Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3442/23.0T8CSC.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR PARA ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, contemplada nos artigos 53.º a 55.º da LAT, visa ajudar a suportar os encargos inerentes à assistência de que o sinistrado necessita.
II - Tal prestação, que não tem a natureza de pensão nem constitui um subsídio, é variável.
III - Assim, é admissível a sua graduação em função do grau de constância da assistência necessária.
IV – O período mínimo de seis horas diárias previsto na última parte do disposto no n.º 6 do artigo 53.º da LAT apenas logra aplicação nos casos contemplados na sua primeira parte, ou seja, nas situações em que a assistência de terceira pessoa é assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Em 21 de Abril de 2025, na acção especial emergente de acidente de trabalho que AA intentou contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A, foi proferida sentença que [ na parte que agora releva] teve o seguinte teor:
«Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, ocorrido no dia 3 de Novembro de 2022, pelas 9 horas, em Lisboa, em que é Sinistrado AA, nascido em 26 de Maio de 1988, em sede de tentativa de conciliação realizada em 24 de Abril de 2024, não existiu acordo entre as partes, por terem o Sinistrado e a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. discordado da avaliação médica da incapacidade efectuada pela Senhora Perita Médica que realizou o exame singular, considerando ambos “encontrar-se o sinistrado afectado de IPP com IPATH”, entendendo, ainda, o Sinistrado necessitar de assistência de terceira pessoa.
Foi requerida a realização de exame por junta médica, nos termos do disposto nos artigos 117º, n.º 1, alínea b), e 138º, n.º 2, ambos do Código Processo de Trabalho.
Previamente à realização do exame por junta médica, foi solicitado ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. parecer técnico nos termos do artigo 21º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e Instrução Geral n.º 13 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro).
Realizado exame por junta médica, os Senhores Peritos concluíram, por unanimidade, que em consequência das sequelas resultantes do acidente dos autos o Sinistrado se encontra afectado de uma I.P.P. de 75%, sendo tais sequelas impeditivas do exercício da profissão de fisioterapeuta “sendo compatível com a realização de outras actividades profissionais como a que se encontra no momento a realizar (analista de dados informático)”, determinando tais sequelas “no momento dependência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos (…) e passeio diário dos cães, sendo estimada em 3-4 horas diárias (todos os dias) em regime de complemento”.
Pelos Senhores Peritos Médicos em representação do Tribunal e do Sinistrado foi considerado ser de aplicar o factor 1,5 (por estar o Sinistrado afectado de I.P.A.T.H.), fixando,
como tal, o coeficiente global de incapacidade em I.P.P. de 100% com I.P.A.T.H., pela Senhora Perora Médica em representação da Seguradora foi considerado que “sendo este fator alvo de inúmeras discordâncias jurídicas, admite que a situação não deve ser definida em junta médica e no presente caso a IPP atingida com a aplicação do factor 1,5 ultrapassaria
os 100%, o que é claramente desproporcional para a realidade do sinistrado que encontra-se capaz para exercer actividades remuneradas”.
*
II. Saneamento:
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades que o invalidem no seu todo.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e legitimidade ad causam.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à decisão da causa.
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III. Fundamentação de facto:
Por acordo das partes, expresso no auto de tentativa de conciliação de 24 de Abril de 2024 e com base nos documentos dos autos, bem como nos exames periciais realizados e no parecer do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. resultam provados os seguintes factos:
1. No dia 3 de Novembro de 2022, pelas 9 horas, em Lisboa, quando exercia a sua profissão de fisioterapeuta, sob a autoridade, direcção e fiscalização de Sport Lisboa e Benfica, ao dirigir-se para o seu local de trabalho, AA sofreu um acidente de viação;
2. O acidente de viação referido em 1. consistiu em colisão do motociclo que AA conduzia com um veículo automóvel que se interpôs;
3. À data, AA auferia a retribuição anual de € 24.646,46, correspondente a € 1.520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 1.520,00 x 1 (outras retribuições);
4. O Sport Lisboa e Benfica tinha a responsabilidade emergente do sinistro em causa transferida para a Fidelidade Companhia de Seguros, S.A. com base na retribuição referida em 3.;
5. Do evento descrito em 1. e 2. resultou para AA lesão vertebro medular completa dorso-lombar, com paraplegia, associada a alteração dos esfíncteres e marcha impossível;
6. Em consequência do referido evento AA ficou afectado de incapacidade temporária absoluta de 4 de Novembro de 2022 a 19 de Outubro de 2023;
7. A Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. pagou a AA as quantias melhor discriminadas no documento junto fls. 5 do suporte físico dos autos, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária referido em 6.;
8. AA teve alta definitiva em 19 de Outubro de 2023 (data em que a situação foi considerada estabilizada);
9. As tarefas exercidas habitualmente por AA no posto de trabalho que ocupava à data do evento referido em 1. eram;
“Realiza a avaliação, estabelece o diagnóstico e o prognóstico e define, executa, monitoriza e avalia o plano de tratamento e a reabilitação de lesões decorrentes da prática desportiva, bem como define programas personalizados com vista à prevenção das lesões e à manutenção e/ou melhoria do desempenho dos atletas.
Elabora planos de treino individuais, com vista à prevenção das lesões desportivas e/ou à manutenção ou melhoria do desempenho dos atletas:
Reúne com o preparador físico, fisiologista e outros elementos da equipa técnica, para a recolha de contributos para a elaboração do plano;
Elabora programas de exercícios personalizados e de técnicas adequadas ao atleta para minimizar o risco de lesão;
Acompanha os treinos do atleta, prestando-lhe aconselhamento e procedendo aos ajustamentos necessários.
Realiza o tratamento de lesões e a reabilitação dos atletas:
Efectua uma avaliação completa para determinar a extensão e a natureza da lesão, utilizando, nomeadamente, determinados testes de diagnóstico para identificar áreas específicas de dor e disfunção;
Cria plano de tratamento individualizado, baseado na avaliação realizada;
Estabelece objectivos a curto e longo prazo para a reabilitação do atleta;
Selecciona, prepara e desloca os equipamentos, materiais e produtos a utilizar nos tratamentos e exercícios a realizar, desde o armazém de acondicionamento dos mesmos até à sala de fisioterapia;
Executa técnicas manuais, como massagens, manipulação para aliviar dor e melhorar a mobilidade, mobilização articular, técnicas de osteopatia, entre outras;
Aplica tratamentos como ultrassom, electroterapia, termoterapia e crioterapia, com recurso aos equipamentos adequados;
Realiza a colocação de ligaduras, bandas compressivas e bandas funcionais de auxílio à reabilitação;
Promove exercícios de simulação de actividades específicas do desporto, para melhorar o equilíbrio, a coordenação e a propriocepção;
Monitoriza e avalia a resposta do atleta ao tratamento e efectua as modificações necessárias ao plano.
Acompanha treinos e jogos, “em casa” e “fora de casa”, em território nacional e no estrangeiro:
Prepara, organiza e transporta equipamentos, materiais e produtos, necessários à assistência a prestar aos atletas, nomeadamente, geleira, equipamentos, materiais e produtos organizados em mala própria e marquesa (se necessário);
Acompanha as viagens dos atletas, rodoviárias e aéreas, em função dos destinos/locais da competição;
Realiza tratamentos e reabilitação dos atletas, sempre que necessário, entre os treinos e/ou entre treinos e jogos, com o recurso aos equipamentos e materiais que acompanham a equipa em viagem;
Assiste aos jogos, através do banco de reservas, mantendo a prontidão para, dentro e/ou fora de campo, prestar assistência a qualquer jogador que sofra uma lesão e ou intercorrência.
Transporta e acompanha os atletas em situação de consultas e/ou exames médicos e, em caso de lesão, em contexto de urgência hospitalar, conduzindo viatura própria ou de serviço.
Articula com treinadores, fisiologistas, nutricionistas e outros elementos da equipa técnica para assegurar uma intervenção integrada e participa em reuniões de equipa para analisar o progresso do atleta e a necessidade de ajuste ao plano individual.
Efectua registos detalhados das intercorrências e do progresso de cada atleta, bem como dos ajustes aos planos individuais.
Acondiciona e organiza os equipamentos, materiais e produtos no armazém de apoio à sala de fisioterapia”.;
10. As exigências físicas e psicomotoras requeridas para o efectivo desempenho das tarefas referidas no número anterior são:
“(…) relativamente à posição de trabalho, o trabalhador adopta, na maioria do tempo, a posição de bipedestação. Em especial nas tarefas de tratamento de lesões e reabilitação de atletas (mas não exclusivamente), a função requer, frequentemente, a adopção das posturas de curvado, agachado e ajoelhado,
em função do local e dos equipamentos de trabalho que tem ao seu dispor (sala de fisioterapia, campo de futsal, banco de reservas, balneário, entre outros).
No desenvolvimento da sua actividade o trabalhador está, ainda, sujeito a frequentes torções laterais e dorso-lombares; flexões do tronco;
flexões, torções e extensões do pescoço, assim como, a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima do nível dos ombros.
Em termos de locomoção, a função exige frequentes deslocações a pé, geralmente em terreno plano, quer para a deslocação do equipamento e material de tratamentos, do armazém de acondicionamento dos mesmos até à
sala de fisioterapia; quer para efeitos da articulação constante com os diferentes elementos da equipa técnica ou, ainda, para o acompanhamento da equipa em treinos e jogos (“em casa” e “fora de casa”).
As deslocações para o exterior implicam o transporte, em mãos, de carga (geleira, mala e marquesa), por curtas distâncias, bem como subida e descida dos degraus de
acesso ao autocarro do clube e/ou entrada/saída de aeronaves.
No que respeita ao tipo e intensidade do esforço, a função exige que o trabalhador levante e desloque equipamentos e material de trabalho (geleira, mala, marquesa), cujo peso pode atingir os 15/20kg.
A função requer, ainda, que o trabalhador empurre, com ambas as mãos, um carro de transporte com aparelhos de electroterapia, por forma a deslocar o mesmo desde o armazém de acondicionamento até à zona de tratamentos.
Relativamente às exigências psicomotoras, são requeridas mobilização persistente e ágil, destreza manual, precisão de movimentos, força dinâmica ao nível dos membros superiores, inferiores e do tronco e coordenação motora.
Ao nível da coordenação motora, salienta-se a coordenação óculo manual, mão-mão, braço-braço, dedos-mão e mão-braço-ombro, bem como pé-pé, perna-perna, perna-pé, por forma a garantir a execução das tarefas manuais (por vezes em locais improvisados para o efeito) e a resposta às
exigências relacionadas com a locomoção e a bipedestação na maioria do tempo de trabalho.
São, ainda, exigidos firmeza e controlo muscular contínuo
no sistema braço-mão-dedo.
É, ainda, requerida coordenação óculo-manual pedal, para a tarefa de condução, aquando do acompanhamento dos atletas
11. Após o evento referido em 1. e 2. AA não retomou o exercício da profissão de fisioterapeuta;
12. As sequelas resultantes das lesões sofridas por AA são impeditivas do exercício da profissão de fisioterapeuta;
13. As referidas sequelas não são impeditivas da execução de outras actividades profissionais, compatíveis com as suas limitações, como aquela que, no momento, AA realiza (analista de dados informático);
14. AA ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
15. AA ficou afectado de incapacidade permanente parcial de 75% [com enquadramento no Capitulo III 5.2.1.2 b) da Tabela Nacional de Incapacidades]1;
16. Devido às sequelas decorrentes do evento referido em 1. e 2., AA depende da assistência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e para passeio diário dos cães, estimada em 3-4 horas, todos os dias;
17. AA despendeu € 20,00 em transportes com a deslocação ao Tribunal.» - fim de transcrição.
Seguiu-se a fundamentação de direito, sendo que a sentença logrou o seguinte dispositivo.
«Pelo exposto e decidindo:
I.
Fixa-se a incapacidade de que padece o Sinistrado AA em consequência do acidente dos autos em incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (I.P.A.T.H.), com uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 100% (correspondente a 75%, com factor de bonificação de 1,5);
II.
Condena-se a Fidelidade– Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Sinistrado AA:
a) uma pensão anual e vitalícia, actualizável, de € 19.717,17 (dezanove mil, setecentos e dezassete euros e dezassete cêntimos), devida desde 20 de Outubro de 2023, paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título respectivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data vencimento de cada prestação até integral pagamento, sem prejuízo da dedução de valores que tenham sido pagos a título de pensão provisória;
b) a título de subsídio por elevada incapacidade previsto no artigo 67º, n.º 2 da L.A.T., a quantia de € 5.850,24 (cinco mil, oitocentos e cinquenta euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 20 de Outubro de 2023 até integral pagamento;
c) a título de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a quantia mensal de € 332,50, devida desde 20 de Outubro de 2023, paga 14 vezes por ano, actualizável desde 1 de Janeiro de 2024, conforme a evolução da retribuição mínima mensal garantida, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento de
cada prestação até integral pagamento;
d) a quantia de € 20,00 (vinte euros), a título de despesas de deslocação a este Tribunal.
Custas pela Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. (artigo 527º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Fixa-se o valor da causa em € 403.039,12 (cfr. artigo 120º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho).
Registe e notifique. » - fim de transcrição.
As notificações foram expedidas em 2 de Maio de 2025 , data em que o MºPº também foi notificado.
Em 19 de Maio de 2025, o sinistrado AA recorreu.
Concluiu que:
«1. O ora Recorrente sofreu um acidente de viação, in casu, acidente in itinere, no dia 3 de Novembro de 2022, pelas 9 horas, em Lisboa, quando exercia a sua profissão de fisioterapeuta, sob a autoridade, direcção e fiscalização de Sport Lisboa e Benfica, ao dirigir-se para o seu local de trabalho;
2. O qual veio a ser qualificado como Acidente de Trabalho, consubstanciando-se, simultaneamente numa acidente de viação e acidente de trabalho.
3. Em virtude das lesões sofridas, e conforme decorre do resultado da junta médica, que o ora Recorrente ficou afectado de incapacidade permanente parcial (IPP) de 75 %, a qual por via do factor de bonificação de 1.5 , se reconduz a uma IPP de 100 %.
4. O douto Tribunal a quo determinou que o ora Recorrente ficou igualmente afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH);
5. Igualmente, que depende da assistência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e passeio diário dos cães, estimada em 3-4 horas, todos os dias.
6. Em razão do sinistro, veio o ora Recorrente a padecer de sequelas resultantes das lesões sofridas que são impeditivas do exercício da profissão que exercia à data do sinistro, fisioterapeuta, contudo não são impeditivas da execução de outras actividades profissionais, compatíveis com as suas limitações
7. Salvo melhor entendimento, o douto tribunal a quo apreciou erradamente a matéria de facto no respeitante ao montante da retribuição anual ilíquida que o ora Recorrente auferia à data do sinistro.
8. Para uma cabal compreensão da questão controvertida veja-se o disposto no facto provado nº 3 da sentença revidenda:
À data, AA auferia a retribuição anual de € 24.646,46, correspondente a € 1.520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 1.520,00 x 1 (outras retribuições);”.
9. Com efeito, para efeitos da fixação da retribuição anual ilíquida foi desconsiderado em absoluto o valor auferido a título de isenção de horário de trabalho (IHT).
10. O ora Recorrente auferia, à data do sinistro e durante toda a vigência do seu contrato de trabalho celebrado com a entidade empregadora, o valor mensal de € 380,00 (trezentos e oitenta euros) a título de IHT.
11. Em rigor ora Recorrente iniciou o contrato de trabalho a 01 de Julho de 2022, nos termos do qual auferia a remuneração mensal de € 1.900,00 (mil e novecentos euros), montante que resulta da adição do salário base ao IHT, isto é, € 1.520,00 + € 380,00 = € 1.900,00 .
12. Deste modo, subscrevemos os valores considerados a título de salário base e subsídio de alimentação, contudo, em sentido oposto, não podemos subscrever o valor apurado de € 1.520,00 x 1 a título de “(outras retribuições)”.
13. Para o cálculo do valor que o ora Recorrente auferia anualmente a título de IHT devemos multiplicar o montante de IHT mensal por catorze meses, i.e., € 380,00 x 14, o que perfaz um total de € 5.320,00 (cinco mil, trezentos e vinte euros) por ano.
14. Destarte, é manifesto o erro na apreciação da prova e fixação da matéria de facto provada.
15. Por tudo quanto aqui resulta exposto, o facto provado nº 3 da douta sentença deve ser rectificado nos seguintes termos:
“À data, AA auferia a retribuição anual de € 28.446,46, correspondente a € 1.520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 5.320,00 (isenção de horário de trabalho);”.
16. Impõe-se concluir que o valor da retribuição anual ilíquida auferida pelo Recorrente à data do sinistro era de € 28.446,46 (vinte e oito mil, quatrocentos e quarenta e seis euros, e quarenta e seis cêntimos), em vez de € 24.646,46 .
17. Deste modo, e no seguimento do professado na douta sentença, a pensão anual vitalícia corresponde a 80% do montante da retribuição anual ilíquida.
Ou seja, € 28.446,46 x 80%, o que perfaz o montante de € 22.757,17 (vinte e dois mil, setecentos e cinquenta e sete euros, e dezassete cêntimos).
18. No que respeita à prestação suplementar para assistência por terceira pessoa, o tribunal a quo considerou que o Sinistrado, em consequência das sequelas decorrentes do acidente, depende da ajuda de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e passeio diário dos cães em 3.5 horas diárias, tendo fixado a prestação suplementar em € 332,50 (€ 760,00 / 8 x 3.5 horas), paga 14 vezes por ano e actualizada/actualizável conforme a evolução da retribuição mínima mensal garantida.
19. Certo é que não podemos concordar com a fixação da prestação em função de 3,5 horas diárias.
20. Nos termos do nº 6 do artigo 53º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro:
“A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.”
21. Atenta a letra da lei, sempre se dirá que o doutro tribunal deveria ter fixado a prestação suplementar em função de um mínimo de 6 horas diárias, pois que de outra forma fez uma errada interpretação e aplicação do Direito.
22. Destarte, a prestação suplementar deveria ser fixada no montante de € 570,00 (€ 760,00 / 8 x 6 horas), com a respetiva atualização» - fim de transcrição.
Finaliza sustentando que a sentença deve ser alterada:
« a) Para uma que fixe a pensão anual vitalícia, actualizável, no
montante de € 22.757,17 (vinte e dois mil, setecentos e cinquenta e sete euros, e dezassete cêntimos) devida desde 20 de Outubro de 2023, paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título respectivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data vencimento de cada prestação até integral pagamento, sem prejuízo da dedução de valores que tenham sido pagos a título de pensão provisória;
b) Determinar o montante da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, na quantia mensal de € 570,00, devida desde 20 de Outubro de 2023, paga 14 vezes por ano, actualizável desde 1 de Janeiro de 2024, conforme a evolução da retribuição mínima mensal garantida, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, inalterando-se nos restantes termos(…)».
A FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.. contra-alegou.
Concluiu que:
«1. Em ação especial emergente de acidente de trabalho existe uma fase conciliatória do processo, que corre sob a fiscalização do Ministério Público, na qual as partes definem e pronunciam-se sobre diversos temas – entre os quais a retribuição
auferida pelo sinistrado na data do acidente.
2. É promovido acordo nos termos do art.109º do C.P. Trabalho e, frustrado o mesmo, o auto de não conciliação contém obrigatoriamente os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da
existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (art.112º).
3. A fase contenciosa tem por base Petição inicial ou requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da
perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
4. Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar
no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º.
5. No caso em apreço, o montante da remuneração ficou definido, por acordo, no auto de não conciliação de fls...
6. E esse montante da remuneração é o que consta da sentença recorrida.
7. Tendo havido discordância, apenas, quanto ao grau de incapacidade, razão pela qual o processo entrou na fase contenciosa através de requerimento de junta médica de
fls...
8. O que o sinistrado pretende com o recurso é, salvo melhor opinião, corrigir declarações feitas em sede de tentativa de conciliação, utilizando para tal um expediente impróprio e manifestamente extemporâneo.
9. O sinistrado, representado por advogado em tentativa de conciliação, não levantou qualquer questão relativa ao salário nem fez intervir, designadamente, a entidade patronal para que fosse responsabilizada pela parte eventualmente não transferida para a seguradora.
10. O sinistrado não invocou durante o processo, nem invoca no recurso, a nulidade da tentativa de conciliação.
11. A apresentação de recurso configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, já que não nega as declarações feitas em conciliação mas vem formular pedido contrário às mesmas, alegando um erro de julgamento que não
existe.
Por outro lado,
12. O auto de junta médica fixa as necessidade de ajuda de terceira pessoa – cfr. auto de junta médica de fls.. – em três a quatro horas diárias.
13. A sentença recorrida determina, para efeito de determinação do montante a pagar, que o mesmo deve ser pago com base em três horas e meia diárias, achando o
respetivo valor com base no salário mínimo nacional em vigor à data do acidente.
14. O art.53º, n.º6 da Lei 98/2009, de 4 de setembro, determina que a assistência de terceira pessoa pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas.
15. Não é o caso que temos em mãos, sendo que a norma em causa não é aplicável a todos os casos em que é devida assistência de terceira pessoa mas apenas para
aqueles em que a mesma é assegurada de forma coletiva, sucessiva e conjugada.
16. Casos em que a lei acautela um número de horas mínimo para que depois o montante da ajuda possa ser fixado em conformidade e seja suficiente para custear as necessidades dessa mesma ajuda.
17. É vasta a jurisprudência que fixa montantes da prestação acessória em razão de um número de horas necessário inferior a seis.
18. A sentença recorrida não merece, como tal, qualquer reparo» - fim de transcrição.
Assim , sustenta que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.
Em 23 de Julho de 2025 ,foi proferido o seguinte despacho:
«A decisão é recorrível, o recurso foi interposto em tempo (art.º 80.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho) e por quem para tal tem legitimidade. Pelo exposto, admito o recurso interposto pelo sinistrado, o qual é de apelação (art.º 79.º, al. b), 79.º-A, n.º 1 e 3, do Código de Processo do Trabalho), a subir imediatamente, nos próprios autos (art.º 83.º-A, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho) e com efeito meramente devolutivo (art.º 83.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
*
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa– art.º 82.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho» - fim de transcrição.
A Exmª Procuradora Geral Adjunta formulou o seguinte parecer:
«Inconformado com a sentença de 21-04-2025 que fixou ao sinistrado, em consequência do acidente dos autos, uma IPATH com IPP de 100% e condenou a Fidelidade – Companhia de seguros, S.A. a
pagar-lhe, além do mais, uma pensão anual e vitalícia atualizável no valor de € 19.717,17 e uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no valor de € 332,50, recorre AA.
Alega e conclui, em síntese, e no que releva que:
a) À data do acidente a sua retribuição anual era de € 28.446,46, correspondente a € 1520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 5.320,00 (isenção do horário de trabalho);
b) A pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado é de € 22.757,17 (€ 28.446,00 x 0,8);
c) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa deveria ter sido fixada por referência a um mínimo de 6 horas, de acordo com o disposto no artigo 53º, nº 6 da Lei 98/2009 de 4 de setembro, em € 570,00 (€ 760,00 / 8 x 6).
Respondendo, pugna a Fidelidade – Companhia de Seguros, Lda, pela improcedência do recurso considerando, em suma, que:
a) No caso em apreço, o montante da retribuição ficou definido, por acordo, na tentativa de conciliação, onde o sinistrado representado por advogado nada suscitou, nem fez intervir a entidade patronal, para efeitos de responsabilidade pela parte eventualmente não
transferida da retribuição;
b) Apenas houve discordância quanto a grau de incapacidade, razão pela qual a fase contenciosa se iniciou com um requerimento para junta médica;
c) O sinistrado pretende com o recurso corrigir as declarações feitas em sede de tentativa de conciliação, utilizando para tal um expediente impróprio e manifestamente extemporâneo;
d) O sinistrado não invocou no processo, nem invoca no recurso, a nulidade da tentativa de conciliação, pelo que o presente recurso configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;
Por outro lado
e) A auto de junta médica a fixou as necessidades de ajuda de terceira pessoa em três a quatro horas;
f) A norma constante do artigo 53.º, n.º 6 da Lei 98/2009 de 4 de setembro não tem aplicação ao caso, que se destina a situações em que a assistência é assegurada de forma coletiva, sucessiva e conjugada.
Cremos que tem razão.
Efetivamente, tendo o sinistrado estado presente, acompanhado da sua mandatária, na tentativa de conciliação realizada no âmbito destes autos, em 24-04-2024, a conciliação só não foi possível por ter
o sinistrado discordado da avaliação médica da incapacidade efetuada pela Perita Médica do Tribunal.
Ora considerando o disposto nos artigos 112.º e 138.º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, a fase contenciosa tinha por objeto apenas a discussão do grau de incapacidade do sinistrado e a
determinação das prestações patrimoniais que lhe são devidas.
Ao fixar a retribuição anual do sinistrado em € 24.646,46, correspondente a € 1520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 1.520,00 (outras retribuições), a M. Juíza a quo, mais
não fez do reproduzir o que já estava assente por acordo, na tentativa de conciliação, pelo que a decisão não enferma de qualquer erro na apreciação da matéria de facto.
Quanto à prestação para assistência de terceira pessoa, acompanhamos a posição da Recorrida: a norma invocada não tem aplicação ao caso em apreço, e a sentença recorrida na sua fundamentação e decisão não merece censura.
Somos, pois, de parecer que o recurso interposto deverá improcede» - fim de transcrição.
Não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
*
Na elaboração do presente acórdão será levada em conta a matéria decorrente do supra elaborado relatório, nomeadamente que em sede factual a sentença recorrida teve como provada a seguinte matéria de facto [ por acordo das partes, expresso no auto de tentativa de conciliação de 24 de Abril de 2024 e com base nos documentos dos autos, bem como nos exames periciais realizados e no parecer do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P]:
1. No dia 3 de Novembro de 2022, pelas 9 horas, em Lisboa, quando exercia a sua profissão de fisioterapeuta, sob a autoridade, direcção e fiscalização de Sport Lisboa e Benfica, ao dirigir-se para o seu local de trabalho, AA sofreu um acidente de viação;
2. O acidente de viação referido em 1. consistiu em colisão do motociclo que AA conduzia com um veículo automóvel que se interpôs;
3. À data, AA auferia a retribuição anual de € 24.646,46, correspondente a € 1.520,00 x 14 (salário base) + € 7,63 x 242 (subsídio de refeição) + € 1.520,00 x 1 (outras retribuições);
4. O Sport Lisboa e Benfica tinha a responsabilidade emergente do sinistro em causa transferida para a Fidelidade Companhia de Seguros, S.A. com base na retribuição referida em 3.;
5. Do evento descrito em 1. e 2. resultou para AA lesão vertebro medular completa dorso-lombar, com paraplegia, associada a alteração dos esfíncteres e marcha impossível;
6. Em consequência do referido evento AA ficou afectado de incapacidade temporária absoluta de 4 de Novembro de 2022 a 19 de Outubro de 2023;
7. A Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. pagou a AA as quantias melhor discriminadas no documento junto fls. 5 do suporte físico dos autos, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária referido em 6.;
8. AA teve alta definitiva em 19 de Outubro de 2023 (data em que a situação foi considerada estabilizada);
9. As tarefas exercidas habitualmente por AA no posto de trabalho que ocupava à data do evento referido em 1. eram;
“Realiza a avaliação, estabelece o diagnóstico e o prognóstico e define, executa, monitoriza e avalia o plano de tratamento e a reabilitação de lesões decorrentes da prática desportiva, bem como define programas personalizados com vista à prevenção das lesões e à manutenção e/ou melhoria do desempenho dos atletas.
Elabora planos de treino individuais, com vista à prevenção das lesões desportivas e/ou à manutenção ou melhoria do desempenho dos atletas:
Reúne com o preparador físico, fisiologista e outros elementos da equipa técnica, para a recolha de contributos para a elaboração do plano;
Elabora programas de exercícios personalizados e de técnicas adequadas ao atleta para minimizar o risco de lesão;
Acompanha os treinos do atleta, prestando-lhe aconselhamento e procedendo aos ajustamentos necessários.
Realiza o tratamento de lesões e a reabilitação dos atletas:
Efectua uma avaliação completa para determinar a extensão e a natureza da lesão, utilizando, nomeadamente, determinados testes de diagnóstico para identificar áreas específicas de dor e disfunção;
Cria plano de tratamento individualizado, baseado na avaliação realizada;
Estabelece objectivos a curto e longo prazo para a reabilitação do atleta;
Selecciona, prepara e desloca os equipamentos, materiais e produtos a utilizar nos tratamentos e exercícios a realizar, desde o armazém de acondicionamento dos mesmos até à sala de fisioterapia;
Executa técnicas manuais, como massagens, manipulação para aliviar dor e melhorar a mobilidade, mobilização articular, técnicas de osteopatia, entre outras;
Aplica tratamentos como ultrassom, electroterapia, termoterapia e crioterapia, com recurso aos equipamentos adequados;
Realiza a colocação de ligaduras, bandas compressivas e bandas funcionais de auxílio à reabilitação;
Promove exercícios de simulação de actividades específicas do desporto, para melhorar o equilíbrio, a coordenação e a propriocepção;
Monitoriza e avalia a resposta do atleta ao tratamento e efectua as modificações necessárias ao plano.
Acompanha treinos e jogos, “em casa” e “fora de casa”, em território nacional e no estrangeiro:
Prepara, organiza e transporta equipamentos, materiais e produtos, necessários à assistência a prestar aos atletas, nomeadamente, geleira, equipamentos, materiais e produtos organizados em mala própria e marquesa (se necessário);
Acompanha as viagens dos atletas, rodoviárias e aéreas, em função dos destinos/locais da competição;
Realiza tratamentos e reabilitação dos atletas, sempre que necessário, entre os treinos e/ou entre treinos e jogos, com o recurso aos equipamentos e materiais que acompanham a equipa em viagem;
Assiste aos jogos, através do banco de reservas, mantendo a prontidão para, dentro e/ou fora de campo, prestar assistência a qualquer jogador que sofra uma lesão e ou intercorrência.
Transporta e acompanha os atletas em situação de consultas e/ou exames médicos e, em caso de lesão, em contexto de urgência hospitalar, conduzindo viatura própria ou de serviço.
Articula com treinadores, fisiologistas, nutricionistas e outros elementos da equipa técnica para assegurar uma intervenção integrada e participa em reuniões de equipa para analisar o progresso do atleta e a necessidade de ajuste ao plano individual.
Efectua registos detalhados das intercorrências e do progresso de cada atleta, bem como dos ajustes aos planos individuais.
Acondiciona e organiza os equipamentos, materiais e produtos no armazém de apoio à sala de fisioterapia”.;
10. As exigências físicas e psicomotoras requeridas para o efectivo desempenho das tarefas referidas no número anterior são:
“(…) relativamente à posição de trabalho, o trabalhador adopta, na maioria do tempo, a posição de bipedestação. Em especial nas tarefas de tratamento de lesões e reabilitação de atletas (mas não exclusivamente), a função requer, frequentemente, a adopção das posturas de curvado, agachado e ajoelhado,
em função do local e dos equipamentos de trabalho que tem ao seu dispor (sala de fisioterapia, campo de futsal, banco de reservas, balneário, entre outros).
No desenvolvimento da sua actividade o trabalhador está, ainda, sujeito a frequentes torções laterais e dorso-lombares; flexões do tronco;
flexões, torções e extensões do pescoço, assim como, a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima do nível dos ombros.
Em termos de locomoção, a função exige frequentes deslocações a pé, geralmente em terreno plano, quer para a deslocação do equipamento e material de tratamentos, do armazém de acondicionamento dos mesmos até à
sala de fisioterapia; quer para efeitos da articulação constante com os diferentes elementos da equipa técnica ou, ainda, para o acompanhamento da equipa em treinos e jogos (“em casa” e “fora de casa”).
As deslocações para o exterior implicam o transporte, em mãos, de carga (geleira, mala e marquesa), por curtas distâncias, bem como subida e descida dos degraus de
acesso ao autocarro do clube e/ou entrada/saída de aeronaves.
No que respeita ao tipo e intensidade do esforço, a função exige que o trabalhador levante e desloque equipamentos e material de trabalho (geleira, mala, marquesa), cujo peso pode atingir os 15/20kg.
A função requer, ainda, que o trabalhador empurre, com ambas as mãos, um carro de transporte com aparelhos de electroterapia, por forma a deslocar o mesmo desde o armazém de acondicionamento até à zona de tratamentos.
Relativamente às exigências psicomotoras, são requeridas mobilização persistente e ágil, destreza manual, precisão de movimentos, força dinâmica ao nível dos membros superiores, inferiores e do tronco e coordenação motora.
Ao nível da coordenação motora, salienta-se a coordenação óculo manual, mão-mão, braço-braço, dedos-mão e mão-braço-ombro, bem como pé-pé, perna-perna, perna-pé, por forma a garantir a execução das tarefas manuais (por vezes em locais improvisados para o efeito) e a resposta às
exigências relacionadas com a locomoção e a bipedestação na maioria do tempo de trabalho.
São, ainda, exigidos firmeza e controlo muscular contínuo
no sistema braço-mão-dedo.
É, ainda, requerida coordenação óculo-manual pedal, para a tarefa de condução, aquando do acompanhamento dos atletas
11. Após o evento referido em 1. e 2. AA não retomou o exercício da profissão de fisioterapeuta;
12. As sequelas resultantes das lesões sofridas por AA são impeditivas do exercício da profissão de fisioterapeuta;
13. As referidas sequelas não são impeditivas da execução de outras actividades profissionais, compatíveis com as suas limitações, como aquela que, no momento, AA realiza (analista de dados informático);
14. AA ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
15. AA ficou afectado de incapacidade permanente parcial de 75% [com enquadramento no Capitulo III 5.2.1.2 b) da Tabela Nacional de Incapacidades].
16. Devido às sequelas decorrentes do evento referido em 1. e 2., AA depende da assistência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e para passeio diário dos cães, estimada em 3-4 horas, todos os dias;
17. AA despendeu € 20,00 em transportes com a deslocação ao Tribunal.» - fim de transcrição.
****
É nas conclusões que o recorrente delimita o objecto do recurso, não podendo o tribunal “ad quem” conhecer de questões nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso .1
A recorrente suscita duas questões.
A primeira consiste na sua discordância em relação à matéria assente.
Nesse particular, sustenta que para efeitos da fixação da retribuição anual ilíquida foi desconsiderado em absoluto o valor auferido a título de isenção de horário de trabalho (IHT).
Alega que à data do sinistro e durante toda a vigência do seu contrato de trabalho celebrado com a entidade empregadora, auferiu o valor mensal de € 380,00 (trezentos e oitenta euros) a título de IHT.
Em rigor iniciou o contrato de trabalho a 1 de Julho de 2022, nos termos do qual auferia a remuneração mensal de € 1.900,00 (mil e novecentos euros), montante que resulta da adição do salário base ao IHT, isto é, € 1.520,00 + € 380,00 = € 1.900,00 .
Subscreve os valores considerados a título de salário base e subsídio de alimentação.
Contudo , não aceita o valor apurado de € 1.520,00 x 1 a título de “(outras retribuições)”.
Entende que para o cálculo do valor que auferia anualmente a título de IHT se deve multiplicar o montante de IHT mensal por catorze meses, i.e., € 380,00 x 14, o que perfaz um total de € 5.320,00 (cinco mil, trezentos e vinte euros) por ano.
Entende ter existido erro na apreciação da prova e fixação da matéria provada.
Anote-se , desde logo, que a sentença recorrida foi proferida nos termos do nº 2 º do 138º do Código Processo de Trabalho.
Analisados os autos constata-se que , em 24 de Abril de 2024 , realizou-se tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, sendo que a acta logrou o seguinte teor:
« Proc. nº 3442/23.0TSCSC
PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
DATA: 24-04-2024 HORA: 10:30
LOCAL: Juízo do Trabalho de Cascais - Serviços do Ministério Público
MAGISTRADO: Dr.ª BB, Procuradora da República
OFICIAL DE JUSTIÇA: CC, Técnica de Justiça Adjunta
SINISTRADO: AA
ENTIDADE SEGURADORA: Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A
ENTIDADE EMPREGADORA: Sport Lisboa e Benfica
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Verificou-se estarem presentes:
1- O sinistrado AA, nascido em 26-05-1988, titular do NIF - ..., residente na Rua ..., 2780-105 Oeiras, contato telefónico ..., acompanhado pela sua Exmª. Mandatária Drª. DD, com procuração nos autos.
2- A representante da responsável Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A, na pessoa da Dra. EE, com procuração arquivada neste Tribunal.
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Iniciada a diligência pela Exmª Magistrada foi dito:
Apura-se dos autos que o sinistrado foi vítima no dia 03-11-2022, às 09:00 horas, em Lisboa, de um acidente de trabalho.
Tal acidente verificou-se quando o sinistrado prestava o seu trabalho de Fisioterapeuta sob a direcção, autoridade e fiscalização de Sport Lisboa e Benfica, com sede na Av. Eusébio Silva Ferreira 1500-313 Lisboa, em execução do contrato de trabalho com esta celebrado.
O acidente consistiu num acidente de viação: colisão do motociclo que conduzia com veículo automóvel que se interpôs, quando se dirigia para o local de trabalho.
Em consequência do acidente resultaram para o sinistrado, directa e necessariamente as lesões descritas no auto de perícia médica que antecede.
À data do acidente, o(a) sinistrado(a) auferia a retribuição de € 1.520,00 x 14 (sal. base)+ € 7,63 x 242 (sub.alimentação)+ € 1.520,00 x 1 (outras remunerações), perfazendo o montante anual de € 24.646,46.
A entidade empregadora supra referida tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a seguradora aqui representada pela totalidade da retribuição acima indicada.
Em perícia médica realizada neste Tribunal foi-lhe reconhecida uma IPA - Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho - sendo a data da alta em 19-10-2023.
O Perito Médico do Tribunal atribuiu ao sinistrado os seguintes períodos de incapacidade temporária:
ITA-04-11-2022 a 19-10-2023 (350 dias)
O(A) sinistrado(a) está neste momento pago das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporária, pela entidade seguradora, em função da retribuição transferida, em
conformidade com o teor dos documentos juntos aos autos.
Com base nestes pressupostos de facto e na legislação em vigor propõe-se às partes o seguinte acordo:
A Seguradora pagará ao sinistrado com início em 20 de Outubro de 2023 a pensão anual e vitalícia de € 19.717,17.
A Seguradora pagará ainda ao sinistrado a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, nos termos a que alude o art. 67 nº 2 da LAT a quantia de€ 5.850,24.
Ser-lhe-á ainda paga, pela seguradora, a quantia de € 20,00 despendida em transportes, com a deslocação a este Tribunal.
Dada a palavra ao (à) sinistrado(a) por ele/ela foi dito que NÃO ACEITA a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do MºPº uma vez não se encontrar de acordo com a avaliação médica da incapacidade efectuada pela Exmª. Sr". Perita Médica do Tribunal, uma vez considerar encontrar-se o sinistrado afectado de IPP com IP A TH, uma vez entender poder exercer outras profissões que não o trabalho habitual.
Mais disse ainda entender ser devido ao sinistrado assistência a terceira pessoa.
Pelo(a) representante da seguradora, foi dito que reconhece o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo(a) sinistrado(a) conforme consideradas pelo perito médico do Tribunal na sua perícia, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição acima referida.
Mais disse aceitar também pagar a quantia de € 20,00 despendida em transportes, com a deslocação a este Tribunal.
Disse porém não se encontrar de acordo com a avaliação médica da incapacidade efectuada pela Exmª. Sr". Perita Médica do Tribunal, uma vez considerar encontrar-se o sinistrado afectado de IPP com IPATH.
NÃO ACEITA, pelo exposto, a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do MºPº.
Seguidamente pelo Exmº Magistrado foi dito que, face à posição assumida pelas partes, dá as mesmas por NÂO CONCILIADAS ordenando que os autos sejam remetidos à Secção onde aguardarão requerimento para JUNTA MÉDICA.
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser assinado.» - fim de transcrição.
A Seguradora requereu a realização de exame por junta médica nos seguintes moldes:
«FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., R. nos autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA, não se tendo conformado, em sede de tentativa de conciliação, com o resultado do exame médico-legal, e por ter sido essa a única divergência que resultou da referida diligência, vem, nos termos
do disposto da conjugação dos arts. 117º, nº1, b), 119º, nº1 e 138º, nº2, todos do C.P. Trabalho, apresentar REQUERIMENTO DE JUNTA MÉDICA, formulando desde já os seguintes quesitos, a serem respondidos pelos senhores peritos:
1) Quais as sequelas que resultaram das lesões sofridas em consequência do acidente de trabalho?
2) Em que alínea(s) da TNI se enquadra(m) tal(ais) sequela(s)?
3) Qual a IPP a atribuir face à TNI?
4) Quais os condicionalismos e/ou restrições que tem o sinistrado devido às sequelas resultantes do acidente de trabalho, considerando foi reintegrado profissionalmente de
acordo com a sua área de conhecimento e potencialidades de desenvolvimento?
5) O sinistrado, face às sequelas que apresenta encontra-se incapaz para exercer o seu trabalho habitual de fisioterapeuta (IPATH), ou incapaz para o exercício de toda e qualquer
profissão (IPA)? Fundamente a resposta.
9)2 Entendendo se como dependência de terceira pessoa, como a necessidade de recurso à ajuda humana como complemento ou substituição na realização de uma determinada função ou situação de vida diária, caracterize relativamente a esta dependência: - o tipo de atividades que visa, isto é, se é de vigilância de parâmetros vitais, administração de terapêutica, higiene, vestuário, alimentação, etc.;
- o grau de ajuda, ou seja, se é de vigilância, incitação, complemento ou substituição total;
- a duração da dependência de terceira pessoa para as atividades referidas. » - fim de transcrição.
Anote-se que [Considerando a invocação pelo Sinistrado, em sede de tentativa de conciliação, de IPP com IPATH, antes de mais dê cumprimento à Instrução Geral n.º 13 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro). Notifique] veio a ser solicitado Parecer nº2191/DEM/EM-OC/2024 ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, EP.
Tal parecer , datado de 9 de Agosto de 2024, logrou a seguinte análise e conclusão
«XVI. A análise conjugada dos elementos disponíveis, em concreto as exigências do concreto posto de trabalho que o trabalhador ocupava à data do acidente e a informação clínica
disponibilizada, permite elencar as seguintes evidências:
1. Conforme informação constante do boletim de avaliação de incapacidade, confirmada em sede de entrevista, o trabalhador apresenta paraplegia nos membros inferiores, desloca-se em cadeira de rodas, sem possibilidade de marcha.
2. As limitações supramencionadas revelam-se conflituantes com as exigências físicas e psicomotoras das tarefas caraterizadoras do concreto posto de trabalho ocupado
pelo trabalhador à data do acidente (trabalho habitual).
3. Ainda de acordo com a informação clínica disponibilizada e os dados recolhidos em sede de entrevista, o trabalhador desloca-se em cadeira de rodas manual, de forma
independente; tem equilíbrio sentado eficaz; movimenta o tronco e os membros superiores e conduz viatura adaptada.
4. À data, encontra-se empregado, a desempenhar as funções de Analista de Dados, na entidade Sport Lisboa e Benfica, referindo estar integrado e adaptado às novas
tarefas. Possui competências de informática na ótica do utilizador e referiu estar disponível e motivado para realizar formação de requalificação profissional, designadamente na área de estudo que integra as suas atuais funções.
5. Atenta a idade, as habilitações académicas, as demais competências (nomeadamente, na área da informática) e as motivações profissionais do trabalhador, aparenta existir a efetiva possibilidade de enquadramento do mesmo
noutra atividade profissional, compatível com as suas limitações, por via da sua requalificação profissional.
XVII. Face ao acima exposto, somos do parecer que as limitações funcionais descritas são incompatíveis com o desempenho das tarefas nucleares do trabalho habitual. » - fim de transcrição.
A realização da junta 3, cujo laudo não consubstancia o objecto do recurso, foi ordenada pelo seguinte despacho:
«Ref.ª Citius 26165662, de 12.8.2024 (fls. 56 a 60 verso do suporte físico dos autos):
Tomei conhecimento.
***
Admite-se o exame do Sinistrado a realizar por junta médica, a qual será constituída por três peritos (cfr. artigos 138º, n.º 2 e artigo 139º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho).
*
Para exame por junta médica, a realizar neste tribunal, designa-se o dia 8 de Janeiro de 2024, pelas 15 horas, e não antes por indisponibilidade de agenda.
*
As partes devem apresentar os peritos até ao início da diligência; se não o fizerem, o tribunal nomeia-os oficiosamente (cfr artigo 139º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho).
*
Os Senhores Peritos responderão aos quesitos formulados na peça processual com a Ref.ª Citius 25634963, de 14.5.2024 (fls. 53 verso e 54 do suporte físico dos autos).
*
Notifique.
D.n.» - fim de transcrição.
Após as respostas aos quesitos os Exmºs Peritos concluíram:


*****
Dito isto , cumpre de novo salientar que a decisão em causa foi proferida ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 138º do CPT.
Segundo essa norma:
Requerimento de junta médica
1 - Quando não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, a parte requer, na petição inicial ou na contestação, perícia por junta médica.
2 - Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º
Anote-se ainda que nos termos do artigo 117º do mesmo diploma:
Início da fase contenciosa
1 - A fase contenciosa tem por base:
a) Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
2 - O requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - A fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória.
Por sua vez, os artigos 108 a 113 º do CPT regulam:
Artigo 108.º
Intervenientes
1 - À tentativa de conciliação são chamadas, além do sinistrado ou dos seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação.
2 - Se das declarações prestadas na tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades, o Ministério Público designa data para nova tentativa, a realizar num dos 15 dias seguintes.
3 - A presença do sinistrado ou beneficiário pode ser dispensada em casos justificados de manifesta dificuldade de comparência ou de ausência em parte incerta; a sua representação pertence, nesse caso, ao substituto legal de quem, no exercício de funções do Ministério Público, presidir à diligência.
4 - Não comparecendo a entidade responsável, tomam-se declarações ao sinistrado ou beneficiário sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito, designando-se logo data para nova tentativa de conciliação.
5 - Faltando de novo a entidade responsável ou não sendo conhecido o seu paradeiro, é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior se a ausência for devida a falta injustificada e a entidade responsável residir ou tiver sede no continente ou na ilha onde se realiza a diligência.
6 - Nos tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não há lugar à deprecada para exame médico e tentativa de conciliação.
Artigo 109.º
Acordo
Na tentativa de conciliação, o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado.
Artigo 110.º
Acordo provisório ou temporário
1 - Quando o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o acordo tem também, na parte que se lhe refere, validade provisória ou temporária e o Ministério Público rectifica as pensões ou indemnizações segundo o resultado das perícias ulteriores, notificando dessas rectificações as entidades responsáveis; as rectificações consideram-se como fazendo parte do acordo.
2 - Se na última perícia médica vier a ser atribuída à incapacidade natureza permanente e fixado um grau de desvalorização não provisório ou se o sinistrado for dado como curado sem desvalorização, realiza-se nova tentativa de conciliação e seguem-se os demais termos do processo.
Artigo 111.º
Conteúdo dos autos de acordo
Dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações.
Artigo 112.º
Conteúdo dos autos na falta de acordo
1 - Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
2 - O interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, a final, condenado como litigante de má fé.
Artigo 113.º
Recolha de elementos para apresentação da petição inicial
Não se realizando acordo, o Ministério Público recolhe logo os elementos necessários à elaboração e apresentação da petição inicial.
Cumpre ainda salientar que quando é elaborada petição inicial - o que não foi o caso – nos termos do disposto no artigo 119º do CPT 4 no despacho saneador de acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 131.º desse diploma5 cumpre considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação.
No caso concreto, tal como decorre do auto de tentativa de conciliação presidido pelo Ministério Público – sendo certo que o sinistrado esteve acompanhado por Exmª mandatária – o (único) ponto de discórdia , que originou a realização da junta médica supra referida , foi o sinistrado não aceitar a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do MºPº por discordar da avaliação médica da incapacidade efectuada pela Exmª. Perita Médica do Tribunal, por considerar encontrar-se afectado de IPP com IPATH, uma vez que entendeu poder exercer outras profissões que não o trabalho habitual.
Mais disse ainda entender ser -lhe devida assistência a terceira pessoa.
Igualmente , o representante da seguradora, que reconheceu o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo(a) sinistrado(a) conforme consideradas pelo perito médico do Tribunal na sua perícia, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição referida , não aceitou a incapacidade conferida ao sinistrado em sede de exame médico singular.
É sabido que o acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto na tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho é o que incide sobre factos, e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas .
Assim, a mera aceitação, na tentativa de conciliação, da qualificação de um sinistro como acidente de trabalho, não obsta a que se discuta a caracterização do acidente na fase contenciosa do processo [ vide neste sentido aresto do STJ , de 14-12-2006, 06S789, Nº Convencional: JSTJ000, Relator Conselheiro Vasques Dinis, Nº do Documento: SJ20061214007894 acessível em www.dgsi.pt].
Este entendimento mostra-se reiterado no aresto do STJ de 15.11.2017 , proferido no processo nº 1508/10.5TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso acessível em www.dgsi.pt , em cujo sumário, consignou:
«
3 – Nos termos do disposto no art. 112º do CPT, no auto de tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo devem constar os factos sobre que tenha havido acordo ou divergência e não juízos de valor, conclusões ou conceitos jurídicos, e apenas os factos em que tenha havido acordo devem ser considerados assentes no despacho saneador, nos termos do art. 131º, nº 1, al. c) do CPT.».
Aliás, trata-se de ensinamento de Alberto Leite Ferreira 6 , referido em recente aresto da Relação de Coimbra ,de 03-05-2024, proferido no processo nº 996/20.6T8AGD.C1 ,
Nº Convencional: JTRC, Relator Felizardo Paiva .
Segundo o referido autor:
« em qualquer das hipóteses o acordo ou o desacordo incide sobre factos.
Dizer se, num ou noutro caso, esses factos integram e caracterizam ou não um acidente de trabalho ou uma doença profissional é já um problema de qualificação jurídica que apenas ao julgador compete resolver.
Da mia factum, dabo tibi jus.
Conclusões, juízos de valor, qualificações jurídicas, são atividades que transcendem a vontade das partes.
Por isso, o que da tentativa de não conciliação deve constar não é o acordo ou desacordo das partes acerca da existência e caracterização do acidente ou da doença ou acerca do nexo de causalidade – que são conceitos jurídicos -, mas sim, o acordo ou o desacordo acerca dos elementos de facto que definem e caracterizam o acidente ou doença e o nexo causal» - fim de transcrição.
In casu, constata-se que na tentativa de conciliação se discriminaram os seguintes factos:
- em 3-11-2022, às 09:00 horas, em Lisboa, o sinistrado foi vitima de um acidente [de trabalho] quando prestava o seu trabalho de Fisioterapeuta sob a direcção, autoridade e fiscalização de Sport Lisboa e Benfica, com sede na Av. Eusébio Silva Ferreira 1500-313 Lisboa, em execução do contrato de trabalho com esta celebrado.
- o acidente consistiu num acidente de viação:
colisão do motociclo que conduzia com veículo automóvel que se interpôs, quando se dirigia para o local de trabalho.
À data do acidente, o(a) sinistrado(a) auferia a retribuição de€ 1.520,00 x 14 (sal. base)+€ 7,63 x 242 (sub.alimentação)+ € 1.520,00 x 1 (outras remunerações), perfazendo o montante anual de € 24.646,46.
A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a seguradora.
Ora nenhuma discordância foi apresentada pelas partes em relação aos referidos factos.
Em relação à Seguradora ficou a constar da acta da tentativa de conciliação reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo(a) sinistrado(a) conforme consideradas pelo perito médico do Tribunal na sua perícia, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição referida , não aceitou a incapacidade conferida ao sinistrado em sede de exame médico singular.
No tocante ao sinistrado que esteve presente , com a sua Exmª mandatária , consignou-se:
«…não aceitar a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do MºPº por discordar da avaliação médica da incapacidade efectuada pela Exmª. Perita Médica do Tribunal, por considerar encontrar-se afectado de IPP com IPATH, uma vez que entendeu poder exercer outras profissões que não o trabalho habitual.
Mais disse ainda entender ser -lhe devida assistência a terceira pessoa».
Ou seja , nem a Seguradora , que aceitou expressamente a remuneração ali mencionada , nem o sinistrado , que o fez de forma implícita , questionaram a factualidade referido no auto , nomeadamente a retribuição ali expressamente mencionada.
Aliás, se o sinistrado o tivesse feito , ou até considerado que tinha discordado da retribuição ali mencionada, decerto não teria deixado o processo ser alvo da sua tramitação subsequente para só agora suscitar a questão em sede de recurso.
Nesse caso teria feito o processo entrar na sua fase contenciosa através da apresentação da competente petição inicial - vide artigo 117º, nº 1 alínea a) do CPT.7
Não o fez.
Aliás, em rigor, nem a realização de junta requereu.
A mesma foi levada a cabo por iniciativa da Seguradora.
Como tal , nesta fase do processo o valor da retribuição do sinistrado já não é susceptível de discussão, sendo que a forma processual seguida não o permite.
E nem se venha esgrimir que com a alegação em causa pretende agora arguir nulidade processual por erro na forma do processo [ vide artigo 193º do CPC].
É que a tentativa de conciliação ocorreu em 19 de Fevereiro de 2025, a junta médica realizou-se em 19 de Fevereiro de 2025, sendo que a sentença foi proferida em 21 de Abril de 2025 e o recurso apresentado em 19 de Maio de 2025.
Como tal , essa hipotética arguição sempre teria que se reputar extemporânea, devendo ainda frisar-se que não se vislumbra que , fosse em que momento fosse do processo , o sinistrado tenha apresentado uma petição inicial e que , igualmente , não consta dos autos elemento documental que sustente a sua tardia invocação.
Em suma, cumpre considerar que aceitou o referido valor remuneratório e como tal a questão atinente ao valor da sua retribuição já não pode ser alvo de discussão.
Improcede , assim, a primeira vertente do recurso.
****
A segunda vertente do recurso tem a ver com o valor fixado na sentença à prestação suplementar para assistência por terceira pessoa.
Segundo o recorrente o tribunal “a quo” considerou , em consequência das sequelas decorrentes do acidente, que depende da ajuda de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e passeio diário dos cães em 3,5 horas diárias, tendo fixado a prestação suplementar em € 332,50 (€ 760,00 / 8 x 3.5 horas), paga 14 vezes por ano e actualizada/actualizável conforme a evolução da
retribuição mínima mensal garantida.
Discorda da fixação da prestação em função de 3,5 horas diárias.
Relembra que nos termos do nº 6 do artigo 53º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:
“A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.”
Assim, atenta a letra da lei , a seu ver, o tribunal devia ter fixado a prestação suplementar em função de um mínimo de 6 horas diárias, pois que de outra forma fez uma errada interpretação e aplicação do direito.
Como tal, entende que a prestação suplementar deve ser fixada no montante de € 570,00 ([€ 760,00 : 8 ] x 6 horas), com a respectiva atualização.
Sobre o assunto a sentença raciocinou nos seguintes moldes:
«
Atenta a factualidade que resultou provada tem, ainda, o Sinistrado direito a receber a prestação suplementar a que aludem os artigos 53º e 54º da L.A.T. (“prestação suplementar
para assistência a terceira pessoa”).
A referida prestação, como decorre do disposto no artigo 53º da L.A.T. “destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de
dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente” e “depende de
o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa”, o que, no caso, sucede.
Estamos perante uma prestação de atribuição continuada ou periódica (cfr. artigo 47º, n.º 3).
O artigo 54º, n.º 1 da L.A.T. dispõe que a prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.
Sucede que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 380/2024, de 14 de Maio de 2024, publicado no D.R. n.º 107/2024, Série I, de 4 de Junho de 2024, declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 54º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação
suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, por violação do artigo 59º, n.º , alínea f) da Constituição.
Como se concluiu no referido Acórdão, em que se citam várias outras decisões:
“(…) Como notado uma vez mais no Acórdão n.º 151/2022, nos casos em que, em consequência da lesão em que se materializou o risco inerente à prestação laboral, o
trabalhador se vê simultaneamente confrontado com supressão da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional necessária à satisfação das necessidades básicas
diárias, a efectivação do direito à justa reparação a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição não pode deixar de pressupor a atribuição de uma prestação suplementar da pensão em valor congruente com a necessidade de contratação da assistência de terceira pessoa.
Congruência essa que obriga a que aquele limite máximo, a existir, leve em conta não menos do que o valor da retribuição mínima mensal garantida praticada no mercado de trabalho - isto é, aquele com que o sinistrado terá, ele próprio, de assegurar sempre que a situação de dependência originada pela lesão resultante de acidente de trabalho exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias (artigo 203.º, n.º 1, do Código de Trabalho).
É esse o referencial pressuposto pelo direito à justa
reparação em caso de acidente de trabalho, conclusão especialmente evidente se não se perder de vista que o limite máximo da pensão suplementar tenderá a ser atingido apenas nos casos mais graves, graduando-se em sentido inverso o restante universo de casos (cf. supra, o n.º 9)”.
De atender, ainda, como referido no Acórdão em apreço que:
“Como igualmente se observou no Acórdão n.º 151/2022, o RAT continua a não estabelecer, à semelhança do que sucedida com o regime precedente, quais os elementos a
atender na fixação do valor da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
De acordo com a orientação prevalecente na jurisprudência dos tribunais comuns - de resto, firmada já no âmbito de vigência da Lei n.º 100/97 -, a prestação suplementar, para além de ser devida 14 vezes ao ano (v., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2010, Processo n.º 786/06.9TTGMR.P1.S1, e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12.12.2005, Processo n.os 0515361, e de 21.02.2018, Processo n.º 1419/13.2TTPNF.P1, todos disponíveis, tal como os demais seguidamente mencionados, em www.dgsi.pt), deve ser graduada em função do tempo requerido pela satisfação das necessidades do sinistrado que demandam a assistência de terceira pessoa, tomando em consideração a maior ou menor autonomia daquele e a sua capacidade restante para prover à satisfação de as respectivas necessidades básicas diárias; ou, dito de outra forma, de acordo com o número de horas em que o sinistrado carece da assistência de terceira pessoa,
o que dependerá, por sua vez, da gravidade das limitações que o mesmo apresente e da maior ou menor extensão do quociente de autonomia e de capacidade de satisfação das respectivas necessidades básicas diárias.”
Ora, em face do que se deixa exposto, no caso, considerando que o Sinistrado, em consequência das sequelas decorrentes do acidente, depende da ajuda de terceira pessoa para
limpezas domésticas, confecção de alimentos e para passeio diário dos cães, estimada em 3 a 4 horas diárias (todos os dias), para a fixação da prestação em apreço atender-se-á ao número (médio) de 3,5 horas diárias.
Destinando-se a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência
em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, é a mesma devida partir do dia seguinte ao da alta clínica, visto ser esta a data em
que é também devida a pensão de que aquela prestação é suplemento (cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2021, acima mencionado).
Assim, tomando como base de cálculo o valor da retribuição mínima mensal garantida à data da alta (€ 760,00, cfr. Decreto-Lei n.º 85-A/2022, de 22 de Dezembro) – atento o
Acórdão n.º 380/20204 do Tribunal Constitucional e o disposto no artigo 282º da Constituição da República Portuguesa – deverá esta prestação fixar-se, desde o dia seguinte à data da alta (20 de Outubro de 2023) em € 332,50 (€ 760,00:8x3,5), paga 14 vezes por ano, e actualizada/actualizável conforme a evolução da retribuição mínima mensal garantida.» - fim de transcrição.
Saliente-se , desde logo, que nada temos a acrescentar sobre as acertadas considerações tecidas na decisão recorrida em relação à mencionada inconstitucionalidade.
Sobre o assunto convocamos o decidido no aresto desta Relação , de 28-04-2021, proferido no processo nº. 8807/17.3T8LSB.L1-4, Relatora Albertina Pereira8 , acessível em www.dgsi.pt, que logrou o seguinte sumário:
«I - Num caso, como o presente, em que foi fixado ao sinistrado o coeficiente global de incapacidade de 100% com IPATH, o critério a aplicar no cálculo do subsidio por elevada incapacidade permanente é o decorrente do n.º 2 do referido art.º 67.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, para as situações de IPA.
2. Nestas situações, entende-se continuar a ter aplicação a posição jurisprudencial vertida, entre outros, no Acórdão do STJ de 02.02.2006 proc. 05S3820, onde se consignou que o “subsídio, com um valor pré-determinado e que é pago numa única vez, destina-se a facilitar a adaptação do sinistrado à sua situação de desvalorização funcional com perda de capacidade de ganho, permitindo-lhe porventura efectuar uma aplicação económica que lhe proporcione outros proventos ou reorientar a sua vida profissional para outro tipo de actividade.
E, sendo essa a finalidade da lei, como tudo indica, não se descortina motivo bastante, do ponto de vista de política legislativa, para distinguir, nesse quadrante, entre a incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho e a incapacidade permanente para o trabalho habitual, quando é certo que, mesmo nesta última situação, o sinistrado fica imediatamente impedido de exercer as tarefas para que se encontra profissionalmente habilitado e o aproveitamento da sua capacidade residual de trabalho está necessariamente dependente de uma reabilitação profissional que não só envolve encargos como poderá exigir uma demorada fase de preparação e adaptação”.
3. Destinando-se a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, é a mesma devida partir do dia seguinte ao da alta clínica, visto ser esta a data em que é também devida a pensão de que aquela prestação é suplemento.» - fim de transcrição.
Por outro lado , tal como se referiu em aresto desta Relação ,de 22-09-2010, proferido no processo nº 586/05.3TTLRS.L1-4, acessível em www.dgsi.pt , cujo raciocínio com as devidas adaptações , a nosso ver, em sede de fixação da prestação não perdeu actualidade:
«I- Quando o sinistrado não pode dispensar a assistência constante de terceira pessoa, em consequência das lesões resultantes do acidente de trabalho, tendo direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída, ( a qual tem como limite máximo …., a mesma deve ser graduada em função do grau de assistência a prestar, nomeadamente se é diária ou não, bem como do seu número de horas diárias.
II - Considera-se criteriosa a fixação do montante dessa prestação suplementar em (…) numa situação em que o sinistrado não pode dispensar o auxílio de terceira pessoa e necessita de assistência de 6 horas diárias para se lavar, vestir e deslocar excepto se em cadeira de rodas.
III - Tal prestação é devida desde a data em que a pensão começa a vencer-se, ou seja, desde o dia seguinte ao da alta» - fim de transcrição.
Porém, cumpre presentemente ter em conta o disposto
nos artigos 53º a 55º da LAT 9.
Segundo essas normas:
Artigo 53.º
Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa
1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.
2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.
3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa.
4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos actos básicos da vida diária.
5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.
6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.
Artigo 54.º
Montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa
1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.
2 - Quando o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, deve ser-lhe atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta e até ao momento da fixação da pensão definitiva, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante previsto no número anterior.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior são considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos.
4 - A prestação suplementar é anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.
Artigo 55.º
Suspensão da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa
A prestação suplementar da pensão suspende-se sempre que se verifique o internamento do sinistrado em hospital, ou estabelecimento similar, por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos corram por conta da entidade responsável.
Mas qual o valor a fixar à prestação em apreço ?
Cumpre , desde logo , ter em conta o valor da retribuição mínima mensal garantida .
No caso concreto, provou-se que:
14. AA ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
15. AA ficou afectado de incapacidade permanente parcial de 75% [com enquadramento no Capitulo III 5.2.1.2 b) da Tabela Nacional de Incapacidades].
16. Devido às sequelas decorrentes do evento referido em 1. e 2., AA depende da assistência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e para passeio diário dos cães, estimada
em 3-4 horas, todos os dias.
A prestação em causa destina-se a ajudar a suportar os encargos inerentes à assistência de que o sinistrado necessita.
Tal prestação, que não tem a natureza de pensão nem constitui um subsídio, é variável.
Assim, é admissível a sua graduação em função do grau de constância da assistência necessária e do número de horas de permanência em cada dia.
O recorrente esgrime que nos termos da lei [ nº 6 do artigo 53º da LAT], tal assistência , que pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário , tem um período mínimo de seis horas diárias.
Assim, formula cálculo em conformidade.
Anote-se , agora, que o artigo 19.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, não dispunha de forma idêntica 10, sendo que o artigo 48º 11 do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamentou a Lei nº 100/97 também o não fazia.
Tratou-se , pois, de disposição inovadora.
Todavia , a nosso ver , com respeito por opinião distinta , tal norma destina-se exclusivamente a situações da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário.
A não ser assim, tal previsão mínima , assim como ,eventualmente , a máxima, teria logrado previsão autónoma sem operar qualquer referência à participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário.
Continua , assim, em casos como o presente , em que não se provou a verificação de situações da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, a dever considerar-se que o valor da prestação é fixado em função do tempo necessário ao preenchimento das necessidades a satisfazer, a partir do seu limite – ou seja a remuneração mínima garantida - tomando em consideração a maior ou menor autonomia do sinistrado e a sua capacidade residual para a satisfação das suas necessidades básicas.
Nesse sentido vide , por exemplo , o aresto do STJ , de 8-05-2013, proferido no processo nº 771/11.9TTVIS.C1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas , acessível em www.dgsi.pt.
Idênticamente ajuizou o aresto da Relação de Évora , de 14-07-2021, proferido no processo nº 2053/19.9T8VFX.E1
Relator Mário Branco Coelho acessível em www.dgsi.pt.12
Argumentar-se-á que na sua última parte a norma em causa fixa um número de horas diário mínimo [ e não máximo ] de assistência, o que sempre se pode justificar tendo em conta o tipo de incapacidades que determinam este tipo de prestação.
Esgrimir-se-á ainda que nos termos do artigo 59.º, nº 1 alínea f) da Constituição da República Portuguesa todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Porém, a ser assim , tal como já se referiu, o legislador teria criado um norma , própria e genérica com a fixação de limites mínimo e máximo sem alusão fosse a que tipo de participação fosse, sendo que a interpretação propugnada pelo sinistrado atentaria contra o princípio da proporcionalidade , consagrado no artigo 18º, nº 2 da Constituição, e até da igualdade [artigo 13º da Lei Fundamental] visto que situações distintas merecem tratamentos em conformidade.
Assim, tendo em conta a matéria de facto fixada em 16 [ 16. Devido às sequelas decorrentes do evento referido em 1. e 2., AA depende da assistência de terceira pessoa para limpezas domésticas, confecção de alimentos e para passeio diário dos cães, estimada
em 3-4 horas, todos os dias] o valor da retribuição mínima mensal garantida à data da alta (€ 760,00, cfr. Decreto-Lei n.º 85-A/2022, de 22 de Dezembro) – atento o Acórdão n.º 380/20204 do Tribunal Constitucional e o disposto no artigo 282º da Constituição da República Portuguesa - a fixação da prestação no valor de [€ 332,50 [ ou seja ( € 760,00: 8 horas.13) x 3,5 horas 14),operada na sentença paga 14 vezes por ano, e actualizada/ actualizável conforme a evolução da retribuição mínima mensal garantida, afigura-se-nos ponderada e acertada.15
Improcede , pois, o recurso também neste ponto.
Cumpre , assim, confirmar a decisão recorrida.
****
Em face do exposto, acorda-se em confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo sinistrado, sem prejuízo de isenção de que beneficie e do disposto no nº 7 do artigo 4º do RCP.
Notifique.

Lisboa, 10-09-2025
Leopoldo Soares
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
_______________________________________________________
1. Vide arts. 635º nº 1 e 639º, nº 1 do CPC ex vi do artigo 87º do CPT.
2. Não se vislumbram quesitos 6 a 8 no requerimento.
3. A junta realizou-se em 19.2.2025.
Logrou o seguinte teor:
« Data: 19-02-2025 no edifício do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, onde se encontrava o Exmº Sr. Doutor Dr(a). FF, Juiz de Direito deste Tribunal, para o exame ordenado nos presentes autos compareceram:
O examinando: AA
Perito(s) Médico(s):
Peritos nomeados pelo examinando: GG
Pela responsável: HH e pelo Tribunal: II
Prestado juramento legal, procedeu-se ao exame ordenado.
Entidade Responsável: Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., NIF - 500918880,
Endereço: Largo do Chafariz, Nº 30, Lisboa, 1240-001 Lisboa
Sinistrado / Doente
AA
nascido em 26-05-1988
nacional de Portugal
domicílio: Rua ..., 2780-105 Oeiras
SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)
Examinado fisioterapeuta com 34 anos à data do evento
Atualmente tem 36 anos e exerce trabalho como analista de dados informático, em fase de adaptação.
Acidente de viação 03/11/2022 do qual resultou lesão vertebro medular completa dorso-lombar, com paraplegia, associada a alteração dos esfincteres e marcha impossível.
Refere ainda perda de sensibilidade, falta de controlo de esfincteres, dor em faixa na região na região inferior do tórax; infeções urinárias de repetição.
Refere necessitar de apoio domiciliar para as lides domésticas, preparação das refeições.
Tem dois animais de estimação (cães) que tem recorrido a uma amiga para o levar à rua.
Atualmente refere ter autonomia para a sua higiene pessoal.
Deslocamento em cadeira de rodas de forma autónoma.
Mantém consultas regulares na companhia de seguros A junta médica reunida, consultados os Autos e visto o sinistrado, responde aos quesitos a fls. 53v
1) Paraplegia com marcha impossível e alteração dos esfincteres.
2) e 3) Ver quadro abaixo.
Pelos peritos em representação do tribunal e do sinistrado é dito que aplica-se o fator 1,5,
atendendo ao entendimento juridico da juiz presidente da junta médica.
Pela perita em representação da seguradora é dito que considera que sendo este fator alvo de inúmeras discordâncias jurídicas, admite que a situação não deve ser definida em junta médica e no presente caso a IPP atingida com a aplicação do fator 1,5 ultrapassaria os
100%, o que é claramente desproporcional para a realidade do sinistrado que encontra-se capaz para exercer atividades remuneradas.
4) e 5) As sequelas resultantes são impeditivas do exercício da profissão de fisioterapeuta, sendo compatível com a realização de outras atividades profissionais como a que se encontra no momento a realizar (analista de dados informático).
9) As sequelas decorrentes do evento determinam no momento dependência de terceira pessoal para limpezas domésticas, confecção de alimentos (a depender de adaptação domiciliaria) e para passeio diário dos cães, sendo estimada em 3-4horas diárias (todos os
dias), em regime de complemento.
4. Norma que estatui:
Petição inicial
1 - Não se tendo realizado o acordo ou não tendo este sido homologado e não se verificando a hipótese prevista no artigo 116.º, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, quanto ao dever de recusa, e no artigo 9.º, assume o patrocínio do sinistrado ou dos beneficiários legais, apresentando, no prazo de 20 dias, a petição inicial ou o requerimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º
2 - Se se verificar insuficiência nos elementos de facto necessários à elaboração da petição inicial, o Ministério Público requer que o prazo seja prorrogado por igual período de tempo e diligencia pela obtenção desses elementos.
3 - Se o sinistrado ou os beneficiários legais se recusarem a fornecer os elementos a que se refere o número anterior e em diligências posteriores se verificar que a recusa derivou do facto de ter havido acordo particular sobre a reparação do acidente, o Ministério Público promove a condenação como litigante de má fé da entidade com quem tenha sido feito o acordo.
4 - Findo o prazo referido no n.º 1 ou a sua prorrogação nos termos do n.º 2, o processo é concluso ao juiz, que declara suspensa a instância, sem prejuízo de o Ministério Público dever apresentar a petição logo que tenha reunido os elementos necessários.
5. Segundo essa norma:
[Despacho saneador
1 - Findos os articulados, o juiz profere, no prazo de 15 dias, despacho saneador destinado a:
a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória;
c) Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados;
d) (Revogada.)
e) Ordenar o desdobramento do processo, se for caso disso.
2 - Proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova nos termos previstos no artigo 596.º do Código de Processo Civil.
3 - Seguidamente observam-se os termos do processo comum regulados nos artigos 63.º e seguintes, salvo o disposto nos artigos subsequentes.
6. Vide CPT anotado, 4ª edição , pág. 527.
7. Segundo essa norma:
Início da fase contenciosa
1 - A fase contenciosa tem por base:
a) Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
2 - O requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - A fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória.
8. Sendo certo que aqui relator ali foi 1º adjunto.↩︎
9. Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS.
10. Prestação suplementar - [revogado - Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro]
1 - Se, em consequência da lesão resultante do acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.
2 - A prestação suplementar da pensão suspende-se sempre que se verifique o internamento do sinistrado em hospital, ou estabelecimento similar, por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos corram por conta da entidade empregadora ou seguradora.
3 - É aplicável à prestação suplementar, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 17.º, n.º 5, nos termos a regulamentar.
11. Artigo 48.º
Prestação suplementar à pensão - [revogado - Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro]
1 - Sempre que a prestação suplementar prevista no artigo 19.º da lei se suspender nas condições previstas no n.º 2 do mesmo artigo, a entidade responsável deverá suportar os encargos inerentes à eventual resolução do contrato de trabalho estabelecido com a pessoa que presta assistência.
2 - Sempre que o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, ser-lhe-á atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante da remuneração mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior serão considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos.
12. Onde se considerou:
« 1. Não estabelecendo o art. 54.º n.º 1 da LAT um critério de fixação do valor da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa quanto esta não é prestada a tempo inteiro, deve ser ponderada a maior ou menor necessidade dessa assistência, traduzida no tempo a ela necessário, tendo como referência o período normal de trabalho diário de oito horas».
13. Recorde-se que segundo o nº 1 do artigo 203º do CT/2009 o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.
14. Ou seja entre 3 e 4 horas.
15. Recorde-se que segundo o nº 1 do artigo 203º do CT/2009 o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.