Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LUZIA CARVALHO | ||
Descritores: | TRANSPORTES INTERNACIONAIS DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR TRABALHO SUPLEMENTAR DOCUMENTO IDÓNEO ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DA RETRIBUIÇÃO NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELACÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
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Sumário: | 1 - Os factos relativos ao trabalho suplementar prestado mais de cinco anos antes da reclamação do correspondente crédito só podem ser provados por documento escrito, pelo que, considerando o disposto pelo art.º 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ainda que não tenham sido impugnados, tais factos não podem ser admitidos por acordo das partes. 2 – A validade da alteração da estrutura remuneratória do motorista de transporte nacional está dependente de a mesma ser mais favorável que a resultante da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva aplicável. (sumário da autoria da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório AA, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra BB - Transportes de Mercadorias, Lda., pretendendo, além do mais a condenação desta a pagar-lhe a retribuição devida por trabalho suplementar prestado no período de 02/11/2016 a 03/12/2018, no valor de €7.589,41. A ré contestou alegando que o trabalho suplementar foi sempre pago, sendo até 2018 pago com indicação de “ajudas de custo”, passando daí em diante a constar como “Kms em viatura própria” ou “Kms em viatura com mapa”, incluindo os valores pagos o acordado quanto a refeições, com exceção do almoço. Alegou ainda que, caso se entenda que o sistema remuneratório fixado pela ré é nulo então terá o autor de proceder à devolução do valor recebido. Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência prévia, bem como a enunciação dos temas de prova. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 33,06 a título de trabalho suplementar vencido em maio de 2017; €37,10 a título de trabalho suplementar vencido em janeiro de 2018 e €36,44 a título de trabalho suplementar vencido em agosto de 2018, absolvendo a ré quanto ao mais pedido a título de trabalho suplementar. Inconformado o autor interpôs o presente recurso, com impugnação de matéria de facto, pretendendo que a sentença seja revogada e a ré condenada a pagar-lhe quantia de €7.589,41 a título de trabalho suplementar, para o que apresenta as seguintes conclusões: «1. A R., na sua douta contestação, não impugnou os tempos de trabalho indicados pelo A. na petição inicial. 2. A R. aceitou os tempos de trabalho indicados pelo A. excepcionando apenas ter pago integralmente o trabalho suplementar prestado. 3. Não sendo controvertido o tempo de trabalho suplementar prestado, deverá ser considerado totalmente provado, por confissão da R.. 4. Não sendo controvertida a prestação de trabalho suplementar há mais de cinco anos, aceite pelas partes, desnecessário se torna qualquer outra prova, nomeadamente a prova por documento idóneo. 5. Esta exigência de prova idónea, estabelecida em benefício da entidade empregadora, torna-se desnecessária, quando a própria confirma os factos. 6. O pagamento do trabalho suplementar prestado em Janeiro de 2017 apenas se venceu no final desse mês. 7. Os factos constantes dos pontos 2 e 3 dos "factos não provados", por não contestados, deverão ser incluídos, respectivamente, nos pontos 16 e 17 dos "factos provados". 8. Tendo A. e R. acordado o pagamento de pequenos-almoços, almoços, jantares, cargas e noites, em valores pré-determinados, que constam de documentos juntos aos autos, e que eram englobados nos recibos de vencimento na rúbrica "ajudas de custo", "Kms em viatura própria" ou "Kms em viatura com mapa", não poderão tais montantes ser "re-atribuídos" pelo tribunal, ainda que parcialmente, ao pagamento de trabalho suplementar prestado. 9. Os recibos de vencimento, enquanto confissão extrajudicial em documento particular, feita à parte contrária, têm força probatória plena e, sendo exigidos por lei, não podem ser substituídos por outro meio de prova ou por outro documento que não tenha força probatória superior. 10. Não tendo a R. demonstrado que concretos montantes incluiu no valor pago a título de “ajudas de custo", "Kms em viatura própria" e “Kms em viatura com mapa", especificamente para pagamento de trabalho suplementar, sem que o A. tenha dado o seu acordo para tal, tendo-o porém dado para a inclusão de valores destinados ao pagamento de refeições, cargas e noites, não poderá o tribunal desconsiderar os valores pagos por acordo e imputá-los, em medida diversa, ao pagamento do trabalho suplementar. 11. Não tendo a R. trazido aos autos prova documental que permitisse apurar concretamente os valores pagos de refeições, cargas e noites, incluídos por acordo nas rúbricas "ajudas de custo", "Kms em viatura própria" e "Kms em viatura com mapa", e se, para além destes (ainda que sem o acordo do A., que não se provou), nelas foi incluído e em que exacta medida, o pagamento de trabalho suplementar, não poderia o tribunal ter deixado de condenar a R. no pagamento ao A. do trabalho suplementar prestado, peticionado e provado nos autos. 12. Em última análise, entendendo-se ter havido pagamento em quantia não determinada, admitir-se-ia como possível que se relegasse tal apuramento para liquidação de sentença. 13. Não nos parecendo, porém, admissível, salvo o devido e merecido respeito, que é de facto muito, que o tribunal, faça uma "reinterpretação" dos recibos e das verbas pagas. 14. Não tendo a R. provado que valores especificamente pagou mensalmente ao A. por conta do trabalho suplementar prestado, discriminado nos pontos 16 e 17 dos "factos provados", não poderá deixar de ser condenada a pagá-lo, no peticionado valor de €7.589,41, acrescido dos juros legais. 15. Mostra-se assim violado na douta sentença em recurso o disposto nos artigos 3379, 2769 e 2789 do Código do Trabalho, 3429, 3589 e 3649 do Código Civil e nas cláusulas 36ª, nº 3, e 40ª do CCT de 1980, na redacção introduzida pela revisão publicada no BTE 19/1990.» A ré apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, para o que apresentou as seguintes conclusões: «I. A sentença condenatória da qual o Recorrente vem agora interpor recurso, apresenta uma argumentação, quer em termos de facto, quer em termos de direito, perfeitamente inabalável. Na verdade, o rigor e a sabedoria jurídicos vertidos nesta decisão judicial, elevam-na à categoria de uma sentença que honra o Direito e a Justiça, pelo que é acertada e justa. II. Com efeito, tendo ficado provado que a Recorrida pagava ao Recorrente valores sob a designação de ajudas de custo, Kms, ou subsídio de alimentação, bem como valores, por conta do trabalho suplementar prestado, através da rubrica “ajudas de custo” ou rubricas “Kms em viatura própria” e “Kms em viatura com mapa”, calculadas com base nos quilómetros percorridos, sendo que tais valores incluíam ainda valores referentes a refeições, noites e cargas, o douto Tribunal a quo, entendeu, e bem, que “(...) a título de ajudas de custo a Ré pagava trabalho suplementar”- sublinhado nosso. III. Por outro lado, e no que aos créditos com mais de cinco anos diz respeito, entendeu o Tribunal a quo que “a circunstância da Ré não ter impugnado a realização deste trabalho não altera a exigência de prova.” (artigo 364, n.º 2, do Código Civil), daí ter excluído a matéria constante dos pontos 2 e 3 dos factos não provados, pois independentemente da não impugnação por parte da Recorrida, o trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos, face à data da propositura da ação (25/01/2022), deverá ser provado por documento idóneo, nos termos do artigo 337.°, n.° 2, do Código do Trabalho, sendo que os discos de tacógrafo juntos para o efeito não constituem documento idóneo, conforme devidamente fundamentado na sentença recorrida, pelo que bem andou o Tribunal a quo, ao considera-los não provados e, nessa medida, não condenando a Recorrida no pagamento do valor que pudesse eventualmente vir a ser apurado como ainda em falta. I.V. Quanto ao resto, o Tribunal baseou-se nos depoimentos, coerentes, homogéneos e espontâneos das testemunhas da Recorrida, que confirmaram que “(...) o pagamento do trabalho extra foi suportado por ajudas de custo, sendo que outros créditos eram incluídos no valor de ajudas de custo”, tendo o contabilista da Recorrida esclarecido que “o valor pago a título de ajudas de custo cobria, para além de compensações com carga, o valor de trabalho suplementar”. V. Sendo que “A versão das testemunhas é ainda validada pela própria apreciação dos recibos de vencimento juntos aos autos. De facto, inexiste outro fundamento alegado, ou acordo quanto à fixação de outras contrapartidas pecuniárias que justifique o referido pagamento.” - sublinhado nosso. Ou seja, apesar de ter considerado não provado que “Os valores referidos em 8. eram quantias variáveis em função das viagens que lhe distribuíam, das noites passadas em viagem, das refeições tomadas e das cargas realizadas (valores fixos pré-determinados).”, entendeu, e bem, o douto Tribunal a quo que os valores pagos pela Recorrida ao Recorrente incluíam efectivamente o trabalho suplementar por este prestado, na medida em que inexistia qualquer outro fundamento que justificasse estes valores que, de resto, foram sempre aceites pelo trabalhador. VI. Com efeito, esses valores não se referem, nem poderiam referir-se, apenas ao pagamento dos mencionados pontos, dada a dimensão desproporcional do seu valor, que não corresponde sequer ao acordado se analisarmos devidamente os mapas mensais e respectivos recibos de vencimento, algo que o Tribunal a quo efectivamente fez, tendo, por isso, chegado à conclusão que nas ditas rubricas estava incluído o pagamento do trabalho suplementar. VII. O Recorrente alega não ter acordado com este método de pagamento, mas não se opõe ao recebimento de valores que excedem as quantias que efectivamente acordou (quanto a refeições, noites e cargas), quando estes representam valores quase idênticos à remuneração. Excesso esse que se poderia facilmente enquadrar no pagamento de trabalho suplementar, já que não faria sentido qualquer outra interpretação, pois a que título poderiam ter sido pagas tão elevadas somas? VIII. Aliás, os depoimentos de todas as testemunhas confirmaram que a Recorrida tem um sistema remuneratório distinto e complementar ao estabelecido no CCT, pelo qual sempre pagou aos trabalhadores, inclusive ao Recorrente, o trabalho suplementar a título de ajudas de custo, não podendo fazer-se, como o Recorrente parece pretender fazer tábua rasa deste meio probatório. Trata-se de um sistema remuneratório que sempre mereceu o acordo dos trabalhadores, sendo que, inclusivamente, lhes é mais favorável e, por isso, legal, não devendo a Recorrida ser condenada no pagamento de valores que o Recorrente já recebeu. IX. Se assim não se entendesse e a considerar-se tal sistema remuneratório como ilegal, então o mesmo seria nulo, devendo o trabalhador restituir tudo quanto tiver recebido, quer por força da nulidade, quer por força do enriquecimento sem causa que adviria de tal situação, nos termos dos artigos 289.° e 473.°, ambos do CC. X. O douto Tribunal a quo considerou que “(...) resultou provado que a Ré procedeu ao pagamento de um valor mensal que visava compensar o trabalho suplementar. A existência de normas convencionais sobre trabalho suplementar implicam que se considere a sua validade, nos termos do art. 1° n.º 1 e 3 alínea j) do Código do Trabalho”. Sendo que “Sobre a alteração da estrutura remuneratória no que se refere ao trabalho suplementar tem sido considerado que a alteração apenas será válida quando se mostrar mais benéfica para o trabalhador.”, que é precisamente o caso concreto, razão pela qual considerou o Tribunal a quo ter havido o pagamento de trabalho suplementar, restando apurar qual o valor efectivamente pago. XI. No entanto, e não havendo alegadamente acordo por parte do trabalhador quanto ao pagamento das quantias referentes a refeições, noites, cargas e trabalho suplementar através das rubricas “ajudas de custo”, “Kms em viatura própria” e “Kms em viatura com mapa”, não restou ao Tribunal a quo recorrer à legislação vigente, conforme consta da douta sentença recorrida, onde pode ler-se: “Confrontando os tempos de trabalho suplementar com os valores auferidos mensalmente a título de ajudas de custo verifíca-se que os valores em causa excedem os valores a que o Autor teria direito por via do trabalho suplementar. Resultando dos factos provados que tal valor incluía ainda os valores pagos a títulos de cargas, jantares e refeições secundárias. Não sendo alegada qualquer facto que permita o cômputo desses valores, de que forma eram acordados, pagos ou devidos, apenas se poderá considerar o valor refere a refeições, de acordo com a cláusula 47ª, do CCT1980, jantar à razão de €6,63 quanto trabalhe para lá das 19:30 e pequeno-almoço à razão de €1,64 quando inicie o trabalho antes das 7:00”. XII. Com efeito, não podemos ter dois pesos e duas medidas em que, por um lado, o trabalhador parecer aceitar determinados valores por conta de serviços/situações concretos (refeições, noites e cargas), mas, por outro lado, não aceita que os mesmos sejam pagos através das rubricas já referidas (ajudas de custo e kms), mas, no entanto, parece já aceitar ter recebido esses mesmos valores (refeições, noites e cargas) ainda que inseridos nas ditas rubricas. XIII. Com base num raciocínio tão pouco coerente ou compreensível, não teve o Tribunal a quo outra alternativa senão fazer prevalecer a legislação aplicável (CCT) ao acordado entres as partes, para apurar os valores efectivamente pagos a título de cada elemento complementar ao salário base, não se tratando de uma substituição em relação ao ónus da Recorrida (que também o cumpriu), mas sim de uma necessidade de uniformização da abordagem da situação no geral. Efectivamente, fixando-se um valor para cada coisa (refeições), o remanescente terá de ser necessariamente alocado a trabalho suplementar, pois não teria qualquer outra razão de ser. E isso poderia ter sido feito com base nos valores alegadamente acordados ou, na falta de prova quanto ao acordado (que é o caso concreto), com recurso aos valores fixados em CCT. XIV.O que não pôde o Tribunal a quo foi admitir que o trabalhador deu o seu consentimento para receber determinados valores, a título de ajudas de custos e kms, e que não o tenha dado para outros valores (nomeadamente trabalho suplementar) que, face aos documentos juntos aos autos, ficou provado que foi pago. XV. Diga-se também que o próprio Recorrente parece depois admitir que recebeu valores por conta do trabalho suplementar ao abrigo das mencionadas rubricas quando diz: “Ambas as partes aceitam que nas ajudas de custo estão incluídos valores destinados a refeições, cargas e noites cujos valores são indicados pela R. e constam de documentos juntos aos autos, assinados pelo A. e não impugnados, pelo que, só retirando estes valores, que comprovadamente aí se mostrem incluídos, se poderá eventualmente concluir se, e em que medida, existe no “bolo” das ajudas de custo alguma verba que se possa atribuir o pagamento de trabalho suplementar, mesmo sem o A. ter dado o seu acordo a tal inclusão ou forma de pagamento.” E foi precisamente este o exercício matemático que o Tribunal a quo levou a cabo para apurar as quantias pagas, a título de trabalho suplementar, tendo inclusivamente apurado haver anda valores a receber por parte do trabalhador e aqui Recorrente relativamente a alguns meses, conforme consta da sentença recorrida. XVI. Não pode também simplesmente enquadrar-se os valores recebidos, a título de ajudas de custo como sendo efectivamente ajudas de custo, como pretende o Recorrente, fazendo uso de uma análise literal e limitativa dos recibos de vencimento do trabalhador, na medida em que estão em causa valores praticamente equivalentes à remuneração do trabalhador, que não têm qualquer justificação a não ser o pagamento de trabalho suplementar. XVII. Cabe no poder discricionário do juiz as decisões tomadas no caso sub judice, sendo que, com base em toda a prova produzida, e com base nas regras da lógica e da experiência comuns, bem andou o Tribunal a quo em toda a linha da sua fundamentação, quer do ponto de vista da matéria de facto provada, quer do ponto de vista do direito, e que culminou com a sentença proferida. A análise da prova foi feita, e correctamente, diga-se, daí chegar-se às conclusões constantes da sentença recorrida, que se encontra muito bem fundamentada, não evidenciando qualquer erro, seja de que natureza for, nem padecendo de qualquer vício, devendo manter-se in totum. XVIII. Todavia, uma vez que não estão identificados quais os valores pagos ao Recorrente, a título de trabalho suplementar, pode entender-se que não é possível concluir que o sistema remuneratório utilizado era mais favorável, contrariando o CCT e sendo, por isso, nulo por violação das normas legais, caso em que terá o trabalhador o direito de receber as quantias peticionadas a título de complemento salarial e trabalho suplementar (cláusulas 45 e 61, do CCT), bem como as horas de trabalho suplementar efectivamente prestado. XIX. Neste cenário, recairá sobre o Recorrente também o dever de restituir todas as importâncias recebidas a título de “ajudas de custo", “Kms em viatura própria” e “Kms em viatura com mapa”, num total de €22.944,81 (vinte e dois mil novecentos e quarenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do artigo 289.°, do CC, de acordo com o qual “1 - Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, sob pena de se verificar uma situação de enriquecimento sem causa da parte deste (artigo 473.°, do CC).» * Foi deferida a rectificação de lapso de escrita na sentença e admitido o recurso. Neste tribunal, os autos foram ao parecer do Ministério Público que se pronunciou no sentido da manutenção da decisão recorrida. Apenas a ré se pronunciou sobre o parecer, nada opondo ao seu teor. * Colhidos os vistos legais cumpre decidir. * Delimitação do objeto do recurso Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa). Assim, são as seguintes as questões a decidir: 1 – alteração da matéria de facto; 2 – se é devida ao autor a totalidade da quantia reclamada a título de trabalho suplementar. * Fundamentação de facto Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos, com a rectificação determinada por despacho de 10/03/2023, quanto ao ponto 16: «1. A R. dedica-se ao Transportes Público Rodoviário de Mercadorias. 2. O A. foi admitido ao seu serviço em 01/07/2016. 3. Trabalhando desde então sob as suas ordens, direção e fiscalização, 4. Como motorista de pesados. 5. Realizando serviço apenas em território nacional. 6. O horário de trabalho do A. era de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, entre as 8 e as 17 horas ou das 9 às 18 horas. 7. O Autor recebeu, por referência aos meses de março e abril de 2017, respetivamente, €101,90 e €133,22, a título de trabalho suplementar. 8. A R. pagava ao A., valores sob a designação de ajudas de custo, Kms, ou subsídio de alimentação. 9. Por acordo entre A. e R., o contrato de trabalho cessou em 31/01/2021. 10. O Autor gozou 5 dias de férias relativos ao trabalho prestado no ano de admissão, entre 01/07/2016 e 31/12/2016. 11. Nos meses de outubro, novembro e em 5 dias do mês de dezembro de 2018, e no subsídio de natal de 2018, a Ré processou a retribuição o Autor considerando a retribuição base no valor de €600,00. 12. A R. pagou ao A., pelo subsídio de férias, no ano de 2020, o valor de €1.081,88. 13. A R. pagou ao A. em janeiro de 2021 o valor de € 1.986,60. 14. A R. proporcionou 40 horas de formação ao A., nos três anos anteriores à cessação do contrato. 15. O A. esteve sempre ao serviço da R., nas suas instalações, pelo menos, desde as 8 horas da manhã, uma vez que não lhe era permitido apresentar-se ao trabalho depois dessa hora. 16. O autor prestou os seguintes períodos de trabalho:
17. O Autor prestou ainda os seguintes períodos de trabalho:
18. A ré pagou ainda ao Autor valores, por conta do trabalho suplementar prestado, através da rubrica “ajudas de custo” ou rubricas “Kms em viatura própria” e “Kms em viatura mapa” calculadas com base nos quilómetros percorridos. 19. A ré pagou, de janeiro a dezembro de 2017, a quantia global de € 6 522,40 (seis mil quinhentos e vinte e dois euros e quarenta cêntimos) sob a rubrica “ajudas de custo”:
20. Pagou, de janeiro a dezembro de 2018, a quantia global de €6.308,54 (seis mil trezentos e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), sob as rubricas “Kms em viatura própria” e “Kms em viatura com mapa”:
21. Em 2019 pagou €4.693,93 (quatro mil seiscentos e noventa e três euros e noventa e três cêntimos:
22. No ano de 2020 a Ré pagou ao Autor a quantia global de € 2.694,07 (dois mil seiscentos e noventa e quatro euros e sete cêntimos), também sob a “Kms em viatura com mapa”:
23. Em janeiro de 2021, em que foi pago a título de “Kms em viatura com mapa” a quantia de € 40,76 (quarenta euros e setenta e seis cêntimos):
24. Tais valores incluíam ainda valores referentes a refeições, noites e cargas.» * Apreciação 1ª questão: da alteração da matéria de facto Antes de mais, importa referir que o recorrente nas suas alegações e conclusões, apesar de não o afirmar expressamente e de o referir em capítulo autónomo em relação ao da impugnação da matéria de facto, parece pretender que sejam considerados provados factos que foram considerados como não provados (facto não provado sob o n.º 1), nomeadamente que autor e ré acordaram o pagamento de pequenos-almoços, almoços, jantares, cargas e noites, em valores pré-determinados, que constam de documentos juntos aos autos, e que eram englobados nos recibos de vencimento na rúbrica "ajudas de custo", "Kms em viatura própria" ou "Kms em viatura com mapa", tendo os recibos de vencimento, enquanto confissão extrajudicial em documento particular, feita à parte contrária, força probatória plena e, sendo exigidos por lei, não podem ser substituídos por outro meio de prova ou por outro documento que não tenha força probatória superior (conclusões 8 e 9). O recorrente não cumpriu nesta parte, os ónus que o art.º 640.º CPC impõe como condição para a impugnação da matéria de facto, o que, mesmo que se considerasse ser essa a intenção do recorrente, de acordo com o mesmo preceito sempre implicaria a rejeição da impugnação. Acresce que, nem os documentos juntos aos autos (sejam os mapas de despesas a partir de 2020 juntos pela ré, sejam os recibos de vencimento) têm força probatória plena, nem dos mesmos resulta a existência de um qualquer acordo das partes quanto ao pagamento de valores pré-determinados, nem tal está admitido por acordo das partes nos articulados, pelo que não se trata de situação que deva ser resolvida por intervenção oficiosa deste Tribunal. Por isso, improcede, nesta parte a pretensão do recorrente, sendo de rejeitar a impugnação, se assim configurada. * No que respeita à impugnação da matéria de facto expressamente invocada pelo recorrente, pretende o mesmo que os factos considerados como não provados n.º 2 e 3, passem a figurar como provados, por entender que os mesmos foram admitidos por acordo das partes nos articulados, não lhes sendo, por isso, aplicável o disposto pelo art.º 337.º, n.º 2 do Código do Trabalho, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo. Estão em causa factos referentes ao trabalho que o autor alegou ter prestado mais de cinco antes da propositura da ação (25/01/2017), mais concretamente de 02/11/2016 a 24/01/2017, que o tribunal a quo considerou não provados por entender que é irrelevante a falta de impugnação dos mesmos face à exigência probatória do referido art.º 337.º, n. 2 do Código do Trabalho. Na verdade, nos termos do art.º 337.º, n.º 2 do Código do Trabalho o crédito correspondente pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo. Como se pode ler no Ac. STJ de 19/12/2007[1] a propósito do art.º 38.º, n.º 2 da LCT, norma idêntica ao atual art.º 337.º, n.º 2 do Código do Trabalho e cujo entendimento mantém plena validade «A lei não diz o que deve entender-se por documento idóneo, mas a doutrina e a jurisprudência têm afirmado que terá de ser “um documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito” (8), que deverá ter origem na própria entidade empregadora e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas, pois, de contrário, já não seria o documento que constituiria o meio idóneo de prova a que alude o n.º 2 do art.º 38.º da LCT.» No mesmo sentido se pronunciou o STJ noutros arestos como o Ac. STJ de 02/12/2013[2], a propósito do art.º 381.º, n.º 2 do Código de Trabalho de 2003, que antecedeu o atual art.º 337.º , n.º 2, onde se pode ler que «documento “idóneo” será “um documento escrito que demonstra a existência dos factos constitutivos do direito”(.) que deverá emanar da entidade empregadora e que, enquanto meio de prova “bastante” deverá dispensar outro meio de prova, nomeadamente testemunhal”(.). E ainda no Ac. STJ de 17/12/2014[3], no qual se pode ler «A natureza desta exigência probatória e as consequências da mesma derivadas foram objecto de várias pronúncias deste Tribunal, nomeadamente no acórdão desta Secção de 1 de Junho de 2011, proferido na revista n.º 1001/05.8TTLRS.L1.S1, citado na decisão recorrida, em que se referiu em síntese conclusiva que: «documento “idóneo” será “um documento escrito que demonstra a existência dos factos constitutivos do direito”(.) que deverá emanar da entidade empregadora e que, enquanto meio de prova “bastante” deverá dispensar outro meio de prova, nomeadamente testemunhal”(.)» Daqui resulta que os factos relativos ao trabalho suplementar prestado mais de cinco anos antes da reclamação do correspondente crédito só podem ser provados por documento escrito. E nessa medida, considerando o disposto pelo art.º 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ainda que não tenham sido impugnados, tais factos não podem ser admitidos por acordo das partes. Veja-se neste sentido o Ac. STJ de 01/06/2011[4], no qual ainda que a propósito dos regime laboral e processual civil anteriores ao atualmente vigente e que se mantêm sem alterações relevantes, se pode ler que «Face à citada exigência probatória, não podem ser admitidos por acordo factos relativos aos créditos referidos no art.º 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, porquanto a tal se opõe o que se prescreve na parte final do n.º 2 do artigo 490.º, do Código de Processo Civil.» Sendo assim, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo ao considerar irrelevante a falta de impugnação dos factos relativos ao trabalho suplementar no período de 02/11/2016 a 24/01/2017. O recorrente alega ainda que, no caso de se considerar aplicável o regime probatório do art.º 337.º, n.º 2 do Código do Trabalho aos factos não impugnados, então só poderia considerar-se não provada a prestação do trabalho no ano de 2016, já que relativamente ao trabalho prestado no mês de janeiro de 2017, o crédito reclamado apenas se venceria no último dia do mês de Janeiro de 2017. Como refere António Santos Abrantes Geral[5]« «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processa contenha os elementos imprescindíveis.» Pois bem, a questão da data de vencimento dos créditos relativos ao trabalho suplementar não foi suscitada ou discutida em 1ª instância, sendo, por isso, uma questão integralmente nova, que não é do conhecimento oficioso, sobre a qual este tribunal está impedido de se pronunciar. Acresce que da matéria de facto provada ou dos elementos juntos aos autos nada resulta quanto à data de vencimento dos créditos relativos ao trabalho suplementar, ou sequer da retribuição e demais prestações que a ré pagava ao autor. Consequentemente, está este tribunal impedido de apreciar a questão só agora suscitada pelo recorrente, seja por ser uma questão nova, seja por não existirem nos autos os elementos imprescindíveis. Nesta medida, improcede, na totalidade, a impugnação da matéria de facto. * Importa, portanto, enfrentar a segunda questão supra enunciada, ou seja, saber se é devida ao autor a totalidade da quantia reclamada a título de trabalho suplementar. Não vem questionada a aplicação ao contrato de trabalho subjacente aos presentes autos e ao período temporal a que refere o recurso (Dezembro de 2016 a Setembro de 2018) do CCT outorgado entre a ANTRAM e a FECTRANS (antes FESTRU) publicado no BTE n.º 9, de 1980 e respetivas revisões e atualizações, devendo ser consideradas publicadas no BTE n.º 16 de 1982, no BTE n.º 18 de 1986, no BTE n.º 20 de 1989, no BTE n.º 19 de 1990, nº BTE n.º 18 de 1991, no BTE N.º 25 DE 1992, no BTE n.º 25 de 1993, no BTE n.º 20 de 1996, no BTE n.º 30 de 1997 e no BTE n.º 32 de 1998. Não está controvertida a prestação pelo recorrente de trabalho suplementar limitado ao período que consta dos pontos 16 (com a retificação decorrente do despacho proferido imediatamente antes do despacho de admissão do recurso) e 17 da matéria de facto provada, mas apenas se o recorrente tem direito a haver da ré a totalidade da remuneração que reclamou, já que a recorrida excecionou o pagamento de tais quantias, ainda que discriminadas nos recibos sob as designações de “ajudas” de custo” e kms em viatura própria” e “kms em viatura com mapa”. Assim o que está verdadeiramente em causa é se se pode concluir que a ré pagou ao autor a remuneração do trabalho suplementar pelo mesmo prestado. Resulta da matéria de facto provada que a ré pagava ao autor valores sob aquelas suprarreferidas designações, que tais valores incluíam o pagamento de trabalho suplementar, refeições, noites e cargas e que, os valores pagos eram calculados com base nos quilómetros percorridos. O tribunal a quo, no pressuposto da validade deste sistema remuneratório, concluiu que, para determinar o valor respeitante ao trabalho suplementar, deveria ser deduzido ao total pago em cada mês com as designações de ajudas de custo e kms, na falta de demonstração de que eram outros os valores efetivamente pagos, os fixados pelo CCT aplicável relativos a jantar e pequeno almoço, apurando um valor final em dívida quanto ao trabalho suplementar de €106,60. Entende o recorrente que o tribunal não podia ter procedido daquela forma, porque a ré não logrou provar que o sistema remuneratório implementado era mais vantajoso para o autor, sendo devida a totalidade da quantia reclamada, ou que, se assim não se entender, então a quantia efetivamente devida deverá ser apurada em liquidação da sentença nos termos do art.º 609.º, n.º 2 CPC. O recorrente, apesar de invocar o incumprimento pela ré do ónus de demonstrar que o sistema remuneratório implementado era mais favorável que o decorrente do CCT aplicável, não extrai, contudo, a correspondente consequência jurídica, designadamente a da nulidade de tal sistema remuneratório, cuja declaração implica o reconhecimento do direito do autor a receber as prestações efetivamente devidas com base no CCT, mas também o dever de restituir o que tiver recebido com base no dito sistema. Foi a ré que suscitou tal questão, como já havia feito na contestação e que, de todo o modo sempre seria do conhecimento oficioso. Ora, é hoje indiscutível face às inúmeras tomadas de posição dos nossos Tribunais Superiores[6] que a alteração da estrutura remuneratória dos motoristas (com particular enfoque nos motoristas de transporte internacional, mas com fundamentos transponíveis para os motoristas de transporte nacional) prevista pelo C.C.T. aplicável e identificado supra, por este estabelecer garantias mínimas de remuneração, pode ser modificada por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, ou mesmo unilateralmente, por compromisso vinculativo para o empregador, desde que dessa alteração resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo ónus do empregador demonstrar que tal alteração é efectivamente mais favorável ao trabalhador sob pena de nulidade, já que as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva só podem ser afastadas por contrato de trabalho, quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador (art.º 476.º do Código do Trabalho). Assim, ocorrerá a mencionada nulidade se estivermos perante uma alteração efetiva da estrutura remuneratória convencional, ou seja, perante uma efetiva modificação ou substituição de uma ou várias das componentes que constituem a estrutura remuneratória mínima do motorista face ao CCT aplicável. Importa que, por acordo entre o motorista e o empregador ou por imposição unilateral deste, as prestações pagas não correspondam às prestações previstas no CCT e que, por referência a estas prestações aquela forma de pagamento tenha um resultado desfavorável ao trabalhador. A estrutura remuneratória do autor, face ao CCT aplicável e suas revisões e atualizações, era composta por retribuição base (cláusula 36.ª), diuturnidades (cláusula 38ª), trabalho noturno (cláusula 39ª), trabalho extraordinário (cláusula 40ª), trabalho prestado em feriados e dias de descanso (cláusula 41ª), subsídio de refeição (cláusula 46ª) e refeições, alojamento e deslocações (cláusula 47ª). Na situação em apreciação no presente recurso, com relevo quanto à eventual nulidade do sistema remuneratório, nenhuma questão vindo suscitada quanto às demais prestações (o autor reclama o pagamento de algumas, como diuturnidades e subsídio de trabalho noturno e diferenças na retribuição, mas nada foi alegado quanto a qualquer alteração da estrutura nessa parte, reconduzindo-se a questão apenas ao incumprimento do pagamento das prestações devidas) está em causa apenas o trabalho suplementar, único cujo pagamento o autor reclamou, e os pagamento a título de refeições, noites e cargas, tendo ficado provado que a ré pagava ao autor tais prestações sob a designação de “ajudas de custo” ou de “kms em viatura própria” ou “kms em viatura mapa” e que os valores pagos eram calculados em função dos quilómetros percorridos. Ora, ainda que não se tenha demonstrado qualquer acordo entre o autor e a ré quanto a esta forma de pagamento do trabalho suplementar e das prestações relativas a refeições, noite e cargas, resulta da matéria de facto provada que a ré, pelo menos no período de tempo em causa nos autos, substituiu o pagamento de tais prestações pelo pagamento de uma quantia que calculava, não em função dos critérios fixados na CCT, mas em função dos quilómetros percorridos pelo autor, operando desse modo a alteração da estrutura remuneratória convencional aplicável. Como referido supra, a validade da alteração da estrutura remuneratória do autor está dependente de a mesma ser mais favorável ao autor, ou seja, para que a mesma seja relevante é necessário apurar quais os valores a que o autor teria direito com fundamento nas cláusulas 40ª e 41ª da CCT aplicável (trabalho suplementar) e nas cláusulas 46ª e 47ª (subsídio de refeição, refeições, deslocações e alojamento) e qual o valor que a ré lhe pagou sob a designação de “ajudas de custo” e “kms em viatura própria” e kms em viatura mapa” (que incluía trabalho suplementar, refeições noites e cargas) e só se este for superior àquele é que se poderá concluir pela validade do regime remuneratório praticado. A título de trabalho suplementar o autor tinha direito em cada mês aos valores apurados na sentença recorrida, cujo cálculo não mereceu reparo de qualquer das partes e não se vislumbra motivo para alterar, ascendendo ao montante de €7.169,72. O mesmo se conclui quanto aos valores relativos a jantares e pequenos almoços calculados em função dos critérios previstos pela cláusula 47ª do CCT aplicável e que somam o total de €1.515,86. Nada se apurou, contudo, quanto ao subsídio de refeição (cláusula 46ª), não tendo ficado provado que os almoços eram pagos a esse título (ponto 5 dos factos não provados), nem sendo possível determinar o valor que seria devido, considerando o disposto pelo n.º 4 da cláusula 46.ª que exclui o subsídio de almoço quando haja lugar ao pagamento da primeira refeição ao abrigo da cláusula 47ª, n.º 1 e 3 e considerando que se ignora se o recorrente trabalhou outros dias para além daqueles em que alegou e se demonstrou ter prestado trabalho suplementar, os quais não esgotam os dias de trabalho ao longo do período em causa nos autos. Não podemos, contudo, deixar de referir que, ainda que fossem devidos os almoços relativamente a todos os dias em causa, o valor devido ascenderia a €2.400,06 (€362 dias x €6,63). Consequentemente, o recorrente teria direito a receber da ré o total de €11.085,64. No mesmo período a ré pagou ao autor sob a designação “ajudas de custo”, “kms em viatura própria” e “kms em viatura mapa”, em função dos quilómetros percorridos, o total de €11.534,78, pelo que, o regime remuneratório praticado pela recorrida se revela mais favorável do que o resultante da aplicação do CCT, sendo por isso, válido. Sendo assim, importa determinar se o trabalho suplementar prestado se encontra pago na sua totalidade, ou em que medida, pois, ficou provado que a ré pagou ao autor sob as mencionadas rubricas, valores por conta do trabalho suplementar prestado. Para tanto, há que considerar, por um lado, que não ficaram provados quaisquer factos que permitam apurar qual o concreto valor das “ajudas de custo” e “kms” que se referia ao trabalho suplementar e, por outro lado, que aquelas rubricas incluíam ainda o pagamento de refeições, noites e cargas. Assim, para a determinação do valor a imputar ao pagamento do trabalho suplementar, importará deduzir ao valor total das ajudas de custo e kms pago em cada mês, o valor correspondente a refeições, noites e cargas, correspondendo o remanescente à remuneração do trabalho suplementar. O tribunal a quo entendeu deduzir os valores referentes a jantar e pequeno almoço pelos valores previstos pelo CCT, na falta de outros elementos que permitissem determinar o concreto valor. Mas, tendo apenas ficado provado que os valores pagos incluíam refeições, não tendo sido identificadas quais as concretas refeições incluídas, nomeadamente se incluíam ou não os almoços (recorda-se que não ficou provado que os almoços eram pagos a título de subsídio de refeição), não é possível determinar o concreto valor a deduzir a esse título. Acresce que, o valor pago pela ré, como ficou provado, incluía ainda as cargas, mas não se demonstrou qual o valor correspondente a cada carga, nem quantas cargas foram efetuadas, motivo pelo qual também não é possível determinar o concreto valor a deduzir a esse título. Consequentemente, não sendo possível apurar qual o valor a deduzir ao pago pela ré correspondente a refeições, noites e cargas, não existem elementos de facto que permitam determinar o valor a imputar no pagamento do trabalho suplementar, impondo-se que o apuramento do valor efetivamente devido seja relegado para liquidação da sentença ao abrigo do disposto pelo art.º 609.º, n.º 2 CPC. A decisão do tribunal a quo deverá, pois, ser revogada na parte relativa à condenação da ré a pagar ao autor a remuneração de trabalho suplementar, e substituída pelo presente acórdão. * Decisão Por todo o exposto decide-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida no que respeita ao trabalho suplementar, substituindo-a pelo presente acórdão, condenando a ré a pagar ao autor a quantia a liquidar após a sentença correspondente ao trabalho suplementar prestado deduzida do valor pago pela ré ao autor sob as rubricas “ajudas de custo” e “kms em viatura própria” e “kms em viatura mapa”, referente a refeições, noites e cargas. * Custas provisoriamente, por ambas as partes em parte iguais, até ao que resultar da liquidação, determinando-se a medida da responsabilidade de cada uma de acordo com a sucumbência, na liquidação da sentença. * Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão. * Notifique. * Lisboa, 14/12/2023 Maria Luzia Carvalho Maria José Costa Pinto Celina Nóbrega _______________________________________________________ [1] Acessível em www.dgsi.pt. [2] Idem. [3] Idem. [4] Idem. [5] Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, pag. 139. [6] Entre outros Ac. STJ de 15/02/2005, Ac. STJ de 27/06/2012, Ac. STJ de 17/12/2014, Ac. RL de 24/04/2013 e Ac. RL de 14/09/2016, todos acessíveis em www.dgsi.pt |