Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15465/16.0T8LSB-D.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: REMUNERAÇÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Sob pena de nulidade, exige-se que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula tão-só aquela em que falte de todo em todo tal motivação.
II. A inteligibilidade do escrito corresponde à sua compreensibilidade, a obscuridade à sua natureza confusa e a ambiguidade caracteriza o que se presta a diversas interpretações, o que é duvidoso quanto ao seu significado. 
III. No que respeita à remuneração de serviços prestados pelo AE, a mesma compreende uma «remuneração fixa» e uma «remuneração adicional», sendo que o legislador excluiu esta desde logo quanto a «processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução».
IV. Sem desconhecer outras posições na matéria, sufraga-se aqui entendimento no sentido de que a remuneração adicional do AE pressupõe necessariamente a existência de um nexo causal entre a atividade concretamente exercida pelo AE e a extinção da execução, pelo que caso a extinção da execução resulte de transação das partes e esta não decorra da concreta intervenção do AE não há lugar ao pagamento de remuneração adicional ao AE.
V. Os serviços do AE estão sujeitos a IVA, sendo que tal não viola o direito de acesso à justiça e aos Tribunais, pois aquele direito não obsta à existência de encargos com o recurso aos Tribunais, em função do princípio da causalidade – suporta tais encargos quem a eles deu causa ou, subsidiariamente, quem deles tira proveito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Nesta execução comum para pagamento de quantia certa, com processo sumário, em que é Exequente o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA., e são executados AS, MS e B & S – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA., fundado num «contrato sob a forma de empréstimo», celebrado em 29.07.2007, garantido por hipoteca, a Exequente veio deduzir execução quanto à quantia de €7.675.428,76, acrescida de juros.
Com data de 20.06.2016 mostra-se registada a penhora do imóvel hipotecado, constituído por prédio urbano, denominado Quinta do Rio de ..., composto por a) Casa de r/c, 1º andar e sótão: 164,80 m2, outra casa de r/c, 1º andar e sótão: 164,80m2, pátio: 180 m2 e logradouro: 2 032,40 m2; b) Casa de r/c: 208,40 m2, dependência: 57,65 m2 e logradouro: 2 643,95 m2; c) Casa de r/c: 140,50 m2, dependência: 30 m2 e logradouro: 3 596,50 m2; d) Casa de r/c e 1º andar: 226 m2, dependência: 52,95 m2 e logradouro: 4 611,05 m2; e) Casa de r/c e 1º andar: 242,42 m2 e logradouro: 1 257,58 m2; f) Casa destinada a armazém: 400 m2 e logradouro: 5 950 m2 e g) mato, pinhal, cultura arvense, pomares e vinha: 78 329 m2, Sito em …, Freguesia de Colares, Concelho de Sintra, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …/…, da Freguesia de Colares, e inscrito nas respetivas matrizes prediais urbana sob os n.º …, …, …, …, …, … e …, Secção AA.
Procedeu-se à citação e concurso de credores, tendo o Banco Comercial Português, SA. reclamado crédito.
Notificaram-se as partes e o credor reclamante para se pronunciarem quanto à modalidade da venda do bem imóvel penhorado e preço base da mesma.
Em 10.02.2017 o Senhor Agente de Execução, adiante designado por AE, decidiu a venda do bem penhorado através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leilões.pt, com o valor base de €4.659.600,00 e o valor mínimo (85%) de €3.960.600,00.
Em 16.05.2017 o AE informou que o bem imóvel penhorado nos presentes autos foi submetido a leilão eletrónico, sendo que deste resultou como melhor proposta o valor €4.659.600,00 apresentado pelo Exequente Banco Comercial Português, S.A.
Por decisão de 26.09.2017, o Juízo de Execução de Lisboa determinou a suspensão da instância executiva, referindo que «a venda do prédio penhorado nestes autos (…) aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos de executado (artigo 733.º, n.º 5, do CPC)».
Em 18.06.2021, as partes apresentaram requerimento no qual davam conta de acordo celebrado entre elas do seguinte teor:
«1. As partes acordam consolidar no valor de €4.000.000,00 (quatro milhões de euros) a quantia em dívida das operações bancárias objecto da execução e da reclamação de créditos apresentadas pelo Exequente nos presentes autos, ou seja, o empréstimo CLS n.º … e a abertura de crédito em conta-corrente n.º ….
2. Em virtude do que:
a. O Exequente requer a redução do conjunto dos pedidos na presente acção executiva e na sua reclamação de créditos para o valor global de €4.000.000,00 (quatro milhões de euros), quantia que será regularizada extrajudicialmente pelos executados;
b. Os Executados confessam-se devedores do conjunto dos pedidos, pelo referido valor global consolidado de €4.000.000,00 (quatro milhões de euros).
3. Em função do acordo alcançado, o Exequente requer a V. Exa. a extinção da presente acção executiva n.º 15465/16.0T8LSB e da reclamação de créditos a esta apensa, por inutilidade superveniente da lide.
4. Consequentemente, requer-se o levantamento da penhora registada nos presentes autos a favor do Banco Comercial Português, S.A. pela Ap. 3267 de 2016/06/20, convertida em definitiva pela Ap. 29 de 2016/12/26, bem como o respectivo cancelamento registal pelo Senhor Agente de Execução, a quem se requer a subsequente entrega do respectivo comprovativo aos Executados.
5. As partes acordam que a responsabilidade pelas custas e pelos honorários e despesas do Senhor Agente de Execução na presente execução, seus apensos, incidentes e recursos é repartida em partes iguais, ou seja, metade fica a cargo do Exequente e a outra metade a cargo dos Executados».
Por despacho de 06.09.2021 o Juízo de Execução de Lisboa determinou que o AE extinguisse «a execução, com custas nos termos acordados».
Entretanto, o AE elaborou nota de honorários, na qual incluiu, além do mais, a quantia de «60.367,20€» a título de «Valor Recuperado», conforme «Anexo VII e nº 11 do artigo 50º» da Portaria n.º 282/2023, de 29.08.
Notificados daquela nota, o Exequente e os Executados dela apresentaram conjuntamente reclamação.  
Em 12.11.2022, o AE veio «informar» nos seguintes termos:
«(…) as partes, lançam mão da posição conhecida em acórdão do Tribunal da Relação (que o signatário entende não ter aqui qualquer aplicação) para virem de forma incompreensível dizer ao tribunal, que fizeram um acordo extrajudicial em que o AE não teve qualquer intervenção, nem resultou de diligências concretamente promovidas pelo agente de execução, antes decorreu de demoradas e difíceis negociações mantidas extrajudicialmente entre as partes.
O que não se entende.
Porquanto, sabem as partes (exequente e executados), que tais afirmações dirigidas ao Tribunal não correspondem à verdade.
Ora, vejamos em resumo;
O presente processo executivo teve início no ano de 2016 (há mais de 6 anos). E é notoriamente conhecido, como, aliás, resulta dos autos;
As muitas dificuldades e trabalho que o AE foi confrontado desde o início do processo executivo. A concretização do difícil registo de penhora sobre o imóvel.
As divergências de áreas cadastrais entre a descrição e a matriz. O registo de penhora provisória por dúvidas.
Promover o sanar das dúvidas e conversão em definitivo do registo de penhora.
O recurso hierárquico, que os executados apresentaram junto do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariados, IP, invocando as diferenças/divergências de áreas sobre o prédio, para que o registo de penhora fosse recusado, o que não lhes foi deferido.
A notória dificuldade do AE na visita ao imóvel, que nas muitas deslocações que ali foram feitas, resultou em pouca colaboração dos executados.
Tendo em vista a decisão do valor base de venda.
E a obtenção de fotografias para a publicação da venda no e-leilões.
Os Embargos de Executado.
A verdade é que os executados tudo fizeram e tentaram para dificultar o trabalho do AE, e o processo executivo, exigindo do signatário a mais apurada e reforçada atenção processual.
Sendo de salientar, que o enorme trabalho do AE e o processo executivo prosseguiu para a venda do imóvel.
Resultando igualmente dos autos, a realização de todas as diligências necessárias e antecedentes à venda.
Finalmente, e através da publicação da venda na aplicação e-leilões, resultou a obtenção da melhor proposta de 4.659.600,00€, apresentada pelo Banco Comercial Português, S.A. (em anexo, certidão de encerramento de leilão de 14/06/2017 e email da Drª. IC, da PLMJ de 06/12/2018, onde afirma e reconhece que o BCP adjudicou o imóvel por 4.659.600,00€).
Cujo Título de Transmissão, ficou por emitir por responsabilidade única e exclusiva do exequente/proponente BCP.
Sendo de salientar que, entretanto, o exequente BCP iniciou um processo de cessão de créditos.
Tendo sido solicitado ao AE em 17/06/2019, com carácter de urgência, pelo Dr. AF, na qualidade de atual mandatário do exequente BCP, a emissão de conta provisória no processo, considerando que as partes, no acordo, acordariam a redução da quantia exequenda ao valor de 4.000.000,00€ (e-mail em anexo) e donde consta já a Álgebra Capital.
Ademais, veio em 14/07/2022, a Álgebra Capital propor ao AE o pagamento do valor de 5.000,00€, com vista à liquidação da mesma (NH), cujo e-mail se junta, e que mediante a aceitação, desistem da reclamação apresentada, o que igualmente, o AE tem dificuldade em entender.
Contudo, dir-se-á, àqueles Álgebra Capital (em representação do BCP), e executados que as custas processuais e honorários do AE são os que resultam da Portaria publicada pelo Governo para o efeito, e não de propostas casuais de pagamento/oferecimento individual à margem daquela Portaria, sob condição, como aqueles pretendiam.
E a verdade é que as partes (exequente e executados) apenas e só fizeram e concretizaram o aludido acordo, porque ambos beneficiaram do trabalho competente e profissional do agente de execução no decurso do processo executivo.
Assim e em face do exposto, o signatário AE entende que os honorários pela recuperação variável deverão obedecer ao instituído na Portaria em vigor para o efeito, constante da NH elaborada e não ao pretendido arbítrio pretendido pelas partes.
Ficando disponível, para informar esse Tribunal, caso assim seja entendido, discriminando em pormenor o trabalho realizado nos autos pelo AE, beneficiado pelas partes, e que levou a que tivessem celebrado o acordo conhecido e remetido aos autos.
(…)».
Em 28.09.2023, o Juízo de Execução de Lisboa proferiu decisão do seguinte teor:
 “(…) julgo parcialmente procedente a reclamação apresentada pelo exequente e executados no sentido de reduzir em um terço do valor da remuneração adicional apurada».
Inconformados, a Exequente e os Executados recorreram conjuntamente daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões:  
«A. O despacho proferido pelo douto Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada pelo Exequente e Executados no sentido de reduzir em um terço ou em dois terços o valor da remuneração adicional apurada pelo Agente de Execução.
B. Salvo melhor opinião, andou mal o douto tribunal a quo.
C. O douto despacho padece de diversos vícios:
D. Nulidade por falta de fundamentação;
E. Nulidade por obscuridade da decisão;
F. Violação dos Princípios da Proporcionalidade e da Proibição do Excesso;
G. Violação ainda do direito de acesso à justiça e aos Tribunais;
H. Nos termos do artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
I. Nos termos do artigo 615.º n.º 1, b) também do Código de Processo Civil é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
J. Norma que se aplica também aos despachos por força do n.º 3 do artigo 613.º do Código de Processo Civil.
K. Relativamente à nulidade por falta de fundamentação, o Tribunal a quo, no despacho que decide a reclamação da nota de honorários do Agente de Execução, limita-se a referir que o “o Sr. Agente de Execução praticou nos autos atos com relevo executório, pelo que podemos inferir-se a essencialidade do papel do Sr. Agente de Execução na vontade de as partes alcançarem acordo, uma vez que só após a diligência de venda foi possível as partes obterem o acordo”.
L. O Tribunal a quo nada referiu quanto às premissas donde emerge tal conclusão;
M. Limitou-se a concluir que o Agente de Execução praticou atos com relevo executório sem se pronunciar quanto à valoração dos atos e que atos é que contribuíram para a celebração do acordo entre as partes.
N. Não permitindo assim aos ora Recorrentes a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
O. O que se traduz desde logo na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
P. Verificou-se existir, ainda, uma evidente ambiguidade e obscuridade da decisão.
Q. O Tribunal julgou “parcialmente procedente a reclamação apresentada pelo exequente e executados no sentido de reduzir em um terço do valor da remuneração adicional apurada”.
R. A decisão proferida é suscetível de duas interpretações diversas, pelo que, não se sabe ao certo, se a intenção do Juiz era:
S. Reduzir o valor da remuneração adicional para 1/3 ou reduzir 1/3 ao valor da remuneração adicional reclamado pelo Agente de Execução.
T. Entendemos que se pode, razoavelmente, atribuir dois sentidos diferentes à decisão proferida.
U. Pelo que, o despacho é nulo nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1 alínea c) do Código Processo Civil, nulidade que desde já se argui para os demais efeitos legais.
V. Quanto ao erro na apreciação da prova, o Tribunal a quo lavrou em erro ao considerar que há relação de causalidade entre a actividade desenvolvida e dois terços ou um terço da remuneração adicional pedida pelo Agente de Execução.
W. Decorre do artigo 50.º da Portaria n.º 282/2013 de 29 de agosto que “o Agente de Execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.”
X. Decorre ainda da Portaria que: “Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos Agentes de Execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê- se a atribuição de um valor mínimo ao Agente de Execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação” e “procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao Agente de Execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao Agente de Execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do Agente de Execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da actividade dos Agentes de Execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida acção em caso de actuações desconformes.".
Y. In casu, é forçoso concluir que a atuação do Agente de Execução não foi essencial para a celebração do acordo entre as partes.
Z. Nem a penhora realizada foi determinante para a celebração do acordo entre as partes.
AA. E a prova disso é que, a penhora foi efetuada em 02.01.2017 e o acordo apenas foi celebrado em 18.06.2021, tendo decorrido mais de 4 anos.
BB. Ora, “Na determinação da remuneração adicional do Agente de Execução deve aferir-se, em concreto, se a sua atividade processual integrou e destacou-se no contexto da estratégia para a obtenção da quantia exequenda, revelando meios idóneos para a obtenção dos resultados a favor do exequente, mesmo que tenha sido catalisadora ou impulse (nudge) de uma transação ou desistência, conferindo integridade e nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo Agente de Execução e os proveitos da execução.” – vide Ac. Tribunal da Relação do Porto n.º 9317/18.7T8PRT.P1 de 16.12.2020, disponível em www.dgsi.pt.
CC. No caso sub judice, conforme acima se aludiu, o sucesso do acordo logrado entre a Exequente e os Executados apenas derivou de um conjunto de cedências das partes, com a exclusiva mediação dos seus mandatários.
DD. Não se verifica assim a existência de um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida pelo Agente de Execução e a celebração do acordo.
EE. Nos termos do artigo 50.º n.º 1 da Portaria n.º 282/2013 de 29 de agosto, o Agente de Execução sempre teria o direito a ser remunerado pela tramitação do processo, pelos atos praticados ou procedimentos realizados.
FF. A remuneração adicional tem como intuito premiar a eficácia e o sucesso da atividade por si desenvolvida.
GG. Ora, a atuação do Agente de Execução não extravasou aqueles que são os atos ou diligências normais ou previstos na tramitação regular do processo executivo e que estão, desde logo, englobados na remuneração fixa.
HH. Caso a remuneração adicional fosse devida de forma automática e sem a intervenção ativa desenvolvida pelo Agente de Execução no resultado alcançado seria um desvirtuar das finalidades do acréscimo de remuneração.
II. Sem prescindir, ainda que apenas por mera hipótese se admitisse que o Agente de Execução tinha direito à remuneração adicional, o valor por este reclamado é manifestamente excessivo e desproporcional.
JJ. O Agente de Execução, na sua resposta à reclamação apresentada pelos ora Recorrentes limitou-se a expor as dificuldades com que foi confrontado.
KK. Ora, o Agente de Execução limitou-se a descrever as várias fases do presente processo executivo, onde, na sua grande maioria, nem sequer interveio processualmente.
LL. “A concretização do difícil registo de penhora sobre o imóvel”, o Agente de Execução não explica a razão pela qual o registo da penhora foi difícil. A penhora de bens é um acto ordinário do agente de execução, além do mais foi o próprio Exequente que indicou o bem à penhora. Não se entendendo assim qual o motivo na dificuldade da penhora.
MM. “As divergências de áreas cadastrais entre a descrição e a matriz.” Mais uma vez o Agente de Execução não identifica os actos por si levados a cabo.
NN. “Registo de penhora provisório por dúvidas e promover o sanar das dúvidas e conversão em definitivo do registo de penhora.” O Agente de Execução não fundamenta a razão pela qual o registo ficou provisório por dúvidas e quais as diligências levadas a cabo para o sanar das dúvidas.
OO. “O recurso hierárquico, que os executados apresentaram junto do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariados, IP, invocando as diferenças/divergências de áreas sobre o prédio, para que o registo de penhora fosse recusado, o que não lhes foi deferido.” O Agente de Execução não teve qualquer intervenção processual, o recurso hierárquico foi apresentado diretamente pelos Executados nos respetivos serviços, pelo que, tal facto não corresponde à verdade.
PP. “A notória dificuldade do AE na visita ao imóvel, que nas muitas deslocações que ali foram feitas, resultou em pouca colaboração dos executados, tendo em vista a decisão do valor base de venda. E a obtenção de fotografias para a publicação da venda no e-leilões.” Tal facto também não corresponde à verdade uma vez que os Executados em 20 de fevereiro de 2017 vieram aos autos comunicar ao Agente de Execução quais as datas que estariam disponíveis para facultar o acesso ao imóvel.
QQ. Na verdade, a relação dos Executados com o Agente de execução sempre se pautou pela cordialidade e total disponibilidade
RR. Assim foi com a marcação das fotografias da propriedade para o Leilão, bem como com as restantes fases do processo.
SS. “Os Embargos de Executado” Mais uma vez vem o Agente de Execução fazer-se valer de uma “dificuldade” na qual não teve qualquer intervenção processual.
TT. Por fim “A realização de todas as diligências necessárias e antecedentes à venda. Finalmente, e através da publicação da venda na aplicação e-leilões.” Tais actos consubstanciam atos e intervenções processuais que têm uma remuneração específica e não têm, só por si, o alcance de contribuição para a obtenção do acordo extrajudicial.
UU. Ora, o Agente de Execução não logrou demonstrar quais a diligências efetivamente levadas a cabo por si e que contribuíram para a obtenção do acordo entre as partes.
VV. Não é então razoável que venha o Agente de Execução reclamar o direito a uma remuneração variável e muito menos uma remuneração adicional que ascenda a €60.367,20 (sessenta mil, trezentos e sessenta e sete euros e vinte cêntimos).
WW. Se no decurso do processo, o Agente de Execução tivesse despendido, sensivelmente, 40 horas de trabalho efetivo, cada hora de trabalho tinha um valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
XX. Mesmo que a remuneração adicional fosse de 20.000,00 euros, ainda assim, cada hora de trabalho tinha um valor de €500,00 (quinhentos euros).
YY. Salvo melhor opinião, é então forçoso concluir que este valor é manifestamente desproporcional e contrasta flagrantemente com a singeleza dos actos praticados, in casu, pelo Agente de Execução.
ZZ. Na verdade, o Agente de Execução apenas procedeu à penhora e promoveu a venda do imóvel indicado pelo Exequente e já hipotecado para garantia do crédito Exequendo.
AAA. Ac. TRL n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1 DE 06/02/2016, disponível em www.dgsi.pt.
BBB. Ac. TRL n.º 5893/19.5T8FNC.L1-7 de 28.03.2023, disponível em www.dgsi.pt.
CCC. A cobrança da quantia de 75.678,12 Euros viola o princípio da proporcionalidade nos seus três subprincípios (exigibilidade, adequação e justa medida), nos termos do artigo 18 da Constituição da República Portuguesa.
DDD. Na verdade, o pagamento da quantia em causa é excessivo, na justa medida em que ultrapassa os cómodos da actuação do Agente de Execução.
EEE. Ac. TRL n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1 de 06/02/2016, disponível em www.dsgi.pt 21.
FFF. Doutra forma, os executados, que já perderam quase a totalidade do seu património na dação em pagamento à Exequente, e que auferem, em conjunto, uma pensão de reforma que não ultrapassa os 1.100€ brutos mensais, ver-se-iam despojados de dezenas de milhares de euros que seriam recebidos pelo Senhor Agente de Execução, sem que haja um mérito proporcional entre o trabalho realizado por este e o acordo alcançado com o Exequente.
GGG. Ainda que se entenda que há lugar ao recebimento de remuneração adicional pelo Agente de Execução, esta deve ser reduzida proporcionalmente ao trabalho efetivamente desenvolvido, estabelecendo uma relação proporcional de causalidade entre o trabalho realizado e o acordo alcançado entre as partes.
HHH. Se assim não for, estaremos perante uma a interpretação do artigo 50 n.º 5 em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013 que é inconstitucional por violação dos Princípios da Proporcionalidade e da Proibição do Excesso e do direito de acesso à justiça e aos Tribunais, previstos nos artigos 2.º e 18/2 da Constituição da República Portuguesa.
III. Assim, ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, designadamente o artigo 50 n.º 5.
JJJ. Por outro lado, a interpretação do artigo art.º 1.º, n.º 1, al. a), do Código do IVA no sentido de que os serviços prestados pelo Agente de Execução estão sujeitos a IVA viola o Direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça e aos tribunais, ao sujeitar a IVA a remuneração do Agente de Execução.
KKK. Com a reforma da Ação executiva operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2023 de 8 de março, foi criada a figura do Agente de Execução.
LLL. O Agente de Execução passou a desempenhar funções no desenrolar da acção executiva, cabendo-lhe a prática da generalidade das diligências de execução.
MMM. Trata-se, assim, de um profissional liberal que prossegue funções públicas de administração da justiça.
NNN. Como tal, não se entende como é que o legislador vem, no artigo 9.º do Código do IVA, isentar de IVA determinadas operações, por serem consideradas de interesse geral ou social e com fins de relevante importância, e não abrange nessa mesma isenção a atividade desenvolvida pelos Agentes de Execução.
OOO. O Legislador entendeu que mais de 27 operações estão isentas de IVA, por prosseguirem fins de relevante importância.
PPP. Por exemplo não só operações relacionadas com a prestação de cuidados de saúde e ensino, como também, de entre outras, serviços públicos de remoção de lixo, bem como a transmissão de exemplares de qualquer obra literária, científica, técnica ou artística editada sob forma bibliográfica pelo autor.
QQQ. Não prosseguirá também o Agente de Execução fins de relevante importância?
RRR. Não será a administração da justiça relevante o suficiente?
SSS. Entendemos assim que estamos perante uma violação clara e grave da nossa Constituição que consagrou o direito de acesso à Justiça, seja por comissão na interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do art.º 1º do CIVA, seja por omissão do artigo 9.º do CIVA, no que se refere às actividades isentas.
Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, designadamente o artigo 50 n.º 5, bem como os Princípios da Proporcionalidade e da Proibição do Excesso e do direito de acesso à justiça e aos Tribunais, previstos nos artigos 2.º e 18/2 da Constituição da República Portuguesa.
(…)
Termos em que
a) Deve julgar-se verificada a nulidade do despacho nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, porquanto existe uma evidente falta de fundamentação e obscuridade na decisão.
b) Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o despacho recorrido substituído por outro que julgue totalmente procedente a reclamação apresentada, com as legais consequências, o que, muito respeitosamente, se requer ou, se assim não se entender, ser substituído por outro que reduza muito substancialmente a remuneração adicional do Agente de Execução, por forma a que exista nexo de causalidade entre a referida remuneração e tempo despendido nos serviços efectivamente prestados pelo Agente de Execução.
O Senhor Agente de Execução foi notificado do despacho de recebimento do recurso, bem como deste, e nada disse.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos Recorrentes, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, está em causa apreciar e decidir:
. Da nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida,
. Da nulidade por ambiguidade e obscuridade da decisão recorrida,
. Da remuneração adicional do Agente de Execução,
. Da tributação a título de IVA.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzida.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Da nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida.
(Conclusões A. a D. e H a O. das alegações de recurso).
Invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, os Recorrentes alegaram que a sentença recorrida padece de fundamentação, pois, em suma, «limitou-se a concluir que o Agente de Execução praticou atos com relevo executório sem se pronunciar quanto à valoração dos atos e que atos é que contribuíram para a celebração do acordo entre as partes».
Vejamos.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, «[é] nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)».
Sob pena de nulidade, exige-se, pois, que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula tão-só aquela em que falte de todo em todo tal motivação.
A fundamentação escassa ou deficiente ou incorreta não constituem causas de nulidade da decisão nos termos da apontada disposição legal. 
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 763, no que ora está em causa a sentença é nula quando ocorre «(…) a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (…)».
No caso em apreço.
O Tribunal recorrido começa por sufragar entendimento no sentido de fazer depender a «remuneração adicional» do AE da existência de um «nexo de causalidade entre a atividade do agente de execução e um resultado positivo da execução, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 6 do artigo 50.º» da Portaria n.º 282/2013.
A decisão recorrida refere depois que no «caso dos autos.
- A presente execução sumária iniciou-se no dia 19.06.2016.
- Foi realizada penhora do imóvel em 21.11.2016;
- As executadas foram citadas;
- Foi cumprido o disposto no artigo 812.º do CPC;
- O bem foi colocado em venda por leilão eletrónico;
- Foi celebrado acordo extrajudicial».
Nestes termos, a decisão recorrida concluiu que «o Sr. Agente de Execução praticou nos autos atos com relevo executório, pelo que podemos inferir-se a essencialidade do papel do Sr. Agente de Execução na vontade de as partes alcançarem acordo, uma vez que só após a diligência de venda foi possível as partes obterem acordo», termos em que concluiu haver «lugar ao pagamento de remuneração adicional», a qual, «em observância do princípio constitucional do acesso à justiça e aos tribunais e dos princípios da proporcionalidade e da proibição de excesso», deve «reduzir[-se] em um terço do valor da remuneração adicional apurada».
Vista assim a decisão recorrida, esta configura-se fundamentada de facto e de direito.
Pode dela discordar-se.
Pode entender-se que tal fundamentação é escassa ou insuficiente.
Não pode é dizer-se que ela inexiste.
Nestes termos, não pode assacar-se à decisão recorrida o vício da falta de fundamentação ora em causa, pelo que inexiste in casu a nulidade invocada pelos Recorrentes e indicada no referido artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil.
Improcede, pois, nesta parte o recurso em apreço.
2. Da nulidade por ambiguidade e obscuridade da decisão recorrida.
(Conclusões E. e P. a U. das alegações de recurso).
 Nesta sede os Recorrentes alegam verificar-se na decisão recorrida «uma evidente ambiguidade e obscuridade», sendo a mesma «suscetível de duas interpretações diversas».
Apreciemos.
A inteligibilidade do escrito corresponde à sua compreensibilidade. É inteligível o que se compreende.
Pelo contrário, a obscuridade corresponde ao que é equívoco, confuso, e a ambiguidade caracteriza o que se presta a diversas interpretações, o que é duvidoso quanto ao seu significado. 
Ora, vista a decisão recorrida, não se vislumbram os apontados vícios indicados pelos Recorrentes.
Com efeito, a decisão recorrida conclui ser «proporcional, justo, adequado e razoável a introdução de uma redução em um terço do valor da remuneração adicional apurada», termos em que julgou «parcialmente procedente a reclamação apresentada (…) no sentido de reduzir em um terço do valor da remuneração adicional apurada».
Isto é, configura-se inequívoco que a decisão recorrida reduziu em um terço - e não a um terço - a remuneração adicional indicada pelo AE, pelo que tendo este referido a esse título a quantia de «60.367,20€», a redução desta em um terço e, pois, no montante de 20.122,40€, determina que a decisão recorrida tenha cifrado em 40.244,80€ (60.367,20€ – 20.122,40€) o valor correspondente à remuneração adicional em causa.
Improcede igualmente nesta sede o presente recurso.
3. Da remuneração adicional do AE.
(Conclusões V. a III. das alegações de recurso).
Neste segmento os Recorrentes entendem não haver lugar à remuneração adicional por parte do AE pois, em suma, «não se verifica (…) a existência de um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida pelo Agente de Execução e a celebração do acordo» que pôs termo à execução.
Vejamos.
A desjudicialização do processo executivo, iniciada pela reforma de 2003, concretamente pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, introduziu a figura do agente de execução enquanto auxiliar da justiça.
Do ponto de vista funcional, em sede de processo executivo, o agente de execução tem uma competência subsidiária, conforme artigo 719.º, n.º 1, do CPCivil: «[c]abe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos».
Conforme artigo 43.º da Portaria n.º 283/2013, de 29 de agosto, «[o] agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria».
O exercício das respetivas funções confere, pois, ao AE o direito de ser reembolsado das despesas feitas, assim como o direito a ser remunerado pelos serviços prestados.
No que respeita à remuneração de serviços prestados pelo AE, isto é, aos honorários deste, a mesma compreende uma «remuneração fixa» e uma «remuneração adicional», sendo que o legislador excluiu esta desde logo quanto «processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução», conforme artigos 173.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, anexo à Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, e 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, bem como respetivos Anexos VII e VIII.    
Segundo o artigo 50.º, n.ºs 5 e 6, da Portaria n.º 282/2013, “[n]os processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido; b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar», sendo que para tais efeitos “entende-se por: «a) Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global”.
Por outro lado, conforme Anexo VIII da referida Portaria n.º 282/2013, “[o] valor da remuneração adicional do agente de execução” é «destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução” por parte daquele auxiliar da justiça.
Salvo quanto a processos executivos para pagamento de quantia certa, com citação prévia e pagamento integral da quantia exequenda até ao termo do prazo de oposição à execução, o apontado regime legal tem dado lugar a posições jurisprudenciais divergentes:
(i) Uma primeira posição que entende que a apontada remuneração adicional é sempre devida desde que haja valores recuperados ou garantidos[1];
(ii) Uma segunda posição, digamos intermédia, que considera que caso hajam sido efetuadas pelo AE diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado assim obtido, ainda que por acordo das partes tenha havido extinção da execução, deve presumidamente ser considerado como decorrência da atividade desenvolvida pelo AE,[2] e
(iii) Uma terceira posição que sufraga entendimento no sentido de que a remuneração adicional em causa pressupõe necessariamente a existência de um nexo causal entre a atividade concretamente exercida pelo AE e a extinção da execução[3].
Considerando o apontado regime legal e os elementos próprios da interpretação jurídica - elementos gramatical, sistemático e racional ou teleológico- sufraga-se aqui aquela última posição.
Ou seja, a remuneração adicional pressupõe que o valor recuperado ou garantido decorra diretamente da atividade do AE, pelo que caso a extinção da execução resulte de transação das partes e esta não decorra da concreta intervenção do AE não há lugar ao pagamento de remuneração adicional ao AE.
Não se olvide que no próprio preâmbulo da referida Portaria n.º 282/2013 refere-se expressamente que «(…) prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas (…)» (negrito da autoria dos aqui subscritores). 
Como se refere no acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2022, processo n.º 9317/18.7T8PRT.P1.S1,
«(…) A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos permite afirmar a exigência da verificação como que de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a realização (ainda que voluntária) do crédito exequendo enquanto requisito da remuneração adicional. O an e o quantum desta remuneração estão dependentes da atividade desenvolvida pelo agente de execução com vista à obtenção da quantia exequenda, surgindo o resultado dessa atividade como conditio sine qua non da mesma retribuição. Assim, o resultado obtido pelo exequente de modo alheio à atividade empreendida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo da sua parte, direto ou indireto, para a obtenção da quantia exequenda, não permite atribuir-lhe o direito à remuneração adicional».
«(…) Não pode, mediante o argumento a contrario, deduzir-se da disciplina estabelecida para certos casos no art.º 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013 (“Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional”), um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma. Na verdade, não se mostra adequado, a partir da regra contida no art.º 50.º, n.º 12, deduzir-se a contrario que os casos que ela não contempla na sua hipótese seguem um regime oposto. Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva. De qualquer modo, se tal preceito – reconhecimento do direito à remuneração adicional em todas as hipóteses não contempladas no art.º 50.º, n.º 12 – se pudesses deduzir, a contrario, sempre careceria de uma redução teleológica. A norma restritiva seria, com efeito, exigida pelo fim da regulação. Só assim esse preceito, que se deduziria da regra contida no art.º 50.º, n.º 12, concebido demasiado amplamente, se reconduziria e seria reduzido ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido do mesmo preceito. Tal resulta do imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual, de proceder às diferenciações postuladas pela valoração».
«(…) Por outro lado, a restrição de uma norma pela via da sua redução teleológica pode ser acompanhada da ampliação do âmbito de aplicação de outra norma. Por consequência, poderia, alternativamente, proceder-se à interpretação extensiva do art.º 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013. Tratar-se-ia de uma extensão teleológica, pois que a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são diretamente abrangidos pela letra da lei, mas são compreendidos pela finalidade da mesma. Está em causa a plena realização do fim da regra legal. Pretende-se também evitar uma contradição de valoração que não se afigura justificável».
«(…) Não pode igualmente descurar-se que “os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada”(…)».
In casu.
A extinção da execução decorre de acordo das partes, sem intervenção do AE, pelo que o AE não tem no caso vertente direito à remuneração adicional no valor de €60.367,20.
É certo que à data já havia ocorrido leilão eletrónico do bem imóvel hipotecado/penhorado, tendo sido apresentada proposta de compra pelo Exequente/Reclamante no valor de €4.659.600,00.
Contudo, não se olvide que a atividade levada a cabo pelo AE e que conduziu à apresentação daquela proposta é objeto de retribuição em sede de «remuneração fixa», conforme «Anexo VII» da referida Portaria n.º 282/2013, estando assim assegurado o pagamento do trabalho desenvolvido pelo AE na execução.
Procede, pois, nesta parte o recurso, havendo, pois, que deduzir aos honorários do AE a quantia de €60.367,20 e respetivo IVA.
Nestes termos, mostra-se prejudicada a apreciação da alegada violação dos «princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso», não havendo aqui, pois, que dilucidar quanto a tal matéria, atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, ambos do CPCivil.
4. Da tributação a título de IVA.
(Conclusões JJJ. a SSS. das alegações de recurso).
Nesta sede os Recorrente alegam, em suma, que a tributação dos «serviços prestados pelo Agente de Execução (…) viola o Direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça e aos tribunais», invocando os «artigos 2.º e 18/2 da Constituição da República Portuguesa».
Vejamos.
Do ponto de vista da lei ordinária é manifesto que os serviços do AE estão sujeitos à tributação pelo Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Tal decorre desde logo dos Anexos VII e VIII da referida Portaria n.º 282/2013, pois referindo-se os mesmos à «Renumeração fixa» e «Remuneração adicional» do AE, respetivamente, aí se refere expressamente que os «Valores [em causa estão] sujeitos a IVA à taxa legal em vigor».
Por outro lado, do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, em sede de «[i]ncidência objetiva», decorre que manifesto que «[e]stão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (…)  as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal», sendo que os serviços do AE estão aí claramente contemplados e não se integram em nenhuma das trinta e oito situações a que se refere o artigo 9.º do Código do IVA a título de «[i]senções nas operações internas».
Os Recorrentes colocam, contudo, em crise a conformidade constitucional de tais preceitos legais, invocando os «artigos 2.º e 18/2 da Constituição da República Portuguesa», bem como o «direito de acesso à justiça e aos Tribunais».
O artigo 2.º da Constituição refere-se aos princípios estruturantes do «Estado de direito democrático» e o artigo 18.º daquele diploma fundamental refere-se à «Força jurídica» dos preceitos constitucionais, estabelecendo o respetivo n.º 2, que «[a] lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Ora, nessa sede os Recorrentes não explicitam o sentido que têm por violados tais preceitos constitucionais, o que obsta a uma dilucidação da matéria por este Tribunal da Relação, entendendo-se que a posição aqui sufragada em matéria de tributação em sede de IVA dos serviços prestados pelo AE não ofende os apontados artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, constituindo limitações constitucionalmente admissíveis.
No que respeita ao «direito de acesso à justiça», sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição preceitua que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».
O direito de acesso à Justiça não obsta à existência de encargos com o recurso aos Tribunais, em função do princípio da causalidade – suporta tais encargos quem a eles deu causa ou, subsidiariamente, quem deles tira proveito - e sem prejuízo do apoio judiciário nas suas diversas modalidades, nomeadamente da «dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo», do «pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo» e da «atribuição de agente de execução», conforme artigo 16.º, n.º 1, alíneas a), d) e g), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
Como refere Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, edição de 2020, página 431, «(…) o art.º 20.º, n.º 1, 2.ª parte, não exige a gratuitidade da justiça[4], nem a ausência de custas judiciais: um sistema de custas mostra-se admissível, contanto que não seja de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso a tribunais[5]. O sentido do preceito será, antes, o de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados. E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes vias, que variarão consoante o condicionalismo jurídico-económico definido para o acesso aos tribunais[6]       
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição 2020, páginas 600 e 601, «[a] gratuitidade da justiça sempre foi recusada pela nossa ordem jurídica, a qual, apesar de garantir a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais, não afasta, como regra geral, a existência de encargos que são repartidos tendo essencialmente em conta o princípio da causalidade, sem embargos do apoio judiciário quando uma situação de debilidade económica possa colocar em perigo o efetivo direito de ação ou de defesa. A necessidade de pagamento de custas judiciais encontra ainda justificação racional num princípio da justiça distributiva e, além disso, constitui um travão à excessiva litigiosidade. Tal como se refere em STJ 19-9-13, 738/08, a matéria obedece aos seguintes princípios fundamentais: onerosidade da atividade jurisdicional, responsabilização da parte causadora da demanda pelas custas do processo e proporcionalidade entre o montante global e a natureza, valor e tramitação da ação».
Neste contexto, a remuneração do AE configura-se como um encargo intrínseco à ação executiva, decorrente da desjudicialização do processo executivo iniciada com a reforma processual de 2003, e inerente à prestação de serviços por parte daquele auxiliar da justiça, estando sujeito a IVA, pois constitui um serviço prestado em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal. 
O carácter oneroso da justiça justifica que seja também onerosa a atividade prestada pelo AE e a mesma sujeita a IVA, à semelhança do que sucede com outros prestadores de serviços não isentos de tal tributo, sendo que o direito de acesso à justiça mostra-se sempre salvaguardado com recurso ao instituto do apoio judiciário, do qual não lançaram mão in casu os Recorrentes.
Improcede, assim, nesta sede o recurso.
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Em suma, procedendo ora à devida liquidação da nota discriminativa de despesas e honorários do AE, somando as indicadas «despesas sujeitas a IVA», no valor de €369,23, os respetivos honorários, no montante de €867,00 (€765,00 + €102,00), e o devido IVA à taxa de 23%, no valor de €284,33, e deduzindo à soma obtida (€1.520,56) a valor relativo à «provisão paga», no montante de €94,10, conclui-se que se cifra em €1.426,46 o valor a ser pago ao AE, cabendo a cada uma das partes metade de tal valor, isto é, €713,23 ao Exequente e igual quantia aos Executados. 
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Quanto a custas:
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu procede parcialmente a pretensão dos Recorrentes e, pois, do Exequente e dos Executados, improcedendo parte substancial da pretensão do AE quando a honorários.
Ou seja, não é devido o valor de €60.367,20 e respetivo IVA a título de remuneração adicional, €13.884,46, mas mostra-se devido o pagamento de IVA, quer quanto despesas (€84,92, correspondente a €369,23 x 0,23), quer quanto à remuneração fixa (€199,41, relativo a €867,00 x 0,23), no valor total de IVA de €284,33.
Estando, pois, em discussão em sede recursiva o valor total de € 74.535,99 (€60.367,20 + €13.884,46 + €84,92 + €199,41), Exequente e Executados decaíram quanto ao montante de €284,33, ao passo que o AE decaiu nos restantes €74.251,66, termos em que as custas do recurso devem suportadas por Exequente/Executados e AE nas percentagens de 0,38% e 99,62%, respetivamente. 
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, pelo que em sede de nota de despesas e honorários:
1. Não é devida a quantia de €60.367,20 a título de remuneração adicional e respetivo IVA;
2. É devido IVA à taxa de 23% quanto a despesas do AE e à remuneração fixa deste, no valor total de IVA de €284,33.
Custas por Exequente/Executados e pelo AE nas percentagens de 0,38% e 99,62%, respetivamente. 

Lisboa, 11 de janeiro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Orlando Nascimento
Carlos Castelo Branco

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[1] Neste sentido vejam-se a título meramente exemplificativo os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 02.06.2016, processo n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1, e 11.01.2018, processo n.º 3559/16.7T8PRT-B.P1, e do TRLisboa de 07.11.2019, processo n.º 970/17.0T8AGH-A.L1-6, todos em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do TRÉvora de 23.04.2020, processo n.º 252/14.9TBVRS-E.E1, e do TRCoimbra de 28.03.2023, processo n.º 223/14.5T8ACB-C.C1, ambos in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do TRPorto de 16.12.2020, processo n.º 9317/18.7T8PRT.P1, 17.04.2023, processo n.º 9983/20.3T8PRT-E.P1, e 29.06.2023, processo n.º8236/21.4T8PRT.P2, do TRLisboa de 25.02.2021, processo n.º 22785/19.0T8LSB-A.L1-2, relatado pelo aqui 2.º Adjunto, 11.05.2023, processo n.º 335/14.5TBFUN-C.L1-2, 25.05.2023, processo n.º 5311/16.0T8OER.L1-8, e 20.06.2023, processo n.º 2300/22.0T8PDL.L1-7, e do TRCoimbra de 24.01.2023, processo n.º 1393/20.9T8ACB-E.C1, todos em www.dgsi.pt.
[4] Parecer n.º 8/78 da Comissão Constitucional, [de 23.02, in Pareceres, V], (…)  pág. 12.
[5] Acórdão n.º 160/90 do Tribunal Constitucional, de 22 de maio, (…); acórdão n.º 495/96, de 20 de março, (…); acórdão n.º 646/98, de 17 de novembro, (…); acórdão n.º 182/2007, de 8 de março, (…); acórdão n.º 238/2014, de 6 de março, (…); acórdão n.º 538/2014, de 9 de julho; acórdão n.º 22/2015, de 15 de janeiro, (…). 
[6] Cfr. acórdão n.º 467/91, de 18 de dezembro, (…): as taxas de justiça são a «contrapartida» da prestação de um serviço público vinculado à garantia fundamental de acesso aos tribunais; a inexistência de um princípio geral de gratuitidade da justiça vai ligada aos limites objetivos da dimensão prestacional da garantia consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição e à ideia de equivalência de encargos que prescreve a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade.