Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2017/19.2T8PDL.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I) De harmonia com o previsto no artigo 9.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de agência, o estabelecimento de uma obrigação de não concorrência deve: a) constar de documento escrito (sob pena de nulidade – cfr. artigo 220.º do CC –; b) ter o prazo máximo de 2 anos, contados a partir do momento da cessação do contrato de agência; c) a eficácia da convenção fonte da obrigação de não concorrência ser limitada à zona ou círculo de clientes que tenha sido confiado ao agente.
II) A parte final do n.º 2 do art. 9.º do D.L. n.º 178/86, ao determinar que a obrigação de não concorrência se circunscreve à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente, tem implícita a circunscrição ao tipo de mercadorias para as quais o agente angariava clientes para o principal, em conformidade com o disposto no artigo 20.º, n.º 2, al. b) da Diretiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de dezembro de 1986.
III) Se o agente tiver assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação, nos termos do artigo 13.º, al. g) do D.L. n.º 178/86.
IV) Ao contrário do que sucede no artigo 136.º do Código do Trabalho, no âmbito dos contratos de agência, o D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, não comina a nulidade da cláusula de não concorrência se não for estipulada a compensação a que se reporta o artigo 13.º, al. g) do D.L. n.º 178/86.
V) A ausência de estipulação das partes sobre a compensação devida ao agente não torna indeterminável o objeto negocial, não sendo o negócio nulo, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CC, não se encontrando o agente impedido de peticionar o valor que, a esse título, considera devido.
VI) A compensação devida ao agente não carece de ser estipulada, não se trata de um pressuposto de validade do pacto de não concorrência; trata-se de uma imposição legal que terá de ser atendida, ainda que não acordada.
VII) O pacto de não concorrência que seja estabelecido num contrato de agência não é inconstitucional, pois, a restrição que pode implicar na liberdade de escolha e de acesso a uma profissão, encontra-se justificada, limitada, sujeita a forma legalmente prescrita – o que assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação - e temporal e geograficamente limitada, prevendo a lei a atribuição de uma contrapartida adequada para compensar a perda de rendimentos derivada de tal restrição, a qual é, para além de tudo, sempre revogável (art. 81.º, n.º 2, do CC).
VIII) E se tiver sido estabelecida cláusula penal a favor do principal, como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos (liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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DECISÕES E SOLUÇÕES – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa contra JJ…, também identificado nos autos, peticionando a condenação deste no pagamento de uma indemnização de 50.000,00€ pela violação da obrigação de não concorrência, acrescida de juros de mora desde a sua citação.
Para tal alegou ter celebrado com o Réu, a 17-08-2017 e a 07-10-2017, dois contratos de subagência, com pacto de exclusividade e não concorrência, no qual acordaram na fixação de uma cláusula penal de 50.000,00€. A 18-03-2019, o Réu cessou, unilateralmente, o contrato de agência e passou a prestar os mesmos serviços para outra rede imobiliária, violando o dever de exclusividade e a obrigação de não concorrência expressamente acordados, pelo que deve ser acionada a cláusula penal.
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O Réu contestou, alegando que o contrato celebrado com a Autora foi uma verdadeira relação jurídico-laboral e que não foi informado, antes da respetiva celebração, do teor dos contratos. Mais confessou que tomou a iniciativa de cessar, unilateralmente, tal contrato, e que começou, de seguida, a trabalhar para outra agência, mas nunca tirou partido de qualquer know-how adquirido na Autora, pois, apesar de ter tido formação inicial, foi essencialmente um autodidata. Por fim, alega que a cláusula de exclusividade e não concorrência é nula, pelo que a presente ação deve ser julgada improcedente.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia e, entendendo o Tribunal ser possível conhecer imediatamente do mérito da causa, foram as partes notificadas para alegar, o que fizeram.
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Após, foi proferido despacho saneador-sentença, em 03-06-2020, considerando nula a cláusula de não concorrência e julgando a acção totalmente improcedente, absolveu o réu do pedido.
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Não se conformando com a referida decisão, dela apela a autora, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência absolveu a R. do pedido formulado pela A.
2. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não pode a aqui recorrente conformar-se com o entendimento vertido na douta sentença proferida, no que tange à decisão de direito, e especialmente no que incide sobre a declaração de nulidade da cláusula que contém o pacto de não concorrência prevista no contrato celebrado entre as partes.
3. Pelas razões que infra se aduzirão, entende a Recorrente, e sempre com o merecido respeito por entendimento divergente, que a douta decisão recorrida incorreu em violação do disposto nos art.os 9ª e 405º n.º 1 do Cód. Civil, 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 178/86.
4. Assim (…), o pacto de não concorrência vertido na cláusula 17ª do contrato de (sub)agência celebrado entre as partes não se mostra inquinado de qualquer vício, nomeadamente o vício da nulidade e muito menos inconstitucionalidade, devendo julgar-se plenamente válido e eficaz.
5. (…) atenta a factualidade provada, deverá ter-se por demonstrado que o R. violou a obrigação de não concorrência que sobre si impendia e que, por via disso, assiste à A. o direito à indemnização peticionada nos autos.
6. Mostrando-se desnecessária a prova de um concreto prejuízo causado por tal motivo na esfera jurídica da A., dado que, precisamente para a acautelar esta situação, as partes convencionaram uma cláusula penal, que contém a fixação antecipada do prejuízo.
7. Nos termos que infra se exporá, deverá a decisão proferida ser revogada, e substituída por outra que condene o R. a indemnizar a A., aqui apelante, e ao abrigo do pacto de não concorrência plasmado na cláusula 17ª do contrato de subagência, no valor de Euro 50.000,00.
8. Fruto da factualidade que o Mmo. Tribunal “a quo” julgou provada, impunha-se considerar que não só o apelado violou ostensivamente a obrigação de não concorrência por si assumida, como a cláusula contratual na qual tal obrigação de mostra estipulada não se mostra afectada de qualquer vício, designadamente aqueles que lhe são apontados na decisão aqui posta em crise, e que corresponde à nulidade da cláusula 17ª do contrato, por imputada violação do art.º 13º al. g) do RJCA (DL n.º 118/93, de 13 de Abril) e cominada nos termos do art.º 280 n.º 1 do Cód. Civil, e ainda por violação dos princípios plasmados nos art.os 47º n.º 1 e 58º da Constituição da República Portuguesa.
DO CONTRATO DE (SUB)AGÊNCIA E DA VALIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA
9. Perante a factualidade julgada provada, foi entendimento consignado na douta sentença proferida, que a relação contratual em causa nos presentes autos – saliente-se, a relação contratual entre a A. e o R. - se subsume à figura de um contrato de agência.
10. Não obstante, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, se considerar que contrato em causa , atenta forma da sua execução prática, se subsume a um contrato de subagência (e não de agência conforme se entendeu na sentença) certo é que para o que aqui nos ocupa agora – nomeadamente para aferição da violação da obrigação de não concorrência pela apelada e da legalidade da cláusula 17ª do contrato – acaba por ser indiferente qualificar-se o contrato como de agência ou subagência, dado que o regime jurídico a que o mesmo esta sujeito é o mesmo.
11. O contrato celebrado entre as partes, e cuja cessação constitui a causa de pedir nos presentes autos, subsume-se, na tese da sentença, a um contrato de agência, ao qual se aplica o regime do contrato de agência, regulado nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Junho.
12. Nada obstando, porém, a que as partes, no exercício do princípio da liberdade contratual, que o dito regime jurídico não afasta, entendam moldar o contrato aos seus interesses e vontades.
13. A subagência surge prevista no art.º 5º n.º 1 do citado diploma legal, caracterizando-se por ser uma situação em que o agente contrata outro agente para desempenhar a actividade prevista no contrato celebrado com o principal.
14. Em princípio, o subagente não tem um vínculo directo com o principal, porém, no caso sub judice, por convenção das partes e atendendo ao concreto modo como se desenvolve a actividade da A., da celebração do contrato de (sub)agência decorrem obrigações e direitos directos entre o principal e o (sub)agente e que em nada contrariam ou subvertem as normas previstas no regime jurídico do contrato de agência.
DA VALIDADE DA CLÁUSULA 17ª - A OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA E CLÁUSULA PENAL PELA SUA VIOLAÇÃO
15. Mediante o contrato de agência em causa nos presentes autos, as partes acordaram, entre o demais, em fixar uma obrigação de exclusividade e não concorrência para o (sub)agente: Cláusula 17ª do contrato, cláusula contratual esta objecto de discórdia nos presentes autos.
16. Atenta a factualidade provada, é gritante a violação pelo R. da obrigação de não concorrência pois que a IAD concorre directamente com a A., actuando ambas no mesmo segmento de negócio e na mesma circunscrição territorial.
17. Não pode a apelante concordar com o entendimento consignado na douta sentença, quanto à interpretação conjugada conferida aos art.º 9º n.º 1, 13º al g) do DL 178/86 e 280º do Cód. Civil, ou sequer à interpretação conforme a CRP, artigo 47º n.º 1º e 58º no âmbito das restrições à liberdade de trabalho.
18. O art.º 9º do D.L. 178/86 estabelece que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência, devendo a mesma constar de documento escrito e não podendo exceder dois anos, circunscrevendo-se à zona ou círculo de clientes confiados ao agente.
19. O fundamento de tal cláusula/pacto de não concorrência reside na protecção do saber fazer transmitido pelo agenciado, impedindo o agente, um certo tempo após a ruptura do contrato de desenvolver actividade idêntica àquela que desempenhava por força do contrato de agência, na mesma zona geográfica em que actuou.
20. No caso sub judice, não obstante as partes terem convencionado uma cláusula de não concorrência por parte da apelada, durante 2 anos imediatamente seguintes ao fim do contrato, na área de actuação da A., é inequívoco que o R. a incumpriu.
21. Entende a apelante que a interpretação conferida pelo Mmo. Tribunal “a quo” ao art.º 13 al g) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, e ao aplicar, na falta de previsão especifica em tal diploma normativo, de uma concreta invalidade ou vício emergente da falta de fixação de uma compensação pela obrigação de não concorrência assumida pelo agente, é uma interpretação verdadeiramente contra legem e contra a própria unidade do sistema jurídico.
22. Se o legislador, ao fixar o regime especial aplicável ao contrato de agência, pretendesse efectivamente cominar com nulidade – nomeadamente a do art.º 280º do Cód. Civil - a falta de estipulação nesse pacto, da contrapartida a que alude na alínea g) do art.º 13º do DL 178/96, de 03.07, tê-lo ia feito de forma expressa no citado regime legal, que aliás reveste carácter especial.
23. O facto de nem no art.º 9º do DL 178/96 – que contém os requisitos de validade do pacto de não concorrência em sede de relação de agência -, nem no art.º 13º desse mesmo diploma, fazer qualquer menção à eventual cominação com vício de nulidade, a falta de estipulação no pacto firmado da contrapartida que assiste ao agente, deveu-se apenas e só, ao facto do legislador ter entendido, efectivamente, que tal omissão não seria, pois, de cominar com uma consequência tão gravosa para as partes como a nulidade da cláusula contratual em questão.
24. E não fará qualquer sentido argumentar-se que se trata de uma situação análoga ao pacto de não concorrência prevista em sede jus laboral, e em que estão em causa também em sede de regime de agência/representação comercial, os mesmos interesses ali tutelados – concretamente princípio da liberdade de trabalho e de iniciativa privada e a sua protecção constitucionalmente consagrada – porquanto, se se atentar ao teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 ali está plasmado um claro intuito do legislador em dissociar-se e distinguir-se do regime jus laboral (veja-se os considerandos vertidos no ponto 3 e 4 do citado preâmbulo).
25. Ademais, sempre se deverá atentar que este diploma legal foi objecto de relevantes alterações em 1993 – mediante o Decreto-lei n.º 118/93, de 13 de Abril –, fruto da necessidade de transposição da Directiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18/12/1986, relativa à coordenação do direito dos Estados-membros sobre agentes comerciais.
26. Com efeito, se se apelar a uma interpretação da lei consonante com a unidade do sistema jurídico, então jamais se poderá deixar de atender ao diploma legal, de natureza comunitária, que não só deu origem ao Decreto-Lei n.º 178/86, como foi inteiramente tida em conta na sua redacção, por ter sido intuito do legislador acolher as sugestões do Conselho das Comunidades Europeias e atender a soluções do direito comparado.
27. Destacando-se, nessa mesma Directiva CEE, a respeito da cláusula de não concorrência, o vertido no art.º 20º, norma em que se faz depender a validade da cláusula de não concorrência apenas à observância de três requisitos:
• revestir a forma escrita
• âmbito geográfico de actuação do agente
• delimitação temporal de 2 anos no máximo
28. Num manifesto intuito de manter esta unidade de regimes jurídicos aplicáveis ao contrato de agência – aliás, o objectivo principal desta Directiva destinada justamente à coordenação do direito aplicável nos vários Estados Membros. – o legislador optou por trazer para o ordenamento jurídico interno aquando da publicação do Decreto-lei n.º 178/86 e plasmar no art.º 9º do citado diploma tão somente estes 3 requisitos de validade da cláusula/pacto de não concorrência.
29. Na verdade, se atentarmos à redacção conferida ao art.º 9º (sob a epígrafe “Obrigação de não concorrência”) percebe-se a preocupação do legislador em consagrar as mesmas exigências constantes do art.º 20º da Directiva.
30. E apesar de, face o vertido no art.º 20º n.º 4 da Directiva, o legislador interno ter a possibilidade de restringir ainda mais o regime aplicável à cláusula de não concorrência, o que se verificou foi que nem em 1986, nem depois aquando das alterações introduzidas em 1993, o nosso legislador pretendeu operar tais restrições.
31. Nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, fazer depender a validade da cláusula de não concorrência à efectiva previsão, nesse pacto, do pagamento de uma contrapartida ao agente, e muito menos cominar tal omissão com um vício tão gravoso nas suas consequências como é o da nulidade.
32. Sendo certo que, no caso em apreço, e dado que a A. actua em todo o território nacional, tendo ao R., ao abrigo do contrato, igual circunscrição territorial, jamais se poderá considerar que a cláusula em apreço atenta contra o art.º 9º n.º 2 do DL 178/96.
33. A nossa jurisprudência tem-se igualmente versado sobre a validade desta mesma cláusula contratual.
34. A propósito da questão sub judice, e atinente à validade ou não da sobredita cláusula contratual de obrigação de não concorrência, e bem assim quanto à proporcionalidade e adequação do valor compensatório nela estipulado, pronunciou-se já o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, em Acórdão de 09/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 4186/07.5TVPRT.P2,7, onde além do mais se refere: No que diz respeito à não previsão de uma indemnização compensatória pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato, conforme estipulam os artigos 9º n.º 2 e 13º alínea g) do Decreto-lei n.º 178/86, que efectivamente não foi consagrada no contrato de agência celebrado pelas partes, a sua omissão nunca determinaria a nulidade da cláusula 8ª, já que o agente não estava impedido de judicialmente peticionar esse direito, por aplicação do regime legal que a prescreve.8 (...)Porém, não tendo os réus provado o cumprimento da obrigação de não concorrência (estando provado, ao invés, a violação daquele dever), não se encontram preenchidos os pressupostos da atribuição da referida compensação, pelo que bem andou a sentença recorrida quando julgou não haver lugar àquela compensação. (…)“
35. De igual modo, e porque também se debruçou sobre uma cláusula de não concorrência inserta num contrato de agência, com idêntico teor, considera-se pertinente carrear aos autos um trecho da douta decisão proferia pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Sintra, em 05/03/2018, no âmbito do Processo n.º 13603/16.2T8SNT, onde se defende a conformidade de tal pacto com o art.º 61º da Constituição da Republica Portuguesa.
36. Perante este entendimento, que sufragamos na íntegra, urge considerar que a Cláusula de não concorrência constante da cláusula 17º do contrato de agência celebrado é perfeitamente válida, não colidindo com nenhuma das estipulações vertidas no regime jurídico do contrato de agência, nem com o disposto nos artigos 61º e 58º da Constituição da República Portuguesa.
37. De igual sorte, se deverá considerar que o art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 contempla uma restrição lícita dos direitos constitucionalmente garantidos á liberdade de trabalho e de escolha na profissão, previsto no art.º 47 º da CRP.
38. A respeito do estabelecimento de pactos de não concorrência, e aqui em termos de conformidade dos mesmos com os direitos á livres escolha da profissão e liberdade de trabalho, permitimo-nos corroborar o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 256/04, de 14 de abril de 2004, processo n.º 674/02, 2ª secção, e nos trechos citados no corpo da presente alegação.
39. Com efeito, apesar do douto aresto supra citado ter sido proferido em sede de análise do art.º 36º n.º 2 do entretanto revogado Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, entende a recorrente que do mesmo poderão retirar-se alguns ensinamentos pertinentes para o caso em apreço.
40. É que se o Tribunal Constitucional entende que a restrição emergente da outorga de um pacto de não concorrência quanto ao direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de trabalho de um trabalhador ao abrigo de um vinculo laboral, e com toda a carga de subordinação jurídica e económica inerente a uma relação desse género, não consubstancia uma compressão intolerável à luz da CRP, por maioria de razão, também não o há-se considerar quanto está em causa uma relação de agência, provida dessa subordinação jurídica e económica característica de uma relação laboral.
41. No âmbito da relação de agência, e mesmo sendo o agente uma pessoa singular (como é o caso), o mesmo não está sujeito à posição de subordinação ao empregador, já de si limitativa da própria liberdade de decisão.
42. No âmbito da relação de agência, encontramo-nos em pleno campo da iniciativa privada e da liberdade contratual.
43. Sendo que neste ponto, e cumpridos os requisitos estipulados no art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 para o pacto de não concorrência, há que pugnar pelo primado do direito à iniciativa privada e da liberdade contratual, em detrimento de uma interpretação puritana do direito à liberdade de trabalho e de escolha da profissão.
44. Neste caso particular, deverá ainda entender-se, à semelhança do vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, que por virtude da estipulação de um pacto de não concorrência, o agente não fica totalmente impedido do exercício de qualquer actividade remunerada.
45. Á luz dos requisitos vertidos no art.º 9º n.º 1 e 2, o agente fica unicamente impedido de, durante o período contratualmente fixado e nunca superior a 2 anos após a cessação do contrato, desempenhar as mesmas funções em termos de ser entendido como verdadeiro concorrente do principal, no mesmo âmbito geográfico e circulo de clientes que aquele lhe confiou.
46. Assim sendo, urge considerar que tal restrição é proporcional, justificada ante os bens jurídicos tutelados e em contraposição e, portanto, licita e conforme a CRP.
47. Acresce que, e novamente chamado a aferir da conformidade da citada norma e dos pactos de não concorrência em contexto de uma relação de agência, com a CRP, o Tribunal Constitucional, no recente Acórdão n.º 502/19, proferido em 03/03/2020, no âmbito do processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1, 2ª secção, decidiu não julgar insconstitucional a norma constante dos n.º 1 e 2 do artigo 9º do Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de julho, na medida em que admitem o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, por um período máximo de dois anos.
48. De nenhuma inconstitucionalidade se mostra afectado o art.º 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86.
49. Desta feita, e sempre com o máximo respeito, a douta sentença recorrida contempla uma desadequada aplicação e interpretação da lei, incorrendo em manifesta violação do disposto nos art.os 9º e 405º do Cód. Civil e ainda dos art.os 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 186/86, diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de agência, bem como dos art.os 47º, 48º e 61º da CRP.
50. Nessa medida, deverá ser a mesma revogada, e substituída por outro que, julgando perfeitamente válida a cláusula em apreço, condene o R/recorrido no pagamento, à A, ora recorrente, do valor de Euro 50.000,00 vertido no contrato a título de cláusula penal, justamente para as situações de manifesto incumprimento/violação da obrigação de não concorrência (violação essa sobejamente evidenciada nos autos).
51. Isto porque, e aqui chegando ao último dos pontos objecto de discordância perante o teor da decisão recorrida, face ao supra expendido, e seguindo a orientação plasmada no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 27467/15.0T8PRT.P1, em que se defende a validade da cláusula em apreço e se considera que o facto de no contrato não se ter previsto uma compensação para o agente, como contrapartida desta obrigação por si assumida, não gera qualquer invalidade do pacto em causa, mas sim, um direito do agente a pedir, judicialmente se for o caso, a compensação em causa.
52. Situação que, no caso concreto, e dada a violação perpetrada pela R/recorrida ao pacto de não concorrência, jamais se poderá verificar, porquanto a mesma não terá o direito a auferir a dita compensação.
53. Mas mesmo que assim não fosse entendido, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não se vislumbra por que motivo será o pacto em causa um negócio nulo, por indeterminabilidade do objecto, como se entende na decisão recorrida.
54. É que, a considerar-se haver direito do R./recorrido à dita compensação, sempre a mesma poderá ser determinada com recurso à equidade.
55. Como aliás se entendeu no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-01-2020, proferido no processo 1294/17.8T8AMD.L1., que versou sobre situação fáctica em tudo semelhante à dos autos.
56. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, nomeadamente para revogação da decisão proferida, e sua substituição por douto acórdão que colhendo os argumentos supra expendidos, julgue procedente a presente apelação e condene o R. a liquidar à A. a quantia de € 50.000,00 pela violação da obrigação de não concorrência (…)”.
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O réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso interposto e manutenção da sentença proferida.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 9.º e 405.º n.º 1 do Cód. Civil, 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho e os artigos 47.º, 48.º e 61.º da CRP?
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é uma sociedade comercial, constituída em 26/09/2011, e que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.
2. Para tanto, a Autora é titular da respetiva licença AMI nº …, válida e em vigor desde 17/11/2011.
3. A Autora encontra-se presente no universo informático em www.decisoesesolucoes.com.
4. A Autora é uma empresa de dimensão nacional, que conta com várias agências distribuídas por todo o país, e que continua a promover a sua abertura, com o objetivo de estar representada em todas as capitais de distrito e nas principais cidades, assim como de aumentar o número de consultores imobiliários a nível nacional.
5. Desenvolve o seu negócio no ramo da mediação imobiliária inserida na rede “DECISÕES E SOLUÇÕES”, através de agentes e subagentes que, além do mais, exercem as suas atividades a partir de agências abertas ao público, ostentando a imagem e as marcas tituladas pela Autora.
6. Por escrito particular outorgado em 17/08/2017, a Autora, a sociedade do grupo da Autora, “DECISÕES E SOLUÇÕES – CONSULTORES FINANCEIROS, LDA” e a sociedade comercial por quotas sob a firma “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, celebraram com o Réu um contrato denominado de “Subagência – Consultor Imobiliário e Financeiro”, através do qual:
a) As primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, tudo nos termos das Cláusulas 5ª, 8ª e 9ª do contrato;
b) O Réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras.
7. Ali também se acordou que a Autora facultaria o acesso do Réu à sua base de dados informática, obrigando-se esta a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma (cláusula décima segunda)
8. Bem como que o Réu se obrigava a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas da Autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, a comparecer a todas as reuniões por ela marcadas e a frequentar as formações organizados pela Autora (cláusula décima).
9. O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 1 ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à primeira e segunda contraentes, aqui Autora, em conjunto, de pelo menos 15 000,00€, pois caso tal não se tenha verificado, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso, bastando, para o efeito, uma comunicação, por carta registada, com a antecedência de 8 dias (cláusula décima sexta, parágrafo primeiro).
10. Foi ainda convencionado pelas partes que o Réu teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à Autora, a efetuar com antecedência não inferior a 60 dias em relação à data de produção dos respetivos efeitos, e constituindo-se o mesmo na obrigação a indemnizar a Autora pelo valor correspondente a 2 500,00€ (cláusula décima sexta, parágrafos segundo e terceiro).
11. A título de cláusula penal, as outorgantes fixaram ainda, cumulativamente, a indemnização devida à Autora, no caso de inobservância do prazo de aviso prévio no montante de 2 500,00€ (cláusula décima sexta, parágrafo quarto).
12. A Autora e o Réu convencionaram expressamente uma obrigação de exclusividade e não concorrência a impender sobre este último, nos seguintes moldes:
a) Proibição de o Réu celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela Autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos 12 meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea a) e parágrafo terceiro);
b) Proibição de o Réu assinar, em nome próprio ou em representação da Autora, qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das atividades objeto daquele mesmo contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com a Autora, não podendo a Réu negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo dois, alínea b) e parágrafo terceiro];
c) Proibição do exercício, direta ou indiretamente, enquanto sócio, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador, prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da Autora durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea c) e parágrafo terceiro].
13. Consta ainda de tal contrato a fixação de uma cláusula penal para o caso de violação, pelo Réu, do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, obrigando-se o Réu a pagar uma indemnização à Autora no montante de 50 000,00€, sem prejuízo do dano excedente que se viesse a provar.
14. Consta também de tal contrato a fixação de idêntica cláusula penal para os casos em que o Réu praticasse atos suscetíveis de constituir a Autora no direito de resolver o contrato de subagência celebrado com justa causa.
15. Em 07/10/2017, foi outorgado um outro contrato, intitulado “Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência”, com a duração de 1 ano, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos, igualmente entre a Autora, a “DECISÕES E SOLUÇÕES – INTERMEDIÁRIOS DE CRÉDITO, LDA.”, “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, JM… e o Réu.
16. Mediante tal contrato, as primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-o de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis e o Réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras, mantendo-se em vigor o demais constante do contrato de 17/08/2017, que se manteve em vigor.
17. Também mediante este contrato, se estabeleceu para o Réu a vinculação a uma obrigação de exclusividade e não concorrência, comprometendo-se aquele a não exercer, em todo o território nacional, direta ou indiretamente, enquanto sócio ou titular de participações sociais noutras sociedades, ou ainda enquanto trabalhador ou prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, atividade concorrente com as da Primeira e Segunda e Terceira Contraentes, quer durante o período de vigência do presente contrato, quer durantes os dois anos seguintes à sua cessação, e independentemente do motivo que a tenha operado (Cláusula Décima, parágrafo 1º e 2º).
18. Posteriormente, por escritos datados de 01/03/2018, intitulados “Assunção posição contratual – Consultor imobiliário e financeiro” e “Assunção Posição Contratual – Diretor Comercial”, a sociedade comercial “RASCUNHOS DE VERÃO TURISMO UNIPESSOAL, LDA” substituiu a “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁ, UNIPESSOAL LDA” na posição contratual por esta ocupada nos sobreditos contratos de celebrados com o Réu, assumindo, mútua e reciprocamente, todos os direitos e obrigações que nos ditos contratos cabiam à identificada PINK SLICE - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA E FINANCEIRA, LDA.
19. A Autora facultou ao Réu o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais.
20. A Autora incluiu e disponibilizou a respetiva identificação e contactos no seu site www.decisoesesolucoes.com, permitindo que o Réu utilizasse igualmente em folhetos promocionais e merchandising publicitário a sua identificação, enquanto consultora e representante da marca e rede “DECISÕES E SOLUÇÕES”.
21. Ao longo do período compreendido entre o dia 17/08/2017 e o dia 18/05/2019, o Réu dedicou-se à atividade objeto dos contratos, enquanto consultor imobiliário e financeiro, mediante vínculo com a Autora e estando integrada na Agência da rede “DECISÕES E SOLUÇÕES” sita em Ponta Delgada, Avenida D. João III, n.º 1.
22. A partir do momento em que o mesmo passou também a desempenhar funções de diretor comercial, o Réu passou a ter um conhecimento mais profundo do âmago do negócio da Autora, nomeadamente mediante acesso a informação mais detalhada sobre estratégia comercial e de recrutamento, negócios e carteiras de clientes, tendo inclusive acesso a todos os dados referentes aos clientes e negócios em curso levados a cabo pelos consultores que faziam parte da equipa por este gerida.
23. Por carta datada de 18/03/2019, o Réu tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a Autora.
24. Aí tendo solicitado a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente, referindo que teria interesse na sua desvinculação imediata.
25. Em resposta a tal manifestação de vontade, e por carta datada de 19/06/2019, a Autora considerou cessado o contrato em vigor, mas apenas a partir do dia 18/05/2019, de modo a considerar-se cumprido o período de 60 dias de aviso prévio.
26. Em tal comunicação, a Autora frisa que, não obstante tenha cessados os contratos, mantinha-se a obrigação de não concorrência que impende sobre o Réu, pelo período de 12 meses e 2 anos subsequentes à data dessa cessação.
27. Essas cartas foram, contudo, devolvidas ao remetente, não tendo o Réu rececionado as mesmas, e não obstante a morada para onde as mesmas foram endereçadas correspondesse àquela que constava dos contratos celebrados entre as partes, e que havia sido convencionada como adequada para todas as comunicações a realizar entre as partes (cláusula 22ª).
28. Pelo menos a partir de 19/05/2019, o Réu passou a desempenhar funções de consultor imobiliário, a título profissional e remunerado, integrado noutra rede imobiliária, “IAD PORTUGAL”, e na mesma área geográfica que o vinha fazendo enquanto vinculado à Autora (Ponta Delgada/Ilha de S. Miguel).
29. Na presente data, o Réu mantém-se a exercer diária e regularmente, a título profissional e na mesma área geográfica de atuação da agência da Autora em Ponta Delgada, a atividade de angariação e consultoria imobiliária, encontrando-se vinculado à “IAD PORTUGAL”, dedicando-se à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e celebração de contratos de mediação imobiliária.
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4. Enquadramento jurídico:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão supra enunciada.
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A) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 9.º e 405.º n.º 1 do Cód. Civil, 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho e os artigos 47.º, 48.º e 61.º da CRP?
Invoca a autora/apelante que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 9.º e 405.º, n.º 1, do CC, os artigos 9.º e 13.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, bem como, os preceitos constantes dos artigos 47.º, 48.º e 61.º da Constituição.
A fundamentação da decisão recorrida desenvolveu-se nos seguintes termos:
1) Enquadrou a relação jurídica celebrada entre autora e réu no contrato de agência, (regulado no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de junho, abreviadamente RJCA – Regime Jurídico do Contrato de Agência - com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva Comunitária nº 86/653/C.E.E. do Conselho de 18 de Dezembro de 1986), considerando que os contratos dos autos são tripartidos, pois foram celebrados entre a Autora, na qualidade de principal, a PINK SLICE – Mediação Imobiliária, Unipessoal (posteriormente Rascunhos de Verão, Unipessoal, Lda.), na qualidade de agente da principal e o Réu, na qualidade de subagente;
2) Afastou a aplicação do regime da sub-agência, por o Réu se ter “comprometido a exercer a atividade estabelecida no contrato exclusivamente ao serviço da Autora, por sua conta e risco, sem carácter laboral, devendo as comissões serem pagas pelo agente Pink Slice”, concluindo que foi celebrado “um contrato de agência e não de subagência, já que tais contratos contêm os elementos essenciais do contrato de agência: a atividade promocional e de angariação de clientes, por conta de outrem (a Autora), com autonomia, estabilidade e onerosidade”, mas considerou que, “apesar da denominação do contrato se mostrar incorreta, tal não afeta a apreciação da presente lide, já que, conforme supramencionado, o regime jurídico a aplicar é exatamente o mesmo (artigo 5º do diploma)”;
3) Apreciou a convenção de exclusividade e não concorrência, constante da cláusula 17.ª dos contratos, à luz do artigo 9.º do RJCA, considerando que, “tendo o Réu, enquanto agente, assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação nos termos do artigo 13º, alínea g) do referido regime jurídico: o agente tem direito, designadamente: (…) g) a uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato”, compensação essa que não ficou estipulada nos contratos celebrados entre as partes;
4) Considerou que, “pese embora no regime legal aplicável ao contrato de agência não consta a sanção de invalidade para ausência de estipulação de contrapartida pela assunção dessa obrigação de não concorrência, por parte do agente, após a cessação do contrato, o artigo 280º, nº1 do Código Civil dispõe que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja físico ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”, concluindo que, sendo “um acordo oneroso e sinalagmático, consubstanciando a falta total de estipulação de contrapartida uma indeterminabilidade do objeto imediato do negócio jurídico”, a estipulação é nula face ao aludido preceito do CC;
5) Entendeu que, de qualquer modo, a cláusula em questão é nula, “com fundamento na interpretação da lei conforme a Constituição da República Portuguesa, no seguimento das decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, ambos no processo nº 2521/16.4T8STS.P1, decisões essas que se pronunciaram sobre a cláusula aqui em apreciação e a cujas posições este Tribunal adere”, manifestando que “esta solução de invalidade da cláusula que impede o agente, após a cessação do contrato, de trabalhar na mesma área de atividade sem ter sido fixada uma contrapartida que, de certa forma, o compense dessa restrição ao direito fundamental da liberdade de trabalho, resulta de uma interpretação da lei conforme à Constituição, concluindo que tal cláusula viola os princípios da liberdade de trabalho consagrado nos artigos 47º, nº1 e 58º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 15º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”; e
6) Concluiu que a indemnização peticionada o foi apenas com fundamento na violação da aludida cláusula e, nessa medida, julgou a ação improcedente.
A apreciação dos pontos 1) e 2) não vem, apesar das considerações expendidas na alegação da autora, colocada em crise no presente recurso.
Quanto aos demais pontos, tudo está em saber se o Tribunal recorrido ajuizou corretamente ao julgar improcedente a ação, por entender que a cláusula 17.ª do contrato dos autos de 17-08-2017 e a cláusula 10.ª do contrato dos autos de 07-10-2017, padece de nulidade, que impede a autora de obter a pretensão que almejou.
A cláusula 17.ª do contrato datado de 17-08-2017 – com a epígrafe “Exclusividade e Não Concorrência” é do seguinte teor:
“1. O “Subagente” obriga-se a exercer as atividades abrangidas pelo objeto do presente contrato em exclusivo para as Primeira e Segunda Contraentes.
2. A obrigação de exclusividade compreende, nomeadamente:
a) estar vedado ao “Subagente” a possibilidade de celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviço no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, salvo autorização expressa dada por escrito pelas Primeira e Segunda Contraentes;
b) estar vedada ao “Subagente” a possibilidade de assinar, em nome próprio ou em representação das Primeira ou Segunda Contraentes, qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros, Empresas de Mediação Imobiliária e Empresas de Construção e Obras para o exercício das atividades objeto do presente contrato, independentemente destas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com as Primeira ou Segunda Contraentes, não podendo ainda o “Subagente” negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, devendo, se e quando contactado por estas entidades, encaminhar imediatamente o assunto para as Primeira e Segunda Contraentes, consoante o caso;
c) estar vedada ao “Subagente” a participação, direta ou indiretamente, em qualquer outro projeto dentro do sector de atividade das Primeira e Segunda Contraentes durante o período de vigência do presente contrato. A obrigação prevista nesta alínea abrange, nomeadamente, a não realização, direta ou indiretamente, de qualquer das seguintes atividades: deter, gerir, operar, controlar, participar na qualidade de investidor, administrar, trabalhar, prestar serviços de consultoria ou outros, em quaisquer sociedades com atividades diretamente concorrentes com as atualmente exercidas pelas Primeira e Segunda Contraentes.
3. O “Subagente” obriga-se a não concorrer, direta ou indiretamente, e em todo o território nacional, com as Primeira e Segunda Contraentes, durante os doze meses seguintes a cessação do presente contrato, por qualquer meio.
4. A obrigação de não concorrência abrange todas as situações identificadas no número 2 da presente cláusula, que se verifiquem após a cessação do contrato, e inclui ainda a proibição de empregar ou contratar qualquer pessoa que haja sido, no ano anterior à cessação do presente contrato, trabalhador, agente, subagente, consultou ou representante das Primeira e Segunda Contraentes.
5. Em caso de violação do compromisso de exclusividade ou de não concorrência previstos nesta cláusula, o “Subagente” fica obrigada a indemnizar a Primeira ou Segunda Contraente, consoante o caso, a título de cláusula penal, pelas seguintes quantias:
a) a Primeira Contraente, em montante não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sem prejuízo do dano excedente que se venha a provar;
b) a Segunda Contraente, em montante não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euroa), sem prejuízo do dano excedente que se venha a provar (…)”.
A cláusula 10.ª do contrato datado de 07-10-2017 – com a epígrafe “Exclusividade e Não Concorrência” é do seguinte teor:
“1. O “Subagente” compromete-se a exercer a respetiva atividade em regime de exclusividade relativamente aos demais Contraentes, estando-lhe, nomeadamente, vedada a possibilidade de assinar, em nome próprio ou em representação das Primeira e Segunda Contraentes, em qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras ou Empresas de Seguro, relativamente às matérias indicadas nas Cláusulas Primeira e Segunda do presente contrato ou a prestar serviços nas áreas de atuação das Primeira, Segunda e Terceira Contraentes.
2. O “Subagente” obriga-se ainda a não exercer, em todo o território nacional, direta ou indiretamente, enquanto sócio ou titular de participações sociais noutras sociedades, ou ainda enquanto trabalhador ou prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, atividade concorrente com as das Primeira, Segunda e Terceira Contraentes, quer durante o período de vigência do presente contrato, quer durante os dois anos seguintes à sua cessação, e independente do motivo que a tenha operado.
3. O “Subagente” obriga-se a não celebrar quaisquer protocolos, acordos ou contratos com quaisquer Instituições de Crédito ou Financeiras ou Empresas de Seguros independentemente destas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos outorgados com a Primeira e Segunda Contraentes, nem tão pouco a com elas negociar qualquer tipo de contrato a outorgar pelos clientes, devendo, se e quando contactado por estas entidades, encaminhar imediatamente o assunto para a Primeira e Segunda Contraentes;
4. O “Subagente” obriga-se igualmente a não prestar os seus serviços a outras pessoas, singulares ou coletivas, que exerçam atividade concorrente com as da Primeira, Segunda e Terceira Contraentes nem a, por qualquer forma, transmitir a terceiros, concorrentes ou não daquelas, os conhecimentos e procedimentos por aquelas adotados no exercício das respetivas atividades.
5. Em caso de violação dos compromissos de exclusividade, não concorrência e demais obrigações previstas nesta cláusula, o “Subagente” fica obrigado a indemnizar à Primeira e Segunda Contraentes, a cada uma, a título de cláusula penal em montante não inferior a 50.000,00 € (cinquenta mil euros), ao qual poderá, porém, ser superior se for também superior o valor dos prejuízos efetivamente causados (…)”.
Estas cláusulas consubstanciam o vulgarmente denominado «pacto de não concorrência» (ou «konkurrenzklausel», no direito germânico, correspondente ao «patto di non concorrrenza» a que alude o artigo 2125.º do Código Civil italiano), por via da qual uma das partes contratantes se compromete a não praticar acção que induza desvio de clientela da outra.
Com efeito, com o escopo de manter ou atrair clientela, as empresas procuram a protecção das técnicas de produção, know-how, dados comerciais, bem a preservação de empregados altamente qualificados, o que levou a adopção de estipulações deste tipo.
De todo o modo, como referiu RS… (em notícia publicada no dia 10 de Janeiro de 2008, no jornal Diário Económico, com o título «Quando se sai com os segredos da empresa»), em Portugal “é raro haver cláusulas contratuais que impeçam os líderes ou executivos em cargos de confiança de mudar de uma empresa para outra. Quase sempre as mudanças são feitas numa base de boa fé e quase sempre as contratações são feitas na concorrência sendo que quem contrata fica geralmente a ganhar.
A probabilidade de êxito, bem como o tempo de adaptação ao produto e à empresa estão geralmente incrementados (…).
A solução é, em muitos casos, cobrir as propostas de outras empresas, a nível salarial, ou proteger a confidencialidade de alguns assuntos criando regras e procedimentos (incluindo auditorias) que façam com que os temas mais sensíveis sejam reservados a pessoas chave (…)”.
Os pactos de não concorrência têm, desde logo, grande aplicação prática no âmbito das relações de trabalho.
No âmbito das relações laborais, o artigo 136.º do Código do Trabalho disciplina a matéria dos pactos de não concorrência fixados em sede de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, nos seguintes termos:
“1 - É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato.
2 - É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições:
a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador;
c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.
3 - Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência.
4 - São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea c) do n.º 2.
5 - Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos.”.
Conforme referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, Lisboa, 1994, pp. 169-174), em sede juslaboral “compreende-se que, em certos casos, o empregador se queira precaver contra os prejuízos que lhe podem advir do facto de o trabalhador passar a exercer, por conta própria ou alheia, actividades concorrentes. Na constância da relação de trabalho impende sobre o trabalhador um dever de lealdade, do qual decorre a obrigação de se abster de divulgar informações reservadas ou de as usar em proveito próprio ou alheio, bem como a proibição de trabalhar para uma empresa concorrente, desde que, atenta a natureza das funções desenvolvidas e a sua situação nessa empresa, tal envolva o perigo de contribuir para um desvio, actual ou meramente potencial, de clientela (…). Uma vez terminada a relação de trabalho, poder-se-ia pensar que se extingue essa obrigação. Simplesmente, acontece que não cessam os perigos do exercício de actividades concorrenciais (…). No desenvolvimento da relação laboral o trabalhador adquire uma série de conhecimentos da mais diversa natureza: desde os que directamente se relacionam com a forma de exercício das suas funções (como os relativos à aplicação das técnicas profissionais), até aos que se prendem com a própria actividade da empresa para a qual trabalha (conhecimentos de técnicas industriais, comerciais e organizacionais, muitas das quais não constituem verdadeiros segredos cuja divulgação seja ilícita, conhecimentos sobre os mercados e forma de neles actuar eficazmente, etc.). Tais conhecimentos e informações passam a integrar aquilo que por vezes se designa como o ‘património profissional’ do trabalhador. É evidente que nada impede o trabalhador de utilizar esses conhecimentos no futuro, porque, como explica Raul Ventura («Extinção . . .», cit., p. 358), não pode impor-se um dever de ‘não utilizar a técnica adquirida ao serviço de qualquer empresa, pois a preparação profissional do trabalhador constitui a base da sua vida, que não pode ser-lhe retirada seja a que título for’. Mas é também verdade que a utilização deste acervo de conhecimentos por empresas concorrentes pode ser extremamente prejudicial para o primitivo empregador — pense-se, por exemplo, nos prejuízos que lhe podem advir da utilização por um concorrente das informações relativas à sua carteira de clientes.
Os pactos de não concorrência representam uma forma de conciliar os interesses contrapostos aqui em jogo. Simplesmente, uma vez que representam uma restrição da liberdade de trabalho, a lei rodeou as limitações convencionais ao exercício da actividade profissional de certas cautelas, impondo a celebração por forma escrita, um limite máximo de duração e a restrição do seu objecto a actividades verdadeiramente prejudiciais, além de garantir ao trabalhador uma compensação pelas limitações ao exercício da actividade profissional.
Deve ainda lembrar-se que os pactos de não concorrência desempenham uma função preventiva do maior relevo. É que, na prática, nem sempre é fácil distinguir entre as situações ilícitas de utilização de informações reservadas e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar o património profissional do trabalhador (lembre-se o exemplo há pouco referido sobre a utilização de informações acerca da carteira de clientes do primitivo empregador). Limitando as possibilidades de exercício de actividades concorrenciais, os pactos de não concorrência evitam essas dificuldades”.
Nas palavras de Carlos Ferreira de Almeida (Contratos – III, Almedina, 2021, pp. 135-136), “o contrato de agência tem como objectos os serviços a prestar pelo agente e a retribuição a pagar pelo principal. Os serviços de que este beneficia incluem sempre atos materiais e, eventualmente, atos jurídicos (…). Outras obrigações são instrumentais ou acessórias (…). Os deveres de segredo e de não concorrência podem prolongar-se post pactum finitum (artigos 8.º e 9.º)”.
Estabelece o artigo 9.º do RJCA – com a epígrafe “Obrigação de não concorrência” – que: “1 - Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em concorrência com as da outra parte.
2 - A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente”.
Como refere António Pinto Monteiro (Contrato de Agência, 5.ª ed., Almedina, 2004, p. 80) “a lei não obsta (…) a que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência. Mas estabelece algumas condições e limites: deve constar de documento escrito; não pode exceder dois anos; circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiados ao agente (…). Se o agente tiver assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação, nos termos do artigo 13.º, al. g)”.
Assim, o estabelecimento de uma obrigação de não concorrência deve, sob pena de nulidade – cfr. artigo 220.º do CC – constar de documento escrito; deve ter o prazo máximo de 2 anos, contados a partir do momento da cessação do contrato de agência; e a eficácia da convenção fonte da obrigação de não concorrência é limitada à zona ou círculo de clientes que tenha sido confiado ao agente.
Comum ao artigo 9.º do RJCA e à previsão normativa sobre os pactos de não concorrência constante do Código de Trabalho é a preocupação de regular a pós-eficácia de obrigações contratuais, ou seja, os deveres acessórios ou laterais de conduta daquele que tinha uma relação jurídica com outrem, que, não obstante o seu termo, se mantém, ainda que temporariamente, vinculado ao cumprimento de obrigações –atinentes ao impedimento da promoção e desenvolvimento de atividades concorrentes - para com essa outra pessoa jurídica.
Contudo, não poderá esquecer-se que, enquanto no domínio laboral regem específicas preocupações de tutela da posição do trabalhador, tal não sucede no âmbito de uma relação contratual como a da agência, onde rege plenamente o princípio da liberdade contratual ou de autonomia da vontade das partes, vertido no artigo 405.º do CC.
E, como bem salienta a recorrente, foi expressa preocupação do legislador a de dissociar o RJCA da relação laboral, como decorre das considerações expressas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 (cfr., designadamente, os pontos 3 e 4 do mesmo).
É que, em matéria laboral, conforme sublinha António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 587) impõe-se o formalismo, o que, entre outras situações, sucede “(…) no estabelecimento de regimes que, embora permitidos pela lei, se mostrem menos favoráveis para os trabalhadores. Esta última situação que é a mais caracteristicamente laboral, resulta (…) da conclusão de pactos de não-concorrência. Jogam aqui as clássicas razões que justificarão a forma nos negócios jurídicos: a necessidade de facilitar a prova dos actos, a vantagem em facultar a sua publicidade e a conveniência em promover, por parte dos celebrantes, uma melhor reflexão do que efectivamente pretendem. Pode, pois, com propriedade falar-se na presença de um vector juslaboral que implica a forma escrita para estabelecer situações que enfraqueçam a posição dos trabalhadores.”.
Especificamente a respeito do contrato de agência, considera Carlos Lacerda Barata (Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência; Lex, Lisboa, 1994, p. 35) que “o estabelecimento de uma obrigação de não concorrência com desrespeito pelos requisitos enunciados pelo artigo 9.º acarreta, naturalmente, a invalidade da cláusula. Todavia, serão potencialmente aplicáveis os mecanismos gerais tendentes à concretização do Princípio do aproveitamento dos actos jurídicos; assim, nomeadamente, assumida uma obrigação de não concorrência por um prazo superior a dois anos, poderá a respectiva cláusula vir a ser objecto de redução, nos termos do artigo 292.º do Código Civil”.
Sobre a compensação a que se reporta a alínea g) do artigo 13.º do RJCA, refere o mesmo Autor (ob. cit., p. 42) que “o legislador não estabelece, expressamente, quaisquer regras para o cálculo da compensação em causa (…) pelo que (…) por recurso aos mecanismos de determinação analógica das regras, será aqui aplicável o disposto no artigo 15.º [do RJCA], ou seja, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com o princípio da equidade.
Importa sublinhar, como o faz Alexandre Libório Dias Pereira (“Denúncia e indemnização de clientela nos contratos de distribuição: resenha de jurisprudência recente do STJ”, in Boletim de Ciências Económicas; Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes; Vol. LVII, Tomo III, FDUC, 2014, p. 2646), que “a compensação pela obrigação de não concorrência não afasta, necessariamente, a indemnização de clientela. A referida obrigação de não concorrência referese ao exercício de atividades que estejam em concorrência com as do principal, enquanto a indemnização de clientela parece exigir a descontinuidade de relações comerciais, ainda que relativamente a atividades não concorrentes, entre o agente e os novos clientes que angariou”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verificamos que, entende a apelante que a interpretação conferida pelo Tribunal recorrido sobre o art.º 13 al g) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, e ao aplicar, na falta de previsão especifica em tal diploma normativo da cominação de invalidade para a falta de fixação de uma compensação pela obrigação de não concorrência assumida pelo agente, é “contra legem e contra a própria unidade do sistema jurídico”, considerando que, se o legislador entendesse que a cláusula na qual não seja fixada compensação para o agente seria nula, o teria dito expressamente, situação que não pretendeu efetuar.
Recorde-se que o Tribunal recorrido concluiu que, embora o RJCA não preveja a sanção de invalidade para a ausência de estipulação de contrapartida/compensação pela assunção dessa obrigação de não concorrência, por parte do agente, após a cessação do contrato, o artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil dispõe que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja físico ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, entendendo o Tribunal a quo que a falta de tal estipulação comporta uma “indeterminabilidade do objeto imediato do negócio jurídico”.
De todo o modo, como se viu, o Tribunal recorrido entendeu que a nulidade da estipulação contratual é obtida por outra via: “com fundamento na interpretação da lei conforme a Constituição da República Portuguesa, no seguimento das decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, ambos no processo nº 2521/16.4T8STS.P1, decisões essas que se pronunciaram sobre a cláusula aqui em apreciação e a cujas posições este Tribunal adere”, manifestando que “esta solução de invalidade da cláusula que impede o agente, após a cessação do contrato, de trabalhar na mesma área de atividade sem ter sido fixada uma contrapartida que, de certa forma, o compense dessa restrição ao direito fundamental da liberdade de trabalho, resulta de uma interpretação da lei conforme à Constituição, concluindo que tal cláusula viola os princípios da liberdade de trabalho consagrado nos artigos 47º, nº1 e 58º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 15º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
Vejamos se assim é.
No supra referenciado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 2521/16.4T8STS.P1, rel. ANABELA TENREIRO) sumariou-se o seguinte:
“I - O subagente é o agente do agente, por ser contratado pelo agente, no âmbito da autonomia (elemento definidor do contrato de agência) que este dispõe nomeadamente no que se refere à organização da sua actividade.
II - A liberdade de trabalho, enquanto um direito fundamental do cidadão, implica que a sua compressão esteja sujeita a condicionantes legais, justificativas dessa limitação da liberdade de trabalhar.
III - O pacto de não concorrência, caracterizado como um acordo oneroso e sinalagmático, na medida em que restringe a liberdade de trabalhar, após a cessação do contrato, deve, como condição de validade, conter a fixação ex ante de uma compensação económica do agente, sob pena de nulidade.
IV - Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula”.
As considerações de fundamentação exaradas em tal aresto, na parte relevante, são as seguintes:
“(…) Tendo o agente assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação nos termos do preceituado no artigo 13.º, al. g) do referido diploma legal, um dos direitos que lhe são reconhecidos, no elenco de direitos mais importantes do agente, enumerados, de forma exemplificativa, pela lei.
O contrato de agência celebrado com pessoa singular tem elementos semelhantes com aqueles que definem o contrato de trabalho; e, como sublinha Romano Martinez nem sempre a distinção entre o contrato de agência e de trabalho é evidente, sendo a autonomia do agente e o risco que assume da sua actividade, por contraposição à subordinação jurídica do trabalhador e ao vencimento invariável que aufere, os critérios diferenciadores.
Aliás, não são agentes, esclarece Pinto Monteiro, as pessoas que, apesar de ostentarem esse título, são empregados do principal, ainda que possam de gozar de certa autonomia e desempenharem, de modo estável, uma actividade de promoção negocial, como por exemplo, os chamados “caixeiros-viajantes”, “agentes de seguros” e “agentes de vendas”.
Apesar de não ser um trabalhador do principal, gozando de autonomia e independência no desenvolvimento da actividade de promoção de celebração de contratos, tal não obsta, segundo Romano Martinez, à aplicação de regras laborais, em particular as que respeitam acidentes de trabalho atendendo ao conceito amplo de acidente de trabalho abranger os trabalhadores autónomos mas com dependência económica por se integrarem na estrutura empresarial do principal.
Daí que seja pertinente analisar o regime do pacto de não concorrência previsto no Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Segundo o artigo 136.º, n.º1 do C.Trabalho é nula a cláusula de contrato de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato.
O princípio da liberdade de trabalho, consagrado nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º da Constituição da República Portuguesa, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 15.º) bem como nos Tratados Internacionais vigentes em matérias laborais, aplicáveis na ordem jurídica interna, decorre do princípio superior da Dignidade Humana.
O artigo 15.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, por força do art. 6.º, n.º 1 do Tratado da União Europeia, tem o mesmo valor jurídico deste, estabelece, no n.º 2, que todos os cidadãos da união têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro.
Esta liberdade decorre, naturalmente, da livre circulação de pessoas e de trabalhadores, de estabelecimento e de livre prestação de serviços, consagrada no Tratado de Funcionamento da União Europeia, princípios fundadores e conformadores do mercado comum e da cidadania europeia.
Estamos perante um direito fundamental do cidadão, enquanto trabalhador, pelo que a compressão desse direito à liberdade de trabalho está sujeita a condicionantes legais, justificativas dessa limitação da liberdade de trabalhar.
Nesta conformidade, o n.º 2 do art. 136.º do C.Trabalho estabelece que é lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho nas condições previstas nas alíneas a) a c), ou seja, o acordo deve obedecer à forma escrita, tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador e atribuir ao trabalhador, durante esse período, uma compensação.
Monteiro Fernandes esclarece que, com essa figura (pacto de não concorrência) pretende-se atender à necessidade de protecção de interesses do empregador: por um lado, o de evitar que o concorrente venha a utilizar informações, conhecimentos ou recursos (como a clientela) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha na empresa de onde agora parte; por outro lado, o de evitar o desperdício de meios investidos na qualificação profissional do trabalhador.”
Mas adverte que, outra condição, é a de que o trabalhador seja economicamente compensado pela limitação de actividade a que se obriga.
Neste mesmo sentido, João Zenha Martins defende tratar-se de um acordo oneroso que, face à posição ocupada pelos sujeitos e às implicações jus-fundamentais que traz consigo, não se compagina com a gratuitidade e tem como função compensar ex ante o trabalhador pela não fruição plena do seu direito ao trabalho, assegurando o sinalagma.
A razão de ser desta construção, acrescenta, é extensível a qualquer convenção que, nas margens do sistema, opere uma limitação da liberdade de trabalho.
O pacto de não concorrência será, por isso, nulo na hipótese de ausência de fixação da contrapartida ou dos respectivos critérios de cálculo, por indeterminabilidade do objecto (art. 280.º, n.º 1 do CC), sem possibilidade de integração por via judicial.
A compensação da limitação deste direito fundamental tem como função, no entendimento propugnado por Zenha Martins reparar o trabalhador do dano que, in abstracto, surge associado à sua inactividade.
Como bem alertou a Recorrente, o pacto de não concorrência tem carácter oneroso, sinalagmático, pois gera uma obrigação de non facere para uma das partes e uma obrigação compensatória para a outra parte.
No contrato celebrado entre as partes, não ficou estipulada qualquer compensação a favor da Ré pelo facto de após a cessação do contrato, se ter comprometido a não exercer a actividade que desenvolveu por conta das Autoras, mais concretamente, de mediação imobiliária, em todo o território nacional, durante o prazo máximo de dois anos, incluindo a proibição de empregar ou contratar qualquer pessoa que haja sido, no ano anterior à cessação do presente contrato, trabalhador, agente, subagente, consultor ou representante das Primeira e Segunda Contraentes.
No regime legal aplicável ao contrato de agência não consta a sanção de invalidade para ausência de estipulação de contrapartida pela assunção dessa obrigação de não concorrência, por parte do agente, após a cessação do contrato.
Tal não impede a conclusão de que, efectivamente, estamos perante uma cláusula nula, por se tratar de um acordo oneroso e sinalagmático, consubstanciando a falta total de estipulação de contrapartida uma indeterminabilidade do objecto imediato do negócio jurídico.
De qualquer modo, face ao disposto no artigo 9.º do C.Civil, que consagra os elementos interpretativos da lei, sempre se chegaria à mesma conclusão através de uma interpretação extensiva, alicerçada na unidade do sistema jurídico; para Baptista Machado, este elemento é decisivo pois uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito especial, enquanto harmonicamente aí integrada.
Esta solução de invalidade da cláusula que impede o agente, após a cessação do contrato, de trabalhar na mesma área de actividade sem ter sido fixada uma contrapartida que, de certa forma, o compense dessa restrição ao direito fundamental da liberdade de trabalho, resulta de uma interpretação da lei conforme à Constituição.
A mesma solução seria imposta ao intérprete, caso se considere estarmos perante um caso não previsto pela lei, mediante uma actividade integrativa da lacuna, por ser evidente que as razões que justificam a inclusão da compensação como uma das condições de validade do pacto de não concorrência no âmbito laboral, aplicam-se, mutatis mutandis, ao contrato de agência (v. art. 10.º, n.º 1 e 2 do CC).
A analogia, nas palavras de Oliveira Ascensão, repousa na exigência, que o pensamento actual, é extremamente sensível, do tratamento igual de casos semelhantes. Acrescentando que se uma regra estatui de certa maneira para um caso, é natural que um caso análogo seja resolvido da mesma forma, apesar de lacunoso.
Em suma, não constando do acordo na parte referente à proibição de concorrência por parte do agente, qualquer compensação que lhe permitisse minorar o sacrifício resultante de ficar com a sua liberdade de trabalho cerceada, a mesma é nula, ficando prejudicado o conhecimento da questão da redução da cláusula penal por ser manifestamente excessiva.
As razões aduzidas respeitantes à nulidade da cláusula que contém o pacto de não concorrência, com base na qual a 2.ª Autora exigiu da Ré o pagamento de uma indemnização fixada através de uma cláusula penal, determinam a procedência do recurso e consequentemente, a absolvição da Ré em relação a esta pretensão”.
Ora, não obstante o que se acaba de citar, não se encontra fundamento suficiente para concluir do mesmo modo.
Interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (assim, Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, pp. 21 a 26).
Nesse campo rege fundamentalmente o artigo 9.º do CC, sendo certo que, conforme decorre do n.º 3 do preceito, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
A letra ou o texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, constituindo a apreensão literal do texto já interpretação, embora incompleta, tornando-se sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal.
A letra da lei funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência ao menos imperfeita no texto.
Mas, para determinar o alcance da lei, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, sendo necessário indagar com o pensamento legislativo. A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor.
Assim, na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal intervêm elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões paralelas; compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pela edição da norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
A final, culminando todo um trabalho hermenêutico, o intérprete atingirá um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa; interpretação extensiva; interpretação restritiva.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger o sentido literal ou um dos sentidos literais que o texto directa e claramente comporta, por esse caber no pensamento legislativo.
Na interpretação extensiva, o intérprete reconhece que o legislador foi traído pelas palavras que utilizou, levando-o a exprimir realidade diversa, pois, o sentido da norma ultrapassa o que resulta estritamente da letra.
Na interpretação restritiva, o intérprete reconhece que o legislador, utilizou uma forma demasiado ampla, quando o seu sentido é mais limitado. Neste caso, deve proceder-se a operação inversa, ou seja, restringir o texto para exprimir o verdadeiro sentido da lei.
Mas, haverá situações que o legislador não previu e que são merecedoras de tutela jurídica. Tais situações, designadas por lacunas da lei, “terão que ser decididas pelo julgador de acordo com o processo de integração das leis” (assim, Baptista Machado; Introdução ao Discurso Legitimador, Almedina, 12.ª reimpressão, p. 193).
O instituto da integração das lacunas da lei vem previsto no artigo 10.º do Código Civil, que dispõe:
“1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.
Como refere Oliveira Ascensão (Interpretação das Leis. Integração de Lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, in ROA, 1997, T. III, p. 917) as lacunas da lei podem ser de previsão ou de estatuição. Na primeira hipótese, o caso não é contemplado por disposição legal; no segundo, não se formula para a hipótese legal a consequência jurídica.
Porém, “pode haver aparentemente lacuna, mas na realidade tudo se resolve por interpretação extensiva” (assim, Oliveira Ascensão; O Direito. Introdução e Teoria Geral; 11.ª ed., Almedina, 2001, p. 409).
Na verdade, «[e]m princípio, a distinção dos dois processos é muito simples. A interpretação dirige-se à determinação das regras, trabalhando sobre a fonte. Pelo contrário, para haver integração tem de se partir da verificação de que não há nenhuma regra, conclusão esta que pressupõe uma tarefa de integração das fontes (...).
O critério pode ser delineado com precisão, o que não quer dizer que na prática não surjam problemas da maior complexidade. A interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito: há ainda regra, visto que o espírito é que é decisivo. Quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes” (assim, Oliveira Ascensão; O Direito. Introdução e Teoria Geral; 11.ª ed., Almedina, 2001, p. 436).
De qualquer modo, “não há lacuna da lei quando a própria lei indica um direito subsidiariamente aplicável” (cfr. Oliveira Ascensão; ob. cit., p. 377).
Apreciando a letra do artigo 9.º do D.L. n.º 178/86, nele não se divisa qualquer sanção para a contravenção às previsões normativas que resultam dos dois números do preceito. Ao contrário do que sucede – repita-se – com o paralelo n.º 1 do artigo 136.º do Código do Trabalho.
Funcionando a letra da lei como limite interpretativo, podemos concluir que a contrariedade à prescrição normativa em apreço apenas gerará a invalidade se isso resultar de outro preceito legal, o que, não se divisa no regime jurídico próprio do contrato de agência.
Em termos históricos, o regime legal do contrato de agência constante do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, foi aprovado na sequência da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, que, conforme se refere no preâmbulo, “tornou mais imperativa e urgente a intervenção do legislador face à indefinição existente, entre nós, sobre o regime deste contrato”.
Aí se salienta que a necessidade de procurar novos mercados e desenvolver os existentes, em zonas distantes dos centros de produção, são factores que foram determinando o progressivo apelo a “colaboradores, auxiliares da empresa, mas com autonomia perante ela”.
O regime foi revisto na sequência da Diretiva 86/653/CEE, de 18 de dezembro, que procedeu a uma harmonização nos direitos europeus na matéria.
A ausência de conexão sistémica na produção do regime jurídico do contrato de agência com a legislação laboral é, pois, evidente.
Por outro lado, o RJCA tem-se afirmado como uma “figura “paradigmática” ou “matriz” da distribuição comercial, compreendendo-se que a doutrina e a jurisprudência portuguesas venham admitindo a extensão analógica do seu regime aos demais contratos de distribuição legalmente atípicos” (cfr. José Engrácia Antunes; Direito dos Contratos Comerciais; Almedina, 2009, p. 440), o que inculca o diverso enquadramento sistemático deste tipo contratual, no âmbito do direito comercial, face ao direito das relações laborais.
Para além do exposto e apesar das semelhanças entre as duas previsões legais de pactos de não concorrência, como se viu – remetendo-se para as considerações antes expostas - , o regime do contrato de agência e a situação em que se situa o agente face ao principal é, apesar de tudo, diametralmente diversa daquela em que se acha o trabalhador no contrato de trabalho, face ao empregador.
Nesse sentido, inculcam as obrigações recíprocas, as responsabilidades inerentes e os direitos atinentes, que se refletem, em muitos casos, nas diferentes remunerações estabelecidas e, primordialmente, na previsão de dois regimes jurídicos distintos, nos quais o legislador regulou o processo de formação, as vicissitudes e os termos de cessação de ambos os tipos contratuais.
Os elementos essenciais definidores do contrato de agência assentam na promoção de celebração de contratos, na atuação por conta do principal, na autonomia, na estabilidade e na onerosidade (assim, Engrácia Antunes; ob. cit., p. 440 e ss.), elementos que não se reconhecem, pelo menos, integral e homogeneamente, na relação de trabalho subordinado.
Quanto aos demais argumentos constantes do referido aresto e acolhidos pela decisão recorrida, importa salientar que o artigo 9.º do RJCA, ao contrário do artigo 136.º do Código do Trabalho, não comina com nulidade a falta de estipulação da compensação ao agente, o que bem se compreende, porque aqui, ao contrário do que ali sucede, as necessidades de proteção do outro sujeito da relação jurídica não se mostram tão prementes.
Não se vê que haja que efetuar algum recurso à legislação laboral, dado que não se vislumbra inexistir alguma lacuna a colmatar e, por essa via, aplicar o regime do n.º 1 do artigo 136.º do Código do Trabalho ao contrato de agência.
A lei não aponta para a aplicação subsidiária do regime constante da legislação laboral, nem para, no caso de não ser prevista contratualmente a estipulação da compensação ao agente pela subscrição de cláusula de não concorrência, após a cessação da relação de agência, a cominação da nulidade por tal circunstância, com qualquer outro fundamento legal.
Na realidade, ao contrário do que inculca a decisão recorrida, não se verificam os pressupostos para a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CC.
O artigo 280.º, n.º 1, do CC determina que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja impossível, contrário à lei ou indeterminável.
“Dois sentidos pode ter a expressão "objecto do negócio jurídico"
Um corresponde ao objecto imediato, ou conteúdo do negócio, sendo preenchido pelos efeitos que tende a produzir.
Outro, o objecto mediato, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2002, Pº 02A1138, rel. RIBEIRO COELHO).
Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição legal (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 547).
O negócio é ilícito sempre que implique, para as partes, o desenvolvimento de actuações contrárias a normas jurídicas imperativas; relativamente à possibilidade, o conteúdo do negócio deve articular soluções possíveis, quer num prisma físico, quer num prisma jurídico; e, para além disso, o negócio deve ser determinável, no sentido de que “para poder ser executado, deve dar azo a condutas cognoscíveis, pelas partes”, podendo suceder que, “no momento da celebração, as partes não tenham, ainda, fixado o seu conteúdo preciso: não obstante, elas terão de prever um esquema que faculte essa determinação. É, pois, viável um negócio cujo objecto, embora indeterminado, seja determinável; a lei prevê, então, esquemas para a determinação – artigo 400.º [do CC]” (assim, António Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português – I, 2.ª Ed., Almedina, 2000, pp. 483 a 489).
No caso de indeterminação do objeto do negócio, além das regras do artigo 400.º do CC, poderão ser convocadas as regras das obrigações genéricas – cfr. artigo 539.º e ss. do CC – e as atinentes às obrigações específicas – cfr. artigo 543.º e ss. do CC.
“O objecto do negócio será indeterminável quando, nem com recurso a nenhuma destas regras, seja possível proceder à determinação” (assim, António Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português – I, 2.ª Ed., Almedina, 2000, p. 488).
Contudo, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-02-2014 (Pº 162/11.1T2VGS.C2, rel. CARLOS MOREIRA): “O negócio jurídico só é nulo por indeterminabilidade do seu objecto – artº 280º do CC - se este, no momento da celebração daquele, não for apenas indeterminado mas for indeterminável, ie, se no futuro e atempadamente, na economia do gizado pelas partes, não puder ser individualizado ou fixado nos seus termos e limites”.
Igualmente é de atentar que “é nula a obrigação sempre que o objeto da prestação se não encontre desde o momento da celebração do negócio, completamente individualizado, e nem possa vir a ser concretizado, em momento posterior, por falta, ou eventual inoperância, de um critério para esse efeito estabelecido pelas partes, no respetivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas, ou com recurso ao critério supletivo dos juízos de equidade. Nos casos de mera indeterminação de prestação de objeto determinável, o negócio é válido, e não já nulo, como nas situações de indeterminabilidade, realizando-se a determinação em conformidade com os parâmetros definidos pelo art 400.º do CC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2016, Pº 1786/12.5TVLSB.L1.S1, rel. HELDER ROQUE).
Para além disso, importa salientar que a interpretação do sentido da declaração negocial emitida pelas partes envolvidas num acordo, se faz à luz do sentido e alcance normais da declaração (cfr. artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), sendo predominante o entendimento de que este preceito legal consagra uma orientação objetivista da interpretação negocial, afastando-se da busca da reconstituição da vontade do declarante. O intérprete não procurará esta vontade, mas o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, retiraria da declaração. É evidente, pois, a prevalência, no citado artigo 236.º do Código Civil, por um sentido que proteja o declaratário, ainda que possa resultar contrário à vontade do declarante (cfr., José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, Coimbra Editora, 2009, p. 43).
Ora, no caso sub judice, não se divisa como a falta de estipulação da compensação devida ao agente possa comportar a indeterminabilidade do objeto do negócio jurídico em questão.
Na realidade, são enunciadas nas estipulações contratuais juntas aos presentes autos, com toda a precisão e determinação, as condições que pressupõem a efetivação das obrigações aí previstas, estando determinado o objeto do negócio – a agência e os deveres laterais e acessórios que dela decorrem – e reguladas as obrigações que decorrem do mesmo, não tendo sido excluída ex ante, por qualquer modo, a possibilidade de atribuição de compensação ao réu.
O que se verifica é que, ao contrário do que prescreve o artigo 13.º, al. g) do D.L. n.º 178/86, não previram as partes, por mera omissão, em que moldes poderia o agente exercer o direito à compensação regulada em tal normativo.
Mas, tal omissão de previsão das partes sobre o direito de compensação do agente não determina, sem mais, a indeterminabilidade do objeto negocial que, como se viu, está suficientemente regulado contratualmente no que respeita às relações das partes após a cessação do contrato de agência, nas estipulações contratuais acima aludidas.
Não se subscreve, por isso, o entendimento formulado a respeito da determinabilidade do objeto mediato do negócio jurídico, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-06-2017 (Pº 3526/15.8T8OAZ.P2, rel. JERÓNIMO FREITAS), ainda que o mesmo se tenha reportado, especificamente, à aferição de validade de pactos de não concorrência no âmbito de contratos individuais de trabalho.
O que sucede é que, na realidade, o agente tem, por força da lei, o direito que as partes não lhe reconheceram nas estipulações contratuais a que procederam. Contudo, é bom de ver que, não é por tal facto – de não ter sido regulado nas estipulações do contrato em que termos o mesmo direito seria objeto de concretização - que o agente perde tal direito, nem a omissão de previsão no contrato, determina a invalidade deste, por violação do artigo 280.º do CC.
A haver indeterminabilidade, a mesma prender-se-ia com a especifica prestação a satisfazer a título de compensação devida ao agente e com o apuramento do seu quantum e, não, propriamente, com o objeto do negócio.
Concluindo: A ausência de previsão da compensação devida ao agente nos contratos juntos aos presentes autos não comporta, pois, a postergação do previsto no n.º 1 do artigo 280.º do CC, não se podendo acolher o entendimento alcançado pelo Tribunal recorrido.
No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2011 (Pº 4186/07.5TVPRT.P2, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS), sobre a ausência de previsão de compensação num pacto de não concorrência semelhante ao dos presentes autos considerou-se, com inteiro acerto, o seguinte:
“No que diz respeito à não previsão de uma indemnização compensatória pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato (…), que efectivamente não foi consagrada no contrato de agência celebrado pelas partes, a sua omissão nunca determinaria a nulidade da cláusula (…), já que o agente não estava impedido de judicialmente peticionar esse direito, por aplicação do regime legal que a prescreve (…)”.
Na realidade, perante a ausência de estipulação contratual da compensação pelo pacto de não concorrência, não se encontra o agente impedido de peticionar o valor que, a esse título considera devido.
E, também no âmbito da apreciação da validade da cláusula que estabelece a obrigação de não concorrência, relativamente ao contrato de agência, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2019 (Pº 13603/16.2T8SNT.L1-1, rel. ISABEL FONSECA) entendeu-se ser “válido o pacto de não concorrência quando estipulado de acordo com a conformação estabelecida pelo legislador no art. 9º do referido Dec. Lei 178/86; esta regulação obedece a parâmetros constitucionalmente consagrados (arts. 47º, nº 1, 58º, nº1 e 61º, nº1 da CRP)”.
Na fundamentação deste aresto considerou-se, em particular, o seguinte:
“No ordenamento infraconstitucional o legislador estabeleceu a possibilidade de inserção nos contratos de agência de cláusulas impositivas de obrigação de não concorrência. Assim, dispõe o art. 9º do Dec.Lei 178/86 (…).
E, nos termos do art. 13º, alínea g) o agente tem direito “a uma compensação, pela obrigação de nãoconcorrência após a cessação do contrato” – cfr. a secção alusiva aos “direitos do agente”.
Ponderando o regime que emerge dos citados preceitos, temos que no caso, não se colocando questão atinente à forma, uma vez que a obrigação de não concorrência foi fixada por escrito, integrando o contrato celebrado, também se impõe concluir que o regime estabelecido obedece aos parâmetros impostos pelo legislador, no referido art. 9º do Dec. Lei 178/86, quanto ao prazo de duração.
Idem relativamente à zona geográfica respetiva, valendo a obrigação de não concorrência relativamente a todo o território nacional, uma vez que pelo mesmo contrato, mais precisamente na cláusula 1ª(“[o]jecto), nº3, se fixou que “a actividade da Terceira Contraente abrange todo o território nacional(…). Em caso algum a Terceira Contraente beneficiará de exclusividade geográfica, expressamente aceitando que as Primeira e Segunda Contraentes autorizem outros agentes a instalarem o seu estabelecimento no mesmo concelho onde se situe o estabelecimento da Terceira Contraente”.
Quanto à circunstância de não ter sido fixada pelas partes qualquer compensação devida ao agente como contrapartida da respetiva obrigação de não concorrência, diremos que o legislador não condicionou a validade do pacto de não concorrência a essa fixação, limitando-se a estabelecer que assiste ao agente o direito a uma compensação, não se vislumbrando que se exija que a mesma seja previamente definida, nomeadamente quanto ao seu quantum, no contrato celebrado, podendo ser fixada a posteriori, mormente por aplicação analógica do art. 15º.
Pese embora alguma similitude de regimes, o legislador equacionou de forma não inteiramente coincidente a fixação de pacto de não concorrência no contrato de agência e no contrato de trabalho; o que se compreende e é aceitável se atentarmos nas especificidades inerentes aos dois tipos contratuais em presença, sabendo-se que quando está em causa uma relação laboral o escrutínio de proporcionalidade se coloca com maior acuidade, ponderando a vulnerabilidade usualmente associada à posição jurídica do trabalhador versus o outro elemento subjetivo da relação, a entidade empregadora, a justificar proteção específica.
Assim, estabelece o art. 136º do CT aprovado pela lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro - objeto desucessivas alterações – sob a epígrafe “[p]acto de não concorrência” (…).
A questão da conformidade constitucional tem-se colocado com referência a este normativo (art. 136º do CT) em face de cláusulas de não concorrência inseridas nos contratos de trabalho; o TC, chamado a pronunciar-se, decidiu, por acórdão de 14-04-2004 “[n]ão julgar inconstitucional a normado n.º 2 do artigo 36.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969”.
Considerou o TC, depois de aludir a doutrina relevante a propósito da matéria, como segue:
“Reconhecendo a valia de diversos destes argumentos, o certo é que, como refere Júlio Gomes, nos estudos citados, a generalidade dos ordenamentos jurídicos tolera estas cláusulas de não concorrência, embora introduzindo-lhe uma série considerável de restrições, que permitem afastar as dúvidas de inconstitucionalidade, que, por exemplo, Jorge Leite (Direito do Trabalho, vol. II, Serviço de Textos dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999, pág. 63) funda nas considerações de que, por um lado, embora a liberdade de trabalho não seja uma liberdade absoluta ou sem limites, ela apenas suportaria, nos termos constitucionais, as restrições impostas pelo interesse colectivo ou as inerentes às próprias capacidades de cada um, o que não seria o caso, e de que, por outro lado, configurando-se a liberdade de trabalho como um direito essencial e irrenunciável, a sua compressão por via negocial suscitaria fortes dúvidas, até porque o consentimento do trabalhador, dada a sua conexão com a necessidade de obter ou de conservar o emprego, é dada em circunstâncias potencialmente constrangentes (…)”.
Afigura-se-nos que estas considerações valem, em larga medida, para as hipóteses em que se prefigura a regulação alusiva ao contrato de agência, ponderando, como se indicou, os interesses jurídicos protegidos e a similitude da respetiva regulação, com as necessárias adaptações atenta a especificidade apontada.
Conclui-se, pois, (…) que o pacto de não concorrência foi validamente estipulado, em face da conformação estabelecida pelo legislador no art. 9º do Dec. Lei 178/86; e que esta regulação obedece a parâmetros constitucionalmente consagrados (arts. 47º, nº 1, 58º, nº1 e61º, nº1 da CRP)”.
No recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-01-2020 (Pº 1294/17.8T8AMD.L1-7, rel. HIGINA CASTELO) referente, igualmente, à apreciação da validade dos pactos de não concorrência nos contratos de agência referentes à atividade de mediação imobiliária e nos quais não tenha sido estabelecida compensação a favor do agente, concluiu-se que:
“No âmbito de um contrato de agência, a obrigação de não concorrência post pactum finitum tem de obedecer aos seguintes requisitos: a) Constar de documentos escrito; b) Ser convencionada por um período máximo de dois anos; c) Circunscrever-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente; e, d) Respeitar ao tipo de mercadorias de que, nos termos do contrato, o agente tinha a representação (sendo este requisito imposto por interpretação da lei nacional conforme à respectiva Directiva europeia).
Nos termos do disposto na al. g) do art. 13 da LCA, o acordo de não concorrência pós-contratual é necessariamente oneroso; a validade do pacto não depende de as partes terem acordado a contrapartida, mas esta é imposta pela norma e, como tal, devida, ainda que não tenha sido acordada. Tendo a ré incumprido a obrigação de não concorrência a que se tinha vinculado, tendo as partes acordado uma cláusula penal para essa eventualidade, mas não tendo estipulado uma contrapartida para a obrigação de não concorrência, o tribunal pode reduzir a cláusula penal para compensação do valor que seria adequado a autora pagar à ré pela observância, durante o período acordado, da obrigação de não concorrência”.
Na fundamentação deste acórdão produziram-se, nomeadamente, as seguintes considerações, cujo teor se subscreve:
“A celebração de pactos de não concorrência para vigorarem após o termo da relação contratual, se, por um lado, é compreensível e habitual na economia de contratos de distribuição integrada, por outro lado, contende com interesses legal e constitucionalmente protegidos, nomeadamente de liberdade de escolha da profissão e de liberdade de iniciativa económica provada (arts. 47, n.º 1, e 61, n.º 1, da CRP). Por essa razão, a LCA sujeita a sua convenção a requisitos apertados.
Nos termos do disposto no art. 9.º, a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com as da outra parte:
a) Deve constar de documentos escrito;
b) Só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos; e
c) Circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente.
O pacto dos autos respeitou os três indicados requisitos: foi celebrado por escrito, acordado por dois anos, e abrange o território nacional, uma vez que a subagente podia exercer atividade em todo ele.
Sucede que a Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986 (cuja transposição foi feita entre nós pelas alterações que o DL 118/93 introduziu no DL 178/86), no seu art. 20, sujeita a validade dos pactos de não concorrência, além do requisito de forma escrita, a três requisitos materiais cumulativos (mais um que a lei portuguesa). Além dos requisitos coincidentes com os adotados pelo direito nacional e já mencionados, segundo a Diretiva, as cláusulas de não concorrência pós-contratual apenas poderão dizer respeito ao tipo de mercadorias de que, nos termos do contrato, o agente tinha a representação (art. 20, n.º 2, al. b), da Diretiva).
A Diretiva em questão é de mínimos, apenas autorizando os Estados-membros a introduzirem outras restrições à validade ou à aplicabilidade das cláusulas de não concorrência, ou a estabelecerem que os tribunais podem diminuir as obrigações das partes resultantes de tal acordo, mas tendo de respeitar os requisitos constantes da Diretiva (art. 20, n.º 4, da Diretiva).
Na aplicação do direito nacional, e nomeadamente «de uma lei nacional especialmente adotada com vista à execução da diretiva comunitária, as jurisdições nacionais estão obrigadas: a interpretar o direito nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva, por forma a que seja atingido o resultado pretendido (…); e a excluir, por força do princípio da primazia do Direito Comunitário, a aplicação de normas internas contrárias ao dispositivo da diretiva». Tem sido neste sentido a jurisprudência do TJCE, nomeadamente nos casos Von Colson (caso 14/83, de 10/04/1984), Marleasing (caso C-106/89, de 13/11/1990), Wagner-Miret (caso C-334/92, de 16/12/1993) e Dorsch (caso C-111/97, de 24/09/1998). Consistentemente, o tribunal tem afirmado que, ao aplicar o direito nacional, quer as normas em causa tenham sido adotadas antes quer depois da diretiva, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 189, terceiro parágrafo, do Tratado.
Nesta sequência, impõe-se considerar que a parte final do n.º 2 do art. 9.º da LCA, ao determinar que a obrigação de não concorrência se circunscreve à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente, tem implícita a circunscrição ao tipo de mercadorias para as quais o agente angariava clientes para o principal.
No caso dos autos, provado ficou que, cessado o contrato com a autora, a ré foi imediatamente trabalhar para uma empresa concorrente desempenhando as mesmas funções que desempenhava para a autora (prospeção e angariação de clientes ou interessados em transações sobre imóveis, em concorrência direta com aquela), pelo que também o requisito da Diretiva que a lei portuguesa não consagra de forma expressa se verifica.
Existe, ainda, uma outra norma importante no regime de um pacto de não concorrência: de acordo com o disposto na al. g) do art. 13 da LCA, o agente tem direito a uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato. O acordo de não concorrência exige sempre uma contrapartida, é necessariamente oneroso, ex vi lege. A compensação não carece de ser estipulada, não se trata de um pressuposto de validade do pacto de não concorrência; trata-se de uma imposição legal que terá de ser atendida, ainda que não acordada. Escreve a propósito Ferreira Pinto: «o pagamento da referida compensação («Karenzentschädigung» a denominam, de forma sugestiva, os autores alemães) não carece de expressa previsão contratual, muito embora seja, evidentemente, desejável que os próprios interessados acordem nos parâmetros da sua fixação. Ou seja, e por outras palavras, o dever de compensar o agente é uma mera consequência ou um efeito legal que se associa à celebração de um acordo desse tipo e não um pressuposto da respetiva validade ou eficácia. A solução adotada pela lei portuguesa revela-se sensata e equilibrada, podendo mesmo dizer-se que ela seria, em qualquer caso, preceituada pelo princípio da proporcionalidade no estabelecimento de restrições ao exercício de direitos fundamentais. Mas salta à vista a insuficiência da disciplina que a LCA consagra à aludida compensação, pois nada se dispõe, nomeadamente, quanto ao momento em que deve ser paga e aos critérios que devem presidir ao respetivo cálculo. O que constitui, naturalmente, uma fonte de potenciais litígios judiciais entre os interessados, para além de lançar sobre os tribunais o ónus de, em última análise, colmatar o vazio legal mediante recurso a critérios de pura equidade. De novo sem qualquer pretensão de aprofundar o assunto, dir-se-á apenas que a compensação deve, em princípio, ajustar-se às perdas que o agente previsivelmente sofrerá em função da inibição de atividade induzida pelo pacto, durante todo o período por que a mesma vigorar» [Fernando Ferreira Pinto, Contratos de distribuição, Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Lisboa, UCP, 2013, pp. 456-457].
No caso dos autos, não foi acordada compensação para o período de não concorrência após a cessação do contrato. Se a ré não estivesse a exercer atividade concorrente, a autora teria de a compensar em algum valor, naquele que presumivelmente a ré deixaria de receber por não exercer atividade concorrente. Assim, afigura-se-nos imperioso, para respeitar a al. g) do art. 13, reduzir a cláusula penal acordada no montante que a autora teria de despender para compensar a ré pelos dois anos de não concorrência. Sabendo-se que a ré era agente direta da «UU» (por seu turno agente da autora), sociedade modesta com estrutura pequena, que faturava (segundo estimativa da testemunha «GG») cerca de € 50.000/ano; que a ré foi integrar uma grande e eficaz equipa que, segundo estimativa da mesma testemunha fatura mais de € 150.000/mês (cerca de € 2.000.000/ano), é de presumir que a ré vá auferir em média mais cerca de € 12.000/ano. Assim, seria razoável que a compensação por não concorrência durante dois anos importasse em cercade € 24.000.
Nos termos do disposto no art. 812, n.º 1, do CC, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário.”.
Especificamente sobre a conformidade constitucional da previsão dos pactos de não concorrência, ainda que com o enfoque da questão no âmbito laboral, referia Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 610-613) que o legislador ponderou os interesses decorrentes da celebração de tais pactos: “de um lado, estão os interesses do empregador de “evitar que um concorrente venha a utilizar informações, conhecimentos ou recursos (como a clientela) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha na empresa de onde agora parte” e de “evitar o desperdício de meios investidos na qualificação profissional do trabalhador”; mas, por outro, os interesses do trabalhador são tidos em consideração: i) ao exigir-se que a celebração do «pacto» conste de documento escrito, tendo em conta a gravidade do acto; ii) ao condicionar-se a licitude do pacto ao risco efectivo de prejuízos para o empregador, derivados do exercício da actividade do trabalhador para além do momento em que cesse o contrato de trabalho — condição que «tem que ser encarada com cautela», pois «o ‘prejuízo’ de que aqui se trata refere-se aos objectivos económicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu volume de negócios”, não estando “legitimada a existência de pacto de não concorrência” naquelas situações em que “a saída do trabalhador e a sua passagem para outra empresa pode ter um genérico efeito prejudicial nos interesses do ex-empregador”; iii) ao impor-se que o trabalhador seja economicamente compensado pela limitação de actividade a que se obriga; e iv) ao limitar-se temporalmente esta restrição ao exercício da actividade profissional.
Atenta esta regulamentação legal, a generalidade da doutrina conclui pela não inconstitucionalidade da figura em causa, concluindo Pedro Romano Martinez ([Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2002], p. 604, nota 3) que “o pacto de não concorrência, apesar de limitar a liberdade de trabalho, não se pode considerar inconstitucional, porque restringe justificadamente uma liberdade e, além disso, a limitação não é absoluta, pois, atendendo ao disposto no artigo 81.º , n.º 2, do Código Civil, o trabalhador pode, a todo o tempo, desvincular-se desde que compense os inerentes prejuízos”.
O Tribunal Constitucional, no já mencionado Acórdão n.º 256/2004 (publ. no D.R., II, n.º 266, de 12-11-2004, p. 16800 e ss.) – apreciando a questão da compatibilidade constitucional da precedente previsão constante do então artigo 36.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. n.º 49408, de 24 de novembro de 1969 – concluiu por tal compatibilidade, sintetizando o seguinte:
“Entende-se (…) em balanço global, que a regulação legal dos pactos de não concorrência contida na norma questionada não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho.
Sendo irrecusável a possibilidade da existência, em alguns casos, do apontado constrangimento à aceitação desta cláusula restritiva, não deixa de ser relevante que ela não resulte de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, assentando, assim, em último termo, na autonomia do trabalhador.
Depois, a imposição de forma escrita, como formalidade ad substantiam, assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação.
Por outro lado, trata-se de restrição com limitação temporal e, embora a lei não o diga expressamente, a doutrina é concorde em considerá-la também sujeita a limitação geográfica, derivada do seu próprio fundamento, pois nada justificaria o impedimento da actividade do trabalhador em zona aonde o seu antigo empregador não estende a sua acção empresarial.
Especial relevância assume a exigência legal da existência de risco efectivo de prejuízos para o ex-empregador, entendidos estes limitadamente como sendo apenas os derivados directamente da colocação ao serviço de empresas concorrentes dos segredos e conhecimentos especificamente adquiridos ao serviço da antiga empresa. Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por «concorrência diferencial», isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.
Exige-se ainda a estipulação de uma adequada compensação monetária, que terá de ser justa, isto é, suficiente para compensar o trabalhador da perda de rendimentos derivada da restrição da sua actividade.
Finalmente, o trabalhador não fica, em rigor, absolutamente privado do seu direito ao trabalho. A limitação voluntária ao exercício desse direito é sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização. E se tiver sido estabelecida «cláusula penal», que a doutrina justifica como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos pelo antigo empregador (isto é, como liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil).
Ponderadas todas estas cautelas e restrições legais, conclui-se que a possibilidade de estipulação de pacto de concorrência não viola, de forma intolerável, os valores constitucionais invocados pela sentença recorrida.”.
Ora, pode concluir-se, como o faz a recorrente, que se o Tribunal Constitucional entende que a restrição emergente da outorga de um pacto de não concorrência quanto ao direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de trabalho de um trabalhador ao abrigo de um vinculo laboral - com toda a carga de subordinação jurídica e económica inerente a uma relação desse género - não consubstancia uma compressão intolerável à luz da CRP, por maioria de razão, também não será de considerar tal incompatibilidade constitucional quando esteja em causa uma relação de agência, desprovida dessa subordinação jurídica e económica característica de uma relação laboral.
Na relação jurídica de agência, o agente não está sujeito à posição de subordinação ao empregador, já de si limitativa da própria liberdade de decisão.
No âmbito da relação de agência, encontramo-nos em pleno campo da iniciativa privada e da liberdade contratual.
É que - conforme bem sublinha a recorrente – “por virtude da estipulação de um pacto de não concorrência, o (sub)agente – ou seja, o aqui R./apelado - não fica nem ficou totalmente impedido do exercício de qualquer actividade remunerada. Á luz dos requisitos vertidos no art.º 9º n.º 1 e 2 e da cláusula 17ª do contrato, o R. ficou unicamente impedido de, durante o período contratualmente fixado, nunca superior a 2 anos após a cessação do contrato, desempenhar as mesmas funções em termos de ser entendido como verdadeiro concorrente do principal, ou seja, da A. no mesmo âmbito geográfico de actuação desta última (em todo o território nacional)”.
Recentemente, o Tribunal Constitucional apreciou, em concreto e especificamente sobre o contrato de agência, a compatibilidade constitucional do artigo 9.º, n.º 1 e 2 ,do Decreto-Lei 178/86, de 3 de julho, designadamente em face da tutela do direito à liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1) e do direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1), na medida em que admite o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação de contrato, por um período máximo de dois anos.
Fê-lo no Acórdão n.º 129/2020, de 03-03-2020 (Processo n.º 502/2019, rel. JOANA FERNANDES COSTA) com a seguinte fundamentação:
“São (…) elementos essenciais do contrato de agência, a obrigação de o agente promover a realização de contratos por conta do principal — termo utilizado pelo legislador para designar a contraparte do agente e equivalente ao de comitente empregue na Diretiva —, com estabilidade e autonomia, e, correlativamente, de este pagar àquele, para além da retribuição acordada, uma comissão pelos contratos que promoveu ou que tiverem sido concluídos com clientes por si angariados. É o que decorre dos artigos 1.º, n.º 1, 13.º, alínea e), e 16.º do referido diploma legal.
A lei prevê ainda, e salvo convenção em contrário, a possibilidade do recurso a subagentes, aplicando-se à relação de subagência, com as necessárias adaptações, as normas que regulam a relação entre o agente e o principal (artigo 5.º). Na relação de subagência — concretamente em causa nos presentes autos —, o subagente funciona como “agente do agente”, que, nesta segunda relação, assume as vestes de principal.
O agente atua por conta e em nome de outrem, em regime de colaboração estável, ainda que não necessariamente exclusiva, desenvolvendo autonomamente em determinadas zonas ou no quadro de determinado círculo de clientes, uma atividade de prospeção do mercado, angariando clientela, promovendo os produtos e celebrando contratos quando para tal lhe sejam conferidos especiais poderes (cf. Manuel Januário Gomes, “Da Qualidade de Comerciante do Agente Comercial”, BMJ, n.º 313, p. 47).
No cumprimento desta sua obrigação, o agente dispõe de autonomia, sendo esta uma caraterística fundamental do contrato de agência. Quer isto significar que «o agente disfruta da liberdade de ser ele próprio a determinar o conteúdo, o modo e o tempo da sua atividade, a decidir sobre a sua organização, designadamente sobre a utilização ou não de empregados próprios ou até do recurso a subagentes» (António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, Anotação ao Decreto-Lei n.º, 178/86, de 3 de julho, 4.ª Edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2000, p. 60).
A autonomia que caracteriza a posição do agente constitui, assim, se não o principal, pelo menos um dos principais elementos com base nos quais é possível distinguir o contrato de agência do contrato de trabalho: apesar de existirem elementos comuns a ambos os tipos contratuais, a autonomia do agente, e o risco consequentemente assumido no exercício da sua atividade, constituirão, por contraposição à subordinação jurídica inerente ao estatuto de trabalhador, o critério diferenciador fundamental entre os dois contratos (cf. Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, Lisboa, 1996, Universidade Católica Portuguesa, p. 323, nota 52).
8. Logo na sua versão originária, o Decreto-Lei n.º 178/86 previa, no seu artigo 9.º, a possibilidade de as partes convencionarem o estabelecimento de uma obrigação de não concorrência.
Não tendo sofrido qualquer modificação na sequência das alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 118/93, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86, dispõe o seguinte:
(Obrigação de não concorrência)
1 - Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com as da outra parte.
2 - A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente.
Ao atribuir às partes contratantes a faculdade de convencionarem, com eficácia pós-contratual, uma obrigação de não concorrência a cargo do agente, o Decreto-Lei n.º 178/86 fê-lo em estrita correspondência com os termos que viriam a constar da Diretiva n.º 86/553/CEE.
Conferindo aos Estados-membros a faculdade de prever a aplicação de uma cláusula de não concorrência, a Diretiva estabeleceu simultaneamente as condições em que a mesma poderia ser admitida ao dispor, no seu artigo 20.º, o seguinte:
Artigo 20º
1. Para efeitos da presente diretiva, a convenção que preveja a restrição das atividades profissionais do agente comercial após a cessação do contrato é designada por cláusula de não concorrência.
2. A cláusula de não concorrência só é válida se e na medida em que:
a) Revestir a forma escrita; e
b) Disser respeito ao setor geográfico ou ao grupo de pessoas e ao setor geográfico confiados ao agente comercial bem como ao tipo de mercadorias de que, nos termos do contrato, ele tinha a representação.
3. A cláusula de não concorrência só é válida por um período máximo de dois anos após a cessação do contrato.
4. O presente artigo não prejudica as disposições de direito nacional que introduzam outras restrições à validade ou à aplicabilidade das cláusulas de não concorrência ou que estabeleçam que os tribunais podem diminuir as obrigações das partes resultantes de tal acordo.
Não obstante a estreita ligação que mantém com a obrigação de segredo que recai sobre o agente, mesmo após a cessação do contrato (artigo 8.º), a obrigação de não concorrência não constitui um elemento natural do contrato de agência: uma vez que, por princípio, a relação de cooperação cessa com a extinção do contrato de agência, qualquer limitação à liberdade de atuação económica do agente só sobrevirá, após esse momento, se tiver sido antes acordada (cf. Carlos Lacerda Barata, Sobre o Contrato de Agência, Coimbra, Almedina, 1991, p. 79).
Ao acordarem na obrigação de não concorrência, as partes apenas o poderão fazer sob os pressupostos e dentro dos limites definidos no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
Deste resulta que o principal e o agente podem convencionar um pacto de não concorrência com eficácia pós-contrato, desde que: (i) o pacto seja reduzido a escrito; (ii) a não concorrência fique limitada à proibição de exercer atividades concorrentes com a atividade do principal; (iii) a duração da obrigação de não concorrência não seja superior a dois anos; e (iv) tal obrigação esteja restrita à área ou círculo de clientes no qual o agente atuava.
A obrigação de não concorrência tem, além do mais, um caráter sinalagmático e oneroso: uma vez que, por força do disposto na alínea g) do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 178/86, é devida «uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato», esta, ao mesmo tempo que impõe ao agente um dever de non facere, com o conteúdo e pelo período máximos admitidos no artigo 9.º, gera para o principal uma correlativa obrigação compensatória.
Com esta conformação imperativa, pergunta-se: será constitucionalmente censurável, designadamente em face do disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição, a possibilidade de estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação de contrato, por um período máximo de dois anos, tal como admitida pelos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86?
9. Integrado no catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo 47.º da Constituição dispõe, no respetivo n.º 1, que «todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade».
Densificando o conteúdo da liberdade de escolha de profissão ou do género de trabalho, tanto a doutrina como a jurisprudência constitucional têm entendido que nela se compreende não apenas a liberdade que a cada um assiste de selecionar a profissão pretendida, como ainda a liberdade de exercer a profissão selecionada, sem outros constrangimentos para além daqueles que se encontram previstos na Constituição (cf., neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos n.ºs 94/2015 e 246/2016).
Como salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, pág. 967), «não obstante o artigo 47.º, n.º 1, só se referir ao direito de escolha livre da profissão ou do género de trabalho, a escolha, que toca a questão do se uma profissão é assumida, continuada ou abandonada (realização de substância), pressupõe o exercício, que se refere à questão do como (realização da modalidade), da mesma maneira que a segunda de nada valeria sem a primeira».
Estavelmente consolidada na jurisprudência deste Tribunal, tal ideia foi explicitada no Acórdão n.º 88/2012 em termos recentemente reiterados no Acórdão n.º 319/18, tirado em Plenário:
«Na sua vertente de direito de defesa, a liberdade de escolha de profissão implica que se não possa ser forçado a escolher (e exercer) uma determinada profissão e se não possa ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se possua os necessários requisitos, bem como de obter esses mesmos requisitos.
Por outro lado, a liberdade de escolha de profissão não consiste apenas na faculdade de escolher livremente a profissão desejada, mas garante constitucionalmente os seus diversos níveis de realização, incluindo a obtenção das habilitações académicas e técnicas para o exercício da profissão, o ingresso na profissão e o exercício da profissão, pelo que é de entender que o exercício livre da profissão está igualmente inserido no âmbito normativo de proteção do artigo 47.º, n.º 1.
Acresce que o conceito de profissão ou género de trabalho cobre não apenas as profissões de conteúdo funcional estatutariamente definido, mas também toda e qualquer atividade não ilícita suscetível de constituir ocupação ou modo de vida, pelo que nenhuma razão existe para excluir a garantia constitucional do artigo 47.º, n.º 1, em relação a certa espécie ou tipo de trabalho (sobre todos estes aspetos, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, págs. 653-655)».
Efetivamente, e como afirma JORGE MIRANDA, «[e]mbora a Constituição não defina profissão ou género de trabalho, o conceito constitucional de profissão relevante para efeitos de delimitação do âmbito de proteção do artigo 47.º deve ser recortado com grande amplitude. (…) [N]uma ordem de liberdade assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, que reconhece que a realização de uma pessoa também passa pela escolha e pelo exercício de uma atividade profissional – enquanto “meio para a realização condigna de projetos pessoais de vida, em harmonia, aliás, com o que dispõe o artigo 26.º” (Ac. n.º 155/09) –, qualquer género de profissão ou trabalho, seja típico ou atípico, permanente, temporário ou sazonal, subordinado ou independente, em exclusividade ou em cumulação, está coberto prima facie pela tutela do artigo 47.º» (JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 964 e s.).
Ou, nas palavras de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA: «O conceito de profissão ou de género de trabalho cobre não apenas as profissões de conteúdo funcional estatutariamente definido, mas também toda e qualquer atividade não ilícita suscetível de constituir ocupação ou modo de vida. (…) O âmbito semântico-constitucional do termo não abrange apenas as profissões cujo “perfil” tradicional está juridicamente fixado; mas, também, as atividades profissionais “novas”, “atípicas” e “não habituais”. Corresponde, assim, ao sentido normativo-material de liberdade de profissão o direito de criação de novas profissões e o direito de caracterização intrínseco da atividade profissional» (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 654 e s.).»
É igualmente pacífico na jurisprudência constitucional que a liberdade de escolha de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição se apresenta como um direito fundamental complexo, que integra, ao lado de direitos de defesa contra a imposição ou impedimento da escolha ou exercício de uma dada profissão, direitos a prestações conexionadas com o direito ao trabalho e com o direito ao ensino, como o direito à obtenção das habilitações necessárias para o exercício da profissão, os direitos ao ingresso e à progressão nela e o direito ao livre exercício da mesma profissão (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 155/2009 e 94/2015, 509/2015 e 319/2018; na doutrina, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anots. I e ss. ao art. 47.º, p. 653 e ss.; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anots. III e ss. ao art. 47.º, p. 965 e ss.).
Do mesmo modo, é pacífico também que, tal como resulta expressamente da parte final do preceito que a consagra, a liberdade de escolha e de exercício de profissão se encontra sob reserva das restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua [– do respetivo titular –] capacidade. Na formulação seguida no Acórdão n.º 509/2015, trata-se, «portanto, de um dos casos a que se reporta o artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, pelo que tais restrições ou condicionamentos legais, sejam de índole objetiva ou subjetiva, são admissíveis, desde que justificados em função de interesses constitucionalmente relevantes e desde que não sejam excessivos. Na verdade, as limitações em causa podem revestir “natureza e intensidade muito diversas, devendo o crivo da proporcionalidade ser tanto mais exigente quanto mais intrusiva for a restrição legal” (v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I cit., anot. VII ao art. 47.º, p. 971; sobre a limitação diferenciada da liberdade de conformação do legislador neste domínio, em especial apelando à chamada «teoria dos degraus» desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, v. além destes Autores, ibidem, pp. 969-971; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, cit., anot. V ao art. 47.º, pp. 656-657; e ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, “A Ordem dos Advogados. Uma Corporação Pública” in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, pp. 228-230)».
10. A Constituição não se limita a acolher, no quadro dos direitos, liberdades e garantias, a liberdade de escolha e de exercício de profissão ou género de trabalho, consagrada no artigo 47.º n.º 1 — preceito diretamente aplicável e vinculativo para entidades públicas e privadas —, acolhendo ainda, agora no catálogo dos direitos e deveres económicos, o direito fundamental ao trabalho, cuja violação é igualmente invocada pela recorrente.
O trabalho releva, assim, quer enquanto liberdade de escolha e de exercício de uma atividade profissional, em conformidade com o disposto no artigo 47.º, quer como direito social, previsto no artigo 58.º. Simplesmente, enquanto o direito a escolher e exercer determinada atividade laboral se afirma, em primeira linha, na sua dimensão defensiva  originando a correlativa vinculação das entidades públicas a uma proibição de não ingerência , o direito ao trabalho apresenta-se essencialmente como um direito a ações positivas, isto é, um direito que «vale antes como uma imposição aos poderes públicos, sempre dentro de uma reserva do possível, no sentido da criação das condições, normativas e fáticas, que permitam que todos tenham efetivamente direito ao trabalho» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1139).
Assim vistas as coisas, percebe-se bem que seja apenas à luz do parâmetro extraível do n.º 1 do artigo 47.º que faz sentido problematizar a conformidade constitucional da norma que permite às partes convencionar, no âmbito do contrato de agência, uma obrigação de não concorrência com eficácia pós-contratual.
Com efeito, o que nessa norma vai implicado é uma afetação, ainda que convencionada, da liberdade de exercício de determinada atividade profissional - no caso, a liberdade do agente promover, dentro da zona ou círculo de clientes que lhe havia sido confiado no âmbito do contrato, a celebração de negócios, a favor do próprio ou de outrem, que concorram com aqueles a que o principal continua a dirigir a sua atividade -, e não, mais amplamente, o incumprimento pelo Estado do mandato de criação das condições necessárias para que cada um «possa prover às necessidades de uma vida digna», a que o vincula o artigo 58.º da Constituição (cf. Acórdão n.º 635/99).
O problema da constitucionalidade dos pactos de não concorrência deve ser equacionado, em suma, não à luz do artigo 58.º, mas antes em face do artigo 47.º da Constituição (neste sentido, vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob cit., p. 824), perspetiva em que, conforme se verá em seguida, não deixou de ser encarado (ou de ser encarado também) no Acórdão n.º 256/2004, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 36.º do Regime Jurídico do Contrato Indi­vidual de Trabalho, aprovado pelo DecretoLei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, atualmente integrada, depois de algumas modificações, no artigo 136.º do Código do Trabalho.
11. A questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso tem óbvias afinidades com aquela que foi apreciada no Acórdão n.º 256/2004, acima mencionado, aresto no qual se concluiu constituir uma «restrição à liber­dade de trabalho» constitucionalmente admissível, à luz do princípio da proibição do excesso extraível do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a possibilidade de estipulação de cláusulas de não concorrência no âmbito do contrato de trabalho, nos termos em que a mesma era então admitida pelo n.º 2 do artigo 36.º da LCT. Isto é, com vigência limitada ao período máximo de três anos subsequentes à cessação do contrato, e desde que constasse, por forma escrita, do contrato de trabalho, incidisse sobre atividade cujo exercício pudesse efetivamente causar prejuízo à entidade patronal e fosse acompanhada da atribuição ao trabalhador de uma retribuição durante o período de li­mitação da sua atividade, ainda que suscetível de redução equitativa nos casos em que a enti­dade patronal houvesse despendido somas avultadas com a sua formação profissional.
Numa abordagem próxima daquela que vem sendo adotada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia — de acordo com a qual o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite, bem como a liberdade de empresa, consagrados, respetivamente, nos artigos 15.º, n.º 1, e 16.º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não devendo ser entendidos como «prerrogativas absolutas», podem ser objeto de «restrições», desde que estas correspondam, efetivamente, a «objetivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, face a esses objetivos, uma intervenção desproporcionada e intolerável, suscetível de atentar contra a própria essência desses direitos», nos termos que decorrem do artigo 52.º, n.º 1, da Carta (Processo C-190/16, ponto 54, e Processo C-614/13, ponto 59) —, o Tribunal começou por esclarecer, no Acórdão n.º 256/2004, que a conformidade constitucional da restrição à liberdade de trabalho originada pela celebração do pacto de não concorrência dependia «da emissão de um juízo de proporcionalidade, adequação e necessidade», e que este, por sua vez, não poderia deixar de passar «pela ponderação dos interes­ses conflituantes em presença» (…).
12. O juízo de ponderação levado a cabo no Acórdão n.º 256/2004 é transponível, se não por maioria, ao menos por identidade de razão, para o presente caso.
Com efeito, apesar das diferenças existentes entre o contrato de agência e o contrato de trabalho — de onde se destaca a autonomia e a independência com que o agente exerce a sua atividade (supra ponto 7.) —, o regime a que cada um deles se encontra sujeito é tendencialmente convergente na previsão e regulamentação da obrigação de não concorrência. Contemplada por ambas as modalidades contratuais, trata-se de uma obrigação que as partes podem, no exercício da sua liberdade contratual, em qualquer dos casos convencionar para o termo do contrato, em condições que, atendendo ao que atualmente se dispõe no artigo 136.º do Código de Trabalho, persistem substancialmente equiparáveis.
Levando em conta a posição, em abstrato, menos constringente do agente face à do trabalhador subordinado, bem como a maior flexibilidade da relação jurídica originada pelo contrato de agência quando comparada com a que advém do contrato de trabalho (cf. Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 323), pode mesmo afirmar-se que, a justificar-se algum desvio ao regime previsto para o contrato de trabalho, mais sentido faria que ele se desenhasse no sentido, não de incrementar, mas de deflacionar os pressupostos de que a lei laboral faz depender a validade do pacto de não concorrência — pressupostos que, conforme se viu, foram considerados suficientes, mesmo em face do limite temporal de três anos previsto no artigo 36.º, n.º 2, da LCT, para assegurar a conformidade da afetação da liberdade de trabalho, inerente ao estabelecimento da obrigação de não concorrência, com os requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito que, por força do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, condicionam a validade constitucional de quaisquer medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias.
Assim, tal como se concluiu suceder com o pacto de não concorrência previsto para o contrato de trabalho, também a possibilidade de estipulação contratual da obrigação de não concorrência tipificada no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86 constitui uma medida, para além de adequada ou idónea a assegurar que o chamado “património profissional” adquirido pelo agente durante a vigência do contrato não será colocado, depois de este ter cessado, ao serviço de interesses economicamente colidentes com a atividade desenvolvida pelo principal, necessária a acautelar o risco de erosão desta em consequência da perda da clientela que fora angariada pelo ex-agente.
Através dos pressupostos e limites que fixa à possibilidade de vinculação negocial do agente a uma obrigação de não concorrência com eficácia pós-contratual, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86 assegura, por último, uma relação de estrita proporcionalidade entre o benefício consistente na proteção da atividade económica do principal e o grau de afetação da liberdade de exercício de profissão pelo agente.
Desde logo, quer a natureza exclusivamente convencional do pacto, quer a imposição de forma escrita para a contratualização da obrigação de não concorrência asseguram, com a relevância salientada no Acórdão n.º 256/2004, a assunção consciente da restrição por parte do agente e delimitam de forma clara o respetivo âmbito de aplicação.
Por outro lado, tal restrição só poderá valer pelo período máximo de dois anos após a cessação do contrato de agência — limite temporal inferior àquele que se encontrava previsto no n.º 2 do artigo 36.º da LCT , e, à semelhança da exigência ainda hoje prevista no âmbito do regime do contrato de trabalho — isto é, tratar-se de atividade cujo exercício possa causar  prejuízo ao empregador (artigo 136.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho)  —, é necessário que a atividade cujo exercício é vedado ao agente esteja em concorrência com a atividade desenvolvida do principal.
Para além deste condicionamento — comum ao regime do contrato de trabalho —, a obrigação de não concorrência estipulável no âmbito do contrato de agência é uma obrigação geográfica ou comercialmente circunscrita, no sentido em que apenas poderá abranger a proibição do exercício da atividade concorrente na zona ou no âmbito do círculo de clientes antes confiado ao agente.
Através desta dupla limitação do conteúdo possível da obrigação de não concorrência — atividade concorrente no âmbito da mesma zona ou círculo de clientes —, a lei assegura que o nível de afetação da posição do agente não excederá aquele que é necessário para cumprir a finalidade visada com a medida, ou seja, evitar o prejuízo que expetavelmente adviria para a atividade económica do principal se viessem a ser colocados ao serviço de eventuais empresas suas concor­rentes segredos e conhecimentos (designadamente de mercado) ad­quiridos pelo agente durante na vigência do contrato, acautelando simultaneamente o risco de manipulação ou distorção do mercado por efeito da chamada “concorrência diferencial”.
Por fim, e à semelhança do que sucede no âmbito do contrato de trabalho, também o pacto de não concorrência previsto para o contrato de agência é acompanhado da atribuição ao agente do direito a uma compensação, pelo período em que aquele vigorar (artigo 13.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 178/86). Ao que acresce o facto de agente, ainda que aceite vincular-se a uma obrigação de não concorrência, não ficar, em rigor, absolutamente privado do seu direito ao trabalho na área da sua especialização. Tal como se referiu no Acórdão n.º 256/2004 a propósito do pacto de não concorrência, «[a] limitação voluntária ao exercício desse direito é sempre re­vogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização.»
De tudo quanto se expôs é possível retirar, em suma, que, ao admitir, nos exatos termos constantes do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86, completados pelo disposto na alínea g) do respetivo artigo 13.º, o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, por um período máximo de dois anos, o legislador não apenas se manteve dentro dos limites traçados na Diretiva n.º 86/553/CEE, como, ao tipificar a obrigação de não concorrência com a amplitude máxima admitida pelo artigo 20.º da Diretiva, não foi além do que, em face da liberdade de escolha e de exercício de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, lhe era consentido pelo princípio da proibição do excesso.”.
Conclui-se, pois, que o pacto de não concorrência que seja estabelecido num contrato de agência não é inconstitucional, pois, a restrição que pode implicar na liberdade de escolha e de acesso a uma profissão, encontra-se justificada, limitada, sujeita a forma legalmente prescrita – o que assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação, e temporal e geograficamente limitada, prevendo a lei a atribuição de uma contrapartida adequada para compensar a perda de rendimentos derivada de tal restrição, a qual é, para além de tudo, sempre revogável (art. 81.º, n.º 2, do CC).
E se tiver sido estabelecida cláusula penal a favor do principal, como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos (liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil).
No caso dos autos, não obstante o pacto de não concorrência celebrado, não foi acordada compensação para o período definido de não concorrência do réu para com a autora, após a cessação do contrato.
Contudo, como se viu, tal circunstância não determina a invalidade do pacto celebrado, nem qualquer contrariedade ao texto constitucional, o que determina que, a decisão recorrida que considerou nula a cláusula contratual correspondente, não poderá subsistir, devendo ser revogada e substituída por outra que, considerando a validade da cláusula, aprecie a pretensão deduzida pela autora e se pronuncie sobre a adequação do quantum fixado para a obrigação de não concorrência e, designadamente, se a mesma não se mostra manifestamente excessiva para, se necessário for, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, compatibilizá-la com o prescrito na al. g) do art. 13.º do D.L. n.º 178/86, pelo montante que a autora teria de despender para compensar o réu pelo período de não concorrência.
*
A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre o apelado, que decaiu integralmente no presente recurso – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, o mesmo, presentemente, beneficia.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em revogar a decisão de 03-06-2020 do Tribunal recorrido que julgou improcedente a ação, que deverá ser substituída por outra que, considerando a validade das cláusulas de não concorrência constantes dos contratos celebrados entre as partes, aprecie a pretensão deduzida pela autora e se pronuncie sobre a adequação do quantum fixado para a obrigação de não concorrência e, designadamente, se a mesma não se mostra manifestamente excessiva para, se necessário for, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, compatibilizá-la com o prescrito na al. g) do art. 13.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, pelo montante que a autora teria de despender para compensar o réu pelo período de não concorrência.
Custas pelo réu/apelado, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
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Lisboa, 5 de novembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes