Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GOUVEIA BARROS | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS GUARDA DE MENOR REGIME DE VISITAS PERÍCIA MÉDICO-LEGAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/18/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I) Tendo o tribunal ordenado a realização de avaliação psicológica aos pais do menor, na sequência de suspeitas levantadas no decurso da audiência sobre a conduta do progenitor, nada obsta a que depois prescinda do exame à mãe, quer porque o reputou desnecessário, quer porque tais suspeitas se revelaram infundadas. II) Dispondo o pai de emprego estável dotado de jardim-de-infância gratuito, tal benefício deve ser relevado para atribuição da guarda do menor, sobretudo quando este revela atraso na área da linguagem previsivelmente motivado por falta de convívio com outras crianças. III) Assinalando-se na avaliação psicológica feita ao menor que este evidencia um vínculo afectivo mais forte com o pai e surgindo este como figura privilegiada, de maior investimento e identificação, deverá a guarda ser-lhe deferida, tanto mais que goza também de uma relação familiar mais estruturada. IV) Porém, encontrando-se a mãe desempregada e tendo grande ligação afectiva ao filho, devem os períodos de férias escolares ser repartidos equitativamente entre os progenitores a fim de que tal ligação se mantenha e aprofunde. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa O Ministério Público, em representação do menor I. R, nascido em …-2005, propôs a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra os respectivos progenitores C. M. e N. M. alegando, em síntese, que os requeridos viveram juntos cerca de ano e meio, mas encontram-se separados de facto e não estão de acordo sobre a forma de exercer o “poder paternal”, residindo o menor com a mãe. Designada data para realização de conferência de pais, não se logrou chegar a qualquer acordo, tendo sido fixado um regime provisório que atribuiu a guarda do menor à mãe, fixou um regime de visitas ao pai e ainda o pagamento de uma pensão de alimentos a cargo deste – cfr. acta de fls. 13 e 14. Ordenou-se a realização de inquéritos sociais, os quais se encontram juntos a fls. 86 e ss (mãe e menor) e 91 e ss (pai) e, já no decurso da audiência, foi ordenada a realização de perícias de personalidade aos progenitores, menor e avós maternos. Discutida a causa, foi proferida sentença cuja parte dispositiva determinou o seguinte: 1. a) O menor fica entregue à guarda e cuidados de seu pai, com quem residirá, sendo o respectivo poder paternal exercido pelo pai, sem prejuízo deste manter a mãe informada relativamente a questões de particular importância para a vida do menor. b) O menor só poderá viajar para fora do País na companhia do pai ou de quem este determinar. 2. a) A mãe poderá ter o filho em sua companhia de 15 em 15 dias, indo para o efeito buscá-lo a casa do pai no Sábado, pelas 11:00, e entregá-lo na casa do pai no Domingo pelas 18:00. b) O menor passará os dias 24, 25 e 31 de Dezembro e 01 de Janeiro, alternadamente, com cada progenitor. c) No dia de aniversário do menor este poderá tomar uma refeição principal com a mãe. d) O menor poderá ainda passar o dia de aniversário da mãe e o dia da mãe na companhia desta, desde que não haja prejuízo para as suas actividades escolares. e) O menor poderá passar 15 dias de férias no verão na companhia da mãe, a qual deverá comunicar ao pai até 30 de Abril de cada ano qual o período que pretende utilizar. Na falta de acordo, e mantendo-se a mãe desempregada, o pai tem preferência. Se a mãe começar a trabalhar, e na falta de acordo, nos anos pares escolhe o pai e nos anos ímpares escolhe a mãe. 3. A mãe contribuirá para alimentos do seu filho menor com a importância mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), que entregará ao pai até ao dia 8 de cada mês mediante transferência bancária, cheque ou vale postal. Tal quantia será actualizada todos os anos em Janeiro de acordo com o índice de inflação determinado pelo INE, sendo a primeira actualização em 2011. *** Inconformada, apelou a requerida C.M. para pugnar pela revogação da sentença, alinhando para tal as seguintes razões com que encerra a alegação oferecida: 1. O Tribunal ordenou a realização de relatório social e perícias psiquiátricas a ambos os progenitores. 2. Ordenou igualmente que a requerida, ora recorrente, se submetesse a análises clínicas de despiste de consumo de estupefacientes. 3. A requerida recusou ser submetida às mesmas pelos motivos aduzidos em sede própria. 4. Após a audiência de discussão e julgamento em que a Mma Juiz, face à recusa da requerida, afirmou quem não deve não teme e porque de facto, nada tinha a temer, decidiu submeter-se, motu próprio, às análises clínicas que nada acusaram. 5. Por requerimento datado de 15 de Julho de 2008 veio a ora recorrente comunicar ao Tribunal que não se opunha à perícia psiquiátrica. 6. O Tribunal ordenou a sua realização e a perícia foi agendada para os dias 13 e 20 de Agosto de 2008. 7. Sucede porém que, a requerida, foi notificada para comparecer à supra mencionada perícia na morada errada, sendo certo que comunicou atempadamente tal alteração aos autos, facto, aliás, reconhecido pelo Tribunal a quo. 8. Ademais, quando a notificação da perícia ao menor foi devolvida o mandatário da requerida foi notificado e informou o Tribunal do requerimento com a alteração de morada que já tinha sido junto. 9. Pelo que, não pode deixar de se estranhar que o Tribunal a quo, ao justificar o lapso, afirme não ter detectado a alteração do domicílio porque a comunicação é feita na segunda página de um requerimento da requerida. 10. Como se a culpa fosse da requerida! 11. Não obstante, está sobejamente demonstrado que a requerida, apenas porque não teve conhecimento da data agendada, não compareceu. 12. Acresce que, ao invés da notificação da data agendada para o julgamento ou da perícia ao menor, que foi comunicada ao advogado da requerida a data agendada para a perícia não foi. 13. Pelo que, nada há de “curioso” em ter comparecido à audiência de julgamento de 5 de Maio de 2008, como se afirma na douta sentença recorrida. Compareceu à audiência porque o seu mandatário foi notificado no seu domicílio profissional tendo previamente falado com a sua constituinte. 14. Devidamente notificada veio posteriormente a requerida, ora recorrente pronunciar-se, requerendo o agendamento de nova data invocando a nulidade da notificação. 15. No entanto, apreciando a questão prévia, na douta sentença recorrida a Mmª Juiz de Direito, não reconhecendo a nulidade da notificação invocada, indefere o pedido de nova marcação por entender que os autos reuniam já todos os elementos necessários à decisão e já havia decorrido demasiado tempo. 16. Sucede porém que, nem os autos reúnem todos os elementos, nem o decurso do tempo pode ser imputado à requerida. 17. Os autos têm um relatório social aos requeridos, uma perícia psicológica ao menor e uma perícia psicológica ao pai deste, destinada a aferir das suas capacidades parentais. Não tem qualquer perícia à requerida. 18. A perícia a que o Tribunal a quo se refere não passa de uma mera entrevista com os progenitores, por ocasião da avaliação pedopsiquiátrica feita ao menor. 19. No entanto, dessa entrevista resulta apenas uma análise superficial dos progenitores, até porque o visado dessa análise era o menor. 20. E é com base nos relatórios sociais, na entrevista aos progenitores, aquando da perícia ao menor, e da perícia ao recorrido que o Tribunal decidiu. 21. Ora, a requerida não foi avaliada com base em critérios científicos nem submetida a testes susceptíveis de avaliar as suas competências parentais com algum rigor, ao invés do recorrido que foi sujeito a uma perícia com vista a responder a três quesitos: Se padece de doença do foro psíquico que determine a incapacidade para cuidar do menor, se tem capacidades parentais e se existem indícios de manipulação psicológica do menor. 22. Perícia essa que teve por métodos uma pesquisa documental, um estudo biográfico, exame clínico e psicopatológico (baseado em entrevistas e na observação) e uma avaliação instrumental com a aplicação dos instrumentos a que se refere o relatório de Fls … e seguintes. Cfr Fls …. 23. Pelo que, fica a recorrente numa posição de inferioridade face ao recorrido até porque, reitera-se, a perícia ao recorrido foi tida em conta na decisão. 24. De igual modo o argumento de que os autos não podem aguardar mais tempo não colhe quando o Instituto de Medicina Legal remeteu aos presentes autos a informação da não comparência da recorrente à perícia em … de 2008.Cfr Fls … 25. Sendo que o Tribunal apenas em 18 de Janeiro de 2010 notifica a recorrente do despacho de … de 2010, onde se conclui: constata-se que a progenitora não revela interesse/vontade em fazer a perícia ordenada não podendo os autos aguardar mais tempo pelo que determino o prosseguimento dos autos sem a perícia à progenitora que aliás acaba por ser analisada na perícia ao menor. Cfr Despacho de Fls _, de …/2010. 26. Não obstante o Tribunal a quo ter posteriormente retirado essa conclusão acaba por decidir que a perícia não é afinal importante. 27. Ademais, demorou o Tribunal mais de um ano a comunicar à recorrente que havia faltado a uma perícia cuja data desconhecia por não ter sido notificada pelo que, dificilmente será legítima a conclusão que aquela não pode agora realizá-la porque os autos têm que prosseguir, não podendo aguardar mais tempo. 28. Sobretudo quando se decide do destino de uma criança que é retirada à mãe com quem sempre viveu. 29. E uma vez que o relatório da perícia ao recorrido data de Março de 2009 seguramente que não foi a recusa inicial da recorrida que atrasou a realização da sua perícia. 30. Ora, tratando-se de um lapso do Tribunal que não notificou a requerida na morada que esta atempadamente comunicara, a recusa à perícia requerida e inicialmente ordenada pelo Tribunal a quo viola o princípio da igualdade das partes consagrado no art.º 3ºA do C.P.C 31. E viola porque foi o próprio Tribunal a quo a entender que a perícia era relevante para a decisão. 32. O princípio da igualdade das partes é uma concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP e assenta na ideia de que cada uma das partes deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal. 33. Assim, cumpre ao Tribunal assegurar, com isenção, ao longo do processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso dos meios de defesa, o que, salvo o devido respeito, não aconteceu. 34. Sendo verdade que, nos encontramos perante um processo de jurisdição voluntária em que o Tribunal não está vinculado a um critério de legalidade estrita, está sujeito ao princípio da equidade que manifestamente viola com a recusa de agendamento da perícia. 35. Por todo o exposto verifica-se a nulidade da notificação da perícia e bem assim, da violação do art.º 1410º do CPC e art.º 3.º A do mesmo diploma em consequência do art.º 13º da CRP, devendo a douta sentença proferida ser revogada e ordenada a perícia à ora recorrente. 36. A douta sentença recorrida foi proferida sem que o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitisse parecer e não obstante os motivos aduzidos sempre se dirá que o actual Magistrado do Ministério Público se encontra em exercício de funções no Tribunal da Comarca de … há quase um ano e meio. 37. Sendo certo que foi notificado das diligências ordenadas e dos relatórios dos exames realizados pelo que tem já conhecimento do processo. 38. E sendo o Ministério Público que, nos presentes autos, representa o superior interesse do menor, terá obrigatoriamente que se pronunciar antes da decisão de retirá-lo da guarda do progenitor com quem vive desde que nasceu, sob pena da sua falta resultar numa omissão de formalidade essencial. 39. Sem conceder no supra exposto, sempre se dirá que a sentença ora recorrida dá por provados factos que não são factos mas sim, conclusões. 40. Na verdade, a douta sentença dá por provados factos que resultam exclusivamente dos relatórios sociais que, como todo o respeito, assentam numa entrevista aos progenitores e avós do menor e numa visita às suas residências. 41. Quer isto dizer que as conclusões dos técnicos se baseiam no relato dos entrevistados e na empatia que com eles criam. 42. Senão vejamos, a douta sentença recorrida logo no ponto 3 dos factos provados reproduz as conclusões retiradas pelas técnicas do IRS como se fossem factos designadamente que, durante o período em que viveu com o requerido a C.M. manteve-se dependente da mãe, situação que se acentuou com o nascimento do filho. 43. Com o devido respeito tal não resulta da prova produzida, o que ficou provado foi que, aquando do nascimento do menor, nenhum dos progenitores estava preparado para cuidar do filho acabado de nascer. Cfr relatório da perícia realizada ao requerido. 44. Tendo sido a avó materna que nos dois primeiros meses dava banho ao menor e enquanto estiveram juntos comprava comida e ajudava o casal. 45. Não podendo deste facto retirar-se a conclusão que era avó materna que tratava do menor e que a ora recorrente estava totalmente dependente da mãe. 46. Do mesmo modo não se pode dar por provado uma opinião que aliás começa com a expressão “parece” como a que se transcreve referindo-se à avó materna: parece assumir a liderança de desenvolvimento do neto, sobrepondo-se às responsabilidades maternas. 47. Também não é lícito concluir, face à ausência de uma perícia que o confirme, que a mãe é egocêntrica, imatura, instável, ausente e muito pouco investida no filho, como faz o Tribunal a quo na fundamentação da douta sentença recorrida. 48. Ademais, mesmo quando a análise resulta da observação dos técnicos como é o caso da visita a casa da mãe e à dos avós maternos em que verificaram que o menor, em casa da avó, está à vontade e tem o seu espaço o que não acontece em casa da mãe, parece não se atender ao facto do menor desde os cinco meses que vivia com a mãe em casa da avó sendo relativamente recente a mudança para a nova casa da ora recorrente pelo que é normal que o menor não se encontre familiarizado em tal ambiente. 49. Acresce que apesar do pai do menor ter feito várias acusações que se veio a provar serem falsas, como a da requerida consumir estupefacientes depois do nascimento do filho ou que não conhecia a escola onde inscreveu o filho e era a avó materna a levá-lo, nenhuma destas mentiras que atestam o carácter das pessoas influiu na decisão. 50. É que para o Tribunal grave é a requerida não ter provado que o filho sofria de intolerância à lactose. 51. E no que concerne ao depoimento do avô materno sendo verdade que não se produziu prova que sustentasse o que afirmou e por isso tal facto não possa ser considerado provado, não podemos olvidar a dificuldade em produzi-la quando está em causa um menor de 4 anos. 52. O que temos por certo é que não se provou para além de qualquer dúvida que tal não tivesse ocorrido sendo que, o mesmo não se pode dizer das acusações do requerido. Porque quanto a estas foi produzida prova de que não era verdade. 53. Acresce que o requerido que tantas preocupações com o filho revela até ser obrigado não comparticipou de todo nas despesas do menor sendo certo que se não fossem os avós maternos com o seu contributo a requerida teria passado sérias dificuldades para sustentar o filho sem que o requerido tivesse qualquer iniciativa para contribuir e assim cumprir as suas obrigações. 54. Acresce que o requerido aquando da realização do relatório social residia na casa que tinha sido a de morada de família e as técnicas do IRS entenderam que a referida habitação apresentava boas condições para receber o menor. 55. Sucede porém que esse relatório data de 2006 e está desfasado da realidade uma vez que, à data em que foi submetido a perícia psicológica declarou que tinha mudado a sua residência para o andar que se situa por cima do que é habitado pelos seus pais. Cfr relatório do exame pericial ao requerido efectuado pelo IML. 56. No entanto, tal facto não está dado como provado e na presente data ninguém aferiu das condições da nova residência do requerido. 57. Não obstante a perícia ao requerido permitir concluir que este apresenta competências parentais o mesmo não se pode dizer da mãe que não teve a mesma oportunidade e não foi sujeita a uma avaliação das suas competências parentais por peritos médicos. 58. Acresce que o menor I apresenta um bom desenvolvimento físico e emocional, aparentando ser uma criança dócil, meiga e feliz e evidencia laços com ambos os progenitores. 59. Sendo que, tendo vivido sempre com a mãe, o menor está bem cuidado, é amado, tem as suas necessidades devidamente supridas e mantém vínculos afectivos sólidos com ambos os progenitores. 60. Atento o que não se compreende porque motivo se separa o filho da mãe quando é consabido que a atribuição da guarda do menor tem que se aferir em função do seu superior interesse. 61. E se ambos os progenitores revelam capacidade para cuidar do filho e educá-lo a sua guarda deve ser confiada ao que dele cuidou após a separação que, no caso em apreço, é a mãe. 62. Acresce que no decurso do processo o pai requereu que a mãe fosse impedida de estar sozinha com o filho, o que indicia clara vontade de os afastar e quebrar o vínculo que os une. 63. E a mãe do menor nunca evidenciou tal desejo. Muito pelo contrário sempre promoveu o contacto do filho com o pai. 64. Assim, até que a mãe seja submetida a uma perícia psiquiátrica que efectivamente avalie as suas competências parentais, não se pode concluir que o menor está melhor com o pai. 65. Pelo exposto, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que atribua a guarda do menor à ora recorrente. 66. Por último, caso não se entenda como se requereu vem a recorrente requerer a alteração da regulação das competências parentais fixadas na sentença. 67. Desde logo porque, a bem do equilíbrio do menor que, reitera-se até à data vivia com a mãe, o regime de visitas deve ser mais alargado para que mantenha os laços que os unem e não se sinta abandonado. 68. Pelo que, na esteira do que acontecia com o recorrido, requerem-se as alterações que a seguir se indicam: a) que a mãe possa visitar o filho a meio da semana, em dia a fixar pelo Tribunal, para com ele pernoitar. Para tanto, a requerida iria buscá-lo à escola onde o levaria no dia seguinte. b) que a mãe, com o consentimento do pai, possa levar o filho ao estrangeiro, caso tenha possibilidades. c) embora tenha a guarda do menor, o pai deverá ficar obrigado a comunicar à mãe sempre que quiser sair do país com o filho. d) que no fim-de-semana que cabe à mãe esta possa ir buscar o filho à sexta-feira à escola e entregá-lo no mesmo local na segunda-feira de manhã. Nestes termos deve a douta sentença recorrida ser revogada e ordenada a perícia psicológica à ora recorrente e o atinente parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público. Ou caso se entenda que os elementos supra não são essenciais, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que atribua a guarda do menor à ora recorrente. Por último, caso o entendimento seja o de manter a decisão requer-se a alteração do regime fixado para o exercício das competências parentais. *** Em resposta o requerido defende, em síntese, a inexistência das apontadas nulidades e o acerto da sentença impugnada, por cuja confirmação pugna. *** Factos Provados: A sentença sob recurso assentou na consideração dos seguintes factos: 1) O menor I. R. nasceu em …2005 e é filho de C. M. e N. M., os Requeridos. – certidão de nascimento de fls. 3. 2) Em …-2005, estando grávida do menor I.R., a Requerida respondeu a um inquérito hospitalar referente ao aleitamento materno tendo sido escrito na rubrica “observações” o seguinte: “consumiu ecstasy + cocaína. Antes de engravidar fumava haxixe e manteve consumos no início da gravidez. Refere que actualmente não consome.” – doc. de fls. 29. 3) Em 22 de Dezembro de 2006, as técnicas do IRS constataram o seguinte em relação à Requerida e ao menor: “Durante o período em que viveu com o requerido, I…manteve-se dependente da mãe, situação que se acentuou com o nascimento do filho, dado necessitar do seu apoio nos cuidados a prestar-lhe. Com um discurso pouco coerente, evidencia falta de maturidade nas questões referentes às funções da parentalidade, não tendo ainda conseguido organizar-se e estruturar-se, continuando dependente de terceiros, nomeadamente de sua mãe. Esta avó parece assumir a liderança de desenvolvimento do neto, sobrepondo-se às responsabilidades maternas. I, com dois anos de idade é uma criança meiga, com um desenvolvimento estatoponderal adequado à idade, apresentando ao nível da fala ligeiro atraso. O seu processo de desenvolvimento tem decorrido sob as orientações da avó materna, agregado que passou a integrar aquando da separação de seus pais. Segundo as fontes contactadas, I terá alguns meses mais tarde passado a integrar o agregado da progenitora e a permanecer junto da avó materna durante o período laboral daquela. Porém, do que nos foi dado observar, é na residência da avó que o I.R. dispõe de espaço próprio, mobilado e decorado em função dele, permitindo-lhe usufruir de boas condições de habitabilidade. Na residência da progenitora o menor não demonstrou encontrar-se familiarizado com o espaço, denotando-se a existência de vinculação afectiva à mãe. Nem sempre o relacionamento entre C.M. e sua mãe, figura mais presente no seu processo de desenvolvimento, terá sido harmonioso, facto que a terá levado a autonomizar-se por volta dos 16/17 anos. I …vive em união de facto com X…, solteiro, de 32 anos, com profissão de Técnico de TV. Este X tem um filho de cinco anos que se encontra aos cuidados da progenitora. O agregado (da Requerida) reside numas águas furtadas. Composto por duas assoalhadas, consideramos de insuficientes as condições de habitabilidade, quer pela exiguidade do espaço quer pela ausência de investimento pessoal. A cama destinada ao I encontra-se no mesmo espaço da cama do casal, cama esta que também é partilhada pelo filho do companheiro de C.M., quando se encontra neste agregado. O percurso laboral de C.M. tem sido desenvolvido no ramo da indústria hoteleira como empregada de balcão. Trabalha por conta da actual entidade patronal há pouco tempo. Economicamente a situação do agregado afigura-se insuficiente, não estando em risco a subsistência de I.R….face ao apoio dado pelos avós maternos. Como despesas mais significativas, para além das que o companheiro já assumia antes de viverem juntos, focalizou as decorrentes com o processo de desenvolvimento do filho, cuja quantia não soube indicar. Segundo a nossa análise, C. M. evidenciou no decurso dos contactos mantidos ausência de interiorização nas questões inerentes ao desempenho das funções da parentalidade e, delegar o processo de desenvolvimento do filho na avó materna, que diariamente coordena e organiza a vida de I e lhe proporciona as condições adequadas ao seu bem estar.” – inquérito social de fls. 86 e ss (sublinhados nossos) 4) Em 22 de Dezembro de 2006 as técnicas do IRS constataram o seguinte em relação ao Requerido: “N é filho único e o ambiente em que se desenvolveu é apontado como gratificante e estruturado. Integrou o agregado de origem até à constituição de agregado próprio. Após ter-se autonomizado continuou a manter com os pais um relacionamento próximo e a ser por eles apoiado sempre que necessário. Tem actualmente novo agregado familiar constituído, vivendo desde o início do mês de Abril do corrente ano em união de facto com Y., cidadã estrangeira, solteira, de 25 anos, com a profissão de fisioterapeuta. Após a separação (da Requerida) o Requerido continuou a residir na casa que foi a de morada de família, adquirida pelo (então) casal, através de empréstimo bancário. Composta por três assoalhadas, apresenta satisfatórias condições de habitabilidade e o menor I tem aí o seu espaço próprio, adequadamente decorado e mobilado. N apresenta um percurso profissional caracterizado pela estabilidade, trabalhando por conta da mesma empresa “S… …” há vários anos. É com o seu salário que tenta organizar-se e assegurar as suas despesas, tendo apoio por parte dos progenitores em situações imprevisíveis. (O Requerido) demonstra conhecimento das características individuais do filho, estar atento ao seu desenvolvimento, disponível e empenhado em lhe proporcionar os meios adequados ao seu bem estar, quando o tem na sua companhia. A ingerência da avó materna na vida do menor tem vindo a dificultar a comunicação entre os Requeridos e o consenso quanto aos assuntos a ele respeitantes. Percepcionamos como estável a actual relação conjugal de N.M. e haver por parte da companheira envolvimento afectivo com o menor e disponibilidade para, na ausência do pai, lhe prestar os cuidados adequados ao seu bem estar. É na casa da avó materna que o requerido vai buscar o filho e é esta avó que lhe faz todas as recomendações respeitantes ao menor, nomeadamente as ligadas a horários, problemas de saúde e alimentação. Da nossa observação constatamos que existe vinculação entre I, o pai e a companheira deste e que aquele sente a casa do pai como um espaço que lhe é familiar e agradável. N evidenciou estar atento ao processo de desenvolvimento do filho, encontrar-se afectivamente próximo e com conhecimento das suas características individuais.” – inquérito social de fls. 91 e ss (sublinhados nossos) 5) Em …. a Requerida informa os autos que cessou funções que vinha desempenhando na Sociedade P.-B. em 30 de Abril de 2007, encontrando-se a trabalhar em outro local, embora ainda não dispunha de recibo de vencimento. – requerimento de fls 218 6) Em …-2007 a Requerida declara no processo que apenas trabalhou uns dias no Restaurante…, tendo cessado o trabalho no período experimental; declarou, ainda, já não se encontrar a residir com X e de ter ingressado de novo no agregado dos pais, avós maternos do menor, alegando ainda não estar a trabalhar e que pretende – por insistência dos pais – continuar com os estudos a fim de completar o 12º ano ou optar por via profissionalizante, estando a mesma mais o filho a serem sustentados pelos avós maternos. – requerimento de fls. 238 e 239 7) Em ….2008 a Requerente declara nos autos que apenas poderá continuar com a sua formação, ou pela via escolar, ou pela via profissionalizante, a partir de Setembro de 2008 e que tentou encontrar emprego compatível com a sua formação o que finalmente conseguiu na firma…, onde começará a trabalhar no dia 01 de Fevereiro em regime de “part-time”. – requerimento de fls. 316 e 317. 8) Da colheita realizada a 02-11-2007 à Requerida resultaram as seguintes análises sanguíneas: “cocaína: não detectável; canabinóides: não detectável; metileno-dioxi-metanfetamina (MDMA): não detectável.” – doc. de fls. 339 e 340 9) Em 20 de Outubro de 2008 a “Escola …” declara que o menor “começou a frequentar o nosso estabelecimento de ensino a partir do dia 4 de Setembro de 2008. (...) O menor é normalmente entregue na escola pela mãe e é levado à tarde, pela avó materna.” – doc. de fls. 610 10) O Requerido aufere, mensalmente, o vencimento líquido de € 1.052,27. – doc. de fls. 620 11) E paga de empréstimo bancário pela sua habitação a quantia mensal de cerca de € 510,98. – doc. de fls. 621 12) Pelo menos desde Julho de 2008 que a Requerida tem um novo namorado. 13) Em Março de 2009, a perita encarregue de elaborar perícia psicológica ao Requerido constatou e concluiu o seguinte: “Somos da opinião de que N. apresenta suficientes capacidades e condições emocionais e psíquicas para cuidar do filho e assegurar a guarda do menor. Com efeito, N refere-se ao filho de forma carinhosa e afectuosa. Verbaliza várias interacções com o filho que se consideram positivas e adequadas ao desenvolvimento cognitivo e afectivo do mesmo. Revela ainda a existência de rotinas adequadas quando o filho está à sua guarda, evidenciando capacidade de assegurar as necessidades básicas e essenciais do menor. Possui assim competências parentais adequadas em relação à prestação de cuidados. Por outro lado, promove a expressão afectiva e o envolvimento emocional, evidenciando elevada disponibilidade afectiva e emocional para as necessidades do menor, sobretudo no que diz respeito às necessidades de afecto e segurança emocional. Embora se tenha apurado alguma dificuldade na colocação de limites, pensamos que essa situação decorre apenas da actual situação vivencial.” – relatório pericial de fls. 653 e ss (sublinhados nossos) 14) Em 04 de Dezembro de 2009 foi realizado exame pedopsiquiátrico ao menor tendo a respectiva perita constatado e concluído o seguinte: “O exame foi iniciado com a presença do menor e de ambos os pais. Foi evidente o clima de tensão entre os progenitores, com discordância e conflito latente em relação a várias questões. No 1º momento da entrevista, na presença de ambos os pais, procura o colo do pai aninhando-se e mantendo-se em silêncio, com uma expressão vagamente triste. Fica em seguida só com a mãe no gabinete, a qual o puxa para o seu colo, deixando-se o I conduzir. Após concluir o desenho começa a ficar um pouco instável, desinteressando-se do material e dirigindo-se para a porta do gabinete, fazendo menção de sair. A mãe chama-o mas ele insiste em sair. Junta-se então ao pai e respectiva família alargada (madrasta, irmã e avó paterna) na sala de espera. Volta a interessar-se pelo material de desenho. Solicitado a desenhar a sua família, começa por desenhar-se a si próprio, ao pai, a irmã e os avós paternos. Solicitado a desenhar a família da mãe, responde que não cabe e desenha antes a casa do pai e a cidade. Refere-se à mãe por “mãe-I”, à avó materna por “Té”, ao pai por “pai”, à avó paterna por “Dedé” e à madrasta por “mamã”. Diz que gosta mais de estar em casa do pai porque tem jogos e uma piscina. Na casa da mãe-C.M. não tem. Questionado sobre os alegados maus tratos, o I….R. nega que o pai lhe tenha batido ou mexido na pilinha. Quando questionado sobre quem cuida dele, o I.R5.diz que «é a Té que dá banho, veste e dá a comida». Quando o acompanho à sala de espera dirige-se de imediato para junto do pai. Durante o tempo que permaneceu na sala de espera o menor esteve quase sempre junto da família da parte do pai, em interacção com estes. A mãe posicionou-se num local mais afastado, acompanhado pelo seu próprio pai, abandonando o serviço aparentemente sem se despedir do I, o qual saiu de mão dada com o pai. Em entrevista com a mãe referiu que: (A Requerida) refere que vive com a sua própria mãe e o menor. O seu próprio pai passa alguns períodos em Portugal, mas vive a maior parte do tempo em África. É ele quem sustenta a casa. Nem a C …nem a mãe, T…, trabalham. Refere que se desempregou em Março/2009 por não gostar do horário (das 12h às 21h). Recebe subsídio de desemprego, quantia empregue na quase totalidade na prestação mensal do seu carro. Nessa altura tirou o I.R….do Jardim de Infância de …que frequentava há uns meses – Escola…– em …, «por não ter dinheiro». Sobre a hipótese de colocar o menor no Jardim de Infância do trabalho do pai, a que tem direito sem encargos económicos, responde: «não me ia levantar às 7h da manhã, não me dá jeito, só o trânsito que eu apanho.» Trata-se, assim de uma mulher de 25 anos, ainda dependente dos próprios pais do ponto de vista económico e afectivo, sem trabalho estável ou perspectivas de autonomia pessoal. Embora verbalize afecto pelo menor, parece um pouco superficial nos afectos e mais centrada nas suas necessidades pessoais, situando-se mais num papel filial do que parental e evidenciando pouca consistência como figura cuidadora de suporte. Em entrevista com pai referiu que: O Requerido trabalha na empresa…, vive com a companheira Y., auxiliar de acção médica e a filha de ambos H de 10 meses. No andar de baixo vivem os avós paternos. Em suma parece um homem adequado, com estabilidade familiar e profissional, investido no seu papel parental e oferecendo mais condições para cuidar do menor neste momento. O menor evidencia laços com ambos os progenitores, contudo, o vínculo afectivo parece ser mais forte com a figura paterna, à qual está mais referenciado. Com a figura materna a relação parece ser menos próxima” – relatório pericial de fls. 710 e ss (sublinhados nossos) 15) Em 03 de Dezembro de 2009 na perícia psicológica realizada ao menor, a respectiva técnica constatou e concluiu o seguinte: “Na relação com as figuras parentais, o pai surge como figura privilegiada quer nos desenhos (mais investido, figura maior e a primeira a ser desenhada), quer no próprio discurso espontâneo, surgindo uma identificação positiva ao pai e às actividades que fazem juntos. Surgiram sentimentos de pertença ao agregado familiar paterno (pai, irmã e companheira do pai), identificando a casa destes como «a nossa casa» (sic I.R.), sendo esta a que se refere quando lhe peço que desenhe a sua casa. Também no desenho da família surge somente o pai e a irmã. Observando o menor com o progenitor, surge uma relação de cumplicidade, comunicação, com movimentos de partilha por parte do menor. É para o pai que se dirige imediata e espontaneamente quando chega à sala de espera, mesmo na presença dos avós maternos. A mãe surge como uma figura ausente, não sendo desenhada ou encenada no jogo, tal como raramente surgindo no discurso espontâneo. Não surgiram sentimentos de pertença ou identificação com a mesma. Em breve observação, e numa situação em que a mãe entra na sala por engano, o menor não tem qualquer movimento de aproximação e/ou partilha (verbal, olhar comportamento) com a mesma. A integração em equipamento escolar poderia colmatar algumas lacunas que ainda apresenta ao nível de aquisições básicas referentes à sua autonomia e competências sociais. Ao nível da relação que mantém com as figuras parentais, é o pai que surge como figura privilegiada, de maior investimento e identificação. A mãe surge como figura pouco presente e distante.” – relatório psicológico de fls. 717 e ss (sublinhados nossos). *** Âmbito do recurso: Sopesado o teor das conclusões formuladas pela recorrente, que, como é sabido, balizam o objecto do presente recurso, cumpre-nos conhecer das seguintes questões: a) Nulidade da sentença por falta do exame psicológico à requerida (conclusões 1ª a 35ª); b) Nulidade por omissão do parecer do MºPº (conclusões 36ª a 38ª); c) Impugnação da matéria de facto (conclusões 39ª a 47ª) d) Sobre a guarda do menor e sua justificação; e) Subsidiariamente, alteração do regime de visitas fixado. *** Análise do recurso: A) Sobre a falta da avaliação psicológica da requerida: A omissão do exame em título foi suscitada pela ora recorrente antes da elaboração da sentença, tendo o tribunal julgado improcedente a arguição, em despacho autónomo e como questão prévia (fls 770), por entender que a perícia intencionada era “irrelevante para a nossa convicção neste momento, e daí, representar um acto inútil que só irá atrasar o andamento dos autos que deram entrada em juízo em Abril de 2006, ou seja, há praticamente 4 anos!” (sic). Com efeito, escreve-se a propósito, que “não será agora uma perícia, por muito abonatória da mãe que seja, e ainda que venha, agora, referir que a mãe do menor é uma óptima mãe, com todas as capacidades de mundo para cuidar do filho – em total desarmonia com as restantes perícias e elementos juntos aos autos – que este tribunal irá mudar a sua posição e alterar a decisão que já tomou, pois será um único elemento de entre muitos que já apontam fortemente para a incapacidade da mãe em cuidar do seu filho, o qual, como é patente nos autos, tem sido cuidado pelos avós matemos”. Será de sufragar este entendimento? De acordo com o estabelecido no nº3 do artigo 178º da OTM, logo que findo o prazo para apresentação das alegações “proceder-se-á a inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais e, salvo oposição dos visados, aos exames médicos e psicológicos que o tribunal entenda necessários para esclarecimento da personalidade e do carácter dos membros da família e da dinâmica das suas relações mútuas”. No caso vertente, o próprio requerido na respectiva alegação requereu, além do mais, que fosse feito exame psicológico e psiquiátrico quer à requerida, quer a si próprio em ordem a aferir das suas capacidades para ter a cargo o filho de ambos, tendo a recorrente declarado nos autos opor-se à realização de tais exames (fls 81), o que motivaria o despacho de fls 199 a indeferir a realização da perícia requerida. Na circunstância foram apenas realizados os pertinentes inquéritos sobre a situação social, moral e económica dos requeridos que constituem fls 85 a 95 dos autos, após o que se procedeu à designação de data para a audiência (fls 126). A fls 241 a requerida deu noticia nos autos da alteração, entretanto verificada, da situação laboral e familiar retratada no relatório social anteriormente elaborado, facto que levou o MºPº a requerer a elaboração de relatório complementar, pretensão que o tribunal indeferiu com a seguinte justificação (fls 246/247): “Em nosso modesto entendimento, mais importante do que averiguar as condições habitacionais da avó materna, que já vêm descritas nos autos, é aferir da capacidade da progenitora de ser guardiã do seu filho menor, pois o que está em causa nos autos é, essencialmente, saber a qual dos progenitores deve ser atribuída a guarda do menor, a qual, não podendo naturalmente descurar as condições habitacionais dos progenitores, deverá ter a tónica assente nas capacidades psíquicas e morais de cada um dos progenitores (…). Por outro lado, não se nos afigura que um aditamento ao dito relatório poderá adiantar seja o que for neste aspecto, uma vez que a questão de sabermos se existe ou não um problema de toxicodependência – e, a existir, se essa situação compromete as faculdades mentais da progenitora (…). Sendo, a nosso ver, estes exames (toxicológicos e de personalidade) muito mais importantes para a boa decisão da causa, mas não podendo, obviamente, o tribunal obrigar a progenitora a sujeitar-se aos mesmos, e porque urge definir a situação da guarda da criança, perante tal quadro, salvo o devido respeito, indefere-se a realização de um relatório social ainda que em aditamento”. Posteriormente a requerida anunciou no processo a sua disponibilidade para a realização dos exames caso o tribunal o repute necessário (“e não para satisfazer os caprichos do requerido”, como escreve a fls 332). Prosseguiram os autos seus termos com a continuação da audiência que teve lugar no dia 1 de Julho de 2008 no decurso da qual foi ouvido como testemunha o avô materno do menor, que na circunstância relatou agressões alegadamente infligidas pelo requerido ao menor, supostamente ocorridas em Outubro de 2007 e meses subsequentes. Na sequência de tal depoimento e por se terem considerado graves as imputações feitas ao progenitor, foi ordenada a realização de perícia psiquiátrica/psicológica do menor, de ambos os progenitores (fls 413 e 423) e até dos avós maternos (fls 424). Não foi realizada a perícia atinente à progenitora, tal como não o foram as relativas aos avós maternos, neste caso porque o objecto que lhes foi fixado pelo tribunal foi considerado – com absoluta pertinência – insusceptível de apreensão pericial. Que consequências processuais decorrem da não realização do exame à recorrente? A resposta só pode ser: rigorosamente nenhuma! Antes de mais, trata-se de uma diligência que o tribunal ordenou ex officio e de que pode prescindir em qualquer momento posterior, sopesada a restante prova entretanto carreada para os autos, sem que tal opção seja sindicável por via de recurso, uma vez que se trata do uso legal de um poder discricionário. Por outro lado e como é manifesto, as perícias ordenadas visavam conferir a verosimilhança das imputações feitas pelo avô materno nas circunstâncias descritas, sendo intuitivo que nessa avaliação sempre o exame da progenitora se configura como perfeitamente redundante. Ou seja, os exames não pretendiam determinar qual dos progenitores possuía maior capacidade para o exercício das responsabilidades parentais, antes visavam apurar se o pai possuía tal capacidade, dúvida a que o exame pericial deu resposta afirmativa. Tivesse sido diversa a notação pericial do progenitor, diverso seria também o sentido da decisão sobre a guarda do menor, independentemente do resultado da avaliação psicológica feita à recorrente. Na verdade, foi a consideração da dinâmica relacional entre o menor e o progenitor, mas sobretudo a situação familiar e profissional deste que determinou o deferimento da guarda ao pai, em desfavor da recorrente. Caso o pai vivesse só, que justificação podia haver para lhe confiar a guarda do menor, quando é evidente que a avó materna soube cuidar dele modelarmente durante todo este tempo, rodeando-o de conforto e afecto, suprindo com a sua experiência a assinalada imaturidade da filha? Sem prejuízo do que adiante se dirá, parecem-nos claramente excessivas – e também imerecidas e pontualmente desajustadas – as críticas dirigidas contra a avó, a qual foi chamada a cuidar do neto com a anuência do progenitor que via nela competência para o efeito, ao mesmo tempo que representava um esteio contra eventuais comportamentos de risco da mãe da criança. Em suma, a avaliação psicológica da recorrente e bem assim a de seus pais não teve – nem é susceptível de ter – qualquer influência na decisão, pois o que está em causa é apurar, por um lado, a dinâmica relacional do menor com cada um dos progenitores e, por outro, as respectivas condições económicas e sociais. Ora, na perspectiva do tribunal, sendo manifesto que o pai desfruta de trabalho estável e autonomia pessoal e possuindo ele uma vida familiar perfeitamente estruturada, por que havia de preterir-se em favor da recorrente que na presente data não beneficia de qualquer dessas situações? Abaixo nos debruçaremos sobre o merecimento de tal construção, cumprindo agora concluir pela improcedência da invocada nulidade, porquanto, reitera-se, se trata de uma diligência realizada por determinação do juiz e cuja necessidade (originária ou superveniente) ele pode conferir a qualquer momento por decisão não susceptível de recurso. *** B) Sobre a falta do Parecer do MºPº: Sustenta a recorrente que, tendo a sentença sido proferida “sem que o Exmo Magistrado do Ministério Público emitisse Parecer”, enferma de nulidade porquanto teria sido omitida formalidade essencial Diga-se antes de mais que a omissão foi justificada no despacho que precedeu a sentença e que merece a nossa adesão. Com efeito, as “partes” foram notificadas para declarar se prescindiam do debate sobre a matéria de facto, no âmbito da audiência cuja última sessão ocorrera há mais de ano e meio, tendo ambas declarado prescindir de tal intervenção. Desse despacho, bem como da intenção que lhe estava subjacente foi notificado o Digno Procurador (fls 726) que nada promoveu. No despacho que prescindiu do Parecer sopesou-se a circunstância de o Exmo Procurador não ter assistido à produção de prova e por isso não estar em condições de se pronunciar, pois só poderia conhecer parte dos elementos probatórios (os relatórios periciais). É inquestionável que, dada a elevada craveira técnica e o rigor intelectual do Insigne Magistrado, o seu contributo desbravaria significativamente o caminho da decisão, caso pudesse dispor de todos os elementos probatórios que lhe permitissem uma avaliação conscienciosa. Mas, exactamente por se lhe reconhecerem tais atributos, é que a abertura de vista ao MºPº se torna mais injustificada, por não ser expectável que viesse a pronunciar-se sobre uma realidade fáctica que não foi ainda fixada e que só parcialmente está em condições de conhecer. Acresce que, diversamente do que a recorrente sustenta, a emissão de Parecer não é erigida pelo legislador em formalidade essencial, nem goza sequer de previsão legal (como sucede, por exemplo, no artigo 204º da OTM) e, sem embargo do que se disse sobre a mais valia que poderia representar, a omissão assinalada não é susceptível de influir na decisão da causa. Improcede, por isso, a nulidade secundária invocada pela recorrente. *** C) Impugnação da matéria de facto; A recorrente põe em crise a matéria de facto inventariada na sentença, dizendo, em síntese, que esta se ancora em meras conclusões dos técnicos, sem suporte na demais prova produzida. Pensamos não se justificar a reprodução no elenco dos factos provados do teor dos relatórios periciais incorporados nos autos, pois estes espelham a convicção dos seus autores e aqueles devem representar a convicção do tribunal adquirida na sequência e em consequência de toda a prova produzida, sendo óbvio que o juiz não tem de replicar a opinião dos técnicos envolvidos na realização dos inquéritos ou exames realizados, nada o vinculando a acolher as suas propostas, porquanto é sobre ele que impende a responsabilidade da decisão e os ónus do seu eventual desacerto. Diga-se en passant que, a propósito de um processo que correu termos no mesmo tribunal (Caso Martim) já foi sustentado publicamente entendimento diverso por um conhecido psicólogo clínico, muito embora dias depois advogasse a revisão (ao arrepio da lei) da própria sentença que supostamente sufragara a opinião dos técnicos envolvidos. Já a propósito de outro processo da mesma comarca, contemporâneo deste (“Casal P.”), se disse também – porventura por apressada generalização – na sequência da condenação sofrida pelo Estado Português junto do TEDH, que “os tribunais confiam quase cegamente em instituições como a Segurança Social”, valorando “pareceres que não correspondiam à realidade daquele momento (…)”. No caso vertente, porém, o tribunal limitou-se a transcrever – redundantemente, é certo – o teor dos relatórios periciais (pontos 3, 4, 13,14 e 15) que constam dos autos, do mesmo modo que resolveu incluir no elenco dos factos provados a apresentação dos requerimentos de fls 218, 238/239 e 316/317 (pontos 5, 6 e 7), sendo óbvio que, pese embora a sua redundância, o que foi dado por provado foi a apresentação dos documentos e requerimentos, mas não o seu conteúdo ou as considerações neles expendidas. Ora, consistindo o facto na própria apresentação dos documentos e não nos seus dizeres, não colhe a impugnação dirigida contra o conteúdo dos relatórios, pois nem o tribunal a quo nem esta Relação têm de relevar as considerações ou conclusões neles consignadas, porquanto os relatórios são meros elementos de prova de livre valoração e não factos provados. Como temos assinalado noutros casos similares, muitos relatórios sociais espraiam-se em considerações subjectivas sem qualquer suporte factual, deixando transparecer uma clara empatia por uma das “partes” em litígio, não raro motivada pela postura dos entrevistados ou fundada em circunstâncias absolutamente inescrutináveis. Assim, por exemplo, será razoável que a partir de uma simples entrevista com os visados, as técnicas que subscrevem o relatório de 22/12/2006 afirmem que o requerido “se mostra inconformado com o facto de ser a avó materna que gere o processo de desenvolvimento do seu filho e pretende assumi-lo aos seus cuidados” já que tal afirmação apenas reporta o estado de alma percepcionado ou transmitido pelo próprio ao entrevistador. Porém, quando logo a seguir afirmam que “a ingerência da avó materna na vida do menor tem vindo a dificultar a comunicação entre os requeridos e o consenso quanto aos assuntos a ele respeitantes” são as próprias técnicas que, com base apenas na versão de um dos progenitores, emitem um juízo opiniativo que vai conduzir à “diabolização” da avó, que atravessa toda a sentença, ao apontá-la como instigadora do litígio, supostamente por “existir da sua parte uma vontade em viver novamente uma maternidade que talvez não soube aproveitar com as filhas (…) talvez por ter sido também uma mãe jovem”. Para além do despropósito da imputação, não lhe descortinamos justificação nos elementos constantes do processo como abaixo assinalaremos. Regressando à questão em título, é evidente que acompanhamos a recorrente quando refere (conclusão 46) que não se pode dar por provado uma opinião que aliás começa com a expressão “parece”, pois, se assim fosse, tal “facto” deveria ter-se como não escrito, já que, diversamente do que sucede em Política, no Direito o que parece não é, atenta a regra plasmada no artigo 516º do CPC. Só que, como se disse acima, o facto provado é a apresentação dos documentos reproduzidos e não o seu conteúdo, sujeito à livre apreciação o tribunal e, como tal, subtraído fatalmente às regras da impugnação. Assim e em resumo, improcede também a apelação no tocante à questão em título. *** D) Quanto à guarda do menor: Compulsados os autos torna-se patente ser absolutamente desajustada a “diabolização” neles feita pelo requerido contra a avó materna, agravada pelas considerações algo desajustadas e desnecessárias que são feitas na própria sentença de que se destacam as seguintes passagens: “Não é despiciendo considerar que os avós matemos, pelo que pudemos constatar em sede de audiência de discussão e julgamento, revelam ser pessoas ainda bastante jovens, provavelmente na casa dos 40 e poucos anos, pouco mais velhos do que a juiz signatária que conta com 42 anos de idade. Ora, sendo a avó materna uma mulher ainda bastante nova, com saúde e energia para cuidar de uma criança e não tendo a relação com a filha, mãe do neto, sido sempre a melhor, tanto mais que a Requerida saiu de casa aos 16/17 anos o que revela um incapacidade desta avó nos cuidados parentais que, por sua vez, ministrou á Requerida, compreende-se que exista uma vontade por parte da avó materna em viver novamente uma maternidade que talvez não soube aproveitar com as filhas – ao que sabemos a Requerida tem uma irmã – talvez por ter sido também uma mãe jovem. Tudo isto permite-nos concluir como certo que da parte da avó materna existe, de facto, uma vontade em assumir sozinha os cuidados do neto em prejuízo do pai e mesmo em prejuízo da própria filha que, segundo o Requerido tem referido, não deixa sequer ser mãe. E acrescenta: “Afigura-se-nos que os avós maternos sempre procuraram ter o menor como filho, retirando-o do pai – a nosso ver e salvo o devido respeito, de forma cruel – pois está patente nos autos que tinham perfeita consciência que a filha não tem capacidade, e ao que tudo indica, sequer vontade, em ser mãe.” E mais adiante escreve-se: “A sensação com que ficamos é que esta acção nasceu por vontade dos avós maternos que, querendo manter o neto junto de si, o fizeram por interposta pessoa – a filha – que claramente não oferece qualquer segurança nos cuidados a prestar ao filho. Assim, os avós, obtendo uma decisão deste tribunal que confiaria a guarda à filha, ora Requerida, ficariam, na prática, com a posse do neto, como tem vindo a acontecer.” Mas depois, apesar do apoucamento da recorrente e da censura veemente feita aos avós maternos o tribunal acabou por condenar a progenitora no pagamento das custas do processo, como adiante referiremos. No caso sub judicio, como se disse já, a avó foi chamada a cuidar do menor na sequência da separação do casal e com a confessada anuência do requerido, o qual ao longo destes anos sempre pôde manter com o filho um contacto regular, visitando-o sempre que desejava (várias vezes por semana) como ele próprio confessou (último parágrafo de fls 719). Consta também que quando a recorrente foi viver com X, o menor, à data com cerca de um ano, acompanhou a mãe, pese embora as insuficientes condições de habitabilidade assinaladas a fls 88, bem diversas das que desfrutara até então em casa da avó que lhe proporcionava “as condições adequadas ao seu bem estar”, ali dispondo “de espaço próprio, mobilado e decorado em função dele”, como foi exarado no mesmo relatório. Considerado tal quadro factual e relevando as regras da experiência, torna-se difícil compreender a veemência da censura acima transcrita, pois não se harmoniza o alegado propósito de se apropriar do neto (1º § de fls 796) e assumir uma “nova maternidade”, com a abdicação subjacente às situações reportadas, seja quando o menor foi viver para umas exíguas águas furtadas com escassas condições de habitabilidade, seja quando propiciou ao pai o contacto com o menor sempre que ele o desejou, muito para além do que o regime provisório fixado pelo tribunal estabelecera. Sopesados os elementos constantes do processo é óbvio que não acompanhamos a Senhora Juíza a quo quando critica “este egoísmo por parte dos avós maternos que só revela uma incapacidade dos mesmos em continuarem com o menor a seu cargo, pois revela que pretendem, em prejuízo do são desenvolvimento emocional e psíquico da criança, que esta se mantenha junto de si como de uma propriedade fosse” (fls 796). Recentemente um conceituado jornalista (Henrique Raposo) escrevia num registo humorístico que lhe é peculiar que “não por acaso, os avós portugueses continuam a ser respeitados, continuam no centro da família. O elo avô-pai-neto não se perdeu com o rufar dos tambores da modernidade. Não é difícil perceber porquê. Julgo que se pode dizer, com todo o rigor científico, que os avós portugueses têm metade do PIB mundial do mimo. Um avô português produz mais aconchego do que uma pequena cidade sueca. Mas, claro, o prémio vai para a avó portuguesa que debita mais carinho do que três quartos da federação alemã (Expresso de 11/8/2012). E, com a autoridade inquestionável de que desfruta, já em artigo de opinião publicado em 21/6/2009 (Os Pais e os Peritos, inserto na revista Pública) escrevia: “No seu quotidiano, os pais não devem esquecer um princípio fundamental: é na interacção com os seus filhos que poderão compreender o que está certo ou errado na educação dos mais novos. Uma relação de intimidade – como a de pais e filhos – fornece elementos únicos específicos inacessíveis a qualquer outro observador e é a partir da experiência do que se vai passando nessa relação que surge o correcto caminho para os pais, que afinal só pode ser um: ancorados na experiência dos seus próprios pais (agora avós), estimulados pelo contacto com outros progenitores m situações semelhantes, os pais de hoje encontrarão na relação íntima com os filhos o melhor guia para educar”. Foi dessa experiência que o menor beneficiou ao longo dos seus primeiros quatro anos de vida, pois apesar da imaturidade e superficialidade apontadas pelos técnicos à recorrente, a avó supriu tais faltas, uma vez que o menor “apresentou um quociente de desenvolvimento geral dentro do esperado para a sua faixa etária, com perfil homogéneo e desempenhos adequados em todas as escalas” (fls 720). Ou seja, a avó materna não deu apenas mimo, antes foi convocada para cuidar do neto a partir dos cinco meses de vida e fê-lo com zelo e competência e, necessariamente, com toda a imensa panóplia de sacrifícios que tal missão tem inerente (e já fora muito importante quando o I nasceu, no dizer do pai – fls 658), não se nos afigurando humanamente exigível que venha aos autos pugnar pela entrega do neto ao pai, como a sentença sugere que devia ter feito. É certo que na sentença se conclui que a recorrente é “uma mulher egocêntrica, pouco investida no bem estar do filho, sendo certo que a permanência da criança num estabelecimento de ensino é visto como benéfico para o mesmo” (fls 791) e neste contexto o apoio que os pais lhe dispensaram no plano processual valeu-lhes a crítica a que fizemos alusão. Se levarmos em conta que o tribunal dissera antes, para justificar a não realização da perícia à personalidade da mãe, que “não será agora uma perícia, por muito abonatória da mãe que seja e ainda que venha referir que é uma óptima mãe, com todas as capacidades o mundo para cuidar do filho (…) que este tribunal irá mudar a sua posição (…)”, então a injustificada severidade do juízo torna-se patente. Ou seja, a avaliação psicológica da mãe apresenta-se como perfeitamente desnecessária como acima assinalámos mas, com o devido respeito, tendo-se abdicado da sua realização, não pode depois o tribunal apodar a progenitora nos termos referidos com base apenas numa resposta displicente ou mal compreendida pela Senhora Perita destinatária. Com efeito, o menor frequentou o Jardim de Infância Escola …, durante cerca de oito meses, entre os dois e os três anos a expensas exclusivas dos avós maternos, pois o pai alegou impossibilidade económica (fls 662), vindo tal frequência a cessar por suposta dificuldade económica daqueles e também por desadaptação do menor. Porém, o menor podia frequentar gratuitamente o Jardim de Infância da empresa onde o pai trabalha em …e, quando inquirida sobre a razão do não aproveitamento desse privilégio, a recorrente terá respondido “não me ia levantar às 7 da manhã, não me dá jeito, só o trânsito que eu apanho”. Ora tal justificação comporta várias leituras: uma, acolhida pela sentença, a sugerir uma atitude comodista e de absoluta indiferença pelo bem estar do filho e outra, mais compatível com o contexto da entrevista, como explicação para o facto de ter optado por Jardim de Infância “Escola…” em vez do estabelecimento da empresa onde o pai trabalha, pois a obrigava a levantar mais cedo (e ao filho) e a ter de fazer quatro viagens diárias entre … e … a horas de ponta, esfumando-se seguramente a vantagem da gratuitidade no consumo de combustível inerente às deslocações. E de resto a Senhora Perita apenas surpreende nela “um pouco de superficialidade nos afectos e mais centrada nas suas necessidades pessoais (…) e evidenciando pouca consistência como figura materna e de suporte”, avaliação que não justifica a severidade do julgamento feito na sentença. Já quanto ao avô materno, acompanhamos a crítica que lhe é feita e que atravessa toda a decisão, pois é evidente a sua temeridade ao lançar mão da “bomba suja” da insinuação torpe e da suspeição malévola, tão em voga na jurisdição de menores, reportando queixas do neto sobre violência física e abusos sexuais praticados pelo progenitor. É certo que depois arrepiou caminho, “convertendo” a insinuação sobre abusos sexuais em “práticas ancestrais utilizadas pela família paterna” de que teria resultado uma fimose, esboroando-se a suspeita de um ilícito criminal de “manipulação dos genitais” numa mera inaptidão do progenitor para cuidar do filho, por ainda não ter sido tocado pelos avanços da modernidade. Mas que sentido ou interesse tem a denúncia de tais “práticas ancestrais” (defendidas por conceituados pediatras ou simplesmente recomendadas pelo bom senso!) para a decisão deste processo? Saberá o avô visado que a medicina não é uma ciência exacta e que comporta múltiplas opiniões que estão sempre em actualização? Ainda recentemente foi tornado público que a Academia Americana de Pediatria que sempre se mantivera neutral na discussão sobre a circuncisão, passou a defender tal prática cirúrgica nos recém-nascidos como forma de prevenir infecções várias e doenças graves! Lamentavelmente a recorrente que nos inúmeros requerimentos que dirigiu ao processo nunca reportara a insólita queixa de que seu pai se fez eco, veio agora recuperar a insinuação insensata do progenitor (conclusões 51 e 52), proclamando que “não se provou para além de qualquer dúvida que tal não tivesse ocorrido”, descurando o impacto que o lamentável episódio tivera no sentido da decisão sob escrutínio. Levar-se-á a afirmação à conta de infeliz construção jurídica do Ilustre Patrono da recorrente, sendo óbvio que os superiores interesses do menor não podem ficar à mercê da imponderação do avô ou da circunstancial desinspiração do subscritor das peças processuais. Porque, independentemente do que o tribunal decida sobre a guarda do menor, fica em aberto uma infinidade de questões em que os progenitores têm de colaborar entre si para assegurar o desenvolvimento integral do filho de ambos, o que pressupõe a subsistência de um relacionamento harmonioso entre eles, mesmo que circunscrito à abordagem de tais questões. Importa por isso que também no plano processual o litígio não descure limites éticos, cautela que em nosso entender foi postergada com o infeliz episódio protagonizado pelo avô materno, como já antes o havia sido pelo recorrido ao trazer para os autos o teor das mensagens trocadas entre o casal, absolutamente irrelevantes para a decisão da causa e que traem a confiança que é pressuposto necessário daquele relacionamento. Ora, no que concerne à guarda do menor, existem condições objectivas que são decisivas para que este tribunal sufrague o sentido da decisão sob recurso. Com efeito, ao contrário da recorrente, o pai constituiu um novo agregado familiar onde ele se integrou plenamente, tendo entretanto nascido uma irmã, cerca de três anos e meio mais nova. Não obstante a guarda provisória ter sido deferida a favor da mãe, é a casa paterna que o menor representa como sendo a sua e é nela que gosta de estar (fls 712), “porque tem jogos e uma piscina”. Ainda que tal justificação não deva ser tida em consideração pelo tribunal, ela exprime todavia a opção do menor por uma família mais estruturada que pode ainda beneficiar do apoio dos avós paternos que vivem no andar por debaixo do seu. A par disso, o pai desfruta de estabilidade económica e de segurança no emprego, o que lhe permitirá propiciar a seu filho adequadas condições de desenvolvimento harmonioso e em particular a sociabilização necessária ao “estímulo das suas capacidades e desenvolvimento cognitivo”, sugerido pela Exma Perita a fls 715, depois de assinalar “um ligeiro atraso na área da linguagem”. Obviamente que considerando este quadro fáctico a decisão sobre a guarda não podia ter sido diferente, pois o menor deixara de frequentar o jardim-de-infância por alegadas dificuldades económicas da progenitora, ao passo que o pai pode propiciar-lhe tal benefício na empresa onde trabalha, sem qualquer encargo. Se a isto somarmos a circunstância de o menor “evidenciar um vínculo afectivo mais forte com a figura paterna” (relatório do exame pedopsiquátrico forense de fls 716) e de “o pai surgir como figura privilegiada, de maior investimento e identificação e a mãe surgir como uma figura pouco presente e distante”, na avaliação feita pela Exma Psicóloga a fls 722, torna-se incontornável concluir que a guarda concedida ao progenitor é a decisão que melhor acautela os superiores interesses do I.R.. Mas, se tal segmento da decisão sempre teria de merecer acolhimento nesta instância, ele tornou-se entretanto a única solução plausível, mercê das vicissitudes sofridas pelo próprio processo. Na verdade, a sentença foi proferida em 27 de Março de 2010, mas, por razões que se não descortinam, o processo só subiu a esta Relação em 27 de Junho de 2012, ou seja, dois anos e três meses depois, o que vale por dizer que quando a acção deu entrada em juízo (20/4/2006) o menor andava ao colo e agora, previsivelmente, terá iniciado a frequência do 2º ano do 1º ciclo do ensino básico! Ora a deslocalização do menor e a consequente mudança de escola, com a inerente alteração do processo de aprendizagem, do quadro de professores e do elenco dos companheiros, sempre teriam efeitos devastadores na vida do menor, a justificar só por si a manutenção do decidido pela primeira instância. Em suma, improcedem as conclusões no tocante à questão em análise. *** E) Sobre o regime de visitas: Pretende a recorrente, a título subsidiário, que se altere o regime de visitas fixado na sentença, requerendo alterações pontuais que especifica. As vicissitudes do processo tornaram inviável a visita a meio da semana pretendida pela recorrente, à semelhança do estabelecido no regime provisório fixado na conferência de pais a favor do requerido. Com efeito, frequentando agora o ensino obrigatório, é impensável ir passar um dia a meio da semana ou sequer pernoitar em casa da avó, até mesmo por tal o obrigar a uma deslocação e implicar uma quebra de rotinas, sem a mínima justificação ou benefício relevante para ele. Não se justifica também mais exaustiva regulamentação sobre eventuais saídas do país, pois o pai sempre terá de dar conhecimento à recorrente na eventualidade de a ausência se prolongar por forma a conflituar com o regime de visitas fixado e, obviamente, a saída com a mãe (ou com qualquer outra pessoa) está sujeito à mesma disciplina (consentimento do pai). Já no tocante ao pretendido alargamento ao fim de semana, ter-se-ia justificado que o menor pudesse ficar com a mãe logo à sexta-feira, mas a entrega nunca poderia ser à segunda de manhã, como é óbvio. Porém, frequentando agora a escola, tal alargamento ficou prejudicado, pois ao pai cumpre zelar pela formação escolar do filho, o que envolve a realização atempada das tarefas escolares, de modo a que o menor possa ir passar o fim de semana com a mãe, liberto de tal compromisso. Claro que ao tribunal apenas compete fixar um “regime supletivo” que os pais podem consensualmente derrogar, moldando-o em harmonia com os superiores interesses do menor (não, evidentemente, com os seus caprichos!), fazendo permutas entre si e condescendendo reciprocamente em função das múltiplas circunstâncias da vida que nenhuma decisão pode prever ou acautelar. Porque a regulação das responsabilidades parentais releva como um qualquer seguro: é útil a sua existência mas fazem-se votos para que nunca seja necessário! Mas se nos aspectos considerados, não se justifica qualquer alteração, já o mesmo não sucede no que concerne às férias, pois o decurso do tempo implicou que seja agora completamente diversa a situação do menor que dispõe de férias de Natal, de Páscoa e de Verão, sendo que estas se prolongam por mais de dois meses. Trabalhando o pai na S... ... e dispondo apenas de um mês de férias, não faz sentido, no caso de a mãe continuar sem emprego, limitar a convivência da mãe com o menor aos 15 dias tabelares de Verão, pois é também do seu interesse que o convívio com a progenitora – e também com a avó materna - se mantenha tão intenso quanto possível em ordem a reforçar os laços afectivos e a referência parental. Neste contexto, parece razoável que, persistindo a recorrente na situação de desemprego, o menor passe com ela uma semana nas férias de Natal e de Páscoa e um mês nas férias de Verão, ainda que mantendo o regime de preferência na escolha fixada na decisão. Assim, a alínea e) do regime fixado passa a ter a seguinte redacção: e) Sem prejuízo do disposto na antecedente alínea b), enquanto a mãe estiver desempregada, o menor passará com ela uma semana nas férias de Natal e da Páscoa e um mês nas férias de Verão, tendo o pai preferência na escolha. Cessando tal situação, o menor passará quinze dias com a mãe durante as férias de Verão, sendo o período respectivo definido por acordo ou, na sua falta, por escolha do pai nos anos pares e da mãe nos ímpares. Em suma, e com ressalva da alteração introduzida, improcedem as demais conclusões da alegação da recorrente e com elas naufraga também o recurso no tocante aos restantes aspectos da regulação. *** Sobre a responsabilidade pelas custas: Como se referiu acima, a recorrente foi condenada no pagamento das custas “não só por ter sido ela a vir a tribunal pedir a resolução do poder paternal bem sabendo que quem assumia esse encargo era a sua mãe”, mas também “porque ficou vencida na decisão que não lhe concedeu a guarda”. Ora se é inquestionável o acerto da afirmação no que tange ao decaimento, já o mesmo não sucede relativamente ao impulso processual que é da responsabilidade do MºPº, ignorando-se quem possa ter-lhe requerido a iniciativa. Por outro lado, o decaimento não pode ser erigido em critério de definição da responsabilidade tributária, pois a tutela visada é a definição das responsabilidades parentais a favor do menor o que aproveita a ambos os progenitores, radicando a sua responsabilidade na circunstância de não terem eles mesmos acordado na fixação. Porque tal questão é de conhecimento oficioso, modificar-se-á tal segmento da sentença, ainda que não compreendido no objecto do recurso. *** Decisão: Em face do exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se a sentença no que concerne ao constante da alínea e) nos termos acima consignados, confirmando-se quanto ao mais decidido. As custas da acção ficam a cargo de ambos os progenitores, suportando a recorrente as relativas ao recurso. Lisboa, 18 de Setembro de 2012 Gouveia Barros Conceição Saavedra Cristina Coelho |