Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5738/14.2TDLSB.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: PROVA POR DOCUMENTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INSOLVÊNCIA
TRIBUNAL DE RECURSO
PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário: 1 – A prova pré-constituída (documentos) traduz uma exceção ao regime geral de produção e exame das provas em audiência – art. 355.º, n.º 1 do CPP, ou seja, se a documentação consta validamente do processo e estava disponível para consulta, não tem de ser obrigatoriamente examinada ou lida em audiência, nada obstando a que o recorrente, assim o querendo, a tivesse contraditado em julgamento.
2 - Os recorrentes laboram em confusão ao invocarem o vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, quando o que realmente pretendem é impugnar a matéria de facto, discordando do correspondente juízo probatório e com isso sindicar a valorização dos meios de prova realizada pelo tribunal a quo.
3 - Impõe-se, pois, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que enumerem/especifiquem os pontos de facto que consideram incorretamente julgados, bem como que indiquem as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, como também, sendo o caso, as que devem ser renovadas, assim como que especifiquem, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
4 – Não é de confundir a “situação de insolvência” com a “declaração de insolvência”, pois esta supõe necessariamente a verificação do estado que a declara.
5 - O tribunal de recurso apenas intervém na pena quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo.
6 - Estando assente o nexo causal entre a dívida/dano da demandante e a conduta dos arguidos, sendo o ilícito desvio de património levado a cabo pelos arguidos/demandados causa adequada do prejuízo sofrido pela demandante, é correta a sua responsabilização quanto ao pedido de indemnização civil formulado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum coletivo n.º 5738/14.2TDLSB do Juízo Central Criminal Central de Lisboa – Juiz 17, em que são arguidos AA, BB e CC, todos melhor identificados nos autos, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo (com a correção de 13.02.2025):
1. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de:
a. Um crime de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
b. Um crime de insolvência dolosa agravado previsto e punido pelos artigos 227.°, n.º 1, al. b) e 229.-A, ambos do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
2. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real de um crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.° do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
3. Decide-se proceder ao respectivo cúmulo jurídico condenando o arguido AA na pena única de cinco (5) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período (5 anos), e com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de €50.000, (cinquenta mil euros), devendo proceder a pagamentos parciais anuais de 10.000€ (dez mil euros), até completar o valor total, que deverá efectuar através de depósito autónomo, até ao dia 1 de março dos anos seguintes ao trânsito em julgado da presente decisão, à ordem dos presentes autos, e que reverterá a favor da demandante, ao abrigo do disposto nos art. 30°, 77°, 50°, 51°, n.° 1 al. c) do C.Penal.
4. Condenar o arguido BB, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, em concurso real de:
a. Um crime de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão e,
b. Um crime de insolvência dolosa agravado previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;
5. Decide-se proceder ao respectivo cúmulo jurídico condenando o arguido BB na pena única, de três (3) anos de prisão, suspensa por igual período, com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de €25.000 (vinte e cinco mil euros), devendo proceder a pagamentos parciais anuais de 8.333€ (oito mil trezentos e trinta e três euros), até completar o valor total, que deverá efectuar através de depósito autónomo, até ao dia 1 de março dos anos seguintes ao trânsito em julgado da presente decisão, à ordem dos presentes autos, e que reverterá a favor da demandante, ao abrigo do disposto nos art. 30°, 77°, 50°, 51°, n.° 1 al. c) do C.Penal.
6. Condenar o arguido CC, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, em concurso real de:
a. Um crime de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão e,
b. Um crime de insolvência dolosa agravado previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;
7. Decide-se proceder ao respectivo cúmulo jurídico condenando o arguido CC na pena única, de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de €25.000 (vinte e cinco mil euros), devendo proceder a pagamentos parciais anuais de 8.333€ (oito mil trezentos e trinta e três euros), até completar o valor total, que deverá efectuar através de depósito autónomo, até ao dia 1 de março dos anos seguintes ao trânsito em julgado da presente decisão, à ordem dos presentes autos, e que reverterá a favor da demandante e, ao abrigo do disposto nos art. 30°, 77°, 50°, 51°, n.° 1 al. c) do C.Penal.
8. Julga-se procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela lesada/demandante ..., e em consequência condenam-se os arguidos/demandados, ao pagamento solidário do valor de €347.410,10 (ao qual deverão ser descontados os valores entregues pelos arguidos nos termos do dever de pagamento supra fixado), acrescido de juros vencidos desde a data de notificação do pedido de indemnização civil e vincendos, calculados à taxa legal, por danos patrimoniais sofridos.
(…)
2. Os arguidos não se conformaram com as respetivas condenações e interpuseram recurso da sentença.
2.1. O arguido AA finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
A. O Presente recurso é interposto do Acórdão na parte em que: Condenou o arguido AA por um crime de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.° - A, do Código Penal, na pena de três anos de prisão, e um crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.° do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, que em sede de cúmulo jurídico foi fixado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), em pagamentos parciais de € 10.000,00 (dez mil euros) até completar o valor total.
B. Com o necessário e devido respeito, que é muito e é devido, atenta a prova produzida, seja a pericial, seja a documental e testemunhal, entende-se que a condenação deste Arguido merece a censura e os reparos que são invocados no presente recurso, por inexistir matéria suficiente que sustente esta sua condenação!
C. De outro modo, ainda que os factos dados por provados o devessem ser - o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe - ainda assim as penas a considerar haveriam de ser outras que não o que resulta do referido acórdão, que em face dos factos se mostram excessivas e desproporcionais aos factos.
De qualquer forma
D. O acórdão recorrido padece da nulidade que advém do disposto na al. b) do n.° 2 do artigo 410.° do Código Processo Penal
E. Esta contradição e vício extrai-se dos factos que são dados por provados nos pontos 4, 5, 16, 17, 30, 104, 113, 114, 115 e 118; resulta dos factos n.° 4, 5, 16, 17 e, bem assim, dos factos referidos nos números 68, 95, 104, 113, que os arguidos CC e BB assumiram os destinos das sociedades em referência a partir de ... de ... de 2013, seja apresentando-se como novos donos, seja assumindo as gerências de facto e de direito das ... e ...
F. E resulta do ponto 30 que o arguido AA manteve-se como gerente de facto, incumbindo-lhe, designadamente, tomar todas as decisões relativas à sua gestão, à área financeira e administrativa, dar ordens aos funcionários, realizar encomendas, fazer pagamentos, representá-la perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como estabelecer a ligação com o respetivo técnico oficial de contas.
G. Inexiste, mesmo, qualquer fundamento para o que resulta dado como provado no ponto 30, que leva a que se invoque, nesta parte, que se verifique contradição insanável da fundamentação, que decorre do texto do acórdão recorrido e acarreta a sua nulidade, que por isso se invoca.
H. Verifica-se, ainda, outra que advém da violação do princípio do contraditório, para que remete o artigo 355.° do CPP, atento a que se extrai do acórdão recorrido que um conjunto relevante de documentos que pesaram na condenação do Arguido no crime de descaminho, os quais não foram examinados ou apreciados, tão pouco o Arguido foi confrontado com o seu teor em sede de audiência de julgamento.
I. Está em causa, além do mais, a seguinte documentação ou prova documental tida em consideração (e que fundamentam) a condenação do AA no crime de descaminho, pelo qual veio a ser condenado:
a. - Correspondência eletrónica, de fls. 532 e ss
b. - Correspondência eletrónica de fls. 536 e ss.
c. - Correspondência eletrónica relativa a reunião marcada para ........2013 no escritório do Dr. DD, com a presença do AA representando a ..., fls. 633,
d. - Correspondência eletrónica do arguido AA, com data de ........2013 (fls. 640 e ss.),
e. - Documento do Administrador de Insolvência a fls. 113 e ss.;
f. - cartas enviadas pelo administrador de insolvência ao fiel depositário EE, fls. 115 e 116
g. - Ofício de ........2013, fls. 117 e ss
h. - Diligencia que consta de fls. 117 a 119;
i. - Informação fls. 57 do nuipc 6100/15.5TDLSB;
j. - Fichas de registo automóvel, de fls. 143 e ss
k. - Ofício de ........2013, de fls. 117 e ss.
l. - Documentação diversa da ... e ..., de fls. 486 e ss.
No mais,
J. Com o necessário e devido respeito que é muito e é devido, o AA não se conforma que tenha sido dada por provada a matéria que resulta dos pontos 30, 59, 60, 61 (61.1, 61.2, 61.3, 61.4. 61.5 e 61.6) 63, 64, 99 a 101, 106, 111 a 119 e 126, por entender que a prova que foi produzida impunha outro julgamento que não aquele que resulta do acórdão recorrido
K. Resulta da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento que após a transmissão das ações e quotas das empresas, o AA não teve qualquer outra participação na vida das empresas, tão pouco praticou qualquer ato de gestão das referidas empresas.
L. Resulta igualmente que apesar de existirem dificuldades financeiras pontuais, no tempo em que esteve à frente das empresas - em que de facto e de direito foi gerente e administrador das empresas - não existiam salários em atraso e, com exceção do relacionamento com a ..., não existiam outras situações contingentes ou que pudesse reputar- se de incumprimento, que colocassem em causa a vida ou subsistência das empresas.
M. Apesar de dificuldades que resultam espelhadas no relatório pericial e depoimento do senhor Inspetor da Policia Judiciária, que vinham desde anos atrasados e foram agravadas com a conjuntura do período ...-..., resulta dos depoimentos e da prova documental que se mostra junta aos autos que quando o AA cessou funções como gerente e transmitiu as empresas, que as empresas tinham um stock muito significativo, tinham todas as máquinas e equipamentos com que sempre laboraram, nos locais onde sempre exerceram a respetiva atividade.
N. É estranho e constitui uma violação do princípio da verdade material que o Tribunal a quo não tenha procedido à analise da relação de dependência das sociedades para com a ..., que resulta de documentação recolhida na fase de inquérito que teria permitido concluir que o Arguido (e família) só tinha a ganhar com a manutenção da atividade das empresas; que a consequência da declaração de insolvência destas - e da não injeção de capital pelos novos donos - foi a responsabilização do AA e demais herdeiros de seu pai pelas dívidas bancárias das sociedades.
O. Atenda-se que a dívida bancária das sociedades, superior a um milhão e meio de euros, constituía uma percentagem muito, mas muito significativa do total dos passivos verificados em sede de insolvência (que o Arguido e família já horaram na sua quase totalidade)
P. Resulta das declarações do Arguido que foi a excessiva dependência da ..., a que o senhor Inspetor da PJ, FF, que esteve na origem da decisão de ceder as respetivas participações e renunciar à gerência, para os novos donos poderem dar nova alavancagem às sociedades; e que a consequência das declarações de insolvência foi o AA - e demais família - terem de responder com o respetivo património pessoal e de família por todos os financiamentos obtidos pelas empresas.
Q. Ou seja, as consequências para o AA já foram tão graves, que a aplicação de qualquer pena, como as que resultam do acórdão recorrido, torna a situação gravosamente injusta e excessivamente penalizadora.
R. O julgamento do ponto 30 da matéria considerada provada merece reparo porque se fica sem se perceber se esta matéria se refere única e exclusivamente à sociedade ... ou também às sociedades ... e ....
S. Se essa conduta se refere à sociedade ... - que se extrai do contexto - não se concebe como é que a mesma resulta como provada, atento a que acerca desta matéria não foi produzida qualquer prova
T. As testemunhas ouvidas, designadamente os ex. funcionários das empresas ... e ..., são inequívocos quanto à não participação do AA em qualquer processo decisório, após ter renunciado às funções de Administrador e de gerência das referidas sociedades.
U. No que se refere ao ponto 59, da documentação junta aos autos em sede de inquérito não analisada em sede de julgamento, resulta os extratos das relações entre as quatro empresas do Grupo familiar e que, contrariamente ao que se extrai deste ponto, as relações entre essas empresas eram traduzidas em faturas e numa relação de deve e haver.
V. O Arguido explicou este relacionamento, explicou o procedimento das faturas pró-forma e inexistindo outra prova e, sobretudo, não se tendo procedido à análise dos estratos contabilísticos das quatro empresas, que não é legalmente admissível concluir-se como se conclui neste ponto 59.
W. No tocante ao ponto 60, não se concebe o que resulta dada por provado, pois se é certo que a sociedade ... atravessava dificuldades, não foi produzida qualquer prova de que essas dificuldades financeiras fossem graves, tão pouco que existissem atrasos significativos no pagamento dos salários ou, sequer, que existissem quaisquer atrasos a quaisquer fornecedores que não à demandante ....
X. Os depoimentos dos trabalhadores ouvidos em sede de audiência de julgamento são elucidativos, já que todos referiram que, não obstante terem recebido os respetivos salários de forma faseada, que quando o AA deixou a gerência das sociedades não existiam salários em atraso.
Y. De igual modo, por falta de qualquer referência a qualquer prova documental, não se concebe a conclusão que as contas bancárias desta sociedade, ...), tanto na ... como no ... estavam permanentemente em situação de saldo negativo!
Z. O que vem referenciado nos pontos 61 (61.1 a 61.6), não obstante o pretensiosismo do que que invoca, reflete o que se considera ser a falta de rigor com que esta (e outra) documentação foi analisada pelo Tribunal a quo.
AA. ... - como a própria denominação de firma reflete - era uma sociedade unipessoal por quotas, que em face do falecimento do seu único sócio, a respetiva quota foi adquirida sem determinação de parte ou direito, pelos seus herdeiros; as transmissões referenciadas nos pontos 61.1 a 61.6, mais não são que a unificação desta aquisição sem determinação de parte ou direito, a favor de um dos herdeiros, no caso do AA.
BB. De igual modo, não se concebe o ponto 63, pois o que resulta, de forma inequívoca da prova produzida, é que em final de ..., na data em que o AA cessou as respetivas funções como gerente das sociedades ... e ..., estas tinham nas respetivas instalações todos os seus ativos activos tangíveis pneus, jantes e equipamentos oficinais, de valor não concretamente apurado, para além dos veículos de matrícula ..-..-LN, ..-..-NU, ..-..-TR e ..-..-CM de valor não apurado.
CC. De resto, não foi produzida qualquer prova de participação direta ou indireta do AA na dissipação dos bens para que remete o ponto 64 (e seguintes até 99) e, por isso, só se concebe este ponto da matéria dada por provada no que respeita à atuação dos Arguidos CC e BB.
DD. Quer crer-se que a condenação do Arguido foi influenciada não pela prova que foi feita nas audiências de julgamento, porque desta prova não se pode extrair a matéria que o Acórdão considera como provada e que atrás se delimitou, mas unicamente pela circunstância de em sede de alegações finais, o Exmo Mandatário defensor dos demais Arguidos ter referenciado que estes eram testas de ferro do AA (sem que esta alegação, evidenciada no próprio acórdão recorrido, tenha suporte em qualquer das provas produzidas em sede de audiência de julgamento.
EE. Inexiste prova nos autos que permita concluir com a certeza e segurança jurídica, como se conclui nos pontos 99 a 118; consequentemente, não se pode concluir, como se conclui, que o AA tenha direta ou indiretamente provocado ou dado causa à insolvência dolosa das empresas, crime pelo qual veio a ser condenado.
FF. O último dos factos referidos (126), não resulta das declarações do Arguido acerca das suas condições pessoais.
GG. Especificamente no que se refere ao crime de descaminho, entende-se que não foi produzida qualquer prova da sua prática pelo AA
HH. E atento ao que resulta do depoimento da testemunha GG, Agente de Execução que promoveu a penhora dos bens, deveria dar-se por provado que estes bens se encontravam nas instalações das executadas quando o AA cessou as suas funções como gerente; e estando definido o local para onde foram levados - no contexto daquelas execuções - poderiam - e deveriam - ter sido apreendidos pelas respetivas massas insolventes. Atenda-se ao que resulta do depoimento desta testemunha quanto à causa de extinção das execuções.
II. No que especificamente se refere à prova documental referenciada no acórdão como central e atrás enumerada, importa que se referencie que no decurso da audiência de julgamento, estes documentos não foram examinados, tão pouco o Arguido foi confrontado com o seu teor e, por isso, com o necessário e devido respeito, que é muito e é devido, verifica-se, nesta parte, a nulidade da sentença (Cfr. art. 355.° do CPP).
JJ. De resto, é consabido que para se consumar o crime de descaminho necessário seria que os factos dados por provados revelassem uma intenção clara, por parte do arguido de, com carácter definitivo, impedir ou inviabilizar o acesso ao bem pelo poder público, visando, desse modo, frustrar definitivamente a finalidade da custódia do mesmo,
KK. E analisadas que sejam as condutas do AA, não há qualquer conduta que lhe seja imputada, que seja causa direta e necessária do crime de descaminho pelo qual foi condenado.
LL. Conforme resulta dos autos e o Arguido admitiu em sede de audiência de julgamento, foi constituído fiel depositário dos bens penhorados, no âmbito da execução promovida pela ... e pela ...; contudo, é igualmente inequívoco de todos os depoimentos dos ex trabalhadores destas empresas, que na data em que este cessou funções de gerente, que os bens encontravam-se nas instalações destas empresas e é claro dos autos que estes bens foram daí removidos, não por qualquer ação direta imputada ao AA, mas sim no âmbito das execuções promovidas por terceiros, no caso pelas sociedades próximas do BB.
MM. Ademais, foi claro o local para onde esses bens se encontravam e para onde foram movimentados no contexto das novas execuções; por isso, poderiam e deveriam ter sido apreendidos pela massa insolvente de cada uma das empresas, apensando-se aos autos de insolvência aquelas execuções que corriam contra as empresas ... e ....
NN. Relevante é que não resultou provado qualquer facto concreto do qual se possa induzir aquela intenção clara do AA, o que leva a que não estejam verificados quaisquer dos pressupostos que estiveram na base da condenação do Arguido por este crime de que vinha acusado.
OO. Sem prescindir e sem conceder com o que supra se expôs quanto ao que se considerou ser a ausência de provas concretas contra o AA que fundamentem a sua condenação pelos crimes de que vinha acusado, importa que se invoque que caso houvesse lugar à sua condenação por qualquer dos crimes - o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe - ainda assim estas haveriam de ser especialmente atenuadas.
PP. Para esta atenuação especial invoca-se o percurso do Arguido, anterior e posterior aos factos que se mostram em apreço nos autos e, bem assim, à circunstância atrás exposta de não ter tido qualquer intervenção direta na vida das sociedades depois de ceder as quotas e ações das sociedades e de renunciar à gerência das mesmas.
QQ. No tocante ao pedido de Indemnização Cível, resulta do Acórdão recorrido a condenação dos demandados, solidariamente, no valor de € 347.410,10, fundando-se esta na circunstância de, pretensamente, a conduta dos Arguidos ter sido a causa do não recebimento deste montante pela Demandante.
Ora,
RR. Resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas, incluindo pela indicada pela Demandante, que os créditos da Demandante chegaram a ascender a cerca de um milhão de euros, tendo sido liquidado e honrada uma parte muito significativa destes montantes. Aliás, uma grande parte foi liquidada com bens que faziam parte do acervo de bens deixados pelo pai do AA, cuja herança liquidou os certificados de aforro referidos no Imposto de Selo junto aos autos, exatamente para liquidar esta e outras responsabilidades.
SS. Isto mesmo extrai-se dos documentos que se mostram juntos aos autos e resultam dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, designadamente das indicadas pela Demandante.
TT. Sobretudo, não resultou provado que a frustração do crédito da Demandante não se deve a uma qualquer ação do Demandado AA, mas antes ao circunstancialismo exposto em sede de Relatório Pericial; de outro modo, a probabilidade e expectativa da Demandante em receber o seu crédito era apenas parcial, atento a que o valor dos bens penhorados, não cobria o valor em dívidas.
UU. Por outro lado, ainda, demonstrou-se que tendo estes bens sido penhorados e removidos na pendencia de outros processos executivos identificados nos autos, estando identificado o fiel depositário desses bens e o local para onde esses bens foram removidos, que se impunha que tivessem sido apreendidos pelas massas insolventes de cada uma das empresas; aliás, é mesmo incompreensível e inconcebível (em termos processuais) que não tenha ocorrido quer a apreensão destes bens, quer a apensação daquelas ações executivas às insolvências.
VV. O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal "a quo”, entre outros, violou os artigos 32° da Constituição da República Portuguesa, 18° e 29° da CRP, 73°, 118°, 119°, 120°, 121°, 227°, 229°-A do Código Penal, artigos 124°, 127°, 374°, 377° e 379° do Código de Processo Penal e 483° e seguintes do Código Civil.
2.2. Os arguidos BB e CC apresentaram a respetiva motivação do recurso de forma conjunta, finalizando com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Atenta toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal em sede de audiência de julgamento, de forma totalmente incompreensível, foram dados como provados factos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deveriam ter merecido resposta negativa, e que a sê-lo, a par de outros que foram julgados provados, teriam levado certamente a uma decisão diversa.
Dos Factos
2. Por entenderam que os mesmos mereciam resposta negativa, pois quanto aos mesmos não foi feita a devida prova, não se podem conformar os arguidos BB e CC que se tenham dado como provados os factos n.° 7, 8, 16, 17, 41, 61, 62, 64, 68, 73, 83, 86, 92, 95, 101, 104, 105, 106, 111, 113, 115, 116, 117 e 119, do elenco dos factos provados, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
DA NULIDADE DO ACÓRDÃO / DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
3. No caso dos autos, do elenco dos factos provados, resulta dos factos n.° 7, 8, 16, 17, 68, 95, 104, 113, supra referidos, que os arguidos CC e BB foram, a partir de .../.../2013, os novos donos e/ou gerentes/representantes/gestores de facto das sociedades ... e ....
4. Acontece que do elenco dos Factos Não Provados consta, nomeadamente, que:
a. O arguido CC tomava todas as decisões relativas à gestão da sociedade ... na área financeira e administrativa, dava ordens aos trabalhadores, realizava encomendas (Facto Não Provado n.° 7);
b. O arguido CC tomava todas as decisões relativas à gestão da sociedade ..., na área financeira e administrativa, dava ordens aos trabalhadores, realizava encomendas.
5. Pelo exposto, os factos provados sob os números 7, 8, 16, 17, 68, 95, 104, 113 estão em manifesta contradição com os Factos Não Provados n.° 7 e 16.
6. A contradição insanável da fundamentação que decorra do texto da decisão recorrida acarreta a nulidade do Acórdão, nulidade esta que para todos os efeitos se deixa aqui invocada, ao abrigo do artigo 410° n.°2 alínea b) do Código de Processo Penal.
DAS CAUSAS DA INSOLVÊNCIA DA … E DA ... DOS FACTOS PROVADOS 101 E 113
7. Resulta do Acórdão ora Recorrido, mormente dos factos dados como provados, que as condutas dos arguidos CC e BB foram determinantes, causa directa e necessária da declaração de Insolvência das sociedades ... e ... (Factos Provados n.° 101 e 113).
8. Perante os factos aceites pela própria acusação (supra referidos) e pelo Acórdão ora Recorrido, as condutas imputadas aos arguidos CC e BB ocorreram depois de ... e aquelas sociedades, no ano de 2011, já estavam em situação de insolvência, pois já não conseguiam cumprir com as suas obrigações.
9. Tudo ponderado, torna-se claro que perante a situação económico-financeira descrita no Acórdão (e na acusação) a situação de insolvência era irreversível e, sempre nas próprias palavras da acusação, resultantes de decisões de gestão que se mostraram ruinosas tomadas pelo anterior gerente e também aqui arguido AA, que as admitiu, conforme resulta também do Relatório e de Depoimento (supra transcrito) do perito da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, Dr. FF.
10. Para que se possa imputar o crime de insolvência dolosa, é necessário que a situação de insolvência resulte após as condutas incriminatórias, sendo também certo que não podemos confundir “situação de insolvência” com a “declaração de insolvência”, pois esta supõe necessariamente a verificação do estado que a declara.
11. É inconstitucional, por violador dos artigos 18° e 29° da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 227° do Código Penal, no sentido que as condutas posteriores à situação de insolvência, e assim destas não causais, continuem a ser punidos como elementos de facto típico.
12. Devem pois ser dados como não provados os factos n.° 101 e 113 do elenco dos Factos Provados, pois não foram as condutas imputadas aos arguidos CC e BB (repita-se, ocorridas após .../.../2013) a causa determinante, directa e necessária da insolvência das sociedades ... e ..., o que determina desde logo a sua absolvição.
DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO DE FACTO DOS ARGUIDOS CC E BB. DOS FACTOS PROVADOS 7, 8, 16, 17, 61, 62, 64, 68, 71, 83, 92, 95, 104, 105, 106, 115, 116, 117, 119
13. A responsabilidade criminal pelo crime de Insolvência Dolosa exige a prática de actos de gestão efectiva.
14. Como se disse, entre outros, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de .../.../2023 “A gerência de facto pressupõe que o gerente seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade socialperenta terceiros ”
15. Ou seja, a gerência de facto ocorre quando a pessoa, esteja ou não formalmente designada como gerente ou administrador, exerce efectivamente actos de gestão, tendo influência real sobre as decisões financeiras e patrimoniais da sociedade.
16. Como também sido entendido, o arguido, gerente de direito de sociedade, não pode ser condenado por crime apenas com base em prova indirecta ou presumida, no sentido de quem exerce a gerência de direito, também exerce de facto, com base em “regras de experiência comum” e “normalidade do curso da vida” - vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.° 21/05.7TAPRD.P1, 4ª secção, proferido a 03/06/2009.
17. Quanto ao arguido CC, é o próprio Acórdão Recorrido que aceita desde logo que “nunca frequentou a escola, imputando o seu analfabetismo às parcas condições socioeconómicas vivenciadas pela família de origem. Apenas sabe escrever o nome ”
18. Depois, não obstante a contradição supra referida, o próprio Acórdão Recorrido assume como Não Provado que o arguido CC tomava todas as decisões relativas à gestão das sociedades ... e ..., na área financeira e administrativa, dava ordens aos trabalhadores (Factos Não Provados n.° 7 e 16).
19. Quanto ao arguido CC, que o mesmo nunca de facto exerceu a gerência de facto das sociedades insolventes, não estava ciente da vida societárias destas, nem do plano descrito na acusação e no Acórdão Recorrido, é confirmado pelos depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL, supra transcritos.
20. Mas o mesmo se diga relativamente ao arguido BB, que alguém o quis fazer passar como novo dono e/ou gerente/administrador para se escapulir às responsabilidades.
21. Mas são os próprios funcionários da ... e ... a afastar a ideia que o mesmo pudesse ser visto como patrão, como a pessoa que dava ordens, que definia estratégias, geria stocks, geria receitas, geria a actividade das sociedades, etc, pois não foi apresentados como novo proprietário, não tendo sido ele a elaborar qualquer plano para dissipar património.
22. Depreendemos isso dos depoimentos supra transcrito das HH, II, MM, JJ, KK, NN, OO, PP e QQ.
23. Assim atento os depoimentos das testemunhas supra e na falta de outro meio de prova que demonstre o contrário, impunha-se pois ser dados como não provados os factos 7, 8, 16, 17, 61, 62, 64, 68, 71, 83, 92, 95, 104, 105, 106, 115, 116, 117, 119 do elenco dos factos provados.
... DOS FACTOS PROVADOS 41, 62, 73, 86, 115, 116, 117, 119
24. Tal como resulta dos factos provados em 39 e 40, a sociedade ... foi efectivamente detida e gerida pela mulher do arguido BB mas que em .../.../2012 cedeu a sua quota a RR.
25. Ora, a partir daqui o arguido BB é completamente alheio aos destinos desta sociedade, como é completamente alheio aos negócios que a sociedade ... possa ter tido ou não com as sociedades ... e ..., já que não era a ele que cabia a tomada de decisões relativamente a nenhuma delas.
26. Repare-se, desde logo, que foi dado como Não provado que o arguido BB tivesse emitido as correspondentes guias de transporte (vide Facto Não Provado 72).
27. O arguido BB desconhece, em absoluto, (e o arguido CC tampouco) que relações e/ou contactos possam ter havido entre o co-arguido AA e RR enquanto novo dono da sociedade ..., que tivesse levado às penhoras descritas na acusação e no Acórdão recorrido.
28. Conforme resulta do auto de penhora de fls..., não foram os arguidos CC e BB que ficaram fiéis depositários dos bens penhorados, mas sim um indivíduo de nome SS.
29. Por outro lado, para fundamentar a conclusão da existência de simulação de transacções comerciais, escreveu-se no Acórdão Recorrido que “Relativamente à ..., confirmou que não havia nenhuma conta corrente que justificasse qualquer relação comercial ou a movimentação dos cheques referidos nos autos, quer serviram de base às execuções, no âmbito das quais se removeram os bens das sociedades, precisando que não consultou a contabilidade da ..., por não lhe ter sido dada” – sublinhamos.
30. Esta última deixa é por demais importante e evidencia que o Tribunal “a quo” limitou-se a presumir tal facto, dando-o como provado sem que tenha havido efectivamente uma prova concludente sobre o mesmo.
31. É o que resulta do depoimento do Exm° Senhor Perito da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária FF supra transcrito, quando confirma que não analisou a contabilidade da sociedade ....
32. Os arguidos CC e BB não têm acesso à contabilidade da sociedade ... para que o possam confirmar, mas a investigação tinha forma de ter esse acesso e assim confirmar, de forma cabal, da inexistência de qualquer transacção. Mas não o fez...
33. Por conseguinte, sem que se tenha feito a análise da contabilidade de todas as sociedades (..., ... e ...), não podia, nem pode, concluir-se simplesmente pela simulação de transacções comerciais.
34. Devem pois ser dados como não provados os factos 41, 62, 73, 86, 115, 116, 117, 119 do elenco dos factos provados.
... FACTOS PROVADOS 111, 115, 116, 117, 199
35. Como resulta dos factos provados 42 a 47 nunca os arguidos CC e BB forma titulares das quotas e/ou gerentes, sejam de direito ou de facto, de tal sociedade ...
36. Resultou como Não Provado que o arguido BB tivesse assumido a função de gestor de facto dessa sociedade ... (Facto Não Provado n.° 46).
37. Ou seja, mais uma vez, os arguidos CC e BB estão a ser responsabilizados por factos que não partiram da sua iniciativa e pelo facto do sócio gerente dessa sociedade ser irmão de BB.
38. Os arguidos CC e BB desconhecem em absoluto que relações existem ou existiram entre o co-arguido AA e o TT.
39. Por outro lado, veio o ... “remeter a informação existente sobre o «Fecho ...», ocorrido em .../.../2013 (único fecho ocorrido na conta supra identificada”, mais informando que “o fecho ... creditado em .../.../2013 respeita a uma única operação de 192,64€... ”.
40. Salvo o devido respeito, independentemente do que se referiu supra, que não se prescinde, ridículo se torna dizer que as sociedades ... e ... foram declaradas insolventes por uma diminuição de património no valor de 192,64 €.
41. Impunha-se pois, na ausência de qualquer outro meio de prova que o comprove e com a informação prestada pelo ..., dar não provados os factos 111, 115, 116, 117, 199 do elenco dos factos provados.
SEM PRESCINDIR
DO ARTIGO 227º N.º2 DO CÓDIGO PENAL. DA ASSUNÇÃO DOS ARGUIDOS DA NATUREZA DE TERCEIROS. DA PRESCRIÇÃO.
42. Como supra se referiu, não tendo exercido a gerência/administração de facto das sociedades insolventes, a entender-se que existe responsabilidade criminal destes arguidos CC e BB, na insolvência das sociedades ... e ...,, o que não se admite, essa responsabilidade deve-lhes ser imputada enquanto terceiros nos termos do artigo 227° n.°2 do Código Penal.
43. Estipula este artigo 227° n.° 2 do Código Penal que “O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n. °1 deste artigo, com conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada ”.
44. Ou seja, conjugando os artigos 227° n.°1 e 2 com o artigo 73° do Código Penal, atenuando especialmente a pena, teriam os arguidos CC e BB de ser punidos com uma pena até 5 anos (60 meses) reduzida de um terço, ou seja, 40 meses [60 meses - (60 meses : 3)].
45. Mesmo a considerar a agravação da pena nos termos do artigo 229°-A do Código Penal, que agrava a pena de um terço no seu limite máximo, os arguidos incorreriam numa pena de 53,33 meses [40 meses + (40 meses : 3)] ou [80 meses - (80 meses : 3), portanto, sempre inferior a 5 anos (60 meses).
46. Nos termos do artigo 118° n.°1 alínea c) do Código Penal o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 anos, mas inferior a 5 anos.
47. Os factos imputados aos arguidos CC e BB constantes da acusação e do Acórdão Recorrido remontam ao ano de ..., pelo que o normal prazo de prescrição ocorreu, senão antes, em ....
48. O arguido BB foi constituído arguido no dia .../.../2022, muito para além do prazo normal de prescrição de 5 anos. O arguido CC foi constituído arguido no dia .../.../2016. Os arguidos foram notificados da acusação em ....
49. Assim, tendo em conta e ressalvado os tempos de suspensão e interrupção possível nos presentes autos, a considerar os mesmos como terceiros para efeitos do artigo 227° n.°2 do Código Penal, o procedimento criminal quanto aos arguidos CC e BB deve considerar-se prescrito.
DA ANTENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
50. O artigo 72° n.°1 do Código Penal refere que o Tribunal atenua especialmente a pena para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporânea dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
51. Acrescenta a alínea d) do n.°2 do mesmo preceito que para efeitos do disposto no n.°1 são consideradas, entre outras, a circunstância de ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
52. Como facilmente se denota, os factos imputados aos arguidos remontam a ..., já lá vão 12 anos. Esta excessiva duração do processo não é imputável aos arguidos e estes não têm qualquer condenação por factos posteriores.
53. Pelo que, a entender-se pela condenação dos arguidos, sempre as suas penas devem ser especialmente atenuadas nos termos dos artigos 72° n.°2 alínea d) e 73° do Código Penal.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
54. Entendeu ainda o Tribunal “a quo”, no ponto 8 da parte decisória, condenar todos os arguidos, incluindo os aqui Recorrentes CC e BB, de forma solidária, a pagar à Demandante ... o valor de 347 410,10 €.
55. Como se referiu, as condutas que aqui são imputadas aos arguidos CC e BB ocorreram após .../.../2013 e, como se deu como provado nos pontos 51, 52, 52-A, 53, 53-A, 54, 56, 56-A a dívida à Demandante nasceu muito antes dessa data.
56. Não ficou provado nem minimamente demonstrado que se as sociedades ... e ... não tivessem sido declaradas insolventes que a dívida à Demandante teria sido paga, muito menos de que forma e quando, nem existe causa efeito, nem nenhum nexo causal entre a dívida/dano da Demandante e a conduta dos arguidos CC e BB descrita na acusação e no Acórdão Recorrido.
57. Pelo que nunca poderiam os arguidos CC e BB ser condenados no pagamento do pedido de indemnização civil formulado pela Demandante, devendo pois ser absolvidos.
IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS
58. Devem pois, entre outros que se mostrem contraditórios com o supra referido, os factos vertidos nos n.° 7, 8, 16, 17, 41, 61, 62, 64, 68, 71, 73, 83, 86, 92, 95, 101, 104, 105, 106, 111, 113, 115, 116, 117, 119 da matéria de facto provada serem considerados como não provados.
59. Ao assim decidir, violou o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, entre outros, os artigos 32° da Constituição da República Portuguesa, 18° e 29° da CRP, 73°, 118°, 119°, 120°, 121°, 227°, 229°-A do Código Penal, artigos 124°, 127°, 374°, 377° e 379° do Código de Processo Penal e 483° e seguintes do Código Civil.
60. Deve assim o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por um outro em que considere como não provados os factos supra referidos, fazendo uma correcta apreciação da prova, absolva os arguidos CC e BB do crime de Insolvência Dolosa Agravado pelos quais vinham acusados/pronunciados, bem como do pedido de indemnização civil formulado.
61. Ou, caso assim não se entenda, sempre as suas penas devem ser especialmente atenuadas nos termos dos artigos 72° n.°2 alínea d) e 73° do Código Penal.
62. Assim se espera, venerandos Desembargadores, por ser de JUSTIÇA!!!
3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta aos recursos interpostos pelos arguidos, no sentido de que não merecem provimento, concluindo, quanto a cada um deles, nos seguintes termos:
3.1. AA
1. O arguido interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão datado de 11.02.2025 (Referência: 442710107 e fls.2530 a 2579), que o condenou pela prática de: dois crimes de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.° - A, do Código Penal e de um crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.° do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), em pagamentos parciais de € 10.000,00 (dez mil euros) até completar o valor total, através de depósito autónomo, até ao dia 1 de março dos anos seguintes ao trânsito em julgado.
2. Quanto à primeira questão suscitada - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.° 410.º/2, al. a) do CPP)- afigura-se-nos que, da leitura do acórdão, não se evidencia a omissão de factos que podiam e deviam ter sido averiguados - por se mostrarem necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição - por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
3. Os vícios decisórios [art.° 410.72 do CPP] são defeitos estruturais da decisão penal e por isso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
4. Assim, o Tribunal "a quo" apreciou os factos constantes da acusação e da leitura do acórdão recorrido não se infere, em concreto, que factos relevantes para a boa decisão da causa ficaram por apurar e que resultem do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
5. Na verdade, não pode o recorrente confundir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art.° 410.°/2, al. a) do CPP, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência (art.° 127.° do CPP).
6. O recorrente ao defender a violação das regras de valoração dos meios de prova e a incorrecta interpretação jurídica do tipo de crime, não está a invocar a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida e um outro “entendimento" na subsunção dos factos ao direito, pelo que, é forçoso concluir que o acórdão não padece do vício enunciado no art.° 410.°/2, al. a) do CPP.
7. Quanto à segunda questão suscitada - contradição insanável (art.° 410.°/2, al. b) do CPP) "entre a fundamentação e a decisão", no que concerne aos factos provados nos pontos 4, 5, 16, 17, 30, 104, 113, 114, 115 e 118, porquanto, o Tribunal "a quo", ante a prova produzida, ficou convencido que o recorrente, após a venda das suas partes societárias, manteve a gerência de facto das mesmas.
8. Assim, não se detecta uma patente contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo a decisão sobre a matéria de facto congruente com as premissas lógicas enunciadas na fundamentação.
9. Na verdade, o recorrente aponta como contradição insanável uma “outra leitura” da factualidade apurada, em contraposição com a versão da dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que na verdade não é possível na contradição insanável; a impugnação da matéria de facto que o recorrente pretende ver apreciada, nos termos invocados só pode ser usado pelo recorrente como erro de julgamento e não como contradição insanável (ou mesmo erro notório).
10. Ora, da leitura do acórdão recorrido resulta que não se verifica qualquer contradição insanável, previsto no art.° 410.°/2, al. b) do CPP, pelo que, nesta parte, deve negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se o Acórdão impugnado.
11. Quanto à terceira questão suscitada - Violação do Princípio do Contraditório (art.° 355.° do CPP), o recorrente defende que um conjunto relevante de documentos ( fls.57, 62, 113 a 119, 143 e ss,, 466 e ss, , 532 a 536 e ss, 633, 640 e ss), que pesaram na condenação do Arguido no crime de descaminho não foram examinados ou apreciados, tão pouco o Arguido foi confrontado com o seu teor em sede de audiência de julgamento, o que leva a que se pugne pela verificação, nesta parte, a nulidade da sentença (Cfr. art. 355.° do CPP), mas sem qualquer razão.
12. Nos termos do disposto no art.°355.°/1 do CPP, não valem para formação da convicção probatória quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, com excepção do previsto no n.° 2, atinente às provas contidas em actos processuais cuja leitura seja permitida nos preceitos seguintes.
13. Este normativo não é inconstitucional quando interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida. (Ac. TC n° 87/99, de 10.02, proc°444/98, DR II série, de 01.07.1999)
14. Por outro lado, como salienta o Ac. STJ, de 27.01.1999, proc.° 350/98 in SASTJ, n° 27, 83, a observância do disposto no art.° 355.°/1, do CPP, não exige a leitura em audiência dos documentos constantes dos autos, bastando a existência dos mesmos e a possibilidade de relativamente a eles poder exercer-se o contraditório, independentemente da sua leitura, sendo irrelevante que as actas sejam omissas quanto aos que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. (veja também os Acórdão do STJ de 20.11.02, P° 3173/02-3ª; de 04.03.04, em www.dgsi.pt: de 23.02.05, na CJSTJ, 2005, T1, 210 e de 19.10.05, P° 1941/05-3ª)
15. Assim, os documentos referidos pelo recorrente constam dos autos e são provas que, forçosamente, estão presentes na audiência e submetidas ao contraditório, sem necessidade de serem lidas, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo, pelo que, o acórdão recorrido não é nulo, nem o recorrente sofreu qualquer compressão nos seus direitos de defesa, dado que poderia ter contrariado essa prova nessa audiência, pelo que deve improceder este argumento recursivo.
16. Como quarta questão o Recorrente impugna a matéria da como provada nos pontos 30, 59, 60, 61 (61.1, 61.2, 61.3, 61.4. 61.5 e 61.6) 63, 64, 99 a 101, 106, 111 a 119 e 126, por entender que a prova que foi produzida (pericial, documental e os depoimentos das testemunhas HH, II, OO e FF) e a não produzida (crime de descaminho), impunha-se um sentido diferente do plasmado no acórdão recorrido, devendo tais factos ser dados como não provados, porém, sem qualquer razão,
17. In casu, toda a prova produzida, devidamente analisada e criteriosamente ponderada, apenas poderia ter conduzido o Tribunal "a quo" a decidir como o fez, inexistindo um qualquer erro na apreciação da prova, sendo certo que, o recorrente, com esta impugnação, pretende "substituir a convicção" do Tribunal do julgamento pela sua "própria leitura da prova", mas sem apresentar verdadeiros argumentos que imponham solução diversa da proferida, em sede de matéria de facto, por ocorrência de erro de julgamento.
18. O Tribunal "a quo" no apuramento dos factos provados considerou que a maior parte das testemunhas (trabalhadoras das empresas ...) depuseram de forma objectiva e credível, tendo esclarecido a forma como a gestão das empresas era feita e sobre os acontecimentos ocorridos no ano de ... que, concatenada com a prova documental, permitiu recriar o filme da dinâmica factual e a actuação dos arguidos,
19. O Tribunal apurou a forma como foi delineada e concretizada uma estratégia no sentido de desvincular formalmente o recorrente da direcção das empresas e assim impedir a satisfação dos créditos dos credores, em concreto da ..., que já havia comunicado que, atenta a situação de incumprimento, iria avançar para a venda dos estabelecimentos comerciais das empresas.
20. Na verdade, resultou provado que o recorrente não vendeu verdadeiramente as participações sociais, pois que nada recebeu como contrapartida e que, apesar de serem os co-arguidos quem iam às instalações receber o dinheiro e cheques da gestão diária das empresas, aquele continuava a tratar de assuntos das mesmas, como ilustram os mails juntos aos autos e os cheques assinados por si até ....
21. Igualmente, Tribunal "a quo" ficou convencido que após a penhora sem remoção efectuada no âmbito da execução intentada pela ..., o recorrente, fiel depositário de tais bens, decidiu, em conluio com os co-arguidos, ficcionar dividas da duas sociedades pré-insolventes, por forma a dar a aparência de legitimidade para proceder a outras penhoras já com remoção, e aproveitando-se para retirar todos os bens que ali se encontrassem, incluindo os registos contabilísticos, fazendo desaparecer tais bens para paradeiro desconhecido até aos dias de hoje,
22. Mas ficou convicto que, todo o esquema, apenas foi possível graças à colaboração dos co-arguidos com o recorrente, que se disponibilizaram afigurar como titulares dos órgãos sociais das empresas, efectuando actos de gestão e substituindo o recorrente, nas instalações das empresas, procedendo à recolha diária dos valores da caixa e criando um artificio, por forma, a permitir a propositura de várias execuções em que figurava como exequente a ..., sendo que inexistiam relações comerciais ou outras que justificassem tais dividas, por forma a viabilizar a aparência de uma penhora com remoção, afastando suspeitas imediatas sobre a dissipação dos bens das instalações onde ainda se encontravam vários trabalhadores.
23. O Tribunal “a quo” mais se convenceu que, a transmissão das quotas e acções das duas sociedades comerciais, declaradas insolventes, à mesma pessoa, o arguido CC, que não teve contacto nem com trabalhadores das empresas nem com os credores (como a ...) concatenado com a falta de documentos comprovativos dos pagamentos de tais negócios jurídicos, permite concluir pela simulação de tais negócios;
24. Acresce que, a penhora realizada no âmbito da execução intentada pela ..., deve ser conciliada com o facto de à data das transmissões das participações sociais, os bens pertencentes à ... se encontrarem nas instalações desta, aí permanecendo até ..., havendo já sido anunciada, em reunião de ..., por aquela credora ao recorrente, que ia proceder à venda dos estabelecimentos comerciais;
25. As insolvências declaradas em ........2014 (...) e ........2015 (...), reportam a situações de pré-falência, verificadas antes da transmissão das participações sociais.
26. O Tribunal “a quo” valorou a falta de acesso aos registos contabilísticos, com desaparecimento dos mesmos das instalações, considerando tal comportamento como propositado.
27. Para chegar à conclusão que as dividas foram artificiosamente criadas, tendo em vista legitimar a remoção dos bens da ..., o Tribunal " a quo" teve em conta os termos em que ocorreu a penhora da execução n.° 2230/13, a presença de um co-arguido no acto quando quase nunca comparecia, a nomeação de fiel depositário um cidadão estrangeiro, a impossibilidade de localizar as instalações da exequente, dos bens penhorados e removidos, bem como do fiel depositário;
28. Ademais, todas as execuções intentadas pela ... tinham como título executivo cheques, no valor de €7.500, cada um, da ..., assinados os quatro cheques pelo arguido CC, todos datados de ..., cheques esses devolvidos por falta de provisão, sendo que à data da emissão de tais cheques, as contas bancárias não tinham fundos suficientes;
29. A actividade das sociedades ... e ... terminou com a remoção dos bens que constituíam os instrumentos de trabalho dos trabalhadores, sendo que para além disso ainda foram retirados bens daquelas instalações, sem qualquer fundamento dado a conhecer aos trabalhadores.
30. O ... existente numa das empresas, foi substituído, a mando do arguido BB e pertencia à empresa ..., pertença do seu irmão.
31. Ante o referido, o Tribunal "a quo", no exame crítico da prova, deu como provados os factos 61, 114, 115, 116, 117, 118, por força da conjugação dos inúmeros factos objectivos comprovados e da prova circunstancial e indiciária, apurada em sede de audiência de julgamento, que permitiu chegar à descoberta dos factos, afastando a versão do recorrente, dadas as contradições e insuficiências óbvias das suas declarações perante a consistência do demais substrato probatório.
32. A prova produzida e os vários factos instrumentais apurados, permitiram ao Tribunal "a quo" formar a convicção de que os arguidos planearam efectivamente uma estratégia para desvio de fundos e activos das duas sociedades, prejudicando os fornecedores, como a ..., e os trabalhadores, conforme o acervo fáctico da acusação, tendo os arguidos agido do modo a aí descrito, com excepção de alguns detalhes.
33. In casu, o Tribunal "a quo” respeitou o princípio da livre apreciação da prova (art.°127.° CPP), as regras da experiência e critérios de normalidade, tendo recorrido aos princípios da oralidade e da imediação; foi exímio na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada, com adequada indicação dos elementos probatórios produzidos em sede de julgamento e constantes dos autos, razão pela qual não se encontra qualquer erro de racionalidade ou infração às regras da experiência comum, que imponha uma solução diferente da que consta no acórdão recorrido.
34. Neste sentido, afigura-se-nos que a condenação do recorrente pelos crimes de insolvência dolosa agravada e crime de descaminho decorre de aturada reflexão e análise crítica sobre a prova, validamente recolhida e apreciada, em resultado da qual o Tribunal "a quo" obteve convicção plena sobre a verificação dos factos imputados, não merecendo qualquer censura a subsunção dos factos ao direito, devendo manter-se inalterada a factualidade provada e a condenação sofrida, julgando improcedente o recurso, também nesta parte.
35. Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta o disposto nos art.° 18.°, 29°. e 32.°da CRP, art.° 73.°, 227.°, 229.°-A do Código Penal, art.° 124.°, 127.°, 355.°, 374.°, 379.° e 410.° do CPP.
36. Como quinta questão o recorrente impugna a dosimetria da pena, por excessiva, pugnando pela aplicação da atenuação especial da pena, porém, sem qualquer razão, uma vez que, o Tribunal "a quo" sopesou, criteriosamente, todos os fundamentos do recurso e respeitou os critérios da determinação da pena (parcelar e única) previstos nos art.° 40.°, 70.°, 71.° e 77.° do CP e 18.°/2 da CRP, não havendo lugar, em concreto, à redução das penas parcelares aplicadas, não se justificando a intervenção corretiva do Tribunal "ad quem".
37. Tudo ponderando, afigura-se que, no quadro dos fins das penas, e atendendo ao binómio culpa-ilicitude dos factos, as penas parcelares concretas fixadas se apresentam ajustadas, adequadas, legalmente corretas e ponderadas, não ultrapassando de modo nenhum os limites da culpa, e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e de uma prevenção especial ressocializadora.
38. Encontrando-se os crimes praticados pelo recorrente, numa situação de concurso, ao proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, o previsto no art.° 40.°, 50.° e 77.°/1 e 2, do CP e na fixação da pena conjunta, o Tribunal "a quo" teve em consideração a proporcionalidade e a proibição do excesso, o que obteve através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta, no âmbito do ordenamento punitivo.
39. Na verdade, atendendo às circunstâncias concretas dos factos apurados e aos limites abstractos da pena única que variam entre 3 ano de prisão (oena parcelar mais grave) a 8 anos (sendo a soma material de todas as penas), a pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período (art.°50.° do CP), sob a obrigação de pagamento (art.°51.° do CP), revela-se justa e adequada ao caso concreto, situando-se abaixo do limite médio da moldura penal em causa.
40. O Tribunal "a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação das medidas da pena (parcelares e única), por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.° 40.°, 50.°, 71.° e 77.° do Código Penal, não existindo motivo atendível para alterar quer as penas quer a qualificação jurídica dos factos
41. O recorrente pugna pela aplicação de a atenuação especial da pena (art.°72.°/2CP), todavia, as circunstâncias invocadas pelo mesmo não são suficientes, de molde a concluir pela acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente e da necessidade de aplicação da pena ao arguido, sendo que a imagem global dos factos praticados pelo recorrente não apresenta uma gravidade substancialmente reduzida, que possa levar a aplicação deste instituto.
42. Relativamente à impugnação do valor da indemnização abstemo-nos de tomar posição por falta de legitimidade e de interesse em agir, em virtude de o demandante se encontrar devidamente representado e patrocinada.
3.2. Arguidos BB e CC
1. Os arguidos interpõem o presente recurso, por não se conformarem com o Acórdão datado de 11.02.2025 (Referência 442710107 e fls.2530 a 2579), que condenou cada um deles, pela prática de: dois crimes de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.°, n.° 1, al. b) e 229.° - A, do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à obrigação de proceder ao pagamento do valor de € 25 000,00, em pagamentos parciais até completar o valor total, através de depósito autónomo, até ao dia 1 de março dos anos seguintes ao trânsito em julgado.
2. Quanto à primeira questão suscitada - contradição insanável (art.° 410.°/2, al. b) do CPP), no que concerne aos “ factos provados” 7, 8, 16, 17, 68, 95, 104 e 7 73 e os “factos não provados” 7 e 16, cumpre referir que os vícios são defeitos estruturais da decisão penal e por isso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
3. Assim, não se detecta uma patente contradição entre a factualidade prova e não provada, sendo a decisão sobre a matéria de facto congruente com as premissas lógicas enunciadas na fundamentação.
4. Na verdade, os recorrentes apontam como contradição insanável uma “outra leitura” da factualidade apurada, em contraposição com a versão da dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que na verdade não é possível na contradição insanável; a impugnação da matéria de facto que os recorrentes pretendem ver apreciada, nos termos invocados só pode ser usado pelos mesmos como erro de julgamento.
5. Ora, da leitura do acórdão recorrido resulta que não se verifica qualquer contradição insanável, previsto no art.° 410.°/2, al. b) do CPP, pelo que, nesta parte, deve negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se o Acórdão impugnado.
6. Como segunda questão os Recorrentes impugnam a matéria da como provada nos pontos 7, 8, 16, 17, 41, 61, 62, 64, 68, 71, 73, 83, 86, 92, 95, 101, 104, 105, 106, 111, 113, 115, 116, 117 e 119 por entenderem que a prova que foi produzida (pericial, documental e testemunha) impunha um sentido diferente do plasmado no acórdão recorrido, devendo tais factos ser dados como não provados, porém, sem qualquer razão,
7. In casu, toda a prova produzida, devidamente analisada e criteriosamente ponderada, apenas poderia ter conduzido o Tribunal "a quo" a decidir como o fez, inexistindo um qualquer erro na apreciação da prova, sendo certo que, os recorrentes, com esta impugnação, pretendem "substituir a convicção" do Tribunal do julgamento pela sua "própria leitura da prova", mas sem apresentar verdadeiros argumentos que imponham solução diversa da proferida, em sede de matéria de facto, por ocorrência de erro de julgamento.
8. O Tribunal "a quo" no apuramento dos factos provados considerou que a maior parte das testemunhas (trabalhadoras das empresas ...) depuseram de forma objectiva e credível, tendo esclarecido a forma como a gestão das empresas era feita e sobre os acontecimentos ocorridos no ano de ... que, concatenada com a prova documental, permitiu recriar o filme da dinâmica factual e a actuação dos arguidos.
9. O Tribunal "a quo" apurou a forma como foi delineada e concretizada uma estratégia no sentido de desvincular formalmente o arguido AA da direcção das empresas e assim impedir a satisfação dos créditos dos credores, em concreto da ..., que já havia comunicado que, atenta a situação de incumprimento, iria avançar para a venda dos estabelecimentos comerciais das empresas.
10. Na verdade, resultou provado que o referido arguido não vendeu verdadeiramente as participações sociais, pois que nada recebeu como contrapartida dos recorrentes e que eram eles, designadamente o BB quem iam às instalações receber o dinheiro e cheques da gestão diária das empresas.
11. Igualmente, Tribunal "a quo" ficou convencido que após a penhora sem remoção efectuada no âmbito da execução intentada pela ..., os arguidos, em conluio, decidiram ficcionar dividas da duas sociedades pré-insolventes, por forma a dar a aparência de legitimidade para proceder a outras penhoras já com remoção, e aproveitando-se para retirar todos os bens que ali se encontrassem, incluindo os registos contabilísticos, fazendo desaparecer tais bens para paradeiro desconhecido até aos dias de hoje,
12. Mais ficou convicto que, todo o esquema, apenas foi possível graças à colaboração do coarguido e dos recorrentes, que se disponibilizaram afigurar como titulares dos órgãos sociais das empresas, efectuando actos de gestão e substituindo o coarguido, nas instalações das empresas, procedendo à recolha diária dos valores da caixa e criando um artificio, por forma, a permitir a propositura de várias execuções em que figurava como exequente a ..., sendo que inexistiam relações comerciais ou outras que justificassem tais dividas, por forma a viabilizar a aparência de uma penhora com remoção, afastando suspeitas imediatas sobre a dissipação dos bens das instalações onde ainda se encontravam vários trabalhadores.
13. O Tribunal “a quo” mais se convenceu que, a transmissão das quotas e acções das duas sociedades comerciais, declaradas insolventes, à mesma pessoa, o recorrente CC, que não teve contacto nem com trabalhadores das empresas nem com os credores (como a ...) concatenado com a falta de documentos comprovativos dos pagamentos de tais negócios jurídicos, permite concluir pela simulação de tais negócios;
14. Acresce que, a penhora realizada no âmbito da execução intentada pela ..., deve ser conciliada com o facto de à data das transmissões das participações sociais, os bens pertencentes à ... se encontrarem nas instalações desta, aí permanecendo até ..., havendo já sido anunciada, em reunião de ..., por aquela credora ao recorrente, que ia proceder à venda dos estabelecimentos comerciais;
15. As insolvências declaradas em ........2014 (...) e ........2015 (...), reportam a situações de pré-falência, verificadas antes da transmissão das participações sociais.
16. O Tribunal “a quo” valorou a falta de acesso aos registos contabilísticos, com desaparecimento dos mesmos das instalações, considerando tal comportamento como propositado.
17. Para chegar à conclusão que as dividas foram artificiosamente criadas, para legitimar a remoção dos bens da ..., o Tribunal " a quo" teve em conta os termos em que ocorreu a penhora da execução n.° 2230/13, a presença de um dos recorrentes no acto quando quase nunca comparecia, a nomeação de fiel depositário um cidadão estrangeiro, a impossibilidade de localizar as instalações da exequente, dos bens penhorados e removidos, bem como do fiel depositário;
18. Ademais, todas as execuções intentadas pela ... tinham como título executivo cheques, no valor de €7.500, cada um, da ..., assinados os quatro cheques pelo recorrente CC, todos datados de ..., cheques esses devolvidos por falta de provisão, sendo que à data da emissão de tais cheques, as contas bancárias não tinham fundos suficientes;
19. A actividade das sociedades ... e ... terminou com a remoção dos bens que constituíam os instrumentos de trabalho dos trabalhadores, sendo que para além disso ainda foram retirados bens daquelas instalações, sem qualquer fundamento dado a conhecer aos trabalhadores.
20. O ... existente numa das empresas, foi substituído, a mando do recorrente A.C. e pertencia à empresa ..., pertença do seu irmão.
21. Ante o referido, o Tribunal "a quo", no exame crítico da prova, deu como provados os factos 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119 (elemento subjectivo), por força da conjugação dos inúmeros factos objectivos comprovados e da prova circunstancial e indiciária, apurada em sede de audiência de julgamento, que permitiu chegar à descoberta dos factos.
22. A prova produzida e os vários factos instrumentais apurados, permitiram ao Tribunal "a quo" formar a convicção de que os arguidos planearam efectivamente uma estratégia para desvio de fundos e activos das duas sociedades, prejudicando os fornecedores, como a ..., e os trabalhadores, conforme o acervo fáctico da acusação, tendo os arguidos agido do modo a aí descrito, pelo que deve improceder a impugnação da matéria de facto "in totum".
23. In casu, o Tribunal "a quo” respeitou o princípio da livre apreciação da prova (art.°127.° CPP), as regras da experiência e critérios de normalidade, tendo recorrido aos princípios da oralidade e da imediação; foi exímio na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada, com adequada indicação dos elementos probatórios produzidos em sede de julgamento e constantes dos autos, razão pela qual não se encontra qualquer erro de racionalidade ou infração às regras da experiência comum, que imponha uma solução diferente da que consta no acórdão recorrido.
24. Neste sentido, afigura-se-nos que a condenação dos recorrentes pelos crimes de insolvência dolosa agravada decorre de aturada reflexão e análise crítica sobre a prova, validamente recolhida e apreciada, em resultado da qual o Tribunal "a quo" obteve convicção plena sobre a verificação dos factos imputados, não merecendo qualquer censura a subsunção dos factos ao direito, devendo manter-se inalterada a factualidade provada e a condenação sofrida, julgando improcedente o recurso, também nesta parte.
25. Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta o disposto nos art.° 227.°, 229.°-A do Código Penal, art.° 124.°, 127.°, 374.°, 377.°, 379.° do CPP.
26. Como terceira questão os recorrentes impugnam a subsunção jurídica dos factos, defendendo que a factualidade é subsumível nos termos do art.° 227.°/2 do Código Penal, por serem terceiros, mas sem qualquer razão.
27. In casu, os Recorrentes, ao praticarem os factos típicos respetivos voluntariamente e em nome das sociedades, como gerentes de facto e de direito, constituíram-se autores imediatos dos crimes de insolvência dolosa agravada, pelo qual foram condenados, em conformidade com o disposto nos art.° 11.°, 12.°, 227.°/3 e 229.°-A, todos do CP, em virtude de terem sido defraudados os créditos salariais dos trabalhadores de ambas as empresas.
28. Ante esta análise e ponderação, tendo em conta toda a factualidade provada, não existe qualquer motivo atendível para alterar a qualificação jurídica dos crimes imputados, uma vez que, o Tribunal "a quo" julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, pelo que, deve improceder este argumento recursivo.
29. Como quarta questão consignamos que, também não se verifica a invocada prescrição do procedimento criminal, porquanto as sociedades foram declaradas insolventes em ........2014, (...) e em ........2015 (...), sendo que os recorrentes eram gerentes de direito e de facto e foram constituídos arguidos, respectivamente, em ........2016 e ........2022 [(cfr.fls.463 (CC) e 2046 (BB)].
30. O crime de insolvência dolosa apresenta uma condição objetiva de punibilidade: o reconhecimento judicial da situação de insolvência, marco temporal para o se iniciar o prazo de prescrição do procedimento criminal.
31. Atenta a moldura penal abstracta o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos (art.°118.°/1 al. b) do CP), pelo que, tendo em conta as datas do trânsito em julgado da declaração de insolvência, concluiu-se que, ainda não decorreu o prazo máximo da prescrição dos referidos ilícitos, que é o prazo normal (10A) acrescido de metade (5A), ressalvado o tempo de suspensão (3A), devendo improceder esta argumento recursivo.
32. Como quinta questão, os recorrentes pugnam pela aplicação da atenuação especial da pena, porém, sem qualquer razão, uma vez que, o Tribunal "a quo" julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à subsunção jurídica dos factos e quanto à determinação das medidas da pena (parcelares e única), não sendo possível convocar a aplicação desse instituto, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.° 40.°, 50.°, 71.°, 72.°, 73.°, 77.° e 227.°/ 1 e 229.°-A do Código Penal.
33. Acresce que, a factualidade provada quanto aos recorrentes não permite concluir pela acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa dos agentes e da necessidade de aplicação da pena aos arguidos, sendo que a imagem global dos factos praticados pelos mesmos não apresenta uma gravidade substancialmente reduzida.
34. Como sexta questão, os recorrentes defendem que o Tribunal "a quo" fez uma interpretação inconstitucional do art.° 227.° do Código Penal, uma vez que valorou condutas posteriores à "situação de insolvência", ocorrendo a violação dos art.° 18.° e 29.° da CRP.
35. Tal como já se referiu, o crime de insolvência dolosa agravada tem uma condição objetiva de punibilidade: a situação de insolvência com reconhecimento judicial.
36. Assim as declarações de insolvência ocorreram em ........2014 (...) e em ........2015 (...), sendo que os factos imputados aos recorrentes foram praticados, na sua maioria, no ano de ..., pelo que todas as condutas foram consumadas em datas anteriores àquela condição de punibilidade e estavam sancionados como factos ilícitos previstos no art.° 227.°/1 e 229.°-A do CP.
37. Ora, da leitura do acórdão recorrido, não se apura qualquer violação de direitos, liberdades e garantias dos recorrentes ou a violação do princípio da legalidade, porquanto os crimes imputados aos recorrentes (dois) e pelo qual foram condenados está previsto no art.° 227.° do CP, em vigor na data dos factos, impondo-se concluir que não se verifica a referida inconstitucionalidade da interpretação do art.° 227.° do CP, por violação dos art.° 18.° e 29.° da CRP.
38. Acresce que, os recorrentes não concretizam, de forma clara e perceptível, em que consista a inconstitucionalidade da norma e/ou interpretação normativa, nem demonstra, factualmente, em que é que se traduziu a violação dos princípios constitucionais invocados, não bastando uma "diferente interpretação" normativa para que haja violação da CRP, pelo que deve improceder esta parte do recurso.
39. Como sétima questão, os recorrentes impugnam o pedido de indemnização cível, o que nos abstemos de tomar posição por falta de legitimidade e de interesse em agir, em virtude de o demandante se encontrar devidamente representado e patrocinada.
40. Em síntese, concluímos que o Tribunal "a quo" não violou os art.° 18.°, 29.° e 32.° da CRP, art.° 73.°, 118.°, 119.°, 120.°, 121.°, 227.°, 229.°-A do Código Penal, art.° 124.°, 127.°, 374.°, 377.°, 379.° e 410.°/2 do Código de Processo Penal e art.° 483.° e seguintes do Código Civil.
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que os recursos não merecem provimento, considerando ser de confirmar a decisão recorrida e acompanhando as respostas apresentadas pelo Ministério Público junto da 1ª instância.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), nenhuma resposta foi apresentada.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pelos arguidos das respetivas motivações de recurso, cumpre apreciar as seguintes questões:
Recurso arguido AA:
• Da nulidade do acórdão por violação do princípio do contraditório (art. 355.º do CP);
• Da verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP (“insuficiência para a decisão da matéria de facto” e “contradição insanável”);
• Do erro de julgamento (factos provados em 30, 59, 60, 61 (61.1, 61.2, 61.3, 61.4. 61.5 e 61.6) 63, 64, 99 a 101, 106, 111 a 119 e 126);
• Da atenuação especial da pena (art. 72.º do CP);
• Do pedido de indemnização civil.
Recurso arguidos BB e CC:
• Da verificação do vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP (“contradição insanável”);
• Do erro de julgamento (factos provados em 7, 8, 16, 17, 41, 61, 62, 64, 68, 71, 73, 83, 86, 92, 95, 101, 104, 105, 106, 111, 113, 115, 116, 117 e 119);
• Da inconstitucionalidade da interpretação do art. 227.º do CP;
• Da qualificação jurídica dos factos e consequente prescrição do procedimento criminal;
• Da atenuação especial da pena (art. 72.º do CP);
• Do pedido de indemnização civil.
2. Do acórdão recorrido
Factos Provados
Mostram-se provados os seguintes factos (da acusação e mantendo a numeração da mesma e fazendo constar as indicações por reporte aos documentos dos autos):
Da sociedade ... (fls. 17 e ss.)
1. A sociedade ..., constituída em ........1990, era uma sociedade comercial por quotas que tinha por objecto social a venda de pneus e outros acessórios para veículos e apresentava o capital social de € 5.000 (cinco mil euros);
2. A ..., tinha sede na ...
3. Em ........2007, ocorreu um aumento de capital no valor total de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) efectuado pelo arguido AA (doravante, AA), UU, seu pai, e a sociedade ..., transformação em sociedade anónima e a designação de membros dos órgãos sociais, tendo o arguido AA sido designado como Administrador Único da sociedade;
4. Em ........2013, foi celebrado, entre o arguido AA (VENDEDOR) e o arguido CC (COMPRADOR), o contrato de compra e venda de acções, constando na cláusula segunda do mesmo «O preço global da compra das referidas acções é de € 5.000,00 (cinco mil euros) integralmente pago nesta data pelo COMPRADOR ao VENDEDOR, que aqui presta quitação», (fls. 487 e ss.);
5. Ainda em ........2013, o arguido AA renunciou ao cargo de Administrador Único da sociedade ... (fls. 486);
6. Posteriormente, em ........2013, foi designado como Administrador Único da referida sociedade o arguido CC (doravante, CC);
7. Desde essa data, o arguido CC, na qualidade de gerente, passou a fazer pagamentos e representar a sociedade ...;
8. Do mesmo modo, o arguido BB (doravante, BB) passou a assumir a função de administrador de facto, incumbindo-lhe, nomeadamente, dar ordens aos trabalhadores, gerir os stocks e as receitas provenientes da actividade desenvolvida pela sociedade;
Da sociedade ... (fls. 689 e ss.)
9. A sociedade ..., NIPC ..., constituída em ........1972, era uma sociedade comercial por quotas que tinha por objecto social o comércio de pneus, artigos para veículos, venda de óleos, lubrificantes, gasolina e reparação de automóveis e apresentava o capital social de €30.000 (trinta mil euros);
10. A ... tinha sede na ...;
11. Em ........2006, o arguido AA foi designado como gerente (fls. 690);
12. Em ........2012, ocorreu uma transmissão de quotas da sociedade ... (€ 10.000,00), tendo como sujeito passivo - VV e sujeito activo a sociedade comercial ...;
13. Em ........2013 foi celebrado entre WW (PRIMEIRA OUTORGANTE) e ... (SEGUNDO OUTORGANTE) - esta representada pelo gerente, o arguido AA - e o arguido CC (TERCEIRO OUTORGANTE), o contrato de cessão de quotas, constando no mesmo que o PRIMEIRO e SEGUNDO outorgantes cediam ao TERCEIRO outorgante, as quotas no valor de € 7.000,00 (sete mil euros) e € 23.000,00 (vinte e três mil euros), respectivamente;
14. Ainda em ........2013, o arguido AA renunciou à gerência da sociedade ... (fls. 489 e ss./692);
15. Em ........2013, ocorreu a unificação de todas as quotas adquiridas pelo arguido CC, o qual foi designado gerente;
16. Desde essa data, o arguido CC, na qualidade de gerente, passou a fazer pagamentos e a representar a sociedade ...;
17. Do mesmo modo, o arguido BB passou a assumir a função de gestor de facto, incumbindo-lhe, nomeadamente, dar ordens aos trabalhadores, gerir os stocks e as receitas provenientes da actividade desenvolvida pela sociedade;
Da sociedade .... (fls. 676 e ss.)
18. A sociedade ..., constituída em ........1998, é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social o comércio de pneus, combustíveis, acessórios e peças para veículos e máquinas e reparações e apresenta o capital social de € 100.000,00 (cem mil euros);
19. A ... tem sede em ..., em ...;
20. Em ........2006, o arguido AA foi designado como gerente;
21. Em ........2008, o arguido AA, conjuntamente com XX, WW e YY, passaram a ser detentores da totalidade das quotas;
22. Em ........2009, ocorreu a transmissão de quotas de XX para o arguido AA;
23. Em ........2009, ocorreu a transmissão de quotas de WW para o arguido AA;
24. Em ........2009, ocorreu a transmissão de quotas de YY para o arguido AA;
25. Em ........2013, o arguido AA renunciou à gerência;
26. Em ........2013, ocorreu a transmissão de quotas do arguido AA para XX, mãe do primeiro;
27. Em ........2013, ocorreu a transmissão de quotas do arguido AA para a sociedade
..., pelo preço de €50.000;
28. Em ........2013, ocorreu a transmissão de quotas do arguido AA para o arguido TT (doravante TT), irmão do arguido BB, pelo preço de €50.000;
29. Ainda em ........2013, o arguido TT foi designado como gerente da sociedade ..., funções que terminou em ........2013 por ter sido destituído.
30. Contudo, o arguido AA manteve-se como gerente de facto, incumbindo-lhe, designadamente, tomar todas as decisões relativas à sua gestão, à área financeira e administrativa, dar ordens aos funcionários, realizar encomendas, fazer pagamentos, representá-la perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como estabelecer a ligação com o respectivo técnico oficial de contas;
Da sociedade ... LDA. (fls. 669 e ss.)
31. A sociedade ..., NIPC ..., constituída em ........2013, é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a compra, venda, comércio e indústria, importação e exportação de artigos de vestuário, peles, marroquinaria, sapatos e perfumes, óculos, malas e afins e apresenta o capital social de 15.000,00 (quinze mil euros);
32. A ... tem sede na ...;
33. À data da sua constituição, tinha como único sócio e gerente o arguido BB – irmão do arguido TT -, detentor das quotas;
34. Em ........2013, ocorreu a transmissão de uma quota de € 14.250,00 (catorze mil duzentos e cinquenta euros) do arguido BB para o arguido TT;
35. Posteriormente, em ........2014, ocorreu a transmissão de uma quota de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) do arguido BB para o arguido CC, o qual assume a gerência;
Da sociedade ... (fls. 189 e ss.)
37. A sociedade ..., NIPC ..., constituída em ........2011, é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a gestão e exploração de serviços de recolha, transporte, tratamento, deposição final, recuperação e reciclagem de resíduos sólidos, a comercialização dos materiais transformados, bem como outras prestações de serviços no domínio dos resíduos sólidos e ainda a armazenagem, depósito, manuseamento, processamento, reciclagem e comercialização de resíduos recicláveis ou valorizáveis, reciclagem de sucatas, baterias, desperdícios de ferro e outros resíduos metálicos, fundição de metais e suas ligas e comércio por grosso de sucatas, metais e baterias e apresenta o capital social de 5.000,00 (cinco mil euros);
38. A sociedade ... tem sede na ...;
39. Tinha como único sócio e gerente ZZ, mulher do arguido BB;
40. Em ........2012, ZZ transmitiu a totalidade das quotas da referida sociedade a RR, passando este a ser o único sócio e gerente da sociedade;
41. Contudo, a gerência de facto continuou, como sempre foi, a ser exercida pelo arguido BB, pelo menos até ..., incumbindo-lhe tomar as decisões relacionadas com a actividade da empresa;
Da sociedade ... (fls. 1704 e ss.)
42. A sociedade …, NIPC ..., constituída em ........2012, é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a gestão e exploração de serviços de recolha, transporte, tratamento, deposição final, recuperação e reciclagem de resíduos sólidos, a comercialização dos materiais transformados, bem como outras prestações de serviços no domínio dos resíduos sólidos e ainda a armazenagem, depósito, manuseamento, processamento, reciclagem e comercialização de resíduos recicláveis ou valorizáveis, reciclagem de sucatas, baterias, desperdícios de ferro e outros resíduos metálicos, fundição de metais e suas ligas e comércio por grosso de sucatas, metais e baterias, o comércio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis, importação, exportação, representação, comércio por grosso, construção e fabricação de componentes de materiais e equipamentos para todo o tipo de indústrias, nomeadamente automóvel, prestação de serviços de assistência técnica, montagem e pós-venda, reparação de automóveis e prestação de serviço conexos a essas actividades e apresenta o capital social de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros);
43. A ... tinha sede no ...;
44. Em ........2013, ocorreu uma transmissão de quotas da sociedade ..., tendo como sujeito passivo - AAA e sujeito activo o arguido TT;
45. Nessa mesma data, ........2013, o TT (irmão do arguido BB) foi designado como gerente, o qual veio a resignar em ........2018;
47. Em ........2018, ocorreu a transmissão de quotas da sociedade ... (€25.000,00), tendo como sujeito passivo o arguido TT e sujeito activo BBB;
Da situação económico-financeira das sociedades insolventes
48. Vieram a contribuir para a insolvência das sociedades:
49. A ..., é uma cooperativa de responsabilidade limitada, com o NIPC ..., com sede na ...
50. A sociedade ... havia sido cooperadora da ..., tendo-se nessa sequência estabelecido relações comerciais entre ambas (fls. 63 do nuipc 6100/13, autos apensos);
51. Nesse âmbito, a ... forneceu entre ........2009 e ........2010 diversos bens e serviços à ... no valor de € 434.683,74 (quatrocentos e trinta e quatro mil, seiscentos e oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), tendo-se verificado, contudo, o pagamento de pequenas parcelas, resultando uma dívida não paga e vencida de € 396.845,35 (trezentos e noventa e seis mil oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
52. Após a saída da ... de cooperadora da ... e não se encontrando o valor em dívida devidamente regularizado, a cooperativa decidiu instaurar acção declarativa de condenação contra a ... tendo nessa sequência sido celebrada, através de escritura pública de transacção extrajudicial, outorgada em ........2011, um acordo entre as partes, confissão de divida e constituição de penhor, (fls. 34 e ss.);
52-A. Após a saída da ... de cooperadora da ... e não se encontrando o valor em dívida devidamente regularizado, a cooperativa decidiu instaurar acção declarativa de condenação contra a ... tendo nessa sequência sido celebrada, através de escritura pública de transacção extrajudicial, outorgada em ........2011, um acordo entre as partes, confissão de divida e constituição de penhor, (fls. 46 e ss. dos autos apenso nuipc 6100/15.5TDLSB);
53. Posteriormente, por sentença proferida em ........2011 no âmbito do referido processo, a sociedade ... foi condenada a proceder ao pagamento à ... do valor em divida no montante de € 396.845,35, o que deveria ser concretizado através de 60 (sessenta) prestações mensais de € 6.614,09 (seis mil seiscentos e catorze euros e nove cêntimos), do valor de juros de mora no montante de € 58.542,84 (cinquenta e oito mil quinhentos e quarenta e dois euros oitenta e quatro cêntimos), através de 12 prestações mensais de € 4.878,57 (quatro mil oitocentos e setenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) e metade das despesas do contrato corporizado na referida escritura, no montante de € 1.668,67 (mil seiscentos e sessenta e oito Euros e sessenta e sete cêntimos), também através de 60 (sessenta) prestações mensais no valor €36,15 (trinta e seis euros e quinze cêntimos);
53. -A. Posteriormente, por sentença proferida em ........2011 no âmbito do referido processo, a sociedade ... foi condenada a proceder ao pagamento à ... do valor em divida no montante de €409.910,34, o que deveria ser concretizado através de 60 (sessenta) prestações mensais de € 6.831,84, do valor de juros de mora no montante de €60.470,19, através de 12 prestações mensais de €5.039,18;
54. Contudo, a sociedade ... só procedeu, embora com alguns atrasos, à regularização de sete prestações respeitantes ao valor em dívida e ao valor das despesas com o contrato, tendo tais pagamentos totalizado a quantia de € 49.435,25 (quarenta e nove mil quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos);
55. Por essa razão, foram efectuadas tentativas por parte dos responsáveis e funcionários administrativos da cooperativa ..., junto do responsável da sociedade ..., mais concretamente do arguido AA, no sentido de que os valores em dívidas fossem integralmente pagos e respeitada a sentença, sem obter sucesso;
56. Nessa sequência, em ........2012, a cooperativa ... decidiu instaurar uma acção executiva contra a ..., à qual veio a ser atribuído o n.° 21019/12.3..., daí resultando a penhora de todos os bens móveis e a quantia em dinheiro, que na altura se encontrassem no estabelecimento comercial onde a sociedade devedora exercia a sua actividade;
56-A. Nessa sequência, a cooperativa ... decidiu instaurar uma acção executiva contra a ..., à qual veio a ser atribuído o n.°21013/12.4..., aí indicando à penhora o estabelecimento comercial, nele se incluindo o direito ao respectivo arrendamento, sobre o qual havia sido constituído penhor mercantil a favor da Exequente;
57. Assim, no dia ........2012, no âmbito dos autos de execução comum com o n.° 21019/12.3..., cujos termos corriam na 1.a Secção do 2.° Juízo de Execução de Lisboa, movidos pela ... e onde era executada a sociedade ..., foram penhorados vários bens, nomeadamente, o direito de trespasse do estabelecimento comercial da executada, mobiliário de escritório e equipamento informático, quatro veículos com as matrículas ..-..-LN, ..-..-NU, ..-..-TR e ..-..-CM, diversos pneus e a quantia monetária correspondente ao valor em caixa de € 214,14 (duzentos e catorze euros e catorze cêntimos) que se encontravam nas instalações da executada, sitas na ..., (conforme auto de penhora constante de fls. 66 e ss.);
58. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, encontrando-se o arguido AA, como administrador da ... presente no acto da penhora, o mesmo foi nomeado fiel depositário dos bens penhorados, tendo assinado o respectivo auto de penhora e sido advertido de que os bens referidos deixariam de estar na sua disponibilidade, ficando à sua guarda com obrigação de os conservar em seu poder, devendo apresentá-los quando solicitado;
Paralelamente,
59. Por outro lado, o arguido AA tomou diversas decisões de gestão que se mostraram ruinosas para a empresa ..., destacando-se, após 2011, a venda de pneus e outros materiais às demais empresas de que o mesmo era proprietário, sendo as vendas justificadas por facturas pró-forma emitidas às empresas adquirentes dos pneus - a ... e a ..., as quais por sua vez vendiam os pneus adquiridos, mas não procediam ao respectivo pagamento à ...;
60. À data de ..., quando o arguido AA passou a gerência da ... para o arguido CC, a sociedade já se encontrava com graves dificuldades financeiras, existindo atrasos significativos nos pagamentos de salários, e aos fornecedores diversos, encontrando-se, inclusivamente, as respectivas contas bancárias da sociedade na ... e ... permanentemente em situação de saldo negativo;
Ora,
Do plano
61. Em data não concretamente apurada, mas anterior a .../.../2013, os arguidos AA, CC e BB, face à situação económica das sociedades ... e ..., elaboraram um plano para dissipar o património das mesmas de forma a evitar que o mesmo fosse penhorado, vendido e/ou integrasse as respectivas massas insolventes, ocultando ou fazendo desparecer os bens que constituíam os activos tangíveis das sociedades, a fim de obterem vantagens patrimoniais;
62. Esse plano concretizou-se:
1. O arguido AA, como estratégia de desresponsabilização das dívidas contraídas pelas sociedades ... e ... junto dos seus credores (fornecedores e trabalhadores), procedeu à venda da sua participação - acções e quotas - nas sociedades em apreço, sem que de tal negócio resultasse a obtenção de qualquer contrapartida monetária;
2. Fizeram desaparecer os activos das sociedades, mormente, os da sociedade ... que haviam sido penhorados no âmbito do processo executivo com o n.° 21019/12.3..., a fim de obter vantagens patrimoniais com a venda de bens penhorados;
3. Simularam transacções comerciais com a sociedade comercial ... (empresa veículo), emitindo cheques sem provisão de modo a originar títulos executivos para suportar acções executivas e, consequentemente, ser ordenada judicialmente a favor daquela a penhora dos bens das sociedades ... e ..., a fim de os arguidos se apropriarem dos mesmos em proveito próprio;
4. A coberto das acções executivas, retiraram os activos das sociedades ... e ...;
5. Ocultaram os verdadeiros titulares de sociedades envolvidas, colocando-as em nome de terceiros, nomeadamente, de indivíduos de nacionalidade estrangeira, que deixassem de se encontrar em território nacional;
6. Ocultaram/destruíram a documentação contabilística.
63. Em ..., a sociedade ..., tinha nos seus activos tangíveis pneus, jantes e equipamentos oficinais, de valor não concretamente apurado, para além dos veículos de matrícula ..-..-LN, ..-..-NU, ..-..-TR e ..-..-CM de valor não apurado;
64. Ora, em concretização do plano previamente delineado, no período compreendido entre ..., os arguidos fizeram desaparecer a totalidade dos activos tangíveis com valor das sociedades ... e ..., designadamente, máquinas oficinais, pneus e jantes, necessários ao exercício da actividade da empresa, dando- lhes o destino que melhor entenderam;
Com efeito,
65. Na sequência de uma reunião realizada, em data não apurada, mas em meados de ..., o arguido AA apresentou o arguido BB como o novo investidor da ..., o qual iria resolver o problema das dívidas a fornecedores e a trabalhadores;
66. Contudo, o arguido BB não efectuou qualquer investimento na sociedade e, a partir da data em que foi apresentado aos trabalhadores, passou a deslocar-se diariamente às instalações da ... ao fim do dia, onde procedia à recolha das quantias monetárias e cheques que estivessem em caixa e resultantes das vendas diárias facturadas pela sociedade, sendo que a facturação diária ascendia ao valor de cerca de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), dos quais cerca de € 500,00 (quinhentos euros) em numerário;
67. O mesmo passou a suceder na empresa ..., ali deslocando-se diariamente o arguido BB ao fim do dia, o qual procedia à recolha das quantias monetárias e cheques que estivessem em caixa e resultantes das vendas diárias facturadas pela sociedade, sendo que a facturação diária atingia o valor compreendido entre os € 500,00 (quinhentos euros) e os € 1.000,00 (mil euros);
68. Em datas não concretamente apuradas, do segundo semestre do ano de ..., o arguido CC acompanhou o arguido BB, tendo sido apresentado aos trabalhadores como sendo o novo proprietário da ... e da ...;
69.Em data não apurada, mas no período compreendido entre ..., o arguido BB dirigiu-se às instalações da ..., entregou um novo terminal Multibanco e deu ordens aos trabalhadores para os pagamentos das vendas passarem a serem efectuados no mesmo, não podendo mais ser utilizado o terminal anteriormente existente na empresa;
70. O novo terminal estava associado à empresa ..., propriedade de TT, irmão do arguido BB, e não à empresa ..., pelo que os pagamentos efectuados pelos clientes da última, passaram a beneficiar a primeira;
Por outro lado,
71. Em data não concretamente apurada, mas entre ..., o arguido BB deslocou-se pessoalmente e por interpostas pessoas, às instalações das sociedades ... e ... e retirou diverso equipamento informático, material de escritório, ferramentas, pneus e outros equipamentos das sociedades, que transportou para local que não foi possível determinar;
73. Paralelamente, os arguidos CC e BB, simulando a existência de transacções comerciais entre a sociedade ... e as sociedades ... e ..., resolveram emitir cheques para alegadamente proceder aos respectivos pagamentos;
Mais concretamente,
74. Não obstante saberem que as contas bancárias das sociedades ... e ... não se encontram devidamente provisionadas:
75. Em ........2013, o arguido CC procedeu à emissão do cheque n.° ... da conta bancária da ..., titulada pela ..., tendo aposto o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros), tendo como beneficiária a sociedade ... (fls. 743);
76. O aludido cheque foi devolvido em ........2013 pela ..., por falta de provisão;
77. Em ........2013, o arguido CC procedeu à emissão do Cheque n.° ... da conta bancária da ..., titulada pela ..., tendo aposto o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros), tendo como beneficiária a sociedade ... (fls. 765);
78. O referido cheque foi devolvido em ........2013 pela ..., por falta de provisão;
79. Em ........2013, o arguido CC procedeu à emissão do cheque n.° ... da conta bancária da ..., titulada pela ..., tendo aposto o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros), tendo como beneficiária a sociedade ... (fls. 743);
80. O mencionado cheque foi devolvido em ........2013 pela ..., por falta de provisão;
81. Em ........2013, o arguido CC procedeu à emissão do cheque n.° ... da conta bancária da ..., titulada pela ...
S.A., tendo aposto o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros), tendo como beneficiária a sociedade ... (fls. 170);
82. Os referidos cheques foram emitidos em datas sequenciais, concretamente entre ........2013 e ........2013, de contas bancárias tituladas pela ... e ..., e das quais, desde ........2013, estava autorizado a movimentar o arguido CC, ou seja, logo que teve a disponibilidade de movimentação da conta bancária em apreço, emitiu pelos menos quatro cheques à ordem da sociedade ...;
83. No entanto, sabia que os cheques não tinham provisão e que uma das contas se encontrava, inclusivamente, com saldo negativo;
Efectivamente,
84. Em ........2013, data do último movimento que antecede imediatamente a emissão dos respectivos cheques, a conta da ... apresentava um saldo negativo de - € 69,43 (menos sessenta e nove euros e quarenta e três cêntimos);
Por sua vez,
85. Em ........2023, data do último movimento que antecede imediatamente a emissão dos respectivos cheques, a conta da ... apresentava um saldo de € 324,00 (trezentos e vinte e quatro euros) e até ao final do ano não houve quaisquer créditos;
86. Contudo, não existiu qualquer transacção comercial entre as sociedades ... e ... e a sociedade ... que pudesse justificar a emissão dos quatro cheques acima mencionados, uma vez que a última não era fornecedora, cliente ou prestadora de serviços daquelas sociedades;
87. Na sequência da devolução dos cheques identificados nos pontos anteriores, a sociedade ... procedeu à entrega no Tribunal Judicial de Alcobaça de quatro requerimentos executivos, os quais vieram a dar origem aos seguintes processos executivos:
1. N.° 2303/13.5..., autuado em ........2013 (fls. 754 e ss.);N.° 2304/13.3..., autuado em ........2013 (fls. 761 e ss.);N.° 2229/13.2..., autuado em ........2013 (fls. 739 e ss.);
2. N.° 2230/13.6..., autuado em ........2013 (fls. 166 e ss.);
88. Nessa sequência, foi elaborado o auto de penhora datado de ........2013, com descrição dos bens penhorados nas instalações da ..., (fls. 751);
89. Em pelo menos dois dos referidos requerimentos executivos era expressamente referido: «Requer-se a penhora de bens móveis existentes na sede da executada, nomeadamente todos os pneus e máquinas que ali se encontrem» e «Requer-se a penhora de todos os bens móveis existentes na sede da sociedade executada, designadamente máquinas e pneus» (fls. 746-747 e 767-768);
90. No processo executivo n.° 2230/13.6... também foi formalmente requerida a penhora de todos os bens da executada;
91. Em ........2013, no âmbito da acção executiva instaurada pela sociedade ... - que correu termos no 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça sob o n.° 2230/13.6... - foram penhorados e removidos diversos bens móveis que se encontravam nas instalações da ..., nomeadamente, vários equipamentos oficinais e um lote de 20 pneus novos, tendo sido avaliados no montante de € 5.280,00 (cinco mil duzentos e oitenta euros) (fls. 172 e ss.);
92. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foi o próprio arguido BB quem retirou alguns dos equipamentos das instalações e os entregou ao seu irmão TT e a indivíduos não identificados que ali se deslocaram para os transportar;
93. Em ........2013, no âmbito da acção executiva instaurada pela sociedade ..., - que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça sob o n.° 2229/13.2... -, foram penhorados e removidos diversos bens móveis que se encontravam nas instalações da ..., nomeadamente, vários equipamentos oficinais, tendo sido avaliados no montante de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros), conforme auto de penhora de fls. 751;
94. Com a penhora dos bens (máquinas oficinais e pneus) e porque estes foram fisicamente removidos das instalações das sociedades ... E ... (executadas nos processos executivos), por determinação expressa da sociedade exequente ... a actividade comercial das primeiras cessou;
95. Paralelamente, em ..., durante a vigência a administração/gerência do arguido CC e sem que este se opusesse, ocorreram diversas “operações” de retirada de bens coordenadas pelo arguido BB, para além das decorrentes das acções de penhora, o que também conduziu e contribuiu, gradualmente, para a inactividade das duas sociedades, a ... e a ....;
96. Nessas “operações” foi retirada uma grande quantidade de pneus novos e jantes existentes em stock na ..., bem como secretárias e armários de valor não concretamente apurado;
97. Por sua vez, no interior das instalações da ... encontravam-se máquinas e pneus, em quantidade e valor não concretamente apurados;
98. Bens esses que foram retirados sem ser ao abrigo de qualquer acção de penhora;
99. Em data não concretamente apurada, foi retirada da empresa ... toda a documentação contabilística;
100. Assim, no mês de ..., nas sociedades ... e ... apenas ficaram as instalações (paredes), tendo todos os bens e equipamentos sido retirados conforme descrito;
101. A utilização indevida/reencaminhamento das receitas da actividade das sociedades ... e ..., bem como a retirada dos respectivos stocks de pneus e bens móveis, nomeadamente, máquinas oficinais e equipamento de escritório, das duas sociedades foi determinante para o encerramento da actividade de ambas e a consequente declaração de insolvência;
102. Em ........2014, a sociedade ... foi declarada insolvente pelo 1.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do processo 1690/13.0... por estar impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas (fls. 84 e ss.);
Por sua vez,
103. Em ........2015, a sociedade ... foi declarada insolvente pelo 3.°
Juízo da 1.a Secção do Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do processo 1352/13.8..., por estar impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas (fls. 11 e ss. do nuipc 6100/15.5TDLSB, autos apensos);
104. À data da insolvência, as sociedades ... e ... tinham como sócio, administrador/gerente único o arguido CC, sendo a gerência de facto também exercida pelo arguido BB;
105. Os bens integrantes dos activos tangíveis das insolventes, não foram localizados, tendo os arguidos lhes dado o destino que melhor entenderam;
106. A fim de ocultarem a sua conduta e dificultarem a investigação da mesma, os arguidos fizeram desaparecer os elementos contabilísticos das sociedades insolventes, não tendo sido apresentadas as contas de ... e ..., nem as declarações fiscais dos mesmos anos;
107. O total de créditos reconhecidos da sociedade .... ascendia a € 1.120.593,66 (um milhão cento e vinte mil, quinhentos e noventa e três euros e sessenta
e seis cêntimos), existindo trabalhadores (HH, II, MM, JJ, NN, QQ) reconhecidos como credores (fls. 98);
108. Em resultado da insolvência da sociedade .... não foram pagos crédito de natureza laboral no valor de € 219.663,47 (duzentos e dezanove mil, seiscentos e sessenta e três euros e quarenta e sete cêntimos) (fls.98);
109. O total de créditos reconhecidos da sociedade ... ascendia a € 1.107.539,23 (um milhão cento e sete mil, quinhentos e trinta e nove euros e vinte e três cêntimos), existindo trabalhadores (KK, OO, PP) reconhecidos como credores (fls. 31 do nuipc 6100/15, autos apensos);
110. Em resultado da insolvência da sociedade ... não foram pagos crédito de natureza laboral no valor de € 140.057,30 (cento e quarenta mil, cinquenta e sete euros e trinta cêntimos), (fls. 31 do nuipc 6100/15, autos apensos);
111. As quantias monetárias e os pagamentos efectuados através do terminal de multibanco da sociedade ..., resultantes da actividade comercial das empresas ... e ..., recolhidas pelo arguido BB e o respectivo destino não foram repercutidos na contabilidade das sociedades insolvente e originaram uma diminuição do património das sociedades insolventes em prejuízo dos seus credores;
112. Os bens das sociedades insolventes que foram penhorados pela ... e de, de forma fraudulenta, pela ..., bem como aqueles que foram sendo paulatinamente retirados das sociedades insolventes, tais como pneus e máquinas oficinais, originaram uma diminuição do património da insolvente em prejuízo dos seus credores;
113. As acções supra descritas levadas a cabo pelos arguidos, concretizadas, nomeadamente, no desvio das receitas das sociedades ... e ... provenientes da sua actividade, bem como a dissipação e dissimulação do património das mesmas (veículos, máquinas oficinais, material informático, mobiliário de escritório e stocks de pneus e jantes), de que eram sócio administrador/gerente o arguido CC e gerente de facto, o arguido BB, foram causa directa e necessária da posterior decisão judicial de declaração de falência destas sociedades;
114. Os arguidos conheciam a situação económica e patrimonial das sociedades ... e ..., mormente o acumular de dívidas que persistiam em não pagar;
115. As condutas supra descritas dos arguidos tiveram o propósito conseguido de diminuir efectiva e artificialmente o activo das sociedades ... e ..., apresentando uma situação patrimonial inferior à realidade;
116. Deste modo, conscientes da iminência da insolvência das sociedades ...
S.A. e ..., agiram os arguidos AA, BB e CC, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de fazer desaparecer e dissimular as receitas e o património, mormente os activos tangíveis das sociedades ... e ... e, desse modo, obstar a que os credores da sociedade, mormente, os seus trabalhadores e fornecedores, conseguissem obter a cobrança coerciva dos seus legítimos créditos à custa dos bens respectivos, o que representaram;
117. Ao agirem do modo supra descrito, os arguidos representaram que as condutas por si assumidas lesavam os legítimos interesses dos credores das sociedades ... e ..., mormente, os seus trabalhadores, e lhes causariam, como causaram, graves prejuízos, impedidos que ficaram de cobrar os seus créditos;
118. Agiu ainda o arguido AA com o propósito concretizado de subtrair ao poder público os bens acima mencionados, bem sabendo que os mesmos estavam apreendidos e se destinavam a assegurar o pagamento de montantes em dívida, não possibilitando a sua venda, o que representou;
119. Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.
***
120. Do certificado de registo criminal do arguido BB consta a seguinte condenações:
- processo 843/16.3..., sentença transitada em julgado em ...1.../09, crime de falsas declarações praticado em ..., pena de multa de € 840, já declarada extinta pelo pagamento.
121. Do certificado de registo criminal do arguido CC nada consta.
122. Do certificado de registo criminal do arguido CCC nada consta.
***
Das Condições Pessoais dos Arguidos
123. Do relatório social elaborado relativamente ao arguido CC consta:
”CC é viúvo há 27 anos e pai de seis filhos, sendo que um deles faleceu com 8 meses de idade. Reside com o filho mais novo, DDD na morada dos autos. A relação familiar é descrita como normativa, caracterizando-se pela compreensão, coesão e entreajuda, informação confirmada pelo filho DDD.
Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação: [ X] era idêntica à descrita
A habitação é propriedade do arguido, de tipologia 3, com boas condições de habitabilidade, situando-se numa zona rural, sem problemas sociais de marginalidade e delinquência.
CC nunca frequentou a escola, imputando o seu analfabetismo às parcas condições socioeconómicas vivenciadas pela família de origem. Apenas sabe escrever o nome.
CC iniciou o seu percurso laboral com cerca de seis anos de idade, na …, junto dos seus pais. Dos 13 anos de idade até à reforma, o seu percurso profissional foi cumprido em funções como … e … em várias empresas da região, no setor de ….
Valor dos rendimentos líquidos do arguido: 300€
Valor dos rendimentos líquidos do agregado: 1200€
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado: 700€ (água; luz; gás telecomunicações e alimentação)
CC refere não ter qualquer encargo financeiro, verbalizando que os montantes referentes aos rendimentos acima descritos se mostram necessários para suprir as suas necessidades quotidianas, informação confirmada pelo filho DDD.
CC regista um percurso de vida normativo, com boa integração no meio de residência, sendo socialmente referenciado como um homem prestativo, bom vizinho, não sendo conotado com comportamentos desajustados. O presente processo judicial não é do conhecimento da população, uma vez que os factos descritos nos autos não foram cometidos na zona de residência. O arguido não está inserido em atividades estruturadas de tempos livres na comunidade, dedicando o seu tempo ao ócio e no apoio ao seu filho na ….
Esta equipa elaborou um Relatório Social para Determinação da Sanção no âmbito do processo n° 363/13.8..., pelo qual o arguido era suspeito da prática dos crimes, ameaça e coação/detenção ou tráfico de armas proibidas, no ano de .... Até a presente data, desconhecemos o desfecho do referido processo. CC manifesta conhecimento da sua situação jurídica e capacidades e aptidões para identificar e reconhecer condutas do ponto de vista do dever ser jurídico e normativo. Apresenta ansiedade e preocupação pessoal, desde logo, quanto às eventuais consequências que do atual processo possam advir, pois considera que o mesmo lhe trouxe constrangimentos ao nível familiar, verbalizando sentimentos de vergonha perante os filhos. CC refere que não mantêm qualquer contato com os coarguidos no presente processo. Apresenta motivação para o cumprimento das suas obrigações, qualquer que seja a decisão judicial que venha a ser tomada. Segundo informação prestada pelo ..., não existem registos de outras ocorrências em nome do arguido.
Estamos perante um individuo com um percurso de vida aparentemente normativo e boa integração familiar e social. Tem consciência da ilicitude dos factos que deram origem ao presente processo, quando considerados em abstrato. No meio de residência CC beneficia de uma imagem positiva, sendo considerado uma pessoa bem integrada, interagindo de forma positiva com os elementos do meio, onde não lhe são tecidos comentários em seu desabono, sendo que os factos que deram origem ao presente processo não são do conhecimento da comunidade.”
124. Do relatório social elaborado relativamente ao arguido BB consta:
“Casado desde ..., BB tem um casal de filhos; EEE, de 40 anos de idade, e FFF, de 36 anos de idade, e três netos.
A dinâmica das relações familiares é caracterizada, tanto pelo arguido, como pelo cônjuge e pela filha, como equilibrada e pautada por laços de afetividade, sendo BB descrito pelos respetivos familiares como um homem com um grande coração, sempre pronto para ajudar o próximo.
O arguido reside na morada dos autos desde a data do seu casamento com GGG, .../.../1975, em habitação propriedade da sogra. Trata-se de uma moradia de tipologia 4, que o casal perceciona dispor de adequadas condições de conforto.
BB frequentou o ensino até ao 3.° ano de escolaridade, tendo abandonado a escola com 9 anos de idade, por falta de motivação para as aprendizagens e por dificuldades económicas da família para o manter a estudar. Afirma ter tido uma infância marcada pela precariedade económica, devido ao facto do pai ter abandonado a família para regressar ao ..., a sua terra natal. Segundo a sua narrativa, viria a habilitar-se com o 4.° ano de escolaridade já em idade adulta.
BB afirma ter iniciado o seu percurso laboral aos 9 anos de idade, a …. Do seu percurso profissional, que afirma ter sido diversificado, mas regular, constam atividades como ..., …, encarregado da construção civil, empresário, entre outras. Durante o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório, de ... a ..., afirma ter trabalhado como enfermeiro em ..., referindo ter-se habilitado com um curso de ..., que frequentou durante um ano. Após o cumprimento do Serviço Militar, e porque não conseguiu trazer consigo o respetivo certificado de habilitações de ..., profissão na qual afirma ter-se sentido muito gratificado, iniciou atividade como empresário em nome individual, a laborar no ramo da …, afirmando ter declarado falência em .... Posteriormente, entre outras atividades, refere ter trabalhado como encarregado de obras em ..., durante cerca de 8 anos, fazendo referência a um acidente de trabalho que o terá deixado incapacitado para o desenvolvimento de actividade laboral, durante cerca de 6 ou 7 meses. Mais tarde, segundo a sua narrativa, viria a desenvolver atividade laboral no ramo da sucata, através da Empresa ...”, a qual viria a ser vendida por não ser rentável, tendo passado a trabalhar com CC, indivíduo com o qual mantinha relacionamento anterior no âmbito da esfera profissional, na empresa “...”, afirmando ter deixado esta actividade porque a empresa deixou de ter condições para lhe pagar o ordenado.
Actualmente dedica-se à venda de …, atividade que afirma desenvolver como “hobby”, fundamentalmente ao fim de semana. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação: BB encontrava-se a trabalhar com CC.
Situação económica
Valor dos rendimentos líquidos do arguido: €995,24
Valor dos rendimentos líquidos do agregado (Cônjuge - €418,77; Sogra - pensão de sobrevivência €231,90): €1.645,91
Valor total das despesas/encargos fixos do agregado: €154,65, Habitação: Eletricidade - €172,50; Água - €21,35; Gás - €68,00 (duas botijas); Amortização com empréstimos bancários: €280,00 (cartão de crédito Unibanco); Comunicações móveis ... - €53,73; Internet NOS - €42,16.
A condição económica do agregado familiar é descrita pelo casal como difícil, o que obriga a família a recorrer, com frequência, à utilização do cartão de crédito para pagamento de compras e à ajuda dos filhos. Para complementar o rendimento familiar, o arguido afirma fazer venda de velharias em feiras, ao fim de semana e quando o estado do tempo lho permite, cujo valor não soube quantificar por ser incerto e variável.
Relativamente à data dos factos constantes nos autos o arguido ainda se encontrava laboralmente activo, sendo os seus rendimentos provenientes do trabalho então desenvolvido. No meio comunitário de residência, segundo informação fornecida pelas fontes contactadas, não se registam problemas de integração, não sendo o presente processo do conhecimento público. Socialmente o arguido é reconhecido como um indivíduo educado e bem integrado do ponto de vista familiar e comunitário, não lhe sendo reconhecidos comportamentos à margem da norma. Nos tempos livres, BB afirma ocupar-se a fazer biscates na habitação e a organizar as vendas em feiras de velharias.
Relativamente à data dos factos constantes nos autos, o arguido passava muito tempo na zona de Lisboa, por força das suas responsabilidades profissionais.
Foi-nos feita referência a problemas na ….
Individuo dotado de adequada capacidade crítica, BB afirma não registar outros confrontos com o sistema de justiça penal, revelando-se apreensivo face à atual situação processual, pelas possíveis consequências que possam advir da mesma. Segundo informação prestada pelos OPC, nada consta em seu nome.
Estamos na presença de um indivíduo que apresenta um percurso de vida normativo e adequada integração familiar e social/comunitária, ao qual não são reconhecidos comportamentos à margem da norma, pelo que não lhe são identificadas necessidades específicas de reinserção social.”
125. Não foi possível elaborar relatório social relativamente ao arguido AA.
126. O arguido AA reside com a mulher, que se encontra reformada, recebendo de reforma cerca de €500. Residem numa moradia de dois pisos, cinco quartos, garagem e jardim.
127. Actualmente o arguido faz … de ... como freelancer, auferindo mensalmente em média, €1000 (mil euros).
128. Tem três filhos adultos e já autónomos.
129. Não tem problemas de saúde, e as despesas mais relevantes do agregado, para além dos consumos domésticos, são em saúde, no valor de €300.
Factos Não Provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, para além dos conclusivos e irrelevantes para a decisão da causa, concretamente:
(Da acusação, mantendo a numeração da mesma)
7. o arguido CC tomava todas as decisões relativas à gestão da sociedade ..., na área financeira e administrativa, dava ordens aos trabalhadores, realizava encomendas;
16. o arguido CC tomava todas as decisões relativas à gestão da sociedade ..., na área financeira e administrativa, dava ordens aos trabalhadores, realizava encomendas;
36. a gerência de facto continuou, como sempre foi, a ser exercida pelo arguido BB, incumbindo-lhe, nomeadamente, dar ordens aos trabalhadores, gerir o equipamento, os stocks e as receitas provenientes da actividade desenvolvida pela sociedade;
46. durante esse período, o arguido BB assumiu a função de gestor de facto, incumbindo-lhe, nomeadamente, dar ordens aos trabalhadores, gerir o equipamento, os stocks e as receitas provenientes da actividade desenvolvida pela sociedade;
55. ao qual este retorquiu não ter qualquer intenção em regularizar a situação, a não ser que lhe fosse facilitado mais crédito;
59. a que acrescia a contratação de pessoas sem qualquer critério e a auferir vencimentos muito elevados;
60. existiam atrasos nos pagamentos à segurança social e às finanças;
63. no valor total de cerca de pelo menos € 40.000,00;
72. Para o efeito, o arguido BB emitiu as correspondentes guias de transporte em nome da sociedade ...;
96. de cerca de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
97. no valor de €800.
Motivação
(…)
Os arguidos CC e BB não prestaram declarações, remetendo-se ao silencio na audiência de julgamento.
O arguido CCC prestou declarações, negando os factos, declarando que a partir do momento em que transmitiu a participações sociais não acompanhou o que se passou nas três empresas que operavam em grupo, apenas tendo feito a passagem das empresas durante cerca de dois meses. Não soube explicar porque razão foi feito um aumento de capital antes dos contratos de transmissão das participações sociais.
Admitiu que mesmo ainda em vida do seu pai desempenhava as funções de gestão diária das empresas, e aquando da morte deste, não queria dar continuidade às empresas, mas foi forçado a tal pelo acordo de partilha com as irmãs, constatando que as empresas estavam alavancadas, situação que piorou com a crise de .... Afirmou desconhecer quer os co- arguidos, - apenas admitindo contactos com o arguido BB por ocasião da transmissão das empresas-, quer com as empresas ..., ... e ....
A certa altura procurou um ... em ... que lhe propôs a venda das empresas, (insistindo que não conhece nenhum dos co-arguidos), tendo os contratos sido assinados no escritório do Dr. DD. Iria receber à volta de €30.000 por conta da transmissão das participações sociais, mas apenas recebeu €5000, em dinheiro (e perguntado, esclareceu que não intentou execução para pagamento dos valores devidos pelas vendas das participações sociais). Assumiu a gestão de facto das empresas dois meses depois de assinarem os contratos, e depois foi dispensado pelo arguido BB, que nem sequer quis ir consigo aos bancos ou aos fornecedores. Reconheceu ter feito reunião com BB e com os trabalhadores. Declarou ter informado “os compradores” da situação da penhora e dos planos de pagamento com a ..., - mas admitiu não ter informado nem o processo de execução nem o ... de execução, nem a exequente.
Assinou confissão de divida com a ... mas não sabe quanto pagou por conta da divida. Perante fls. 66 a 83, cfr. auto de penhora de bens, confirmou a sua assinatura, referindo que deixou tais bens nas instalações da empresa.
Afirmou que já depois de sair, procedeu ao pagamento das portagens das viaturas das empresas no valor de 70.000€, e apesar de instado a juntar documentos nesse sentido, nada mais se apurou quanto a tal questão.
A parte mais central do trabalho era feita nas instalações da ..., mas cada uma tinha a sua sede. As vendas eram feitas no próprio local com pagamento com multibanco ou cheque e outras eram feitas a entidades ou empresas, através de factura, raramente usava factura pró-forma. A ... era fornecedora da .... Havia dividas a fornecedores e aos bancos. A emissão das facturas competia à HH, ao KK, e no fim do mês eram enviadas pelo gabinete do Dr. DD (testemunha entretanto falecida), havendo escritórios em cinco, seis locais.
Encontrou-se com KK, o seu n.° 2 na empresa, talvez duas vezes depois de sair, que lhe disse que as coisas não estavam a ser “éticas” e soube que os equipamentos das empresas tinham desaparecido, - mas nada fez.
A contabilidade ficou nas instalações da ..., no escritório, ao qual tinham acesso os funcionários da empresa, pex. HH, II, OO.
Admitiu que não se despediu dos trabalhadores, rejeitando que tivessem sido pagos salários em dinheiro, mas assumindo pagamentos parciais. Assumiu que proibiu os mecânicos de falarem directamente com os clientes, que tinham de ir previamente à recepção.
Esclareceu igualmente sobre as condições pessoais, em virtude de não ter sido possível elaborar relatório social por não comparência do arguido, que incumprindo as obrigações do TIR prestado, não informou da alteração de residência.
Afirmou sentir-se enganado, sendo que o arguido BB se comprometeu a falar com todos, na sequência do plano que havia sido pensado pelo Dr. DD.
As suas declarações, quanto aos factos imputados, não se mostraram minimamente credíveis, sendo desmentidas pela extensa prova testemunhal e documental que infra se analisa, não dando explicação para o porquê de sabendo da situação calamitosa das empresas, ainda para mais após a reunião realizada com a ..., já após o incumprimento do acordo de pagamento celebrado com a mesma, em que esta credora informou que ia executar a venda dos estabelecimentos comerciais (vide acta junta aos autos já no decurso da audiência de julgamento), decidiu proceder à alienação (fictícia) das participações sociais, em vez de assumir a situação, quer apresentando as empresas à insolvência, quer disponibilizando-se para viabilizar o trespasse dos estabelecimentos comerciais em conjugação com a credora ... e assim, permitir o pagamento das dividas, ainda que parcial.
Igualmente não convenceu, quando minorou o facto de nada ter recebido pelas vendas das participações sociais, e quando pretendeu desresponsabilizar-se, atribuindo o “plano de venda das empresas” ao Dr. DD, o ... em ... já falecido. Nada explicou, em virtude de conhecendo as suas obrigações como fiel depositário em relação aos bens penhorados pela exequente ..., nada ter informado o respectivo processo de execução ou a exequente, ou mesmo o agente de execução, sobre a transmissão das participações sociais, que levaram à dissipação de tais bens, que não mais foram localizados pela exequente, em virtude de dali terem sido retirados pelos arguidos BB e CC, com a conivência do arguido AA, que optou por desaparecer da gestão diária das empresas, sem sequer anunciar ou explicar aos trabalhadores os negócios celebrados (limitando-se a dizer que se tratavam de novos investidores, que apareciam para resolver os problemas das empresas). E obviamente não convenceu, pretendendo desresponsabilizar-se, lançando as culpas para os co-arguidos sobre os procedimentos adoptados após a sua saída (ocultada dos trabalhadores) tendo em vista o desvio dos lucros, o desaparecimento dos bens, e o não pagamento de salários.
*
Relativamente à prova testemunhal, pode desde já adiantar-se que a maior parte das testemunhas inquiridas, trabalhadoras das empresas ..., de forma objectiva e credível esclareceram sobre a forma como a gestão das empresas era feita e sobre os acontecimentos ocorridos no ano de ...:
1) HHH, representante da cooperativa ..., explicou que primeiro foi tesoureiro e dois anos depois foi presidente, recordando reuniões com o arguido CCC, e que quando assumiu a direcção da ... havia uma divida das três empresas e por isso avançaram com processos legais. Perante o documento de transacção fls. 33 a 41 esclareceu que não o assinou.
Recordou vários contactos com CCC (que ia sozinho às reuniões), com realização de várias reuniões para recuperar o dinheiro, pelo que acabaram por acordar pagamento faseado, e houve pagamento de algumas prestações, uma terceira reunião e depois não conseguiram fazer mais diligências para recuperar os valores em divida.
A certa altura, tentaram apurar do património da empresa, depois uma execução em que penhoraram equipamentos e quatro viaturas, (esclarecendo que não acompanhou diligencia de penhora), mas não recuperaram nada.
A explicação dada para o não pagamento foi de que as empresas não estavam a ser rentáveis. Desconhece se as empresas estão a funcionar. Faz parte da direcção e por isso apresentaram a denúncia, através do III que é gestor da ...,
Nada sabe sobre a transmissão das empresas, pois não teve contactos com os novos responsáveis. O CCC não lhe disse que estava a pensar vender as empresas. O arguido AA fazia parte da direcção da ... antes de ..., era o pai deste quem fazia parte inicialmente e depois passou o arguido a fazer parte.
A ... requereu a insolvência de algumas das sociedades.
O valor em divida é aproximadamente €300.000 relativo ao fornecimento de pneus.
2)OO JJJ, escriturária da ... e trabalhadora da ..., entre ... e ..., confirmou que fecharam ambas as empresas em ..., recordando que a certa altura, em 2011, passou a trabalhar nas instalações da ..., sempre como escriturária, - explicitando que foi o arguido AA quem lhe disse para trabalhar no escritório da ... para centralizar o escritório e o da ... ficou vazio. Explicou que fazíamos pagamentos a fornecedores, procediam à emissão de facturas, (“era tudo colocado numa pasta para a contabilidade”), usando o programa Primavera, não recordando de terem utilizado facturas em papel.
A contabilidade era feita externamente, eles, os funcionários da ..., preparavam tudo para quando o ... vinha às instalações e fazia o tratamento, e o ... era o Sr. DDDD (o nome DD não lhe diz nada).
O principal fornecedor das empresas eram a ... e outros, que não recordou. Havia valores em divida pelos clientes, que eram muitos, recordando a ... e .... Explicou que a ... fornecia à ... e vice-versa.
Não conhece a empresa ..., nem como fornecedora nem cliente da ..., embora recorde que em certa altura o terminal multibanco estava em nome deles, concretizando que o talão saia em nome de ... (certamente por lapso, a testemunha pretendia referir-se à ...), afirmando não conhecer motivos para a emissão de cheques a favor da .... Concretizou que foi o arguido BB quem trouxe o novo ....
Explicou que, entre o meio do ano e até ..., era o arguido BB quem recolhia o dinheiro nas instalações da empresa, e foi ele quem impôs essa prática, explicando ainda que era obrigada a usar esse ... porque era o único disponível. Confirmou que fez várias entregas de dinheiro ao arguido BB.
Recordou que a facturação diária era na ordem dos 1000€/1500€.
Confirmou que havia dividas para com fornecedores, no final havia dividas com todos, sendo que o principal era a ..., da qual as empresas eram associadas. Existiam também salários em atraso, que existiam desde seis meses antes do encerramento, referentes não só a salários em divida, mas acrescidos de subsídios de férias e natal, referindo que não foi feito nada, pelo que tiveram de recorrem ao fundo de garantia para obter algum ressarcimento.
Recordou que havia cerca de oito trabalhadores, o KK também era da ....
O AA não foi cumprindo as obrigações de pagamento, e sabe que fez um acordo com a ..., mas a certa altura deixou mesmo de cumprir.
Recordou reunião com o arguido BB para ser apresentado, foi apresentado pelo arguido AA como sendo novo dono da empresa, mas não houve reunião sobre o seu trabalho.
As facturas proforma eram utilizadas para servirem como encomenda ou guia de transporte, sendo que a partir de certa altura deixaram de emitir as facturas respectivas, pensa que isto aconteceu em ... ou ....
Quando o arguido AA saiu da empresa, estava lá todo o equipamento que usavam na actividade, Recordou que a certa altura o BB veio com o seu irmão, recolheram o equipamento e foram levando as coisas, por duas ou três vezes, sendo que uma das vezes veio acompanhado por várias pessoas, que disseram que se tratava de uma penhora. Outras vezes veio sem essa explicação, recordando que talvez lhe tenham dito que estava a cumprir ordens do CC, esclarecendo que só viu este uma ou duas vezes.
A contabilidade da ... estava lá toda, mas, entretanto as pastas desapareceram, mas não sabe como desapareceram porque não viu, sendo que eram os proprietários quem tinham as chaves das instalações.
Quem dava ordens e falava com os trabalhadores era o arguido BB. Viu o irmão do arguido BB, TT (que o BBapresentou como tal), quando aquele lá foi carregar as coisas nas viaturas deles, viaturas que eram de grande porte, que não eram da empresa. Estes carregamentos efectuados pelo arguido BB, foram antes e depois da penhora com remoção. Na ... viu a agente de execução nas instalações, tendo o arguido BB acompanhado a diligencia. Esclareceu que no final foi tudo retirado, incluindo equipamento informático, só ficaram paredes.
Nessa altura existiam salários em divida para consigo, (não sabe dos seus colegas), já desde a gestão do arguido AA recordando que a declaração para atribuição de subsídio de desemprego foi entregue pelo arguido BB (tem cópia do documento mas não tem a certeza de quem assinou). Depois reclamou os seus salários e recebeu do Fundo de Garantia o valor aproximado de €8000.
Dividas por parte da empresa, existiam, mas não sabe quais. Recordou dificuldades da empresa em ...1.../2013, dificuldade na aquisição de pneus, nunca deixaram de ter stock, mas havia referências especificas em falta.
3) LLL, agente de execução, confirmou que no âmbito dos processos executivos da ... contra a ... e ..., em que não havia facturas, fez penhora com remoção, ficando depositário o indicado no respectivo autos, e foram feitas reclamações de créditos. Apurou da insolvência das sociedades ... e ..., pelo que o Tribunal extinguiu as execuções.
Confrontada com fls. 166 e ss. e 739 e ss., 761 e ss., 172 a 176 (auto de penhora cujo fiel depositário foi indicado pela exequente através do seu mandatário), fls. 751 a 753 (auto de penhora realizada nas instalações da ... nos ...), confirmou os mesmos e que se tratam das execuções que referiu no seu depoimento, explicitando que o titulo executivo são cheques bancários (e não facturas).
4) ZZ, sócia gerente da ... à data dos factos, casada com o arguido BB, não quis prestar depoimento, exercendo o direito legalmente previsto.
5) MMM, referiu só conhecer o arguido BB de ser construtor, e relativamente a fls. 1588, 1591, 1593, confirmou que é a sua assinatura e que fez tais depósitos a pedido de um senhor brasileiro cujo nome não recordou, e que só conheceu nesses dias, porque ia todos os dias a .... Quando foi a casa do arguido BB buscar uma moto serra, estava lá “o brasileiro” (de quem não recordou nenhuma característica física) e o BB, e depois “…” perguntou se a testemunha era de confiança e se podia ir levar dinheiro ao banco, como a testemunha ia depositar cheques, ele pediu para depositar em dias diferentes, mas não recebeu nada por conta disso, nunca falou com o arguido BB sobre isto, e afirmou que entregou os talões não sabe a quem nem quando. O seu depoimento não foi nem objectivo nem credível, sendo totalmente inverosímil que procedesse a depósitos de quantias bancárias, sem conhecer as circunstâncias de tais actos.
6) HH, actualmente sócia gerente da ..., e à data dos factos era trabalhadora da ..., primeiro trabalhava no escritório, depois com a nova gerência assumiu as funções de recepcionista, iniciando funções desde ..., mesmo depois da empresa ser vendida, e ficou lá até ..., quando a entidade patronal despareceu e deixou de pagar os salários.
Recordou que em ... estava a trabalhar na ... e era o arguido CCC que era o gerente, salientando que nunca lhe foram apresentadas outras pessoas como proprietárias. Houve um tempo em que o pai deste foi o gerente, mas depois faleceu.
Relativamente a clientes da empresa, recordou ..., ..., NNN, ..., ... (...), ..., ..., ..., ... e .... Explicou que quando deixaram de ter crédito junto dos fornecedores, também não podiam fornecer a crédito, e por isso também perderam clientes (“o arguido AA disse que por terem perdido a ... a situação ficou pior”).
O seu horário de trabalho era das 9h00 até as 17h00 nos dias da semana e trabalhava também sábado de manhã.
A facturação diária situava-se entre os 1000 a ...€. Existia ... na empresa desde sempre, desde que “os AA” entraram na empresa.
Afirmou que os arguidos CC e o BB foram apresentados como investidores da empresa, sendo que o arguido BB era o representante do CC, e que tudo o que aparecia assinado era com este nome, mas pensa que nunca o viu nas instalações da empresa.
Na primeira vez, pensa que em ..., o arguido BB compareceu nas instalações da empresa, acompanhado por uma funcionária, de nome EEEE, dizendo que que iriam investir na empresa, mas não lhe foi dito que eram donos de nada, o patrão foi sempre o AA. Estas duas pessoas iam lá buscar jantes, pneus, dinheiro e cheques, que eram entregues ao fim do dia ao arguido BB, até porque o AA despareceu. Explicou que o arguido BB levava o dinheiro sem assinar “saída de caixa”, tudo o que era entregue não era registado, sendo que antes o arguido AA não fazia isto.
Recordou que o seu colega KK foi dos primeiros a ir embora por falta de pagamento de salários.
Sobre o ..., apercebeu-se em determinado momento que a empresa que aparecia nos talões era a ..., antes já havia utilizado o ... durante um mês sem se aperceber, revelando que tal ... foi trazido para a empresa pelo arguido BB, e era usado todos os dias, estando ligado ao ... com o qual a empresa não trabalhava, pelo que perguntou ao arguido BB o porquê de tal situação, que lhe disse que tinha de ser assim por enquanto.
A empresa Primavera que tratava do registo informático das facturas, deixou de trabalhar para a empresa por causa dos não pagamentos (não sabe o valor), e por isso depois passaram a fazer facturas manuais, sem valor contabilístico, só para uso interno.
Revelou que o arguido BB levou consigo os livros de registo das
vendas.
Confirmou que o arguido AA tinha várias empresas, ... (com sede em ...) e ..., e já entre estas empresas havia facturas pró-forma registadas com a ..., que eram elaboradas pelo pessoal do escritório, sendo que estas empresas também compravam directamente à ..., mas também o faziam através da ...
Nunca se apercebeu de dividas da empresa, porque a empresa trabalhava muito, tinha muitos clientes, e em ...1.../2013 foi um descalabro, porque as pessoas/fornecedores (..., ..., ..., ...) telefonavam a pedir o dinheiro e não sabia o que dizer, sendo que já ligavam antes do inicio de funções do BB, mas passou a ser mais insistente quando este estava na empresa. Igualmente, os trabalhadores começaram a receber aos “bocadinhos” mas foram sempre trabalhando, mesmo sem receberem.
A certa altura, o arguido BB mandou entregar a chave das instalações ao senhorio (“Família …”), mas sabe que deviam rendas a este, o equivalente a cerca de seis a oito meses, sendo que nesta altura já não havia nada dentro das instalações, que pertencesse à empresa.
Esclareceu que tinha para receber €50.000 a título de créditos laborais e que a certa altura o arguido CCC propôs um lay-off, mas os trabalhadores não aceitaram, - ele disse que havia dificuldades, - esclarecendo que foi antes dos co-arguidos entrarem na empresa, foi uns meses antes.
Nas instalações da empresa, à data dos factos, havia jantes, pneus, pastilhas, discos de travão, farolins, tudo o que uma oficina tem, um stock de pneus no armazém de cima que era uma coisa fora de série. Havia carros mas eram antigos, um levou um vendedor (não sabe o nome) de outra empresa. Pensa que foi o arguido BB que levou os bens e mercadorias que existiam nas instalações. A pouco e pouco as coisas foram desaparecendo, era o arguido BB que ia levando, sem deixar documentos, sendo que não foi questionado por si.
Recordou um dia, (em que teve uma consulta de oncologia), e o MM, seu colega, disse-lhe que os seus colegas ficaram atrapalhados porque o arguido BB foi lá à empresa e atirou com as jantes cá para baixo, “de qualquer maneira”, sendo que quando a testemunha voltou à empresa, as jantes já lá não estavam.
Os equipamentos foram levados pela agente de execução que vinha do Tribunal de Alcobaça, e que levou tudo inclusive: máquinas de travões de amortecedores, aparelhos de AC, elevador. Referiu que, em ..., foram utilizadas umas camionetas para levar os equipamentos e estavam lá presentes os dois arguidos, sendo que nessa altura não lhe foram dadas explicações pelo arguido BB, que naquele dia chegou com a agente de execução. A partir de então ficaram sem poder trabalhar, só ficaram as paredes e o lixo.
Referiu que o arguido BB, a dada altura, prometeu que ia aumentar os salários mas não fez esses acertos e não deu justificação para os atrasos nos salários apesar de ser questionado.
O gabinete de contabilidade era externo e o ... (do qual não sabe o nome) ia lá às instalações fazer a contabilidade e ficou lá tudo quando o AA desapareceu, mas a contabilidade foi levada nos móveis de escritório que foram penhorados (era o arquivo).
Afirmou que a empresa ... não era fornecedora nem cliente da ..., não sabendo a quem pertence tal empresa.
Referiu que, do que se recorda, o CC nunca foi à empresa.
Todos os trabalhadores, cerca de seis, ficaram com salários em atraso, situação que começou desde que o arguido AA desapareceu, antes este ia pagando, começaram os atrasos desde ..., e até ao fim não receberam mais nada, esclarecendo que auferia mensalmente 900€, (incluindo subsídio de alimentação), os outros trabalhadores recebiam na ordem destes valores. Os primeiros trabalhadores a sair da empresa ainda conseguiram obter valores em dividas através do Fundo de Desemprego, os outros já não.
Explicou que o KK e a OO eram funcionários da ... mas vieram para a ..., porque eram todos funcionários do arguido AA e as instalações da ... eram maiores e tinham melhores condições de trabalho.
Foram ao Tribunal de Trabalho, mas o processo acabou com a insolvência, e depois foram ao Fundo de Garantia Salarial, e por isso recebeu €8000, tal como os seus outros colegas, excepto o II, que não recebeu nada. Referiu ainda que o arguido KKK entregou-lhe uma declaração para obter subsídio de desemprego, assinada pelo CC, declaração esta que entregou a si e a todos os colegas que ficaram a trabalhar até ao fim, entrega que foi feita uns dias antes do encerramento.
Sabia que havia divida à ... e que havia uma penhora mas não houve remoção, pois quiseram dar uma oportunidade ao arguido CCC por consideração aos trabalhadores. A divida à ... rondava um milhão, sabe que a última compra foram pneus para a NNN e a partir dai a ... cortou o crédito.
7) II, disse conhecer os arguidos CCC e BB por ter sido trabalhador da ..., onde era montador de pneus e depois ficou à frente de oficina, assistia as viaturas e nos pneus, tendo trabalhado durante 21 anos na ..., começou nos anos 80 e saiu por volta de ....
Recordou que quando o arguido BB foi apresentado como investidor para ajudar a empresa, (foi o arguido CCC que o apresentou assim), ainda lá trabalhou um ano. Referiu que não tinha salários em atraso na época do arguido AA, e que o arguido BB vinha às instalações, por vezes acompanhado com uma senhora que veio uma ou duas vezes.
Ninguém lhe falou do CC.
Explicou que a certa altura foi para o Fundo de Desemprego, já tinha salários em atraso, no valor aproximado de €55.000, mas não recebeu nada, porque deixou passar o prazo.
Recordou que o arguido BB ia às instalações da empresa, ao fim do dia, buscar dinheiro, pois viu entregas em envelopes, e foi ele quem lhe entregou o documento para o Fundo de Desemprego, a seu pedido, mas não sabe porque quem foi assinado, pois já estava preenchido, quando lhe foi entregue no escritório.
O arguido BB ia dando umas “pinguinhas” (em dinheiro) à medida que iam pedido, e esta situação foi-se prolongando.
Quando o arguido AA saiu estava lá tudo no interior das instalações, as máquinas, os elevadores, o stock de 80 jantes (em alumínio) e 100 pneus novos, de todo o tipo, melhores e menos bons, explicando que não faziam recauchutagem de pneus.
Esclareceu que foi dos primeiros trabalhadores a sair da empresa, sendo que os seus colegas ficaram, e nessa altura, quando saiu, as máquinas estavam todas, sendo que esteve pouco tempo na empresa depois de AA sair.
Só viu nas instalações da empresa o arguido BB, não o CC.
Conhece a ..., casa de pneus em ... do arguido AA, mas não conhece ..., nem ..., nem ....
Confirmou que era a HH, testemunha já inquirida, quem usava o ..., que foi mudado pelo arguido BB sendo que o novo ... era do ....
Nunca se apercebeu de dividas da empresa. Os fornecedores eram a ..., a ..., etc. Clientes não recordou, apenas a ....
Não sabe onde estava a contabilidade da empresa, esclarecendo que o AA não ia buscar o dinheiro ao fim do dia, ao contrário do arguido BB. Não presenciou nenhuma penhora nem houve conversa consigo sobre lay-off, mas o arguido AA falou de dificuldades da empresa quando apresentou o BB.
Referiu que quando o arguido AA saiu da empresa, sentiam-se as dificuldades, mas não havia salários em atraso, mas o stock não se repunha e havia menos clientes.
8) QQ, trabalhador da ..., entre ... e ..., disse daí conhecer os arguidos AA e BB, e que nas suas funções atendia clientes, fazia orçamentação e vendas a dinheiro (em numerário e multibanco).
Na altura em que saiu da empresa o arguido AA, já havia meio salário em divida, depois foi acumulando dividas em salários. Recordou que o arguido AA disse que havia dificuldades na empresa, que era necessário alavancar a empresa, e que houve reunião com o AA na qual este apresentou o BB como investidor.
Ouvia falar os colegas de trabalho dos problemas, das dificuldades nos recebimentos, nos telefonemas dos fornecedores, e que havia fornecedores a querer receber dinheiro, concretamente a ..., mas não sabe quanto, e que foi proposto o layoff, aos seus colegas. Não presenciou penhoras, não viu camiões a carregar material, mas os colegas falaram-lhe nisso.
Não conhece a empresa ... nem a ..., que associa ao BB, mas não sabe porquê, mas nenhuma era cliente nem fornecedora da ...
Na mudança de gerência, houve sempre ..., mas não recorda qual a mudança.
Confirmou que quando o arguido AA saiu da empresa, estava lá o material todo, havia bastantes pneus lá em cima, mais de 100 pneus, no armazém lá em cima, dezenas de jantes, mais de 50 jantes.
Quando saiu da empresa, recebeu, através do Fundo da Garantia Salarial, cerca de €5000 (admite que possa ter sido 6800€) e recebeu o que lhe cabia. Também reclamou créditos salariais no processo de insolvência, confirmando que havia vários colegas na mesma situação, mas com mais anos de casa, e esses não receberam tudo o que lhe era devido. Concretizou que quando regressou de férias no Verão, o arguido BB disse-lhe que era melhor sair e deu-lhe a declaração para ir para o Fundo de Desemprego, assinado pelo arguido CC.
Não sabe onde estava a contabilidade da empresa, mas viu várias vezes a colega HH, também testemunha nos autos, entregar o dinheiro da caixa ao arguido BB, procedimento que antes não acontecia com o arguido AA. Afirmou que viu poucas vezes o arguido BB, e que o arguido AA depois de o apresentar deixou de ir às instalações da empresa ..., esclarecendo que nunca viu o arguido CC na empresa.
Como clientes da ..., indicou as empresas ..., ..., ..., apontando valor de facturação na ordem dos 1000€ diários.
Relativamente à ..., confirmou que a mesma era fornecedora da ..., mas antes disto, da saída do arguido AA e na entrada do arguido BB, já não fornecia, por causa do não pagamento de fornecimentos, pelo que desde esse momento a partir daí, na ... faziam encomendas on line, recordando também o fornecedor ....
Explicou que ganhavam 15 a €20 por pneu, acrescendo a prestação de serviços, cada serviço tinha um custo.
9) NN, trabalhador da ..., entre ... e até ........2013, aí laborando como montador de pneus, referiu que o arguido AA esteve na empresa não sabe até quando, e apesar de não recordar reunião, lembrou que o arguido BB foi apresentado nas instalações da empresa pelo AA, que o apresentou como sendo alguém que ia investir na empresa. Confirmou que, a certa altura, o arguido BB ia muito à empresa, quase todos os dias, ao fim do dia, aí falava com os trabalhadores e depois ia buscar o envelope com dinheiro, que era entregue pela sua colega HH, - isto durante o meio ano antes de a empresa fechar.
Confirmou que a ... era um dos fornecedores da ...
Confirmou a existência de salários em atraso, precisando que o arguido AA, a partir de certa altura, uns meses, cinco, seis meses, antes de sair da empresa, só pagava metade dos salários (e não entregava os respectivos recibos), em valores que não regularizou antes de sair da ...
Confirmou que a partir de certo momento, não sabe em que datas concretas, entra na ... o arguido CC, que viu algumas vezes na empresa, apesar de não saber o que lá ia fazer, já o arguido BB ia lá mais vezes, mas não fazia lá nada.
Explicou que a partir de certa data, não pagaram nada durante seis, sete meses, ou não pagavam o ordenado completo, “pagavam coisa pouca”, davam 100€ ou €50, tanto que quando saiu da empresa, em ..., tinha sete ou oito salários por pagar, e o seu salário era €500/€600 por mês, mas não sabe quanto lhe ficaram a dever, e deles não recebeu nada. Posteriormente, recebeu o subsídio de desemprego, a partir de ..., que conseguiu obter com o documento que lhe foi entregue pelo arguido, BB, admitindo que talvez assinado pelo arguido CC.
Confirmou que a certa altura, em ..., foram penhorar bens às instalações da empresa e disseram-lhe que não podia mais trabalhar, recordando que nessa data era o arguido CC o dono da empresa. Recordou ainda uma situação em que foi à empresa “o …”, a mando do arguido BB, para carregar coisas, e viu-o a ir lá carregar o camião com material (pneus e jantes), duas vezes nesse dia.
Da última vez, no dia em que foi feita a penhora, levaram tudo, porque ainda estavam lá máquinas de alinhar, de calibrar, etc., enfim os seus instrumentos de trabalho. Perguntado, referiu que a contabilidade estava dentro dos armários, que foram levados.
10) JJ, disse conhecer os arguidos BB e AA, por ter sido trabalhadora de limpeza da ... desde ... e até ... trabalho pelo qual ganhava o salário mínimo, mais subsídio de alimentação. Recordou que 2013 foi um ano péssimo, começou o ano a serem pagos os salários em atraso, referindo que em ... ou ... o arguido AA pagou os atrasados, e deixou de aparecer na empresa nesta altura. Depois, em ... quando regressou de férias, já tinha a carta para o Fundo de Desemprego.
Recordou que a certa altura fez uma reunião com os trabalhadores da ... e o arguido AA disse-lhes que havia uns senhores que iam investir na ..., estando presentes o arguido BB e uma senhora de nome …. Depois da reunião, já não viu mais o arguido AA, lembrando que o arguido BB ia lá bastantes vezes ao final do dia, e a HH, que estava na recepção, era quem entregava dinheiro ao arguido BB, sendo a entrega era feita num envelope.
Afirmou que o arguido BB nunca lhe deu ordens, mas nunca conseguiu perceber quem era o patrão, sendo que o arguido BB não lhe foi apresentado como tal, nem nunca lhe foi transmitido que ele seria o patrão. No entanto, foi o arguido BB quem lhe entregou a “carta para o Fundo de Desemprego”, sendo que a “carta” estava assinada pelo arguido CC, não recordando qual o motivo para ter ido para a situação de desemprego. A OO era funcionária da ....
Confirmou que apresentou reclamação de créditos laborais no processo de insolvência, e que estavam em divida quatro meses de salário, pensa que o total, com indemnização, rondava os 20.000€, pensa que recebeu €4000 através do Fundo de Garantia Salarial.
Quando saiu da empresa, no final de ... estavam lá, nas instalações, as máquinas todas, e havia stock, mas soube, através dos seus colegas que os arguidos BB e CC começaram a retirar tudo o que estava lá dentro, em ...
Revelou ser casada com a testemunha OOO, que ficou a trabalhar na empresa até ao final do ano de 2013, que também tinha salários em atraso, cerca de €50.000 e que também recebeu através do Fundo de Garantia Salarial cerca de €8000 (porque ele ganhava mais e tinha mais anos de casa, pois ali trabalhava desde o começo). Acrescentou que o seu irmão MM também é testemunha, por ali ter trabalhado.
Recordou que quando ainda lá trabalhava, foram à empresa fazer uma penhora por causa de uma divida da ... e viu pessoas a entrarem para o escritório, tendo sido recebidos pelo arguido AA.
Confirmou a diminuição de clientes da empresa ao longo do ano de .... Recordou que o arguido AA “fazia pressão psicológica”, pois não queria que os trabalhadores falassem directamente com os clientes e também proibiu os trabalhadores de falarem uns com ou outros. Confirmou que o arguido AA propôs lay-off no inicio de ..., antes da Páscoa, mas nunca despediu ninguém.
O arguido AA pagava os salários em prestações, por transferência e em dinheiro.
11) PP, trabalhador da ..., sita nos ..., entre ... e ..., revelou que ganhava €1200, e daí conhece os arguidos, tendo desempenhado funções de recepcionista na ..., era apoiado pela OO (que variava, ora trabalhava ali, na ... e na ...). Recordou que teve salários em atraso entre ..., recebeu apenas parte, quase 8.000€ por parte do Fundo de Garantia Salarial, tendo reclamado o valor de €39.000.
Afirmou que teve a percepção que a ... fechou por causa de uma divida a fornecedores, tendo assistido a uma penhora nas instalações da ... em ..., e estava lá com mais dois ou três colaboradores.
Recordou que em ..., (porque em ... ficou de baixa), quando regressa ao trabalho, os seus colegas dizem-lhe que houve uma reunião em que foi apresentada uma pessoa que ia ser responsável da empresa, “havia um misto de dono e investidor”. Entre ..., apareceu o arguido BB, que se apresentou a si como o novo responsável da empresa, dizendo que “a partir de agora se precisasse de alguma coisa tinha que falar com ele” e por isso a testemunha perguntou pelo arguido AA tendo o arguido BB dito que “ele já não mandava”.
Explicou que o arguido BB ia ao fim do dia buscar o dinheiro, levava 60% e deixava 40% ou levava 70% e deixava 30%, que era entregue num envelope, podia haver cheques, cerca de €400 era a média diária, - este procedimento foi introduzido pelo arguido BB, desconhecendo a testemunha o destino do dinheiro.
Recordou que existia um ... que estava associado a uma conta bancária da ..., mas a certa altura e durante dois meses, ..., o arguido BB deixou lá um ... que era de outra empresa.
Referiu conhecer o arguido CC de vista, de o ter visto uma ou duas vezes, porque acompanhava o arguido BB, e que aquele ficava dentro do carro quando iam os dois lá, ia ao fim do dia, tendo sido informado pelos seus colegas que era o novo dono, o responsável, o investidor, mas nunca o viu a interagir no negócio.
Afirmou que até ter saído da empresa, o imobilizado da empresa foi sempre o mesmo, tanto as máquinas como o stock, mas foi reduzindo, porque antes havia reposição de stock, e quando a empresa entra em dificuldades em ..., o stock vai diminuindo, e começam a ter dificuldade em fazer encomendas, por causa de dividas aos fornecedores, pelo que passaram a fazer encomendas com prévias vendas ao cliente.
Recordou que em ..., foi efectuada uma penhora nas instalações da empresa, foi lá a agente de execução, mas só foi feito o levantamento de material, não removeram nenhuns bens.
Confirmou que ficou com o salário de ... em atraso, quando ainda estava o arguido AA a gerir a empresa. A partir de ..., era o arguido BB quem pagava os salários mas “aos poucos”. Revelou que a “carta para o Fundo de Desemprego” foi-lhe entregue pelo arguido BB, nas instalações da ..., que primeiro conversou consigo sobre o despedimento e disse que ia pedir ao CC para assinar “os papéis” sendo que passados umas três horas, entregou-lhe a “carta”.
Recordou que o principal fornecedor era a ..., sendo que a ... devia à ..., cerca de €400.000, e que havia entregas de pneus de e para a ..., pois que existia um documento no software que fazia “transferência de armazém”, que era entregue à contabilidade.
Afirmou desconhecer a empresa ... como fornecedora da empresa, afirmando que aquela não tinha relação nenhuma com a .... Relativamente à ..., confirmou que era a empresa do ..., mas também não tinha qualquer relação com a ....
Aludiu a uma facturação diária de vendas na ordem de valores 600€/700€, sendo que no último mês que trabalhou era de €500.
Confirmou que o arguido BB não geria nada nas empresas.
Recordou que o arguido AA pagava os salários em prestações desde ..., e como sentiu que havia dificuldades, optou por pedir baixa, e regressou em ..., tentou ligar para o AA para tentar perceber o que se passava a passar mas não conseguiu falar com ele, sendo que nunca chegou a perceber quem era a pessoa que lhe ficou a dever os salários.
12) MM, trabalhador da ..., desde ...8.../1987 (quando tinha 16 anos), tendo a certa altura passado a desempenhar funções na ..., embora o seu patrão tenha sido sempre o arguido AA, sendo ele quem lhe pagava os salários. Salientou que trabalhou sempre na ..., e já no fim, antes do fecho, trabalhou na .... Recordou que em ... era o arguido AA quem lhe pagava, e então o posto de trabalho era em .... Saiu da empresa no final de ..., quando a empresa fechou pelo arguido BB. Afirmou que deixou de ver o AA depois de uma reunião no meio da oficina, estando também presente nesta reunião o arguido BB, “que era investidor e não patrão”, tendo- lhe sido transmitido que este “ia injectar dinheiro para levantar a empresa”, frisando que depois da reunião nunca mais viu o arguido AA e passou a ser responsável pela empresa o arguido BB.
Confirmou que a partir de certa altura, três ou quatro meses antes da dita reunião, o arguido AA, começou a pagar os salários a prestações. Depois passou o BB a pagar os salários em dinheiro, mas também em prestações, e não pagou de todo quatro ou cinco meses de salários.
Nada sabendo da penhora realizada, explicou que foi para o Fundo de Desemprego e os documentos necessários foram entregues pelo arguido BB, mas a assinatura era de alguém “...”. A propósito disto, recordou-se de entrar nas instalações da empresa um senhor com o arguido BB, que lhe disseram ser o “...”, mas este não lhe foi apresentado.
Após, a dita reunião, as ordens na empresa, eram dadas pela HH e pela OO, que geriam o serviço diário. O arguido BB ia à ... só no fim do dia, buscar o dinheiro.
Apesar de não ter visto ninguém a carregar as máquinas das empresas, explicou que em certo dia, quando voltou à ... não estavam lá as máquinas e foram à oficina por trás, e montaram o serviço aí nessa oficina e depois voltou às instalações da ... e também não estavam lá as máquinas. Neste dia, para além das máquinas também ali havia stock de pneus e jogos de jantes (de valor variável entre 1000€ e 300€) e quando voltou o stock também já não estava todo, mas não viu quem carregou nem o que se passou. No entanto, outras vezes, em dias diferentes, já depois do episódio de terem sido retiradas as máquinas, viu um senhor, que lhe disse que era irmão do arguido BB, a carregar uma camioneta com coisa da empresa, sendo que os viu juntos nas instalações, duas ou três vezes. Ainda viu o irmão do arguido BB mais vezes, explicando que este não era funcionário da empresa. Acrescentou que não lhes disseram para onde ia o stock das coisas carregadas, sendo que nesta altura já não conseguiam trabalhar, embora ainda apareciam clientes, referindo que durante dois ou três meses não conseguiram trabalhar, porque não havia máquinas. Concretizou que o material de escritório também foi sendo levado depois das máquinas, ao mesmo tempo do stock.
Referiu que recebeu do Fundo Salarial, quase €8000. No início, o pagamento dos salários era feito através de transferência bancária, depois passou a receber em dinheiro. Revelou que o arguido AA, pouco tempo antes de desaparecer, falou em ficarem em lay off. Confirmou que o arguido AA nunca lhe deu satisfações nem explicações, nem lhe disse que se ia embora das empresas. O arguido AA estava na empresa no horário de trabalho e dava ordens, já o arguido BB não dava ordens nem estava nas instalações durante o horário de trabalho. Viu uma vez um senhor idoso entrar com o arguido BB.
Referiu que foi a HH, sua colega, quem entregou as chaves das instalações da ... Não notou diferenças no stock entre a entrada e a saída da empresa do arguido AA. Recordou que a ... era fornecedora, mas não sabe quando deixaram de fornecer. Explicou que ele e os seus colegas de trabalho, iam às instalações da ... quando era necessária maquinaria especifica que não existia, sendo que a ... era do arguido AA mas também acabou por fechar, não sabe quando.
Recordou que no tempo do arguido AA, e a partir de certa altura, quando aquilo começou a correr mal, ele não queria que os trabalhadores falassem com os clientes, mesmo os mais antigos, tanto que alguns deixaram de lá ir, e também não queria que falassem entre colegas.
13) KK, trabalhador da ... entre ... ou ... e até fim de ..., disse conhecer o arguido AA por ser dono das empresas e o arguido BB por ter sido quem veio substituir aquele, o que sucedeu após uma reunião, em que o arguido BB foi apresentado “como investidor ou como dono”, não recordando detalhes nem as precisas palavras.
Explicou que era responsável da área comercial da empresa, e deixou de lá trabalhar porque não havia trabalho para si, deixou de haver plafond para os concursos públicos, e deixaram de concorrer. A partir de ... havia falta de capacidade de pagamento tanto ao pessoal como aos fornecedores, tanto assim que a partir de certa altura, no ano de ..., passaram a receber os salários em dinheiro ou em prestações, faseadamente, e não havia periodicidade certa, - revelando que auferia um salário líquido de €1700.
Reafirmou que o arguido AA saiu da empresa em ..., logo após a reunião de apresentação, desconhecendo se ele vendeu as quotas, pois nada foi informado.
Referiu que viu uma ou duas vezes o arguido CC, mas este não lhe foi apresentado, pensando que também era um dos donos da empresa, o que lhe foi dito pelo arguido BB, que se identificava a si próprio como dono da empresa. Recordou que só o arguido BB é que fazia movimentos bancários e que ia buscar o dinheiro da caixa, que era entregue pela HH, sua colega na empresa.
Ficou com salários em atraso e reclamou no processo de insolvência, à volta de €56.000/57.000, tendo recebido 14.000€ do Fundo Salarial.
Concretizou que foi de férias em ... e quando regressou foi dispensado pelo arguido BB, que lhe disse para voltar no dia seguinte, para ir buscar a ”carta para o Fundo de Desemprego”, que não sabe por quem foi assinada.
Até o arguido AA sair da ..., as instalações estavam iguais, com os equipamentos, as máquinas e stock, e tudo ficou lá até a testemunha ir embora no inicio de ... de ... de 2013
Teve conhecimento que havia uma divida para com a ..., e que esta deixou de fazer fornecimento.
Recordou que lhe foi proposto o lay off no início de 2013 ou fim de ..., pelo arguido AA, em que passariam a ganhar 50% e a trabalhar 50%.
Esclareceu que o arguido BB não reunia com os trabalhadores, nem dava ordens, não geria a actividade da empresa.
Referiu que a ... era uma empresa com muitos clientes, e sempre trabalhavam bem, não havia falta de trabalho, recordando que os fornecedores para além da ..., eram as marcas de peneus.
Relativamente à ... e à ..., disse não conhecer nem como fornecedoras, nem como clientes. Recordou que a ... era também do arguido AA e também fechou, sendo que a ... também era do grupo.
14) PPP, Inspector Chefe da Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, procedeu à recolha de informações bancárias e fiscais, confirmando os autos de diligencia externa, inclusive deslocação a umas instalações de uma das empresas, onde já laborava nova empresa de um antigo funcionário. Confirmou documentos de fls. ... a ..., esclarecendo que forneceu à unidade financeira todos os documentos, e confirmou o relatório final elaborado por si, fls. 2056 a 2128, explicando que não encontraram nas instalações das empresas as respectivas contabilidade. Fizeram análises de fluxos financeiros entre contas bancárias de empresas e pessoas ligas às empresas e nada encontraram de relevante.
Foi ainda inquirida a testemunha indicada pela Demandante, que igualmente depôs de forma credível e objectiva:
15) III, Director Geral da ..., desde ... foi substituir QQQ, e assumiu o cargo em ..., sendo que em 2014, RRR era tesoureiro da ... e o Presidente era o SSS.
Confirmou que a ..., a ... e a ... eram devedoras de uma quantia importante, cerca de € 780.000, e fez um estudo sobre as entidades, que movimentavam 3 milhões por ano mas aceitavam créditos de 60 a 90 dias. Esta divida das duas sociedades comprometeu a estabilidade da ... e obrigou a negociar com os fornecedores, porque o fornecedor corta o crédito à ..., enquanto cooperativa, e também daí deriva o corte de credito à .... Esclareceu que hoje a ... não deve nada a fornecedores.
Recordou que nessa sequência, penhoraram vários equipamentos mas não foi ressarcida a divida e depois, quando tentaram executar já não havia bens, tendo efectuado diligências através dos advogados para localização dos bens e nada tendo resultado, recordando que foram feitas visitas ao armazém, e que o agente de execução tentou contactar com o arguido AA, sem sucesso.
Apesar de não terem recuperado o valor devido, conseguiram a recuperação do IVA em ..., através do processo de insolvência.
Sobre a transacção efectuada com plano de pagamento lembrou que foram pagas sete prestações mas não sabe o valor das mesmas.
Não conheceu o arguido AA, só o seu pai. Afirmou não conhecer o arguido BB, nem a ..., nem a ..., esclarecendo que não teve contacto directo com ninguém da ... Confirmou que foi deliberado pela ... requerer a insolvência da ... e da ..., não sabendo se foram apensados os processos executivos que já corriam contra a empresa.
Relativamente a testemunhas de defesa, acabou por ser apenas inquirida a indicada pela defesa do arguido AA:
16) TTT, ..., que trabalhou na ... entre ... e ..., nas instalações em ... (havia outro em ...), explicando que circulava entre as duas instalações quando era preciso. Disse conhecer o arguido AA desta actividade, não conhecendo BB, nem CC. Explicou que deixou de lá trabalhar, por causa de um processo de insolvência, rescindiu o contrato de trabalho por acordo, o património da empresa foi sempre o mesmo, e foi a ... de Insolvência que tomou conta das mercadorias e stock. Os salários eram pagos por transferência bancária, e eram pagos por inteiro. Como entidade patronal, o arguido AA era acessível, tinha bom relacionamento com os trabalhadores. Esclareceu que nunca houve reestruturação da empresa e que não reclamou créditos à insolvência. Recordou que o arguido AA veio para a empresa, depois de regressar do estrangeiro, este “era o patrão”, não houve mais nenhum, foi ele quem lhe entregou a carta para o Fundo de Desemprego, ia todas as semanas, e ficava uma semana, estava lá no horário de trabalho e dava instruções quer ao escritório quer à oficina.
Recordou que havia muito trabalho até ..., depois do falecimento do pai do AA começou a diminuir o trabalho, começaram a acumular muitas despesas, poucas receitas, e havia dividas a fornecedores, compravam directamente às marcas e também à ....
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Em suma, o conjunto de prova testemunhal, conjugada om a porva documental, permitiu recriar o filme da dinâmica factual e compreender que:
- as duas empresas insolventes, já em ..., atravessavam dificuldades, sendo devedoras de elevados valores à ..., sua fornecedora, e sendo recorrente a existência de salários em atraso, tanto assim que foi apresentada aos trabalhadores, pelo arguido AA, uma proposta de layoff, que não foi aceite;
- o arguido AA apresentou, aos trabalhadores, o arguido BB como investidor nas empresas, no sentido de que iria injectar capital nas empresas, sem que se efectivasse tal injecção de capital, tanto assim que se agravaram as dividas aos fornecedores e aos trabalhadores, sem que haja registo contabilístico de injecção de capitais;
- depois de tal “reunião”, o arguido AA, sem anunciar ou comunicar aos trabalhadores, a sua saída, uma vez que se tratavam de empresas familiares, em actividade há muitos anos, e em que os vínculos com grande parte dos trabalhadores já eram de longa duração, o que tornava expectável tal comunicação/despedida, deixa de comparecer nas instalações das empresas, ao contrário do que acontecia anteriormente;
- não obstante tal desaparecimento do arguido AA relativamente à actividade diária e presencial das duas empresas, da correspondência electrónica junta aos autos, cfr. fls. 532 e ss. e 536 e ss., e da documentação bancária, cfr. fls. 1437 e ss., 1444 e ss., 1495 e ss., resulta que o arguido AA, manteve ligação às duas empresas, após a transmissão das participações sociais as arguido CC;
- apesar de ter sido apresentado o arguido BB como novo investidor, o arguido AA bem sabia que o titular das participações sociais era o arguido CC, pois foi este quem assumiu a posição de comprador nos respectivos contrato de compra e venda de acções e contrato de cessão de quotas;
- o arguido BB, só com o prévio acordo dos arguidos AA (que simuladamente celebrou contratos de transmissão de participações sociais, sem nada ter sido pago) e CC (que acedeu a figurar como sócio/gerente e acionista/adminsitrador das duas empresas, bem sabendo que tal posição não teria correspondência prática e real), pode comparecer nas empresas e apresentar-se aos trabalhadores, como novo responsável, por forma a recolher os valores de caixa e a impor a colocação de novos TPAs, ligados a empresa (a ...) formalmente titulada pelos seus familiares;
- os arguidos CC e BB, não podendo desconhecer as dividas das duas empresas insolventes, nomeadamente para com a ... (afinal quem no seu perfeito juízo aceita ser responsável societário sem fazer previamente indagações básicas quanto ao passivo e ao activo do património societário?), emitem cheques a favor da ... (titulada por familiares do arguido BB), sem que haja registo de quaisquer transacções ou outras ligações entre esta empresa e as duas empresas insolventes, que justifique a emissão de quatro cheques sucessivos coincidentes nos valores e datas (aproximadas);
- emitidos e assinados tais cheques da ... pelo arguido CC, a favor da tal sociedade ..., ligada ao arguido BB, que se assumia como responsável das ..., serviram tais cheques para intentar acções executivas contra ambas as empresas insolventes, motivando a remoção de bens das respectivas instalações, originando a cessação de actividade das duas empresas, como não podia desconhecer o arguido BB, que ali se deslocava frequentemente a fim de recolher as receitas obtidas na actividade diária;
- mais, para além da remoção no âmbito das execuções intentadas, o arguido BB determinou que fossem retirados outros bens das instalações das duas empresas, recorrendo também a seus familiares (a testemunha TT, que recusou prestar depoimento), na presença dos trabalhadores das duas empresas insolventes, o que inevitavelmente comprometeu a continuação da laboração;
- o arguido BB paulatinamente foi dispensando os trabalhadores das duas empresas, a quem iam sendo pagos os salários em prestações, entregando-lhes as declarações para atribuição do subsídio de desemprego, assinadas pelo arguido CC, não deixando dúvidas quanto à articulação entre ambos.
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Foram ainda relevantes as declarações de FF, à data de elaboração do relatório pericial, perito da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, que explicou que usou como base os documentos referidos no relatório constante do respectivo apenso, relatório que confirmou. Relativamente à ..., confirmou que não havia nenhuma conta corrente que justificasse qualquer relação comercial ou a movimentação dos cheques referidos nos autos, que serviram de base às execuções, no âmbito das quais se removeram os bens das sociedades, precisando que não consultou a contabilidade da ..., por não lhe ter sido dada.
Referindo que a informação dos cd s foi recolhida junto do TOC, analisou os movimentos bancários da ... e da ... constatando que a margem de comercialização era oscilante, a significar que havia volatilidade, quando havia quebras de margens não havia movimentos bancários correspectivos, e que não cobriam os restantes gastos operacionais, admitindo que possam ter havido “vendas por fora”.
Atribuiu a causa da insolvência ao desajustamento entre gastos e ganhos e falta de reestruturação da empresa, perante o contexto macroeconómico adverso entre ... a 2011.
Salientou a ineficácia da gestão do fundo de maneio, o que causava necessidades de financiamentos de tesouraria. Entre ... e 2011 já havia valores negativos, pg. 2 do parecer, e é aí que começaram os problemas, tanto que a sociedade recorreu a financiamentos bancários para pagar dividas.
Relativamente ao relatório pericial elaborado pelo perito, constante do respectivo apenso, cumpre salientar:
a data da última prestação de contas das duas sociedades insolventes foi em ........2011 e nessa data os activos superavam os passivos;
na ..., em ..., verificou-se um aumento dos gastos com pessoal e fornecimento e serviços externos e que “com as margens de comercialização praticadas e estrutura de custos existente, o volume de vendas estava aquém do necessário para a viabilidade económica da ..., para além de que os juros e encargos financeiros de financiamentos de tesouraria denunciam uma ineficaz gestão do fundo de maneio” (pg. 6);
a ... apresentava histórico deficitário desde ..., teve investimentos insignificantes desde tal ano, e o endividamento bancário deveu-se ao financiamento da tesouraria de exploração, pg. 7;
não foram encontrados movimentos bancários nas contas dos arguidos que reflictam os recebimentos das vendas de acções e das quotas, pg. 7;
nas datas de emissão dos cheques que serviram de títulos executivos às execuções intentadas pela ... não havia provisão nas respectivas contas bancárias, pelo que antecipadamente se conhecia da devolução dos cheques emitidos, sendo que não foi detectada nenhuma relação comercial ou de outra natureza entre a ... e as empresas insolventes.
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Crucial foi o conjunto de prova documental produzida, que permitiu conhecer sobre a cronologia dos factos, tendo-se indicado os documentos relevantes por reporte aos concretos factos:
- Certidões permanentes, de fls. 12 e ss. (...), 17 e ss. e 127 e ss. e 705 e ss. (...), 189 e ss. (...), 669 e ss. (...), 676 e ss. (...), 689 e ss. (...) e 1704 e ss. (...);
Cópia da certidão do processo n.° 1514/10.0..., de fls. 29 e ss., referente a acção cível intentada pela ... contra a ...;
Mapa de liquidação de divida da ... para com a ..., de fls. 44;
Cópia de acta da ..., de fls. 45 e ss., com data de ........2009, em que esteve presente o arguido AA assumindo a sua divida (fls. 47);
Cópia do requerimento executivo do processo de execução n.° 21019/12.3..., de fls. 48 e ss.;
Cópia dos autos de penhora, de fls. 66 e ss. (do processo de execução n.° 21019/12.3... em que é exequente a ... e executada a ..., e no qual não são atribuídos valores aos bens penhorados), 172 e ss. (do processo de execução n.° 22301/13.6... em que é exequente a ... e executada a ...) e 751 e ss. (do processo de execução n.° 2229/13.2..., em que é exequente a ... e executada a ...);
Cópia da sentença do 1.° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, de fls. 84 e ss. e relatório elaborado no âmbito do art. 155° do CIRE, em que foi declarada insolvente a ...;
Cópia da sentença do 3.° Juízo da 1.a Secção do Tribunal do Comércio de Lisboa, de
fls. 11 e ss. do inquérito apenso com o NUIPC 6100/15.5TDLSB, em que foi declarada insolvente a ...;
Cópia dos relatórios previstos no artigo 155.° do CIRE, de fls. 94 e ss. e de fls. 22 do inquérito apenso com o NUIPC 6100/15.5TDLSB;
Cópia de informação enviada à Sra. Agente de Execução pelos mandatários da ... indicando como fiel depositário SS no âmbito do processo 2230/13.3..., de fls. 111;
- Documento do Administrador de Insolvência (processo 1690/13.T... em que é requerida ...), dirigido à ..., informando que através da agente de execução tomou conhecimento que os bens da ... haviam sido penhorados e removidos em ........2013 no âmbito da execução 2230/13.3..., encontrando-se depositados em ..., através do depositário SS, solicitando forma de aceder aos bens, fls. 113 e ss.; cartas enviadas pelo administrador de insolvência ao fiel depositário EE, fls. 115 e 116, em ... e ... solicitando acesso aos bens penhorados à ...;
Ofício de ........2013, do processo de exceução n.° 21019 (.../...) para apreensão de veículos e bens em nome da executada ..., fls. 117 e ss., diligência que resultou frustrada, apurando em ........2014 que a “firma encontra-se encerrada”, fls. 117 a 119;
Informação do agente de execução nomeado no processo 21013/12.4... (executada ...) o qual informou que também não conseguiu apreender os veículos penhorados em virtude do encerramento das instalações cfr. fls. 57 do nuipc 6100/15.5TDLSB;
Fichas de registo automóvel, de fls. 143 e ss.;
Email do Administrador de Insolvência da ..., de fls. 148 e ss. juntando documentos relativos às dificuldades em obter os bens apreendidos e removidos das instalações daquela empresa, com envio de várias cartas e tentativas de contactos telefónicos para os responsáveis da ... e do fiel depositário indicado por esta, dos quais nada resultou, veja-se com particular enfase a informação de fls. 151-152;
Informação com indicação do fiel depositário, de fls. 158 (igual à de fls. 111);
Auto de diligência externa com deslocação às instalações da ... em ..., fls. 164;
Cópias do processo executivo n.° 2230/13 em que é exequente ... e executada a ..., de fls. 166 e ss., incluindo auto de penhora elaborado pela agente de execução e testemunha UUU, datado de ........2013, no qual foram penhorados bens no valor de €5280, encontrando-se presente CC como legal representante da executada;
Cópias dos cheques bancários, de fls. 170-171 (n.°...), 743-744 (...), 758 (...) e 765 (...);
Relatos de diligência externa, de fls. 193 (deslocação às instalações da ...), 202 (idem), dando conta da existência de “espaço praticamente abandonado”;
Mapa de cobranças da ..., de fls. 185 e ss.;
Email do Revisor Oficial de Contas da ..., de fls. 204 e ss.;
Emails do Técnico Oficial de Contas da ..., VVV de fls. 209 e ss., dando conta que cessou funções na ... em ........2013;
- CDR com ficheiros gravados pelo TOC da ..., de fls. 216;
Documentação da insolvência ..., de fls. 237 e ss.;
Documentação tributária, de fls. 271 e ss. (declarações de IES de ... a 2011);
Informação do ... de fls. 389 e ss.;
Informações relativas a EE e WWW de fls. 436 e ss.;
Relatório de diligência externa datado de ........2015, de fls. 450 e ss. tendo em vista a localização de WWW e EE, cujos paradeiros não se apuraram;
Relatório de diligência externa de fls. 457 relativo à localização de CC, onde se informa que este não sabe ler nem escrever;
Documentação diversa da ... e ..., de fls. 486 e ss. concretamente renúncia ao cargo de administrador único por parte do arguido CCC com data de ........2013, eficaz oito dias depois, invocando motivos de ordem pessoal; contrato de compra e venda de acções de fls. 487 e ss. assinado pelos arguidos AA e CC; documento de renúncia à gerência da ... de fls. 489; contrato de cessão de quotas de fls. 490 e ss.; documentos de veículos de fls. 494 e ss.; contrato de locação financeira mobiliária celebrado entre ... e a ..., fls. 498 e ss. ; documentação relativa a venda de imóveis sitos em ... por parte do arguido AA, fls. 510 e ss.; requerimento apresentado pela ... alegando que duas máquinas penhoradas pertencem à ..., fls. 525; declaração da Segurança Social de fls. 527 atestando que a ... em ........2013 tem a situação contributiva regularizada; cópia de certidão da AT informando que a ... tem a sua situação tributária regularizada em ........2013, fls. 528; cópia de certidão da AT informando que a ... tem a sua situação tributária regularizada em ........2021, fls. 529; declaração da Segurança Social de fls. 530 atestando que a ... em ........2013 tem a situação contributiva regularizada;
- Correspondência electrónica, de fls. 532 e ss. em que o arguido AA, em ........2013 (isto é já depois da celebração dos contratos de transmissão das participações sociais das sociedades), troca mails sobre contratos de fornecimento de pneus celebrados com a ..., assumindo gestão da empresa, e emitindo informações em nome da ..., fls. 534 e 535, assinando documentos como legal representante de tais empresas;
Correspondência electrónica de fls. 536 e ss. em que o arguido AA, em ........2013, envia documentação relativamente aos equipamentos que estão nas instalações da ...;
Documentação do processo de execução n.° 21013/12.4..., em que é exequente ... e executada ..., tendo sido penhoradas duas máquinas, cfr. fls. 538-540 dos autos principais, e cfr. fls. 54 a 57 do autos apensos co nuipc 6100/15.5TDLSB;
Correspondência electrónica de fls. 544 e ss. relativa a extravio de cheques titulados pela ... e ... (mas que não coincidem com os cheques utilizados como títulos executivos nos processos intentados contra as duas sociedades);
Extractos relativos a passagens de viaturas de fls. 547 a 608;
Fichas de registo automóvel das viaturas ..-..-RS (fls. 609), ..-..-LT (fls. 610), ..-..-LN (fls. 611), ..-..-NU (fls. 612), ..-..-TR (fls. 613), ..-..-LN (fls. 614) registadas em nome das sociedades ...e ...;
Documentação da ..., ilustrando os saldos existentes em nome da ... e da ..., de fls. 624 e ss.;
Nota de lançamento do valor da alienação das participações detidas na Europneus na contabilidade da ..., fls. 632;
Correspondência electrónica relativa a reunião marcada para ........2013 no escritório do Dr. DD, com a presença do AA representando a ..., fls. 633, bem como pedido relativo à listagem dos bens da empresa (fls. 634);
Cópia de contrato de cessão de quotas entre o arguido AA, enquanto sócio da ..., cedendo e dividindo a sua quota à ..., representada pelo arguido BB e ao TT celebrado no dia ........2013, fls. 635 e ss. (vide também a informação do Registo Comercial relativa à ... de fls. 638 e ss.);
- Correspondência electrónica do arguido AA, com data de ........2013 (fls. 640 e ss.), referindo contactos com o “Sr. BB”, que o pressiona porque “podem ir lá buscar os equipamentos”, referindo-se aos equipamentos “penhorados por um fornecedor (...)”;
Relato de diligência externa de fls. 736 e ss. com junção de cópias dos processos executivos n.°s 2229/13 TBACB (... contra ...), 2303/13.5... (... contra ...), 2304/13.3... (... contra ...), em que teve intervenção a testemunha e agente de execução XXX;
Cópia de cheque emitido por CC em nome da ... a favor da ..., no valor de €7500, com data de ........2013, fls. 743;
Cópia de auto de penhora do processo 2229/13.2..., fls. 751 e ss.,em que é exequente ... e executada a ..., tendo sido penhorados e removidos diversos elevadores e máquinas no valor de €2.200, na presença do arguido CC como legal representante da executada e sido nomeado fiel depositário EE;
Cópia de cheque emitido por CC em nome da ... a favor da ..., no valor de €7.500, com data de .......02013, fls. 758;
Cópia de cheque emitido por CC em nome de ... a favor da ..., no valor de €7.500, com data de ........2013, fls. 765;
Documentação bancária do ..., de fls. 838 e ss. referente às contas bancárias da ..., da ...;
Informação da AT relativamente ao encerramento de actividade ... em ........2015, fls. 879;
Declarações de IES da ..., fls. 881 e ss.;
CD com documentação bancária do ..., de fls. 998 e 1913 (extractos de contas);
Informação bancária do ..., de fls. 1001 e ss. relativa a conta da ...;
Documentação bancária do ..., de fls. 1199 e ss. (conta da ...) e 1933 e ss.;
CD com documentação bancária da ..., de fls. 1359 e ss. e 1436 e ss.;
Documentação bancária do ..., de fls. 1365 e ss. e 1374 e ss. (conta da ...), onde consta: a) a fls. 1377-1378 um cheque da ... assinado por CC, em ........2013, à ordem de BB, no valor de € 3370; b) a fls. 1379—1380 um cheque da ... assinado por CC, em ........2013, à ordem de BB, no valor de € 600; c) a fls. 1380-1381 ,um cheque da ... assinado por CC, em ........2013, à ordem de BB, no valor de € 1500; d) levantamentos em numerário feitos por CC em ........2013 no valor de €2902 (fls. 1383), em ........2013 no valor de €402,60, em ........2013 no valor de €2102,60, em ........2013 no valor de 790 (fls. 1387); e) transferências da conta da ... para a ... em ........2013, no valor de €1500, ordenada por CC (fls. 1388), transferências da conta da ... para a ... em ........2013, no valor de €1000, ordenada por CC (fls. 1389);
Documentação bancária do ... relativa a transferências efectuadas da conta da ... em ..., no valor total de € 7318,19, fls. 1413 e ss.;
Documentação bancária da ..., de fls. 1418 e ss. relativamente à conta bancária titulada pela ..., cuja representante é YYY (mulher do arguido BB e que em sede de audiência de julgamento recusou prestar depoimento), onde estão reflectidas várias entregas de valores entre ... e ... de ... de 2013 e onde consta a devolução de quatro cheques, cada um no valor de €7500, de fls. 1430;
Documentação bancária de fls. 1437 e ss. da ... relativamente a operações efectuadas entre a conta titulada pelo arguido AA e a conta da ..., em ... de ... de 2013 no valor de €38.340, fls. 1439, e a conta titulada pelo arguido AA e a conta da ... em ... de ... de 2013 no valor de €122.837, fls. 1442;
Documentação bancária da ... da consta da ..., com cópia de cheques, fls. 1444 e ss., os quais constam assinados pelo arguido AA, com datas entre ..., constando apenas um cheque de ........2013 assinado em nome do arguido CC (fls. 1464);
Documentação bancária da ... da conta da ..., com cópia de cheques, fls. 1495 e ss., os quais constam assinados pelo arguido AA com datas entre ...;
Levantamentos em numerários efectuados pelo arguido CC da conta da ... em ... fls. 1529 e ss.;
- Certidão da sentença do processo 1690/13.0..., de fls. 1539 e ss., com declaração de insolvência da ...;
Documentação bancária da ..., de fls. 1551 e ss. relativa a entregas de valores na conta da ... ao longo do ano de 2013, entre ... e ...;
Documentação do trabalhador PP, de fls. 1734 e ss. relativo a comunicação de decisão de extinção de posto de trabalho na ... datada de ........2013 e com efeitos a partir de ........2013;
Documentação bancária do ..., de fls. 1780 e ss. da conta da ...;
Documentação bancária do ..., de fls. 1811 e ss. da conta da ...;
Documentação bancária do ..., de fls. 1824 e ss. da conta da ...;
Análise bancária, de fls. ... e ss., da qual nada resulta de relevante;
Certidões do registo de assentos de nascimento, de fls. 2189 e ss;
Informação do Administrador de Insolvência do processo 1690/13 (...) informando que os créditos reconhecidos ascendem no total de € 1.120.593,66, fls. 2243-2247;
Informação do Administrador de Insolvência do processo 1352/13 (...) informando que os créditos reconhecidos ascendem no total de € 1.139.557,07, fls. 2248-2263;
Acta n.° 56, datada de .../.../2013 da ..., onde esteve presente o arguido AA, e atenta a não aceitação do pagamento de €5000 por mês, foi deliberado avançar com avançar com a venda dos estabelecimentos comerciais já penhorados e dos respectivos bens a fim de se conseguir realizar algum valor para minimizar a divida, - documentos juntos a ........2024 (ver destaques no sistema Citius);
Certidão de Imposto de Selo / Relação de Bens por óbito de ZZZ, pai do Arguido e Certidão da escritura de compra e venda da fração autónoma e garagem, sitas no edifício ..., em ..., cujo montante de € 430.000,00 foi entregue à ..., - documentos juntos a ........2024 (ver destaques no sistema Citius);
Oficio informando que na Insolvência pessoa coletiva n.° 1690/13.0... (...) não houve qualquer apreensão de bens, conforme requerimento junto aos autos por parte do administrador nomeado e que não há nenhuma execução apensa aos autos principais (ver destaques no sistema Citius);
- Oficio do processo de execução Comum n.° 21019/12.3..., na qual são exequente ... e executado ..., informando que sequência da penhora dos veículos melhor identificados em anexo, foi notificada a ... para apreensão dos mesmos, no entanto, a diligência frustrou-se, e posteriormente, a execução ficou suspensa devido à declaração de insolvência da firma executada;
Oficio da ... informando que as frações HAF e GEJ do imóvel descrito na ... sob o n° 5615 apresentavam hipoteca a favor da ... para garantia de responsabilidades genéricas assumidas ou a assumir pelas empresas ... e ..., tendo a ... entregue o respetivo termo de cancelamento de hipoteca contra o recebimento de € 400.000, e este valor foi aplicado para operações tituladas por ... e operações tituladas por ....
Documento de habilitação de Herdeiros de ZZZ, contrato de Partilhas dos bens e respetiva retificação (do qual consta a existência de certificados de aforro no valor de 679.000€), liquidação dos Impostos (IMT de tornas) relativos às partilhas, requerimento REFa: 51007647;
Apenso I, composto por 5 volumes, contendo documentação bancária;
Apenso - Inquérito crime com o NUIPC 6100/15.5TDLSB, iniciado pela queixa crime da ... contra a ..., onde consta cópia de sentença que declarou a insolvência da ... (processo 1352/13.8...), relatório do 155° do CIRE com informação de que não foram apreendidos quaisquer bens;
Foram assim relevantes os depoimentos das testemunhas inquiridas, na grande maioria antigos trabalhadores das empresas insolventes, sem que os mesmos contrariassem ou invalidassem a demais prova documental pré-constituída. A extensa documentação permite recriar o filme dos acontecimentos de forma bastante esclarecedora quanto à actuação dos arguidos, tendo os factos não provados assim resultado da insuficiência da prova produzida, a que não será despiciendo o facto de já terem decorrido mais de dez anos desde os acontecimentos, perturbando a aquisição de conhecimento dos detalhes, mas não comprometendo a confirmação da factualidade vertida pelo libelo acusatório.
O conjunto de prova produzida foi suficiente para confirmar o acervo fáctico, no sentido de ter sido delineada e concretizada uma estratégia no sentido de desvincular formalmente o arguido AA da direcção das empresas e assim impedir a satisfação dos créditos dos credores, em concreto da ..., que já havia comunicado que, atenta a situação de incumprimento, iria avançar para a venda dos estabelecimentos comerciais das empresas. Na verdade, resultou provado que o arguido AA não vendeu verdadeiramente as participações sociais, pois que nada recebeu como contrapartida, e que apesar de serem os co-arguidos quem ia às instalações receber o dinheiro e cheques da gestão diária das empresas, aquele continuava a tratar de assuntos das mesmas, como ilustram os mails impressos e juntos aos autos, bem assim como os cheques assinados por si até .... Igualmente, ficou o Tribunal convencido que, após a penhora sem remoção efectuada no âmbito da execução intentada pela ..., o arguido AA, fiel depositário de tais bens, decidiu, em conluio com os co-arguidos, ficcionar dividas da duas sociedades pré-insolventes, por forma a dar a aparência de legitimidade para proceder a outras penhoras já com remoção, e aproveitando-se para retirar todos os bens que ali se encontrassem, incluindo os registos contabilisticos (que apenas foram conhecidos através do ... contactado pela investigação policial), fazendo desaparecer tais bens para paradeiro desconhecido até aos dias de hoje, - frise-se que 1) não foram removidos quaisquer bens na execução intentada pela ... (veja-se o respectivo auto de penhora); 2) que apesar da penhora com remoção de bens efectuada nas execuções intentadas pela ... contra a ..., tais bens não foram nem vendidos nem encontrados (veja-se o depoimento da agente de execução XXX); 3) apesar de tais execuções não terem sido apensas aos respectivos processos de insolvência, nestes foram efectuadas diligencias pelo administrador de insolvência, no sentido de localizar e apreender bens das sociedades, nada se tendo conseguido apreender ou apurar (vejam-se os ofícios juntos já no decurso da audiência de julgamento e os documentos de fls. 113 e ss., 148 e ss.).
Todo o esquema, apenas foi possível graças à colaboração dos co-arguidos CC e BB (cuja defesa, nas próprias alegações finais, os assumiu como testas de ferro), que se disponibilizaram quer para figurar como titulares dos órgãos sociais das empresas, emitindo cheques e dando ordens de transferências como tal, quer para substituírem nas instalações das empresas o arguido AA, procedendo à recolha diária dos valores da caixa e criando um artificio por forma a permitir a propositura de várias execuções em que figurava como exequente a ... (inicialmente titulada pela mulher do arguido BB e depois transmitida, ficticiamente, para um cidadão estrangeiro, que não foi possível localizar), sendo óbvia a inexistência de relações comerciais ou outras que justificassem tais dividas (baseadas em quatro cheques com datas praticamente coincidentes e titulando o mesmo valor), por forma a viabilizar a aparência de uma penhora com remoção, afastando suspeitas imediatas sobre a dissipação dos bens das instalações onde ainda se encontravam vários trabalhadores.
O Tribunal ficou ainda convencido que:
- a transmissão das quotas e acções das duas sociedades comerciais, declaradas insolventes, à mesma pessoa, o arguido CC, que não teve contacto nem com trabalhadores das empresas nem com os credores, como a ..., não tendo sido apresentados documentos comprovativos dos pagamentos de tais negócios jurídicos, permite concluir pela simulação de tais negócios;
- acresce que também a sociedade comercial ..., em ... foi transmitida pelo arguido AA para a ... e para TT, pelo valor total de € 100.000, sem que igualmente haja comprovativos da veracidade de tal transmissão;
- a penhora realizada no âmbito da execução intentada pela ..., onde inclusivamente se penhorou o direito ao trespasse do estabelecimento comercial, sendo nomeado fiel depositário o arguido AA, deve ser conciliada com o facto de à data das transmissões das participações sociais, os bens pertencentes à ... se encontrarem nas instalações desta, aí permanecendo até ..., havendo já sido anunciada, em reunião de ..., por aquela credora ao arguido AA, que ia proceder à venda dos estabelecimentos comerciais;
- as insolvências declaradas em ........2014 (...) e ........2015 (...), reportam a situações de pré-falência, verificadas antes da transmissão das participações sociais;
- a falta de acesso as registos contabilísticos, com desaparecimento dos mesmos das instalações, quando nenhum interesse revelam para eventuais credores, não pode deixar de considerar-se como propositada;
- a estranheza da execução n.° 2230/13 da ... contra a ... com penhora e remoção em ........2013, de todos os bens de valor que ali se encontravam, com a presença do arguido CC, que raramente ali se deslocava, tendo sido nomeado como fiel depositário cidadão estrangeiro que não foi posteriormente localizado, verificando- se ter sido impossível localizar quer as instalações de tal sociedade ... quer os bens penhorados e removidos, bem como o fiel depositário; note-se que foram intentadas outras execuções, n.°s 2229/13 (fls. 739 e ss.) e 2303/13 (fls. 754 e ss.), 2304/13 (fls. 761 e ss.) nos mesmos moldes, mas em que não houve penhora de bens nem remoção nas duas últimas execuções identificadas, - não pode deixar de levar à conclusão que se trataram de dividas artificiosamente criadas tendo em vista legitimar a remoção dos bens da ...;
- todas estas execuções intentadas pela ... têm por base como titulo executivo cheques, no valor de €7.500, cada um, da ... assinados os quatro cheques pelo arguido CC, todos datados de ..., cheques esse devolvidos por falta de provisão, sendo que à data da emissão de tais cheques, as contas bancárias não tinham fundos suficientes;
- dos balancetes analíticos da … (vide relatório pericial) não foi detectada qualquer relação comercial entre esta empresa insolvente e a ...;
- a sociedade comercial ... foi constituída tendo como sócia gerente a mulher do arguido BB, e foi transmitida, no final de ..., a totalidade das quotas a um cidadão estrangeiro que não foi localizado, e que não teve qualquer interacção com as empresas ... ao contrário do arguido BB;
- a actividade das sociedades … e ... terminou com a remoção dos bens que constituíam os instrumentos de trabalho dos trabalhadores, sendo que para além disso ainda foram feitas retirados bens daquelas instalações, sem qualquer fundamento dado a conhecer aos trabalhadores
- o arguido CC, individuo que não sabe ler nem escrever, igualmente não apresenta no seu percurso profissional qualquer experiencia na gestão de sociedade comerciais, muito menos ligadas ao comércio de pneus;
- o ... substituído a mando do arguido BB pertencia à empresa ..., pertença do irmão do arguido, que não quis prestar depoimento.
Por fim refira-se que a prova dos factos 61, 114, 115, 116, 117, 118, resulta da conjugação dos inúmeros factos objectivos comprovados, e apesar da prova circunstancial e indiciária (hoc sensu, de factualidade instrumental) por si, isoladamente, não ter, nem dever ter qualquer valor, porquanto não é prova directa, a verdade é que os diversos indícios e circunstancialismos apurados em sede de audiência de julgamento, podem constituir fonte de convencimento e de convicção, se todos em conjunto, constituírem uma prova, conseguida com a lógica conjunção de uns nos outros, (neste sentido, AAAA, in "Sul principio del Libero Convincimento del Giudice nel Proceso Penal", ..., ... A. ...).
Na prova indirecta o sistema probatório alicerça-se no tipo de raciocínio indutivo, para prova de certos factos, como sejam entre outros, os relativos aos elementos subjectivos do tipo, não havendo confissão. Aí, a prova indiciária é suficiente para determinar a participação do agente no facto punível se estando provados os factos base (requisito de ordem formal) os indícios estiverem demonstrados por prova directa (requisito material) e estes forem de natureza acusatória, plurais e contemporâneos do facto a provar e sendo vários estiverem interrelacionados, reforçando assim o juízo de inferência (e a certeza do facto).
Por isso foi possível chegar à descoberta dos factos, afastando a versão do arguido AA, dadas as contradições e insuficiências óbvias das suas declarações perante a consistência do demais substrato probatório. Reunidos os vários factos instrumentais apurados, pode firmar-se consistentemente a convicção de que os arguidos planearam efectivamente uma estratégia para desvio de fundos e activos das duas sociedades, prejudicando os fornecedores, como a ..., e os trabalhadores.
Em suma, a prova produzida, convenceu o Tribunal no sentido do acervo fáctico trazido pela acusação, pois o Tribunal ficou convicto de que efectivamente os arguidos agiram tal como descrito na acusação à excepção de detalhes que não resultaram apurados relativos à intervenção dos arguidos. Para além do depoimento isento e objectivo das testemunhas, não pode menosprezar-se o valor da prova pré-constituída, sobejamente referida supra.
3. Apreciando
Nos termos do estatuído no art. 368.º aplicável ex vi art. 424.º n.º 2, ambos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer, em primeiro lugar das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão e só após das que a este respeitem, começando pelas relativas à matéria de facto, e, dentro destas, dos vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP e depois pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada. Finalmente, e sendo o caso, debruçar-se-á sobre os assuntos respeitantes à matéria de direito.
Nessa medida, independentemente da ordem pela qual os recorrentes suscitam as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, tendo por referência a ordem indicada na disposição legal citada.
3.1. Da nulidade do acórdão por violação do contraditório (recurso AA)
Nessa perspetiva, cumpre, antes de mais, abordar esta questão suscitada pelo arguido AA, pois que o mesmo considera que um conjunto relevante de documentos, que fundamentaram a sua condenação quanto à prática do crime de descaminho, não foi examinado, apreciado ou discutido em audiência de julgamento, e tão pouco foi confrontado com o seu teor.
Em observação está o art. 355.º do CPP e consequente violação do direito ao contraditório sobre a prova que, no limite, implicaria o reenvio do processo para reabertura da audiência de julgamento, de modo a permitir novas alegações orais para o efeito.
Porém, não é esse o caso, sem prejuízo de que a alegação em causa sempre teria sido evitada se o tribunal recorrido, de forma mais prudente, tivesse perguntado aos intervenientes, no final do julgamento, se consideravam todas as provas examinadas ou se alguma pretendiam examinar em particular, isso consignando em ata.
Não obstante, não sendo tal obrigatório, certo é estarmos no âmbito de prova pré-constituída (documentos), que por isso mesmo se traduz numa exceção ao regime geral de produção e exame das provas em audiência – art. 355.º, n.º 1 do CPP.
Melhor dizendo, e citando Paulo Dá Mesquita em comentário ao artigo 355.º do CPP (in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, setembro 2022, pág. 588, nota § 49), “O entendimento claramente maioritário da jurisprudência nacional tem sido no sentido de que o exame imposto pelo art. 355.º/1 como corolário da imediação quando se reporte a provas pré-constituídas extraprocessuais não tem de decorrer perante as partes e durante a audiência pública – v.g. acs. STJ, 19.01.1997 (MARTINS RAMIRES); RP, 19.04.2006 (PAULO VALÉRIO). Ou seja, não tem de haver lugar à leitura em audiência de toda a prova documental produzida fora do processo. A rejeição jurisprudencial de um ritual de leitura de todos os documentos foi sufragada, no plano da constitucionalidade, pelo TC no Ac. 87/1999 (VITOR NUNES ALMEIDA) onde se conclui de forma perentória que nada impõe esse ato de reprodução quando o arguido teve oportunamente acesso a toda a prova documental.”
Em suma, a documentação em causa consta validamente do processo e estava disponível para consulta, pelo que não tinha que ser obrigatoriamente examinada ou lida em audiência, nada tendo obstado a que o recorrente, assim o querendo, a tivesse contraditado em julgamento.
Improcede, pois, esse argumento recursivo.
3.2. Do erro de julgamento (ambos os recursos)
Conforme resulta do art. 428.º, n.º 1, do CPP “as relações conhecem de facto e de direito”.
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de revista alargada);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP (impugnação em sentido lato).
In casu, apelam os recorrentes à verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, sendo o recorrente AA por referência às als. a) e b) do CPP, enquanto os recorrentes BB e CC apenas por referência à al. b) desse mesmo dispositivo.
Estão, pois, em foco os vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP, que sendo de conhecimento oficioso devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à sua verificação do texto da decisão recorrida e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426.º, n.º 1 do CPP).
Quanto ao primeiro dos vícios - al. a) -, também nós entendemos, à semelhança do Ministério Público em resposta ao recurso do arguido, que na conclusão B o recorrente AA, ao afirmar que inexiste matéria suficiente que sustente a sua condenação, está a invocar, ainda que de forma não expressa, o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão do de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher ” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª ed. 2020, Editora Rei dos Livros, p. 75).
Porém, não encontramos no texto da decisão recorrida qualquer sustentação para sua verificação, concretamente, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito. Ao invés, antes se nos afigura que aquilo que o recorrente efetivamente sustenta é que o tribunal não deveria ter dado como assentes os factos que deu, o que confunde com o vício da al. a) do n.º 1 do art. 410.º do CPP, que tem a ver com a matéria de facto em si mesma considerada ser ou não suficiente para a decisão de direito que foi alcançada pelo tribunal recorrido, independentemente da valia desta.
Já quanto ao vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão“incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão” (in op. cit. p. 78), qualquer um dos recorrentes o invoca expressamente.
Assim, o recorrente AA entende que o acórdão recorrido padece do vício em questão no que concerne aos factos provados nos pontos 4, 5, 16, 17, 30, 104, 113, 114, 115 e 118.
Alega que existe contradição entre os factos n.ºs 4, 5, 16, 17, 68, 95, 104, 113, (dos quais resulta que os arguidos CC e BB assumiram os destinos das sociedades em referência a partir de ........2013) e o facto n.º 30 (de onde resulta que o arguido AA manteve-se como gerente de facto), defendendo não se perceber se este facto se refere apenas e só à sociedade ..., onde este arguido AA se manteve como gerente até ..., ou às demais sociedades. Mais defende que ocorre a contradição insanável na fundamentação, porquanto do elenco dos factos dados por provados não resulta qualquer facto concreto que impute ao arguido AA qualquer ato concreto de gerência ou de gestão das sociedades em referência após o final de ....
Contudo, olhando nós ao texto da decisão recorrida, não o alcançamos, uma vez que não percebemos qualquer oposição, concretamente, qualquer premissa inconciliável ou contraditória, ou qualquer contrariedade entre a decisão da matéria de facto e a respetiva fundamentação.
Melhor dizendo, e como bem sintetiza a Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso, por contraposição ao alegado pelo recorrente, “a contradição invocada pelo recorrente não existe, porquanto, o Tribunal “a quo”, ante a prova produzida, ficou convencido que - no desenvolvimento cronológico da gerência -de facto e de direito - por parte dos arguidos nas sociedades insolventes — o recorrente, após a venda das suas partes societárias, manteve a gerência de facto das mesmas.”
Pois bem, também na nossa perspetiva, aquilo que o recorrente pretende constituir uma contradição insanável corresponde a uma outra leitura da factualidade apurada, em contraposição com a versão dada como provada pelo tribunal recorrido.
Por seu turno, consideram os recorrentes CC e BB que os factos provados sob os números 7, 8, 16, 17, 68, 95, 104, 113 estão em manifesta contradição com os não provados sob os n.°s 7 e 16, sem concretizarem a incompatibilidade propriamente dita, antes se limitando a transcrever o respetivo teor.
Pois bem, olhando nós aos mesmos não verificamos a ocorrência de qualquer incompatibilidade entre os factos provados e os não provados.
Ao invés, afigura-se-nos que estes últimos se reconduzem, conforme bem observado pela Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso correspondente, a uma atuação individualizada do arguido CC, da qual o tribunal recorrido entendeu não ter sido feita prova, pretendendo os recorrentes descontextualizar os factos provados e não provados da imagem global do evento e da sua dinâmica, procurando impor uma outra leitura dos mesmos.
Verdadeiramente, olhando às respetivas peça recursivas, resulta que os recorrentes laboram em “confusão” ao se referirem ao vício em questão, quando o que realmente pretendem é impugnar a matéria de facto, discordando do correspondente juízo probatório e com isso sindicar a valorização dos meios de prova realizada pelo tribunal a quo.
Contudo, impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que os recorrentes enumerem/especifiquem os pontos de facto que consideram incorretamente julgados, bem como que indiquem as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, como também, sendo o caso, as que devem ser renovadas, assim como que especifiquem, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a colmatar erros de procedimento ou de julgamento.
Se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que os recorrentes na indicação das concretas provas tornem percetível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indicam impõem decisão diversa da recorrida.
Ora, no caso do recurso interposto pelo arguido AA, depreende-se da leitura da respetiva peça recursiva que considera ter existido erro de julgamento, concretamente, por referência aos pontos 30, 59, 60, 61 (61.1, 61.2, 61.3, 61.4. 61.5 e 61.6) 63, 64, 99 a 101, 106, 111 a 119 e 126, defendendo que tais factos dados como provados deveriam ter sido considerados como não provados.
Fundamenta a impugnação da matéria de facto nas suas próprias declaração (sem que quanto a estas dê cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 412.º do CPP, pois que não indica as passagens da gravação áudio das declarações prestadas em audiência, em que a impugnação se funda, o que desde logo se impunha, inclusive quanto ao alegado quanto ao facto provado em 126), nos depoimentos das testemunhas HH, II, OO, BBBB, RRR, FF e CCCC (crime de descaminho), criticando ainda aquilo que considera ter sido uma análise pouco rigorosa da documentação junta aos autos ou mesmo uma sua não análise em julgamento, conforme já observado/respondido no ponto 3.1. da presente peça processual.
Por sua vez, no caso do recurso interposto pelos arguidos BB e CC, de igual modo se depreende que os mesmos consideram ter ocorrido erro de julgamento, desta feita por referência aos factos provados em 7, 8, 16, 17, 41, 61, 62, 64, 68, 71, 73, 83, 86, 92, 95, 101, 104, 105, 106, 111, 113, 115, 116, 117 e 119.
O arguido CC fundamenta a impugnação da matéria de facto nos depoimentos das testemunhas HH, II, KK e QQ, enquanto o arguido BB o faz por referência aos depoimentos das testemunhas HH, II, MM, OO, PP e QQ.
Porém, conquanto os recorrentes individualizem os factos que consideram incorretamente julgados, não dão cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, pois que não indicam qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa em relação aos mesmos.
Com efeito, não invocam em seu apoio meios de prova que não tivessem sido considerados pelo tribunal a quo, mas antes questionam a avaliação que o tribunal fez daqueles, sem que apontem quaisquer factos concludentes que permitam contraditar a apreciação efetuada.
Efetivamente, aquilo que resulta das conclusões de ambos os recursos é, tão só, a divergência entre a convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que é manifestamente insuficiente face à livre apreciação do julgador - art. 127.º do CPP.
Em outras palavras, enquanto os recorrentes procedem à sua própria leitura da prova, toldada pela perspetiva de interessado direto no resultado, constata-se, olhando à motivação “supra” transcrita, decorrente da prova efetivamente produzida, que o tribunal recorrido procurou e justificou a cronologia dos factos, numa análise exímia e global, assente não apenas nos depoimentos indicados pelos arguidos, mas no conjunto da prova documental produzida (e na ausência dela, desde logo quanto à circunstância, que sublinhou, de não poder deixar de considerar-se como propositada a falta de acesso aos registos contabilísticos, com desaparecimento dos mesmos), que permitiu recriar de forma válida o filme dos acontecimentos quanto à atuação dos três arguidos.
Ou seja, o tribunal recorrido encontrou acerto, de forma plenamente justificada, naquilo que efetivamente importa, a saber, que o conjunto de prova produzida foi suficiente para confirmar o acervo fáctico, no sentido de ter sido delineada e concretizada uma estratégia quanto à desvinculação formal do arguido AA da direcção das empresas e assim impedir a satisfação dos créditos dos credores, sendo que todo o esquema, apenas foi possível graças à colaboração dos coarguidos CC e BB, que se disponibilizaram quer para figurar como titulares dos órgãos sociais das empresas, quer para substituírem nas instalações das empresas o arguido AA, procedendo à recolha diária dos valores da caixa e criando um artificio por forma a permitir a propositura de várias execuções.
Deveras, da análise da peça processual colocada em crise, em confronto com a fundamentação de facto da decisão, que acima se deixou integralmente transcrita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro, antes sendo notório e ponto assente que a leitura da prova produzida proposta pelos arguidos não convenceu o tribunal a quo.
Melhor dizendo, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que os arguidos pretendem ver como não provados é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo estas sido apreciadas segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do CPP.
Destarte, não merece qualquer censura, visto que não foi obtido através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou contra as regras de experiência comum, ou sequer afronta o princípio in dubio pro reo.
Assim considerando, improcede a verificação de qualquer vício, que sempre seria de conhecimento oficioso, bem como o invocado erro na decisão sobre a matéria de facto, sendo ambos os recursos não providos quanto a esses segmentos.
3.3. Da inconstitucionalidade da interpretação do art. 227.º do CP (recurso BB e CC)
Sem embargo, certo é que os recorrentes entendem ser inconstitucional, por violadora dos artigos 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 227.º do Código Penal, no sentido que as condutas posteriores à situação de insolvência, e assim destas não causais, continuem a ser punidos como elementos de facto típico.
Ou seja, na sua perspetiva, para lhes possa ser imputado o crime de insolvência dolosa, “é necessário que a situação de insolvência resulte após as condutas incriminatórias”.
Ora, sem prejuízo de se considerar que a dita a alegação é, por si só, insuficiente, pois que os recorrentes não concretizam em que consiste a dita inconstitucionalidade, desde já adiantamos não lhes assistir razão.
É que também nós não ignoramos não ser de confundir “situação de insolvência” com a “declaração de insolvência”, pois esta supõe necessariamente a verificação do estado que a declara (cf. conclusão 10).
Porém, aquilo que resulta da factualidade tida como assente é que as declarações de insolvência ocorreram, respetivamente, em ........2014 (sociedade ... facto provado em 102), e em ........2015 (sociedade ..., facto provado em 103).
Nessa medida, e como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso, “os factos imputados aos recorrentes foram praticados, na sua maioria, no ano de ..., pelo que todas as condutas que lhes são imputadas foram consumadas em datas anteriores àquela condição de punibilidade (declaração judicial de insolvência) e estavam sancionados como factos ilícitos previstos no art.° 227.°/1 e 229.°-A do CP., na data da sua prática.”
Assim sendo, não se verifica a situação apontada pelos recorrentes para a referida inconstitucionalidade da interpretação do art. 227.° do CP, por violação dos arts. 18.º e 29.º da CRP, uma vez que o crime imputado aos recorrentes estava previsto no art. 227.º do CP, em vigor na data dos factos.
Desta feita, sendo evidente a sem razão dos recorrentes, improcede o recurso quanto à invocada inconstitucionalidade.
3.4. Da qualificação jurídica dos factos e da prescrição (recurso BB e CC)
Os arguidos BB e CC mostram-se condenados pela prática, em coautoria material, de dois crimes de insolvência dolosa agravados, p. e p. pelos arts. 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal.
Não obstante, e segundo alegam, “não tendo exercido a gerência/administração de facto das sociedades insolventes, a entender-se que existe responsabilidade criminal destes arguidos CC e BB, na insolvência das sociedades ... e ...,, o que não se admite, essa responsabilidade deve-lhes ser imputada enquanto terceiros nos termos do artigo 227° n.°2 do Código Penal.”
Almejam a atenuação especial da pena (e com isso a prescrição do procedimento criminal, a considerar-se os mesmos como terceiros para efeitos do artigo 227.° n.° 2 do Código Penal), tendo já levantado a questão em sede de alegações finais, que por isso mereceu as seguintes considerações (transcrição):
«Uma vez que a defesa dos arguidos CC e BB, em sede de alegações finais convocou a questão da especial atenuação em virtude destes arguidos alegadamente assumirem a natureza de terceiros, cumpre tecer algumas considerações.
A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1007/16.1T9CBR.C1, in www.dgsi.pt onde se refere que “o crime de insolvência dolosa é um crime de execução vinculada e um crime especifico próprio, na medida em que a ilicitude das acções típicas descritas depende de determinadas qualidades do agente, que o coloca numa relação especial com o bem jurídico protegido, em concreto o devedor cuja insolvência possa ser objecto de reconhecimento judicial (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 627, Maia Gonçalves, Código Penal Português – anotado e comentado, p. 707 e Pedro Caeiro, Sobre a Natureza dos Crimes Falenciais (o património, a falência e a sua incriminação e a reforma dela), p. 173 e Anotações aos artigos 227.º e 229.º do Comentário Conimbricense, p. 408). As condutas previstas no n.º 1, do artigo 227.º, mesmo quando materialmente levadas a cabo por qualquer pessoa, só consubstanciam ilícitos típicos quando realizadas pelo devedor (originário ou derivado do artigo 12.º). O devedor detém em exclusivo o poder de lesar ou colocar em perigo os direitos dos seus credores, - Teresa Quintela e Brito, Domínio da Organização para a Execução de Facto: Responsabilidade penal pelos Entes Colectivos, dos seus Dirigentes e actuação em nome de outrem, p. 1606/1607.
Porém, prevendo que grande parte das condutas típicas podem ser praticadas por terceiros, quis o legislador, com o n.º 2, do artigo 227.º, do Código Penal, punir o terceiro que as praticar com conhecimento do devedor e em benefício deste, posto que de outra forma, o terceiro não seria punível se não se provasse a comparticipação.”
Vertendo ao caso decidendo, tendo sido dado como provado que as sociedades ... e ... foram declaradas insolventes por sentenças transitadas em julgado, detendo a qualidade típica de devedoras quer com fornecedores quer com trabalhadores, não restam dúvidas que os arguidos CC, exercendo a administração de direito, e BB, exercendo a gerência e administração de facto das insolventes, a qualidade de devedores a eles se estende por via da representação ou de terceiro. Assim, decorre do artigo 12.° do Código Penal que permite responsabilizar criminalmente quem actua voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, ainda que o tipo de crime exija elementos pessoais que se verificam directamente na pessoa do representado, a saber, na sociedade (alínea a)); ou exige que agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado (alínea b)).
E tal como ensina o acórdão do TRC supra citado, “por força da cláusula de extensão do tipo prevista no artigo 12° do Código Penal, a qualidade da sociedade da devedora insolvente exigida pelo n.° 1, do artigo 227.° do Código Penal, transmite-se às pessoas singulares que, em nome daquela, exerçam a respectiva gerência ou administração de facto e/ou de direito, podendo, assim, ser responsabilizados criminalmente como autores imediatos do crime de insolvência dolosa. (...) Quando o devedor for uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação, a incriminação recai no agente que actue voluntariamente como titular do respectivo órgão, ou em representação legal ou voluntária do mesmo, [por extensão da qualidade de devedor, ao abrigo do disposto no artigo 12.° e 227.°, n.° 1] ou exercer de facto a gestão ou tiver a direcção efectiva do ente colectivo, nos termos do artigo 227, n.° 3, ou, ainda se não tendo nenhuma das qualidades descritas, agir com o conhecimento do devedor e em beneficio deste.
Com esta extensão, assegurou o legislador, como era sua intenção, a tutela do património dos credores, pois, se o agente físico - rectius administrador - não fosse punido, os crimes insolvenciais ficariam desprovidos de qualquer tutela, na medida em que a pessoa colectiva não é responsável pelos mesmos. Neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal Relação de Coimbra de 13 de março de 2019 (Relatora: Desembargadora Elisa Sales).
Já quanto ao terceiro - aquele que praticar as condutas descritas como conhecimento do devedor ou em beneficio deste - a incriminação não resulta da extensão da qualidade de devedor, mas da autonomia que lhe é conferida pelo artigo 227.°, n.° 2, do Código Penal.
Terceiro, para efeitos de responsabilidade criminal, é «alguém para quem não é transferível juridicamente a caracterização objectiva do autor e que, portanto, não possui (ou pode não possuir) sequer o elemento subjectivo especial da ilicitude (a intenção de prejudicar os credores); assim a sua responsabilidade atenuada adequa-se a um menor desvalor da acção relativamente ao património dos credores» [Fernanda Palma, Aspectos Penais da Insolvência e da Falência, RFDUL, vol. XXXVI, n.° 2, p. 412]..
Por consequência, o terceiro a que alude o artigo 227.°, n.° 2, do Código Penal, não pode ser nem o titular do órgão ou representante do devedor (punido pelo artigo 12.°); nem administrador/gerente de facto do devedor (punido pelo n.° 3, do artigo 227.°); nem o comparticipante do devedor nos termos dos artigos 26.° a 28, a Código Penal. - [Pedro Caeiro, Anotações aos artigos 227.° e 229.° do Comentário Conimbricense, p. 430-431]. “
No caso em análise, o arguido BB exerceu funções de gerente e de direcção efectiva das sociedades, recolhendo os valores, dando instruções aos trabalhadores, e o arguido CC, enquanto titular do órgão de gerência e de adminstração e em representação daquelas, assinou cheques e permitiu penhora com remoção das instalações das empresas, assinou documentos para atribuição de subsídio de desemprego. Isto é, os arguidos CC e BB ao praticarem os factos típicos respetivos voluntariamente e em nome das sociedades ... como titulares de facto e de direito dos órgãos societários, constituíram-se autores imediatos do crime de insolvência dolosa, em conformidade com o disposto nos artigos 11°. e 12.° e 227.°, n.° 3, todos do Código Penal.
Concluindo, não são assim terceiros, para efeitos do preceito legal, os gerentes/administradores de facto, pois que a sua posição fáctica de domínio impõe-lhes os mesmos deveres que incumbem ao devedor. Ora, os arguidos BB, enquanto gestor/administrador de facto, e o CC enquanto gerente e administrador de direito das duas sociedades, entretanto declaradas insolventes, não podem deixar de ser responsabilizados porque praticaram condutas em prejuízo do devedor (… e ...) em beneficio do arguido AA, anterior sócio/acionista, tendo como objectivo desresponsabilizá-lo e descapitalizar as empresas, prejudicando credores, concretamente a ... e os trabalhadores, como veio a verificar-se.
Verificou-se uma diminuição real do património pois que não se apurou o paradeiro dos bens que se deviam encontrar na titularidade das empresas insolventes, tendo efectivamente sido objecto de uma penhora fictícia, através de execução intentada pela ..., pelo que ficou ostensivamente depauperado o património das empresas.
Simultaneamente, verificou-se a invocação de dividas fictícias, com títulos executivos forjados, com aumento artificial do passivo permitindo subsequentemente a sonegação física dos bens pertencentes às sociedades, bem assim como a ocultação de registos contabilísticos, que tornou impossível a reconstituição da actividade jurídico-económica das devedoras, acrescendo a dissipação de proveitos conseguida através de utilização de ... ligado a conta bancária pertencente a outra sociedade que não as duas declaradas insolventes.
Acresce que o arguido AA, apresentando o arguido BB como novo investidor e como solução para as dificuldades das empresas pretendeu maquilhar a situação de crise, já existente, e assim retardar a assunção da situação calamitosa das empresas, que era ostensiva desde a penhora efectuada pela ....
Também a confusão entre a ... e a ..., com partilha de funcionários, instalações, instrumentos de trabalho, e mercadoria (recordem-se as cedências de pneus entre as duas referidas por vários dos funcionários inquiridos, com documentos respectivos, mas sem pagamentos ou entradas de caixa), ilustram a desorganização na gestão e permitem encapotar situação de dificuldades de tesouraria, que vieram a culminar em ambas as insolvências.
Face ao supra exposto, devem os três arguidos ser condenados pela prática em co- autoria, de um crime de insolvência dolosa, p.p. pelos art. 227° e 229°-A, em virtude de terem sido defraudados os créditos salariais dos trabalhadores de ambas as empresas
Ora, tendo falecido a pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mostra-se definitivamente assente que os recorrentes representavam, quer de facto, quer de direito, as sociedades insolventes (devedoras), tendo sido nessa qualidade que foram responsabilizados criminalmente.
Sintetizando e fazendo uso das palavras da Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso, “apesar da qualidade de devedor pertencer às sociedades insolventes, foram os recorrentes (em coautoria com o outro arguido) quem, convocando a qualidade de gerentes, seus legais representantes, agiram em nome das mesmas, no âmbito dos poderes que lhes foram atribuídos, praticando os actos típicos que integram a prática do crime de insolvência dolosa.”
Por conseguinte, nada há a apontar à subsunção jurídica operada pelo tribunal a quo, que se acompanha, não existindo qualquer razão para a pretendida alteração da qualificação jurídica dos crimes.
Do mesmo modo, não havendo lugar à alteração da qualificação jurídica dos factos, improcede a invocada prescrição, pois que aquilo que está em causa é a moldura legal aplicável ao crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelos arts. 227.°, n.° 1, al. b) e 229.°-A, ambos do Código Penal, sendo tanto nos termos decididos pela 1ª instância (transcrição):
« Os crimes de insolvência dolosa agravada, p.p. pelos art. 227° e 229°-A do C.Penal, pelos quais os arguidos BB, CC e AA se encontram acusados e pronunciados nos presentes autos ocorreram ao longo do ano de ..., sendo que as penas máximas aplicáveis pela prática do mesmo são de 5 anos de prisão ou 600 dias de multa, agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo (art. 229°-A), se, em consequência da prática de qualquer dos factos ali descritos, resultarem frustrados créditos de natureza laboral, em sede de processo executivo ou processo especial de insolvência, como é o caso dos autos.
In casu, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, contados após a data da prática dos factos, nos termos do disposto no art. 118°, n.° 1 alínea b), do C.Penal. Este prazo expirou em dezembro de 2023.
Mas, para além deste prazo há sempre que considerar o prazo de 15 anos conforme o disposto no art. 121º, n.º 3 do citado diploma legal, que estabelece um prazo máximo de prescrição, com vista a que não se eternize a possibilidade de proceder criminalmente contra o agente de uma infracção, sem prejuízo das regras de suspensão e interrupção dos prazos de prescrição. Tal prazo não decorreu ainda, em virtude da ocorrência de causas de suspensão do procedimento criminal, cfr. art. 120, n.° 1 al. b) do C.Penal,e de causas de interrupção do mesmo procedimento, cfr. art art. 121°, n.° 1, als. a), b), c) e d) do C.Penal, sendo que apenas se atingirá em ....
Face ao supra exposto, o presente procedimento criminal não prescreveu, o que se declara ao abrigo do disposto nos art. 118º, 120º, 121º do C.Penal.»
Em suma, improcede o recurso em ambos os segmentos.
3.5. Da atenuação especial da pena (ambos os recursos)
Pugnam os recorrentes pela aplicação da atenuação especial das penas respetivas.
Para tal, invoca o arguido AA o seu percurso, anterior e posterior aos factos e bem assim a alegada circunstância “de não ter tido qualquer intervenção direta na vida das sociedades depois de ceder as quotas e ações das sociedades e de renunciar à gerência das mesmas.”
Já os arguidos BB e CC invocam a circunstância de os factos remontarem a ..., considerando não lhes ser imputável aquilo que classificam de “excessiva duração do processo”, para além de não terem qualquer condenação por factos posteriores.
Vejamos.
Em termos práticos, pretendem os recorrentes que a delimitação da medida legal ou abstrata da pena aplicável assente na construção de uma moldura penal atenuada (art. 73.º do CP).
Tanto ser-lhes-ia naturalmente mais benéfico, pois que se traduziria na desconsideração daquela que foi ponderada pelo tribunal a quo, que atendeu à situação de o crime de insolvência dolosa ser punido com pena entre 40 dias a 6 anos e 8 meses e o crime de descaminho com pena até 5 anos de prisão.
Pressuposto da aplicação do regime da atenuação especial, nos termos que resultam do art. 72.º do CP, para além dos casos expressamente previstos na lei, é que “existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” - n.º 1, prevendo a lei, entre outras, a referida pelos arguidos BB e CC, ou seja, o “ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta” - n.º 2, al. d).
Em causa está, pois, no dizer de Figueiredo Dias, uma “válvula de segurança”, aplicável “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva (…) conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 302).
Contudo, e considerando, para além do mais, que o tribunal de recurso apenas intervém na pena quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo, não se vislumbra que a factualidade provada permita concluir nos termos pretendidos pelos recorrentes, concretamente, por uma acentuada diminuição da ilicitude do facto.
Pelo contrário, e nos termos explanados pelo tribunal recorrido, aquilo que se vislumbra, é o seguinte:
AA (transcrição):
(…) o grau de ilicitude é elevado, tendo em conta os valores devidos à ... e aos trabalhadores, e a forma de dissimulação utilizada pelo arguido, que simulou toda uma situação para se desresponsabilizar;
o dolo do arguido foi directo e intenso, pois que este tinha plena consciência de que actuava contra os interesses dos fornecedores e trabalhadores, tendo, mesmo assim, persistido nas suas condutas criminosas, engendrando várias formas de se evitar os pagamentos devidos, levando a cabo uma mise en scene que durou mais de seis meses;
tem ainda de considerar-se o facto de o arguido não ter assumido a sua responsabilidade, pelo contrário desresponsabilizou-se, atirando as culpas quer para os co-arguidos, quer para o ... falecido, nem revelou qualquer arrependimento ou interiorização dos valores violados;
(…)
BB (transcrição):
considerando o dolo directo com que agiu, e a intensidade da actividade que desenvolveu, assumindo a gestão prática das duas empresas, utilizando as empresas dos seus familiares, mulher e irmão, para a concretização do plano, operando como ponto de ligação entre os co-arguidos AA e CC (uma vez que foi quem foi apresentado pelo arguido AA aos trabalhadores como novo investidor);
o facto de não ter assumido a sua responsabilidade nem nada ter feito a fim de reparar os danos causados;
o facto de possuir um antecedente criminal, com aplicação de pena de multa (já paga), mas relativo a factos posteriores aos dos autos, pelo que deve considerar-se que à data do facto criminoso era primário;
(…)
CC (transcrição):
considerando o dolo directo com que agiu e a intensidade da actividade que desenvolveu, assumindo a titularidade das participações sociais das duas empresas, emitindo cheques que viabilizaram a execuções que deram azo às penhoras com remoção, assinando documentos para atribuição de subsidio de desemprego;
o facto de não ter assumido a sua responsabilidade nem nada ter feito a fim de reparar os danos causados;
(…)
Sopesando, não impressiona a circunstância de o arguido AA não registar antecedentes criminais, mesmo que entendida no sentido de bom comportamento anterior, pois que tal é comum à maior parte dos cidadãos colocados na mesma exata situação.
De igual modo não é invulgar a circunstância de os factos não serem recentes, antes encontrando justificação nas dificuldades de investigação associadas à criminalidade em apreço.
Na mesma linha, não é impactante a inexistência de condenações por factos posteriores (que nem sequer é verdadeira quanto ao arguido BB), pois tal não assume qualquer excecionalidade.
Melhor dizendo, sobrepõem-se à almejada atenuação todos aqueles fatores apontados pelo tribunal recorrido, que deixámos transcritos, sendo os mesmos inconciliáveis com a construção de uma moldura penal atenuada.
Por conseguinte, não identificamos na determinação da pena operada pelo tribunal a quo qualquer incorreção que demande intervenção da nossa parte, sendo, pois, de manter.
3.6. Do pedido de indemnização civil (ambos os recursos)
Por último, contestam os três arguidos a sua condenação solidária no tocante ao pedido de indemnização cível, pois que consideram não ter dado causa ao não recebimento do montante indemnizatório pela demandante, no valor de €347.410,10.
Ora, tendo falecido a impugnação do julgamento da matéria de facto, permanece incólume a factualidade tida como assente, de onde resulta a atualidade do decidido, concretamente, que os recorrentes, por força dos seus comportamentos ilícitos e culposos, têm a obrigação de indemnizar a demandante ..., não só pela não satisfação do crédito, como também pelos danos decorrentes da privação dos bens subtraídos pelos arguidos, e que já haviam sido previamente penhorados.
Melhor dizendo, nenhum reparo cumpre realizar ao decidido pela 1ª instância, sendo absolutamente válidos e pertinentes todos os considerandos a esse propósito tecidos pelo tribunal recorrido, de onde se destaca (transcrição):
Descendo ao caso dos autos, recorde-se que peticionou a demandante ..., de forma muito singela (limitando-se a reproduzir o libelo acusatório), a condenação dos arguidos ao pagamento do valor de € 347.410,10, valor coincidente com a divida existente da ... para com a ... (vide facto 51), subtraídos os valores pagos após a celebração de acordo de transacção (vide facto 54), divida esta relativa a fornecimento de pneus, no âmbito de relação de cooperação existente entre as duas, exequente e executada, e que já havia sido reconhecido no processo judicial (processo n.° 1514/10.0...) e que esteve subjacente à diligência de penhora (sem remoção) no processo 21019/12.3... (facto 57). Tal valor foi igualmente reclamando e reconhecido no processo de insolvência da ... (facto 107 e documento de fls. 98).
Do acervo fáctico, extrai-se, não só que a divida pré-existente não foi liquidada, bem assim como não foi cumprido o plano de pagamentos acordado, resultando evidente da conjugação de esforços dos arguidos AA, BB e CC, que estes delinearam e concretizaram um esquema, operativo a vários níveis, por forma a desviar os proventos da empresa ... e a dissipar os bens e equipamentos desta, retirando-lhe capacidade produtiva, inviabilizando a continuação da prestação de serviços aos clientes e a actividade laboral, e em ultima instância impedindo o pagamento dos créditos dos fornecedores.
Tendo os arguidos, em conluio e de forma dissimulada, desviado da empresa ... os seus proveitos, equipamentos e mercadoria, deixou aquela de poder laborar normalmente e consequentemente não obteve proventos para satisfazer o pagamento dos pneus que adquirira à .... Mais, esse desvio de património não permitiu também, no respectivo processo de insolvência, a apreensão de bens que servissem para liquidação das dívidas aos credores.
Assim, o ilícito desvio de património da ... levado a cabo pelos arguidos/demandados é causa adequada do prejuízo sofrido pela demandante ... ao não lhe ser pago o crédito relativo a fornecimentos à ... (pese embora também tenha havido fornecimentos à ..., que não foram pagos, apesar da execução e penhora), no valor de €347.410,10, relativo a pneus que fornecera àquela empresa, pagamento que em termos de normal funcionamento de uma empresa ocorreria, ou bem assim, caso se tivesse conseguido concretizar a intenção da demandante, transmitida ao arguido AA, conforme acta junta aos autos em ........2024, de vender o estabelecimento comercial da devedora ...
Em suma, estando assente o nexo causal entre a dívida/dano da demandante e a conduta dos arguidos, sendo o ilícito desvio de património da ... levado a cabo pelos arguidos/demandados causa adequada do prejuízo sofrido pela demandante, nenhuma razão assiste aos recorrentes, pois que é correta a sua responsabilização quanto ao pedido de indemnização civil formulado nos autos.
Por conseguinte, improcedem totalmente os recursos, não verificando nós a violação de qualquer preceito legal.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a respetiva taxa de justiça em 4 UC´s.
Notifique.
*
Lisboa, 9 de setembro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Pedro José Esteves de Brito
Manuel Advínculo Sequeira