Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO DE SOUSA PAIVA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO PROVA INDICIÁRIA PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. O facto cerne da divergência consistia em saber se o arguido empurrou efetivamente a vítima ao mar (ou esta escorregou e caiu), não se tendo produzido qualquer prova direta sobre a ocorrência do empurrão (já que nenhuma testemunha o presenciou), pelo que só com base em prova indireta seria possível apurá-lo, o que não ocorreu por esta ter sido inconcludente. II. Por um lado, o arguido era a única pessoa que se encontrava próximo da vítima, antes tinha havido uma discussão entre ambos, mas todas as testemunhas que presenciaram a discussão relataram que o arguido não ameaçou matar nem atirar a vítima ao mar. III. Por outro lado, o arguido referiu que a vítima escorregou e, por isso, caiu ao mar. O arguido e a vítima encontravam-se em local exíguo, no limite rochoso junto à orla marítima, em local sem iluminação pública e, atenta a hora, já sem iluminação natural, sem sistemas de prevenção de quedas, o mar estava agitado, com fortes correntes e rebentações, estando o chão húmido e escorregadio e apresentando a vítima vestígios de álcool e canábis no sangue. IV. As duas versões são, assim, perfeitamente plausíveis, à luz das regras da experiência comuns e segundo a prova produzida, pelo que é razoável e insanável (à míngua de outros elementos probatórios) a dúvida sobre se o arguido empurrou a vítima (de forma adequada a esta cair e sofrer as lesões que lhe causaram a morte) ou se a queda desta se deveu ao facto de ter escorregado. V. A reapreciação da matéria de facto não se destina a formar uma nova convicção pelo Tribunal de recurso, mas apenas a sindicar erros de julgamento da primeira instância. Quando a prova produzida permite a conclusão a que o Tribunal recorrido chegou, afastado está qualquer erro de julgamento a corrigir, uma vez que a prova produzida, analisada à luz das regras da experiência comum e de forma racional, permite aquela convicção. VI. Assim, tendo o Tribunal de recurso, ao ouvir a prova gravada, concluído, como efetivamente concluiu, que a prova produzida permite a dúvida razoável sobre se a vítima caiu porque o arguido a empurrou ou porque escorregou por si, a dúvida deve ser resolvida a favor do arguido, por aplicação do princípio da presunção de inocência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO No processo comum coletivo nº 47/22.6MACSC, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Cascais – Juiz 2, por acórdão proferido a 19/06/2024, o arguido AA foi absolvido da prática de um crime de homicídio simples consumado previsto e punido pelo artº 131º do Código Penal, de que estava acusado. *** Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, apresentando a final, os seguintes pontos que apelidou de “conclusões”: «1. O presente recurso incide sobre o acórdão proferido nos autos supra identificados, no dia 19.06.2024, o qual absolveu o arguido AA da prática de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 131º do Código Penal, do qual vinha acusado. 2. A matéria de facto vertida no acórdão recorrido foi incorretamente julgada uma vez que, atenta a prova produzida, não existe qualquer dúvida da prática, por parte do arguido, do crime de que vinha acusado. 3. Tal foi, igualmente, o entendimento da Meritíssima Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Cascais, titular dos autos, anterior relatora, que juntou aos autos voto de vencido, no qual se pode ler, para além do mais, que: “votei vencida por considerar que a prova produzida permite concluir, sem qualquer dúvida, pela atuação do arguido de ter colocado as mãos no peito da vítima, empurrando-a na direção do mar e da previsão por parte do arguido de que do seu comportamento podia advir, como sucedeu, a morte da vítima, e a admissão e conformação da possibilidade dessa morte”. 4. Os pontos que o Ministério Público considera incorretamente julgados são todos os supra transcritos do elenco dos “factos não provados”, com exceção do segundo ponto enunciado com o número 7 (7-que arguido e vítima se tenham ameaçado mutuamente de mandarem o outro para a água;), os quais, inexplicavelmente, vão muito além dos factos constantes da acusação e da contestação (que se limita a oferecer o merecimento dos autos). 5. Os factos constantes dos pontos 8) 9), 13) e 14) da acusação deveriam constar do elenco dos “Factos Provados”. Quanto ao ponto 7) da acusação, deveria ter sido dado como provado que “por razões não totalmente apuradas, eventualmente devido à queda de uma cana de pesca ao mar, arguido e vítima trocaram-se de razões, iniciando-se uma discussão entre ambos junto ao limite rochoso”, aceitando-se como “não provado” que “arguido e vítima se tenham ameaçado mutuamente de mandarem o outro para a água”. 6. Motivo pelo qual se impugna a decisão proferida acerca da matéria de facto, nos termos e de acordo com o art.º 412º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal. 7. As provas que impõem decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto impugnada consistem nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pelo próprio arguido AA, os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF – das quais, infra se destacam os trechos relevantes - e os documentos juntos ao processo, de que se destacam os de fls. 2 a 11, 13 a 14v., 40, CD de fls. 54, 55 a 60, 72, 121 a 125v., 128, 128v., 130, 133 a 148, bem como os relatórios periciais de fls. 150 a 175 e 180 a 181 e o relatório de autópsia de fls. 184 a 187v. 8. O arguido prestou declarações em audiência de julgamento, na sessão ocorrida no dia 03.04.2024, tendo começado por referir que não matou ninguém e que tudo se tratou de um acidente. 9. O arguido admitiu, no essencial, os factos constantes dos pontos 1 a 6 da acusação, no entanto, negou ter empurrado a vítima em direção ao mar. 10. Quando confrontado com o teor do ponto 7) da acusação, o arguido referiu que estava a uma distância de 6 a 7 metros da vítima quando caiu uma cana do falecido GG ao mar. O arguido foi tentar ajudar, mas a vítima começou a ameaça-lo de “porrada”, dizendo, ainda, que o mandava ao mar, o que motivou a intervenção da testemunha BB, conhecido por BB, o qual tentou acalmar a vítima, o que conseguiu. Arguido: Caiu a do GG (…) Eu fui tentar ajudar o GG a apanhar a cana, ele começou a discutir comigo a ameaçar-me de porrada e a mandar-me para dentro de água (…). Meritíssima Juiz Presidente: O que é que o Sr. GG dizia? Arguido: O GG começou a mandar vir comigo, que não queria ajuda, a ameaçar-me de porrada, a ameaçar-me de porrada, meteu-se o BB para separar a gente. (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2023, 07:55 a 09:14 segundos). 11. Ora, o arguido disse que a vítima o começou a ameaçar de “porrada” e dizia que o mandava ao mar, o que motivou a intervenção da testemunha BB, conhecido como BB, tendo o arguido se limitado a sentar-se no seu banco de pesca. 12. No entanto, esta versão dos factos não foi corroborada pela testemunha BB (conhecido como BB). 13. A testemunha BB referiu que foi acalmar a vítima porque ela estava a dizer para o arguido se calar, contudo, não ouviu ameaças de atirar à água nem de um nem de outro, recordando-se de ouvir a vítima dizer ao arguido “cala-te caraças, estou farto de te ouvir, estás aqui sempre aos gritos”. (…) (sessão de 03.04.2023, 02:17 a 02:55 segundos). “O GG só dizia: “Cala-te caraças, estou farto de te ouvir”. (…) Depois este, possivelmente, disse qualquer coisa, mas não foi nenhuma ameaça, mas não sei precisar (…) (sessão de 03.04.2023, 06:52 a 08:07 segundos). 14. Por sua vez, referiu que o arguido também estava enervado, com o telemóvel na mão a dizer que ia ligar à Polícia Marítima porque a vítima não tinha licença de pesca: “Por acaso lembro-me que o AA pegou no telemóvel e disse: “Eu vou ligar para a Polícia Marítima” (…) Sim, sim. Ele ficou enervado porque o GG começou a chateá-lo e ele estava bastante enervado, isso é verdade (…) (sessão de 03.04.2023, 08:17 a 10:58 segundos). 15. Os demais pescadores que se encontravam no local, e que foram ouvidos como testemunhas, também referiram ter assistido a uma troca de palavras, em que a vítima mandava o arguido calar-se, culpando-o pela queda da cana de pesca ao mar, e em que o arguido respondia que ia chamar a Polícia Marítima porque a vítima não tinha licença de pesca. Não tendo, no entanto, ouvido a vítima fazer qualquer tipo de ameaça ao arguido. 16. Neste particular, a testemunha CC, ... que se encontrava no local no dia dos factos, referiu: O mar estava um bocado mau (…) do lado esquerdo do AA estava o falecido, a discutirem os dois porque ele deixou cair uma cana ao mar. (…) O GG mandava-o calar, e o AA não se calava, eles gritavam ali um com o outro. O AA enervou-se tanto que levantou-se do lugar dele, da cadeira, e dirigiu-se cá para trás a dizer que ia ligar para a Polícia Marítima. Agarrou-se ao telemóvel, não sei se não tinha saldo ou qualquer coisa, muito enervado… Depois, o BB, a gente chama BB, começou a acalma-lo, “tem calma, tem calma” e, nesse momento, dirigiu-se ao GG para o acalmar. Acalmou o GG. Nesse momento ficou tudo mais calmo e o AA foi sentar-se na cadeira. Eu estava aí a uns 6 metros de distância. Nesse momento ouvi um grito. O grito era do GG. (sessão de 24.04.2023, 01:35 a 03:49 segundos). (…) Vi o AA debruçado na rocha, isto foi tudo assim, 100%, e eu disse: “AA, já mataste o GG”. A resposta do AA foi esta: “que se lixe, eu quero lá saber”. (sessão de 24.04.2023, 04:55 a 06:55 segundos). (…) Magistrada do MP: O Sr. disse que se apercebeu que os dois estavam a discutir, o Sr. GG estava a mandar calar o Sr. AA, e apercebeu-se se algum dos dois proferiu alguma ameaça? Testemunha CC: Não… Magistrada do MP: Ameaça de que algum dos dois atirava o outro ao mar, por exemplo? Testemunha CC: Não, ameaças de atirar o outro ao mar, não. (…) Magistrada do MP: E outro tipo de ameaças, ouviu? Testemunha CC: Não, não. (sessão de 24.04.2023, 07:00 a 08:20 segundos). 17. Por sua vez, a testemunha DD, ... que também se encontrava no local, questionado sobre se ouviu ameaças entre a vítima e o arguido, referiu: “Lembro-me de uma coisa que o AA disse: “ah, andas aqui sem licença, andas à pesca sem licença… lembro-me do AA dizer isso (…) era aquele bate boca: “Está sempre aqui a falar, o GG para o AA, estás sempre aqui a mandar vir, estás sempre aqui a falar a noite toda” (…) era só discutirem, não houve ameaças de parte alguma. Tanto que aquilo houve a discussão, eu e o Sr. BB parámos a discussão, e aquilo parece que ficou num silêncio. Não houve mais nada. E de repente é que houve esse grito. Que eu até pensei que o AA já não estava ao pé do GG.” (sessão de 24.04.2023, 07:34 a 10:00 segundos). 18. De forma semelhante, a testemunha EE, ... que também se encontrava no local no dia dos factos também referiu: “O Sr. GG… caiu uma cana à água, ele tirou a cana e depois, eu não sei o que é que o Sr. AA disse, o que é que, eu não faço ideia, não me apercebi… A única coisa que eu ouvi foi o seguinte, o Sr. GG a dizer: “Eh pá, cala-te! Enervas uma pessoa!” (sessão de 24.04.2023, 02:15 a 02:33 segundos). (…) Magistrada do MP: E quando o Sr. ouviu estas expressões do “cala-te, enervas uma pessoa”, ouviu algum dos dois ameaçar que atirava o outro à água? Testemunha EE: Não. Não ouvi nada disso. (sessão de 24.04.2023, 04:40 a 04:48 segundos). 19. Assim, atenta a prova produzida, entendemos não merecer qualquer credibilidade a versão apresentada pelo arguido de que a vítima o estava a ameaçar de “porrada” e de o atirar ao mar pois, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, se o tivesse feito, certamente o teria feito em voz alta, e todas as testemunhas ouvidas referiram não ter ouvido qualquer ameaça de “porrada” ou de atirar ao mar. 20. Assim, quanto ao ponto 7) da acusação, deveria ter sido dado como provado que: “Por razões não totalmente apuradas, eventualmente devido à queda de uma cana de pesca ao mar, arguido e vítima trocaram-se de razões, iniciando-se uma discussão entre ambos junto ao limite rochoso do local”. 21. Verificando-se como “não provado” que: “arguido e vítima se tenham ameaçado mutuamente de mandarem o outro para a água”. 22. Por sua vez, atenta a prova produzida, os pontos 8) e 9) da acusação deveriam passar para o elenco dos factos dados como provados. 23. A este propósito, o arguido referiu que, após a vítima o ter ameaçado de “porrada” e de dizer que o mandava ao mar, o que motivou a intervenção da testemunha BB, que acalmou a vítima, o arguido voltou para o seu lugar. De seguida, levantou-se e perguntou à vítima se lhe tinha feito algum mal. Sendo nesse momento que a vítima caminhou na sua direção. Segundo o arguido, este (o arguido) levantou as mãos, a vítima desequilibrou-se e caiu: “Arguido: Depois eu levantei-me e fui ter com ele. E disse: “Oh GG, tem calma. Eu fiz-te algum mal?” Ele veio para mim. Eu, como ele veio para mim, faço assim… Como ele veio para mim, pensei que ele me ia mandar ao mar. (…) Eu levantei as mãos para ele não se chegar a mim. (…) E ele, assim que ele viu as mãos, como estava lá em baixo, aquilo não tinha luz não tinha nada, ele caiu para o outro… se ele caísse para a pedra não acontecia nada, como ele caiu para dentro de água, caiu assim, a prumo… (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2023, 13:40 a 14:26 segundos). (…) Meritíssima Juiz Presidente: A que distância é que o Sr. estava do Sr. GG quando levantou as mãos assim, abertas, à altura do peito? Arguido: A um metro, um metro e meio. Ele é que se assustou. Eu também me assustei. (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2023, 16:40 a 17:09 segundos). (…) Meritíssima Juiz Presidente: E o Sr. chegou a tocar no corpo do Sr. GG? Arguido: Não, não. (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2023, 17:15 a 17:22 segundos). 24.Inicialmente, o arguido disse que apenas levantou as mãos, quando estava a um metro, um metro e meio da vítima, não tendo chegado a tocar no corpo da mesma, no entanto, depois de confrontado com a contradição entre o que estava a dizer em sede de audiência e o que tinha referido em sede de primeiro interrogatório, e depois de reproduzidas as suas declarações em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o arguido acabou por admitir que pôs as mãos no peito da vítima, mas que não foi com força, tendo-o feito para repelir uma agressão por parte da vítima, o qual deu dois ou três passos para trás e caiu ao mar: Magistrada do MP: O Sr. já foi ouvido anteriormente, nomeadamente em interrogatório judicial, perante juiz. Na altura, se calhar, tinha isto mais presente… (…) O Sr. tem a certeza que não tocou no peito do Sr. GG? Arguido: Não, não, não. Podia ter tocado, na roupa, mas agora não me lembro, já foi há tanto tempo. Posso ter tocado assim na roupa, mas não o empurrei. Magistrada do MP: Mas admite que possa ter tocado então… Arguido: Na roupa, mas não o empurrei. (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2023, 27:16 a 27:42 segundos). 25. Meritíssima Juiz Presidente depois da reprodução em audiência das declarações prestadas em primeiro interrogatório: Em primeiro interrogatório de arguido detido, o Sr. disse claramente que lhe pôs as mãos no peito, não empurrou… Arguido: Não empurrei. Meritíssima Juiz Presidente: Está a ver… é que o Sr. aos poucos vai avançando com, enfim, com a sua versão dos acontecimentos. Inicialmente não tocou, depois foi só na roupa, agora pôs-lhe as mãos no peito. Não o empurrou, mas pôs-lhe as mãos no peito? Arguido: Sim, para me defender. Naquela altura, agora já não me lembro. (gravação Media Studio 20240403154838_4811622_2871335sessão de 03.04.2024, 00:01 a 00:21 segundos). 26. Por sua vez, o agente da Polícia Marítima FF, que se deslocou ao local por via terrestre na sequência do pedido de socorro, ouvido como testemunha, na sessão da audiência de discussão e julgamento de dia 27.05.2024, relatou que: “Quando chegámos ao local estavam lá vários pescadores, cerca de seis. Perguntei se tinha caído algum ... à água e eles disseram que sim, que tinha sido atirado à água. (sessão de 27.05.2024, 01:51 a 02:10 segundos). Magistrada do MP: Quem é que lhe disse isso? Testemunha FF: O próprio senhor que atirou à água, o Sr. AA, ele próprio me disse que foi ele que o empurrou. (sessão de 27.05.2024, 02:10 a 02:23 segundos). 27. Assim, face à prova produzida, entendemos que os pontos 8) e 9) da acusação deveriam constar do elenco dos factos dados como provados. 28. Com efeito, não obstante nenhuma das testemunhas que se encontrava no local no momento dos factos tivesse relatado ter visto o gesto do arguido de empurrar a vítima, a realidade é que todas elas negaram ter ouvido qualquer ameaça por parte da vítima em relação ao arguido. Não merecendo qualquer credibilidade a versão do arguido segundo a qual, como estava a ser ameaçado de “porrada” e de ser atirado ao mar por parte da vítima, quando aquela se levantou e caminhou na sua direção, o mesmo encarou tal movimento como uma agressão iminente, tendo-se limitado a levantar as mãos para a impedir. 29.Tanto mais que o arguido começou por dizer que nem sequer tocou no corpo da vítima, tendo, posteriormente, adaptado as suas declarações à medida que foi sendo confrontado com o que já havia dito anteriormente em sede de primeiro interrogatório judicial. 30. O arguido acabou por admitir que colocou as mãos no peito da vítima, inexistindo qualquer prova de que o tivesse feito de forma defensiva, na sequência das ameaças que referiu ter sido vítima. E, de seguida, a vítima caiu ao mar. 31. Sendo que, segundo a testemunha DD, no momento da queda, o arguido estava exatamente no local onde estava a vítima anteriormente, tratando-se de um espaço pequeno, de cerca de sessenta centímetros por um metro. O que permite concluir que, contrariamente ao alvitrado pelo arguido, terá sido o arguido que se deslocou em direção à vítima e não o contrário. DD: Foi quando eu ouço um grito, tipo de aflição: “Ahhh”. E foi quando olho para trás e vejo o GG dentro de água. Nesse instante em que vejo o GG dentro de água, está o AA, aquilo faz tipo assim um degrauzinho, o AA estava no degrau, mas na parte de cima do degrau. E eu vou a descer e eu próprio disse assim para o AA: “O que é que tu fizeste? Mandaste o GG à água e não sei o quê… E o AA vem para cima e diz: “podem chamar quem quiserem, podem fazer o que quiserem que eu não saio daqui”. E sentou-se numa rochazinha que tem lá do lado esquerdo. (sessão de 24.04.2024, 05:18 a 06:11 segundos). (…) Aquilo é um espacinho assim de cerca de sessenta centímetros por um metro, e estava o AA no lugar onde o GG estava.(sessão de 24.04.2024, 06:34 a 07:05 segundos). 32. Por sua vez, apesar de o ter negado em Tribunal, no dia dos factos, o arguido foi o primeiro a admitir expressamente ter empurrado a vítima perante o agente da Polícia Marítima FF, nos termos já transcritos supra (sessão de 27.05.2024, 02:10 a 02:23 segundos) e tacitamente à testemunha CC, quando este lhe disse: “AA, já mataste o GG”. A resposta do AA foi esta: “que se lixe, eu quero lá saber” (sessão de 24.04.2023, 04:55 a 06:55 segundos) e à testemunha DD: “eu próprio disse assim para o AA: “O que é que tu fizeste? Mandaste o GG à água e não sei o quê… E o AA vem para cima e diz: “podem chamar quem quiserem, podem fazer o que quiserem que eu não saio daqui”. E sentou-se numa rochazinha que tem lá do lado esquerdo”. (sessão de 24.04.2024, 05:18 a 06:11 segundos). 33. De acordo com as regras da lógica e da experiência comum, se tudo se tivesse tratado de um acidente, se a vítima tivesse caído ao mar sem que o arguido tivesse representado essa possibilidade e se tivesse conformado com ela, o arguido certamente estaria desesperado e aflito. No entanto, não é isso que os testemunhos supra transcritos relatam. 34. O depoimento de todas as testemunhas foi no sentido de que o arguido estava conformado com o sucedido. 35. Sendo que, “acusado” pelos amigos pescadores de ter sido o causador da morte da vítima, em momento algum o arguido negou tais “acusações” ou mostrou surpresa. Tendo demonstrado, isso sim, estar perfeitamente conformado com o trágico desfecho que o seu comportamento tinha causado. 36. Resultando, da prova supra exposta que o arguido colocou as mãos no peito da vítima e que, na sequência deste toque, aquela caiu desamparada sobre a retaguarda e, nessa sequência, caiu ao mar, deveriam, assim, os pontos 8) e 9) do despacho de acusação ter sido dados como provados. 37.O arguido vinha acusado da prática de um crime de homicídio com dolo eventual, sendo incompreensível a referência à intenção de matar do arguido nos factos dados como não provados a fls. 10 do acórdão recorrido, uma vez que tal intenção de matar (dolo direto) não é imputada ao arguido em nenhum facto da acusação. 38. A este respeito, porque absolutamente claro e eloquente, subscrevemos na íntegra o teor do voto de vencido da Meritíssima Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Cascais, segundo o qual “No caso, atentos os contornos de atuação do arguido, e por este parcialmente assumidos, os mesmos denunciam de forma inequívoca a previsão da possibilidade de causar a queda da vítima no mar e a sua morte, assim como a conformação com essa possibilidade. 39. Efetivamente: - o arguido tocou – e, no nosso entendimento, atenta a prova produzida conjugada com as regras da lógica e da experiência comum, empurrou – no corpo da vítima, colocando as mãos no peito desta que, de imediato, caiu ao mar; - resultando isto das declarações do próprio arguido supra transcritas (gravação Media Studio 20240403154838_4811622_2871335, sessão de 03.04.2024, 00:01 a 01:18 segundos) e do depoimento supra transcrito da testemunha FF, agente da Polícia Marítima, (sessão de 27.05.2024, 02:10 a 02:23 segundos). 40.- o arguido e a vítima estavam mesmo à beira do precipício/limite rochoso – resultando isto das declarações do próprio arguido: “É logo ali.” (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2024, 17:44 a 18:08 segundos). 41. - o arguido conhecia, há mais de 20 anos, quer a vítima, quer o local e a perigosidade do mesmo (local, aliás, onde o arguido vivia à data da prática dos factos, no interior de uma gruta ali existente), as fortes correntes marítimas que existem naquela zona e a existência de rochas no interior da água, estando ainda consciente de que era de noite, que o mar estava muito agitado, que as ondas batiam nas rochas e que, por essa razão, as mesmas estavam escorregadias, que se encontrava no limite da plataforma rochosa, e que a vítima tinha muita roupa (conforme o próprio admitiu); 42. - o arguido conhecia as características do local, designadamente, a existência de rochas no interior da água que, seguramente, em caso de queda, seriam causadoras, como o foram, de lesões traumáticas que estiveram na origem da morte da vítima – cfr. relatório de autópsia de fls. 184 a 187 – circunstância que o arguido, como qualquer pessoa normal colocada na sua concreta posição, não poderia ignorar.” 43. Tais factos resultaram do depoimento de todos os pescadores que estavam no local e foram ouvidos como testemunhas, mas, desde logo, das declarações do próprio arguido: Meritíssima Juiz Presidente: E o Sr. conhecia este local? Arguido: Eu conhecia, então se eu morei lá. Meritíssima Juiz Presidente: E conhecia o estado do mar? Arguido: Toda a gente sabe, pescamos lá todos os dias. (gravação Media Studio 20240403150219_4811622_2871335, sessão de 03.04.2024, 18:10 a 18:30 segundos) (…) Meritíssima Juiz Presidente: Oh Senhor AA, o Sr. disse que o problema é o peso? Arguido: É o peso da roupa. (…) Meritíssima Juiz Presidente: Portanto, tudo isso ajuda que quando o corpo caia, não tenha aquela ligeireza…Arguido: Ensopa de água e vai ao fundo. Meritíssima Juiz Presidente: O Sr. GG sabia disso e o Sr. também, que o Sr. conhece o local, não é? Arguido: Toda a gente sabe. Porque a noite é muito fria. (gravação Media Studio 20240403154838_4811622_2871335, sessão de 03.04.2024, 05:56 a 06:39 segundos). 44. “Perante estas circunstâncias, o arguido apenas podia ter previsto que, com a sua atuação, colocando as mãos no peito da vítima quando esta estava no limite rochoso (precipício), empurrando-a, esta podia cair no mar, como caiu, e que a mesma, com tal queda, mais do que previsível, teria muito poucas, ou nenhumas, possibilidades de sobreviver e de ser resgatada com vida (atento o estado do mar, a forte ondulação, o local de precipício onde se encontravam, a natureza contundente das rochas existentes no interior do mar, e as roupas trajadas pela vítima, sendo, todas estas circunstâncias, do conhecimento do arguido, frequentador do local há mais de 20 anos, razão pela qual, mesmo não tendo intenção direta de lhe tirar a vida, o arguido conformou-se com o trágico desfecho, e tanto assim é que nenhum esforço efetuou no sentido de procurar ajudar os restantes pescadores que tudo fizeram para salvar a vida da vítima nem, tão pouco, negando a sua participação no trágico desfecho, quando foi questionado pelos pescadores que se lhe dirigiram, nem quando foi questionado pelo agente da Polícia Marítima, FF, a quem admitiu, na primeira abordagem, ter empurrado a vítima”. 45. De acordo com a prova produzida, o arguido, perfeito conhecedor do local, onde até vivia, à data, numa gruta, forçosamente tinha que representar como possível que um toque no peito da vítima, ainda que, eventualmente, com pouca força, a faria cair num precipício rochoso e finalmente à água. E que, uma vez ocorrida essa queda, havia uma forte probabilidade da vítima perder a vida, desde logo pelo impacto nas rochas após a queda, mas também pelo facto de ser uma noite de Novembro e, como tal, a vítima estar vestida com várias camadas de roupa, o que era prática habitual por todos os pescadores naquele local e naquelas circunstâncias, bem como pelo facto do mar estar agitado e não haver disponível qualquer equipamento de segurança individual (como por exemplo bóias ou coletes salva vidas) ou qualquer equipamento que permitisse o regresso a terra (como por exemplo escadas). 46. E, ainda assim, desferiu um impacto com as mãos abertas no corpo da vítima, conformando-se com a possibilidade da sua morte. 47. Impõe-se questionar: Se o arguido não tivesse representado a possibilidade de morte da vítima e não se tivesse conformado com esse resultado, por que motivo não disse aos demais pescadores que se encontravam no local que não teve qualquer culpa na queda da vítima e que apenas agiu para se defender? 48. Se o arguido não tivesse representado a possibilidade de morte da vítima e não se tivesse conformado com esse resultado, por que motivo, quando a testemunha CC lhe disse: “AA, já mataste o GG”. O mesmo respondeu: “que se lixe, eu quero lá saber” (sessão de 24.04.2023, 04:55 a 06:55 segundos)? 49. Se o arguido não tivesse representado a possibilidade de morte da vítima e não se tivesse conformado com esse resultado, por que motivo quando a testemunha DD lhe disse: “O que é que tu fizeste? Mandaste o GG à água e não sei o quê… o mesmo respondeu: “podem chamar quem quiserem, podem fazer o que quiserem que eu não saio daqui”. E sentou-se numa rochazinha que tem lá do lado esquerdo. (sessão de 24.04.2024, 05:18 a 06:11 segundos). 50. Se o arguido não tivesse representado a possibilidade de morte da vítima e não se tivesse conformado com esse resultado, por que motivo admitiu ao agente da Polícia Marítima FF, ter empurrado a vítima nos termos já transcritos supra (sessão de 27.05.2024, 02:10 a 02:23 segundos) ? 51. Face ao exposto, atendendo à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, de que se destaca a supra indicada, afigura-se-nos que, para além dos factos dados como provados, deveria, ainda, ter sido dada como provada a seguinte factualidade: 7) Por razões não totalmente apuradas, eventualmente devido à queda de uma cana de pesca ao mar, arguido e vítima trocaram-se de razões, iniciando-se uma discussão entre ambos junto ao limite rochoso do local. 8)De seguida, a discussão meramente verbal progrediu para o contacto físico, tendo o arguido colocado as mãos no peito da vítima, empurrando-o na direção do mar. 9) Em consequência da conduta do arguido, a vítima caiu desamparada sobre a sua retaguarda, e nessa sequência, caiu ao mar. 13) Com tal conduta, quis o arguido atingir a integridade física do ofendido, ciente de que, ao empurrar o mesmo na berma da zona rochosa, tal era suscetível pela perigosidade do meio utilizado e das circunstâncias existentes, tanto da natureza contundente da rocha, como condições marítimas, de provocar a sua queda ao mar, admitindo como possível que perdesse a vida, o que veio a suceder, conformando-se com essa possibilidade. 14) O arguido atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 52.Acresce que, a fundamentação da decisão de facto, a nosso ver e salvo o merecido respeito, não convence. 53. Em primeiro lugar, diremos que na fundamentação sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo vale-se do princípio “in dubio pro reo” para, sem analisar criticamente toda a prova produzida, dizer que não foi feita prova de que a morte da vítima possa ser imputada a uma conduta dolosa (ainda que com dolo eventual) por parte do arguido. 54. O Tribunal a quo começa por assentar a sua convicção no facto de nenhuma das testemunhas ter visto qualquer empurrão por parte do arguido à vítima, tendo sido a vítima quem, por duas vezes se dirigiu em discussão ao arguido. 55. Ora, o que resulta da prova produzida é que nenhuma das testemunhas viu o momento da queda da vítima ao mar. Contudo, se por um lado, todas as testemunhas que se encontravam no local referiram que a vítima estava irritada com o arguido, culpando-o da queda da sua cana ao mar e mandando-o calar, por outro lado, também referiram que o arguido se encontrava igualmente exaltado, tendo chegado mesmo a pegar no seu telemóvel e ameaçado telefonar à Polícia Marítima para denunciar uma alegada falta de licença de pesca por parte da vítima, como represália pela vítima o estar a culpar pela queda da sua cana de pesca ao mar, pelo facto de estar sempre a falar alto, perturbando a vítima com esse comportamento. 56. Por sua vez, atenta a prova produzida, em especial a supra indicada e transcrita, não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo de que “nada há nos autos que desminta o alegado em sua defesa pelo arguido”. 57. Antes pelo contrário! 58. Do depoimento de todas as testemunhas, em concreto dos excertos supra indicados, forçoso é concluir que nada há nos autos que permita corroborar a versão do arguido no sentido de que a vítima é que lhe “ofereceu porrada”, que a vítima o ameaçou atirar ao mar e, muito menos, que a vítima tenha ido na direção do arguido com essa intenção. Não havendo qualquer prova, para além das declarações do arguido, que este tenha colocado as mãos no peito da vítima para repelir uma agressão iminente. 59. Recorde-se que era de noite e o local estava em silêncio, como referiu a testemunha DD, pelo que se a vítima tivesse, efetivamente, proferido as alegadas ameaças em relação ao arguido, nenhuma razão lógica existiria para que estas testemunhas não as tivessem ouvido. 60. Ademais, segundo a testemunha DD, no momento da queda, o arguido estava exatamente no local onde estava a vítima anteriormente, tratando-se de um espaço pequeno, de cerca de sessenta centímetros por um metro. O que permite concluir que, contrariamente ao alvitrado pelo arguido, terá sido o arguido que se deslocou em direção à vítima e não o contrário. 61. Termos em que, forçoso é concluir que o depoimento das testemunhas desmente a tese do arguido de que apenas levantou as mãos para se defender da vítima porque esta o estava a ameaçar quer de ofensa à integridade física quer de arremesso ao mar. Resultando do depoimento da testemunha DD que o arguido é que se dirigiu para o local onde a vítima se encontrava e não o contrário. 62. Para além deste circunstancialismo, que a nosso ver descredibiliza o arguido, as próprias contradições que o arguido apresentou ao longo de todas as suas declarações, também nos levam a concluir pela sua falta de credibilidade. 63. Pelo que, afastada, pela demais prova produzida, a tese da legítima defesa avançada pelo arguido, não se pode concordar com o vertido na motivação do acórdão recorrido no sentido de que “é tão válida uma interpretação no sentido de um empurrão, como desde logo fez J2; como é válida uma interpretação no sentido de ser um gesto defensivo”. 64. Assim como não se pode concordar com a conclusão plasmada na motivação do acórdão recorrido no sentido de que, pelas características pessoais do arguido, “onde se insere défice cognitivo e eventual problema de saúde mental, este não sabe defender-se muito bem”. 65. Com efeito, não obstante o relatório social elaborado pela DGRSP fazer menção a um défice cognitivo ligeiro do arguido, nenhuma prova foi feita que permitisse concluir que o mesmo não se encontrava, por um lado, estabilizado à data dos factos e, por outro, que “não se soubesse defender muito bem”, tendo apresentado um discurso perfeitamente normal, e até pormenorizado, em sede de audiência de discussão e julgamento. 66.Acresce que, o arguido era um ... experiente, exímio conhecedor do local, no qual, inclusivamente, viveu no interior de uma gruta escavada na rocha, pelo que, necessariamente, tinha que representar como possível que um toque no peito da vítima, ainda que, eventualmente, com pouca força, a faria cair num precipício rochoso e finalmente à água. 67. Por sua vez, atento esse circunstancialismo pessoal do próprio arguido, o mesmo tinha, igualmente, de representar que, uma vez ocorrida essa queda, havia uma forte probabilidade da vítima perder a vida, desde logo pelo impacto nas rochas após a queda, mas também pelo facto de ser uma noite de Novembro e, como tal, a vítima estar vestida com várias camadas de roupa. 68. Não se podendo concordar com o vertido na motivação do acórdão recorrido no sentido de que “não se pode retirar o elemento subjetivo imputado, ou outro, de ofensa, da eventualidade de o arguido saber que o ofendido tinha dois pares de caças e dois casacos. Isto uma vez que não se provou que o arguido soubesse que o ofendido os usava, por tal não ser visível”. 69. É certo que o arguido não sabia com exatidão quantas peças de roupa a vítima vestia, mas resulta das suas declarações, supra transcritas, que o mesmo sabia que o mesmo envergava várias peças de roupa e calçado, o que era prática habitual por todos os pescadores naquele local e naquelas circunstâncias (de noite, em Novembro, numa rocha sobre o mar), bem como que esta circunstância diminuiria a probabilidade de sobrevivência em caso de queda, pois como o mesmo referiu, o problema é o peso da roupa, que ensopa de água… 70. Acresce que, o arguido, igualmente, não ignorava que o mar estava agitado e que naquele local não havia qualquer equipamento de segurança individual (como por exemplo bóias ou coletes salva vidas) ou qualquer equipamento que permitisse o regresso a terra (como por exemplo escadas). 71. E, ainda assim, desferiu um impacto com as mãos abertas no corpo da vítima, conformando-se com a possibilidade da sua morte, encontrando-se, assim, a nosso ver, provados quer o elemento objetivo quer o elemento subjetivo do tipo de ilícito de homicídio simples, na forma consumada, pelo qual o arguido vinha acusado. 72. Nesta conformidade, entendemos que a aplicação do princípio “in dubio pro reo” efetuada no acórdão recorrido para conduzir à decisão de absolvição do arguido do crime de homicídio de que estava acusado foi indevidamente efetuada, uma vez que existe prova sólida que sustenta a factualidade de que o arguido vem acusado e que, a nosso ver, tal como da Meritíssima Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Cascais, deveria ter sido dada como provada, decorrendo o mesmo, igualmente, das regras da lógica e da experiência comum, não subsistindo qualquer dúvida que impusesse a sua cedência perante o princípio “in dubio pro reo”. 73. De tudo quanto acima ficou exposto, constata-se que a prova produzida em audiência de julgamento e constante do processo, consubstanciada nas declarações do arguido, no depoimento de todas as testemunhas, em particular as supra referidas, e na prova documental e pericial, impunha uma solução diversa daquela que foi preconizada na decisão recorrida, isto é, impunha que tivessem sido dados como provados, praticamente, todos os factos constantes da acusação. 74. Assim sendo, face a tudo o que se expôs, entende-se que, com base nos elementos de prova produzidos em sede de audiência de julgamento e constantes do processo, o Tribunal a quo deveria ter julgado provados, para além dos demais, também os pontos 8), 9), 13) e 14), bem como parcialmente o ponto 7) da acusação, nos termos já supra explanados. 75. Factos com os quais o Tribunal recorrido não poderia deixar de proferir decisão de condenação do arguido pela prática do crime de homicídio simples, na forma consumada, que estava acusado. 76. Assim, ao decidir absolver o arguido AA, como decidiu, o Tribunal a quo não aplicou devidamente o disposto no art.º 131º do Código Penal e o disposto no art.º 127º do Código de Processo Penal. 77. Termos em que, o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que, considerando provada a matéria de facto acima mencionada, condene o arguido AA pela prática do crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 131º do Código Penal, com dolo eventual – cfr. art.º 14º, n.º 3 do Código Penal - de que está acusado.» * O recurso foi admitido com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo. * O arguido não respondeu. * A Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso, aderindo aos fundamentos deste. O arguido respondeu (ao parecer), pugnando pela improcedência do recurso. * Foi proferido despacho a efetuar o exame preliminar, mantendo-se o efeito e regime de subida do recurso. Corridos os vistos, foram os autos à conferência. Nada obsta à prolação de acórdão. **** II. OBJETO DO RECURSO Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J. de 19/10/1995 (in D.R., série I-A, de 28/12/1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Atendendo às conclusões apresentadas, não obstante a sua extensão, a única questão a apreciar é a impugnação da matéria de facto, entendendo o Digno Recorrente, em síntese apertada, que os factos integradores do cometimento pelo arguido do crime de homicídio doloso de que vinha acusado, que foram dados como não provados, devem agora ser dados como provados. **** III. FUNDAMENTAÇÃO * A) DECISÃO RECORRIDA O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos provados: «1. No dia ...-...-2022, pelas 20h00 horas, o arguido encontrava-se na zona denominada “...”, sita nas proximidades da ..., em ..., a praticar a atividade de pesca lúdica. 2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, afastado entre 10 a 15 metros do arguido, encontrava-se igualmente a vítima GG, a praticar a mesma atividade. 3. O local em causa, frequentado essencialmente por pescadores e apenas acessível a pé, é uma zona rochosa do tipo plataforma, junto à orla marítima, com uma altura de dois a quatro metros sobre a água, dependendo das marés, ondulação e agitação marítimas. 4. O local não é provido de iluminação pública, de sistemas de prevenção de quedas ou de auxílio de retorno às rochas caso tal possa ocorrer, a exemplo de bóias salva-vidas. 5. Por seu lado, nem a vítima, nem os demais pescadores estavam providos de roupa ou equipamentos de segurança individual, como por exemplo de coletes salva-vidas. 6. À hora e data dos factos, no local não existia já luz natural, encontrando-se o mar agitado, com fortes correntes e rebentações, devido à maré, com uma altura de 2,7 metros. 7. A dada altura uma cana de pesca do aludido GG caiu ao mar. 7.1. Vítima e arguido trocaram-se de razões, iniciando-se uma discussão entre ambos junto ao limite rochoso do local. 10. A vítima, nessas circunstâncias, encontrava-se vestido com calças de ganga e umas calças de fato de treino por cima mais dois casacos, um dele em lã mais grossa; 11. Em ato seguido, apesar de a vítima se manter por algum tempo à tona da água gritando por socorro, os pescadores presentes e testemunhas nos autos, apesar de desenvolverem esforços para o resgatar do mar, não conseguiram esse propósito. 12. Em consequência da queda, o ofendido sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas (músculo-aponevrótico na região fronto-parieto-temporal esquerda) e torácicas, que vieram a determinar a sua morte. Mais (do CRC e relatório social) se provou: O arguido é criminalmente primário. Embora adotasse uma postura perante a DGRSP aparentemente colaborante, nos contactos com esses serviços o arguido teve discurso pautado pela ansiedade e pelo choro, condição a que, para a DGRSP, não será alheia o seu historial de doença mental e défice cognitivo ligeiro. A DGRSP não conseguiu, até ao términus de elaboração do relatório social, contactar com uma pessoa da Junta de Freguesia de ..., zona de residência e de convivialidades do arguido. A morada ..., mencionada corresponde à sua anterior habitação, e onde está contactável, não sabendo facultar a sua morada actual à DGRSP. O arguido vive sozinho e não mantém proximidade relacional com a sua família de origem (mãe e irmãos) e com os três filhos, fruto de uma ligação que perdurou por doze anos, e que terminou em rutura ao que indica à DGRSP de forma disfuncional. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação era idêntica à descrita. O arguido viveu na condição de pessoa em situação de sem-abrigo em zona marítima (gruta da ...) durante aproximadamente três anos, que estima entre os 39 e os 42 anos, após o términus da ligação de intimidade, e afastamento dos elementos da sua família de origem, que atribui ao facto de não ter obtido dos mesmos uma resposta securizante numa etapa da sua vida adulta, o que espoletou a sua vulnerabilidade habitacional e social. Durante este período dedicava-se à venda de artigos (e.g. estrelas-do-mar) a turistas. Todavia, os elementos da natureza a que esteve exposto, tiveram impacto negativo na sua saúde, conforme será descrito no ponto correspondente. Enquadramento Residencial em quarto, em zona central, sem condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade). Trata-se de local temporário de residência, sendo que os problemas com alojamento os seguintes: A habitação não dispõe de fornecimento de eletricidade ou gás. Em meio social com problemáticas sociais/criminais. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação registava as seguintes alterações: O arguido vivia num quarto arrendado na zona de .... Ao nível da Escolaridade o arguido tem o ensino Básico. O arguido refere à DGRSP que obteve a escolaridade obrigatória com o apoio de uma professora do ensino especial. É reformado de …. O arguido refere à DGRSP que se encontra reformado por invalidez desde os 43 anos (2010). Situação económica: Valor dos rendimentos líquidos do arguido: 379,65€ mensais. Até dezembro p.p. arrendava um quarto pelo valor de 350 euros, e no presente refere à DGRSP que a referida habitação se encontra a beneficiar de obras, pelo que reside noutro espaço sem encargos, cuja morada não sabe indicar. O arguido descreve à DGRSP a situação económica como deficitária, beneficiando do fornecimento de refeições nas ‘carrinhas’ (sic) de apoio sociocomunitário. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação registava as seguintes alterações: À data das circunstâncias que deram origem ao presente processo, o arguido beneficiava de apoio da UDIP ... – SCML no que concerne ao fornecimento de refeições e apoio pontual para pagamento de renda do quarto, suporte que iniciou em 2020 e terminou em finais de 2023 por incumprimento cometido por AA para com a entidade, pelo que o processo se encontra encerrado. Inserção sociocomunitária: O arguido não indica à DGRSP ter atividades estruturadas do seu quotidiano, embora aluda a ter participado nas atividades promovidas pela Junta de Freguesia da zona de residência, até, ao que indica, terem surgido incompatibilidades entre os visados, que AA não quis especificar. Atualmente ocupa os seus dias em convivialidades na rua com pessoas em condição de sem-abrigo que se encontram em ócio e se dedicam a arrumar carros. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação registava as seguintes alterações: O arguido descreve à DGRSP que ocupava os seus tempos com a pesca junto ao mar. O arguido apresenta um défice cognitivo ligeiro, Perturbação depressiva major com sintomatologia psicótica associada, hipertensão arterial, Diabetes Mellitus tipo 2, encontrando-se medicado, e que cumpre rigorosamente. Refere à DGRSP não ter acompanhamento de psiquiatria desde 2019, pelo que a prescrição médica é-lhe facultada pela médica de família. Apresenta problemas a nível de visão, concretamente atrofia retiniana, tendo sido sujeito a uma intervenção cirúrgica a uma catarata a .../.../2021 e a uma pálpebra em .../.../2022. Status pós-fratura do braço esquerdo, na sequência de um acidente de viação (2001). O arguido aparece à DGRSP como referenciado a consumos etílicos abusivos em 2019. Menciona à DGRSP que beneficiou de tratamento à dependência alcoólica nessa altura, mantendo-se abstinente alguns anos, até ter recaído recentemente em consumos com pares na mesma condição de dependência e inatividade. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação registava as seguintes alterações: Refere à DGRSP que se encontrava abstinente à data das circunstâncias que deram origem ao presente processo judicial. O arguido regista vários internamentos hospitalares, sendo de relevar a sua permanência entre .../.../2012 e finais de 2019 no Hospital/Centro de Apoio Social do ... onde beneficiou de acompanhamento ao nível da psiquiatria. Em termos de impacto do presente processo na sua vida, AA descreve à DGRSP a detenção de 48 horas a que foi sujeito e um desgaste decorrente das apresentações periódicas na esquadra da polícia. AA menciona também à DGRSP o impacto ao nível da sua estabilidade emocional, que espoletam crises de choro e episódios de falta de apetite. Alude também ao facto de ter retomado o consumo de bebidas alcoólicas, que em simultâneo com a toma de medicamentação psicofarmacológica, tem consequências ao nível do seu bem-estar. De igual modo, refere à DGRSP nunca mais se ter se ter dedicado à pesca, alegadamente por temer reações negativas das pessoas da esfera familiar da vítima no âmbito do presente processo. O arguido não se revê numa conduta criminal, para a DGRSP desresponsabilizando-se da mesma. AA encontra-se em situação de isolamento familiar e em contexto de vulnerabilidade económica e social. De igual modo, a DGRSP não conseguiu apurar com propriedade a sua condição habitacional no presente, que indica ser precária e deficitária. O arguido encontra-se em contexto de ócio e privilegia vivências de rua, onde indica à DGRSP estabelecer convivialidades de risco, associadas, nomeadamente, a consumos etílicos abusivos. Acresce a sua condição de saúde mental, para a qual indica à DGRSP não beneficiar de acompanhamento da especialidade há vários anos, não sendo à DGRSP também possível aferir a existência de uma toma escrupulosa da medicação. Os aspetos atrás elencados, constituem-se como fatores negativos em termos de inserção social. Para a DGRSP será também de relevar as incompatibilidades e incumprimentos surgidos na interação do arguido com equipamentos sociais de apoio a pessoas vulneráveis, que o apoiaram no passado e que se encontram ausentes do seu contexto vivencial atualmente. Provou-se finalmente que: O arguido admitiu parcialmente os factos imputados, mas negou o essencial dos mesmos. O arguido nasceu em .../.../1967. Tem hoje 56 anos de idade. Entre ... de ... de 2022 tinha 54 anos de idade.» * O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos não provados: «7-que arguido e vítima se tenham trocado de razões pela queda de uma cana de pesca ao mar; 7-que arguido e vítima se tenham ameaçado mutuamente de mandarem o outro para a água; 8- que de seguida a discussão meramente verbal tenha progredido para o contato físico; 8- que de seguida a discussão meramente verbal tenha progredido para o contato físico, tendo o arguido colocado as mãos no peito da vitima, empurrando-o na direção do mar; 8- que o arguido tenha colocado as mãos no peito da vitima, empurrando-o na direção do mar; 8- que o arguido tenha empurrado a vítima na direção do mar; 8- que o arguido tenha empurrado a vítima; 8- que o arguido tenha colocado as mãos no peito da vitima, empurrando-o na direção do mar; 9- que em consequência da conduta do arguido, a vítima caiu desamparada sobre a sua retaguarda, e nessa sequência, caiu ao mar; 9- que a vítima tenha caído desamparada sobre a sua retaguarda; 10-que o arguido soubesse que a vítima usava duas calças e dois casacos; -que o arguido soubesse que a vítima não nadava bem; -que a vítima não nadasse bem; 13- que com a sua conduta o arguido tenha querido atingir a integridade física do ofendido, ciente de que, ao empurrar o mesmo na berma da zona rochosa, tal era suscetível pela perigosidade do meio utilizado e das circunstâncias existentes, tanto da natureza contundente da rocha, como condições marítimas, de provocar a sua queda ao mar, admitindo como possível que perdesse a vida, o que veio a suceder, conformando-se com essa possibilidade; 13- que o arguido tenha querido atingir a integridade física do ofendido; 13- que o arguido tenha empurrado o ofendido; 13- que o arguido estivesse consciente da natureza contundente da rocha e das condições do mar e que da conjugação das mesmas pudesse resultar traumatismo no ofendido; 13- que o arguido tenha admitido como possível que o ofendido perdesse a vida 13- que o arguido se tenha conformado com a possibilidade de o ofendido perder a vida; 14- que o arguido tenha actuado livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. - que o arguido tenha tido intenção de matar o ofendido; e as demais condições pessoais do arguido.» * O acórdão recorrido fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos: «A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada da posição e declarações do arguido, com o depoimento das testemunhas ouvidas, a prova pericial e os documentos dos autos nomeadamente de fls.2 a 6, 11, 13 a 16, 23, 30, 34 a 36, 47 a 48v, 54, 55 a 61, 67, 69, 72, 73, 81 a 83, 90, 94v a 110, 113 a 116, 118, 120 a 125v, 128, 128v, 130, 133 a 160, 162 a 182v, 184v a 187v, e demais ainda não numerados dos autos, bem como vertidos no citius (os quais incluem nomeadamente CRCs, autos de notícia, de inspecção judiciária, fotografias, relatório de autópsia e relatório social), todos analisados em audiência, face a um juízo de experiência comum e à ponderação (e aplicação, em parte, ) que se fez em concreto do Princípio “in dubio pro reo”, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada. Desde logo se diga que, conforme se aferirá mais em pormenor infra, nenhuma testemunha viu empurrão do arguido no ofendido, no que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para os factos dados exemplificativamente dados como não provados. Por outro lado, também, como se se aferirá melhor infra, apurou-se que foi o ofendido quem por duas vezes se dirigiu em discussão ao arguido. No que tal também contribuiu para a formação da convicção do tribunal e, em especial, para os mencionados fatos dados como não provados. Acresce que nos presentes autos se pode ter em consideração não apenas a vertente usual do aludido “in dubio”, mas bem ainda a sua vertente negativa, ou seja, em matéria de causas de justificação ou de dirimentes da responsabilidade. Com efeito, nada há nos autos que desminta o alegado em sua defesa pelo arguido. É certo que o mesmo, até pelas suas apuradas características pessoais, onde se insere défice cognitivo e eventual problema de saúde mental, não sabe defender-se muito bem. Mas nada há que infirme com segurança o dito pelo arguido em sua defesa. No que tal juízo, em concatenação com o aludido “in dubio”, também contribuiu para os factos dados como não provados. Nomeadamente, ou seja, a título exemplificativo, não se conseguiu provar com segurança o que o arguido possa ter feito de errado na ocasião dos factos. Embora a expressão de “condenado à convicção” seja do desagrado do julgador, por qualquer juízo implicar necessariamente uma prévia formação de convicção, cabe no caso ponderar o seguinte. Como se aferirá melhor infra, no presente caso foi-se da convicção de uma testemunha, não baseada em qualquer observação de facto corroborador dessa convicção, até à convicção de outra, de investigador, até MP da acusação e de julgamento e até à convicção da J2 titular dos autos. Ora cabe desde logo dizer que não foi essa a convicção maioritária do Coletivo, como já não tinha sido da Mmª. JIC, que não prendeu o arguido, apenas lhe aplicando medida de apresentações periódicas, medida de coacção com que o MP que deduziu acusação também se conformou. E mesmo a MP de julgamento, como se afere das alegações gravadas, não pediu a condenação do arguido, mas sim Justiça. É certo que argumentou no sentido propugnado na acusação, mas na verdade literalmente não pediu a condenação (contrariamente ao que costuma fazer quando está convicta que há provas seguras que sustentam a sua convicção). É certo que argumentou ser sua convicção a prática como imputado, mas na verdade nada obsta a que versão oposta e contraditória possa ser igualmente verosímil e fundamentar uma absolvição. No que tal contribuiu para a formação da convicção do Tribunal. Ou seja, de convicção em convicção (não fundadas com o necessário grau de segurança) quase que se chegava à condenação do arguido, algo que não sucederá infra, como se verá. Também se diga que vem imputado gesto, que o arguido de alguma forma poderá ter reproduzido em audiência. Todavia, tal gesto, não filmado, resta por apurar se terá sido efetivamente idêntico a eventual gesto praticado aquando dos factos. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. E mesmo o gesto feito em audiência é passível de várias interpretações: é tão válida uma interpretação no sentido de um empurrão, como desde logo fez J2; como é válida uma interpretação no sentido de ser um gesto defensivo, de colocar os braços à frente, como desde logo fez este J3. No que tal contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Nada há nos autos que faça dar com segurança mais pendor a uma interpretação ou versão do que a outra. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Por outro lado, ainda das próprias palavras do arguido no local dos factos, nada permite das mesmas aferir com o necessário grau de segurança de eventual intenção de matar ou sequer de ofensa à integridade física. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Não se tendo provado com o necessário grau de segurança uma eventual legítima defesa do arguido, também é certo que nada existe nos autos que desminta uma eventual legítima defesa, no que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Também não se pode retirar o elemento subjectivo imputado, ou outro, de ofensa, da eventualidade de o arguido saber que o ofendido não sabia nadar bem. Isto uma vez que não se provou que o arguido soubesse que o ofendido não soubesse nadar bem, nem se provou que o que o ofendido não soubesse nadar bem. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Também não se pode retirar o elemento subjectivo imputado, ou outro, de ofensa, da eventualidade de o arguido saber que o ofendido tinha dois pares de caças e dois casacos. Isto uma vez que não se provou que o arguido soubesse que o ofendido os usava, por tal não ser visível. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Mais se diga que da inércia posterior aos factos do arguido não se consegue com o necessário grau de segurança, retirar qualquer acção do mesmo na ocasião dos factos ou imediatamente antes da queda do ofendido ao mar. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. É certo que a versão da acusação é possível. Mas a versão de que se tratou de um acidente também é congruente e lógica e possível. No que tal, em concatenação com o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Também se diga que mesmo em termos de causalidade também sempre valeria o aludido “in dubio”. Com efeito, não se afigura, em geral ou em concreto, que uma pessoa que caia à água venha a falecer em virtude de traumatismo. O normal e mais previsível será que faleça por afogamento. Ora, conforme apurado e imputado, o óbito deveu-se a traumatismo. Que, mais uma vez, não se provou que o arguido tenha causado ou sequer previsto como possível. No que o aludido “in dubio”, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. Diga-se, ainda, que a convicção do Tribunal, face ao acervo de prova dos autos mencionado assentou desde logo na análise dos mencionados documentos, prova pericial e prova testemunhal dos autos (em concatenação com as mencionadas declarações e depoimentos). Assim, diga-se que o arguido AA foi credível (por corroborado por demais elementos probatórios dos autos) na parte em que mencionou que na data dos factos estava na “boca do inferno” à pesca; que aí também se encontrava o anos; que (ele arguido) pernoitava em gruta próxima do local dos factos; que o ofendido costumava, como o arguido, pescar no assinalado local; ao confirmar a descrição do local; ao mencionar que cana do ofendido caiu à água; que o ofendido discutiu consigo; que o ofendido era seu amigo; que ouviu o ofendido começar a gritar e se apercebeu que o mesmo caiu à água; que o ofendido pediu ajuda quando na água, no que contribuiu para os factos dados como provados. Também foi credível (por corroborado por demais elementos probatórios dos autos) na parte em que mencionou que o local dos factos tem pedra “limada”, escorregadia; que o ofendido estava agressivo, no que contribuiu para os factos dados como não provados e para a mencionada formação da convicção do tribunal. Também disse AA que não matou ninguém; que “aquilo foi um descuido”; (note-se neste ponto que credível face às características de local húmido, com solo irregular, escorregadio na parte com lodo, junto ao mar); negou que tenha ameaçado o ofendido (note-se neste ponto que credível face à menção que disse que ia chamar a polícia marítima, por o ofendido não ter licença); mencionou que não fez nada ao ofendido; que o ofendido o queria mandar ao mar, face ao que a testemunha BB, polícia, os separou; ao mencionar que pôs as mãos à altura do peito e o ofendido caiu; que o ofendido se desequilibrou; disse que não chegou a tocar no corpo do ofendido; que este escorregou e caiu; mencionou que abriu as mãos porque o ofendido “vinha para mim”; mencionou que não pôs as mãos no peito do ofendido, admitindo que lhe pode ter tocado na roupa; mencionou que teve medo que o ofendido o atirasse à água (note-se que neste ponto credível dada a apurada agressividade do ofendido, não apenas na data e ocasião dos factos), no que face ao supra e ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Não foi credível (por infirmado por prova em contrário) no mais, nomeadamente na parte em que aventou que não discutiu com ninguém; ao negar troca de palavras com o ofendido, no que contribuiu para os factos dados como não provados. Note-se que a percepção que este J3 teve do gesto que o arguido fez em audiência foi no sentido de mãos à altura do peito em gesto defensivo. No que tal percepção contribuiu para a formação da convicção do Tribunal e para os factos dados como não provados. Também terá feito idêntico gesto em sede de 1º interrogatório (conforme se afere da audição do mesmo). No que tal juízo contribuiu para a formação da convicção do Tribunal e para os factos dados como não provados. Ouvidas em audiência as suas declarações de arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, nos termos do art.º 141º., do CPP, chegou-se a idêntica conclusão que a supra, por terem idêntico teor. Nas mesmas foi credível, por corroborado por demais elementos probatórios dos autos, na parte em que mencionou suas apuradas condições pessoais; que estava no local dos factos com demais testemunhas; que o ofendido discutiu consigo; que o BB, polícia, foi ter com ele, no que contribuiu para os factos dados como provados. Disse AA também que nunca bateu em ninguém; negou que tenha empurrado o ofendido; mencionou que as rochas estavam molhadas e o ofendido se desequilibrou, no que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Não foi credível, por não corroborado por elemento de prova, na parte em que aventou que o ofendido lhe disse que lhe batia, no que contribuiu para os factos exemplificativamente dados como não provados. Admitiu ainda em audiência que fez gesto defensivo, sem fazer empurrão; e mencionou que o ofendido se afogou (note-se que se provou distinta causa de morte, por traumatismo), no que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Donde se destaca desde logo a clara percepção do Tribunal de que o arguido teve dificuldade em expressar-se, quer em audiência, como perante JIC, como bem se afere das gravações dos autos (que infra se ordena sejam transcritas e juntas), sendo tal dificuldade ao nível do entendimento. O que não faz presumir que minta. Pelo contrário. No que tal percepção contribuiu, face ao “in dubio”, para a mencionada formação da convicção do Tribunal, em especial para os factos dados como não provados. A testemunha BB, agente da PSP, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que costuma pescar no local dos factos há muitos anos; que por isso também conhecia já arguido e ofendido há muitos anos; que na data dos factos o ofendido deixou cair uma cana de pesca à água, face ao que esse ofendido ficou “chateado”; que o arguido estava a falar alto, face ao que o ofendido começou a “mandar vir” com o arguido; ao mencionar que o ofendido disse para o arguido: “cala-te, tou farto de te ouvir”; ao mencionar que falou com o ofendido para o acalmar, dizendo-lhe nomeadamente que o arguido não tinha culpa de a cana do ofendido ter caído, para este estar a “mandar vir” com o arguido; que a situação acalmou um minuto ou dois face ao que foi arrumar coisas no carro; que depois ouve o ofendido falar novamente alto para o arguido; que então ouve barulho de algo a cair à água; que se aproximou e viu o ofendido na água a gritar para lhe atirarem balde; que este lhe foi atirado mas virou-se; que ligaram para a polícia marítima; que o arguido sentou-se; que o ofendido estava exaltado; ao mencionar que o arguido queria ligar à polícia marítima queixando-se da falta de licença de pesca do ofendido; que esta testemunha o demoveu de tal; que foi atirada corda ao ofendido mas a mesma não chegou ao destino; ao mencionar que o arguido tinha alguns pertences seus (dele arguido) numa gruta; que na data dos factos o mar estava muito agitado; que mesmo sabendo nadar bem ia ser difícil sair de lá; que ninguém tinha equipamento de segurança nem o local o tem; que o piso é irregular e um pouco escorregadio; que normalmente estão no limite junto ao mar; que a testemunha DD estava junto de si, a cerca de 6 ou 7 metros, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Também disse que não sabe se o arguido cometeu crime ou não; que não se apercebeu de ameaça; que estava (a testemunha) de costas aquando da queda do ofendido; que não sabe se arguido e ofendido se provocaram reciprocamente; mencionou que é possível desequilíbrio do ofendido; que é tanto possível um desequilíbrio como um empurrão; mencionou que não viu empurrão; que não sabe se o ofendido caiu ou escorregou. No que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Também disse “nós desconfiámos, assumimos logo (que a queda do ofendido ao mar se deveu a) algo entre os dois (leia-se entre arguido e ofendido) porque tinham estado a discutir os dois. No que se destaca o desconfiar e a assunção, sem suporte em observação directa, no que tal face ao aludido “in dubio” contribuiu para a formação da convicção do Tribunal e para os factos dados como não provados. A testemunha CC, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que conhece o arguido há cerca de 20 anos, da pesca; que na data dos factos era inverno e no local havia grande escuridão (retratada em fotografas dos autos); que o mar estava “um bocado mau”; que o ofendido tinha deixado cair cana de pesca ao mar; que o ouviu discutir com o arguido, a gritar; que o ofendido mandava o arguido calar-se e o arguido não se calava; que o arguido se enervou e disse que ia ligar para a polícia marítima; que depois a testemunha BB, polícia, acalmou o arguido; que o ofendido também se acalmou e tudo ficou mais calmo; que o arguido se sentou em cadeira; que esta testemunha a dada altura ouve grito do ofendido; que então a testemunha DD grita que o ofendido está no mar; que este CC foi buscar uma corda para ver se salvava o ofendido; que a corda não chegava ao ofendido; que este pediu para lhe atirarem balde; que o ofendido se afundou lentamente; que olhou para trás e viu o arguido debruçado; que o arguido tinha pertences dele em gruta acima do local dos factos; que tanto era amigo de ofendido comode arguido, há cerca de 20 anos, dali da pesca; que o local não tem escadas nem bóia; que não havia ninguém com colete salva-vidas; que o mar estava agitado; que o ofendido não conseguiu virar o balde no sentido de o fazer funcionar como bóia; que o piso é escorregadio e “não direito”; ao mencionar que ouviu o arguido dizer que ia chamar a polícia marítima, face ao que a testemunha BB, polícia, o acalmou; ao mencionar que o arguido ia chamar a polícia marítima porque o ofendido tinha canas a mais, uma vez que só se pode pescar com o máximo de três canas, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Também disse que na ocasião dos factos disse ao arguido: “já mataste o GG”, ao que o arguido, desorientado, terá respondido algo como “que se lixe, quero lá saber”. No que se teve em conta que a imputação que a testemunha fez não se alicerçou em nenhuma observação que a mesma tenha feito, porque não viu o momento da queda do ofendido, nem empurrão por parte do arguido. E mais se teve em conta que a aventada resposta do arguido não é sinónimo de assunção de qualquer responsabilidade. No que face ao “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Disse ainda que estava sentado na escuridão e não viu o que aconteceu; que não viu o arguido empurrar; que não viu o arguido tocar no ofendido; que não viu o ofendido cair; que não sabe o motivo da queda; não sabe o que aconteceu; admitiu como possível que o ofendido tenha escorregado e caído. No que face ao “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Disse também que já tinha visto o ofendido (noutra data) a nadar junto ao local dos factos, o que infirma que o mesmo nadasse mal (consabido desde Fernando Pessoa que a “boca do inferno” não é local onde pessoas que não sabem nadar bem se aventurem a nadar). No que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha DD, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que conhece o arguido da pesca; que estava presente aquando dos factos em apreço; que o ofendido era seu amigo; que tinha ido com o mesmo na data dos factos; que já era noite; que costumam trocar de lugares de pesca com frequência; que o ofendido lhe pediu para trocar de lugar; que esta testemunha lhe disse que não valia a pena a troca de lugar; que o ofendido insistiu porque o mar estava a ficar perigoso; que face a tal a testemunha passou para o lugar onde antes estava o arguido; que nessa troca o ofendido deu um toque numa cana de pesca e esta caiu ao mar; que tentou ajudar a recuperá-la; que a dada altura ouviu ofendido e arguido a “baterem boca”; que então o ofendido estava a mandar o arguido estar calado; ao mencionar que o ofendido dizia que a cana tinha caído por culpa do arguido; ao mencionar que nada tinha a ver a cana ter caído com o facto de o arguido estar a falar; ao mencionar que a testemunha BB se meteu a meio de ofendido e arguido e os “desapartou”; ao mencionar que entregou cana ao ofendido e foi com a testemunha BB arrumar material; que então ouviu grito de aflição; que então vê o ofendido (já) dentro de água; que o tentou ajudar até este desparecer; que se lembra de antes ouvir o arguido dizer “andas aqui sem licença”; e ainda antes de o ofendido dizer para o arguido “estás aqui sempre a falar”; mencionou que não ouviu ameaça; que o grito que ouviu foi depois de já ter parada a discussão entre ofendido e arguido; que na discussão que viu entre ambos, estes estavam de pé, a discutir por causa de cana que tinha caído à água; que não havia equipamento de segurança no local, que foi atirado balde ao ofendido; que era “pino do inverno”; que era capaz de estar mais húmido; ao admitir que a pedra escorrega se tiver “verdete”; ao mencionar que o ofendido era pessoa explosiva, que discutia e não se calava, até com esta testemunha, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Também disse que questionou o arguido na ocasião dos factos sobre o que este tinha feito, ao que o arguido terá respondido algo como podem chamar o que quiserem que eu não saio daqui. No que se teve em conta que pergunta feita pela testemunha não teve resposta e que da dada não se consegue inferir com o necessário grau de segurança qualquer assunção de responsabilidade. Apenas eventual perturbação/aborrecimento por anterior discussão ou pela imputação feita. De toda a forma, face ao aludido “in dubio” tal contribuiu para os factos exemplificativamente dados como não provados. Também disse que tem ideia de que o arguido já não estava ao pé do ofendido quando a testemunha ouviu o grito (do ofendido); disse que não se lembra de ninguém dizer que mandava o outro à água. No que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. Não foi credível (por infirmado por prova em contrário, mais demonstrando parcialidade em desfavor do arguido) no mais, nomeadamente ao aventar o uso pelo ofendido de três pares de calças (foi encontrado apenas com dois); ao aventar que na data dos factos o arguido estava a beber, sem tomar medicação e muito agressivo (apurouse que retomou hábitos alcoólicos depois e a apurada agressividade na data dos factos é do ofendido, não do arguido); ao aventar que a pedra não escorrega; ao não admitir que o ofendido possa ter escorregado e caído (contrário a todas as testemunhas antecedentes, nomeadamente); ao aventar que o ofendido não bebia bebidas alcoólicas (infirmado por exame dos autos, aludido infra), no que contribuiu para os factos dados como não provados. Mais disse não acreditar que o ofendido escorregasse em piso a direito. E supôs que o arguido “devia estra da parte de cima” e o ofendido “devia estar da parte de baixo”. No que se teve em consideração que se provou que o piso no local é irregular. No que contribuiu para os factos dados como não provados, ademais por tal convicção e suposição ser irrelevante e não assente em facto objectivo demonstrado. Foi credível ao dizer que não viu o arguido tocar no corpo do ofendido. No que face ao aludido “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha HH, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que conhece o arguido há muitos anos, da pesca; ao mencionar que é/era irmão do ofendido ora falecido; que teve situação idêntica em que se salvou; mencionou que o seu irmão era refilão e que era capaz de ter “as suas chatices da pesca”; que o mar estava agitado, em mudança de maré, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Também foi credível ao mencionar que a testemunha DD lhe ligou na data dos factos a dizer que o arguido tinha empurrado o ofendido ao mar. No que se teve em conta que a testemunha DD lho possa então ter dito, mas que, por outro lado, tal menção de empurrão não foi confirmada em audiência pela testemunha DD. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Não foi credível (por infirmado por prova em contrário) no mais, nomeadamente ao aventar ameaça do arguido a terceiro. No que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha EE, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que conhece o arguido da pesca; ao mencionar que estava no local dos factos na data dos mesmos; que caiu uma cana do ofendido à água; que a mesma foi daí tirada; que o ofendido disse para o arguido se calar; que depois ouviu gritos do ofendido, com este já na água; que então o BB, polícia, estava a arrumar canas para se ir embora; que não se ligava muito porque era habitual essas rábulas ou implicações; que o mar estava muito agitado e as ondas faziam muito barulho; que ouviu o ofendido dizer: “é pá, cala-te!”; que viu o arguido sentado em cadeira; que viu o ofendido na água; que lhe foi atirada corda, mas esta revelou-se curta, não chegando ao ofendido; que o ofendido ainda gritou a pedir que lhe atirassem balde; que ainda o apanhou mas não o conseguiu usar como bóia; ao mencionar que não se apercebeu de conflito anterior entre ofendido e arguido, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Também foi credível ao mencionar que não viu nada (dos factos); que não ouviu ameaças; que não viu queda do ofendido, nem como a mesma se deu. No que face ao “in dubio” contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha II, inspetor da PJ, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que esteve no local dos factos; que se procedeu a exame do hábito externo do falecido; que a polícia marítima esteve no local; ao descrever o local e que na ocasião o mar estava “bravo”, com correntes fortes; que era de noite e as rochas estavam molhadas, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Perguntado sobre se alguém viu o arguido empurrar o ofendido, disse que acha que sim. No que se teve em conta desde logo que o dito se reporta a depoimentos tomados a testemunhas, vertidos em autos de inquirição. Pelo que não foi nessa parte valorado, por proibição de valoração. Quanto à resposta, por ser opinião não alicerçada em nada valorável e ademais não ter o necessário grau de segurança, também não foi valorada. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Perguntado sobre se seria perceptível o teor de discussão, disse que acha que sim. No que se teve em conta ser opinião não alicerçada em nada valorável e ademais sem o necessário grau de segurança. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha JJ, Inspetora da PJ, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que esteve no local dos factos; que a polícia marítima também aí esteve; que o arguido foi detido nesse local; que o corpo da vítima ainda não tinha sido encontrado; ao mencionar que era de noite; que é necessário ter cuidado ao caminhar na plataforma; que é uma zona perigosa, junto ao mar, sem equipamento para voltar para terra; admitiu que o solo possa ser escorregadio, dependendo da maré; mencionou que o mar não estava muito calmo; que o mar batido pode prejudicar a audição; que o mesmo pode fazer “spray”, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Disse que foram inquiridos todos os presentes, os quais indicaram que a vítima foi empurrada por causa de discussão por lugar de pesca. No que se teve por credível na parte que se reporta a que as inquirições foram feitas. No mais não foi credível, ademais por infirmada pelo teor do depoimento de todas as testemunhas. Ademais sendo de notar que o dito se reporta a depoimentos tomados a testemunhas, vertidos em autos de inquirição. Pelo que não foi nessa parte valorado, por proibição de valoração. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Mais se reportou a depoimentos tomados a testemunhas, vertidos em autos de inquirição. Pelo que não foi nessa parte valorado o seu depoimento, por proibição de valoração. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Disse ainda que o arguido disse que tinha empurrado, mas sem intenção de que a vítima morresse. No que, por contraditório com o demais vertido pelo arguido nos autos, se teve a testemunha por não credível, ademais não sendo nessa parte o seu depoimento valorável, no que contribuiu para os factos dados como não provados. Mais disse julgar que foi referido que a vítima foi empurrada, no que, para além do acima vertido, no sentido de não valorável, também não teve o necessário grau de certeza, no que contribuiu para os factos dados como não provados. Fez interpretação de gesto mencionado nas declarações, no que valeram as considerações acima e contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha FF, agente da Policia Marítima, foi credível (por consistentemente corroborado por demais elementos probatórios dos autos) ao mencionar que esteve no local dos factos; que recebeu informação que um ... tinha caído à água junto à “boca do inferno”; que lancha salva-vidas se deslocou ao local; que a testemunha foi ao local por via terrestre; que foi tentado socorro com balde; que a plataforma tem sempre alguma humidade porque está a dois metros da linha de água; que vem sempre alguma água para cima da lage; que é sempre uma zona meio húmida; que se a mesma tiver “verdete” é escorregadia; que se trata de uma plataforma plana, de pedra, mas com o enrugado da pedra; que o arguido morava na zona; que estava frio, era Novembro; que foi atirado balde ao ofendido; que balde invertido pode funcionar como bóia, no que contribuiu para os factos dados como provados e não provados (estes últimos face ao aludido “in dubio”). E bem ainda contribuiu para infirmar os em contrário aos provados e para a formação da convicção do Tribunal, assim também contribuindo para os factos dados como não provados. Mais disse que lhe disseram que o ofendido tinha sido atirado e que o próprio arguido disse que o empurrou. No que, como supra, se teve em conta que se reportou a depoimentos tomados a testemunhas, vertidos em autos de inquirição. Pelo que não foi nessa parte valorado o seu depoimento, por proibição de valoração. E, por contraditório com o demais vertido pelo arguido nos autos, se teve a testemunha por não credível, ademais não sendo nessa parte o seu depoimento valorável. No que contribuiu para os factos dados como não provados. Foi manifestamente não credível (por infirmado por prova em contrário, nomeadamente pelas declarações do arguido e demais depoimentos de testemunhas presentes aquando dos factos), ao aventar que o arguido disse que já costumavam ter desentendimentos, que no dia a discussão foi mais acesa e empurrou o ofendido para dentro de água; a mencionar que não foi dito que para se defender. No que contribuiu para os factos dados como não provados. Mais disse que disseram para o ofendido tirar o casaco, mas este não nadava bem. No que não foi valorado, por não valorável como supra. No que contribuiu para os factos dados como não provados. Quanto às condições pessoais do arguido estas resultaram do dito pelo mesmo em sede de relatório social e perante Juiz. Note-se que face ao juízo de absolvição infra, seria despiciendo vertê-las nos factos provados, dado o sistema de “césure” mitigada plasmado nos artºs.368º a 371º., do CPP. Mas, dada ainda a possibilidade de recurso do MP, com vista a habilitar tribunal superior a distinta decisão, verteram-se as mesmas acima nos factos provados. De notar que de fls.187v resulta que o falecido apresentava consumo de canabinóides/THC, bem como de álcool, o que reforça a credibilidade das testemunhas que depuseram no sentido da alteração comportamental(/irritação) do mesmo, também contribuindo para a mencionada formação da convicção do Tribunal e, neste sentido, para os factos dados como não provados. Ainda para os factos dados como não provados contribuiu a menção no relatório pericial de fls.163 a 175 de não ter sido recolhido qualquer vestígio com interesse para a investigação. Ainda nas suas declarações finais, o arguido referiu, de forma credível (por corroborado por demais elementos probatórios dos autos) que “não fiz nada disso”. No que face ao aludido “in dubio pro reo” contribuiu para os factos dados como não provados. Note-se que nas suas alegações o MP fez notar nomeadamente que nenhuma testemunha viu cair o ofendido à água. No que tal contribuiu para a formação da convicção do Tribunal. É certo que acrescentou que todos ficaram convencidos de que o arguido tinha atirado o ofendido à água. Mas ficou por demonstrar em audiência que tal eventual convencimento tivesse fonte segura. Aludiu à convicção que ficou. Tendo o Tribunal maioritariamente concluído que é necessário mais do que mera convicção para a condenação. Aludiu a que nada há que corrobore a versão do arguido. Quando, como se afere acima, há bastos elementos que o corroboram. Mais sendo certo que sobre o arguido não impende qualquer ónus da prova da sua inocência. Cabe sim ao MP o ónus de provar com a devida segurança o vertido na acusação. Ónus que no caso não foi satisfeito, não por falta esforço denodado do MP (e mesmo de J2), mas por falta de material probatório bastante para tanto. Note-se que também não se provou que o arguido soubesse que com um simples toque tal bastasse para atirar o ofendido ao mar, nem se provou que tal eventual toque a tal bastasse. Trata-se de prova, de muito difícil, senão impossível, obtenção, que ademais não se fez. Também não se provou que o arguido sabia que o ofendido não era nadador exímio, não apenas por infirmado, como supra, mas bem ainda porque tal não foi dito em audiência. Donde a inferência de que o arguido “pelo menos se conformou com a possibilidade de matar” se manifestou como claramente ilegítima. No que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Também não se conseguiu, das declarações do arguido ao longo do processo, ouvidas e ditas em audiência, que o mesmo tenha tido qualquer intuito de autodesculpabilização. No que resultou o mesmo não provado. Pelo contrário, o que se conseguiria eventualmente concluir das reiteradas lágrimas do arguido em audiência e perante a DGRSP é que o mesmo se poderá eventualmente sentir culpado, por um acidente ou algo que não se conseguiu apurar com o necessário grau de segurança, isto não olvidando as suas apuradas limitações cognitivas. O MP veio a aventar em alegações a possibilidade de um toque ter espoletado queda. Tal toque, não imputado, também não se apurou, e muito menos com a virtualidade de causar a apurada queda. E um juízo de experiência comum, salvo melhor opinião, não basta para suprir todas as apuradas insuficiências. Quanto ao alegado pela defesa, efectivamente apurou-se que o ofendido estava nervoso e continuou a discutir; que o piso estava escorregadio, no que tal contribuiu para a mencionada formação da convicção do Tribunal. Conforme alegado pela defesa, efectivamente testemunha não viu tocar e muito menos viu o arguido empurrar o ofendido, no que tal contribuiu para a mencionada formação da convicção do Tribunal. Para a prova das apuradas lesões físicas contribuíram as mencionadas fotografias e perícias. E para a prova da mencionada primariedade criminal, os mencionados CRCs. Para a prova das apuradas condições pessoais, o aludido relatório social. No que tais documentos contribuíram para os factos dados como provados. O arguido confirmou em audiência o teor do seu relatório social, no que contribuiu para os factos dados como provados. Os (alegados) factos não provados resultaram em síntese da ausência de prova tida por credível e suscetível de os dar como provados.» *** B) APRECIAÇÃO DO RECURSO Conforme acima enunciado, face às “conclusões” do Digno Recorrente, a única questão a apreciar é a impugnação da matéria de facto, quanto aos factos integradores dos elementos típicos do crime de homicídio doloso simples. Defende o recorrente que deveria ter sido dado como provado, essencialmente, que o arguido colocou as mãos no peito da vítima, empurrando-a na direção do mar e previu que do seu comportamento podia advir a respetiva morte, conformando-se com tal resultado. Indica que “as provas que impõem decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto impugnada”, “consistem nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pelo próprio arguido AA, os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF” cujos respetivos trechos a seguir transcreve, bem como “os documentos juntos ao processo, de que se destacam os de fls. 2 a 11, 13 a 14v., 40, CD de fls. 54, 55 a 60, 72, 121 a 125v., 128, 128v., 130, 133 a 148, bem como os relatórios periciais de fls. 150 a 175 e 180 a 181 e o relatório de autópsia de fls. 184 a 187v.” Nos termos do art.º 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, quando o recorrente impugne a matéria de facto, pretendendo o seu reexame, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa (e, se for o caso, as provas que devem ser renovadas). Ora, quando a prova tiver sido gravada, como ocorre no caso em apreciação, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal). Uma vez que o recorrente cumpre todas as referidas indicações, estando-se perante a impugnação ampla da matéria de facto, importa analisar se prova produzida e gravada impõe decisão diversa. A citada norma esclarece que, para além das “passagens indicadas” o tribunal deve ouvir “outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”. Assim, é relevante, desde logo, a audição dos depoimentos completos em causa, porquanto, na normalidade das situações a leitura ou audição de excertos desgarrados e descontextualizados de determinados depoimentos, por o serem, não permite entender o completo sentido e alcance do seu conteúdo. O facto cerne da divergência consiste em saber se o arguido empurrou efetivamente a vítima ao mar. Tal facto não foi presenciado nem relatado por qualquer das testemunhas inquiridas em sede de julgamento e igualmente não foi referido pelo arguido, quer em audiência, quer em sede de primeiro interrogatório judicial. Dos depoimentos das testemunhas que se encontravam no local resulta que o arguido e a vítima se encontravam a pescar no local, separados alguns metros entre si, e desentenderam-se, ficando exaltados um com o outro, iniciando-se uma discussão entre ambos, junto ao limite rochoso. A vítima aproximou-se do arguido ou este daquela e pouco depois a vítima caiu ao mar, estando o arguido, e apenas este, no mesmo local, onde permaneceu. O arguido negou ter empurrado a vítima, admitindo ter colocado as suas mãos à altura do peito, em posição defensiva, e podendo ter tocado na roupa da vítima. Referiu ainda que a queda da vítima ao mar foi um “acidente”, tendo esta escorregado. As testemunhas que presenciaram e relataram o desentendimento entre o arguido e a vítima, antes desta cair ao mar, tendo-lhes sido perguntado, referiram expressamente que não ouviram qualquer ameaça no sentido de um dizer ao outro que o atirava ao mar. Mas ouviram o arguido dizer à vítima que ia chamar a Polícia Marítima por esta não ter licença de pesca. Resulta ainda dos referidos relatos, em conjugação com o auto de inspeção ao local, que se trata de uma zona rochosa, junto à orla marítima, com uma altura de dois a quatro metros sobre a água, dependendo das marés, ondulação e agitação marítimas. O local não tem iluminação pública, nem sistemas de prevenção de quedas. E que, à hora e data dos factos, no local não existia já luz natural, encontrando-se o mar agitado, com fortes correntes e rebentações, devido à maré, com uma altura de 2,7 metros. Do relatório de autópsia resulta que, a morte da vítima foi causada pelas lesões traumáticas “crânio-meningo-encefálicas e torácicas”, “podendo ter sido devidas a queda” e que a vítima tinha “a presença no sangue de etanol, bem como de canabinoides”. Analisada a referida prova, concluímos não haver prova direta de que o arguido empurrou a vítima ao mar. Ao nível da prova indiciária temos que o arguido e a vítima discutiram previamente. Quando a vítima caiu ao mar, só se encontrava com ela o arguido, admitindo este que, quando a vítima se aproximou dele o arguido colocou os braços ao peito, em posição defensiva, podendo ainda ter tocado na vítima, mas negando tê-la empurrado. A ter havido empurrão à vítima, que lhe provocou a queda e consequente morte, segundo as regras da experiência comum só poderia ter sido o arguido a fazê-lo. Por outro lado, temos que a vítima revelou a presença no seu sangue de álcool e “canabinoides”. O local é rochoso e, segundo as regras da experiência comum, sendo junto ao mar e em novembro, é húmido e, como tal, o piso é escorregadio. Arguido e vítima encontravam-se junto ao limite rochoso, tendo um se aproximado do outro, tendo a vítima caído ao mar e o arguido permanecido no mesmo local. Refere o arguido que não empurrou a vítima - apenas colocou a suas mãos ao peito em posição defensiva - tendo a queda daquela se devido ao facto de ter escorregado. À luz das regras da experiência comum é racionalmente aceitável que a vítima, ao chegar perto do arguido e tendo este levantado as mãos em posição defensiva (e mesmo que tivesse tocado na vítima), tivesse escorregado e caído pela ravina, uma vez que o piso estava escorregadio e era rochoso, a vítima tinha ingerido álcool e “canabinoides” (e, portanto, estava possivelmente com os reflexos e a atenção diminuídos) e estava no limite rochoso, em lugar exíguo e sem qualquer proteção contra quedas. Acresce que, as testemunhas que presenciarem a discussão entre o arguido e a vítima, que antecedeu a queda desta, referiram expressamente que o arguido não ameaçou a vítima de que a atirava ao mar, mas apenas disse que ia chamar a Polícia Marítima, por a vítima não ter licença de pesca. Ora, este é mais um indício, ainda que ténue, de que o arguido não tencionava atirar a vítima ao mar, mas sim agir em conformidade com o Direito, chamando a polícia. E ajuda a dar coerência, credibilizando a versão do arguido de que apenas colocou as suas mãos ao peito em posição defensiva. As duas versões são, assim, perfeitamente plausíveis, à luz das regras da experiência comuns e segundo a prova produzida, pelo que é razoável e insanável (à míngua de outros elementos probatórios) a dúvida sobre se o arguido empurrou a vítima (de forma adequada a esta cair e sofrer as lesões que lhe causaram a morte) ou se a queda desta se deveu ao facto de ter escorregado. A reapreciação da matéria de facto e a audição da prova gravada não se destinam a formar uma nova convicção pelo Tribunal de recurso, mas apenas a sindicar erros de julgamento da primeira instância, segundo é pacífico na jurisprudência e na doutrina. Vale por dizer que, permitindo a prova produzida, como permite, a conclusão a que o Tribunal recorrido chegou, afastado está qualquer erro de julgamento a corrigir. Questão diversa é a de ser possível, a partir dos depoimentos prestados e demais prova, formar duas diferentes convicções, sendo uma aquela que o acórdão recorrido formou e outra diversa, a plasmada nas alegações de recurso. Neste caso, não se destinando o recurso da matéria de facto a efetuar um novo julgamento, não pode o Tribunal de recurso substituir a convicção do Tribunal recorrido, por outra, uma vez que a prova produzida, analisada à luz das regras da experiência comum e de forma racional, permita aquela convicção. Assim, tendo o Tribunal de recurso, ao ouvir a prova gravada, concluído, como efetivamente concluiu, que a prova produzida permite a dúvida razoável sobre se a vítima caiu porque o arguido a empurrou ou porque escorregou, a dúvida deve ser resolvida a favor do arguido, validando-se a decisão do Tribunal recorrido de dar como não provado que o arguido empurrou a vítima. Consequentemente, temos de julgar o recurso improcedente. *** IV. DECISÃO Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, o douto acórdão recorrido. Sem custas. * Lisboa, 20 de fevereiro de 2025 Os Juízes Desembargadores, Eduardo de Sousa Paiva Ana Marisa Arnêdo Maria de Fátima R. Marques Bessa |