Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | A. AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | SUBTRACÇÃO DE MENOR PROGENITOR EMIGRANTE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. Comete o crime de subtracção de menor p. e p. pelo artº 249º nº 1 do cód. penal a progenitora que, sem dar conhecimento ao pai da menor, abandona o País para parte incerta no estrangeiro, levando consigo a filha de ambos e impedindo qualquer visita e contacto com o pai. 2. Independentemente das razões que levam um pai ou mãe a emigrar, estando o poder paternal judicialmente regulado, não é legítima a fuga sem prévio conhecimento e autorização do outro progenitor e respectivo conhecimento ao tribunal. 3. O bem jurídico a proteger na redação atualmente em vigor do artigo 249º, nº 1, alínea c) do cód. penal continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes-deveres inerentes às responsabilidades parentais. 4. É completamente irrelevante o argumento de que foi procurar uma vida melhor no estrangeiro, pois embora sendo legítima essa procura, tal não legitima a mãe privar a menor da convivência com o pai, e muito menos justifica a fuga sem autorização nem conhecimento prévio, quer ao progenitor quer ao tribunal que regulara o poder paternal. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO: No âmbito do processo nº 941/14.8TAFUN, que corre termos no Tribunal de Instrução Criminal do Funchal, decidiu a Srª Juiz “a quo”pronunciar a arguida, Carla B… H…,pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º nº 1 al. c) do cód. penal, nos termos constantes do despacho de fls. 270 a 281, que se transcreve: DECISÃO INSTRUTÓRIA. «Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à denúncia apresentada por João C... de F... C... na qual imputava a Carla B… H…. a prática de factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de subtracção de menor, p. c p. pelo art, 249º do Código Penal. Por discordar do teor do referido despacho, João C… de F… C… constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução, nos termos do disposto no art. 287º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos por considerar que dos mesmos resultam indícios de que a arguida abandonou o País com a filha menor de ambos em busca de melhores condições de vida, mas tal facto resulta apenas do depoimento da mãe da arguida que, simultaneamente, afirmou desconhecer o seu paradeiro. Entende que, mesmo que se considerasse indiciado que "o que determinou a saída da Denunciada C… H… da RAM foi a sua situação de desemprego e a busca de uma perspectiva profissional e novas condições de vida", esta conduta não pode ser considerada justificada e, consequentemente, lícita, pois uma coisa é a progenitora querer procurar emprego fora do País. o que se concede em tese, outra coisa é a progenitora abandonar o país com a sua filha menor, sem pré-aviso, e permanecer em parte incerta, até o dia de hoje, impossibilitando qualquer contacto elo pai com a sua filha, durante anos. Refere não entender como é possível considerar "censurável", mas justificada, a ruptura total do relacionamento entre si e a sua filha menor por a arguida ter, alegadamente, fixado o seu domicílio profissional noutro país, tanto mais que em nenhuma parte do inquérito se demonstrou o fundamento lógico, racional e perceptível, elo rompimento abrupto de qualquer ligação entre pai e filha, imposto pela arguida. Menciona que, ao contrário do explanado pelo Ministério Público, o comportamento ela arguida não se resume ao "silêncio e à abstenção" tratando-se, antes, da imposição de um obstáculo a qualquer contacto. Mais alega que, sem conhecer o paradeiro da arguida nem pode requerer a alteração do acordo estabelecido quanto ao exercício do poder paternal e das responsabilidades parentais - o que já tentou - precisamente por não se conseguir notificar aquela e encontra-se completamente impossibilitado, quer de cumprir com o regime de visitas estipulado, quer de requerer a alteração da regulação de responsabilidades parentais por impossibilidade de notificação da aqui arguida. Afirma ainda que a arguida tinha todos os contactos úteis do progenitor da menor, à data em que abandonou o País e a própria menor tinha consigo um telemóvel que utilizava só para estar em contacto com o pai, tendo, esse telemóvel sido desligado a partir da data do abandono do país. Considera que a arguida agiu com clara intenção de impedir a menor de comunicar com o Ofendido, não chegando, sequer, a informar a própria mãe, avó da menor, do seu paradeiro, alegando que era para sua segurança e com a sua conduta impôs à relação que tinha com a sua filha, uma ruptura idêntica à que sofrera a relação entre os progenitores, fazendo-o por pura vingança e demonstração de poder e não por necessidade económico-financeiras, consciente de que violava a lei e o acordo sobre o regime das responsabilidades parentais. Entende ainda que a arguida, a partir de determinada altura, a Denunciada terá estado cm condições ele perceber a "maldade" criminal da sua acção, pois não se limitou a abandonar o país sem pré-aviso mas aí se manteve, até os dias de hoje, sem comunicar o lugar onde se encontra a Beatriz, tratou de desligar o telemóvel que a menor usava para estar em contacto com pai e bloqueou o acesso deste ao facebook da filha, sem qualquer justificação para tal. Requereu a pronúncia da arguida pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art. 249º nº 1 do Código Penal. * No decorrer da instrução, foi inquirida a testemunha indicada pelo assistente. Foram analisados os documentos juntos. Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal. * O tribunal é competente. Não existem nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa. * Segundo o disposto no artº 286º nº 1 do Código de Processo Penal, "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". O artº 283º, nº 2, ex vi artº 308º, nº 2 do Código de Processo Penal, estipula que "consideram-se suficientes os indícios. sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança" . Sobre este conceito legal escreve o Prof. Figueiredo Dias - os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. Acrescenta este autor que logo se compreende que a falta delas (provas") não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um "non liquet" na questão da prova..., tem de ser sempre valorado a favor do arguido. - Direito Processual Penal. 1º, 1974, 133, citado no Ac. da Rel. ele Coimbra, de 31.3.93, in C. J. T. II, p. 65. Na jurisprudência, a interpretação desse conceito é resumida pela Relação de Coimbra, (Ac. da Rel. de Coimbra, de 31.3.93, in C.J., T.II) p. 65) da seguinte forma - para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que é imputado. Neste sentido se pronunciou o S.T.J. (Ac. de 10.12.92, citado no Código de Processo Penal Anotado, de Manuel Silva Santos e outros, Ed. de 1996. p. 131), que definiu "indiciação suficiente" como aquela que resulta da verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção porque os agentes virão a responder. Deve assim o juiz de instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, consequentemente, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. O assistente requereu a pronúncia da arguida pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art. 249º nº 1 do Código Penal. Nos termos do referido preceito, quem, subtrair menor (alínea a); por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir (alínea b); ou de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento (alínea c) é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena ele multa até 240 dias. Dos documentos juntos aos autos (cfr. fls. 103 a 112) resulta que, por sentença proferida em 11 de Dezembro de 2007 pelo Tribunal de Família e de Menores elo Funchal foi homologado o acordo de Regulação do Poder Paternal relativo à menor Beatriz H... C..., nascida em 9 ele Outubro ele 2002 e filha de João C… F… C… e Carla B... H… nos termos do qual, e no que aos autos interessa: - "-A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal: -O pai poderá estar na companhia ela sua filha sempre que quiser e puder, sem prejuízo das horas ele descanso e das actividades escolares da menor, mediante contacto prévio C0111 a requerida e em termos a combinar entre si: -Duas vezes por mês, o pai vai buscar a menor a casa da mãe, no sábado à tarde, a partir das 18:15 horas, passando a menor a noite com o pai, devendo entregar a filha ao fim da tarde de domingo, até às 18:00 horas, no mesmo local. -A menor passará com cada um dos progenitores e de forma alternada, as vésperas de Natal e os dias de Natal de cada ano, (...) A menor passará com cada um dos progenitores e deforma alternada, as vésperas de Ano Novo e os dias de Ano Novo de cada ano, (...) No Domingo de Páscoa de cada ano, a menor tomará uma refeição com cada um dos progenitores, almoçando com um e jantando com o outro e, em termos a combinar entre si. (...) A menor passará os dias de aniversário dos pais com os mesmos, devendo o progenitor aniversariante tomar providencias no sentido de ter o menor na sua companhia. O dia de aniversário da menor será passado de forma alternada com cada um dos progenitores, almoçando com a mãe e jantando com o pai e vice-versa e, em termos a combinar entre os progenitores. (...) No mês de Agosto de cada ano, cada progenitor terá o direito a passar 15 dias seguidos na companhia da filha menor, em períodos a combinar entre si. (...). Desses documentos resulta ainda que por sentença proferida em 9 de Maio de 2012, pelo mesmo Tribunal, foi homologado o acordo subsequente a incumprimento das responsabilidades parentais relativo à mesma menor, nos termos do qual: -“O pai poderá estar com a filha quinzenalmente, compreendido o período de fim-de-semana, das 10:00 horas de sábado: até às 20:00 horas de domingo, comprometendo-se o pai a ir buscar e entregar a filha nesse período a casa da mãe a iniciar no próximo fim-de-semana com a mãe. -A menor passará com cada um dos progenitores, de forma alternada, a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa de cada ano, a iniciar a próxima Sexta-feira Santa com a mãe e o próximo Domingo de Páscoa com o pai e, em termos a combinar entre os progenitores." Do teor dos depoimentos prestados pelo queixoso e pela testemunha Maria N... B… H…, mãe da arguida resulta ainda que, em data não concretamente apurada mas seguramente entre os meses de Outubro e Novembro de 2012 a arguida, sem dar conhecimento ao queixoso, abandonou o País para parte incerta levando consigo a filha menor de ambos, não mais regressou à Madeira ou ao País. A referida testemunha, bem como a inquirida em sede de instrução, irmã da arguida, declararam desconhecer o paradeiro da arguida e da menor e o queixoso, desde aquela data não mais voltou a ter contacto com a filha. No caso dos autos, e conforme resulta do teor do requerimento de abertura de instrução, a discordância do assistente relativamente ao despacho de arquivamento prende-se, com a circunstância de ter sido considerado indiciado que a arguida abandonou o País, levando consigo a sua filha menor, motivada pela procura de melhores condições de vida o que torna justificável o incumprimento do regime estabelecido para a convivência da menor e, consequentemente, exclui a sua conduta da punibilidade pelo acima referido preceito na medida em que não cumprir na regulação do exercício das responsabilidades parentais. Ora, o regime de convivência com a menor é mais do que um direito de visita equivalendo ao direito que o progenitor sem a guarda do filho tem de se relacionar e conviver com este. Mais do que um direito do progenitor não guardião, é um direito do próprio filho em receber o carinho e o afecto de ambos os pais, como forma de minimizar a falta que, com certeza, sente por não os ter, a ambos, sempre junto de si. No fundo, tal direito é uma concretização da norma do art. 36º nº 6 da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. Incumbe assim aos pais superar as suas divergências e fomentar o relacionamento entre o progenitor não guardião e o menor, atento o supremo interesse deste. Conforme se decidiu no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2012, in www.dgsi.pt: -"A actual redacção do art, 249º nº 1, alínea c), interpretada logo pela construção da tipicidade, visa acorrer às situações em que a recusa, atraso ou criação de dificuldades sensíveis na entrega ou acolhimento do menor, se faz, por exemplo, através da fuga para o estrangeiro de um dos vinculados pelo regime de regulação das responsabilidades parentais, ou através de comportamentos ou abstenções de semelhante dimensão, com graves prejuízos para a estabilidade e os direitos dos menores; é em tais circunstâncias que se impõe, não uma exigência ele abstenção dos Estados face às relações jurídico-familiares, mas também deveres de conteúdo positivo, fazendo impender sobre os Estados o dever de criar mecanismos legais expeditos para o cumprimento. Conhecidas as críticas a que a intervenção penal é sujeita nesta área, a lei penal não se pode satisfazer com uma qualquer forma ou modalidade de incumprimento: exige, por isso, logo pela descrição do tipo e como elemento da tipicidade, um incumprimento qualificado, não se satisfazendo, por uma projecção quantitativa, com uma única hipótese de incumprimento, mas sim ao invés, exigindo que seja «repetido». O incumprimento é ainda qualitativamente qualificado, porquanto deve ser injustificado; mas «injustificado», não apenas no sentido da inexistência de alguma causa de justificação, mas abrangendo outras hipóteses que, não preenchendo expressamente os requisitos das causas justificadoras, excluam materialmente os índices de constância, reiteração, intensidade e gravidade («de modo repetido e injustificado»), que estão pressupostos na dimensão e descrição penal. Classificando o incumprimento como «injustificado», o legislador utiliza a noção desligada dos tipos justificadores em sentido técnico-jurídico, alargando-a a outras realidades e circunstâncias que se impõem na definição como elementos do tipo e não como causa de exclusão da ilicitude: «repetido» e «injustificado» são expressões da realidade que apontam para projecções simultaneamente materiais e de valoração, como índices de gravidade e de insuportabilidade da rejeição ao cumprimento de deveres, que justificam a dimensão penal do não cumprimento do «regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais»; «recusar, atrasar ou dificultar significativamente» são acções que apenas podem assumir dimensão típica se constituírem comportamentos repetidos, isto é, reiterados e recorrentes, densificando quantitativamente, e pela quantidade e persistência, qualitativamente, a gravidade in se e as consequências do não cumprimento do regime estabelecido, (...)". No caso dos autos, ainda que se considere indiciado que a arguida abandonou o País em busca de melhores condições de vida, a absoluta ruptura de contactos com o pai da menor e a deliberada ocultação do seu paradeiro traduz-se numa recusa reiterada e injustificada em entregar a menor. Não está em causa uma mera violação do direito de visitas, mas uma absoluta impossibilidade do progenitor saber do destino da filha, das suas condições de vida e sobretudo o direito da menor de conviver com o pai. Se a fixação da residência no estrangeiro e o incumprimento, por essa via, de um regime de convivência estabelecido no pressuposto da residência na mesma Região ou até País não pode, por si, integrar o tipo legal em causa a absoluta privação de contactos por mais de três anos, já o integra. Em face de tudo o que ficou exposto, considero que dos elementos probatórios acima referidos resultam indícios dos factos que de seguida se descrevem e que tais indícios são suficientes para fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação da arguida pela prática do crime de subtracção de menor, pelo que deverá ser submetida a julgamento, onde, fazendo-se aplicação plena dos princípios do contraditório, da livre apreciação da prova e da liberdade de convicção do julgador, se formulará então um juízo de condenação ou absolvição da mesma. * Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 283º, nº 2, 307º e 308º do Código de Processo Penal, decido pronunciar a arguida Carla B… H… pela prática, em autoria material e na forma consumada, um crime ele subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º, nº 1, alínea c) do Código Penal. * Nestes termos, para ser julgada cm processo comum, com intervenção do tribunal singular, pronuncio: -Carla B… H…, nascida a 09 de Julho de 1978, natural de São Martinho, no Funchal, filha de António L… de J… H… e de Maria N… B… H… L… F…, com última morada conhecida em Levada ….., no Funchal. Porquanto, indiciam suficientemente os autos que, -Por sentença proferida em 11 de Dezembro de 2007 pelo Tribunal de Família e de Menores do Funchal no âmbito do Processo nº 602/07.4TMFUN foi homologado o acordo de Regulação do Poder Paternal relativo à menor Beatriz Henriques Cassiano, nascida em 9 de Outubro de 2002 e filha de João C… F… C… e Carla B… H… nos termos do qual: -"A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal; -O pai poderá estar na companhia da sua filha sempre que quiser e puder, sem prejuízo das horas de descanso e das actividades escolares da menor, mediante contacto prévio com a requerida e em termos a combinar entre si; -Duas vezes por mês, o pai vai buscar a menor a casa da mãe, no sábado à tarde, a partir das 18:15 horas passando a menor a noite com o pai, devendo entregar afilha ao fim da tarde de domingo, até às 18:00 horas, no mesmo local. -A menor passará com cada um dos progenitores e de forma alternada, as vésperas de Natal e os dias de Natal de cada ano. (...) A menor passará com cada um dos progenitores e deforma alternada, as vésperas de Ano Novo e os dias de Ano Novo de cada ano. (...) No Domingo de Páscoa de cada ano, a menor tomará uma refeição com cada um dos progenitores, almoçando com um e jantando com o outro e, em termos a combinar entre si. (...) A menor passará os dias de aniversário dos pais com os mesmos, devendo o progenitor aniversariante tomar providencias no sentido de ter o menor na sua companhia. O dia de aniversário da menor será passado de forma alternada com cada um dos progenitores, almoçando com a mãe e jantando com o pai e vice-versa e, em termos a combinar entre os progenitores. (…) No mês de Agosto de cada ano, cada progenitor terá o direito a passar 15 dias seguidos na companhia da filha menor, em períodos a combinar entre si. (…)”. Por sentença proferida em 9 de Maio de 2012, pelo mesmo Tribunal, foi homologado o acordo subsequente a incumprimento das responsabilidades parentais relativo à mesma menor, nos termos do qual: -“O pai poderá estar com a filha quinzenalmente, compreendido o período de fim-ele-semana, elas 10:00 horas de sábado, até às 20:00 horas de domingo, comprometendo-se o pai a ir buscar e entregar a filha nesse período a casa ela mãe a iniciar no próximo fim-de-semana com a mãe. -A menor passará com cada um dos progenitores, de forma alternada. a Sexta-Feira Santa c o Domingo de Páscoa de cada ano, a iniciar a próxima Sexta-feira Santa com a mãe e o próximo Domingo de Páscoa com o pai e, em termos a combinar entre os progenitores.” Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre os meses de Outubro e Novembro de 2012 a arguida, sem dar conhecimento ao pai da menor, abandonou o País para parte incerta, levando consigo a filha de ambos e não mais regressou à Madeira ou ao País, impedindo qualquer visita da menor com o pai. A arguida nunca informou o pai da menor do paradeiro da mesma e este está completamente impedido de contactar a sua filha. Desde a referida data e até à presente, a arguida deixou de cumprir o regime de convivência estabelecido, impedindo a menor de visitar ou receber visitas do pai em qualquer elos períodos estabelecidos no âmbito do acordo obtido subsequente ao incumprimento das responsabilidades parentais e judicialmente homologado. A arguida, sem qualquer justificação, age com o propósito de impedir as visitas e contactos da menor com o pai, causando uma total ruptura da relação entre ambos, fazendo-o de forma livre c voluntária, consciente de que viola a Lei e o estabelecido no acordo sobre o regime das responsabilidades parentais, Pelo exposto, incorreu a arguida Carla B… H… na prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art. 249º, nº 1, al. c) do Código Penal. Prova: Por declarações: do assistente, nos termos do disposto no art. 145.° do Código de Processo Penal. Documental: Certidões de 1:1s. 103-112. Testemunhal: (…..) A arguida aguardará os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações inerentes ao Termo de Identidade e Residência, a prestar, por não se verificar qualquer dos pressupostos do artº 204º do Código de Processo Penal. Sem tributação autónoma (cfr. art. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).Notifique». * Inconformada com tal decisão, a arguida, Carla B… H… interpôs o recurso de fls. 290 a 296, pugnando pela respectiva revogação e substituição por outro despacho que não pronuncie a arguida, concluindo nos seguintes termos: «I.O presente recurso tem como objeto o despacho de pronúncia de 23 de fevereiro de 2016, que determinou a pronúncia da arguida Carla B… H… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de subtração de menor, p. e p. pelo artigo 249º, nº 1, alínea c) do Código Penal. II.O despacho de pronúncia aqui recorrido baseia-se exclusivamente nos factos alegados pelo assistente, não tendo ficado suficientemente indiciado a prática de algum crime pela ora recorrente. III.De acordo com o disposto no artigo 308º, nº 1 do Código de Processo Penal, dependendo da existência de "indícios suficientes" o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia". IV.Assim, para efeitos de se aferir da existência ou não de "indícios suficientes" sempre seria forçoso apreciar a prova produzida em sede de instrução. V.Ora bem, no despacho de pronúncia recorrido, verificou-se um erro na apreciação da prova. VI.Isto, por ter julgado a prova produzida em sede de instrução, como suficiente para fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação da ora recorrente pela prática do crime de subtração de menor. VII.Ora, nos termos do artigo 249º nº 1, al. c) do Código Penal, comete o crime de subtração do menor, quem de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento. VIII.De acordo com a Regulação do Poder Parental, homologado a 11 de dezembro de 2007, pelo Tribunal de Família e Menores do Funchal, no âmbito do processo nº 602/07.4 TMFUN, a menor Beatriz Cassiano ficou confiada à guarda da mãe, ora recorrente, a quem incumbia o exercício das responsabilidades parentais. IX.Pelo que a ora recorrente detém os poderes e deveres inerente à guarda da sua filha menor. X.Assim, dos elementos apurados em sede do inquérito e que não foram abanados na instrução, resulta ainda que a ora recorrente e a sua filha menor ausentaram-se da RAM, desde o mês de outubro/novembro de 2012, exclusivamente, com o objetivo de obter melhores condições de vida e a possibilidade de inserção num contexto mais adequado ao seu bem-estar, segurança e formação. XI.Sendo que, tal como ficou assentado no citado despacho de arquivamento, a ausência para o estrangeiro em busca de melhores condições de vida é "um motivo atendível”. XII.Desta forma, a conduta da ora recorrente não pode ser tida como injustificada. XIII.Neste sentido, refere ainda o douto despacho de arquivamento que, "a justificação deve ser vista à luz do interesse que se quis proteger com a norma e do seu reflexo no bem-estar da criança e no seu superior interesse de manter uma vida familiar gratificante com ambos os progenitores (...)". XIV.Assim sendo, torna-se impossível considerar indiciado a prática pela ora recorrente do crime de subtração de menor. XV.Convém ressaltar que o único documento junto ao processo, pelo assistente, no requerimento de abertura de instrução, foi uma fotografia onde se mostra a ora recorrente com a sua filha menor e irmã, sem apresentar a data e local exato em que foi tomada nem a data em que alegadamente terá sido publicada no Facebook da irmã, e que poderia ter sido tirada antes do incumprimento. XVI.Sendo que também não se consegue apurar a veracidade da mesma. XVII.Assim, unicamente se baseia o despacho ora recorrido na análise ao tipo legal de crime aqui em causa, e respetivos elementos, sem nenhum sustento provatório, sendo forçoso concluir pela inexistência de um crime, descurando por completo a prova produzida em sede de instrução. XVIII.Ao decidir em sentido contrário, o tribunal a quo incorreu num erro notório de apreciação de toda a prova presente nos autos. XIX.Ora, a matéria de facto, no caso, os indícios recolhidos, são manifestamente insuficientes para a decisão adoptada; XX.Assim, sublinha-se que a decisão instrutória padece de erro notório na apreciação da prova e ainda, de erro na aplicação do direito. XXI.Não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime. XXII.Falta o dolo, pois não existe intenção no afastamento, este foi apenas uma consequência na procura de melhores condições de vida. XXIII.O Direito penal é direito de ultima rácio e deve ser compaginado com o Principio da inocência, consagrado na constituição. XXIV.O Direito penal é direito subsidiário e não pode ser aplicado logo que se entenda existir um incumprimento das responsabilidades parentais, isso é matéria para ser resolvida nos Tribunais de Família. XXV.O Incumprimento para ter relevância penal tem que ser qualificado injustificado e que lese os interesses do menor. XXVI.O presente incumprimento é justificado. XXVII.Não existindo indícios do afastamento injustificado, repetido e intencional, da menor ao pai, não pode a recorrente ser indiciada por este crime. XXVIII.A recorrente é quem tem a guarda e a quem incumbe o exercício das responsabilidades parentais. XXIX.O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do direito. XXX.Ao abrigo do principio da inocência e do in dubio pro reo, pois nos autos, não existem elementos que indiciem com segurança que a recorrente quis afastar a menor do pai de forma injustificada, não deve a recorrente ser sujeita a julgamento, devendo ser proferido despacho de não pronuncia. XXXI.O Tribunal a quo as disposições legais dos 308º, nº 1, artº 127º ambos do cód. procº penal, artº 249º do cód. penal, e artº 32º, nº 2, 1ª parte, da CRP. Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser o mesmo a sentença revogada e substituída por outra que emita um despacho de Não Pronúncia. Como é de JUSTIÇA». * O assistente, João C… de F… C…, respondeu ao recurso, interposto, nos termos de fls. 303 a 314, defendendo a improcedência daquele e concluindo: «1.Por douta sentença transitada em julgado, proferida a 9 de Maio de 2012, no Proc. nº 602/07.4TMFUN-D que correu os seus termos na secção única deste tribunal, foi homologado o acordo quanto ao incumprimento das responsabilidades parentais, entre os ora Assistente e Arguida, relativamente à menor Beatriz H... C.... 2.No referido acordo ficou determinado que o pai poderia estar com a filha quinzenalmente, aos fins-de-semana, das 10:00 horas de sábado até às 20:00 horas de domingo, comprometendo-se a ir buscar e entregar a filha à casa da mãe. 3.Ficou ainda estabelecido que a menor passaria com cada um dos progenitores, de forma alternada, a Sexta-feira Santa e o Domingo de Páscoa de cada ano. 4.Desde o dia 7 de Novembro de 2012, que o Assistente não sabe da sua filha. 5.Resulta das diligências encetadas pelo Tribunal de Família e Menores do Funchal que Beatriz H... C... emigrou. 6.Resulta dos depoimentos prestados, nos presentes autos; pela mãe e irmã da Arguida, que esta abandonou o país, acompanhada da menor, sem informar o Assistente. 7.A Arguida mantém-se, até hoje, em parte incerta. 8. A Arguida desligou o telemóvel que a filha utilizava para se manter em contacto com o pai, ora Assistente. 9.A Arguida bloqueou o Assistente no facebook da menor. 10.Assistente está completamente impedido de contactar a sua filha. 11.O comportamento da Arguida acarreta um incumprimento manifesto do acordo da regulação dos deveres parentais tal qual homologado a 09 de Maio de 2012, porquanto impede não só o normal regime de visitas, como todo e qualquer contacto entre o Assistente e a filha. 12.A Arguida não tinha qualquer razão para abandonar o país sem informar o ofendido. 13.A Arguida também não teve qualquer motivo minimamente razoável para omitir o seu paradeiro até a presente data. 14.Deste modo, a Arguida criou, um obstáculo intransponível à manutenção do contacto entre o progenitor e a filha, de forma permanente e injustificada. 15.Mesmo sabendo que contra si foi instaurado procedimento criminal, a Arguida veio recorrer do despacho de pronúncia, mantendo sempre em segredo o seu paradeiro e o paradeiro da menor. 16.A Arguida age voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento das consequências dos seus atos. 17.Pelo que, através do exposto, a Arguida comete um crime de subtração de menor, p. e p. pelo artigo 249º do Código Penal. Nestes termos, E nos demais de direito aplicável, deve o recurso, apresentado pela Arguida, ser julgado improcedente, e mantido o despacho de pronuncia pela prática do crime de subtração de menor p. e p. pelo artigo 249º do Código Penal». * O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu igualmente ao recurso da arguida, nos termos de fls. 315 a 320, defendendo a improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos: «1.A decisão instrutória recorrida não padece de qualquer erro na apreciação da prova ou erro na aplicação do direito, devendo manter-se a decisão de pronúncia da arguida Carla H…. 2.Os elementos probatórios recolhidos em sede de instrução, nomeadamente o depoimento da testemunha Cristina H..., invalidaram os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram o despacho de arquivamento, considerando-se suficientemente indicada a prática pela arguida Carla H… de um crime de subtracção de menor. 3.A arguida Carla H… oculta de forma deliberada e intencional o paradeiro da filha menor ao seu progenitor, o aqui assistente João C…, pretendendo assim privá-la do convívio com este. 4.A arguida Carla H… actua com o propósito de impedir as visitas e o contacto do menor com o progenitor, evidenciando um incumprimento repetido e injustificado do regime estabelecido para a convivência da menor. 5.A conduta da arguida Carla H… consubstanciada na ocultação intencional do paradeiro da menor e na obstrução do convívio com o progenitor constitui um comportamento grave com relevância jurídico-penal para efeitos da sua subsunção ao tipo legal do crime de subtracção de menor. Termos em que, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o despacho recorrido, far-se-á Justiça». * Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o Douto Parecer de fls. 329/330, aderindo à posição do Ministério Público em 1ª instância e concluindo pela pronúncia da arguida. * O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * FUNDAMENTOS. Objecto do recurso. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação[1], (cfr. artº 412º nº 1 do cód. procº penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. No caso concreto, a questão suscitada circunscreve-se à apreciação do despacho de “pronúncia“, averiguando se a matéria de facto trazida aos autos é ou não susceptível de indiciar fortemente a arguida em ordem a submetê-lo a julgamento como autora de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º nº 1 al. c) do cód. penal. * DO DIREITO. A recorrente, Carla B… H…, inconformada com o despacho de pronúncia relativamente a factos que a indiciam como autora de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º nº 1 al. c) do cód. penal interpôs o presente recurso, manifestando a sua discordância quanto à apreciação da prova indiciária produzida e interpretação normativa da mesma. No caso concreto, está em causa a apreciação da eventual responsabilidade criminal, imputada à recorrente, pelo facto da mesma se ter ausentado para o estrangeiro com a filha menor, sem autorização nem conhecimento do pai desta, não obstante a existência de uma decisão judicial do tribunal de menores que regulava o poder paternal entre ambos. Fazendo uma breve apreciação jurídica sobre a fase processual de “instrução”, devemos ter em conta que esta, visa comprovar a acusação em ordem à decisão sobre a submissão da causa a julgamento, nos termos da acusação ou de uma das acusações formuladas. A instrução destina-se a obter o reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da acusação deduzida, para o que o juiz tem o poder/dever de a esclarecer, investigando- a autonomamente; - neste sentido cfr. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal III”, p. 149. Por sua vez o artº 288º nº 4, do cód. procº penal estatui que a partir do requerimento para abertura de instrução, o juiz investigará autonomamente o caso submetido a instrução, o que significa que além das diligências requeridas, poderá realizar por iniciativa própria as que repute de necessárias e úteis. No fundo a instrução acaba por ser uma fase de controlo judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito[2]. A instrução surge essencialmente como função garantística, fundamentalmente perante uma autoridade autónoma que é o Ministério Público, que detém o poder de acusar ou arquivar, em obediência a critérios de legalidade. Para que o juiz pronuncie alguém é necessário nos termos do disposto no artigo 308º do cód. procº penal, que até ao encerramento da instrução tenham sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, e caso tal não aconteça, deve ser proferido despacho de não pronúncia. Quanto ao que se deve entender por “indícios suficientes”[3], refere-se no artº 283º nº 2 do cód. procº penal que os mesmos se verificam “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. Conjugando os arts. 308º, nº 1 e 283º, nº 2, ambos do cód. procº penal, resulta que, a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela uma pena ou medida de segurança; não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final[4]. Defende o Prof. Germano Marques, que “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”, - ob. cit. pág. 182. Segundo o prof. Figueiredo Dias os indícios são suficientes quando haja “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição” in Direito Processual Penal, tomo I (1974), p. 133. Passando ao caso concreto. A recorrente vem no fundo invocar a falta de indícios suficientes para ser pronunciada ou de outra forma, que aqueles que se indiciam, não constituem crime e por consequência deverá ser despronunciada, baseando-se um pouco nos argumentos do Ministério Público, que em sede de inquérito não deduziu acusação e arquivou o caso. Diga-se desde já que, a argumentação da recorrente não tem o menor suporte, desde logo porque os factos objectivos que a própria admite, aliados aos documentos resultantes do acordo de regulação do poder paternal judicialmente homologado, são por si só suficientemente fortes para a indiciar pelo crime em causa – subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º nº 1 al. c) do cód. penal. É certo que o Ministério Público arquivou o inquérito, com o singelo argumento de que, o que determinou a saída da arguida para o estrangeiro com a filha, foi o facto de estar desempregada e a busca de uma vida melhor, entre outros argumentos similares, mas quanto a nós erradamente invocados, totalmente desprovidos de sentido e ignorando os direitos e deveres de ambos os progenitores (e não só da mãe) judicialmente regulados por sentença. Remediando a situação, em resposta ao recurso, o Ministério Público alterou a sua posição e quanto a nós bem, pois os factos indiciados são suficientemente fortes para prever a possível aplicação à arguida de uma condenação. Como fundamento da pronúncia, importa salientar que os elementos probatórios trazidos aos autos indiciam fortemente que: a)Foi homologado o acordo de Regulação do Poder Paternal relativo à menor Beatriz H… C…, nascida em 9 de Outubro de 2002, por sentença proferida em 11 de Dezembro de 2007 pelo Tribunal de Família e de Menores do Funchal no âmbito do Processo nº 602/07.4TMFUN nos termos do qual: -"A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal; -O pai poderá estar na companhia da sua filha sempre que quiser e puder, sem prejuízo das horas de descanso e das actividades escolares da menor, mediante contacto prévio com a requerida e em termos a combinar entre si; -Duas vezes por mês, o pai vai buscar a menor a casa da mãe, no sábado à tarde, a partir das 18:15 horas passando a menor a noite com o pai, devendo entregar a filha ao fim da tarde de domingo, até às 18:00 horas, no mesmo local. -A menor passará com cada um dos progenitores e de forma alternada, as vésperas de Natal e os dias de Natal de cada ano. (...) A menor passará com cada um dos progenitores e deforma alternada, as vésperas de Ano Novo e os dias de Ano Novo de cada ano. (...) No Domingo de Páscoa de cada ano, a menor tomará uma refeição com cada um dos progenitores, almoçando com um e jantando com o outro e, em termos a combinar entre si. (...) A menor passará os dias de aniversário dos pais com os mesmos, devendo o progenitor aniversariante tomar providencias no sentido de ter o menor na sua companhia. O dia de aniversário da menor será passado de forma alternada com cada um dos progenitores, almoçando com a mãe e jantando com o pai e vice-versa e, em termos a combinar entre os progenitores. (…) No mês de Agosto de cada ano, cada progenitor terá o direito a passar 15 dias seguidos na companhia da filha menor, em períodos a combinar entre si. (…)”. b)Por sentença proferida em 9 de Maio de 2012, pelo mesmo Tribunal, foi homologado o acordo subsequente a incumprimento das responsabilidades parentais relativo à mesma menor, nos termos do qual: -“O pai poderá estar com a filha quinzenalmente, compreendido o período de fim-ele-semana, elas 10:00 horas de sábado, até às 20:00 horas de domingo, comprometendo-se o pai a ir buscar e entregar a filha nesse período a casa ela mãe a iniciar no próximo fim-de-semana com a mãe. -A menor passará com cada um dos progenitores, de forma alternada, a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa de cada ano, a iniciar a próxima Sexta-feira Santa com a mãe e o próximo Domingo de Páscoa com o pai e, em termos a combinar entre os progenitores.” c)Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre os meses de Outubro e Novembro de 2012 a arguida, sem dar conhecimento ao pai da menor, abandonou o País para parte incerta, levando consigo a filha de ambos e não mais regressou à Madeira ou ao País, impedindo qualquer visita da menor com o pai. d)A arguida nunca informou o pai da menor do paradeiro da mesma e este está completamente impedido de contactar a sua filha. e)Desde a referida data e até à presente, a arguida deixou de cumprir o regime de convivência estabelecido, impedindo a menor de visitar ou receber visitas do pai em qualquer elos períodos estabelecidos no âmbito do acordo obtido subsequente ao incumprimento das responsabilidades parentais e judicialmente homologado. f)A arguida, sem qualquer justificação, age com o propósito de impedir as visitas e contactos da menor com o pai, causando uma total ruptura da relação entre ambos, fazendo-o de forma livre c voluntária, consciente de que viola a Lei e o estabelecido no acordo sobre o regime das responsabilidades parentais. Estes os factos que servem de base à pronúncia e que, da análise dos autos resultam claramente indiciados, impondo-se agora apreciar o seu enquadramento na previsão do artº 249º do cód. penal. O artigo 249º, nº 1, alínea c), do cód. penal sob a epígrafe “Subtração de menor”, na atual redação, dada pela Lei nº 61/2008, de 31/10[5], aplicável ao caso em apreço, dispõe que: “1.Quem: a)Subtrair menor; b)Por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir; ou c)De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 2.Nos casos previstos na alínea c) do nº 1, a pena é especialmente atenuada quando a conduta do agente tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos. 3.O procedimento criminal depende de queixa” Decorre desta norma que o crime de «subtração de menores», na formulação da nova redação da alínea c) do nº 1 do artigo 249º do Código Penal, introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, se afasta inteiramente da estrutura e construção típicas das alíneas a) b) e c), na anterior redação, divergindo mesmo do significado semântico que enquadrava a construção tradicional da estrutura típica. A alteração só se compreende porque a Lei nº 61/2008, surgiu num contexto da profunda alteração introduzida no instituto do divórcio e no instituto do exercício das responsabilidades parentais, dando nova configuração ao crime de subtração de menor, alterando as molduras penais abstratas (reduzindo-se para mais de metade o limite máximo da pena aplicável), bem como a modalidade típica em que é incumprida a decisão de exercício das responsabilidades parentais, passando a abranger hipóteses até então atípicas[6]. “Na redação inicial o legislador visava apenas proteger os poderes que cabem a quem estivesse encarregado do menor ou o tivesse à sua guarda, com a nova redação o legislador aumentou o âmbito da proteção e passou a proteger também aqueles outros poderes que estão acometidos a quem não detém o exercício das responsabilidades parentais, como seja o caso do titular do direito de visita” – cfr. Ac. citado – nota 6. Acresce salientar que a Lei 61/2008 restringiu por outro lado o tipo penal em causa na medida em que a recusa, tal como o atraso e a criação de dificuldades, só têm relevância típica quando consubstanciarem uma conduta repetida, ou seja, reiterada no tempo e injustificada. Na anterior redacção do tipo legal, “não constituía subtração de menor a recusa, pelo progenitor guardião, do direito de visita ao outro progenitor ou progenitores. Todavia, perante a nova configuração típica daquela alínea, conferida pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, estão atualmente abrangidos no tipo incriminador quer os comportamentos do progenitor guardião que não entrega a criança ao outro para que este exerça o seu regime de convívio, quer as do progenitor não guardião que não entrega o filho ao guardião na pós-visita”, - cfr. Ac. do Trib. Rel. de Coimbra de 18.05.2010, disponível in http://www.dgsi.pt/trc. Sobre esta norma e a sua interpretação se pronunciou também de forma expressiva o Supremo Tribunal de Justiça: “A lei penal não se pode satisfazer com uma qualquer forma ou modalidade de incumprimento; exige, por isso, logo pela descrição do tipo e como elemento da tipicidade, um incumprimento qualificado, não se satisfazendo, por uma projeção quantitativa, com uma única hipótese de incumprimento, mas sim, ao invés, exigindo que seja «repetido». O incumprimento é ainda qualitativamente qualificado, porquanto deve ser injustificado; mas «injustificado», não apenas no sentido da inexistência de alguma causa de justificação, mas abrangendo outras hipóteses que, não preenchendo expressamente os requisitos das causas justificadoras, excluam materialmente os índices de constância, reiteração, intensidade e gravidade («de modo repetido e injustificado»), que estão pressupostos na dimensão e descrição penal. Classificando o incumprimento como «injustificado», o legislador utiliza a noção desligada dos tipos justificadores em sentido técnico-jurídico, alargando-a a outras realidades e circunstâncias que se impõem na definição como elementos do tipo e não como causa de exclusão da ilicitude: «repetido» e «injustificado» são expressões da realidade que apontam para projeções simultaneamente materiais e de valoração, como índices de gravidade e de insuportabilidade da rejeição ao cumprimento de deveres, que justificam a dimensão penal do não cumprimento do «regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais»; «recusar, atrasar ou dificultar significativamente» são ações que apenas podem assumir dimensão típica se constituírem comportamentos repetidos, isto é, reiterados e recorrentes, densificando quantitativamente, e pela quantidade e persistência, qualitativamente, a gravidade in se e as consequências do não cumprimento do regime estabelecido” [7]. A nova formulação do tipo legal do artigo 249º do cód. penal pode ser preenchida por acção ou omissão. A recusa e o atraso na entrega do menor serão, por via de regra, concretizados através de uma omissão, ao passo que, para além de se não afastar a comissão activa no atraso, dificultar a entrega tanto admite ação como a omissão. O delito apresenta-se como de execução vinculada, porquanto só as específicas modalidades descritas no tipo-de-ilícito objetivo são aptas a consumar o crime[8]. O bem jurídico a proteger na redação atualmente em vigor do artigo 249º, nº 1, alínea c) do cód. penal “continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes-deveres inerentes às responsabilidades parentais, devendo este comando ser sempre lido em conjugação com os arts. 1906º a 1908º do Código Civil, cujo respeito a norma penal visa garantir”, - cfr. André Lamas Leite, in «o Crime de Subtração de Menor – Uma Leitura do Reformado Artº 249º do Código Penal», “Julgar”, nº 7, Janeiro-Abril, 2009, p. 119. A arguida conhecia o teor do acordo de regulação paternal, por si aceite e homologado judicialmente, não obstante esse factor, ausentou-se para o estrangeiro, para local não revelado, sem qualquer autorização do assistente ou do tribunal, e sem sequer dar conhecimento ao progenitor da menor, impedindo-o de conviver com a filha, com a agravante de desconhecer inclusive o respectivo paradeiro. Não colhe aqui o argumento de que foi procurar uma vida melhor, pois embora sendo legítima essa procura, tal não a legitima a privar a menor da convivência com o pai. O interesse da criança que deve prevalecer foi aqui desrespeitado pela mãe sem qualquer justificação para a conduta. A situação indiciada é claramente subsumível à previsão da al. c) do nº 1 do artº 249º do cód. penal. O interesse da criança deve constituir o núcleo central dos interesses que a norma visa tutelar pois, a criança é o centro e a destinatária primordial do regime legal em vigor e para garantir esse interesse é imprescindível que o exercício das responsabilidades parentais possa ser levado cabo de forma plena e sem manobras interesseiras de um dos progenitores sobre o outro com desrespeito pela criança e pelo que fora acordado. O crime de subtração de menores insere-se, assim, num contexto melindroso em que a atuação do Estado deve ser moderada e ponderada, devendo todos os intervenientes prosseguir o interesse superior da criança, sem esquecer que isso passa, salvo algumas exceções, pela presença na sua vida de ambos os progenitores[9]. Na nova redacção, um dos elementos típicos do crime previsto na al. c) do artigo 249º do cód. penal é a violação do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais. Exige-se no entanto uma conduta repetida e injustificada com reflexos na vida e interesse do menor, o que parece ser o caso ao privar totalmente a criança do convívio e visitas com o pai, com os reflexos graves que isso possa ter na vida futura da criança. Deslocar uma criança para o estrangeiro, (para país desconhecido) sem autorização do pai, nem seu conhecimento prévio, constitui um acto que torna impossível a entrega da criança e o cumprimento do regime de visitas estabelecido, não servindo aqui o argumento de que foi procurar melhores condições de vida, para obstar à imputação e indício do crime em causa. Seria diferente, caso tivesse colocado a questão ao assistente ou informado o tribunal e pedido previamente a alteração do poder paternal, mas tal não foi feito, bem pelo contrário, indicia-se que simplesmente quis erradicar o progenitor da vida da filha. O entendimento do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que citámos, bem como o do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.05.2010[10] que consideraram justificada a conduta de levar a criança para outros países sem o acordo do progenitor, não é neste aspecto específico aplicável ao caso concreto, atento o circunstancialismo indiciado. No entanto sempre diríamos que não perfilhamos inteiramente a solução dada nesses acórdãos, já que nada justifica a “fuga” para o estrangeiro com uma criança que tem judicialmente regulado o regime de poder paternal por ambos os progenitores, com visitas e convivência do outro, dado que, por mais atendíveis que sejam os motivos para emigrar, nada impede que se comunique ao outro progenitor e se peça prévia alteração da regulação do poder paternal ao tribunal. O recurso é assim de improceder. * DECISÃO. Nestes termos, acordam os juízes da ...ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por Carla B… H…. * Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta). * Lisboa 13 de Julho de 2016 (A. Augusto Lourenço)[11] (Ana Paula Grandvaux) [1]-Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98. [2]-Neste sentido cfr. José Souto de Moura, in “Inquérito e instrução”, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1989, pág. 125. [3]-“Só são suficientes aqueles indícios que comportem em si uma forte – e não uma ténue ou remota – possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados: requer-se a existência de uma convicção fundada, perante os elementos de prova (já) existentes no processo que se aprecia, de que o arguido, futuramente, poderá vir por eles a ser condenado.”- Ac. do Trib. Rel Porto de 29-05-2013, disponível em www.dgsi.pt/trp. [4]-Cfr. Prof. Germano Marques in Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 179. [5]-O artº 249º do cód. penal, na redação dada pela Lei nº 59/2007, de 04.09, dispunha que: “1.Quem: a) Subtrair menor; b) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir; ou c) Se recusar a entregar menor à pessoa que sobre ele exercer poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legitimamente confiado, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2.O agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, se for ascendente, adotante ou tiver exercido a tutela sobre o menor. 3.O procedimento criminal depende de queixa”. [6]-Cfr. neste sentido Ac. do Trib. Rel. Porto, de 21.10.2015, relatado por Elsa Paixão e disponível em www.dgsi.pt/trp. [7]-Cfr. Ac. do S. T. J. de 23.05.2012, disponível em www.dgsi.pt/stj. [8]-cfr. André Lamas Leite, in «o Crime de Subtração de Menor – Uma Leitura do Reformado Artº 249º do Código Penal», “Julgar”, nº 7, Janeiro-Abril, 2009, p. 99, segs. [9]-Neste sentido vidé Ac. do Trib. Rel do Porto de 21.10.2015, citado. [10]-Disponível em www.dgsi.pt/trc. [11]-Acórdão elaborado e revisto pelo relator, (cfr. artº 94º nº 2 do cód. procº penal), sendo da sua responsabilidade a não aplicação do denominado “acordo ortográfico”. |