Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00033384 | ||
Relator: | PAIS DO AMARAL | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE VISTAS JANELAS FRESTA SETEIRA | ||
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Nº do Documento: | RL200105150008291 | ||
Data do Acordão: | 05/15/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1360 N1 ART1362 N1 ART1363 N1. | ||
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Sumário: | I - Decorrendo o período de tempo necessário para haver usucapião, o proprietário do prédio onde há janelas ou frestas, adquire uma servidão que, denominada ou não servidão de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões. II - Assim, o proprietário do prédio vizinho não pode levantar parede, a menos de metro e meio de distância, por forma a eliminar tais aberturas. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (P) veio requerer procedimento cautelar de embargo de obra nova contra (M) e seu marido, (J), com os seguintes fundamentos; O Requerente é Proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra "F", que corresponde ao segundo andar esquerdo da habitação com entrada pelo nº (X) da Rua (Y), do prédio urbano situado na Rua (Y), nºs (N) a (M) tornejando para a Travessa (O) nº 1, freguesia da Lapa, em Lisboa. O prédio, que foi construído no início do século XIX, é composto de quatro pavimentos, situando-se os dois últimos acima do prédio contíguo, sito na Travessa do (O), nº 3, que há muito se encontrava desabitado. Este prédio é propriedade dos Requeridos. Na empena do prédio onde se situa o andar do Embargante e que dá para o prédio dos Embargados existem 3 janelas, sendo 2 delas localizadas no 3º andar esquerdo e a outra localizada no 2º andar esquerdo, pertencente ao Embargante. As janelas foram abertas aquando da construção do edifício, sendo então, como agora, utilizadas para arejamento e iluminação do interior. Desse modo, a janela pertencente ao Embargante sempre foi utilizada para arejar e iluminar a cozinha, dado que esta divisão não possui qualquer outra forma de arejamento e iluminação natural. Esta janela, com as dimensões de 31 cm de altura por 72 cm de comprimento, não lesava o direito de ninguém, porquanto o prédio contíguo, pertencente aos Embargados, tinha o cume do seu telhado cerca de 60 cm abaixo da janela. Os Embargados iniciaram obras de construção no seu prédio que tapam a sua referida janela. Pede que seja ordenado o embargo e consequente suspensão imediata das obras em curso. Os Requeridos vieram deduzir oposição alegando, em síntese, que o 2º andar esquerdo não tinha qualquer janela. Tinha uma fenestração horizontal cuja dimensão do lado exterior não chegava aos 20 cm, sendo dividida, sensivelmente a meia altura, horizontalmente, por um varão de ferro com cerca de 30 mm de diâmetro. Essas frestas encontravam-se abertas na casa do Embargante junto ao tecto, isto é, a mais de 2 m de altura do respectivo pavimento. É infundado o pedido de providência cautelar por se basear num direito que não assiste nem nunca assistiu aos anteriores proprietários do andar. Produzida a prova, foi fixada a matéria de facto provada e não provada. Foi depois proferida decisão que, julgando procedente a providência cautelar requerida, decretou o embargo da obra em curso na Travessa do (O), nº3, freguesia da Lapa, em Lisboa. Não se conformando com a decisão, a Requerida interpôs recurso. tendo finalizado a alegação que apresentou com as seguintes conclusões: I) Ao intentar a providência cautelar o Requerente omitiu deliberadamente a altura a que se encontrava a abertura existente na sua cozinha e o facto de a mesma se encontrar dividida a meio e horizontalmente por um elemento em ferro com três centímetros de diâmetro; II) Encontra-se provado nos autos que estas aberturas se encontram a 2,52m de altura; III) A parede de empena em que as duas aberturas se encontram inseridas tem, pelo menos 50 cm de espessura; IV) Não teve nunca o proprietário ou proprietários do andar actualmente pertencente ao ora Agravado, ou o ora Agravado, a possibilidade de ter através daquelas aberturas, qualquer vista sobre o prédio da ora Agravante; V) A Lei portuguesa não impõe qualquer qualidade especial de material para a divisão de frestas nem limita o seu número; VI) Não pode assim a Meritíssima Juíza a quo entender, embora no seguimento de um Acórdão por si citado, que esse material deverá ser o mesmo utilizado na construção da restante parede; VII) A utilização pelo anterior proprietário do mesmo material da restante parede para a divisão das duas frestas tornaria inútil a sua existência já que não permitiria a entrada de qualquer luz no compartimento; VIII) Tratando-se, aliás, de frestas horizontais dificilmente seria recorrer a outro material que não o ferro ou a madeira tendo proprietário optado pelo ferro por ser mais resistente e mais durável. IX) Assim permitindo o arejamento e alguma iluminação ao compartimento; X) E respeitando simultaneamente os direitos que a Lei consagra aos proprietários do prédio vizinho. XI) A Meritíssima Juíza, porém, ao dar provimento ao pedido do Requerente da providência cautelar não fez a correcta classificação das aberturas existentes na parede do Requerente nem a correcta interpretação e aplicação do Direito. Contra-alegou o Agravado por forma a defender a confirmação da sentença recorrida. Foi proferido despacho de sustentação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Foram julgados provados os seguintes factos: 1. (P) é proprietário da fracção autónoma designada pela letra "F", correspondente ao 2º andar esquerdo, para habitação, com entrada pelo nº (X), da Rua (Y), do prédio urbano situado na Rua (Y) nºs. (N) a (M), tornejando para a Travessa do (O), n° 1, Freguesia da Lapa, Concelho de Lisboa, descrito na Quarta Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 339, e inscrito na matriz sob o artigo 278º da mesma freguesia. 2. Em 28.2.2000, (P) adquiriu a (R) o imóvel descrito em 1. 3. Em 23.9.93, (R) adquirira o imóvel descrito em 1 a (B). 4. 0 prédio, do qual faz parte a fracção referida em 1, é composto de 5 assoalhadas e foi edificado em data indeterminada do século XIX, é do estilo pós-pombalino, mantém nos dias de hoje a traça original, nomeadamente a gaiola pombalina, seu elemento estruturante. 5. Pelo menos a fachada, as janelas e respectivas cantarias e os materiais utilizados são da mesma época em que o prédio foi construído. 6. 0 prédio referido em 1 é composto de duas lojas, 1º, 2º e 3º andar, sendo que os dois últimos andares se erguem desde a sua construção, antes das obras realizadas pelos requeridos, acima do prédio contíguo, sito na Travessa do (O), nº 3, em Lisboa, e que actualmente apenas o 3º andar fica acima do prédio dos requeridos. 7. Em 23.10.92, (M) adquiriu o prédio sito o nº 3 da referida Travessa do (O). 8. Na empena do prédio onde se situa o andar de (P) e que dá para o prédio referido em 7 existem duas janelas, localizadas no 3º andar esquerdo, e outra abertura localizada na cozinha do andar daquele. 9. A referida abertura tem mais de setenta anos. 10. Desde a data da sua construção que a referida abertura, com 31cm de altura e 72 cm de cumprimento, situada a cerca de 2 m 52 cm face ao pavimento interior, é utilizada para arejamento e iluminação do interior da cozinha, que não dispõe de qualquer outra forma de arejamento e iluminação natural. 11. Existe um varão de ferro colocado sensivelmente a meio da referida abertura, cujo diâmetro é aproximadamente de 3 cm. 12. Antes das obras realizadas por (M) e (J) no prédio do n° 3 da Travessa do (O), este tinha o cume do seu telhado abaixo da abertura referida em 10. 13. As obras em curso no prédio, sito no nº 3 Travessa do (O), foram licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa. 14. Tais obras implicaram a demolição de todo o interior do primitivo prédio e, no mesmo terreno, visam construir três andares, onde primitivamente existiam dois. 15. Em 20.3.2000, (P) verificou que a abertura da sua cozinha tinha sido tapada por tijolos e cimento, tendo os tijolos sido assentes em cima da cantaria inferior que lhe serve de moldura; 16. Ao verificar tal situação contactou os operários da obra do nº 3 da Travessa do (O) que o informaram que a aludida abertura era para se manter tapada; 17. O projecto inicial da obra do nº 3 da Travessa do (O) foi alterado por forma a não tapar as referidas janelas do 3º andar, o que foi conseguido devido ao topo do telhado descer relativamente ao previsto naquele projecto inicial. 18. 0 andar do requerido sofre desvalorização económica pelo facto de a abertura da cozinha estar tapada com tijolos e cimento. 19. No prédio onde se situa o andar de (P) sofreu obras de beneficiação e foi construído, posteriormente à sua edificação, pelo menos uma varanda. 20. Os requeridos têm uma inquilina no rés-do-chão e os pisos 2º e 3º destinam-se à sua habitação, no último piso ficam os quartos dos filhos daqueles. 21. O construtor do prédio dos requeridos propôs ao requerente deixar-Ihe uma entrada de ar, mas aquele recusou. 22. A presente providência cautelar deu entrada no Tribunal no dia 6.4.2000. Nos termos do artº 1360º, nº 1 do Código Civil - diploma a que pertencerão todos os artigos sem indicação da sua proveniência - o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de um metro e meio. Porém, conforme prescreve o art. 1362º, nº 1, a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião. Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas - conforme determina o art. 1363º, nº 1. A questão que se nos depara consiste em saber se a abertura que nos autos se discute deve ser qualificada como janela ou fresta. Trata-se de uma abertura com 31 cm de altura e 72 cm de comprimento, situada a cerca de 2,52 m em face ao pavimento interior, que é utilizada para arejamento e iluminação da cozinha, que não tem qualquer outra forma de arejamento e iluminação natural, desde a época da construção do prédio, a qual teve lugar no século XIX. Segundo Cunha Gonçalves, a palavra "Fresta" é modificação portuguesa do baixo latim "Fresta", corruptela do termo latino "Fenestra", com que se designava uma janela pequenina e muito estreita, comparável às seteiras das fortalezas. "Seteira" é uma fenda da parede, apenas suficiente para se despedir uma seta contra o inimigo sitiante. Daí resulta que os lexicólogos actuais registam como sinónimos os termos Fresta e seteira, e um pelo outro os explicam. O art. 1363º, nº 2 dispõe que as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de 15 centímetros. A abertura em causa está situada a uma altura superior a um metro e oitenta do sobrado da cozinha. A sua dimensão, quanto a um dos lados, é que vem trazer grandes dúvidas no que concerne à referida qualificação. Está provado que existe um varão de ferro colocado sensivelmente a meio da referida abertura, cujo diâmetro é aproximadamente de 3 cm. Encontrando-se este varão colocado no sentido horizontal- como parece que é o caso poder-se-ia dizer que divide a abertura em duas frestas com as medidas previstas no art. 1363º, nº 2, visto que têm menos de 15 cm de altura. Facilmente se poderá concluir que a lei não estabelece qualquer restrição quanto ao número de frestas que o dono do prédio pode abrir na parede do mesmo e, por isso, não seria difícil aceitar a existência de duas frestas. Já é, porém, duvidoso que se possa Frestar uma janela, dividindo-a, por meio de barras de ferro, por forma a que cada uma das divisões não ultrapasse a dimensão de 15 centímetros imposta pela lei. Em nosso modesto entender, uma janela situada a mais de 1, 80 m de altura do sobrado, com as dimensões de 31cm x 72cm, não se transforma em duas frestas de 14 cm x 72 cm, pelo facto de ter sido dividida, horizontalmente, por um varão de ferro com 3 cm de diâmetro. A lei não prevê que uma janela possa ser Frestada, mas sim que possa ser gradada, com barras fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros, conforme dispõe o artº 1364°. No caso concreto, a abertura, tendo dimensões superiores às que a lei estipula para a fresta, tem de ser qualificada como uma janela ou, então, como uma fresta com dimensões ilegais. De qualquer modo, tendo decorrido, desde a sua abertura, o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquiriu uma servidão que, denominada ou não servidão de vista, está sujeita ao regime geral das servidões. Assim sendo, o proprietário do prédio vizinho não poderá levantar a parede por forma a eliminar tal abertura. Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos Agravantes. Lisboa, 15 de Maio de 2001 |