Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
975/11.4TJLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
ILEGITIMIDADE
ARRENDAMENTO
CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO COMERCIAL
COMUNICAÇÃO AO SENHORIO
NRAU
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A disciplina dos fundos de investimento imobiliário está contida no DL 60/2002 de 20/3, dela resultando corresponderem tais fundos a um património autónomo, sem personalidade jurídica. A sua representação cabe ao respectivo administrador, nos termos do art 22º CPC, não podendo este deixar de ser a sociedade anónima gestora desses fundos de investimento imobiliário, nos termos do art 6º do DL referido, que, no caso, corresponde à “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA. Do que resulta que a qualidade de parte judiciária activa cabe aos próprios participantes que se constituíram como um fundo de investimento imobiliário fechado, que designaram por “A”.
II - As nulidades da sentença movem-se num plano completamente diferente daquele em que se situam as nulidades processuais, pois nada têm a ver com os procedimentos anteriores a ela própria, reportando-se exclusivamente à sua estrutura, reconduzindo-se à violação das regras de construção lógica.
III - No art 1109º/2 CC prevêem-se duas diferentes situações: No nº 1 a hipótese de o titular de um prédio, ou parte dele, o arrendar a terceiro em conjunto com a concessão temporária da fruição do estabelecimento que nele vinha explorando. No nº 2 a de alguém que, sendo unicamente titular de um estabelecimento comercial ou industrial instalado em prédio ou fracção que para o efeito arrendou, ceder a exploração desse estabelecimento a terceiro.
IV- Neste nº 2 está em causa a hoje denominada “locação de estabelecimento”, que o RAU designava por “cessão de exploração de estabelecimento comercial” no respectivo art 111º.
V - Na vigência do RAU houve doutrina e jurisprudência a entenderem que o locatário não tinha que comunicar ao senhorio a cessão de exploração de estabelecimento.
VI – Hoje decorre do nº 2 do art 1109º NRAU ser indiscutível que o arrendatário está obrigado a comunicar ao senhorio a locação do estabelecimento, dispondo para tanto do prazo de um mês, devendo entender-se que tal comunicação deve obedecer aos requisitos estabelecidos no art 9º do NRAU.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam  na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Os Participantes de “A” – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, representados por “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, Administradora daquele, propuseram contra “C” – Restaurante Snack- Bar, Unipessoal, Lda, acção com processo comum na forma sumária, pedindo a declaração da resolução de contrato de arrendamento que aquela identifica e a condenação da R. na entrega imediata do dito espaço, despejado de pessoas e coisas.
Alegou em síntese, que o arrendado se destinava contratualmente ao exercício do comércio de snack-bar, e que em 2009 a R. cedeu a terceiro a exploração do estabelecimento comercial ali instalado, do que nunca lhe deu conhecimento, o que determina a inoponibilidade daquela cedência e, consequentemente, a sua ilicitude, fundamento da resolução e despejo peticionados.
Na contestação a R. excepcionou a caducidade do direito dos AA., visto que o desde os fins de 2009 que a “B”, SA teve conhecimento da cedência em causa nos autos, por serem perceptíveis do exterior as obras de adaptação do espaço para restaurante japonês; só mais de um ano depois, com a propositura desta acção, veio colocar a relação em crise, o que configura abuso do exercício do direito de acção, e consequente ilicitude do mesmo. Impugnou ainda que a referida cedência seja de molde a tornar inexigível ao A. a continuação da relação de arrendamento, concluindo pela improcedência da acção.
Em resposta, a representante dos AA. rejeita que houvesse tomado conhecimento da cedência do estabelecimento existente no locado mais de um ano antes da propositura da acção e aceitou a afirmação da R. de que o estabelecimento em funcionamento era antes um snack-bar e agora é um restaurante japonês, para ampliar nesta parte a causa de pedir com o argumento de que a cessão tem por objecto realidades distintas.
A R. não se pronunciou sobre a ampliação da causa de pedir, que foi admitida. 
Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, realizou-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou provada a acção, declarando resolvido o contrato de arrendamento (anterior a 11.07.2003) para comércio de snack-bar, referente ao rés-do chão, loja e cave/sub-cave direita, com entrada pelo número catorze e ainda a cave/sub-cave esquerda, com entrada pelo número doze, do prédio sito na Rua ..., nºs 12 a 14, em Lisboa inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., em Lisboa, sob o artigo ...º (anterior artigo ...º), em que à data são senhorios os Participantes de “A” - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (representados pela Administradora deste, “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário,SA), e arrendatária a Ré “C” – Restaurante Snack-Bar, Unipessoal,Lda, e condenando  a R. a entregar de imediato o dito imóvel à “B”, SA, livre de pessoas e coisas.

II – Do assim decidido, apelou a R. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:
1ª – A matéria de facto foi incorrectamente julgada, como a matéria de direito foi erroneamente aplicada pelo tribunal recorrido.
2ª – Os números 1º, 2º, 3º e 4º e 10º da base instrutória deverão ser alterados na decisão proferida, dando-se o primeiro como provado, o segundo como não provado, o terceiro e quarto como provados e o 10º como não provado ou até não escrito.
3ª – Essa mutação na matéria de facto advém de dever ser considerado o depoimento prestado por “D” e “E”, que, concatenados com os dois depoimentos testemunhais de “F” e “G” leva a que se conclua dessa forma, por via das actas de 13 de Janeiro de 2012 (14:32:59 a 15:52:13 – “D” / 15:59:32 a 16:20:12 – “E”) e 10 de Janeiro de 2012 (12:25:07 a 13:14:23 – “F” / 13:22:55 a 13:48:36 – “G”), precisamente porque o primeiro esclarece cabalmente como foi feita a comunicação a “F” e outros 2 no local, exibindo-lhe e dando-lhe o contrato de cessão de exploração para ler no local e cerca de 8 a 10 dias após a formalização do mesmo, já assinado pelo cessionário, esclarecendo igualmente que as obras foram vistas por todos quantos ali passassem e foram vistas pelos mesmos e que a A das mesmas tomou conhecimento, facto este reiterado pela testemunha “E”, que igualmente foi acertiva quanto à evidência das obras no local, que não poderiam deixar de ser vistas e consideradas durante cerca de 2 meses até a abertura do restaurante japonês.
4ª – Em face do exposto, tendo a comunicação da cessão sido realizada embora não pela forma escrita, soçobram os motivos exarados na sentença e, por conseguinte, deve a sentença ser revogada, julgando-se a acção improcedente, por inexistir violação contratual da R. que importe a resolução do contrato de arrendamento.
5ª – “F” e “G” são participantes do “A”, proprietário do locado, razão pela qual se encontram impedidos de depor como testemunhas, por força do artº 617º do CPC; de qualquer forma, caso seja entendido que essa situação se encontra sanada por não ter sido antes suscitada, sempre tais depoimentos terão de ser analisados como provenientes de 2 pessoas interessadas na causa, no desfecho da lide, uma vez que declaradamente pretendem rentabilizar o respectivo património, o que sucede pelo deferimento do despejo e pela resolução do contrato.
5ª – Também a modificação subjectiva activa da instância foi decidida em colisão com o vertido nos artºs 269º e 270º do CPC, sendo que a “B”…, SA é parte ilegítima na acção e não existe qualquer justificação atendível para a mudança realizada.
6ª – Assim, a Sentença proferida sempre seria nula, uma vez que respondendo da forma respondida à matéria de facto consignada nos números 9 e 10 e uma vez que os depoimentos das testemunhas da R. impõe decisão diversa, tomou conhecimento de matéria que lhe estava vedada, nos termos do artº 668º-1-d) do CPC.
7ª – De qualquer forma, sem conceder, ainda que se não considerasse provada a comunicação ocorrida, essa omissão não seria nem se depararia suficientemente grave para motivar a resolução do contrato, de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência sobre o tema, precisada na alegação antecedente.
8ª – Por tudo, deve a sentença proferida ser inteiramente revogada, absolvendo-se a R.

Foram proferidas contra-alegações pela A. nas quais a mesma defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – O tribunal de 1ª instância julgou como provados os seguintes factos:
A) O prédio sito na Rua ... nºs. 12 e 14, em Lisboa, está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., em Lisboa, sob o artigo ...º (anterior artigo ...), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha nº .../20080128 da mesma freguesia. (alínea B) dos Factos Assentes).
B) Em 11 de Julho de 2003, a R. adquiriu por trespasse o estabelecimento comercial  catorze e ainda a cave/sub-cave esquerda, com entrada pelo número doze, do referido prédio urbano sito na Rua ..., nºs 12 a 14, em Lisboa. (alínea C) dos Factos Assentes)
C) Em que se incluíu o direito ao arrendamento da titularidade do trespassante, ora da Ré. (alínea D) dos Factos Assentes)
D) “A”-Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, tem como Administradora, “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA. (alínea A) dos Factos Assentes)
E) Em 19.01.2009 foi adquirido à “Obra ...”, para “A”-Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, o direito de propriedade do prédio descrito em B), com a sucessão na posição de senhorio na sobredita relação de arrendamento que se mantêm, sendo a renda actual no valor de € 32,00 por mês. (alínea E) dos Factos Assentes)
F) Até à data de 2009 funcionava no locado um snack-bar, com o nome de “H” Bar (com publicitação de mulheres nuas como se vê no doc. 4 p.i., fls 13). (alínea I) 1ª parte dos Factos Assentes)
G) Por escrito datado de 26.10.2009, com o teor do doc. 3 p.i., fls 8/12, a R. (a Primeira outorgante) declarou à cidadã “I” (a Segunda outorgante),esta que acordou, “… 1ª - Ser dona do estabelecimento comercial destinado exclusivamente à actividade de restaurante, snack-bar, reconhecendo esta a sua aptidão para o efeito, comprometendo-se a não dar outro uso, e fica expressamente proibido sublocá-lo ou arrendá-lo no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita da primeira, e o mesmo está instalado no prédio urbano sito na Rua ..., 12 c/v direita, da freguesia de ..., que tomou de arrendamento a “B” – Gestão de Fundos Imobiliários…”. (alínea F) dos Factos Assentes)
H) E então, mais disse a R. que “…2ª - pelo presente contrato a Primeira concede à Segunda a exploração do citado estabelecimento, nos termos das seguintes cláusulas: a) c) A cessão de exploração tem início em 01 de Janeiro de 2010 e vigorará até 15 de Dezembro de 2015, prorrogando-se automaticamente por períodos de tempo sucessivos e de igual duração, excepto se ocorrer denúncia … d) A renda anual é de e 16.200,00 (c/IVA) a ser paga em duodécimos de € 1.350,00 (c/IVA), que se vence no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito… e) A Segunda fica autorizada a realizar as adaptações da decoração que entender necessárias ao estabelecimento comercial… (alínea G) dos Factos Assentes)
I) E, “…4ª - A Segunda obriga-se a conservar no estado actual, que aceita como bom, as instalações e canalizações de água e electricidade, esgotos e demais equipamentos do estabelecimento, pagando á sua custa todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua, bem como manter em bom estado os respectivos soalhos, pinturas e vidros, ressalvando-se o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização e do decurso do tempo. …. 6ª - Findo o contrato deverá a Segunda entregar o estabelecimento à primeira, limpo e devoluto de pessoas e bens … …8ª - Se a Primeira se opuser à renovação do presente contrato nos termos do artigo 1097º do C. Civil, e a 10ª - Em todo o omisso, o presente contrato reger-se-á pelo regime previsto nos Diplomas regulamentares – NRAU, assim como … “. (alínea H) dos Factos Assentes)
J) “I” procedeu a obras de adaptação do locado, incluindo a colocação de painéis publicitários da sua actividade de restaurante japonês. (resposta aos artigos 3. e 4. da Base Instrutória)
L) Desde Janeiro de 2010 passou a funcionar (no locado) um restaurante Japonês denominado “J”, dirigido por “I”. (alínea I) 2ª parte dos Factos Assentes)
M) A R. não comunicou a “B”, SA a cessão e os termos do acordo com “I” constantes do doc. 3 p.i. provado em G), H) e I). (resposta ao artigo 2. da Base Instrutória)
N) Em 21 de Outubro de 2010 “B”, SA obteve um recibo emitido por “I”, referente à utilização do locado por esta. (alínea L) dos Factos Assentes)
O) Em 11.04.11 foi proposta esta acção. (alínea M) dos Factos Assentes)
P) O valor do locado é muito superior ao que corresponde à renda mensal de € 32,00 que a R. paga. (alínea J) dos Factos Assentes)
Q) À “B”, SA interessava/interessa saber se a utilização do locado por “I” era/é feita como subarrendatário, se como cessionário, ou se, pura e simplesmente, como ocupante a seu bel prazer.(resposta ao artigo 9. da Base Instrutória)
R) A falta de comunicação provada na alínea M), frustrou o direito de “B”, SA em controlar o interesse para este, no acto negocial entre a R. e “I”, e fez quebrar a sua confiança na R. no âmbito da relação de arrendamento. (resposta ao artigo 10. da Base Instrutória).

IV – Em função das conclusões das alegações constituem questões a apreciar no presente recurso saber se a A. é parte ilegítima; se a sentença é nula por ter conhecido de matéria que lhe estava vedada; se em face da prova produzida deverão ser alteradas as respostas aos arts 1º, 2º, 3º, 4º e 10º da base instrutória; se, reapreciada essa matéria de facto no sentido que a apelante defende, deixa de existir fundamento resolutivo, devendo a acção improceder; se, mesmo que assim não se entenda, o fundamento resolutivo em causa na acção não se configura suficientemente grave para tornar inexigível a manutenção do arrendamento.

No intróito da petição a A. identifica-se como ““B”- Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário SA” e diz interpor a acção na qualidade de gestora, administradora e representante de ““A” – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”.
No despacho saneador o Exmo Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: ““B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, nos termos em que alega fá-lo em nome da senhoria –proprietária do imóvel, e este nexo de representação não prejudica que a A. é esta última, “A” - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, não aquela, o que se impõe corrigir.
Pelo exposto, corrijo que a A. é “A” - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, representada por “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA (e não o contrário).Corrija-se na capa e no cabeçalho da petição inicial (suporte de papel), e tome-se em conta para futuro».
            Antes da prolação da sentença entendeu ainda esclarecer: «Esclarecendo o que dissémos em despacho prévio ao saneador e da mesma data deste, o titular dos direitos que integram “A” – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, ente que não é pessoa jurídica, são os seus Participantes representados pela sociedade administradora, “B”, SA. Pelo exposto, no despacho de 11.08.11, quando dizemos que o A. é “A” – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, queremos dizer serem os respectivos Participantes representados pela Administradora, a sociedade “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário,SA.  Anote-se nos autos em suporte de papel, na capa e na folhas 2».

Sustenta a apelante que os despachos supra citados implicaram uma modificação subjectiva activa da instância não permitida pelo disposto nos arts 269º e 270º CPC, pelo que se haverá de concluir pela ilegitimidade da referida ““B”- Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário SA”, para interpor a acção.

Como é sabido, e resulta da parte final do nº 2 do art 265º CPC, o principio do inquisitório não opera ao nível da modificação subjectiva da instância - nem mesmo quando essa modificação seja condição de suprimento da ilegitimidade - cabendo sempre às partes produzi-la, chamando a juízo quem nele deva estar, sem prejuízo do dever funcional do juiz, no âmbito da realização dos actos necessários à regularização da instância, de convidar a parte a tal chamamento.
A situação dos autos, nada tem a ver, porém, com a modificação subjectiva da instância.
O Exmo Juiz a quo, com os despachos acima referidos, não fez intervir na lide quem nela não estivesse já, mas cuidou apenas de precisar quem era autor na acção e a quem cabia a sua representação.
 E tendo-o feito em sede de despacho saneador, nenhuma das partes, incluindo, a agora apelante, reagiu a esse procedimento.
Compreende-se o cuidado do Exmo Juiz a quo, porquanto a situação jurídica dos fundos de investimento não é simples.[1]

  A disciplina dos fundos de investimento imobiliário está contida hoje no DL 60/2002 de 20/3, decorrendo da sua noção - art 2º/1 - estarem em causa «instituições de investimento colectivo, cujo único objectivo consiste no investimento  (…) dos capitais obtidos junto dos investidores e cujo funcionamento se encontra sujeito a um principio de repartição de riscos». Acrescenta o nº 2 desse preceito serem os fundos de investimento «patrimónios autónomos, pertencentes no regime especial de comunhão  (…) a uma pluralidade de pessoas singulares ou colectivas  designadas “participantes”  (…)  que não respondem, em caso algum, pelas dívidas destes ou das entidades que nos termos da lei, asseguram a sua gestão». Podem ser abertos, fechados ou mistos, segundo o art 3º desse diploma, e os fechados são aqueles «cujas unidades de participação são em número fixo». Estipula o art 6º que «(…) a administração dos fundos de investimento imobiliário é exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, (…) designada por sociedade gestora, (…)» sendo que «as sociedade gestoras adoptam a forma de sociedade anónima, sendo o respectivo capital social representado por acções nominativas» - art 7º - devendo as mesmas no exercício das suas funções, «actuar no interesse exclusivo dos participantes» - art 9º/1 – e competindo-lhes «em geral, a prática de todos os actos e operações necessários ou convenientes à boa administração do fundo de investimento,  e em especial (e entre o mais), segundo a al b) do nº 2 desse art 9º - «celebrar os negócios jurídicos e realizar todas as operações necessárias à execução da politica de investimentos prevista no regulamento de gestão  e exercer os direitos directa ou indirectamente relacionados com os valores do fundo de investimento»  
Os participantes não têm qualquer poder de gestão e não podem exercer qualquer direito sobre os valores constitutivos do fundo comum de investimento, sendo titulares apenas do direito à percepção dos respectivos proventos, nos termos fixados no regulamento de gestão e do direito de resgate das suas unidades de participação. Deve notar-se que sendo os aforradores participantes num fundo comum de investimento, mas não accionistas da sociedade gestora, apenas participam nos resultados económicos da gestão do fundo, mas não nos resultados económicos da gestão do património da sociedade.
Segundo Maria João Vaz Tomé [2] – que escreve ainda em função do DL 276/94,  depois substituído pelo DL 294/95 de 17/11- «estas instituições de investimento colectivo são definidas como patrimónios de que a pluralidade de investidores é titular, sendo tal património administrado por uma sociedade gestora a quem se atribuem poderes de domínio sem que seja proprietário do fundo, com o concurso de um depositário». Referindo mais adiante[3]: «Podendo estar, e estando em geral despidos de personalidade jurídica, os fundos comuns de investimento correspondem a patrimónios autónomos. Têm face ao património pessoal de cada um dos participantes uma destinação especial e uma administração separada. Daqui decorre a separação do património da sociedade gestora e património dos participantes». Acrescentando:  «Aquele património autónomo, visto não lhe ter sido reconhecida personalidade jurídica, tem de ser atribuído à sociedade gestora ou à comunidade dos participantes», observações que, em face do disposto no já referido art 2º/2 do DL 60/2002 de 20/3,    implicarão que o actual legislador se tenha orientado para a solução da compropriedade: «cada participante tem um direito de propriedade sobre os bens do fundo, proporcional à sua quota de participação e qualitativamente igual aos dos outros participantes, e naturalmente limitado por eles».
Em face do modelo trilateral acolhido para a estrutura legal dos fundos de investimento – sociedade de gestão, depositário e participantes – assistirá razão ao Exmo Juiz a quo quando atribui a qualidade de parte judiciária activa aos próprios participantes que se constituíram como um fundo de investimento imobiliário fechado, que designaram por “A”.
E tratando-se de um património autónomo, sem personalidade jurídica, a sua representação cabe ao seu administrador nos termos do art 22º CPC, não podendo esse administrador deixar de a sociedade anónima gestora desses fundos de investimento imobiliário, nos termos do art 6º do DL acima referido, que, no caso, corresponde à “B” – Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, SA.
Ao esclarecer a distinção entre parte e seu representante em juízo, o Exmo Juiz a quo não alterou a instância do lado activo, apenas tornou clara a posição dos participantes e a destrinçou da sociedade que gere o fundo, não interferindo ao nível da legitimidade.
Diga-se de passagem que se de ilegitimidade se pudesse ainda falar em face da não presença na acção dos demais participantes do “A” – pois, dois deles, necessariamente que se inteiraram da propositura da acção ao terem sido ouvidos como testemunhas – não faria sentido suprir tal excepção, em face do regime do art 288º/3 CPC, aqui aplicável em função da decisão que se antevê do presente acórdão.

Relacionou a apelante esta matéria com a das nulidades da sentença, entendendo que a sentença é nula, na medida em que, tendo o Exmo Juiz a quo aceitado que aqueles participantes prestassem depoimento em julgamento na qualidade de testemunhas – que já se viu que em rigor não tinham – teria tomado conhecimento de matéria que lhe estava vedada.
È evidente a confusão da apelante a este respeito.
As nulidades da sentença nada têm a ver com as nulidades processuais.
A circunstância do Exmo Juiz a quo ter permitido a prestação de depoimento na qualidade de testemunha a dois dos participantes – “F” e “G” – só poderia integrar-se, por via do disposto no art 617º CPC, na prática de acto não admitido pela lei e, consequentemente – art 201º/1 CPC – , subsumir-se a uma nulidade de acto processual.
As nulidades da sentença movem-se num plano completamente diferente daquele em que se situam as nulidades processuais, pois nada têm a ver com os procedimentos anteriores a ela própria, reportando-se exclusivamente à sua estrutura. No fundo, reconduzem-se à violação das regras da construção lógica da decisão, tendo como causa «a infracção de regras formais, atinentes ao poder-dever de cognição do juiz e à formação do silogismo judiciário, sendo-lhes estranho os procedimentos destinados à definição das premissas, que o mesmo é dizer, à especificação de facto e de direito»  [4].
As considerações da apelante ao nível em causa, apenas poderiam implicar uma nulidade de processo.
Mas, não estando em causa nulidade do processo de carácter oficioso, há muito que a mesma estaria sanada pela sua não arguição atempada, nos termos dos arts 202º e 203º CPC.
Isto, se, em rigor de nulidade se tratasse, pois que na verdade, a prática de um acto que a lei não admita só produz nulidade quando a lei o declare, ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do art 201º CPC. E, a partir do momento em que ao juiz é livre a audição de qualquer pessoa, mesmo que de parte processual – cfr arts 266º/2 - não se vê que a circunstância dos participantes terem sido formalmente ouvidos como testemunhas, em vez de o serem como partes, possa influir no exame ou decisão da causa, visto que em momento algum foi escamoteada a respectiva qualidade de participantes e em todo o seu depoimento esteve muito claramente em jogo o interesse que os mesmos poderiam ter no desfecho positivo da acção, não podendo o Exmo Juiz a quo  ter deixado de valorar este seu interesse quando procedeu à decisão da matéria de facto.
Em resumo, e concretamente para o que agora está estritamente em questão – a sentença não é nula não tendo conhecido de matéria (questão) de que não devesse conhecer.

As considerações antecedentes, sendo descabidas em sede de nulidades da sentença, poderiam, no entanto, mostrar-se relevantes em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto.
Com efeito, nesta sede, poderia a apelante ter defendido respostas diferentes para a decisão da matéria de facto, fazendo ver que as respostas dadas se baseavam predominantemente nas daqueles participantes, e como as mesmas, no confronto das mais credíveis  testemunhas que indicou, se mostravam parciais, devendo por isso ser desconsideradas.
A verdade, é que não foi exactamente assim que a apelante procedeu na impugnação da decisão da matéria de facto que levou a efeito, pois que além de serem muito parcas as considerações que reproduziu dos depoimentos a que recorreu, o fez de uma forma descontextualizada, que pouco ajuda a compreender os pontos de vista que defende, incluindo aquele de uma suposta parcialidade dos participantes ouvidos.

De toda a maneira, diga-se em contrário do que o defende a apelada, que a impugnação respeitou suficientemente o ónus de fundamentação a que se reporta o art  685ºB/1 al b) do CPC.

A impugnação da decisão da matéria de facto incide nas respostas dadas aos arts 1º, 2º, 3º, 4º e 10º, onde se pergunta, e foi respondido, respectivamente:
1º- «Num dos 30 dias seguintes a 26/10/2009, deslocaram-se ao locado três funcionários da A., entre eles um engenheiro, tendo-lhes sido explicada e transmitida a cessão do estabelecimento, incluindo o teor do doc 3 da petição, assente em F) G) e H) quanto aos seus termos». Foi respondido, “Não provado”.
2º - A R. não comunicou à A. a cessão e os termos do acordo com “I” constantes do doc 3 junto com a petição, provado em F) G) e H)». Foi respondido  “Provado”.
3º- «Logo nos três dias iniciais de Novembro de 2009, “I” realizou diversas obras de adaptação do locado, como seja a colocação de painéis publicitários ao mesmo e o melhoramento do próprio espaço, o chão, as paredes, as janelas».
4- «Tais obras forma feitas à vista de toda a gente, fosse pelo edifício estar aberto para o efeito, fosse pela presença de operários»- Foram respondidos conjuntamente do seguinte modo: “Provado apenas que “I” procedeu a obras de adaptação do locado, incluindo a colocação de painéis publicitários da sua actividade de restaurante japonês”.
10º -«A falta de comunicação quesitada em 2) frustrou o direito da A. em controlar o seu interesse no acto negocial entre a R. e “I”, e fez quebrar a confiança da A. na R. no âmbito da relação de arrendamento». Foi respondido, “Provado”.

Foi a seguinte a fundamentação do Exmo Juiz a quo no tocante às referidas respostas:
Artigo 1. - Inquirida ao artigo 2., em que o facto está formulado na negativa, a sócia e gerente da R., afirmou que a comunicação não foi reduzida a escrito, em qualquer suporte, e que não compreendeu a remessa de cópia do doc. 3 pi, fls 8/12, objecto deste quesito, e com mais relevo que a mesma não foi feita por ela mas por “D”, a quem incumbia de fazer a gestão corrente do estabelecimento, enquanto ela estava com frequência na Alemanha onde também reside. No seu depoimento o referido “D”, afirmou o quesitado, no tempo e lugar, identificando como representante da A. quem não o era, a testemunha e participante “F”, e que terá disponibilizado a este a leitura do documento, sem lho entregar, o que nos deixa intrigado sobre o conteúdo e o para quê sem aquele da comunicação. Acresce que quando a testemunha “F” um dos quatro (4) participantes no Fundo (fechado), que com esta motivação recolhia informações sobre a Ré, já desde 2008, se questiona que o dito documento não terá sido produzido na data que dele consta, tal mais reforça a dúvida, a um nível já não razoável, sobre a afirmação (da R.) objecto do quesito.
Artigo 2. – Com base no depoimento da gerente da R., enquanto ainda que esta afirmasse ter havido comunicação, foi clara que não foi com o conteúdo quesitado, enquanto não houve entrega de cópia do doc.3 pi, fls 8/12, Também as testemunhas “F” e “G”, este também um dos participantes no Fundo, esclarecendo que participam regularmente (mensalmente) do Comité Consultivo do Fundo, que emite parecer sobre assuntos que se possam traduzir em alteração nos direitos referentes aos imóveis, designadamente sobre alterações em arrendamentos, disseram que nenhum documento deste reflecte tal comunicação.. A rejeição em contraprova no depoimento de “D” mostrou-se insuficiente pelas mesmas razões indicadas na fundamentação da resposta ao artigo 1.
Artigo 3. – Como resulta da conjugação dos depoimentos de “D” e “E” (vizinha do estabelecimento) por um lado, e de J... “F” e “G” por outro, no que concerne ao elemento temporal que os primeiros reconduziram ao mês quesitado, Novembro de 2009, e os segundos. com base na afixação de placard indicando um restaurante "japonês", a Setembro/Outubro 2010, sendo que nenhum elemento documental foi junto que pudesse concretizar o momento/período de obras, nem quais elas foram exactamente.
Artigo 4. – O cerne do quesito é a publicidade associada à execução das obras, que para o exterior foi perceptível a partir do momento que afixação de placard, já com elas feitas, em Setembro/Outubro 2010, insistindo-se que a inexistência de documentação para actos (obra) tão recentes, torna pouco convincentes os depoimentos de “D” e “E”, no que relevaria de quem e quando foram feitas as obras.
Artigos 9. e 10. – Cfr depoimentos de J... “F” e “G”, que explicaram os objectivos do Fundo de que são participantes, e o interesse nas relações de arrendamento em conhecer os efectivos utilizadores como instrumento de planear as acções visando optimizar a rendibilidade dos imóveis. ".

O que se pergunta nos arts 1º, 2º e 3º - matéria alegada pela R. e que a mesma entende que resultou provada da prova produzida – é se, num dos trinta dias seguintes a 26/10/2009 – data constante do documento junto como nº 3 com a petição inicial, e referente ao “Contrato de Cessão de Exploração de estabelecimento comercial”, a que se referem os pontos G), H) e I) da matéria provada – se  deslocaram ao locado três funcionários da A , tendo-lhes sido explicada e transmitida a cessão do estabelecimento quanto aos seus termos, e se, logo nos três dias iniciais de Novembro de 2009 “I” realizou obras de adaptação do locado, como seja a colocação de painéis publicitários no mesmo e o melhoramento do próprio espaço (chão, paredes, janelas), e se tais obras foram feitas à vista de toda a gente.

            Ora, a prova produzida – pese embora o tenha sido em duas sessões de julgamento, sendo a primeira bem alongada – não conduziu a qualquer certeza no que respeita às datas invocadas pela R., agora apelante.
De facto, foi admitido por “F” e por “G” – referidos investidores na “A” – terem-se deslocado ao locado para conhecerem a situação de exploração em que o mesmo se encontrava, referindo terem nele bebido «uma cerveja japonesa», tendo-se “G” prontificado para mostrar um talão referente a esse consumo, que referiu ter sido realizado concretamente no dia  21/10/2010. Portanto, a crer no que disseram, muito depois dos tais trinta dias após o dito contrato de cessão de exploração comercial. Mais referiram que só falaram com uma rapariga, que sabia pouco português.
 A versão de “D” – também ele, afinal, interessado no desfecho da acção, na medida em que presta remuneradamente serviços de gestão corrente à gerente da arrendatária - é que, «logo após a realização do contrato» (de cessão), «oito, nove, dez dias após, no máximo», apareceram «lá» os referidos “F” e “G”,  e que estando à entrada do prédio – que estava em obras – ele, “D”, falou com eles e mostrou-lhes o contrato. Que «teve a percepção de que tinha que mandar alguma coisa, mas não mandou», tendo sido «um erro da parte dele».
Trata-se, consequentemente, de versões muito diferentes, quer do ponto de vista temporal, quer do ponto de vista espacial, pois que na versão de “D” a situação terá ocorrido em 2009 e o prédio estava em obras, e na versão dos referidos participantes a mesma teria ocorrido em 2010 e estava a funcionar um estabelecimento japonês, sendo por isso que consumiram uma cerveja (japonesa).
A outra testemunha da R. -  “E” – nada sabia desta situação, mas apenas da realização das obras, não tendo decorrido do seu depoimento, no que a elas respeita, e com  segurança, o ano da sua realização.
Nenhuma das versões foi convincente, ambas foram confusas – em parte, por causa dos muitos esclarecimentos constantemente solicitados pelo Exmo Julgador – mas, o que não há dúvida é que era à R. quem competia a prova dos pontos de factos em questão, também para efeitos da excepção da caducidade (que, aliás, não está colocada no presente recurso).
Daí que, não possa deixar de se acompanhar a resposta que foi dada aos pontos de facto aqui em referência: “Não provado”, relativamente à matéria do art 1º, e “Provado apenas que “I” procedeu a obras de adaptação do locado, incluindo a colocação de painéis publicitários da sua actividade de restaurante japonês”, no que respeita aos arts 3º e 4º.
Quanto ao art 2º, não pode também deixar de se subscrever a resposta positiva  dada em 1ª instância, resultando assim provado que a R. não comunicou à A. a cessão e os termos do acordo com “I” constantes do doc 3 junto com a petição.
Que o não comunicou por escrito está fora de questão, pois que “D” o assumiu como um “erro seu”; e que o não comunicou verbalmente, resulta afinal da prova que a R. não logrou relativamente à matéria do art 1º.
Quanto ao art 10º, é verdade que é muito duvidosa a pertinência, ou mesmo a utilidade do mesmo na base instrutória, por se tratar, em última análise, de um mero juízo de valor de carácter conclusivo, mas a entender-se como admissível a sua presença na mesma, a respectiva prova mostra-se inquestionável, precisamente pelas razões adiantadas pelo Exmo Juiz a quo: visto que, quer “F” – que designou, por manifesto lapso, como J... - quer “G” «explicaram os objectivos do Fundo de que são participantes, e o interesse nas relações de arrendamento em conhecer os efectivos utilizadores como instrumento de planear as acções visando optimizar a rendibilidade dos imóveis».

Mantém-se, pois, a matéria de facto tal como a mesma foi dada como provada na 1ª instância.

Tal como foi referido na sentença recorrida, a lei aplicável ao aspecto que está em causa na acção – resolução de contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em data possivelmente anterior a 19/11/1990 (inicio da vigência do RAU) em função da não comunicação ao senhorio da realização pelo arrendatário de cessão de exploração do estabelecimento comercial a terceiro – é o NRAU, nos termos da remissão dos seus arts  27º e 28º, para o seu art 26º, regendo por isso, a esse respeito, o respectivo art 1109º/2.

Nesse preceito diz-se: 1- «A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações. 2.A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês».  

Seguindo Pinto Furtado [5] «são distintas as “facti species” dos dois números, que tornam o artigo literalmente mais preciso e abrangente. No nº 1, se bem pensamos, contempla-se a hipótese de o titular de um prédio, ou parte dele, o arrendar a terceiro (transferir temporária e onerosamente o seu gozo, nas palavras do preceito) em conjunto com a concessão temporária da fruição do estabelecimento que nele vinha explorando. No nº 2 trata-se de outra hipótese: a de alguém que, sendo unicamente titular de um estabelecimento comercial ou industrial, instalado em prédio ou fracção que para o efeito arrendou, cede a exploração desse estabelecimento a terceiro. No primeiro caso, há claramente uma locação de duplo objecto mediato de gozo: o prédio ou fracção, e o estabelecimento. (…) No nº 2 estará em causa unicamente, a transmissão da exploração de estabelecimento comercial ou industrial instalado em prédio recebido em arrendamento pelo transmitente da exploração. O objecto mediato do contrato não é complexo, pois constitui a simples exploração, que se confere através do mero aluguer de estabelecimento. Este é então prestado pelo locatário do prédio ou fracção, que, sendo locador do estabelecimento, não perderá, por isso, a sua posição de locatário de prédio ou fracção – ao passo que, na hipótese legal do nº 1, o titular predial e, simultaneamente, do estabelecimento, presta em locação o conjunto (prédio e estabelecimento) ocupando no contrato a posição de locador único das duas realidades». (…) A transferência cingir-se-á, neste caso, à fruição do estabelecimento: não anula a locação do prédio realizada àquele que, por semelhante negociação, se torna apenas no locador do estabelecimento. È por isso que somente neste caso se dispensa, na parte final do nº 2, a autorização do senhorio.»

Está, assim, em causa neste nº 2 do art 1109º a hoje denominada locação de estabelecimento, que o RAU designava – respectivo art 111º - por “cessão de exploração de estabelecimento comercial”.
São seus traços característicos, uma transmissão, apenas temporária, da exploração do estabelecimento.
Diz Pinto Furtado [6] que «estes traços caracterizadores da cessão da exploração do estabelecimento com ou industrial desenham nitidamente a facti species da locação, corroborando a justeza da denominação de locação de estabelecimento (…):através desta figura, com efeito, o titular do estabelecimento (cedente) obriga-se a proporcionar ao cessionário a fruição deste, temporariamente e mediante retribuição, assim desenhando a imagem legal dada à locação pelo art 1022º CC».
 É que a exploração do estabelecimento constitui um valor patrimonial susceptível de ser negociado, portanto, de igualmente ser objecto de locação. Pelo que, conclui o autor em causa, «a cessão da exploração é, assim, a locação que tem por objecto mediato um estabelecimento comercial ou industrial instalado em prédio arrendado, e bem avisado andou o legislador de 2006 em designa-la expressamente de locação de estabelecimento».  

Na situação dos autos não se duvidará estar em causa esta locação de estabelecimento: A R., ““C”, Restaurante Snack Bar Lda”, adquirira em Julho de 2003, por trespasse, o estabelecimento comercial situado no nº catorze e ainda a cave/sub-cave esquerda, com entrada pelo número doze, do prédio urbano sito na Rua ..., nºs 12 a 14, em Lisboa, em que se incluiu o direito ao arrendamento. E o que cede a “I” mediante, e nos termos do contrato correspondente ao escrito junto como doc nº 3 à petição, é “o estabelecimento comercial destinado exclusivamente à actividade de restaurante e snack bar que está instalado na c/v direita do prédio urbano em causa.”

A A. não  pôs em causa este negócio de transferência do estabelecimento, sendo com base nele que interpõe a acção, só na réplica questionando que se trate verdadeiramente de uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, porque o terceiro lhe deu outro destino, ampliando a causa de pedir e acabando por pedir a resolução do arrendamento também com esse fundamento, no que a acção improcedeu.

Aqui chegados, é tempo de concluir que, ao contrário do que a apelante refere nos autos, e como decorre hoje claramente do referido nº 2 do art 1109º, a R. deveria ter comunicado a realizada locação do estabelecimento à representante dos AA. no prazo de um mês.
 
Não se desconhece que na vigência do RAU houve doutrina e jurisprudência a entenderem que o locatário não tinha que comunicar ao senhorio a cessão de exploração de estabelecimento.
Assim, Aragão Seia [7] que no âmbito do RAU referia: «Só aos locatários a lei veda a cessão onerosa, excepto se ela o permitir ou o locador o autorizar, sob pena deste poder resolver o contrato – al f) do art 64º - excepto se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da la g) do art 1038º CC , se a comunicação lhe tiver sido feita por este – art 1099º CC. Não existem, pois, afinidades entre estes contratos e o de cessão da exploração de estabelecimento comercial, não estando os contraentes deste ultimo obrigados a obter autorização prévia do senhorio ou a comunicar-lhe a sua realização, isto porque o cedente conserva sempre a titularidade da relação locatícia, não se transmitindo o arrendamento» e, em abono do seu entendimento, citava abundante jurisprudência [8].

Ma,s como refere Pinto Furtado [9] hoje, «propriamente quanto à necessidade de comunicação ao senhorio, a parte final do art 1109º/2 CC, exigindo-a agora expressamente, desautoriza - e bem – a jurisprudência que chegou anteriormente a revelar-se repetidamente em sentido contrário, embora a par de outra que também repetidamente se manifestava no bom sentido».

Assente que no âmbito do NRAU o arrendatário está obrigado a comunicar ao senhorio a locação do estabelecimento, dispondo para tanto do prazo de um mês[10], deverá entender-se que tal comunicação deve obedecer aos requisitos estabelecidos  no art 9º do NRAU, devendo ser dirigida ao senhorio, para o endereço constante do contrato de arrendamento,  por meio de carta registada com aviso de recepção, contendo também o endereço completo do subscritor, podendo tal carta ser entregue em mão, mas devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção, nos termos dos nº 1,3, 5 e 6 desse preceito, sendo que se a obrigação de comunicação não for tempestivamente cumprida, o senhorio tem direito à resolução do contrato de arrendamento nos termos dos  arts 1083º/2 e 1049º CC.

Com efeito, dispõe o art 1083º/2 CC na sua al e), que «é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio, a cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio». [11]

È a própria lei que refere ser inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento nestas circunstancias, e onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo espúrio por parte da apelante pretender que na situação dos autos – de locação de estabelecimento não comunicada ao senhorio -  não ocorreria aquela inexigibilidade. 
Com efeito, o princípio fundamental nesta matéria é o de que o arrendatário não pode transferir para outrem o gozo total ou parcial, definitivo ou temporário, onerosa ou gratuitamente, do espaço arrendado, como resulta da al f) do art 1038º CC onde, entre as diferentes obrigações do locatário, se enuncia a de «não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar»

Sendo caso para referir, como o faz o Exmo Juiz a quo: «E deste modo, ao arrepio do que sustenta a apelante, e conformando-nos com o critério do legislador de integrar a cláusula geral da inexigibilidade em função da gravidade ou consequências do incumprimento do inquilino, torna-se desnecessária outra factualidade para o efeito, aquela preenche o tipo da gravidade ou consequências da conduta da R. como o legislador a definiu. O que se dirá é que não há dificuldades em percepcionar que, independentemente da licitude (que já se assentou) da cessão de exploração, ao agir como o fez, ao omitir a comunicação à “B”, SA, e ao manter esse seu comportamento para lá de um mês relativamente à ocorrência da cessão da exploração, a R. actuou reiteradamente, ao arrepio do que se espera na cautela dos seus interesses de quem actua no comércio - fazendo-o com dolo (por razões que não importa), ou com culpa grave (enquanto nem considerou os comandos a que devia obediência) - assim não observando comportamento que na economia da relação faculta ao senhorio o controle da situação de cumprimento pela contraparte do dever nuclear de utilização do imóvel».

Com o que improcedem todas as questões objecto do recurso, e este, em consequência.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2013

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas     
José Maria Sousa Pinto  
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[1] Veja-se a respeito destes últimos, mas como referencias genéricas a ambos, o estudo de Maria João Vaz Tome  em “Estudos de Homenagem ao Banco  de Portugal”,  150º Aniversário,  p 102 e ss
[2]- Estudo atrás referido, p 119/120
[3]- P 151 e ss
[4] - «Sentença Cível – Estrutura, Objecto, Vícios e Enquadramento Legal» - Comunicação prestada no âmbito da Acção Complementar ao XX Curso Normal de Formação de Magistrados Judicias  (Curia , Abril de 2005) - Revista do CEJ, Numero Especial, 1º Semestre 2006/numero 4, pag 67 e ss
[5]  - «Manual de Arrendamento Urbano», II, 4ª ed , 762 e ss
[6] - Obra citada, p 757 
[7] - «Arrendamento Urbano anotado e comentado»,1995, p 422
[8]-  Ac RC 27/10/92, CJ IV -93 ; Ac RC 7/7/92, B 419º- 826 ; Ac RC  9/6/92, B 418º;  Ac RP 18/1/94, CJ I, 211  e de 23/6/92, B 418º-853; Ac STJ 20/10/92, B 420º-524
. Cfr o Ac STJ 16/11/2004 (Pinto Monteiro) acessível em wwwdgsipt em que, com voto de vencido, se diz (a respeito do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial): «Pensamos que a lei não exige nem a autorização nem sequer a comunicação. (…) A importância económica da cessão de exploração faz com que não se compadeça com o regime apertado do contrato de locação, impondo a dinâmica daquele o recurso ao princípio geral da liberdade contratual (artigo 405º do CC), que é um dos princípios básicos do nosso ordenamento jurídico civil.A cessão importa somente uma mudança de sujeito no que respeita à exploração do estabelecimento, que continua a ser o mesmo, mantendo o arrendamento existente. O arrendatário permanece com os mesmos vínculos, direitos e obrigações. O senhorio em nada vê alterada a sua posição relativamente ao locatário. Não se justificam assim novas exigências, como o seriam a autorização ou a obrigatoriedade de comunicação, que o artigo 1038º, alíneas f) e g) do C. Civil exige ao locatário, mas que não se aplica, pelo que já está dito, no caso de cessão de exploração. A lei procura facilitar a negociação do estabelecimento quando o titular deste não seja o proprietário do imóvel onde está instalado, mas sim inquilino. Nem se diga que no caso de trespasse a lei, dispensando a autorização, não dispensa a comunicação (artigo 115º do RAU), já que são coisas diferentes trespasse e cessão de exploração, bastando agora referir que este último negócio jurídico não incide directamente sobre o prédio e é a posição do arrendatário que aqui está em causa, mantendo-se, em princípio, inalterada a relação locatícia».
[9]- Obra citada, p 758
[10] - Pouco compreensivelmente num prazo superior ao exigido para a comunicação do trespasse que cai na regra geral dos 15 dias constante da al g) do art 1038º CC. Neste sentido Pinto Furtado, obra citada., p  767 e 739
[11] - Como o refere Pinto Furtado, obra citada, p 1083 o legislador « não estava dispensado de referir expressamente,  em boa técnica jurídica,  que a cessão a que se referia nesta al e) do nº 2 do art 1083º é a do «gozo do espaço arrendado»