Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4865/07.7TVLSB.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. O contrato de prestação de serviço, mediante o qual alguém se obriga a elaborar páginas com texto e imagens sobre beleza, cosméticos e consumo, a publicar em jornal, não é um contrato para “determinado assunto”.
II. O prazo de dois meses é razoável como “antecedência conveniente”, para a revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, com uma duração de dois anos.
III. Por isso, não se justifica o direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, invocado com fundamento nos dois últimos pressupostos previstos na alínea c) do art. 1172.º do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

B.... instaurou, na .... Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra G....., S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 4 500,00, acrescida da quantia mensal vincenda de € 1 500,00, até Maio de 2008, e dos juros de mora desde o vencimento das prestações ou, subsidiariamente, a pagar-lhe a quantia de € 16 500,00, acrescida dos juros de mora desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, que, em Maio de 2003, celebrou com a R. um contrato de prestação de serviço, pelo prazo de doze meses, tendo por objecto a prestação de serviços de produção de conteúdos editoriais, mediante o pagamento de honorários, o qual foi sendo renovado; em Junho de 2007, a R. fez cessar o contrato, quando o seu termo estava acordado para Maio de 2008, tendo assim direito a receber os honorários até essa data, os quais, na altura da cessação do contrato, correspondiam à quantia mensal de € 1 500,00.
Subsidiariamente, alegou ainda a revogação do contrato, sem o seu acordo, estando a R. obrigada a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos.
Contestou a R., alegando que o contrato invocado pela A. já não se encontrava em vigor em Junho de 2007, sendo lícita a cessação do respectivo contrato, e a inexistência da obrigação de indemnizar, e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Replicou ainda a A., concluindo como na petição inicial.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida a sentença, absolvendo-se a R. dos pedidos.

Não se conformando com a mesma, recorreu a Autora, que, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) Os pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no art. 1172.º do CC verificam-se no caso dos autos.
b) Estão igualmente verificados dois dos requisitos previstos na alínea c) do art. 1172.º do CC.
c) Relativamente à “antecedência conveniente” aplica-se o art. 28.º do contrato de agência.
d) O pré-aviso de denúncia devia ter sido feito com 12 meses de antecedência.
e) Está demonstrada a ilegalidade da denúncia do contrato de prestação de serviço.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que condene a R. a pagar a quantia de € 16 500,00 ou, pelo menos, a quantia de € 13 635,00, acrescida dos juros de mora desde a citação.

Contra-alegou a R., no sentido da improcedência da apelação.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em causa o direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A. começou a trabalhar para a Ré, em Outubro de 2002, no jornal C...., propriedade da Ré, em regime de prestação de serviços como repórter na área do Jornalismo/Informação.
2. A 29 de Maio de 2003, Autora e Ré subscreveram o instrumento junto a fls. 6, denominado contrato de prestação de serviços , com o seguinte teor: “Primeira - Pelo presente contrato o (a) segundo (a) Outorgante obriga-se, como profissional liberal, a prestar à primeira outorgante, na área de Jornalismo / Informação todos os trabalhos relativos à produção de conteúdos editoriais da rubrica “ Belas e Perigosas”. Segunda - A actividade do(a) segundo (a) outorgante será desenvolvida com e pelos seus próprios meios. Terceira – A prestação de serviços, objecto do presente contrato, será levada a cabo de acordo com o plano de actividades da Direcção Editorial do(a) primeiro(a) outorgante. Quarta – O presente contrato de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS não gera nem titula qualquer relação de trabalho subordinado, como é real e consciente a vontade de ambos os (as) outorgantes. Quinta – Os honorários devidos ao (à) segundo(a) outorgante, pela presente prestação de serviços, serão pagos à peça, pelo valor unitário ilíquido de € 62,50 (sessenta e dois euros) quando sugeridos pela segunda outorgante ou pelo valor unitário ilíquido de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) quando pedidos pela Direcção Editorial. Sexta – O (A) segundo outorgante deslocar-se-á às instalações da primeira sempre que tal se torne necessário para a execução do objecto do presente contrato de prestação de serviços, sendo que se compromete a garantir um mínimo de 10 ( dez) peças por mês, salvo se houver acordo em contrário entre a segundo(a) outorgante e o Director Editorial da primeira. Sétima – O presente contrato tem o seu início em 1 de Junho de 2003, sendo celebrado pelo período de 12 meses, podendo ser renovado por períodos iguais e sucessivos, desde que não seja denunciado por qualquer das partes, com 30 dias de antecedência, para qualquer dos termos inicial ou de renovação. Oitava – As deslocações da segunda outorgante fora de Lisboa serão pagas mediante apresentação de documento, ao preço de € 0,34 Km, desde que devidamente justificadas e suportadas contabilisticamente.”.
3. Em Dezembro de 2004, a Ré propôs e a Autora aceitou cessar a sua participação na rubrica “Belas e Perigosas”, a partir de Março de 2005, traduzindo-se a participação em a A. se deslocar a determinados eventos e deixar-se fotografar com alguns dos presentes.
4. A 3 de Março de 2005, saiu no jornal C.... a última reportagem da “Belas e Perigosas”.
5. Entre Março e Maio de 2005, a A. participou no programa da D... denominado “Quinta das Celebridades”.
6. Entre Março e Maio de 2005, a A. acordou com a Ré elaborar uma coluna no jornal C... relativa à “Quinta das Celebridades”, o que a A. fez.
7. Na sequência do referido em 3, A. e Ré acordaram que a primeira realizaria duas novas rubricas “O que está a dar”e “Boa forma”, mediante o pagamento de uma avença mensal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosmética e consumo.
8. A primeira a publicar de acordo com a disponibilidade de espaço na revista e a segunda a publicar semanalmente.
9. Tendo por isso recebido uma avença mensal, que começou por ser de € 1 237,50, entre Maio e Junho de 2005, de € 1 262,50, de Agosto a Dezembro de 2005, e de € 1 515,00, a partir de Janeiro de 2006 até Junho de 2007.
10. A primeira reportagem da rubrica “O que está a dar” foi publicada no jornal C..., no dia 21 de Maio de 2005.
11. Em Abril de 2007, a Ré comunicou à A. a extinção das rubricas “Boa forma” e “O que está a dar, a partir de Julho de 2007, devido a uma reestruturação da revista “C...” e por aquelas rubricas não se enquadrarem nos projectos editoriais daquela.
12. A última reportagem da rubrica “O que está a dar” foi publicada na edição do jornal C.... de 30 de Junho de 2007.
13. Em Junho de 2007, a A. recebia da Ré a quantia de € 1 500,00, acrescida de IVA e com retenção na fonte de 20 %.
14. Em Julho de 2007, a A. recebeu da Ré a quantia de € 1 515,00, relativa a € 1.500,00 de honorários, acrescida de IVA no montante de € 315,00 e com retenção na fonte de € 300,00.
15. O único rendimento mensal da A., entre 2003 e 2007, foi os honorários recebidos da Ré.
***

2.2. Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa agora conhecer do objecto do recurso, definido pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi já especificada.
A Apelante limitou o objecto do recurso apenas à questão do direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato por parte da Apelada, defendendo que o mandato era para determinado assunto e que foi ainda revogado sem a antecedência conveniente.
Não sofre controvérsia que o negócio jurídico que as partes entre si estabeleceram corresponde a um contrato de prestação de serviço com retribuição, mediante o qual a Apelante se obrigou a realizar para a Apelada as rubricas “O que está a dar” e “Boa forma”, mediante o pagamento de uma avença mensal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosméticos e consumo, a publicar no jornal “C...”.
Ao contrato de prestação de serviço, definido no art. 1154.º do Código Civil (CC), são aplicáveis as disposições sobre o mandato, por remissão expressa do disposto no art. 1156.º do CC, sendo certo que a lei não regula especialmente o contrato celebrado pelas partes.
Nesta perspectiva, e por efeito do disposto no n.º 1 do art. 1170.º do CC, à Apelada assistia o direito de revogar livremente o contrato.
Trata-se de uma revogação imprópria, aproximando-se bastante da figura da denúncia (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2.ª edição, 1981, pág. 647, e LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, III, 3.ª edição, 2005, pág. 472).
A revogação não carece de forma, podendo até ser tácita (art. 1171.º do CC).
Todavia, a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer, designadamente “se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente” – alínea c) do art. 1172.º do CC.
Esta norma, na qual a Apelante se fundamenta, prevê duas situações que justificam a atribuição de indemnização. A primeira, sempre que o mandato (revogado) tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto; e a segunda, quando a revogação seja feita sem a antecedência conveniente.
Trata-se de uma indemnização por acto lícito, como vem sendo tradicionalmente entendido pela doutrina (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidem, pág. 651), embora apareça já quem a fundamente na responsabilidade pela confiança (ADELAIDE MENEZES LEITÃO, Revogação unilateral do mandato, pós-eficácia e responsabilidade pela confiança, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume I, 2002, pág. 334).
Na indemnização estão contemplados os lucros cessantes que o mandatário, contra as suas legítimas expectativas, deixa de auferir quando o mandato tem retribuição fixada. Neste sentido, foi a pronúncia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008, acessível em www.dgsi.pt (processo n.º 08A1941).
No caso vertente, o contrato foi revogado unilateralmente pela Apelada, com conhecimento da outra parte, e porque podia fazê-lo, como já se referiu, constituiu um facto lícito.
Todavia, ao contrário do alegado pela Apelante, o contrato de prestação de serviço não tinha como objecto um “determinado assunto”, não obstante a actividade, que justificou o contrato, fosse determinada. Com efeito, o objecto dessa actividade era genérico, não sendo possível surpreender qualquer delimitação objectiva da prestação de serviço acordada. Os títulos das rubricas são indiferentes e serviram apenas para a identificação do respectivo conteúdo editorial.
Deste modo, inexistindo um contrato de prestação de serviço, com o alcance conferido pela expressão “para determinado assunto”, utilizada na alínea c) do art. 1172.º do CC, não pode aí fundamentar-se o direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço pela Apelada.

Mas o direito à indemnização pode ainda advir se a revogação do contrato não tiver sido precedida da “antecedência conveniente”.
Com este pressuposto, estabelecido a favor do outro contraente, pretende-se que ao mesmo seja concedido o tempo necessário para prover aos seus interesses (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidem, pág. 652, e o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008).
A lei, porém, não concretizou esse espaço temporal, ficando o seu preenchimento ao cuidado do intérprete no confronto com as circunstâncias concretas de cada caso.
Na situação dos autos, o contrato de prestação de serviço terá tido início em Maio de 2005 (factos 9 e 10), tendo a sua revogação unilateral, com efeitos a partir de Julho de 2007, sido comunicada em Abril de 2007 (facto 11).
Deste modo, a Apelante tomou conhecimento da revogação do contrato com, pelo menos, dois meses de antecedência, o que se afigura como razoável para aquela poder acautelar os seus interesses, dada a duração do contrato correspondente a dois anos.
Aliás, nessa perspectiva, importa realçar que no contrato de prestação de serviço anterior, que as partes entre si estabeleceram, embora sujeito a prazo, a sua denúncia estava subordinado apenas ao aviso prévio de 30 dias, mesmo quando o único rendimento mensal da Apelante era a retribuição mensal recebida da Apelada (factos 2 e 15).
Por isso, não há razão alguma para considerar que a revogação do contrato não foi feita com a “antecedência conveniente”, sendo certo ainda que a matéria de facto dos autos é insuficiente para se caracterizar uma relação de dependência económica da Apelante em relação à Apelada, porquanto não está demonstrado que a primeira não tivesse outros rendimentos que não fosse o da retribuição paga pela Apelada.
Por outro lado, em face da regulação jurídica do contrato de prestação de serviço, sem omissões, não se justifica o recurso às normas de outros contratos especiais, designadamente do contrato de agência regulado pelo DL n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril, onde, para a denúncia, se prevê de antecedência o prazo máximo de três meses (art. 28.º).
Concluindo-se, pois, que a revogação unilateral do contrato de prestação de serviço foi feita com a “antecedência conveniente”, dispondo a parte do tempo necessário para prover os respectivos interesses, não procede também o outro fundamento invocado, para fazer valer o direito à indemnização.
Neste contexto, porque não se encontram reunidos os pressupostos consagrados na alínea c) do art. 1172.º do CC, sendo certo que não foi invocado nem existe qualquer outro fundamento legal, carece de justificação o direito à indemnização invocado pela Apelante.
Assim sendo, improcede a apelação e confirma-se a decisão recorrida, que absolveu a Apelada do pedido formulado na acção.
2.3. Em face do que precede, pode extrair-se de mais relevante:
I. O contrato de prestação de serviço, mediante o qual alguém se obriga a elaborar páginas com texto e imagens sobre beleza, cosméticos e consumo, a publicar em jornal, não é um contrato para “determinado assunto”.
II. O prazo de dois meses é razoável como “antecedência conveniente”, para a revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, com uma duração de dois anos.
III. Por isso, não se justifica o direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, invocado com fundamento nos dois últimos pressupostos previstos na alínea c) do art. 1172.º do Código Civil.

2.4. A Apelante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a Apelante (Autora) no pagamento das custas.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)