antes do cliente viajar, alertou-o para não ter disponível tanto dinheiro à ordem, como sucedia, o que o Autor ignorou.
DD. O gestor de conta, assim que regressou de férias, i.e., na segunda-feira imediatamente seguinte (dia 25.03.2019) cuidou de apurar a situação e ainda tentou reverter os movimentos, porém, tendo os mesmos sido validados com o PIN do cartão, tal não foi possível.
EE. Porém, não obstante o bloqueio da conta solicitado em 25 de Março de 2019, não era possível evitar o débito dos pagamentos que já tinham sido efetuados com o cartão de débito do Autor e que ocorreram, efetivamente, entre os dias 22 e 25 de Março de 2019, até à hora do pedido de bloqueio da conta e cancelamento do cartão de débito pelo gestor.
FF.A este propósito, remete-se para o depoimento da testemunha JS (ex-gestor de conta do Autor) - minutos 00:49:17 a 01:00:53, com referência para a gravação áudio, depoimento da testemunha em 22/09/2023 com início pelas 09:57:56 e fim às 11:40:05.
GG. Também com relevância a questão da validação das operações com inserção do respectivo PIN, e impossibilidade do estorno / devolução dos montantes restirados da conta, atente-se ao depoimento da testemunha PRF - minutos 00:05:28 a 00:10:05 e minutos 00:13:00 a 00:15:12 – com referência para a gravação áudio, depoimento da testemunha em 27/10/2023 com início pelas 10:39:34 e fim às 11:18:59.
HH. Assim, e conforme resulta dos autos, não existiu qualquer conduta ilícita por parte do banco Réu e Interveniente Principal na sua actuação e muito menos que justifique ou seja susceptível de fundamentar os pedidos do Autor, não lhe sendo imputável a responsabilidade pelos danos o mesmo alega ter sofrido.
II.O que resultou provado foi que o Autor é que não cumpriu com a obrigação prevista na al. b) do artigo 110.º do Decreto-Lei 91/2018 de 12 de Novembro, nos termos da qual “o cliente tem obrigatoriamente de comunicar ao banco a perda, o furto, o roubo ou apropriação abusiva do instrumento de pagamento logo que dele tenha conhecimento e sem atraso injustificado, para que o Banco possa tomar, de forma atempada, as diligências adequadas a evitar quaisquer perdas por parte do cliente”.
JJ. E contrariamente ao que alega o Autor, e salvo melhor opinião, não se vislumbra qualquer contradição entre a matéria de facto assente sob os nºs 11, 12, 13 e 14, da matéria de facto assente em sede de despacho saneador com o referenciado como provado sob os nºs 29; 30; 31; 32; 33; 46; 47; 54 e 57; da resposta aos temas da prova.
KK.A matéria que é objecto dos presentes autos, tem o seu regime jurídico especialmente regulado no Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro que aprovou o novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo para a nossa ordem jurídica a Diretiva (UE) 2015/2366.
LL. Em concreto, os artigos 110.º e 111.º, do diploma em apreço, inseridos no Título III, Capítulo III “Direitos e obrigações relativamente à prestação e utilização de serviços de pagamento” definem o conjunto de obrigações associadas aos instrumentos de pagamento, que impendem, respectivamente, sobre o utilizador e sobre o prestador de serviços de pagamento.
MM. Assim, verificamos que por correlação com o dever de comunicação do utilizador de serviços de pagamento em caso de perda, furto, roubo, apropriação abusiva ou utilização não autorizada do instrumento de pagamento, recai sobre o prestador de serviços a obrigação de impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento após a recepção da referida comunicação.
NN. Estas normas encontram consagração nos contratos de abertura de conta de depósito à ordem e de adesão a cartões de débito, celebrados entre o Autor e o Réu D Bank.
OO. No âmbito das “Condições Gerais de Utilização” do Contrato de Adesão a Cartões de Crédito (doc. 3 da petição inicial), atente-se ao disposto na cláusula 6. Para os casos de perda, furto, extravio, falsificação ou deterioração do cartão, cláusula que consta de forma idêntica nas condições gerais de utilização do contrato de adesão de cartões de crédito, e que deverá ser conjugada com as cláusulas constantes na Secção H “Prestação e Utilização de Serviços de Pagamento” das “Condições Gerais” do contrato de abertura de conta de depósito à ordem, nomeadamente com o disposto na cláusula 5. al. b) da Subsecção H4, “Direitos e obrigações relativamente à prestação de Serviços de Pagamento”.
PP. Paralelamente, no que concerne às obrigações do banco Réu associadas aos instrumentos de pagamento, remete-se para o disposto na al. e) da cláusula 6. da Subsecção H4 que o banco assume perante o cliente, entre outras, a obrigação de “e) impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) da Cláusula anterior tenha sido realizada.”
QQ. O que foi feito pelo Réu, na sequência das instruções do Autor para cancelamento do cartão de crédito.
RR. Pelo que, não pode dar-se como cumprido pelo Autor o dever de comunicação/ notificação ao Réu nos termos das cláusulas 6. e 5. al. b) supra referidas relativamente ao cartão de débito, tal como resultou provado nos autos.
SS. Ora, salvo melhor entendimento, a actuação do Autor descrita nos autos, não poderá deixar de ser aferida como um caso de negligência grave do cliente, cuja responsabilidade terá que ser enquadrada nos termos da cláusula 9.3 das “Condições Gerais” do contrato de abertura de conta de depósito à ordem e dos n.ºs 4 e 7 do artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro.
TT. O utilizador do serviço é assim chamado à responsabilidade nos casos de actuação negligente nomeadamente em violação dos deveres que lhe são impostos na utilização dos instrumentos de pagamento colocados à sua disposição, quer no âmbito contratual, quer nos termos do referido diploma.
UU. E no caso sub judice, constatou-se que o Autor não efectuou a comunicação devida nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 110 do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro, da cláusula 6. das “Condições Gerais de Utilização” do Contrato de Adesão a Cartões de Crédito e da al. b) da cláusula 5. Da Subsecção H4 das Condições Gerais do contrato de abertura de conta de depósito à ordem.
VV. Não podendo ser imputada ao banco Réu, nem ao Interveniente Principal, qualquer responsabilidade pelas perdas sofridas, pois estes cumpriram cabal e atempadamente os seus deveres enquanto prestadores de serviços de pagamento.
WW. De referir, que os argumentos apresentados pelo Autor, não têm qualquer fundamento legal, podendo até questionar-se se os mesmos deveres de zelo e diligência que considera não terem sido observados pelo Réu, não deveriam ter sido por si concretizados.
XX. Sucede que para se aferir e imputar a responsabilidade ao banco Réu por alegado incumprimento e consequente obrigação de responder pelos prejuízos causados ao Autor, nos termos dos artigos 798.º e 799.º do Código Civil, é necessário que se encontrem preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, a saber: o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
YY. Porém, conforme ficou demonstrado, não foi praticado pelo banco Réu, nem pelo Interveniente Principal, qualquer facto que conduza aos prejuízos alegados pelo Autor.
ZZ. Seria ainda necessário que existisse culpa, devendo a mesma exprimir um juízo de reprobabilidade pessoal da conduta, ou seja, é necessário um vínculo de imputação do facto ao “lesante”, o que, no caso concreto, também não acontece.
AAA. Ao que acresce que, para que possa existir lugar a responsabilidade civil, deverá ainda ser provado, que existe um dano efectivo e directamente decorrente do facto, o qual não ficou demonstrado, não podendo assim existir qualquer nexo de causalidade entre o mesmo e o facto.
BBB. Pelo que, será forçoso concluir que não existe qualquer responsabilidade civil que decorra da conduta legítima e legalmente exigível do banco Réu, ou do Interveniente Principal (que nem sequer teve qualquer intervenção nos factos em discussão nos autos) não podendo os mesmos ser condenados ao ressarcimento, seja de danos patrimoniais, seja de danos não patrimoniais.
CCC. Para além do exposto, importa salientar que o Autor não fez prova dos alegados danos, nem sequer justifica o montante peticionado, limitando-se a indicar um valor aleatório de € 40.000,00.
DDD. Tendo em conta as circunstâncias factuais do caso em apreço, nomeadamente a inexistência de qualquer incumprimento por parte do banco Réu, e bem assim a inexistência de qualquer dano e/ou prejuízo, e diretamente decorrente da sua conduta, passível, nessa medida, de gerar a sua responsabilização, ou do Interveniente Principal, nunca poderiam proceder os pedidos formulados pelo Autor.
EEE. Considerando tudo quanto se expôs e alegou, bem como toda a prova produzida nos autos, deverá manter-se na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Em face do supra exposto, bem decidiu o Tribunal a quo na douta sentença recorrida devendo a mesma manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A revogação da sentença, com a consequente procedência da acção.
***
2- Matéria de Facto.
-Factos Provados.
1 - A 22.2.2018 o Autor subscreveu no balcão da Ré D Bank nas Antas, Porto, os instrumentos por cópia a fls. 34-35, denominado “Ficha de Abertura de Conta “ e de fls.42- 45, denominado “ Ficha de Cliente “, instrumentos que também estão juntos por cópia a fls. 230-235 e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido (Al. A) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
2 - No primeiro dos referidos instrumentos ficou a constar:
- o nome do Autor, seguido da indicação de “titular” e o nº de cliente – 21…2;
- a designação da conta – “ db Global;
- o NIB da mesma – NIB 00…4.14;
- o tipo de conta – singular;
- a adesão ao serviço online;
- a declaração de que o D Bank disponibilizou as Condições Gerais dos serviços bancários e de intermediação financeira;
- a declaração de que pretendia subscrever depósitos à ordem, fundos de investimento, cartão de débito (Al. B) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
- Disposições gerais e comuns
3 - As Condições Gerais dos serviços bancários e de intermediação financeira, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, estão juntas a fls. 46-64 e também a fls. 236-254 (Al. C) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
4 - Nelas consta:
“As presentes condições gerais (Condições Gerais) regulam, em tudo o que não for regulado de forma diversa por outras consições particulares ou acordados entre as partes, a relação estabelecida entre D Bank AG e o cliente identificado na ficha de cliente a que estas condições gerais constituem anexo (Cliente).
Secção A – Disposições Gerais comuns
“Definições e interpretação
1. Nas presentes Condições Gerais, sempre que iniciados por letra maiúsculas e salvo se do contexto claramente decorrer sentido diferente, os termos abaixo indicados terão o significado que a seguir lhe é apontado:
Cartão: um cartão de débito e/ou de crédito que as partes poderão contratar ao abrigo da relação estabelecidas através das presentes Condições Gerais;
( … )
Serviços de pagamento: as actividades enumeradas no artº 4º do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de Outubro, com excepção das referidas no artigo 5º do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de Outubro
2. Objecto
2.1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as presentes Condições Gerais estabelecem os termos e condições gerais aplicáveis à contratação dos seguintes serviços e produtos disponibilizados pelo Banco:
( … )
(e) os Serviços de pagamento prestados pelo banco
( … )
Secção G – Condições Gerais de Utilização de Cartões
Sem prejuízo da aplicação das presentes Condições Gerais, nomeadamente da Secção H – Prestação e Utilização de Serviços de Pagamento, os termos e condições de utilização dos cartões de débito e crédito associados à Conta serão regulados pelas condições gerais desses instrumentos de pagamento a assinar pelo Cliente.
Secção H – Prestação e utilização dos serviços de pagamento
1. Objecto
1.1. A presente Secção contém as normas aplicáveis aos Serviços de Pagamento prestados pelo Banco no âmbito de quaisquer instrumentos contratuais celebrados entre este e o Cliente.
1.2. Os instrumentos contratuais referidos no número anterior estipularão o âmbito de aplicação concreto da presente Secção ao serviço de pagamento específico e os direitos e deveres aplicáveis às partes em relação à prestação do mesmo.
1.3. No âmbito da prestação de serviços de pagamento pelo Banco ao Cliente, em tudo o que não se encontrar previsto nas presentes Condições Gerais, aplicar-se-á o disposto nos instrumentos contratuais específicos aplicáveis.
(…)
Subsecção H2 – Condições e requisitos de informação aplicáveis aos serviços de pagamento
Serviços de Pagamento prestados pelo Banco
O Banco presta aos seus clientes os seguintes serviços de pagamento:
(…)
d) Operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou dispositivo semelhante;
(…)
Subsecção H4 – Direitos e Obrigações relativamente à prestação de serviços de pagamento
1. Âmbito de aplicação
A presente subsecção estabelece os direitos e obrigações das partes no âmbito da prestação pelo banco de serviços de pagamento
(…)
4. Limites de utilização do instrumento de pagamento
(…)
4.2. O Banco reserva-se o direito de, a qualquer momento e desde que para tanto tenha motivos objectivamente fundamentados, bloquear qualquer instrumento de pagamento em virtude de:
a) motivos de segurança relativos ao instrumento de pagamento;
b) suspeita de utilização não autorizada ou fraudulenta do instrumento em causa;
(…)
5. Obrigações do cliente associadas aos instrumentos de pagamento
Sem prejuízo das obrigações previstas em normas legais ou regulamentares aplicáveis ou nos instrumentos contratuais celebrados com o Banco com relação a instrumentos de pagamento, o cliente assume as seguintes obrigações perante o banco:
(…)
b) notificar o Banco mediante contacto para os números de telefone de Call Center Nacional: 808…21/ Internacional:351 21 … 28/ Cancelamento de cartões débito: 808…251/ Cartões crédito: 21…56 da perda, roubo, apropriação abusiva qualquer utilização não autorizada de um instrumento de pagamento, logo que tenha conhecimento desses factos e sem atrasos injustificados.
6. Obrigações do banco associadas aos instrumentos de pagamento
Sem prejuízo das obrigações previstas em normas legais ou regulamentares aplicáveis ou nos instrumentos contratuais celebrados com o Banco com relação a instrumentos de pagamento, o Banco, ao emitir ou disponibilizar um instrumento de pagamento assume o risco do respectivo envio ao cliente e assume as seguintes obrigações perante o cliente:
(…)
d) disponibilizar ao Cliente, a pedido deste, meios necessários para fazer prova, no prazo de 18 meses, após a notificação prevista na alínea da Cláusula anterior, de que o Cliente efectuou essa notificação;
e) impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) da Cláusula anterior tenha sido realizada.
(…)
8. Responsabilidade do Banco por operações não autorizadas
1. Sem prejuízo do estabelecido na Cláusula 7., o Banco reembolsará imediatamente ao Cliente o montante correspondente a qualquer operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, reporá a Conta na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido realizada.
2. Caso o montante da operação de pagamento não autorizada não seja imediatamente reembolsado, o Banco pagará ao Cliente, sobre aquele montante, juros compensatórios e moratórios, à taxa legalmente aplicável.
(…)
9. Responsabilidade do Cliente por operações de pagamento não autorizadas
9.1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Cliente suportará as perdas
resultantes de operações não autorizadas em virtude de perda, roubo ou apropriação abusiva do instrumento de pagamento com quebra de confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados que lhe seja imputável, dentro do limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta de pagamento, ainda que superiores a 150 Euros.
(…)
9.3. Em caso de negligência grave do cliente, este suportará todas as perdas que resultem de operações não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta de pagamento, ainda que superiores a 150 Euros, dependendo da natureza dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento em causa e das circunstâncias da sua perda, roubo ou apropriação abusiva.
(…) ”
(Al. D) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
5 - A 25.10.2018 o Autor subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 66, denominado “Pedido de Adesão de Cartões de Débito “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido,
constando do mesmo o seguinte: dados a gravar no cartão: NIB 00…4.14
(Al. E) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).
6 - As Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito são as que constituem fls. 68-73, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido e onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“ (…)
2.2. Não obstante o disposto em 2.1. supra, as normas constantes da secção H das CG do Banco prevalecem e devem ser interpretadas como prevalecendo, em caso de contradição, salvo o disposto nas presentes Condições Gerais.
(…)
4.8. O Banco poderá, com efeitos imediatos e independentemente de comunicação ao Titular, impossibilitar novas utilizações do Cartão, procedendo nomeadamente ao respectivo bloqueio ou retenção em qualquer ATM, nos casos previstos na Cláusula 4.2. da Subsecção H4 das CG do Banco, dos quais se destacam: ( …) h) Razões de segurança ou protecção do titular.
(…)
6. Perda, Furto, Extravio, Falsificação ou Deterioração do cartão
6.1. O titular obriga-se a comunicar de imediato ao banco a perda, extravio, furto, falsificação ou utilização abusiva do Cartão, através dos telefones destinados ao efeito constantes na tabela em anexo às presentes Condições Gerais. A comunicação telefónica deverá ser objecto de confirmação escrita pelo titular ao banco nas 48 horas seguintes.
6.2. A responsabilidade do Titular no âmbito da presente Cláusula 6. Afere-se de acordo com o disposto na Cláusula 9. Da Subsecção H4 da CG do Banco, entendendo-se para esse efeito que “os dispositivos de segurança personalizados “aos quais alude essa Cláusula são o Cartão, o PIN, o nº do Cartão ou qualquer outro dado relativo ao Cartão susceptível de permitir uma utilização abusiva do mesmo.
6.3. Em caso de furto, roubo ou falsificação do cartão, o respectivo titular deverá efectuar participação detalhada às autoridades policiais e entregar ao Banco, juntamente com a comunicação escrita referida em 6.1. supra, cópia, duplicado ou certidão do respectivo auto.
(…)” (Al. F) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).
7 - O anexo relativo aos números de telefone referido em 6.1. (ver supra 6 -) consta de fls. 73 e tem o seguinte teor:
“2. Contactos dos Centros para participação de perda, furto, roubo ou extravio do cartão:
(…)
No estrangeiro
- Visa Internacional (…)
- Visa Card Free Number (…)
- D Bank – 351 21…28 (das 9 h às 20 h)” (Al. G) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
8 - A 22.1.2019 o Autor subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 74, denominado “Contrato de Adesão de cartões de crédito – Condições particulares – Categoria de crédito: Cartão de crédito (com período de free-float) “associado à conta de depósito à ordem com o NIB 00…414, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido e o instrumento junto a fls. 76-82, denominado “Cartões de Crédito D Bank – Condições Gerais de Utilização “e cujo teor também aqui se dá integralmente por reproduzido ( Al. H) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
9 - Nas referidas Condições Gerais ficou a constar:
“ (…)
6. Perda, Furto, Extravio, Falsificação ou Deterioração do cartão
6.1. O titular obriga-se a comunicar de imediato ao Banco, assim que tome conhecimento da ocorrência da perda, extravio, furto, falsificação ou utilização abusiva do Cartão, através dos telefones destinados ao efeito constantes nos Anexos das presentes Condições Gerais.
A comunicação telefónica deverá ser objecto de confirmação escrita pelo titular ao banco nas 48 horas seguintes.
(…) “
(Al. I) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
10 - O anexo relativo aos números de telefone, referido em 6.1. (ver 9 - supra) consta de
fls. 81 e tem o seguinte teor:
“2. Contactos dos Centros para participação de perda, furto, roubo ou extravio do cartão:
(…)
No estrangeiro
- Visa Internacional (…)
- Visa Card Free Number (…);
- D Bank – 351 21…28 (das 9 h às 20 h)” (Al. J) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
11 - A 23.3.2019 o Autor enviou ao seu gestor de conta, JS, o e-mail junto por cópiaa fls. 93, com o seguinte teor (nos seus exactos termos):
“ Good evening J
Yesterday evening around 5PM South africa time, (it means 3 pm Portugues time) i went to na ATM in a gasoline station near the terminus of city sightseeing tour in Johannesburg (Oxford Road Rosebank) to try get some cash for diner.
Someone was beside me and i didn’t see him immediatly.
As the ATM was’nt working, this guy wanted to help me. I still Don’t Know he done, but robbed my credit card!!!.
I thought first the ATM stolen my CB… the guy told me he was going to cal the manger of the gasolina station to open the ATM… After 15 minutes i realised how stupid i’ve been and try to cal you many times.
I cal the D
 Bank contact to cancel the card and tell them to cancel any transactions after 4 PM Portugues time.
They told me i had to say that to you… But they canceled my CB Please check my account to see if there are any transactions after 4 PM yesterday. If there is any cash withdraw after this time, the guy saw my secret code!
Please initiate a fraud procedure as soon as possible. (…)” (Al. L) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).
12 - O gestor de conta não respondeu ao referido e-mail (Al. M) dos factos já considerados
assentes em sede de despacho saneador).
13 - No dia 24.3.2019 o Autor participou às autoridades policiais locais o furto do seu cartão de débito, nos termos que constam de fls. 94 e que aqui se dão integralmente por
reproduzidos, ali constando nomeadamente o seguinte:
“On Friday night, ata around 5PM, I went to the (ilegível) station in (ilegível) to try to get (ilegível) at the ATM (ilegível (nº 00…16). As it was’nt working a guy from a (ilegível) station (in Shell uniform) intend to help me adn doing it, stole my credit card.
I didn’t realize immediatly the robbery, thinking that my crédit card was stolen into the ATM machine. After half na hour as the guy who help me was gone, I thought about robbery” (Al. N) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).
14 - Na sequência da comunicação telefónica realizada pelo Autor no dia 22.3.2019 para o número + 351 21…28, o Réu procedeu ao cancelamento do cartão de crédito associado à conta NIB 00…414 (Al. O) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).
15 - A 7.9.2018 o Autor e o aqui Réu D Bank outorgaram a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca junta por cópia a fls. 111-121 e da qual faz parte o Documento Complementar junto por cópia a fls. 123-139, instrumentos que aqui se dão
integralmente por reproduzidos, sendo que na primeira o aqui Autor declarou comprar a
fracção autónoma, destinada a habitação, ali identificada e o aqui Réu declarou conceder ao aqui Autor um empréstimo no montante de € 160.000,00, de que o mesmo se considerou devedor e o aqui Autor constituiu a favor do aqui Réu hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida (Al. P) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).
16 - No mês de Março do corrente ano de 2019 o Autor realizou uma viagem de turismo e lazer pela África do Sul (Resp. ao ponto 1) dos temas da prova).
17 - No dia 22.3.2019, enquanto realizava uma visita guiada pela cidade de Joanesburgo, na África do Sul, cerca das 17 horas (15 horas em Portugal), o Autor deslocou-se a uma
estação de gasolina da Shell, perto da paragem do autocarro “City Sightseeing Tour”, na
Oxford Road, em Rosebank, para levantar dinheiro (Resp. ao ponto 2) dos temas da prova).
18 - Após ter introduzido o cartão de débito de que era titular junto da primeira Ré, na máquina de multibanco (terminal ATM) ali existente e introduzido o respectivo código PIN, o Autor apercebeu-se que se encontrava, atrás de si, um homem com uniforme aparentemente da Shell (Resp. ao ponto 3) dos temas da prova ).
19 - No momento referido em 18 - o ATM não estava a funcionar e não devolveu, ao Autor, o cartão de débito (Resp. ao ponto 4) dos temas da prova).
20 - O indivíduo referido em 18 - identificou-se ao Autor como sendo trabalhador da Shell, prontificou-se a ajudá-lo e disse que ia chamar o gerente da estação de gasolina para resolver o problema (Resp. ao ponto 5) dos temas da prova).
21 - No momento referido em 18 - a 20 - o Autor pensou que o cartão de débito introduzido tinha sido “engolido “pela máquina e, assim, ficado retido na mesma (Resp. ao ponto 6) dos temas da prova).
22 - Passados cerca de 15 minutos sobre o aludido em 20 , ninguém veio auxiliar o Autor (Resp. ao ponto 7) dos temas da prova).
23 - No momento referido em 22 - o Autor apercebeu-se de que o cartão de débito teria sido furtado pelo indivíduo aludido em 18 - (Resp. ao ponto 8) dos temas da prova).
24 - Na sequência do aludido em 18 - a 23 - o Autor tentou ligar para o gestor da sua conta aludida em 1-, JS (funcionário da primeira Ré, à data), tendo logrado contactá-lo apenas cerca das 18 horas, hora de França e quando, na África do Sul eram cerca das 19 horas e em Portugal 17 horas (Resp. aos pontos 10) e 11) dos temas da prova).
25 - No dia referido em 17 -, sexta-feira, o gerente da conta do Autor encontrava-se de férias e não ouviu, inicialmente, o seu telemóvel a tocar quando o Autor lhe ligou (facto
instrumental que decorreu da produção da prova, em sede de julgamento).
26 - No momento referido em 24 - e quando o Autor falou com o seu gerente de conta explicou a este o que tinha acontecido e que lhe tinha sido furtado o cartão que introduzira
na máquina ATM (Resp. ao ponto 12) dos temas da prova).
27 - Na sequência do referido em 24 - e 26 -, o gestor da conta do Autor disse-lhe que se
encontrava de férias e aconselhou-o a ligar para o contacto do “call center” da Ré, através
do número + 351 21…28, para participar o furto do cartão e solicitar o seu urgente cancelamento (Resp. ao ponto 13) dos temas da prova).
28 - O gestor da conta do Autor tinha conhecimento dos cartões atribuídos ao Autor (Resp. ao ponto 14) dos temas da prova).
29 - No dia referido em 17 -, pelas 18 horas (hora de França e quando na África do Sul e
em Portugal eram, respectivamente, 19 horas e 17 horas), o Autor ligou para o referido número + 351 21…28, tendo participado ao call center que o seu “credit card “fora roubado e que o queria cancelar (Resp. ao ponto 15) dos temas da prova).
30 - No momento aludido em 29 - o funcionário do call center pediu ao Autor o seu número de contribuinte de forma a identificá-lo como cliente da Ré, tendo de seguida informado o Autor que ia proceder ao cancelamento do cartão e que, se quisesse outro, teria de entrar em contacto com o seu gestor de conta e para esperar em linha (Resp. ao ponto 16) dos temas da prova).
31 - Quando o Autor ligou para o call center da Ré aparentava, pela voz, estar preocupado e com pressa em que o seu “credit card “fosse cancelado (Resp. ao ponto 18) dos temas da prova).
32 - No momento do telefonema referido em 29 - e 30 - o Autor - que não sabia falar português - falou em inglês com o operador do call center, que lhe respondeu em inglês, tendo o Autor comunicado ao mesmo operador que o seu “credit card” fora furtado/roubado e o queria cancelar (Resp. aos pontos 19) e 20) dos temas da prova ).
33 - À data aludida em 29 - a 31 - o cartão de crédito do Autor associado à conta aludida em 1 - encontrava-se activo mas sem movimentos (Resp. ao ponto 22) dos temas da prova).
34 - O funcionário do call center com que o Autor falou, em tal dia, por telefone, podia ter verificado os cartões de que o Autor dispunha, bem como quais os que se encontravam
activos e ou sem movimentos, não o tendo feito por o Autor ter, de forma expressa, referido que o cartão furtado e a cancelar era o seu “credit card”, não revelando qualquer dúvida quanto à sua identificação (Resp. ao ponto 23) dos temas da prova).
35 - As instituições de crédito têm mecanismos de alerta para levantamentos de dinheiro,
transferências ou transacções efectuadas em locais diversos e distantes uns dos outros e feitas em espaço de tempo que não permitiriam a sua realização pela mesma pessoa titular
do cartão, casos em que os clientes são contactados pela entidade que gere os cartões em
causa para indagar se foi ou não o titular do cartão que efectuou os movimentos (Resp. ao ponto 25) dos temas da prova).
36 - Na sequência do furto do cartão de débito, sem intervenção ou autorização do A. e mediante a utilização daquele foram efectuados os seguintes movimentos a débito na conta NIB 00…4.14:
Data Movimento/ Data Valor /  Designação                                          /Valor
25.03.19/              23.03.19./   LEV. AAC5 120 OXFORD 15.87806/     € 188,94
25.03.19/             23.03.19./ LEV. 120 OXFORD15.37515              /      € 65,04
25.03.19/             23.03.19./ LEV. GRAYSTON SHOPPIN 10.76426/    € 9,29
25.03.19/             23.03.19./ LEV. GRAYSTON SHOPPIN ZAR10.76426/ € 9,29
25.03.19/            23.03.19./ LEV. BP VALUE MALL ZAR16.14309/      €309,73
25.03.19/           23.03.19./  LEV. BP VALUE MALL ZAR 16.14205/    €61,95
25.03.19/           23.03.19./ LEV.SHELL BRYANSTO ZAR16.14205/    € 61,95
25.03.19/      25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR16.14466/     € 30,97
25.03.19/      25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/    € 30,97
25.03.19/      25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR16.14466/     € 30,97
25.03.19/     25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/    € 30,97
25.03.19/     25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/     € 30,97
25.03.19/    25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/     € 30,97
25.03.19/    25.03.19/ COMPRAGRAYSTONWINEANDLIQUORS/ € 625,16
25.03.19/   25.03.19/ COMPRA SANTON CITY                                  / € 932,91
25.03.19/   25.03.19/ COMPRA ENGEN SKYSTOP                             / € 30,98
25.03.19/   25.03.19/ COMPRA PNP EXP MELROSE ARCH           /€ 20,30
25.03.19/   25.03.19/ COMPRA BP MELROSE ARCH          / € 17,41
25.03.19/   25.03.19/ COMPRA SASOL FERNGATE                        / € 38,78
25.03.19/ 25.03.19/ COMPRA BP FOURWAYS                               / € 24,78
25.03.19/ 25.03.19/ COMPRA BP FOURWAYS                                /€ 43,05
25.03.19/ 25.03.19/ COMPRA LISEL BUILDING SUPPLIES    / € 551,32
25.03.19/  25.03.19/ COMPRA LACOSTE SANDTON               / € 655,08
25.03.19/  25.03.19/  COMPRA BURBERRY – HYDE PARK    / € 2.628,69
25.03.19/ 25.03.1/  COMPRA PNP EXPRESS BROAD - € 30,29
(Resp. ao ponto 26) dos temas da prova).
37 - E foram ainda efectuados os seguintes movimentos a débito/pagamentos, nas
seguintes datas e valores:
22/03/19 // - € 4.952.61;
22/03/19 // - € 3.224,84;
22/03/19 // - € 1.302,34;
22/03/19 // - € 11.721.04;
22/03/19 // - € 8.992.33;
22/03/19 // - € 16.062,17;
22/03/19 // - € 12.341.20;
22/03/19 // - € 4.332,20;
22/03/19 // - € 4.706,40;
22/03/19 // - € 24,54;
22/03/19 // - € 53,77;
22/03/19 // - € 14,26;
23/03/19 // - € 23,44;
23/03/19 // - € 9.282,66;
23/03/19 // - € 15.700,01;
23/03/19 // - € 7.907,45;
23/03/19 // - € 14.247,65;
23/03/19 // - € 5.000,31;
23/03/19 // - € 5.855,08;
23/03/19 // - € 1.466,02;
23/03/19 // - € 6.386,42;
23/03/19 // - € 31,47
(Resp. ao ponto 27) dos temas da prova).
38 - O Autor encontra-se reformado, auferindo uma pensão mensal de cerca de 4.000,00
Euros, auxiliando dois filhos com 1.000,00 Euros por mês para cada um e, por isso e por
não dispor mais dos valores referidos em 36 - e 37 -, o Autor ficou preocupado e nervoso (Resp. aos pontos 28) e 29) dos temas da prova).
39 - Na sequência dos factos em causa nos autos o Autor teve de efectuar deslocações várias e de recorrer a advogado para tentar resolver o assunto (Resp. ao ponto 30) dos temas da prova).
40 - Em 2019 o Autor projectava viver em Portugal e, nomeadamente, na cidade do Porto,
sendo que desde data não concretamente apurada de 2018 o mesmo passou a viver entre o Porto - na fracção autónoma aludida em 15 -, supra -, após o mobilar - e em Anglet, em
França (Resp. aos pontos 31) a 33) dos temas da prova).
41 - Após o referido em 17 - e segs. e por, assim, se ter visto privado dos valores referidos
em 37 - e 38 - supra e face à recusa da Ré em repor tais valores, o Autor referiu a amigos
ter dificuldade em dormir e dores de cabeça (Resp. ao ponto 34) dos temas da prova).
42 - O Autor foi piloto de linha da Air France até 2012, tendo recebido de tal entidade a
quantia de 400.000,00 Euros, por força de decisão judicial que, em Março de 2019, não transitara e que não sabia se não teria de restituir (facto complementar que decorreu da prova produzida em julgamento).
43 - Na sequência do referido em 17 - e segs. o Autor ficou com receio de não lograr ter
meios de fazer face ao seu sustento e compromissos decorrentes da compra da fracção autónoma aludida em 15 - e, em concreto, o mútuo por si celebrado com a Ré (cuja prestação mensal se cifrava em cerca de 1.500,00 Euros) e, por isso, decidiu vender a referida fracção autónoma e deixar de viver em Portugal (Resp. aos pontos 36) a 37) dos
temas da prova).
44 - Na sequência do aludido em 17 - e segs. o Autor vendeu, em 27.6.2019, pelo preço declarado de 660.000,00 Euros a fracção autónoma aludida em 15 -, que declarara comprar pelo preço de 658.000,00 Euros. (Resp. ao ponto 38) dos temas da prova).
45 - No momento aludido em 24 - a 27 - supra, o gestor da conta do Autor na Ré encontrava-se de férias e não tinha meios de aceder ao sistema do banco, tendo comunicado ao Autor tal facto e, por ser esse o procedimento, de que tinha de contactar o call center e participar o furto do cartão (Resp. aos pontos 39) a 40) dos temas da prova).
46 - No contacto telefónico referido em 27 - a 34 -, o Autor referiu expressamente ao operador do call center que lhe fora furtado o seu “credit card” e que o queria cancelar, tendo o operador perguntado, na língua inglesa, por duas vezes, se era o seu “ credit card”
o cartão a cancelar, ao que o Autor respondeu afirmativamente (Resp. ao ponto 41) dos
temas da prova).
47 - No dia 25.3.2019 o gestor da conta titulada pelo Autor na Ré, JS, regressado de férias, decidiu, na sequência do contacto telefónico do Autor no dia 22.3.2019, verificar a conta do Autor referida em 1 - e verificou a existência, na mesma, de movimentos atípicos e de valor elevado (Resp. ao ponto 42) dos temas da prova).
48 - Nessa sequência, o mesmo JS, gestor da conta do Autor, solicitou à SIBS, de
manhã, o cancelamento do cartão de débito do Autor e, internamente, o bloqueio da conta
do demandante (Resp. ao ponto 43) dos temas da prova).
49 - No dia 27.3.2019, face à reclamação apresentada pelo Autor à Ré e à recepção do auto de notícia da participação do furto do cartão, pelo Autor, na África do Sul, a Ré deu início ao processo de reclamação por suspeita de fraude junto da Unicre, reclamando o total de 34 compras e 15 levantamentos em ATM, todos realizados na África do Sul (Resp. ao ponto 44) dos temas da prova).
50 - Embora nos extractos de conta do Autor constem movimentos com data-valor posterior a 25.3.2019, as operações realizadas por cartões de débito no estrangeiro ficam sempre em cativo, sendo efectivamente debitadas nas contas dos clientes uns dias depois e até quatro dias úteis, em regra, quando ocorre a confirmação da transacção (Resp. ao ponto 45) dos temas da prova).
51 - Na sequência do aludido em 50 - não era possível, apesar do aludido em 48 -, evitar o débito dos pagamentos que já tinham sido efectuados com o cartão de débito do Autor e que ocorreram, efectivamente, entre os dias 22 e 25 de Março de 2019, até à hora do pedido de bloqueio da conta e do cancelamento do cartão de débito do demandante pelo
seu gestor de conta (Resp. ao ponto 46) dos temas da prova).
52 - Na sequência do aludido em 49 -, a Unicre, em 11 de Abril de 2019, informou a Ré que os 15 levantamentos efectuados em ATM não seriam passíveis de reclamar por terem sido efectuados em terminais com capacidade de leitura de chip, com inserção do PIN do cartão, não havendo assim âmbito de apresentação de “chargeback” (estorno) de fraude (Resp. ao ponto 47) dos temas da prova).
53 - No que se refere às 34 compras efectuadas, a Unicre informou a Ré que tinham sido
solicitadas as facturas de compra, aos comerciantes, para apreciação e confirmação (Resp.
ao ponto 48) dos temas da prova).
54 - Os movimentos efectuados com o cartão de débito do Autor, na África do Sul, foram
todos validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM, no momento aludido em 17 - a 23 - (Resp. ao ponto 50) dos temas da prova).
55 - Na sequência do aludido em 17 - a 34 - e 36 - a 37 -, o Autor apresentou à Ré a reclamação a que se referem fls. 95 a 97 e 105 a 106 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e a que a Ré respondeu pela forma constante dos documentos de fls. 102 e 109 a 110 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (Resp. ao ponto 51) dos temas da prova ).
56 - O Autor nunca apresentou, até à citação da interveniente nestes autos, qualquer reclamação à Abanca Corporacion Bancária quanto aos factos em causa nestes autos (Resp. ao ponto 52) dos temas da prova).
57 - A expressão “credit card” significa, em português e de harmonia com o “Cambridge
English-Portuguese Dictionary “, um cartão de plástico que permite ao seu titular comprar
coisas e pagar mais tarde (facto instrumental de conhecimento público e notório).
58 - Os cartões de crédito também permitem ao seu titular fazer levantamentos a crédito,
pagando o seu valor mais tarde à entidade bancária (facto instrumental de conhecimento
público e notório).
59 - O Autor, entretanto, passou, em momento não concretamente apurado, a viver em Lisboa, com uma companheira, vivendo em casa arrendada (facto instrumental que decorreu da produção da prova em julgamento).
B) – Factos Não Provados.
Os factos constantes dos pontos 9), 17), 21), 22), 24) e 35) dos temas da prova:
9) -Logo que se apercebeu do furto do cartão de débito, o Autor foi à procura
do referido indivíduo, mas já não o encontrou;
17)- O A. tentou contactar novamente o seu gestor, já não o tendo conseguido;
21)- Na língua inglesa é comum empregar-se o termo “credit card” para referir qualquer cartão bancário, seja de crédito ou de débito.
22)- O cartão de crédito associado à conta NIB 00…4.14 não estava ativado.
24)- Antes de proceder ao cancelamento de um cartão é comum as instituições de crédito realizarem um questionário ao Clientes, de forma a se assegurarem de que cancelam o cartão efetivamente pretendido e a que o Cliente se está a referir.
35)- Pelo que tem vindo a ser acompanhado clínica e psiquicamente, com tratamento médicos e medicamentosos que não têm surtido efeito.
 e ainda os seguintes, dos pontos de prova constantes:
a)- que o levantamento de dinheiro que o Autor queria efectuar, referido em A), 17, fosse para efectuar o pagamento do jantar;
b)- que o Autor não tivesse, em Março de 2019, perspectivas de rendimentos fixos e estivesse a viver apenas das suas poupanças;
c)- que o Autor se tivesse sentido, na sequência do aludido em 17 - a 37 -, doente e deprimido;
d)- que o aludido em A), 39 - tenha contribuído para o estado de stress, ansiedade e depressão do Autor;
e)- que o Autor esteja ansioso, receoso do futuro e do seu modo de sobrevivência económica.
***
3- As Questões Enunciadas.
3.1- A impugnação da matéria de facto.
O autor, manifesta desacordo com a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto. E inicia a impugnação da matéria de facto, afirmando que existem factos que foram dados como provados e que não o deviam ter sido, referindo-se aos pontos 34, 45 e 46.
E, para além disso, menciona que foram dados como não provados os pontos 9, 17, 21, 22, 24 e 35 dos temas de prova e, os pontos a), c) e d) dos factos não provados.
Refere existir manifesta contradição entre a matéria de facto assente sob os pontos 11, 12, 13 e 14 dos factos assentes no saneador e os pontos 29, 30, 31, 32, 33, 46, 47, 54 e 57 das respostas aos temas de prova.
E que da matéria de facto provada no ponto 34 é claro, afirma, que o cartão que deveria ter sido cancelado era o cartão de débito e não o cartão de crédito.
E acrescenta que há contradição entre os factos assentes no saneador sob os nºs 11, 12, 13 e 14, com os pontos 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 e 57 das respostas aos temas de prova.
Será assim?
Manifestamente, o apelante labora em equívoco ao mencionar os pontos 11, 12, 13 e 14 dos factos assentes no saneador. E isso sucede, essencialmente, porque o autor confunde os factos enunciados, no saneador, como “Temas de Prova”, com Factos Assentes.
Na verdade, esses pontos, 11, 12, 13 e 14,  foram indicados, no saneador de 30/09/2020 – não se discute, aqui, a bondade da técnica usada para distinguir, no saneador, factos considerados logo assentes e temas de prova – como “Temas de Prova” (na nomenclatura do saneador) para os distinguir dos “Factos Não Carecidos de Prova” (por estarem provados por documento ou por acordo). Ou seja, não se tratavam, os pontos 1 ao 50 dos “Temas de Prova”, de factualidade já provada, mas, antes, de factos a carecerem de produção de prova.
Daí, não fazer sentido falar em contradição entre os pontos 11, 12, 13 e 14 dos “Temas de Prova”, com os pontos 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 e 57 dos factos considerados provados pela 1ª instância após a realização da audiência final.
Enfim, não se vislumbra a pretendida contradição entre factos. O que se descortina é uma situação de discordância com a decisão de facto tomada pela 1ª instância.
O mesmo se diga relativamente à pretendida contradição entre os pontos 34, 50, 51, 52, 53 e 55 dos factos provados, estarem, alegadamente, em contradição com os alegados Factos Assentes 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 do saneador: estes factos não constituem factualidade assente, mas “Temas de Prova” (na nomenclatura do saneador).
Do mesmo modo, não há contradição entre o facto não provado 17 e o tema de prova 11. Além de que, a circunstância de ter sido considerado “Facto Não Carecido de Prova” o ponto L) do saneador – correspondente ao ponto 11 dos factos provados na sentença - não contradiz o ponto 11 dos factos provados na sentença que tem, justamente, a mesma redacção (em língua inglesa) que o ponto L) do “Factos Não Carecidos de Prova”.
Igual confusão faz o autor/apelante quando invoca que os pontos 21 e 22 dos “Temas de Prova” estão em contradição com a decisão de considerar esses factos como não provados: os “Temas de Prova” enunciados no saneador não são Matéria de Facto Assente.
Menciona ainda, o apelante, manifesta contradição entre os depoimentos prestados e a fundamentação para a ausência de prova da matéria respeitante aos danos morais invocados.
Invoca as declarações de parte do autor, os depoimentos das testemunhas JS (gestor da conta) e de PF (que o atendeu no call center), PRF (funcionário dos serviços de reclamações dos clientes), BC (irmão do autor), FG (amigo do autor) SMM (funcionária de agência imobiliária), de que transcreve excertos nas alegações, mas transcreve, integralmente, em anexos juntos a estas.
Porém, verifica-se que o autor/apelante não especifica que pontos concretos de facto pretende ver alterados por força desses depoimentos que indica.
Pois bem, além de não se verificarem as invocadas contradições entre factos, a verdade é o apelante não cumpre os ónus que o artº 640º do CPC coloca a cargo do apelante que pretende impugnar matéria de facto.
Como é sabido, o artº 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Concretizando.
Estabelece o artº 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Por comparação com o artº 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desses ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…”(Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.).
Abrantes Geraldes (Recursos…, cit., pág. 142), sintetiza as situações de rejeição total do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, quando se verifique alguma das seguintes situações:
a)- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs 635º nº 4 e 641º nº 2 al. b):
b)- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artº 640º nº 1, al. a);
c)- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g, documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.;
d)- Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e)- Falta da motivação expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Por outro lado, importa mencionar que quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto.
Para alcançar esse desiderato importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que deve especificar, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova, o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro. Isto pressupõe, além dos mais, que os meios de prova em que o recorrente/impugnante se baseia sejam enunciados em termos relacionais e lógicos com cada um dos factos visados para permitir que o tribunal perceba ou alcance o raciocínio persuasivo que o recorrente pretende demonstrar acerca de cada facto que impugna.
Na verdade, como é sabido e decorre do artº 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade de um facto. No fundo, a prova é sinónimo da actividade persuasiva da veracidade de certos juízos de facto, visando demonstrar a sua realidade.
Com a produção da prova pretende-se, de acordo com critérios de razoabilidade, convencer o julgador da veracidade de certo facto. O destinatário da convicção que a prova tende a criar é o julgador. Nas palavras de Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 436) “A prova, no processo, pode assim definir-se como a actividade tendente a criar no espírito do juiz a convicção (certeza subjectiva) da realidade de um facto.”
A demonstração dos factos mediante a actividade probatória reconduz-se a um processo cognitivo, através do qual o juiz acede a uma realidade existencial ou experimentável ou do foro psicológico, seja por via da percepção directa (inspecção judicial) ou indirecta (prova testemunhal) seja até por via de presunções apoiadas nas regras da experiência comum ou da própria lógica do pensamento.
O juízo de apreciação da matéria de facto consiste, assim, numa actividade decisória objectivada no juízo de conformidade (ou desconformidade) entre os factos alegados e o correlativo acontecer fáctico, juízo esse que se estriba na convicção do julgador ou no valor legalmente atribuído ao meio de prova (Manuel Tomé Soares Gomes, Noções e Quadros Elementares do Direito Probatório Civil e Comercial, CEJ, edição policopiada, 1994, pág. 5).
Portanto, à semelhança do que sucede na primeira instância, também na impugnação da matéria de facto junto da Relação, o apelante tem de convencer os juízes do tribunal de recuso de, perante aqueles meios de prova, que deve relacionar concretamente com cada facto, o resultado ou juízo probatório deveria ter sido outro, o que ele pretende ver alcançado.
Por outro lado, ainda, saliente que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137).
Além disso, relembre-se, que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141; STJ, de 30/11/2023 (Proc. 556/21); de 14/07/2016 (111/12); e de 23/10/2024 (Proc. 2605)).
Dito isto, vejamos o caso dos autos.
Ora, desde logo, verifica-se que o apelante não especifica, nas Conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgado; refere-se-lhes, de modo praticamente igual, ao das alegações: a “contradições” “…entre a matéria de facto assente sob os nºs 11, 12, 13 e 14, da matéria de facto assente em sede de despacho saneador com o referenciado como provado sob os nºs 29; 30; 31; 32; 33; 46; 47; 54 e 57; da resposta aos temas da prova”; e, “…idêntica contradição entre as alíneas 29, 30, 31, 32, 33 e 34, da resposta aos correspondentes pontos dos temas de prova…” ; e que “…A mesma contradição se verifica entre a matéria de facto assente sob os nºs 11, 12, 13 e 14, da matéria de facto assente em sede de despacho saneador com o referenciado como provado sob os nºs 47; 48; 49; 50; 51: 52; 53; 54 e 57 da resposta aos temas da prova…”; e que “A prova testemunhal e documental produzida nos autos deveriam ter levado o Tribunal a não considerar dada como assente e provada a matéria de facto constante do facto nº 34º (resposta ao ponto 23, dos temas de prova), 50º (resposta ao ponto 45) dos temas de prova), 51º (resposta ao ponto 46, dos temas de prova), 52º, (resposta ao ponto 47, dos temas de prova), 53º, (resposta ao ponto 48, dos temas de prova), 55º (resposta ao ponto 51, dos temas de prova) por exemplo, por se contradizerem, claramente, com o referenciado nos pontos 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 por exemplo.”; e, “…Estando assente o constante nos pontos invocados 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35, como está, o que resulta dos restantes demonstra que o Banco Réu não executou as tarefas que lhe foram confiadas de modo a evitar as respostas da Unicre assentes como provadas nos pontos – 50º, 51º, 52º, 53º e 55º, da resp. aos temas da prova.”; E ainda que “…Há pois, desde logo, efetiva contradição entre o facto não provado no ponto 17, dos temas de prova e o ponto 11, da matéria de facto assente, correspondente à alínea L), dos factos considerados assentes em sede de despacho saneador.”
Como vimos acima, há confusão do autor/apelante quanto à indicação dos “Temas de Prova” e “Factos Não Carecidos de Prova” (do saneador) e, decisão sobre a matéria de facto da sentença. Daí, ser ininteligível a que concretos pontos de facto, decididos na sentença, é que o autor/apelante se refere ao “impugnar” (discordar) da matéria de facto. E, como se referiu acima, a falta de especificação, nas Conclusões, dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgado constitui, por si só, nos termos do artº 640º nº 1, al. a), motivo de rejeição do recurso sobre a impugnação da matéria de facto. O Conselheiro Abrantes Geraldes, no referida obra (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 165) salienta que “…em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” (…) “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”. E reafirma na nota 274, a págs. 168 que “…ainda que não tenha utilizado no art. 640º uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do artº 639º sobre o recurso da matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso.”
Na jurisprudência, neste sentido:
-TRG, de 12/10/2023 (Proc. 605/21):
III. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita -, terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (artºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e n.º 2, e 640.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).
IV. A falta de indicação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados implica a rejeição imediata da parte da impugnação de facto afectada, quando outra subsista (artºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 3, a contrario, e 640.º, todos do CPC).
TRP, de 18/03/2024 (Proc. 437/21:
I - O ónus consagrado na alíneas a), do nº1, do art. 640º, do CPC, (de especificação de concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados), pressuposto do conhecimento do mérito da impugnação da decisão de facto, cuja função é delimitar o objeto do recurso, tem de se mostrar cumprido nas conclusões das alegações, impondo, desde logo, a falta de tal especificação, bem como a falta de especificação da al. b) e da al. c), do referido nº1, em toda a peça das alegações (mesmo no seu corpo), a rejeição do recurso, na vertente de facto (cfr. nº1, do art. 639º e nº1, do art. 640º, daquele diploma legal)”
Tanto bastaria para rejeitar o recurso do apelante relativamente à impugnação da matéria de facto.
Mas, a acrescentar a esta deficiência inultrapassável, está a circunstância de o apelante não indicar a sua posição expressa, na alegação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de facto da impugnação.
Além disso, não especifica, relativamente a cada facto, quais os concretos meios de prova que entende serem aptos a alcançar uma decisão diversa. Não expõe um raciocínio lógico que permita extrair que, dos concretos meios de prova que entende relevantes (que deveria especificar relacionadamente com cada facto), se deveria retirar outra decisão de facto e, qual seria essa decisão de facto. Ou seja, não especifica, relacionadamente, cada facto com os concretos meio de prova que possibilitariam estribar a sua alteração, o que torna ininteligível perceber, clara e inequivocamente, a aptidão dos meios de prova que menciona para alterar a matéria de facto e qual o respectivo sentido.
Assim, resta concluir pela rejeição da impugnação da matéria de facto.
***
3.2- A revogação da sentença, com a consequente procedência da acção.
O apelante solicita a revogação da sentença com a consequente procedência da acção.
Invoca, em síntese, que cumpriu todas as obrigações enquanto cliente do réu e da interveniente principal, comunicando, de imediato, por telefone, o furto do cartão, pediu o respectivo cancelamento, confirmou esse pedido por escrito (email); foi o réu quem não cumpriu as suas obrigações contratuais de cancelamento imediato do cartão, permitindo que, após a comunicação de cancelamento, fossem realizados movimento de pagamento de compras e de levantamento de numerário, em vários dias, num total de 139 026,95€ retirados do saldo da conta do autor; o banco réu não cumpriu os seus deveres de diligência, vigilância e de protecção do seu cliente, o ora autor.
Por sua vez o réu e interveniente principal pugnam pela manutenção da decisão tirada pela sentença da 1ª instância, invocando que o autor nunca comunicou ao réu o furto do cartão de débito associado à sua conta bancária, mas, somente, o cartão de crédito que foi logo cancelado; que o gestor da conta do autor, logo que regressou de férias, solicitou à SIBS o cancelamento do cartão de débito do autor e internamente o bloqueio da conta. Foi o autor que não teve cuidado na utilização do cartão permitindo que terceiro visse o seu código PIN. O autor não cumpriu com a obrigação prevista no artº 110º, al. b) do DL 91/2018, de 12/11; e a utilização do cartão por terceiro deverá ser enquadrada na cláusula 9.3 das condições gerais do contrato de abertura de conta e artº 115º nºs 4 e 7 do DL 91/2018.
A 1ª instância julgou improcedente a acção, mencionando que decorre do DL 91/2018 que o ordenante suporta, em caso de negligência grosseira, as perdas resultantes de operações não autorizadas; o autor não teve os cuidados necessários ao utilizar o seu cartão de débito, permitindo que terceiro tivesse acesso ao PIN; o autor nunca comunicou à ré o furto do cartão de débito, mas apenas o cartão de crédito; não era exigível ao funcionário do call center indagar, mais vezes, se o autor pretendia cancelar o cartão de crédito ou de débito; o gestor de conta encontrava-se de férias e sem acesso ao sistema, não podendo auxiliar o autor; não se descortina que outras diligências a ré ou o gestor da conta do autor pudessem tomar.
Acrescenta que não foram objecto de cessão para a interveniente principal quaisquer obrigações da ré para com os seus clientes por eventual responsabilidade contratual.
Será assim?
Vejamos.
Em primeiro lugar salienta-se que não existe qualquer controvérsia quanto ao tipo de contratos que foram celebrados entre o autor e o réu. Nem oferece qualquer dúvida que o autor, em 22/02/2018, abriu conta no balcão do réu, no Porto (ponto 1º); e que em 25/10/2018 pediu um cartão de débito (ponto 5º); e que, posteriormente, a 22/01/2019 pediu um cartão de crédito (ponto 8º).
Ora bem, em termos simples, os cartões bancários constituem meio de pagamento de moeda electrónica e, como tal, atentas as datas das respectivas emissões (25/10/2018 o cartão de débito; e, 22/01/2019 o cartão de crédito) estavam submetidos ao Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica, estabelecido pelo DL 91/2018, de 12/11 que transpôs a Directiva (EU) 2015/2366, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/11/2015. Isto, apesar de no contrato celebrado entre autor e réu vir mencionado o DL 317/2009, de 30/10 o qual, de resto, já havia sido alterado e recompilado pelo DL 242/2012, de 07/11.
Pois bem, dito isto, impõe-se realçar que nos termos do artº 2º, al. f) do DL 91/2018, é considerado “Consumidor” a pessoa singular que actua nos contratos de serviços de pagamento e nos contratos celebrados com os emitentes de moeda eletrónica abrangidos pelo presente Regime Jurídico, com objetivos alheios às suas atividades comerciais, empresariais ou profissionais.
Portanto, no caso dos autos, o autor é um consumidor.
Ora, esta qualificação tem efeitos relevantes.
Desde logo, nos termos do artº 9º nº 1 da Lei 24/96, de 31/07, com epígrafe “Direito à proteção dos interesses económicos”, é estabelecido que:
1 - O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”
Engrácia Antunes (Direito do Consumo, 2021, pág. 95) salienta que “Trata-se por ventura do direito substantivo de tutela do consumidor mais relevante: constituindo o desprezo pelos interesses económicos dos consumidores “a parte mais visível da sua desprotecção” (Ferreira de Almeida), este direito reveste uma importância estratégica no acervo das medidas destinadas à defesa do consumidor ordinário, em torno do qual gravitam numerosas normas e regras dispersas que têm em vista proteger este contra práticas negociais e comerciais abusivas empreendidas pelas empresas e profissionais do mercado (…) tal direito tem compreensivelmente o seu terreno de eleição no domínio dos contratos, subordinando a disciplina jurídica específica respeitante à respectiva formação, conteúdo, execução e efeitos aos princípios gerais da lealdade, de boa-fé e de igualdade material dos contraentes.” * (sublinhado nosso).
Ciente dessa necessidade de protecção dos interesses dos económicos dos utilizadores de meios de pagamento, entre eles cartões bancários, o legislador do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Electrónica, realçou, no preâmbulo do DL 91/2018, justamente “…no que toca ao aumento da complexidade técnica e volume dos pagamentos eletrónicos, bem como ao aparecimento de novos tipos de serviços de pagamento, trazendo consigo crescentes preocupações com os riscos associados à utilização de meios digitais. (…) também preocupações relacionadas com a proteção e segurança dos consumidores na utilização desses serviços de pagamento se apresentaram como objetivos fundamentais (…) a segurança dos pagamentos eletrónicos afigura-se como um aspeto fundamental para assegurar a proteção dos utilizadores…
Por outro lado, de acordo com o artº 4º do DL 91/2018, com epígrafe “Serviços de pagamento”, constituem serviços de pagamento, entre outras, as seguintes actividades:
b)- Serviços que permitam levantar numerário de uma conta de pagamento, bem como todas as operações necessárias para a gestão dessa conta;
(…)
c) Execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento, tais como:
i) Execução de débitos diretos, incluindo os de carácter pontual;
ii) Execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante;
iii) Execução de transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação;”
Sendo que nos termos do artº 2º, al. bb) vem definido:
“bb) “Instrumento de pagamento baseado em cartões” um instrumento de pagamento, incluindo cartões, telemóveis, computadores ou outros dispositivos tecnológicos que contenham a aplicação de pagamento adequada, que permite ao ordenante iniciar uma operação de pagamento baseada num cartão…”.
Curiosamente, salvo erro, o diploma legal em questão não distingue as nomenclaturas “cartão de débito” e “cartão de crédito”, embora, em termos práticos, se entenda que o primeiro permite operações à débito como levantamentos em numerário ou pagamentos de compras e/ou serviços com o limite do saldo da conta (ou quantia acordada) e, o segundo, possibilita operações de crédito, como levantamentos em numerário em terminais automáticos e/ou fazer pagamentos de bens e serviços adquiridos no âmbito de contratos com terceiros, recebendo estes de imediato os respectivos pagamentos através da entidade emissora do cartão e, ficando o cliente com a obrigação de pagar à entidade emissora os valores correspondentes em momento ulterior.
Dito isto, vejamos o que estabelece o regime jurídico aplicável à situação em causa.
De acordo com o artº 110º, al. b) do DL 91/2018, com epígrafe “Obrigações do utilizador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento”, determina:
1 - O utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento deve:
a) Utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, as quais têm de ser objetivas, não discriminatórias e proporcionais; e
b) Comunicar, logo que tenha conhecimento dos factos e sem atraso injustificado, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, a perda, o furto, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.
Ora bem. A primeira questão que se coloca é a de saber se, como decidiu a 1ª instância, houve negligência grosseira do autor na utilização do cartão e, por isso, não tem direito à reposição do valor monetário retirado da sua conta bancária.
Vejamos.
O artº 113º do DL 91/2018, “Prova de autenticação e execução da operação de pagamento” determina, no que ao caso interessa:
1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, …, incumbe ao respetivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
2 – (…);
3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, … não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º * (sublinhado nosso).
4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, …deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.”
Ou seja, decorre deste preceito que para que se possa invocar e atender à alegação de “utilização negligente grosseira, como é dito na sentença e defendido pelo réu, prestador de serviços de pagamento, é necessário que o prestador de serviços apresente elementos que demonstrem essa “negligência grosseira” pelo utilizador (o autor) de serviço de pagamento, ou dolo ou existência de fraude.
Ou seja, sem a alegação e prova, pelo prestador de serviços (no caso, o réu) dos elementos factuais que demonstrem a “negligência grosseira” não pode considerar-se que o autor foi negligente na utilização do cartão. A circunstância de ter sido utilizado o código PIN, por terceiro, que efectuou as operações de pagamento e de levantamento não significa, por si só, que o autor tenha sido negligente. São conhecidas as “artimanhas” de que se socorrem os terceiros que se apropriam dos códigos PIN dos cartões bancários.
Em suma, no caso dos autos não foi feita prova da “negligência grosseira” do autor na utilização do cartão e, por isso, não se pode concordar com a decisão da 1ª instância quando decidiu pela improcedência do pedido de reembolso dos valores movimentados da sua conta bancária, sem a sua autorização ou ordem, por, (supostamente) o autor ter agido com negligência grosseira não tendo os cuidados necessários ao utilizar o seu cartão de débito, permitindo que terceiro tivesse acesso ao PIN.
Aliás, o facto provado no ponto 54 - Os movimentos efectuados com o cartão de débito do Autor, na África do Sul, foram todos validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM.baseou-se em meios de prova que não permitem afirmar a segunda parte do facto “…respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM.” visto que se tratam dos documentos - de fls 102 e de fls 256 a 287 – que apenas permitem verificar que nos movimentos foi utilizado o código PIN mas, jamais, possibilitam afirmar que esse código PIN foi visualizado pelo terceiro que furtou o cartão aquando da digitação, pelo autor no ATM.
A esta vista, temos de concluir que não se pode afirmar que o autor actuou com negligência grosseira e que, por isso, não teria direito ao reembolso dos valores retirados da sua conta bancária.
Ou seja, fica a faltar um dos argumentos usados pela 1ª instância para recusar o reembolso das quantias retiradas da conta do autor.
Vejamos agora o segundo argumento usado pela 1ª instância para rejeitar o reembolso das quantias peticionadas pelo autor: o autor nunca comunicou à ré o furto do cartão de débito, mas apenas o cartão de crédito; não era exigível ao funcionário do call center indagar, mais vezes, se o autor pretendia cancelar o cartão de crédito ou de débito.
Antes de mais, vejamos o que menciona o artº 111º do DL 91/2018, com epígrafe “Obrigações do prestador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento”:
1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento deve:
a)(…);
b (…);
c) Garantir a disponibilidade, a todo o momento, de meios adequados para permitir ao utilizador de serviços de pagamento proceder à comunicação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 110.º …; * (sublinhado e realce nossos).
d) (…);
e) Impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a comunicação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 110.º tenha sido efetuada.”
Comecemos por uma nota: foi transcrito no ponto 10 dos factos provados que “Contactos dos Centros para participação de perda, furto, roubo ou extravio do cartão (…) no estrangeiro – Deutsche Bank 351 21… 28 (das 9 horas às 20 horas)”.
Manifestamente, esta cláusula contratual não observa o que determina o 111º nº 1, al. c) do DL 91/2018, acima transcrita, que obriga o prestador de serviços a “Garantir a disponibilidade, a todo o momento, de meios adequados para permitir ao utilizador de serviços de pagamento proceder à comunicação…”de furto roubo ou extravio do cartão bancário.
Seja como for, a questão que se coloca é a de saber se o autor não comunicou o furto do cartão de débito, mas, apenas o de crédito e se não era exigível ao funcionário do call center indagar se o autor pretendia cancelar o cartão de crédito ou de débito.
Pois bem, embora na gravação da comunicação para o call center do réu, o autor tenha usado a expressão “credit card”, a questão que se coloca é a de saber se o operador do call center, que atendeu a chamada do autor, não deveria ter diligenciado para ter a certeza de qual era, a final, o cartão bancário que o autor pretendia ver cancelado.
Pois bem, apesar de no ponto 29 dos factos provados se referir que o autor participou ao call center que o seu “credit card” fora roubado e que o queria cancelar e, no ponto 34 constar, como provado, que “O funcionário do call center com que o Autor falou, em tal dia, por telefone, podia ter verificado os cartões de que o Autor dispunha, bem como quais os que se encontravam activos e ou sem movimentos, não o tendo feito por o Autor ter, de forma expressa, referido que o cartão furtado e a cancelar era o seu “ credit card “, não revelando qualquer dúvida quanto à sua identificação”, a verdade é que quando o autor se apercebeu que lhe tinham furtado o cartão bancário, telefonou para o seu gestor de conta, testemunha JS e, comunicou a este que lhe haviam furtado o cartão de débito.
Efectivamente, da transcrição integral do depoimento desta testemunha decorre que ele afirmou, ao minuto 16:52 do seu depoimento, que, Sexta feira à tarde, estava de férias na altura e por isso não atendeu de imediato, “…devolvi a chamada ao cliente e o cliente referiu que, de facto, estava na África do Sul e que lhe tinha, que lhe tinham, que tinha ficado sem um cartão de débito”.
Ou seja, a testemunha JS entendeu que o cartão bancário em causa era o cartão de débito. A testemunha PF, do call center da autora percebeu cartão de crédito, por o autor ter utilizado a expressão, em língua inglesa – de que a testemunha PF disse falar “a little” (um pouco) – credit card.
Porque será que o gestor de conta percebeu cartão de débito e o operador do call center entendeu cartão de crédito? Porque o gestor de conta do autor estava inteirado e era conhecedor da situação da conta bancária do autor e sabia que tinha ambos os cartões, de débito e de crédito, mas só utilizava o de débito? Porque o operador do call center, apesar de ter ao seu alcance todos os elementos relativos à conta bancária e podia ter verificado que cartões bancários tinha o autor e qual utilizava, entendeu não ser necessário fazê-lo?
Para responder a estas interrogações é necessário recordar, como salienta o acórdão do STJ de 16/09/2014, citando o acórdão também do STJ de 18/12/2008:
Os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar profissionalmente actos bancários. E a referência ao carácter profissional da sua actividade significa, antes de mais, que se trata de uma prática habitual – o banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada – lucrativa, isto é, que visa a obtenção de lucros, de proventos, assentando, por isso, numa organização empresarial – e tendencialmente exclusiva, do ponto em que só pode ser exercida por certas entidades (as instituições de crédito, categoria em que se englobam), que, em princípio, só devem exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra).
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) contém mesmo um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (artºs 73º a 76º).
A competência técnica (art. 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
No tocante às relações com os clientes (art. 74.º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
E quanto ao critério de diligência (art. 76.º), também referenciando o banqueiro enquanto instituição, aponta ele para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus pater familias, prudente, ordenado e dedicado ().
E entre as partes – banqueiro e cliente – haverá deveres de conduta, decorrentes da boa-fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro.
Como decorre do que já ficou referido, este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter na mira a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente. A tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária, tal como acima a definimos.
Assim, na relação contratual bancária, importa salientar, a par de outros, os seguintes aspectos:
– há um fundamental dever de prestação de serviços, no qual se insere, designadamente, a obrigação de o banco «colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado» no âmbito da actividade bancário-financeira;
– o já assinalado carácter profissional e a competência técnica da sua organização impõem ao banco «uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro» e implicam, neste particular domínio, «uma continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente» ().
E, como escreveu CALVÃO DA SILVA, «esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae», imporá à instituição financeira, mesmo no silêncio do contrato, «padrões profissionais e éticos elevados numa política de “conhece o teu cliente”, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil; arts. 73º e segs. da Lei-Quadro bancária): deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e assim originar a responsabilidade de instituição financeira imprudente ou não diligente»”
Desta fundamentação expendida pelo STJ e especialmente do Regime Geral das Instituições de crédito e Sociedade Financeiras (DL 298/92, de 31/12, com as 62 alterações entretanto introduzidas) salienta-se o artº 73º, inserido no Capítulo relativo às Regras de Conduta, com epígrafe “Competência técnica” que determina:
As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
Ou seja, exige-se aos bancos que na sua conduta observem elevados níveis de competência técnica que assegurem qualidade e eficiência. Nas palavras de Calvão da Silva “…padrões profissionais e éticos elevados numa política de “conhece o teu cliente”, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente…”.
Transpondo estas regras e considerações para o caso dos autos, o gestor de conta, testemunha JS, percebeu que o autor pretendia cancelar o cartão de débito, porque conhecia o cliente; já o operador do call center, se tivesse actuado de acordo com os exigíveis elevados padrões de competência profissional e técnica deveria ter verificado que o autor tinha dois cartões bancários, qual deles utilizava sempre e, não se ter limitado a perguntar-lhe o número de contribuinte, para aceder à conta do cliente e aos demais elementos do sistema e, com facilidade, se teria apercebido da existência dos dois cartões e deveria ter perguntado, inquirido, por uma questão de segurança e de certeza, se o cartão furtado era o de débito ou de crédito, não se limitando a uma atitude passiva de ouvir “credit card”; até porque os procedimentos de cancelamento de um e de outro dos cartões são diferentes e implicam diferentes passos: o cancelamento do cartão de crédito é cancelado pela SIBS e, o cancelamento do cartão de débito é cancelado pelo próprio banco como, de resto, o gestor de conta fez logo que regressou de férias. No fundo, é a diferença entre uma actuação segundo elevados padrões profissionais e éticos e, uma actuação, na prática, meramente passiva, do operador do call center.
Portanto, tivesse o operador do call center sido diligente e preocupado e actuado segundo os elevados padrões de competência profissional, teria perguntado ao autor e percebido que ele pretendia cancelar o cartão de débito.
De resto, se o gestor de conta não estivesse de férias e tivesse atendido logo o telefonema do autor, seguramente teria procedido, de imediato, ao cancelamento do cartão de débito do autor (como fez logo que regressou de férias na segunda feira, às 08:30 horas).
É certo que não se discute o direito do gestor de conta a gozar férias. Mas a ida deste de férias não arrasta, rectius, não pode arrastar (de férias), aligeirar ou suspender, os elevados padrões profissionais e éticos exigíeis ao banco. Tivesse o réu deixado alguém a substituir o gestor de conta e a chamada/telefonema do autor seria atendido logo por volta das 15:00 horas de dia 22/03/2019 (pontos 16 e 17 dos factos provados) e, de imediato, como depois fez o gestor de conta logo que regressou de férias, cancelado o cartão de débito e, com isso, salvaguardados/protegidos os direitos patrimoniais do autor.
Perante este quadro, somos a concluir que fica a faltar o segundo dos argumentos usados pela 1ª instância para recusar o reembolso das quantias retiradas da conta do autor: o autor não comunicou o furto do cartão de débito e era inexigível ao operador de call center inteirar-se de qual dos cartões de tratava, se de crédito se de débito.

Aqui chegados vejamos o que determina o artº 114º do DL 91/2018, justamente com epígrafe “Responsabilidade do prestador de serviços de pagamento em caso de operação de pagamento não autorizada:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 112.º, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsar imediatamente o ordenante do montante da operação de pagamento não autorizada após ter tido conhecimento da operação ou após esta lhe ter sido comunicada e, em todo o caso, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte àquele conhecimento ou comunicação.
2 - O prestador de serviços de pagamento do ordenante não está obrigado ao reembolso no prazo previsto no número anterior se tiver motivos razoáveis para suspeitar de atuação fraudulenta do ordenante e comunicar por escrito esses motivos, no prazo indicado no número anterior, às autoridades judiciárias nos termos da lei penal e de processo penal.
3 - Sempre que haja lugar ao reembolso do ordenante, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve assegurar que a data-valor do crédito na conta de pagamento do ordenante não é posterior à data em que o montante foi debitado na conta.
4 - No caso previsto no número anterior, o prestador de serviços de pagamento do ordenante, se for caso disso, repõe a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
5 – (…)
6 – (…)
7 - Sempre que haja lugar ao reembolso ao ordenante, o prestador de serviços de pagamento que gere a conta deve, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
8 – (…)
9 - Nos casos a que é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 113.º, recai sobre o prestador de serviços de iniciação do pagamento o ónus de provar que, no âmbito da sua esfera de competência, a operação de pagamento foi autenticada e devidamente registada, e não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento por si prestado.
10 - Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo prestador de serviços de pagamento, e não tenham sido detetados motivos razoáveis que constituam fundamento válido de suspeita de fraude, ou essa suspeita não tenha sido comunicada, por escrito, à autoridade judiciária nos termos da lei penal e de processo penal, são devidos ao ordenante juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento tenha negado que autorizou a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efetivo da mesma, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.”
No caso dos autos, como vimos, se o banco réu tivesse agido com elevado profissionalismo, e tivesse designado funcionário para substituir o gestor de conta do autor durante as suas férias, por certo teria recebido a comunicação do autor a ordenar o cancelamento do cartão de débito logo por volta das 15:00 horas do dia 22/03/2019; e, com isso, não teriam sido realizados quaisquer movimentos na conta do autor.
O réu, à luz do artº 114º nº 1 do DL 91/2018, deveria ter reembolsado o autor pelo valor de todos os movimentos operados na conta bancária do autor no montante de 139 026,95€.
E esse reembolso deveria ter ocorrido logo em 25/03/2019, altura em que o gestor de conta cancelou o cartão de débito e a conta bancária.
Como não o fez, nos termos do artº 113º nº 10 do DL 91/2018, são devidos juros de mora, desde 26/03/2019, à taxa de 14%, correspondente à soma dos juros civis de 4% acrescida de 10%, até à data de reembolso efectivo.
A esta vista, resta concluir pela revogação da sentença na parte em que não ordenou o reembolso ao autor do valor retirado da sua conta bancária.
Quanto à indemnização de 40 000€ por danos não patrimoniais.
Sem necessidade de outras considerações bastará mencionar que não foi dado como provada a factualidade em que o autor se estribava para obter a pretendida indemnização, como decorre dos pontos c), d) e e) dos factos não provados:
c)- que o Autor se tivesse sentido, na sequência do aludido em 17 - a 37 -, doente e deprimido;
d)- que o aludido em A), 39 - tenha contribuído para o estado de stress, ansiedade e depressão do Autor;
e)- que o Autor esteja ansioso, receoso do futuro e do seu modo de sobrevivência económica.
E o autor não impugnou eficazmente essa factualidade não provada.
Finalmente, quanto à responsabilidade da interveniente principal ACB, Sucursal em Portugal.
No acórdão proferido nos autos a 09/03/2021, que determinou a intervenção principal da ACB, foi referido que “Voltando aos autos, manifesto se torna que o negócio entre o Réu D Bank e a Chamada ACB, constitui uma operação bancária, presumivelmente complexa, cujo teor não se evidencia que o Autor, devesse conhecer, maxime com vista a obtenção de uma decisão definitiva, responsabilizando, ou não a Chamada. Com efeito, elucidação do conteúdo do negócio realizado, e o papel que a Chamada possa por via do mesmo ter face ao Autor, só em momento posterior poderá ser concretizado, no conhecimento do mérito, e não na configuração que o mesmo deu à relação controvertida, ainda com o lapso ocorrido, que pretendeu sanar com a dedução do incidente, que em conformidade, se mostra justificado, mostrando-se reunidos os pressupostos legais para a respetiva admissibilidade.”
Ora, no caso, não foi feita prova de o réu ter transmitido à interveniente a situação de responsabilidade civil contratual em causa nos autos.
Se necessidade de ouros considerandos, não há fundamento para condenar a interveniente principal.
Em suma: o recurso procede parcialmente.
***
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
a)- Condenam o réu, D Bank – Sucursal em Portugal, a pagar ao autor a quantia de 139 026,95€ (cento e trinta e nove mil e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 14%, desde o dia 26/03/2019, até efectivo e integral reembolso;
b)- Absolve-se o réu, D Bank – Sucursal em Portugal do demais peticionado;
c)- Absolve a interveniente principal ACB, Sucursal em Portugal dos pedidos.
Custas na instância de recurso e na 1ª instância, pelo autor e pelo réu na proporção do decaimento.

Lisboa, 05/12/2024
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Gabriela de Fátima Marques