Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00027021 | ||
Relator: | PAIS DO AMARAL | ||
Descritores: | TRANSMISSÃO DE DÍVIDA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RL200006200031121 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2000 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CIV. DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART424 N2 ART442 N2 ART595. | ||
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Sumário: | I - A cessão ou transmissão de dívida, a título singular, só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; isto é, a transmissão da dívida não pode ser imposta ao credor, visto que a obrigação passaria a ser garantida por um património diferente. II - A cessão da posição contratual distingue-se da cessão da dívida por o seu conteúdo ser a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações. III - Não havendo prestações recíprocas, não poderá haver cessão da posição contratual mas, tão só, transmissão de crédito ou dívidas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n° 3112/2000 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (J) veio, nos autos de execução que lhe move (E), deduzir embargos de executado com o seguinte fundamento: O contrato de mútuo formalizado no documento apresentado pela Exequente constitui uma simulação de um empréstimo. A Exequente vendeu uma quota, que detinha numa sociedade, ao executado, tendo sido determinada como garantia do respectivo pagamento a celebração do documento. O documento não é título executivo e o Executado não reconhece qualquer dívida para com a Exequente. A Embargada contestou alegando, em síntese, que o documento constitui título executivo e que não houve qualquer acordo de simulação, tendo existido um mútuo no valor de 3.000.000$00. Tendo sido dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de inexistência de título executivo alegada pelo Embargante. Foi ainda fixada a matéria de facto assente e a base instrutória. Não se conformando com o despacho na parte em que julgou improcedente a excepção de inexistência de título executivo, o Embargante interpôs recurso, que foi admitido como agravo com subida diferida. Na alegação do agravo, o Embargante formulou as seguintes conclusões: a) O documento invocado como título executivo não configura a existência de obrigação futura como configurada na petição executiva. b) Carecendo, o mesmo, em consequência, de força executiva, em atenção ao disposto nos artigos 46°, alínea c), 50º, 812°, 813°, al. a) e 815° do Código Processo Civil. d) Revelando-se violados tais dispositivos legais pela decisão recorrida. Contra-alegou a Agravada por forma a defender a decisão recorrida. Foi proferido despacho de sustentação. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal decidido a matéria de facto nos termos constantes de fls.65. Posteriormente foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos. Mais uma vez inconformado com a decisão, o Embargante recorreu, tendo, na respectiva alegação formulado as seguintes conclusões: a) A execução determinante dos presentes embargos não tem subjacente título executivo bastante, pelo que a mesma é inepta, em face do disposto no ano 50° do artigo 50º Cód. Proc. Civil. b) Sendo que ocorreu uma efectiva transferência da dívida imputada ao recorrente, a qual não foi refutada pela exequente, tornando-se a cessão, em face do ano 424°, n° 2 do Cód. Civil. c) Sendo certo que, de qualquer modo, a aceitação tácita da transferência da dívida por parte da exequente, determina que a reclamação na pessoa do recorrente constitui o exercício abusivo de direito, o que, em face do disposto no ano 334° do Cód. Civil, o torna ilegítimo. d) Sendo inaplicável ao caso em análise o artº 595° do Cód. Civil. e) Revelando-se violados pela decisão recorrida os preceitos legais assinalados na presentes conclusões. A Apelada contra-alegou pugnando por que seja confirmada a sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Estão provados os seguintes factos: I - No dia 30-10-1995 o embargante e a embargada acordaram, por escrito, com assinaturas notarialmente reconhecidas, que esta entregava àquele a quantia de 3.000.000$00, a ser paga em 6 prestações semestrais iguais de 500.000$00, sendo a primeira prestação em 96-4-1, podendo o embargante amortizar ou liquidar a dívida antes de decorrido o prazo aqui estipulado (alíneas A e B da especificação). II - O embargante enviou uma carta, datada de 5-5-1997 à embargada com o seguinte conteúdo: "Venho por este meio comunicar a V. Exª que o empréstimo de 3.000.000$00 em dívida para com V. Exª foi assumido pelos novos sócios da firma "Ventura e Marques, Limitada" ficando eu, assim livre deste empréstimo para com V. Exª (alínea C da especificação e resposta ao quesito 4°). III - Em 21-4-1997, o embargante, na qualidade de primeiro contratante, (H), como segundo contratante e (A), como terceiro contratante, declararam que os 2° e 3° contratantes assumiam o pagamento de 3.000.000$00 a (E) (alínea D da especificação). Impõe-se, nos termos do disposto no ano 710° do Código de Processo Civil - diploma a que pertencerão todos os artigos sem indicação da proveniência - que se conheça, em primeiro lugar, do agravo. Alega o Agravante a falta de título executivo, sendo esta a única questão que importa aqui decidir. Conforme dispõe o artigo 45°, n° 1, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. No caso concreto, o fim da execução consiste no pagamento de quantia certa. Títulos executivos "são documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo". Não existe execução sem título executivo. Por força do disposto no artigo 46°, alínea c), à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do ano 805°. Resulta desta disposição legal - no que concerne ao fim visado nesta execução - que, para os documentos particulares se poderem considerar como títulos executivos, têm de obedecer aos seguintes requisitos: 1º - Devem estar assinados pelo devedor; 2º - Devem importar a constituição ou reconhecimento pelo devedor de obrigações pecuniárias; 3º - O montante das obrigações deve ser determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. No caso sub judice o documento obedece a todos estes requisitos. Está provado que no dia 30-10-1995 o embargante e a embargada acordaram, por escrito, com assinaturas reconhecidas, que esta entregava àquele a quantia de 3.000.000$00, a ser paga em seis prestações semestrais iguais de 500.000$00, sendo a primeira prestação liquidada em 96-4-1, podendo o embargante amortizar ou liquidar a dívida antes de decorrido o prazo aqui estipulado. Não faz, assim, qualquer sentido atribuir a obrigação à Embargada pelo facto de esta constar como mutuária e o Embargado como mutuante, quando é certo que a troca das denominações deriva de um puro lapso, como se apurou. A matéria de facto provada põe termo a quaisquer dúvidas. Alega ainda o Agravante que o documento invocado como título executivo não configura a existência de uma obrigação futura. O ano 397° do Código Civil define a obrigação como sendo o vínculo jurídico pelo qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação. Com fundamento nesta definição legal, facilmente se constata que a obrigação existe a partir do momento em que o embargante se vinculou à realização do pagamento da importância referida no documento. Não se trata, portanto, de uma obrigação futura. Não tem aplicação ao caso concreto, o disposto no ano 50°, que diz respeito aos documentos autênticos ou autenticados por notário quando neles se convenciona a constituição de obrigações futuras. Só neste caso - que não é o dos autos - é que se toma necessário provar que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes. Contendo todos os requisitos acima enunciados, o documento constitui título executivo, pelo que se nega provimento ao agravo. Passemos à apelação. O próprio Apelante limita o recurso alegando que estão em causa dois aspectos: - Se subjacente à execução determinante dos embargos existe ou não título executivo. - Se a responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda pertence, efectivamente, ao executado. Quanto à primeira questão já nos pronunciámos no agravo no sentido de que existe título executivo. Como então dissemos está provado que o embargante e a embargada acordaram, por escrito, com assinaturas notarialmente reconhecidas, que esta entregava àquele a quantia de 30.000.000$00, a ser paga em seis prestações semestrais iguais de 500.000$00, sendo a primeira prestação liquidada em 96-4-1, podendo o embargante amortizar ou liquidar a dívida antes de decorrido o prazo aqui estipulado. O documento contém a assinatura do devedor notarialmente reconhecida, o documento importa a constituição da obrigação, sendo certo que esta está determinada. Encontram-se, portanto, verificados todos os pressupostos a que deve obedecer um título executivo. O facto de o documento apelidar de mutuante quem é mutuário e vice-versa constitui um lapso que está devidamente esclarecido, pelo que não restam dúvidas de que o devedor é o Embargante. Nem o Apelante põe esse facto em causa. Sendo assim, com a devida correcção o documento constitui título executivo. Depois desta correcção que resulta da prova produzida, não se pode falar de ineptidão, pois não se verifica qualquer das circunstâncias enumeradas no ano 193°. Como também já foi dito a propósito do agravo, não tem aplicação ao caso o disposto no ano 50º que alude à exequibilidade de documentos exarados ou autenticados por notário quando neles foram convencionadas obrigações futuras, o que não é o caso dos autos. As prestações em que o pagamento da dívida foi fraccionado não diz respeito a obrigações futuras. A obrigação está totalmente constituída a partir do momento acordado pelas partes. Resta-nos abordar outra questão: a transferência da dívida invocada pelo Apelante. Nos termos do disposto no artº 595° do Código Civil, em qualquer dos casos em que é possível a transmissão, a título singular, de uma dívida, só fica exonerado o antigo devedor havendo declaração expressa do credor. Quer dizer, a transmissão da dívida não pode ser imposta ao credor, visto que a obrigação passaria a ser garantida por um património diferente. Invoca o Apelante que, conforme resulta da prova, enviou uma carta, datada de 5-5-1997 à Embargada, não tendo a mesma suscitado qualquer questão ou oposição, nem por qualquer forma recusado tal transferência. Não se provou, porém, que tenha havido declaração expressa do credor no sentido da aceitação, como é exigido pelo artigo 595° do Código Civil. O silêncio do credor não pode ter o significado que o Apelante lhe quer atribuir, conforme resulta do disposto no artigo 218° do mesmo diploma. Por isso, nem sequer houve aceitação tácita. E sendo assim, não poderá o Apelante invocar o abuso de direito com tal fundamento. Também não se diga que ocorreu uma cessão da posição contratual que se tomou efectiva em atenção ao silêncio da Exequente, em face do disposto no artigo 442°, n° 2 do Código Civil. Este preceito legal diz respeito à cessão da posição contratual. Distingue-se da cessão ou transmissão de dívida por o seu conteúdo ser a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações. Não havendo prestações recíprocas, não pode haver cessão da posição contratual, mas somente transmissão de créditos ou de dívidas. Para que haja cessão da posição contratual, distinta desta transmissão, é necessário que do contrato resultem créditos e dívidas para ambas as partes. A cessão da posição contratual é um contrato pelo qual um dos contraentes num contrato com prestações recíprocas transmite a terceiro a sua posição neste contrato, isto é, o conjunto de direitos e obrigações derivadas do contrato, desde que o outro contraente consinta na transmissão. Portanto, é necessário: a) que se trate de posição emergente de contrato de prestações recíprocas e, por isso, de um contrato bilateral; b) que o outro contraente dê o seu consentimento, antes ou depois da cessão. A necessidade deste consentimento resulta de que ao contraente cedido não pode, sem o seu consentimento, ser imposto um contraente diverso do originário, o que o poderia prejudicar. Se duas pessoas celebraram determinado contrato, não seria razoável que qualquer delas pudesse fazer-se substituir por terceiro, sem o consentimento da contraparte, no cumprimento das obrigações que assumiu. As vinculações contratuais assentam numa relação de confiança, que seria quebrada ou posta em causa se uma das partes pudesse ceder a outrem, por sua livre iniciativa, a respectiva posição jurídica - do Parecer de Henrique Mesquita, C.J. , 1986, 1°, 15. Resulta claramente do exposto que não pode o Apelante alegar que ocorreu uma efectiva transferência da dívida que lhe é imputada por não ter sido refutada pela Exequente, em face do disposto no artigo 424°, n° 2, e que não é aplicável ao caso o artigo 595°, ambos do Código Civil. Improcedem, em suma, todas as conclusões da alegação. |