Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16726/22.5T8LSB.L1-4
Relator: PAULA PENHA
Descritores: REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ARREPENDIMENTO
NULIDADE
EFEITOS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – As recorrentes vêm, através da forma oblíqua (de arguição de nulidade da sentença), tentar obter a invalidação da decisão desfavorável com a qual estão em desacordo e sem que, do texto da sentença recorrida, se vislumbre qualquer obscuridade que a torne ininteligível. Aliás, o teor integral do recurso, por si só, desmente qualquer ininteligibilidade por parte das recorrentes relativamente à sentença recorrida, denotando que as mesmas apreenderam o seu conteúdo;
II  – O acordo revogatório de um contrato de trabalho tem de conter as seguintes menções escritas expressamente: a data da celebração desse acordo; a data do início da produção dos respectivos efeitos extintivos; e o prazo legal para o exercício do (vulgarmente chamado) direito ao (eventual) arrependimento por parte do trabalhador –  só não sendo exigida esta última menção expressa se tal acordo estiver devidamente datado e contiver reconhecimento notarial presencial  das assinaturas (de todas as respectivas partes) nele apostas (só então o trabalhador perderá tal direito potestativo);
III – A inobservância de alguma destas exigências legais obrigatórias determinará como consequências legais: a nulidade desse acordo e a prática de uma contra-ordenação leve por parte do empregador.
IV – Não havendo o aludido reconhecimento notarial das respectivas assinaturas, nos acordos revogatórios em apreço  era obrigatória a menção expressa escrita do prazo legal de 7 dias seguintes à data da respectiva celebração (como período de reflexão da respectiva trabalhadora, protegendo-a contra a sua própria precipitação respectiva) para  poder fazer cessar tal acordo revogatório (querendo e durante esse mesmo prazo);
V – Sendo nulo cada um desses acordos revogatórios, mantém-se vigente o respectivo contrato de trabalho entre cada uma das autoras e a ré, bem como todas as obrigações dele emergentes e com efeitos retroactivos à respectiva data do início de produção de efeitos revogatórios invalidados;
VI – Para existir ilícita má-fé processual não basta que algum dos litigantes adopte um daqueles comportamentos elencados na lei como indiciadores de má-fé. Também se exige, sempre, que um tal comportamento por parte de algum dos litigantes seja feito dolosamente ou com negligência grave;
VII – Não se vislumbrando que no recurso em apreço, as recorrentes/autoras tivessem tido uma actuação culposa (com dolo ou negligência grave), reprovável (que configurasse grave violação dos deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação) e com consequências reprováveis (de forma a ter causado algum prejuízo à parte contrária e obstado à realização da justiça).
(Sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
Na acção, com a forma de processo comum, nº 16726/22.5T8LSB do J8 do Juízo do Trabalho de Lisboa, intentada por AA e BB contra XX, S.A., as autoras pediram:
a declaração de nulidade da rescisão, por acordo com a ré, do respectivo contrato de trabalho, com manutenção em vigor deste e das obrigações dele emergentes;
a condenação da ré a pagar às autoras os vencimentos que estas deixaram de auferir desde a data da respectiva rescisão; e
a condenação da ré a reintegrar as autoras nos seus postos de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade ou a indemnizá-las.
Realizada a audiência de partes, sem êxito, a ré contestara, pedindo a improcedência da acção.
Fora ordenado o desentranhamento da réplica por não ser admissível face à inexistência de reconvenção. E fora proferido despacho saneador tabelar, dispensando quer a audiência prévia quer a selecção de matéria factual assente e controvertida.
Aquando da 1ª data agendada para audiência de discussão e julgamento (em 12/12/2022):
Fora manifestado pelas autoras que a seu contraditório quanto às excepções viria a ser exercido aquando das alegações;
Fora pedida a junção de um documento, pelas autoras, para alegadamente justificar a interrupção do prazo de caducidade que a ré havia invocado. E, após a oposição desta, fora proferido despacho a sua junção;
Fora dada como assente, por acordo das partes, alguma matéria factual aí exarada;
Fora consignada a matéria factual para produção de prova e, na sequência das autoras terem requerido que se considerasse como não escrito um desses factos (constante do art. 61º da petição inicial), um deles viera a ser retirado dessa matéria;
Fora proferido despacho a indeferir o requerimento das autoras a propósito de outros temas de prova que consideraram existir. Tendo as autoras arguido a sua nulidade e, após o contraditório exercido pela ré, fora proferido despacho, indeferindo a produção de prova sobre factos gerais não identificados na petição inicial e não constantes dessa ata como matéria de prova a produzir;
Iniciara-se a produção de prova com a inquirição de uma testemunha arrolada pelas autoras.
Aquando da 2ª sessão da audiência de discussão e julgamento:
Foram prescindidas algumas testemunhas pelas autoras, houvera inquirição simultânea das restantes 3 testemunhas arroladas pelas autoras;
Fora proferido despacho a indeferir o requerimento das autoras, sem oposição da ré, para que estas testemunhas fossem inquiridas a toda a matéria que entenderam por conveniente;
Pelas autoras fora apresentado recurso com efeito suspensivo relativamente a este despacho e, face ao prazo para a necessária prestação de caução, fora suspensa a audiência de julgamento.
Houvera admissão do recurso, com subida imediata e em separado, tendo sido fixado prazo para a prestação de caução, no valor da acção, tendente ao pretendido efeito suspensivo. Fora indeferido o requerimento das autoras quanto à redução do indicado valor para a caução. E, face à falta de prestação de caução, fora atribuído efeito devolutivo àquele recurso e agendada data para a continuação da audiência.
Aquando da 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento:
Fora prescindida, pelas autoras, uma das testemunhas arroladas, houvera inquirição simultânea das demais duas arroladas pelas autoras. Fora inquirida uma das testemunhas arrolada pela ré, após esta ter prescindido das demais. E foram proferidas alegações orais.
Finda a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença com a seguinte decisão (transcrição):
« Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação improcedente e absolve a R. do pedido ».
Inconformadas, as autoras vieram interpor recurso, contendo as seguintes conclusões e o respectivo pedido (transcrição):
« A) Os Autores/Recorridos/Recorrentes (AA.) vêm, ao abrigo do disposto dos artigos 79º, a), 79-A/1, a), 81º/1 e 83º-A/1 do CPT, apresentar as suas alegações quanto ao Recurso interposto pela Ré/Recorrente/Recorrida (R.) e interpor Recurso subordinado da decisão proferida pelo Tribunal a quo no processo nº 16726/22.5T8LSB, que correu termos no J2 do Juízo de Trabalho de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa .
B) Os AA. impugnam a decisão proferida sobre a matéria de Direito mas, previamente, arguem a anulação de todo o julgamento realizado pelo Tribunal a quo.
C) A ver, o Tribunal a quo, proferiu despacho saneador pelo qual determinou a simplicidade da causa, abstendo-se de determinar temas da prova. Aberta a 1ª sessão de julgamento, a MM. Juiz a quo procedeu ao que designou de “trabalho” e “exercício” de seleção da matéria de facto, ao invés de iniciar a inquirição das testemunhas. Por tal “exercício” pretendia o Tribunal a quo, proceder a uma espécie de saneamento do processo e da matéria de facto. Não se limitando a tal, numa postura quebradora dos elementares deveres de tratamento das outras partes com urbanidade, o Tribunal a quo, foi interrompendo as instâncias do mandatário das AA. berrando por cima deste quando o mesmo tinha a palavra e, declarando que este se encontraria limitado ao que ficasse vertido na ata, em resultado do seu “exercício”. O mandatário das AA. desde logo, conforme gravações, e repetidamente, deixou claro que o “exercício” de forma alguma limitaria as suas instâncias de inquirição das testemunhas, o que equivale, nos moldes em que foi feito, a protesto e, consequentemente, arguição de nulidade, sem prejuízo do requerimento/reclamação aí apresentado.
D) Iniciada a segunda sessão de julgamento, quando o mandatário das AA iniciava as suas instâncias, foi advertido pelo Tribunal a quo que se encontrava limitado pelo seu “exercício”. Foi apresentado novo requerimento/reclamação pelas AA. que, indeferido, foi alvo de recurso oral, o qual ainda não viu subir a esta Veneranda Relação.
E) Fica claro que o Tribunal a quo cometeu ato nulo praticou atos que a lei não prescreve e, que ,omitiu, por limitação, a prática da inquirição nos moldes prescritos, irregularidades essas que influem claramente no exame da causa, não estão em condições de impugnar/alterar/aditar matéria de facto. Não mais resta do que anular todos os atos subsequentes à aberturada1ª sessão de julgamento, oque, no fundo, determina a anulação de todo o julgamento, com ordem de repetição do mesmo (195º/2 do CPC), o que aqui expressamente se requer.
F) Se assim não se entender, sempre se verificará que a sentença é nula pois, não foi permitida a produção da prova de forma plena, estando a mesma viciada. A ver, as testemunhas não depuseram livremente, nem plenamente, por estarem as instâncias dos mandatários das AA. limitadas. Como tal, sempre se deverá declarar a sentença como nula, por obscuridade que a torna ininteligível, conforme artigo 615º/1, b) do CPC.
G) Subsidiariamente, requer-se que seja anulada a decisão proferida em 1ª instância na parte que se encontra viciada, a ver, nos pontos 1, 2 e 4 dos factos provados e 34 dos factos provados, ordenando-se a repetição do julgamento na parte que se encontra viciada, a ver, a inquirição das testemunhas arroladas pelas AA, CC, DD e EE, conforme artigo 662º/2, c) e /3, b) do CPC.
H) Se assim não se entender, sempre deverá ser ordenada a renovação da produção da prova, nos termos do artigo 662º/2, a) e /3 a) do CPC.
I) Ainda, se nenhuma das duas soluções supra subsistir, deverá ser ordenado a produção de novo meio da prova, por se considerar que, na realidade nunca foi prestado o devido depoimento pelas testemunhas supramencionadas, nos termos do artigo 662º/2, b) e /3, a) do CPC.
J) À cautela, e por mero dever de patrocínio, as AA. apresentam recurso quanto ao demais decidido na Sentença.
K) É inequívoco que o RMA padece de vício formal ao omitir o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, conforme dispõe o artigo 349º/1, 2, 3 e 5 do CT. Sendo o acordo inválido por falta trabalho inválido por falta de requisitos formais, vícios da vontade ou qualquer outro fundamento, a consequência jurídica é a manutenção da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a inerente obrigação de o trabalhador restituir a quantia eventualmente recebida e se apresentar ao trabalho, por um lado, e de o empregador aceitar a prestação do trabalho e continuar a pagar a retribuição estipulada, por outro lado (arts. 247.º e ss. e 289.º do Código Civil) e não uma mera sanção na forma de contra-ordenação, como pretende afirmar o Tribunal a quo. Assim, devem ser as cessações de contrato de trabalho por mútuo acordo declaradas nulas, por violação do artigo 349º, nº 3, mantendo-se em vigor os contratos de trabalho das AA. e as obrigações deles emergentes, designadamente as prestações de trabalho pelas trabalhadoras e a de pagamento das retribuições pela empregadora Ré, devendo a decisão a quo ser revogada e substituída por outra que tal determine.
L) Quanto ao alegado vício de vontade, por força dos vícios na produção da prova já expostos, a posição das AA em sede de recurso fica diminuída às suas alegações.
M) No entanto, a prorpia sentença reconhece a existência da ameaça de despedimento, ao mesmo tempo que ignora facto que não podia desconhecer para fundamentar a sua posição restante: O despedimento coletivo já foi declarado ilícito pelo J2do mesmo juízo do trabalho, conforme Doc. 1 junto com este recurso. Sendo que, foi exatamente pela obscuridade dos critérios de seleção e a sua ininteligibilidade que o mesmo assim foi declarado. Como pode a sentença dar como provado que as AA compreenderam os motivos da sua seleção? Como pode ignorar que a sua vontade foi viciada quanto aos factos e motivos para a sua inclusão na ronda de negociações para fins de RMA, prévias ao despedimento coletivo? Não conseguiriam as AA. aquilatar da aplicabilidade à sua situação concreta dos critérios aplicados, como já se encontra demonstrado no processo de despedimento coletivo. A denúncia do contrato de trabalho constitui uma declaração negocial receptícia, sujeita, nomeadamente, ao regime geral dos vícios de vontade e, a vontade do trabalhador de fazer cessar o contrato de trabalho deve ser uma vontade séria, inequívoca e bem formada. O que não acontece quando as AA. não conseguiram aquilatar da aplicabilidade à sua situação concreta dos critérios aplicados. Factos que as AA. só tiveram conhecimento em virtude de conversas que tiveram, meses mais tarde, com outros colegas que também trabalhavam na mesma empresa e aquando o processo de despedimento colectivo e, que, a terem conhecimento na altura, teriam mudado completamente a sua tomada de decisão, não valendo como denúncia comportamentos ou declarações quando o trabalhador foi vitima de erro ou agiu sob coação. Tudo sem prejuízo da coação moral melhor alegada supra a qual, é um dos vícios da vontade elencados no Código Civil a art.º 255º. Com efeito, dispõe o art.º 251.º do Cód. Civil que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira ao objecto do negócio, torna este anulável, nos termos do art.º 247.º do Código Civil. O artigo 247º do Código Civil exige para a respectiva relevância anulatória dois requisitos ou pressupostos: a essencialidade e a cognoscibilidade. Resulta destes normativos que o negócio jurídico só é anulável por erro sobre o objecto se esse erro for tal que sem ele a parte não teria celebrado o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo. É esse o sentido da essencialidade a que se refere o art.º 247º do Cód. Civil. É também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
N) Ademais, as AA. procederam a ações para reverter a assinatura do RMA, conforme devidamente demonstrado nos docs 6 a 14 da P.I., tendo inclusive a AA AA recorrido ao auxílio do Ministério Público, interrompendo qualquer prazo prescritivo que se verificasse.
O) Pelo que, as AA. pretendem a anulação dos acordos, ou seja, desses negócios jurídicos revogatórios dos seus contratos de trabalho com fundamento vícios de vontade previstos nos artigos 251º, 252º, nº2, 253º, 247º e 255º todos do Código Civil.
P) A proceder a pretensão das AA. de ver anulados os acordos de revogação dos contrato de trabalho, tal teria como consequência que se mantivessem em vigor os contratos de trabalho que haviam celebrado com a Ré, face aos efeitos que o artigo 289º nº 1 do Código Civil comina para a declaração de anulação dum negócio jurídico.
Q) Por todos os motivos supra expostos, devem os acordos assinados pelas AA. ser considerados inválidos, com a consequente manutenção da vigência dos contratos de trabalho celebrados entre as partes, revogando-se a decisão a quo e substituindo por outra neste sentido.
Termos em que mui respeitosamente se requer a V. Exas que concedam provimento ao recurso. »
A ré/recorrida veio apresentar contra-alegações, contendo as seguintes conclusões e pedido (transcrição):
« A. Em sede de Alegações de Recurso as Recorrentes pugnam pela necessidade de repetição da produção de prova, com fundamento em alegadas nulidades/irregularidades do Tribunal na condução da audiência final, decorrentes da pretensa limitação excessiva do mandato do Advogado das Recorrentes no âmbito das inquirições das testemunhas, requerendo a anulação do julgamento e a repetição do mesmo (artigo 195.° n.° 2 do CPC);
B. A alegação das Recorrentes é descabida e desprovida de qualquer fundamento atendível, não sendo mais do que um mero expediente dilatório destinado a protelar, sem fundamento legal atendível, o trânsito em julgado da Sentença sub judice;
C. As Recorrentes recorreram, em sede própria, do Despacho proferido pelo Tribunal a quo na audiência final que teve lugar no dia 23.01.2023, pelo que não podem em sede de recurso da decisão final, impugnar, uma vez mais, a decisão interlocutória proferida pelo Tribunal a quo na audiência final que teve luar no dia 23.01.2023 ou visar a obtenção do mesmo efeito jurídico;
D. Considerando que o recurso interposto pelas Recorrentes da decisão interlocutória proferida pelo Tribunal a quo na audiência final que teve lugar no dia 23.01.2023 se encontra pendente na presente data, tal consubstancia, no plano jurídico-processual, uma situação de litispendência (artigos 580.° n.°s 1 e 2 do CPC), que desde já se argui, para todos os efeitos legais;
E. Para além do mais, o referido recurso interposto pelas Recorrentes da decisão interlocutória proferida pelo Tribunal a quo na audiência final que teve lugar no dia 23.01.2023 tem efeito meramente devolutivo, pelo não existe qualquer fundamento legal na alegação das Recorrentes de que a prova produzida em sede de julgamento se encontra viciada pela alegada limitação, legalmente inadmissível, ao mandato do Advogado das Recorrentes;
F. Em qualquer caso, não assistiria qualquer razão às Recorrentes quanto à necessidade de repetição da produção de prova, considerando que a matéria de facto assente e o objeto a produção de prova foram fixados por acordo das Partes na 1.ª sessão da audiência final;
G. Fruto do acordo das Partes, uma parte considerável da matéria alegada deixou de ser controvertida e, nessa medida, carecida de prova, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao proferir despacho na 2.ª sessão da audiência final, no qual determinou que as instâncias dos mandatários no âmbito da produção de prova testemunhal se deveriam limitar à matéria de facto controvertida, ao invés de toda a matéria (inicialmente) alegada, conforme pretendiam as Recorrentes;
H. Nos termos da lei processual civil e laboral, não é admissível e/ou necessária a produção de prova relativamente a factos previamente admitidos por acordo entre as Partes (cfr. fixado na ata da 1.ª sessão da audiência final), o que decorre, entre outros preceitos legais, da parte final do artigo 410.° do CPC;
I. Mais se refira que a delimitação da matéria de facto admitida por acordo das Partes e da matéria de facto carecida de prova pode ter lugar, em qualquer fase processual, por iniciativa do Juiz e/ou das próprias partes, atendendo do poder-dever de gestão processual (artigo 6.° do CPC) e, bem assim, ao princípio da cooperação das partes com o Tribunal (artigo 7.° do CPC);
J. E, ainda, que, a propósito de cada facto dado por assente ou controvertido (i.e. para produção de prova), foi dado às Partes, devidamente representadas pelos seus Il. Mandatários, a possibilidade de cooperarem com o Tribunal na definição do seu conteúdo, observando-se, dessa forma, o princípio da cooperação (artigo 7.° do CPC) e o princípio do contraditório (n.° 3 do artigo 3.° do CPC);
K. Assim, não assiste qualquer razão às Recorrentes nas acusações gravíssimas que fazem à Mma. Juíza que presidiu as sessões da audiência final, na medida em que a Mma. Juíza atuou dentro da esfera de competências que lhe é atribuída por lei e dentro dos limites da legalidade, cfr. artigos 601.° n.°s 1 e 2 e 547.° do CPC;
L. Cumpre ainda evidenciar que, na referida 1.ª sessão da audiência final em que as Partes assentaram a matéria de facto admitida por acordo das partes e da matéria de facto carecida de prova, as Recorrentes encontravam-se representadas por Il. Mandatário, munido de poderes gerais e, bem assim, de poderes especiais de representação, isto é, de poderes para confessar, desistir ou transigir, total ou parcialmente, do processo (artigo 283.° n.°s 1 e 2 e do artigo 45.° n.° 2, ambos do CPC);
M. Assim, mesmo que se entendesse que o Tribunal a quo não poderia, ao abrigo do poder-dever de gestão processual, ter delimitado a matéria de facto admitida por acordo das partes e da matéria de facto carecida de prova – no que não se concede -, tal delimitação (e subsequente limitação natural do objecto da prova) sempre teria decorrido de transação (parcial) sobre o objeto do processo;
N. Tal transação é admissível quer do ponto de vista material, porquanto nos presentes autos estão em causa direitos disponíveis (artigo 289.° n.° 1 do CPC), quer do ponto de vista formal, porquanto pode fazer-se em ata (artigo 290.° n.° 4 do CPC) e mediante documento autêntico (artigo 290.° n.° 1 do CPC);
O. A este propósito, refira-se, por relevante, que a ata da 1.ª sessão da audiência final, que teve lugar no dia 12.12.2022, é, por força do disposto no artigo 369.º n.º 1 do Código Civil (“CC”), um documento autêntico, pelo que goza de força probatória plena dos factos dela constantes (artigo 371.° n.° 1 do CC);
P. Conforme decorre do artigo 372.° n.° 2 do CC, “[a] força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade” (realce e sublinhado nosso), sendo que o Mandatário das Autoras em nenhum momento arguiu a falsidade da ata em sede de incidente próprio (cfr. artigo 451.° n.° 3 do CPC) e no prazo legal para o efeito (cfr. artigo 451.° n.° 2 do CPC), pelo que a mesma faz prova plena de que as Partes deram o seu acordo quanto à matéria de facto assente (aceite por acordo) e à matéria de facto carecida de prova;
Q. Inexistem quaisquer fundamentos para a anulação e repetição do julgamento, não colhendo, de igual modo, a pretensa impugnação da matéria de facto que as Recorrentes fazem nos artigos 33.', 36.', 37.', 38.' e 42.' das Alegações de Recurso, a qual, aliás, não cumpre manifestamente o disposto no artigo 640.' do CPC, devendo, em consequência, ser rejeitada (cfr. n.' 1 do artigo 640.' do CPC);
R. Refira-se, de igual modo, que a alegada impugnação do ponto 2 da matéria de facto não provada, feita pelas Recorrentes no ponto 39 das Alegações de Recurso, não só não cumpre o ónus previsto no artigo 640.' n.' 1 do CPC, acima citado, como é feita através de recurso a meio de prova não admissível - o Doc. 1 das Alegações de Recurso, correspondente ao Despacho Saneador proferido no âmbito do processo de impugnação do despedimento coletivo que correu termos sob o n.' 23393/21.1T8LSB, no Juízo do Trabalho – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;
S. A junção de tal documento aos autos é inadmissível, à luz dos artigos 651.' n.' 1 e 425.' do CPC, pelo que deverá o mesmo ser desentranhado e devolvido às Recorrentes, o que se requer;
T. Ainda que assim não se entendesse - no que não se concede e apenas se equaciona por elevada cautela de patrocínio -, cumpre evidenciar que o Despacho Saneador correspondente ao Doc. 1 das Alegações de Recurso, não produz efeito de caso julgado, quer por via da exceção de caso julgado, quer por via da autoridade de caso julgado;
U. Também quanto à alegada impugnação da matéria de facto provada feita pelas Recorrentes no ponto 42 das suas Alegações de Recurso, deverá considerar-se que as Recorrentes não cumpriram o ónus previsto no artigo 640.' do CPC, devendo, em consequência, tal impugnação ser rejeitada, conforme resulta do n.° 1 do referido preceito legal;
V. Antes de mais, note-se que o facto provado 34 foi dado como provado nomeadamente atendendo ao depoimento da testemunha FF, sendo que as Recorrentes não demonstraram, minimamente, em que se baseia a pretensa falsidade do documento e/ou indicaram qual o meio de prova de onde decorreria tal falsidade ou a contraprova do facto provado 34;
W. Acresce que a situação descrita não se enquadra, minimamente, em qualquer nas alíneas a), b) ou c) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, o que resulta, desde logo, da circunstância de as Recorrentes não terem identificado a que depoimento ou depoente se referem (al. a) e da circunstância de as Recorrentes não terem alegado quaisquer factos que evidenciem (ou sequer indiciem) qualquer dúvida fundada sobre a prova produzida (al. b) e, ainda, de não terem concretizado, minimamente, quais os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (al. c) e n.° 1 do artigo 662.° do CPC), devendo, em consequência, ser indeferida;
X. O mesmo se diga quanto ao pedido de declaração de nulidade da Sentença, com fundamento em alegada obscuridade e ininteligibilidade (artigo 615.° n.° 1, al. b), do CPC), porquanto não integra os conceitos de obscuridade e ininteligibilidade a mera discordância do recorrente quanto à apreciação, de factos ou do direito, feito pelo Tribunal a quo, conforme as Recorrentes parecem fazer crer;
Y. O mesmo sucede quanto à arguição de nulidade do(s) Acordo(s) de revogação do(s) contrato(s) de trabalho celebrado entre a Recorrida e cada uma das Recorrentes, a qual não tem enquadramento legal;
Z. Conforme resulta evidente da norma do artigo 349.° n.° 6 do CT, a omissão da referência ao prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação constitui contra-alegação leve, donde, a consequência de tal omissão é apenas contraordenacional e nunca de invalidade(dação) do acordo de revogação do contrato de trabalho;
AA. Deste modo, o entendimento que as Recorrentes sufragavam no sentido do(s) acordo(s) de revogação do(s) contrato(s) de trabalho padecer(em) de um vício formal gerador da sua nulidade é contra-legem, na medida em que não tem qualquer suporte na letra ou no espírito da lei, correspondendo a uma interpretação da lei não balizada pelos cânones previstos no artigo 9.° n.°s 2 e 3 do Código Civil;
BB. Para além de tal nulidade não resultar, minimamente, de lei, da matéria de facto provada nos presentes autos resulta inequívoco que ambas as Recorrentes se encontravam acompanhadas por advogado, ao longo do processo negocial e no próprio momento da assinatura do acordo de revogação (no caso da 1.ª Recorrente, AA);
CC. Termos em que, também com este fundamento, não podem as Recorrentes pretender invalidar o acordo de revogação com base na ausência de menção expressa ao prazo para a revogação do acordo de revogação do contrato de trabalho, considerando que sabiam – ou não podiam desconhecer, sem culpa, por se encontrarem representadas por Il. Mandatários – que dispunham do prazo previsto no artigo 350.° n.° 1 do CT para o efeito;
DD. Termos em que, também com este fundamento, não podem as Recorrentes pretender invalidar o acordo de revogação com base na ausência de menção expressa ao prazo para a revogação do acordo de revogação do contrato de trabalho, considerando que sabiam – ou não podiam desconhecer, sem culpa, por se encontrarem representadas por Il. Mandatários – que dispunham do prazo previsto no artigo 350.° n.° 1 do CT para o efeito;
EE. Nos artigos 71.° a 207.° das Alegações de Recurso, as Recorrentes alegam, conforme haviam alegado na Petição Inicial, que a vontade das Recorrentes aquando da celebração dos respetivos acordos de revogação dos contratos de trabalho se encontrava viciada, chamando à colação os institutos da coação moral (artigo 255.° do CC), do assédio (artigo 29.° do CT), erro sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio (artigo 251.° do CC), culpa in contrahendu (artigo 227.° do CC) e erro sobre os motivos (artigo 252.° do CC);
FF. A alegação das Recorrentes é, salvo o devido respeito, descabida, bem como a subsunção dos factos ao Direito, o que resulta, desde logo, claro pela miríade de institutos jurídicos, com âmbitos de aplicação igualmente diversos, que as Recorrentes chamam à colação para justificar o seu alegado “erro”;
GG. Conforme bem entendeu o Tribunal a quo na Sentença em crise, a mera circunstância de as Recorrentes terem assinado os acordos de revogação dos seus contratos de trabalho com receio de virem a ser despedidas – o que, não obstante não ter sido provado, por se tratar de um medo psicológico, mas que se admite, para estes efeitos – não é o mesmo que dizer que as mesmas foram coagidas, ameaçadas, assediadas, etc., como as Recorrentes parecem fazer crer;
HH. Uma coisa é o receio (psicológico, auto-determinado) de um mal, outra coisa é tal receio ter sido criado, ilicitamente, pela Recorrida, o que, conforme resulta da matéria de facto provada e não provada nos presentes autos, manifestamente não sucedeu no caso vertente;
II. Nos presentes autos resultou cabalmente provado o inverso do alegado pela Recorrentes, isto é, que a Recorrida, no âmbito do Programa de Medidas Voluntárias, atuou com toda a lisura, em todos os passos do processo – cfr. pontos 7, 9, 10, 17, 18 e 20 da matéria de facto provada;
JJ. Resultou ainda provado que as Recorrentes estavam cientes do processo de reestruturação iniciado pela Recorrida em 11.02.2021, data em que teve início o Programa de Medidas Voluntárias, que foi muito discutido internamente, nomeadamente pelos sindicatos e pelos próprios trabalhadores (cfr. Ponto 23 da matéria de facto provada), sendo que as Recorrentes se encontravam filiadas no Sindicato Civil (“Sindicato”) (cfr. Ponto 32 da matéria de facto provada) e que as Recorrentes foram acompanhadas por advogado(s) ao longo do processo negocial e no momento da assinatura do acordo de revogação, no caso da 1. ª Recorrente, AA (cfr. Pontos 27 e 31 da matéria de facto provada);
KK. Da prova produzida nos presentes autos resulta cabalmente provado que as Recorrentes, a todo o momento, e ao longo de todo o processo negocial e no culminar do mesmo (i.e., no momento da assinatura dos acordos de revogação dos respetivos contratos de trabalho) foram informadas pela Recorrida e acompanhadas quer pelo Sindicato no qual se encontravam filiadas, quer por advogado(s);
LL. Assim, as Recorrentes não podem, em boa-fé, alegar erro na formação da vontade, com fundamento em alegado desconhecimento dos contornos do acordo de revogação dos contratos de trabalho e, por terem sido representadas por mandatário(s), as Recorrentes conheciam – ou, no mínimo, não podiam desconhecer, sem culpa – os pressupostos e os efeitos da revogação dos respetivos contratos de trabalho por acordo;
MM. Mais se refira que, também quanto a esta matéria, as Recorrentes não puseram minimamente em crise a prova produzida nos presentes autos, com recurso à matéria de facto provada e não provada, quer com recurso à prova testemunhal, quer à prova documental.
NN. As Recorrentes limitam-se nas suas Alegações de Recurso a formular juízos de discordância, tanto vagos como imprecisos, quanto à interpretação dos factos feita pelo Tribunal a quo, mas a mera discordância quanto à interpretação dos factos feita pelo Tribunal a quo, quando desacompanhada da indicação dos meios de prova bastantes que permitam infirmar a matéria de facto provada e/ou não provada, não é suficiente para determinar decisão diversa, pelo Tribunal ad quem, quanto à matéria de facto;
OO. Com efeito, a apreciação da matéria de facto pelo Tribunal a quo vincula o Tribunal ad quem, salvo se o recorrente lograr colocá-la em crise, através da indicação de novos/outros meios de prova que imponham – e não apenas que permitam - decisão diversa (cfr. artigo 640.º n.º 1, al. b), do CPC);
PP. Não o tendo feito, o Tribunal ad quem encontra-se vinculado à apreciação da matéria de facto pelo Tribunal a quo, por força dos princípios da livre apreciação da prova e da imediação;
QQ. Atendendo ao exposto, e à matéria de facto provada nos presentes autos, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que não houve qualquer coação, assédio, erro ou, em geral, qualquer facto ilícito que tenha viciado a vontade das Recorrentes aquando da assinatura dos respetivos acordos de revogação de contrato de trabalho;
RR. Termos em que, face à prova produzida, o Tribunal a quo (e o Tribunal ad quem), não poderia ter proferido outra decisão que não a que consta na Sentença em crise:
SS. Por fim, e atendendo a tudo quanto se expôs, impõe-se concluir que, nos presentes autos, as Recorrentes se encontram a litigar de má-fé, cfr. artigo 542, n.0 2, als. a), b) e d), do CPC;
TT. Em primeiro lugar, porquanto as Recorrentes não podem, em boa-fé, alegar erro na formação da vontade, com fundamento em alegado desconhecimento dos contornos do acordo de revogação dos contratos de trabalho, nomeadamente por terem sido representadas por mandatário(s);
UU. Em segundo lugar, porquanto, nos presentes autos, o Il. Mandatário das Recorrentes já havia requerido que alguma matéria alegada na Petição Inicial (nos artigos 61.0, 157.0 ao 159.0 e 161.0 ao 167.0) que é novamente alegada nas Alegações de Recurso (nos artigos 76.0, 78.0, 80.0, 81.0, 96.0, 97.0, 98.0, 102.0, 180.0, 182.0, 187.0, 200.0, 201.0 e 202.0) fosse dada por não escrita, tendo alegado que os artigos 157.° ao 159.° e 161.° ao 167.° da Petição Inicial se deveram a um mero lapso;
VV. Não só a alegação de tal lapso é descabida e, em si só, reveladora da má-fé processual das Recorrentes, como a circunstância de as Recorrentes voltarem, nas suas Alegações de Recurso, a alegar a mesma factualidade que haviam solicitado ao Tribunal que fosse dada por não escrita, por se tratar de um lapso, torna por demais evidente que as Recorrentes litigam em manifesta má-fé processual, o que deverá ser sindicado e sancionado devidamente pelo Tribunal ad quem;
WW. Veja-se que o artigo 200.° das Alegações de Recurso corresponde, ipis verbis, ao artigo 165.° da Petição Inicial, que o Il. Mandatário das Recorrentes havia requerido que fosse dado por não escrito, alegadamente por se tratar de um lapso!;
XX. Pelo exposto é imperioso concluir que as Recorrentes adotam uma conduta processual manifestamente temerária e censurável, que deverá ser devidamente sancionada no âmbito do instituto da litigância de má-fé, cfr. artigo 542.° n.° 2, als. a), b) e d), do CPC;
YY. Por tudo quanto se expôs, requer-se a V. Ex.ªs que se dignem condenar as Recorrentes como litigantes de má-fé, em multa a fixar acordo com o prudente arbítrio de V. Ex.ªs e em indemnização correspondente aos honorários dos mandatários, nos termos dos artigos 542.° n.° 1 e 543.° n.° 1, al. a), do CPC, tendo em conta o disposto no n.° 2 do referido preceito legal.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão:
a) Deverá ser negado provimento ao recurso das Recorrentes, com a consequente manutenção da Sentença proferida pelo Tribunal a quo;
b) Deverão as Recorrentes ser condenadas como litigantes de má-fé.
Assim se fazendo o que é de Justiça. »
Neste Tribunal da Relação, chegados os presentes autos recursivos (de apelação da sentença da 1ª instância), a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso com manutenção integral da sentença recorrida.
Consultado no citius o recurso que subira em separado (16726/22.5T8LSB-A) na refª. 21340245 (datada de 21/3/2024) e seguintes consta que houve decisão sumária (que não conhecera do seu objecto por falta de conclusões) e já transitada em julgado.
Foi proferido despacho pela presente relatora com vista a que, no prazo geral e querendo, ambas as partes ou as recorrentes/recorrentes, respectivamente, se pronunciassem relativamente às seguintes questões (suscitadas pela recorrida/ré nas contra-alegações):
a propósito da inadmissibilidade do recurso na parte relativa à decisão interlocutória alvo de recurso que subira em separado e o qual, entretanto, já tivera decisão transitada em julgado;
a propósito da inadmissibilidade da junção de documento aquando do recurso;
e a propósito da condenação das recorrentes como litigantes de má-fé.
As recorrentes/autoras vieram pronunciar-se no sentido de serem absolvidas do pedido de litigância de má-fé e de ser admitida a junção do documento que se afigurou necessário para contradizer facto dado como provado na sentença recorrida.
A recorrida/ré veio pronunciar-se no sentido de considerar precludido o conhecimento da excepção que havia suscitado nas contra-alegações, face à não admissão do recurso interlocutório, conforme constava do despacho da presente relatora.
E veio desistir do pedido de condenação em indemnização das recorrentes/autoras como litigantes de má-fé, apenas subsistindo o pedido de pagamento em multa por alegada litigância de má-fé destas e em montante não inferior a 30 UC que reputa adequado face à gravidade da conduta destas expressa nas contra-alegações e à moldura legal.
As recorrentes/autoras vieram manifestar a sua discordância relativamente àquele pedido de condenação em multa por carecer de sustentação legal e, à cautela, reputam exagerado o seu valor.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
Questões prévias
Conforme já foi referido (aquando do nosso relatório), no decurso da 2ª sessão da audiência de discussão e julgamento da presente lide na 1ª instância, as autoras não se conformaram com a decisão interlocutória da Exmª juiz, relativamente à matéria da inquirição das respectivas testemunhas, e interpuseram recurso de apelação que subiu com efeito devolutivo e em separado sob o nº 16726/22.5T8LSB-A.
Ora, não obstante a interposição de tal recurso com tal fundamento, as autoras vieram suscitar questões relativas a essa mesma decisão interlocutória, aquando do recurso de apelação da sentença final a que se reportam estes autos (mais concretamente nos itens 1 a 53 inclusive desta sua motivação recursiva e itens B) a E) das respectivas conclusões recursivas).
Em face disto, a ré/recorrida veio contra-alegar, arguindo a litispendência com base na qual refuta a possibilidade de as autoras pretenderem impugnar, uma vez mais, a mesma decisão interlocutória.
Em face disso e porque, entretanto, tivemos conhecimento oficioso de que já houvera decisão de tal recurso transitada em julgado (sem invalidação da audiência de julgamento), foi exercido o contraditório, no sentido de as partes se pronunciarem (sobre tal decisão interlocutória não poder ser impugnada duas vezes e ter ficado prejudicado o conhecimento do recurso em apreço na parte respeitante àquela decisão interlocutória e seus efeitos), tendo a recorrida/ré aderido a este entendimento.
Cumpre decidir.
Efectivamente – e ressalvado o devido respeito pelas autoras/recorrentes –, não tem qualquer cabimento legal estas pretenderem impugnar duas vezes a mesma decisão interlocutória.
O direito de recorrer de tal decisão (interlocutória) já se esgotara aquando do respectivo exercício que tivera lugar durante a audiência de discussão e julgamento.
Por isso, não sendo susceptível de uma pretensa renovação/reiteração/ressurreição “à boleia” do direito que lhes assiste de recorrer da decisão final e a cujo exercício se reporta o recurso em apreço.
Neste, tão somente lhes seria permitido fazer menção daquele outro no sentido de este poder vir a tornar-se inútil em caso de, naquele outro, vir a ser ordenada a repetição do julgamento – o que não foi o que sucedeu, conforme consta da respectiva decisão proferida naquele e com trânsito em julgado.
Nesta conformidade, impõe-se a rejeição do recurso em apreço na parte relativa àquela decisão interlocutória e seus efeitos.
**
Conforme já foi referido (no nosso relatório), aquando do recurso a que se reportam os presentes autos, as recorrentes/autoras vieram juntaram um documento (certidão de um saneador-sentença proferido no âmbito de uma acção de impugnação de despedimento coletivo intentada por GG, com mais 18 trabalhadores chamados, contra XX, S.A., no J2 do Juízo do Trabalho de Lisboa e que declarara ilícito o respectivo despedimento atenta a inclusão das situações de absentismo por doença crónica e a falta de concretização dos critérios de seleção de trabalhadores a despedir). Alegando que a sentença recorrida reconhecera a existência de ameaça de despedimento ao mesmo tempo que ignorara facto que não podia desconhecer e que veio a ser confirmado para aquele saneador-sentença (a impossibilidade de serem aquilatados os motivos para a selecção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento coletivo).
Em face disso, nas contra-alegações a recorrida/ré veio pugnar pela rejeição desse documento por extemporânea e injustificada.
Uma vez exercido o respectivo contraditório, as recorrentes/autoras vieram pugnar pela sua admissão, alegando tratar-se de um documento com mero caráter informativo, que tal certidão judicial sempre estaria ao alcance deste Tribunal de recurso e cuja junção se mostrara necessária para contradizer facto dado como provado na sentença recorrida.
Cumpre decidir.
Efectivamente – e ressalvado o devido respeito pelas autoras/recorrentes – o sobredito documento junto por estas, aquando do recurso em apreço, sem sequer terem requerido tal junção, afigura-se-nos que é extemporânea e injustificada.
Aliás, só aquando do sobredito exercício do contraditório é que as autoras/recorrentes vieram apresentar uma justificação, inexistente aquando daquela junção.
Para além disso e conforme refere o (só agora) citado art. 651º, nº 1, do CPC, nesta fase processual, a junção de documentos é excepcional, só sendo de autorizar quando não tiver sido possível apresentar antes ou tal junção se tornar necessária em virtude de julgamento na 1ª instância.
Ora, atenta a data desse saneador-sentença, constata-se que podia ter sido junta anteriormente. E, por outro lado, atenta as diferenças entre ambas as lides, nomeadamente, quanto à sua natureza e ao seu objecto respectivo, nem sequer se nos afigura que fosse necessária tal junção aos presentes autos, perante a decisão recorrida destes e para a decisão recursiva destes.
Por conseguinte, impõe-se recusar tal junção documental, devendo ser desentranhado esse documento e entregue às recorrentes.
E, consequentemente, condenam-se as recorrentes a pagar uma multa que se fixa pelo montante mínimo legal (nos termos conjugados do art. 443º do CPC e art. 27º, nº1, do RCP).
**
Conforme já foi referido (aquando do nosso relatório) - na sequência de despacho da relatora -, a recorrida/ré veio desistir do pedido de indemnização por litigância de má-fé que havia formulado, aquando das contra-alegações, contra as recorrentes/autoras, apenas mantendo o pedido de condenação em multa.
Aquando do contraditório, as recorrentes/autoras não se opuseram a essa desistência parcial.
Cumpre decidir.
Assim, sendo válida e juridicamente relevante tal desistência parcial, homologa-se a mesma, ficando extinta essa parte do pedido incidental formulado pela recorrida/ré, no tocante ao direito indemnizatório incidental que pretendia fazer valer contra as recorrentes/autoras .
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das recorrentes [conforme preveem os artigos 635.º, n.º 4, 637º, nº 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT)] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras que não se encontrem precludidas [conforme prevê o art. 608º, n.º 2, parte final, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, parte final, do CPC aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do CPT ] – as questões a decidir são as seguintes:
1ª – há nulidade da sentença ?
2ª – há nulidade do respectivo acordo de cessação contratual ?
3ª – há anulabilidade do respectivo acordo de cessação contratual ?
4ª – há má-fé das recorrentes ?
*
Atentemos ao teor da sentença recorrida no tocante à sua fundamentação de facto:
«1.1. Factos Provados:
Em face da produção de prova considero assentes os seguintes factos:
1. As autoras foram admitidas ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho, para, sob a sua autoridade, direção, fiscalização e remuneração, e desde a data da sua admissão, exercerem as funções de “Tripulante de Cabine” inerentes a tal;
2. A A. AA tem o número interno nº ... e ocupou a Categoria de Chefe de Cabine.
3. A. BB tem o número interno nº ... e ocupou a Categoria de Cab IV.
4. A A. AA auferia a título de remuneração a título de vencimento base a importância de €2.119,00.
5. A A. BB auferia a título de remuneração a título de vencimento base a importância de €1.788,00, sem prejuízo de outras componentes que estas auferiam como Ajuda de Custo Complementar, ajudas de custo para estadias e vencimento de senerioriedade.
6. No sentido de negociar a cessação dos referidos contratos de trabalho, a Administração da XX, S.A., através do Director de Recursos Humanos do Grupo, HH, encetou negociações individuais com cada uma das AA.
7. Assim, no dia 19 de Abril de 2021, enviou à A. AA, através de correio eletrónico para o email da A., uma denominada “Convocatória para a Reunião”, com o seguinte teor: “ Assunto:
Convocatória para reunião
Exm
A XX, S.A. vem, no âmbito do processo de reestruturação em curso, convidá-lo para uma reunião com a DHR e a sua Direção, na seguinte data, hora e local:
Dia: 22 de Abril de 2021
Hora: 10:30
Local: sede – ...
Não obstante a natureza de todo este processo, o mesmo é absolutamente essencial para uma futuro viável e sustentável da XX, S.A. e está a ser conduzido com toda a objectividade pela Empresa, procurando-se ao máximo minimizar o recurso a medidas unilaterais.
Certos da sua melhor compreensão, enviamos os nossos melhores cumprimentos,
HH
Director de Recursos Humanos do Grupo XX”,
tudo conforme melhor consta do referido email, que ora se junta e aqui se dá por reproduzido
8. Foi, desse modo, a A. convocada pelo Director de Recursos Humanos, HH, para uma reunião, a realizar no dia 22 de Abril de 2021, pelas 10:30 horas, na qual estava presente II, Diretor de Tripulantes de Cabine da R., bem como membro do departamento de recursos humanos.
9. Também a A. BB foi convocada em termos idênticos, para uma reunião a ser realizada no dia 27 de Abril de 2021, pelas 15 horas, com as mesmas pessoas presentes.
10. Na referida reunião foi proposto às autoras um acordo de revogação do contrato de trabalho;
11. À 1ª autora foi dado o prazo até 27 de abril para aceitar a referida proposta, o que só veio a acontecer a 5 de maio de 2021, nos termos que constam de fls. 28 a 31 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12. A ré comunicou às autoras por e-mail de 22/04/2021 a suspensão do seu Contrato de Trabalho/procedimento de Lei Off/Alteração de medida em termos e condições que constam de fls. 114 verso a 115 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
13. No dia 11 de Maio de 2021, assinou a A. BB a rescisão do seu contrato de trabalho por mútuo acordo, em termos e condições que constam de fls. 14 verso a 17 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14. Foi declarado pelo JJ, com data de 18/06/2021 e 17/03/2022, relativamente à 191 autora, o que consta de fls. 17 verso e 18 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
15. Foi declarado pelo Sindicato em 15/02/2022 o que consta de fls. 18 verso dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 9. A 1ª autora apresentou no dia 19/05/2021 dois e-mails junto dos Recursos Humanos da ré com o teor que consta de fls. 19 a 20 dos autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16. A 1ª autora apresentou junto dos Recursos Humanos da ré, em 18/03/2022, o e-mail que consta de fls. 20 verso dos autos, tendo havido a troca de correspondência que consta de fls. 21 a 24 dos autos e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
17. As autoras foram incluídas numa listagem da ré de trabalhadores a quem foi proposta a revogação do contrato de trabalho;
18. As autoras foram incluídas numa listagem da ré de trabalhadores a serem abrangidos pelo despedimento coletivo, mas que não chegaram a ser na medida em que o contrato de trabalho cessou antes do início do processo de despedimento coletivo;
19. A ré iniciou o procedimento do despedimento coletivo em 08/07/2021;
20. Na referida reunião a ré explicou às autoras que não sendo aceite a proposta de revogação por mútuo acordo, as mesmas seriam incluídas no despedimento coletivo que veio a ter lugar
21. A partir de 30/04/2021 até junho desse ano os meios de comunicação social anunciaram a utilização de um algoritmo por parte da ré para incluir os trabalhadores na lista do despedimento coletivo, em termos que constam das notícias de fls. 101 verso a 109 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
22. Correu termos junto do Ministério Público de Cascais uma tentativa de conciliação iniciada com o pedido da 1ª autora ao Ministério Público em 18/02/2022 e que culminou numa tentativa de conciliação em 17/03/2022 e posterior decisão do Ministério Público a 04/04/2022 em termos que constam dos documentos ora juntos aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
23. O processo de reestruturação iniciado pela R. em 11 de Fevereiro de 2021 (data em que teve início o Programa de Medidas Voluntárias), foi, naturalmente, muito falado e discutido internamente, tendo sido questionado por todos os Sindicatos representativos de trabalhadores da R. e, bem assim, por diversos dos seus trabalhadores;
24. Concluído o Programa de Medidas Voluntárias, a R. decidiu contactar, diretamente, os trabalhadores que iriam ser abrangidos pelo processo de despedimento coletivo que se perspetivava que viesse a ser necessário, com vista a propor-lhes a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho como alternativa a esse mesmo processo.
25. No dia 25/04/2021 a ré enviou à 1ª autora o e-mail de fls. 112 verso a 113 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
26. Nos meios de Comunicação Social e no dos Sindicatos envolvidos foi debatido desde 13/04/2021 a temática dos critérios empregues pela XX, S.A. para a lista de inclusão no despedimento coletivo, tal como consta de fls. 109 verso a 112 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
27. A 1ª autora esteve acompanhada por advogado no momento da assinatura do acordo de rescisão;
28. No âmbito do Plano de Reestruturação da R. foi definido como objetivo reduzir a força de trabalho distribuídos por todas as principais áreas da R.;
29. A R. decidiu, antes de lançar mão de uma medida unilateral, concretizar a reestruturação da sua organização por via consensual, através da disponibilização de um Programa de Candidaturas Voluntárias aos trabalhadores;
30. Através da implementação deste Programa e por via das medidas voluntárias, a R. conseguiu reduzir o seu número de “efectivos”
31. A 2ª autora no momento da reunião (27/04/2022) encontrava-se acompanhada por advogado;
32. As autoras, à data da reunião estavam filiadas no CNPVAC
33. Toda a situação em apreço causou stress laboral e mental nas AA;
34. A R. explicou às AA as referidas reuniões quais os critérios usados para a sua inclusão no processo de despedimento coletivo.
***
1.2. Factos não provados:
1. A R. exerceu pressão psicológica sobre as AA para que assinassem os acordos de revogação do contrato, tendo o feito contra a sua vontade;
2. As AA não entenderam os critérios explicados pela R. na reunião para a sua inclusão no despedimento coletivo:
3. As AA acompanharam a discussão pública, na comunicação social e nos sindicatos, sobre a aplicação dos critérios de seleção para o despedimento coletivo.
4. Na reunião foi comunicado às AA que os voos lhes haviam sido distribuídos tinham sido retirados do seu planeamento, e que poderia haver um cenário e eventual insolvência da R.;
***
1.3. Motivação
Os factos assentes de 1 a 32 dos factos provados resultaram do acordo em sede de articulados e audiência de julgamento.
CC, depôs na qualidade de presidente do sindicato, mas não tinha qualquer conhecimento direto dos factos. Falou com as AA após a reunião mas o que sabe é apenas o que estas lhe relataram. Atestou porém o estado emocional das mesmas. O estado emocional de stress das AA foi igualmente atestado por DD e KK, amigo e companheiro da 1º e 2ªs AA, respetivamente, o que se deu por provado em 33 dos factos provados.
Não se provou que a R. tenha feito qualquer pressão psicológica sobre as AA para que estas aceitassem as medidas. Pelo contrário. FF explicou que esteve presente na reunião com as AA. (sendo que existiu ainda uma outra, final, e onde uma da AA até esteve acompanhada de advogado). E que explicou todas as dúvidas que colocaram, deixou o email e telefone para colocarem dúvidas, como aliás fizeram. E existia um timing para a conclusão do processo, mas que tal não foi qualquer pressão senão a decorrente do prazo, sendo que as AA pediram um prazo maior para decidir, e foi concedido, mas sempre dentro do prazo geral para conclusão do procedimento negocial. E isso mesmo foi dado por provado em 1 dos factos não provados.
A testemunha explicou ainda que foi dito às AA. que estavam incluídas nesse leque de pessoas que poderiam ser abrangidas no despedimento coletivo e que lhes explicou quais foram os critérios para o efeito. E ninguém infirmou tal depoimento. O que se deu por provado em 34 dos factos provados. As AA entenderam esses critérios, se não totalmente pelo menos em parte, pois comunicaram ao presidente do sindicato, CC, que era o absentismo, e falaram do algoritmo que era um tema muito falado na altura como o próprio confirmou. Por outro lado, como podiam colocar questões tudo ficou explicado, dentro do que havia por explicar, e assim se deu tal por não provado em 2. Donde, se as AA entenderam, ou não, não se logrou provar, tão pouco se acompanharam a discussão publica na comunicação social e sindicatos sobre a aplicação dos critérios.
Ninguém mencionou a retirada dos voos do planeamento das AA nem o cenário de uma eventual insolvência, o que foi dado por não provado em 4. »
Apreciação das questões recursivas
1ª questão – Há nulidade da sentença ?
As recorrentes/autoras vêm arguir a nulidade da sentença por alegada obscuridade que a torna ininteligível nos termos do alegado art. 615º, nº 1, al. b), do CPC.
A recorrida/ré refuta tal por nem sequer estar concretizada.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já, importa salientar que - contrariamente ao alegado pelas recorrentes -, a invocada nulidade não está prevista na alegada alínea b), mas sim na 2ª parte da alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Vejamos o teor deste preceito (na parte respectiva transcrita):
1 - É nula a sentença quando: …
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; …
Daqui resulta ser manifesto o lapso quanto à mencionada alínea.
A propósito de obscuridade que torne uma sentença ininteligível tem sido entendido pela doutrina (salientando-se Miguel Teixeira de Sousa em “Composição da acção”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, pág. 225) e pela jurisprudência (salientando-se o acórdão do STJ de 3/3/2021 relatado pela Exmª Conselheira Leonor Cruz Rodrigues em dgsi.pt) que:
A “obscuridade” equivale a dificuldade de percepção do sentido de uma expressão ou frase escrita do texto da sentença e seja de tal forma manifesto esse vício formal que afecte a inteligibilidade dessa peça processual e que obste a qualquer pronunciamento de mérito;
Não se confundindo com o erro de julgamento (“error in judicando”) que resulta de uma distorção da realidade factual (“error facti”) ou na aplicação do direito (“error juris”), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa (traduzindo-se numa apreciação em desconformidade com a realidade factual ou com a lei).
Ora, da leitura do texto da sentença recorrida não se vislumbra qualquer obscuridade que a torne ininteligível em termos factuais e/ou jurídicos, isto é, que tenha chegado a um resultado obscuro em linha com a fundamentação (factual ou jurídica) usada que não permitisse ser apreensível o sentido decisório. Sendo a construção da sentença (em termos factuais e jurídicos) clara e perceptível no seu sentido.
Aliás, o teor integral deste recurso, por si só, desmente qualquer ininteligibilidade por parte das recorrentes relativamente à sentença recorrida, denotando que as mesmas apreenderam o seu conteúdo.
O que se verifica – salvo o devido respeito – é o desacordo e o inconformismo das recorrentes relativamente à valoração e ao julgamento constantes da sentença recorrida, aproveitando para, através desta forma oblíqua (de arguição de nulidade da sentença), tentar obter a invalidação da decisão desfavorável com a qual estão em desacordo.
E, mais, as recorrentes (para sustentarem a arguição desta pretensa nulidade da sentença recorrida), usam, nas conclusões recursivas, argumentos usados para sustentar o recurso que interpuseram de decisão interlocutória com a qual não se haviam conformado e que (não obstante tal interposição pela via adequada e que seguiu em separado), por esta via oblíqua, também, pretendem reverter.
E, aliás, na motivação recursiva, as recorrentes nem sequer justificam a pretensa nulidade da sentença. Apenas, referindo que, caso não seja deferida a pretendida anulação e repetição do julgamento, que seja declarada a ininteligibilidade da sentença por obscuridade.
Por tudo o exposto, improcede tal arguição.
2ª questão – Há nulidade do respectivo acordo de cessação contratual ?
As recorrentes/autoras vêm arguir a nulidade do respectivo acordo de cessação contratual com a ré/recorrida, alegando que esse respectivo documento não menciona o prazo legal para o exercício do direito de poder fazer cessar o respectivo acordo, nos termos exigidos pelo art. 349º, nº 3, parte final, do Código do Trabalho.
A recorrida/ré refuta tal consequência, apenas configurando uma contra-ordenação leve nos termos previstos pelo nº 6 desse mesmo artigo.
Cumpre apreciar e decidir.
Vejamos o que consignam os arts. 349º e 350º do Código do Trabalho de 2009 com a redacção actual (dada pela Lei nº 73/2017, de 16/08 – que é aplicável aos autos em apreço dada a incontroversa data dos acordos de cessação em 5/5/2021 com a 1ª autora e em 11/5/2021 com a 2ª autora – doravante com a abreviatura CT), na parte com interesse para o caso:
« Artigo 349º - Cessação de contrato de trabalho por acordo
1 - O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo.
2 - O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.
3 - O documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação. (…)
6 - Constitui contra-ordenação leve a violação do disposto nos n.os 2 ou 3. »;
« Artigo 350º - Cessação do acordo de revogação
1 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração. (…)
4 - Exceptua-se do disposto nos números anteriores o acordo de revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objecto de reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei. »
Como sabemos o art. 340º, al. b), do CT prevê, expressamente, a revogação como uma das formas de cessação do contrato de trabalho.
Assim se prevendo que, à luz da liberdade contratual, as partes contratantes possam pôr fim ao vínculo existente entre elas, através do recurso a este negócio bilateral que é a revogação (do contrato de trabalho por acordo).
Mas, atenta a debilidade contratual que o legislador jus-laboral reconhece a uma das partes contratantes – atenta a subordinação jurídica e económica do trabalhador com o inerente ascendente do empregado, no âmbito da respectivo contrato de trabalho (contrariamente ao que sucede nos contratos em geral) – são feitas as sobreditas e expressas exigências legais.
Não bastando o acordo revogatório estar reduzido a escrito, enquanto formalidade “ad substantiam”, esta sua forma legal constitutiva de um acordo revogatório tem de conter todas as sobreditas menções expressas:
. a data da celebração desse acordo;
. a data do início da produção dos respectivos efeitos extintivos;
. e o prazo legal para o exercício do (vulgarmente chamado) direito ao (eventual) arrependimento por parte do trabalhador – não sendo exigida esta menção expressa se tal acordo estiver devidamente datado e contiver reconhecimento notarial presencial das assinaturas (de todas as respectivas partes) nele apostas. Só nesta hipótese o trabalhador perderá tal direito potestativo.
Por isso, sempre que as assinaturas apostas num acordo revogatório de contrato de trabalho não estejam reconhecidas presencialmente por notário, é obrigatória a menção expressa (nesse acordo escrito) do prazo legal de 7 dias seguintes à data da respectiva celebração (como período de reflexão do respectivo trabalhador, protegendo-o contra a sua própria precipitação) para - querendo e durante esse mesmo prazo - este poder fazer cessar tal acordo revogatório.
Desta forma – e mantendo uma tradição do sistema jurídico (que remonta ao art. 7º da Lei dos Despedimentos de 1975) a já referida Lei nº 73/2017, de 16/08, veio acrescentar ao nº 3 do supra-transcrito art. 349º do CT esse segmento final –, quis o legislador garantir a genuinidade e actualidade de tal acordo revogatório (face a certas situações fraudulentas que se vinham generalizando, de folhas em branco assinadas por trabalhadores aquando da sua admissão e que vinham a ser utilizadas para efeitos revogatórios). E, também, garantir que o trabalhador tivesse pleno conhecimento de tal possibilidade (conhecida vulgarmente como direito ao seu arrependimento) de, durante o sobredito e exacto hiato temporal, unilateralmente e sem necessidade de qualquer justificação, poder exercer tal direito potestativo, isto é, poder rescindir tal acordo revogatório do contrato de trabalho – ficando esse acordo revogatório sem efeito e, consequentemente, fazendo retomar a execução contratual existente entre ambas as partes e com eficácia retroactiva (tudo se passando como se nunca tivesse havido tal acordo rescindido).
Esta é uma forma singular (excepcional) de salvaguardar a possibilidade de, durante esse hiato temporal de 7 dias (após a data da celebração de um acordo revogatório de contrato de trabalho), o trabalhador poder reavaliar/repensar essa sua decisão revogatória de forma mais reflectida e até livre de, eventual, constrangimento que possa ter tido aquando da sua assinatura (sem reconhecimento presencial por notário). E, durante esse período, poder rescindi-la (unilateralmente e sem necessidade de invocar qualquer justificação perante o empregador) – independentemente da vontade ou interesse deste último que, de antemão, sabe que, durante aquele hiato temporal, tal poderá suceder, se não tiver havido reconhecimento notarial presencial das suas assinaturas.
Desta forma, a lei permite que prevaleça a vontade unilateral do trabalhador no sentido da manutenção do vínculo contratual e até com efeitos (excepcionalmente) repristinatórios do contrato de trabalho que, porventura, já tivesse cessado como é o caso de acordo revogatório com efeitos imediatos aquando da sua celebração que, não obstante isso, venha a ser rescindido pelo trabalhador dentro do 7º dia seguinte.
Conforme referem António Monteiro Fernandes (em “Direito do Trabalho”, 22ª edição, págs. 619-626), Jorge Leite (em “Direito do Trabalho II “, edição 1992/1993 da FDC com reprint 1999, pág. 290) e Maria do Rosário Palma Ramalho (em “Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais“, 9ª edição revista e actualizada, págs. 947-956), não basta o princípio geral da liberdade contratual de as partes se poderem desvincular, por mútuo acordo e sem necessidade de indicarem a respectiva motivação.
O princípio da protecção do trabalhador justifica as sobreditas exigências formais/a forma qualificada do acordo revogatório – restringindo a liberdade de forma negocial, em conformidade com a ressalva final já contida no art. 219º Código Civil (doravante com a abreviatura CC).
Caso haja inobservância de tais exigências legais obrigatórias, tal determinará como consequências legais:
-» a nulidade desse acordo, nos termos gerais dos arts. 220º, 285º, 286º, 289º do CC;
-» para além de fazer incorrer o respectivo empregador na prática de uma contra-ordenação leve (punível com coima nos termos previstos pelos arts. 548º-550º, 551º, 554º, nºs 1, 2 e 5 a 9, e 559º a 566ºdo CT).
Assim se visando prevenir, combater e sancionar eventuais práticas fraudulentas por parte do empregador (relativamente ao trabalhador subordinado), acrescendo à sanção de nulidade do contrato uma sanção contra-ordenacional leve.
Mas, sem que esta sanção (específica das relações laborais e com o grau menos gravoso) consuma ou exclua aquela outra sanção (aplicável a todos os negócios jurídicos e como causa extintiva dos mesmos através da nulidade ) – caso contrário, ficariam esvaziadas, em grande parte, as sobreditas finalidades de prevenção geral e especial (inerentes à exigência das sobreditas formalidades especiais ou forma qualificada para um acordo revogatório).
Como bem sabemos (e contrariamente ao regime das contra-ordenações), a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, até pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e tem efeitos retroactivos (cfr. os já referidos arts. 286º e 289º do CC).
Neste sentido também já se pronunciou o Acórdão do TRG de 23/1/2024 relatado pelo Exmº Desembargador Francisco Sousa Pereira (acessível na dgsi).
Posto isto, estamos em melhores condições de apreciar o caso concreto.
No caso em apreço, é indiscutível que cada uma das autoras (trabalhadoras/recorrentes) havia celebrado com a ré (empregadora/recorrida) um acordo escrito revogatório do respectivo contrato de trabalho existente entre ambas, assinado por ambas as partes respectivas, sem reconhecimento notarial de qualquer assinatura e sem que conste desse respectivo documento escrito qualquer menção ao prazo legal para (eventual) exercício do direito ao arrependimento por parte da respectiva trabalhadora.
A este propósito, sentença recorrida consignou o seguinte (transcrição):
« (…) Sustentam ainda as AA que o acordo de revogação não continha o prazo dentro do qual podiam fazer cessar o acordo de revogação e que tal resulta na nulidade do mesmo.
Porém o art. 349º nº 6 do CT consagra expressamente que a ausência de estipulação desse prazo constitui um contra ordenação leve. Nunca uma nulidade.
Por outro lado o legislador consagrou soluções legais e prazos para o efeito no preceito seguinte, no art. 350º do C.
1 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração.
2 - O trabalhador, caso não possa assegurar a recepção da comunicação no prazo previsto no número anterior, deve remetê-la por carta registada com aviso de receção, no dia útil subsequente ao fim do prazo, com exceção dos acordos de revogação datados e objeto de reconhecimento notarial presencial.
O prazo estava pois definido, resulta da lei, e não foi observado qualquer arrependimento dentro do mesmo prazo (…) »
Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Exmª Juiz do Tribunal recorrido nem à ré/recorrida/empregadora.
Pois (perante a omissão de menção expressa do prazo legal de arrependimento de cada trabalhadora/aqui autora), a cominação legal expressa de configurar a prática de uma contra-ordenação leve, não exclui (nem pode excluir) a cominação legal geral de configurar uma causa de nulidade do respectivo acordo revogatório.
Caso contrário, ficariam esvaziadas, totalmente, as já explicadas razões de ser da exigência legal (contida na parte final do nº 3 do art. 349º do CT) de tal menção expressa no acordo escrito revogatório do respectivo contrato de trabalho.
Sendo irrelevante que, aquando da assinatura de tal documento, tivesse havido, ou não, qualquer mera informação verbal por parte da ré, a alguma das autoras/trabalhadoras, a propósito de tal direito ao arrependimento e /ou que o mero acompanhamento de alguma das autoras por advogado por si constituído fosse suficiente para se considerarem informadas e cientes de tal direito ao arrependimento e que ficasse sanada a falta da sua menção (escrita e expressa desse seu direito potestativo enquanto trabalhadoras) no respectivo acordo de revogação do contrato de trabalho (sem reconhecimento notarial presencial das respectivas assinaturas) .
Assim sendo, impõe-se revogar a sentença recorrida, com procedência da acção nesta conformidade, mantendo-se vigente o respectivo contrato de trabalho entre cada uma das autoras e a ré, bem como todas as obrigações dele emergentes, nomeadamente, o pagamento das retribuições que deixaram de auferir, respectivamente desde 5/5/2021 a 1ª autora e 11/5/2021 a 2ª autora, e a reintegração destas trabalhadoras nos seus respectivos postos de trabalho, sem prejuízo da respectiva antiguidade.
Por conseguinte, ficando prejudicada a 3ª e restante questão recursiva das recorrentes para o caso de haver uma resposta oposta à agora dada à presente.
4ª questão – Há má-fé das recorrentes/autoras ?
A recorrida/ré, aquando das contra-alegações, veio arguir a litigância de má-fé das recorrentes/autoras, nos termos previsto pelo art. 542º, nºs 1 e 2, als. a), b) e d), do CPC, e pedir a condenação destas em multa a fixar de acordo com o prudente deste Tribunal e que, entretanto, aquela reputou não dever ser inferior a 30 UCs.
As recorrentes/autoras refutam tal.
Cumpre apreciar e decidir.
Como sabemos, a má-fé processual está prevista no referido art. 542º do CPC que (sob o título “ Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé ”) consigna:
« 1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. »
A litigância de má-fé representa uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo. É o dolo processual unilateral (sem conluio entre as partes) – distinguindo-se do dolo processual bilateral que corresponde à figura do processo simulado (a que se reporta o art. 612º do CPC) .
A litigância de má-fé traduz-se, em última instância, na violação do dever de boa fé processual imposto pelo art. 8º do CPC, que obriga as partes ao dever de cooperarem entre si e com o Tribunal, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição da contenda e agindo com lisura.
O supra-transcrito nº 2 do art. 542º do CPC elenca os diversos comportamentos tidos pelo legislador como indiciadores de litigância de má fé, reconduzindo-se essas variantes comportamentais a duas modalidades de má fé:
a má-fé material ou substancial, a que se reportam aquelas alíneas a) e b), que diz respeito ao fundo da causa, isto é, à relação substancial deduzida em juízo;
a má fé processual, a que se reportam aquelas alíneas c) e d), que diz respeito a questões processuais (legitimidade das partes, competência do tribunal, valor da ação que influi nas custas e na possibilidade de recursos, etc.).
Mas, para que exista má-fé processual ilícita, não basta que algum dos litigantes adopte um daqueles comportamentos elencados na lei como indiciadores de má-fé.
Também se exige, sempre, que um tal comportamento por parte de algum dos litigantes seja feito dolosamente ou com negligência grave (culpa lata), isto é:
que consciente e voluntariamente adopte um dos comportamentos previstos no n.º 2 do art. 542º, com a vontade pré-determinada e maliciosa de alcançar os resultados aí enunciados (dolo); ou
que com leviandade ou imprudência grosseira ou extraordinariamente desleixada, devida a falta de precaução exigidas pelas mais elementares regras de prudência ou previsão que devem ser observadas nos usos correntes da vida, acabe por incorrer numa das situações previstas nesse n.º 2 (negligência grave) – a este propósito sendo elucidativo o Acórdão do STJ de 28/5/2009 (no Proc. 09B681, em dgsi).
Esta figura jurídica da litigância de má-fé foi criada para tutelar o bem jurídico do sistema de justiça processual, tem especificidades quanto à conduta sancionada, quanto à culpa e quanto às consequências.
Tendo inerente um desmerecimento por parte do juiz, relativamente à litigância de qualquer uma das partes num determinado processo (conotada com elevada carga pejorativa), exige-se ao julgador especiais cautelas, prudência e cuidado (aquando deste policiamento do processo por parte do juiz, por forma a não colidir com o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (previsto no art. 20º da CRP) e, em última instância, com a dignidade da pessoa humana como pilar fundacional do nosso ordenamento jurídico (previsto no art. 1º da CRP). Impondo-se evitar uma condenação injusta como litigante de má-fé, pelo seu caráter gravoso e estigmatizante para um condenado, que seria necessariamente altamente lesiva da sua dignidade – conforme explicitam António Menezes Cordeiro (em “Litigância de Má-Fé Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, edição 2016 e a jurisprudência por este citada nas págs. 67-68 dessa obra), Manuel Andrade (em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 356) e o Acórdão do STJ de 3/2/2011 (em Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77).
Posto isto, vejamos o caso concreto.
As autoras/trabalhadoras – inconformadas com a decisão do Tribunal da 1ª instância que julgara, totalmente, improcedente a acção por elas intentada contra a ré/empregadora – , vieram interpor o recurso a que se reportam os presentes autos e nos termos já supra-explanados e apreciados.
Ora – salvo o devido respeito pela ré/recorrida que, em sede de contra-alegações, suscitara esta questão –, não se nos afigura que, em sede recursiva (mais concretamente na motivação do recurso e respectivas conclusões), as autoras/recorrentes: dolosamente ou com grosseira negligência, tivessem deduzido pretensão recursiva destituída de fundamento que não devessem ignorar e/ou dolosamente ou com grosseira negligência, tivessem alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão do recurso e/ou dolosamente ou com grosseira negligência, tivessem feito um uso manifestamente reprovável do processo recursivo, visando um ilegal objectivo ou impedimento da descoberta da verdade ou entorpecimento da acção da justiça.
Não obstante ter ficado prejudicado, previamente, o conhecimento de uma parte do recurso (relativa a matéria impugnada em recurso de decisão interlocutória); não obstante ter sido rejeitada a junção de um documento (apresentado aquando do recurso); e não obstante ter sido julgada improcedente uma parte do recurso (relativa a invocada nulidade da decisão recorrida) – nos termos constantes das respostas por nós dadas às sobreditas questões prévias e 1ª questão recursiva, respectivamente (aqui dados por reproduzidos) –. Tendo tal actuação das recorrentes tido o inerente insucesso recursivo e o inerente peso das custas.
Apreciando o cômputo geral quer de todas as questões prévias e questões recursivas quer de todas as respostas que foram dadas (aqui dadas por reproduzidas na íntegra), à luz dos sobreditos critérios legais, não consideramos que as recorrentes/autoras tivessem tido uma actuação culposa (com dolo ou negligência grave), reprovável (que configurasse grave violação dos deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação) e com consequências reprováveis (de forma a ter causado algum prejuízo à parte contrária e obstado à realização da justiça).
Não sendo de molde a considerar-se e, muito menos, a sancionar-se as recorrentes/autoras como litigantes de má-fé.
Improcedendo este pedido da recorrida/ré.
Decisão
Em face do exposto, os juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação decidem:
I – Rejeitar o recurso em apreço na parte relativa àquela decisão interlocutória e seus efeitos;
II – Rejeitar o documento apresentado aquando das alegações pelas autoras/recorrentes, ordenando o seu desentranhamento e condenação destas em multa com valor mínimo legal;
III – Homologar a desistência (parcial) formulada pela recorrida/ré, ficando extinta essa parte do pedido incidental deduzido pela mesma, aquando das contra-alegações, no tocante ao direito indemnizatório incidental que pretendia fazer valer contra as recorrentes/autoras por alegada litigância de má-fé;
IV – Julgar improcedente a invocada nulidade da sentença recorrida;
V – Julgar procedente a invocada nulidade do respectivo acordo revogatório do contrato de trabalho que cada uma das recorrentes/autoras celebrara com a recorrida/ré, por falta de menção expressa do (vulgarmente chamado) direito ao (eventual) arrependimento por parte daquelas trabalhadoras.
Consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, com procedência da acção nesta conformidade, mantendo-se vigente o respectivo contrato de trabalho entre cada uma das autoras e a ré, bem como todas as obrigações dele emergentes, nomeadamente, o pagamento das retribuições que deixaram de auferir desde 5/5/2021 a 1ª autora e 11/5/2021 a 2ª autora e a reintegração destas trabalhadoras nos seus respectivos postos de trabalho, sem prejuízo da respectiva antiguidade;
VI – Julgar improcedente o pedido da recorrida/ré (na parte que restava), visando a condenação em multa das autoras/recorrentes por alegada litigância de má-fé.
*
Custas da acção a cargo da ré e custas do recurso a cargo das recorrentes e da recorrida na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 15% e 85% (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Notifique.
(Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura manuscrita de todos)

Lisboa, 19 de Junho de 2024
Paula de Sousa Novais Penha
Francisca Mendes
Alves Duarte