Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1924/23. 2T8SXL.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE
REGULAMENTO
RUÍDO
PADEL
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O campo de aplicação do Regulamento Geral do Ruído circunscreve-se à actividade administrativa no âmbito da prevenção e controlo da poluição sonora.
II – Assim, atento o disposto nos art. 25º, 26º e 202º da Constituição da República Portuguesa, art. 70º do Código Civil e art. 878º do Código de Processo Civil, os cidadãos têm o direito de obterem dos tribunais as providências adequadas à protecção dos seus direitos de personalidade, mesmo que os limites de ruído fixados naquele Regulamento estejam a ser cumpridos.
III - Os direitos de propriedade e de iniciativa económica, também protegidos pela Lei Fundamental (cfr art. 61º e 62º), não prevalecem sobre os direitos de personalidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório

P e C instauraram acção especial para tutela da personalidade, contra F, LDA e CENTRO CULTURAL …, requerendo:
«os requeridos condenados:
(a) Ao desenvolvimento da actividade de Padel, unicamente, no período limitado ao horário das 8h00 às 21h00 entre segunda e sábado e das 08:00 às 13:00 no domingo, bem como, a exploração da actividade do bar, devendo, ainda, todas as luzes estarem desligadas a partir das 21:00 no período noturno;
ou, caso assim não se entenda
(b) Ao desenvolvimento da actividade de Padel, unicamente, no período limitado ao horário das 8h00 às 21h00 todos os dias da semana, bem como, a exploração da actividade do bar, devendo, ainda, todas as luzes estarem desligadas a partir das 21:00.».
Alegaram, em síntese:
- o 1º requerido construiu 2 conjuntos de padel em terrenos do 2º requerido;
- o 1º conjunto está do outro lado da estrada em frente à casa onde residem os requerentes e de que são proprietários e o 2º conjunto desses campos está junto à casa;
- o ruído e a luminosidade provenientes dos campos de padel e dos bares desses recintos perturbam o sossego e repouso dos requerentes, provocando-lhes ansiedade e dificuldade em adormecer, violando ilicitamente os seus direitos de personalidade.
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Os requeridos contestaram, pugnando pela improcedência da acção, sustentando que a referida actividade não prejudica aqueles direitos dos requerentes.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença com este dispositivo:
«Pelos fundamentos expostos, julga-se a acção totalmente procedente, e em consequência:
i) Determina-se que o desenvolvimento da actividade desportiva de padel e respectivos bares de apoio/recepção seja limitado ao horário entre as 8h00 e as 21h00 todos os dias da semana, devendo ser desligadas todas as luzes a partir dessa hora.».
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Inconformados, apelaram os requeridos, terminando a alegação com estas conclusões:
«1. A douta sentença “a quo” violou os art.13º e 24º do DL. 9/2007 de 17.01.2007.
2. A douta sentença recorrida cometeu ainda um erro de julgamento ao não dar como provados factos que, com base nos documentos juntos e nos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento impunham decisão diferente, nomeadamente uma matéria de facto dada como provada diferente e mais extensa, e ainda ao dar como provados factos que face à ausência de prova / prova inadmissível para tais factos nunca poderiam ser dado como provados, e factos que vão contra o verificado em relatório pericial realizado.
3. É objecto do presente recurso verificar se, face à alteração da matéria dada como provada, conforme se requereu:
- É a actividade desportiva levada a cabo pela Recorrente lesiva dos direitos de personalidade dos Recorridos?
- Sendo a actividade desenvolvida pela Recorrente em dois lotes de campos de padel, tendo um deles sido construído em 2021 e outro em 2023, são os dois alegadamente lesivos dos direitos dos Recorridos?
- Nomeadamente o direito ao repouso?
- Viola a actividade desenvolvida pelos Recorrentes o Regulamento Geral do Ruído – DL.9/2007 de 17.01.2007?
- Justifica-se o encerramento da actividade desenvolvida pelos Recorrentes às 21h?
4. Face aos documentos juntos no ao processo e aos depoimentos que se transcreveram supra e que aqui se dão por reproduzidos verifica-se que houve erro de julgamento a matéria de facto dada como provada devendo a mesma ser alterada.
5. Com o devido respeito, que é muito, não pode a Apelante conformar-se com a matéria de facto dada como provada, por se mostrar a mesma, claramente insuficiente face aquilo que foi alegado pelas Apelantes, e, especialmente mediante a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e relatório de peritagem realizado.
6. Não sofre contestação que, a decisão do Juiz pela qual é fixada a matéria de facto não é susceptível de recurso, mas, integrada tal decisão na sentença – como sua motivação de facto – pode esta ser impugnada pela via do recurso, tendo este por fundamento, justamente, o deficiente julgamento da matéria de facto, tudo nos termos do disposto nos artigos 627.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
7. Assim sendo, parece-nos, e salvo melhor opinião que, face aos documentos que se encontram junto aos autos e aos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, não só padece de erro, a matéria dada como provada, como é escassa, atendendo aos factos que foram alegados pelas Apelantes.
8. Parece-nos também que, face aos documentos juntos aos autos e aos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento impunha-se que o facto dado como provado, ponto 9 tivesse uma redacção diferente daquela que consta na sentença recorrida, assim como os factos dados como provados pontos 10 a 13 e 16, 17 e 18 deveriam ter sido dados como não provados, vejamos:
9. Foi dado como provado, ponto 9, com respeito às queixas apresentadas pelos Recorridos que: “Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de pádel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, sempre, diversas reclamações, quer quanto à construção de ambos os conjuntos de campos, quer quanto aos horários de funcionamento dos mesmos, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR.”
10. Ora, conforme se encontra demonstrado – factos provados pontos 5 e 6 ocorreu a construção de dois conjuntos de campos de padel, um em 2021 e outro em 2023, ora as várias reclamações que foram apresentadas pelos Recorridos reportaram-se exclusivamente aos campos de padel construídos em 2023, tudo conforme se pode confirmar pelos documentos juntos pelos próprios Recorridos.
11. Aliás nem nunca poderia ser de forma diferente, já que antes da construção do conjunto de campos de 2023, não poderiam ser apresentadas reclamações quanto à construção de campos que ainda não existiam, e já que o facto dado como provado refere: “Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de pádel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, sempre, diversas reclamações, quer quanto à construção de ambos os conjuntos de campos,…” – ora como poderiam em 2021 (aquando da construção dos primeiros campos de padel) os Recorridos apresentarem diversas reclamações quanto à construção de ambos os conjuntos de campos???!!!! – se os segundos só começaram a ser construídos 2 anos depois????
12. Claro está que tal ponto nº 9 dos factos dados como provados se encontra deficientemente redigido, necessitando por isso de ser rectificado.
13. E não pensemos que tal correcção é discipienda de sentido ou relevância, já que, e como melhor referido acima, os Recorrentes exploram 2 conjuntos de campos de padel – um construído em 2021, que fica do outro lado da estrada relativamente à habitação dos Recorridos e outro construído em 2023 e que fica a 3 metros da habitação dos Recorridos - ora não se discorre nem da petição inicial apresentada pelos Recorridos, nem da douta sentença recorrida se as queixas dos Recorridos se reportam a ambos os campos de padel, ou apenas relativamente àquele que se encontra junto à moradia/habitação dos Recorridos.
14. E consequentemente, também não se consegue discernir da sentença recorrida se o horário por aquela imposto se reporta a ambos os conjuntos de campos de padel ou apenas ao construído em último lugar.
15. Havendo também que clarificar tal circunstância.
16. É que, na realidade os Recorridos só vieram intentar a presente acção em 2023, ou seja após a conclusão e início de funcionamento do segundo conjunto de campos de padel, aquele que fica mais próximo da sua habitação, e todos os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento foram exclusivamente acerca dos “alegados” ruído e incómodos provocados pelos campos de padel construídos ao lado da habitação dos Recorridos (o segundo conjunto de campos de padel construído – em 2023), contudo a douta sentença recorrida, não obstante a prova produzida decidiu de forma cega o seguinte: “Determina-se que o desenvolvimento da actividade desportiva de padel e respectivos bares de
apoio/recepção seja limitado ao horário entre as 8h00 e as 21h00 todos os dias da semana, devendo ser desligadas todas as luzes a partir dessa hora.”
17. Ora, conforme já referido e se encontra provado o desenvolvimento da actividade desportiva de padel levada a cabo pela Recorrente é desenvolvida em dois conjuntos de campos de padel, com localizações diversas, toda a prova produzida foi relativamente ao conjunto de campos de padel que se encontra localizado junto da habitação dos Recorridos (a 3 metros da mesma veja-se todos os depoimentos prestados), mas a sentença sem discriminar uns e outros campos decide genericamente que o desenvolvimento da actividade deve ser limitado (todo ele) ao horários entre as 8h e as 21h.
18. Consequentemente, não pode a sentença recorrida dar como provado o ponto 9 da forma como o mesmo se encontra redigido, devendo antes ser alterado para – “Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de pádel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, reclamações, relativamente ao horário de funcionamento, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR, relativamente ao segundo campo de padel construído”
19. E no seguimento do mesmo raciocínio não poderá também genericamente decidir da forma como decidiu em relação a toda a actividade desportiva de padel desenvolvida pela Recorrente uma vez que a prova produzida se circunstanciou exclusivamente em relação aos segundos campos de padel construídos.
20. Também relativamente ao ponto 11 dos factos dados como provados – “O ruído existente motivou algumas queixas telefónicas por parte dos requerentes para a Polícia de Segurança Pública.” – ponto este que a Mmª. Juiz “a quo” justificou referindo “o mesmo é amparado pelas declarações de parte dos requerentes, mas também pelas testemunhas VC e AC (que admitiu ela própria ter chamado a entidade policial por uma ou duas vezes) e ainda RC, filhos dos requerentes – os quais presenciaram por diversas vezes tais contactos. Igualmente, as testemunhas CS e PS, amigos destes que costumam, com frequência, visitar os amigos na sua moradia, vieram confirmar tal situação.”
21. Cumpre desde logo referir que não foram juntas aos autos quaisquer participações feitas pelos Recorridos junto da PSP, sendo do conhecimento geral e principalmente do seio jurídico que quando são chamadas as autoridades (como é referido na sentença – vide acima) é obrigatoriamente lavrado auto de ocorrência…mas parece que no caso dos Recorridos nada lhes é exigido para que os factos por si alegados sejam dados como provados.
22. A motivação da matéria de facto dada como provada vai até ao limite para dar como provado este facto (cuja prova se faz documentalmente, reitere-se) de dizer: “Igualmente, as testemunhas CS e PS, amigos destes que costumam, com frequência, visitar os amigos na sua moradia, vieram confirmar tal situação.” Contudo analisando-se o depoimento da referida CS que acima se transcreveu, nem uma única referência a tal facto existe, pelo que a sentença recorrida mal analisou tal produção de prova.
23. Verificando-se haver erro de julgamento da Mmª. Juiz “a quo” também quanto a este ponto em concreto, não só porque para prova do mesmo necessitaria da prova documental, como também por a sua motivação para o dar como provado se encontra ferida de erro porquanto refere ter a testemunha cujo depoimento se encontra transcrito ter confirmado tal facto, contudo como se constata de tal depoimento nunca a depoente no seu testemunho falou do mesmo, nem confirmando, nem desmentindo, até porque tal não lhe foi perguntado.
24. Pelo exposto, não pode deixar de se ser o facto constante do ponto 11 dos factos dados como provados ser dado como não provado, não só pela ausência de prova bastante (documental) como por a motivação para o dar como provada esta inquinada de erro.
25. Mas os erros de julgamento na sentença recorrida continuam, ao serem dados como provados os factos constantes dos pontos 12 e 13 da matéria de facto dada como provada que se transcrevem: Ponto 12. O ruído produzido pelo exercício da actividade desportiva de padel e o que advém dos utilizadores dos bares de apoio, consiste não apenas nos diálogos e interjeições dos jogadores, como também nos impactos na bola, atentas as características do court, as regras do pádel e as propriedades da raquete, tem natureza impulsiva, emergindo sobre as condições de ruído residual;”
Ponto 13. “Tal ruído impede o descanso dos requerentes provocando-lhes, entre outros, ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação e cansaço, impossibilitando-os de tomarem refeições ou actividades lúdicas, como ler, no exterior da habitação.”
26. Para justificar tais factos dados como provados a Mmª. Juiz “a quo” referiu o seguinte: “No que se reporta concretamente ao vertido sob o ponto 12, 13 e 18 – existência do ruído, seus termos e consequências do mesmo para os Requerentes, desde logo os Requerentes nas suas declarações referenciaram com clareza e segurança, o barulho que se faz sentir seja no interior da moradia seja no exterior, bem como as limitações que tal ruído provoca em ambos e na fruição do seu imóvel, bem como os transtornos sentidos. Tais declarações encontram-se respaldadas na prova testemunhal produzida – sendo que era aos Requerentes que incumbia o ónus probatório – cfr. art. 342º CC, e nos termos em que se passa a concretizar.
Com particular pertinência, teve-se em conta o teor dos depoimentos das testemunhas EF e CF, vizinhos contíguos dos requerentes e que relataram a sua experiência com a audição do ruído, tanto o produzido pela actividade de Padel como o produzido pelos clientes dos bares de apoio aos campos, aqui com particular rigor e acuidade o depoimento de EF – pois que a mesma residindo na moradia contígua e ao lado dos Requerentes, mantém as mesmas queixas, testemunho que pela forma como foi produzido, seja pela segurança e postura da testemunha, seja pelo conhecimento directo desta factualidade, mereceu total credibilidade. Por outro lado, a testemunha AC, referiu a intensidade e persistência do barulho da actividade, a bola a bater, mas também o barulho do bar, referindo igualmente momentos diferentes para o incómodo quanto ao ruído, umas vezes é mais irritante o barulho da actividade de pádel e, finda esta, passa a ser mais incomodativo o ruído adveniente dos clientes do bar.
A testemunha RC, igualmente filha dos requerentes e residente na habitação, relata as dificuldades em adormecer, bem como o facto de, com a estrutura tipo tenda, se ouvir o ecoar do barulho.
A testemunha EF confirmou ainda as conversas e “asneiras” que ouve por parte dos jogadores em sua casa.
Note-se que a prova foi ampla na concretização e densificação do ruído existente. Se por um lado foi referido a intensidade, persistência e a natureza compulsiva próprias da actividade de padel (o barulho da bola a embater nas raquetes), por outro foi referido o barulho dos participantes, diálogos e interjeições, por vezes com palavrões, decorrentes da prática desportiva competitiva (como o é o padel).
Como se disse, tudo isto resultou não só das declarações de parte dos requerentes, mas também das testemunhas VC, AC, CS, PS, RC e EF, que depuseram de forma consentânea nesta sede, merecendo credibilidade.” – sublinhado, itálico e negrito nosso
27. Ora, desde logo relativamente ao ponto 12 dos factos dados como provados, a Mmª. Juiz “a quo” deu como provado “atentas as características do court, as regras do pádel e as propriedades da raquete, tem natureza impulsiva, emergindo sobre as condições de ruído residual” – ora, com o devido respeito que é muito, não sabemos como poderá a Mmª. Juiz que não fez qualquer inspecção ao local e consequentemente aos courts em causa, ou às propriedades das requetes de padel (as quais diga-se em abono da verdade têm características diferentes entre elas) possa ter dado como provado tal facto.
28. Mais, justificou tal prova através dos depoimentos das testemunhas, das quais três são os filhos dos Recorridos, uma das quais já nem reside naquele local, duas amigos dos Recorridos uma cujo depoimento já se transcreveu acima e nada disse sobre aqueles factos, e as outras duas são vizinhos dos Recorridos (em moradia geminada), tendo uma delas referido que com as janelas fechadas, e não tendo vidros duplos como os Recorridos, não ouve o alegado ruído produzido, não tendo também esta testemunha nada dito sobre as características dos courts ou propriedades das raquetes (conforme se demonstrou pela transcrição do seu depoimento acima), nem poderia já que não se tratam de peritos sobre a matéria, não tendo conhecimentos concretos para o fazer.
29. Mais a este propósito verificamos do depoimento da testemunha que vive na casa ao lado (geminada) da dos Requeridos acerca do barulho e que vive exactamente à mesma distância dos Recorridos dos campos de padel, não tem janelas com vidros duplos à prova de som como os Recorridos (ponto 14 dos factos dados como provados), consegue com as janelas fechadas reduzir significativamente o alegado som produzido pela actividade de padel desenvolvida pela Recorrente.
30. Ora, se tal é conseguido por alguém que não detém as mesmas condições dos Recorridos (vidros duplos e à prova de som), como é que relativamente aos Recorridos tal não é possível?
31. O mesmo se diga relativamente ao facto dado como provado no ponto 13 em que é dado como provado que: “Tal ruído impede o descanso dos requerentes provocando-lhes, entre outros, ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação e cansaço, impossibilitando-os de tomarem refeições ou actividades lúdicas, como ler, no exterior da habitação”
32. Ora, de acordo com o depoimento da testemunha que vive na casa geminada dos Recorridos, não nos parece credível que tendo os Recorridos vidros duplos à prova de som tenham de facto dificuldades que a sua própria testemunha, que não os tem, não sofra das mesmas dificuldades.
33. Na realidade e sendo que tal prova cabia aos Recorridos fazer, não lograram os mesmos em demonstrar que sofriam de qualquer tipo de ansiedade, sendo certo que tal prova apenas poderia ser efectuada através de relatório médico, e o mesmo se diga relativamente aos problemas derivados do sono já que se tratam de uma patologias do foro psicológico.
34. E os depoimentos das testemunhas através das quais a Mmª. Juiz “a quo” justificou a produção de tal prova, além de não serem peritas na matéria ou médicas, nada disseram quanto a estados de ansiedade dos Recorridos ou dificuldade destes em adormecer.
35. Do depoimento da amiga do casal CV, a única referência a tal facto foi: “Adv. Requerentes: E relativamente aqui ao aos seus amigos aos requerentes, o que é que isto, quais são as consequências na vida deles, tem ideia? Testemunha: Claro que sim, claro que sim, nós somos amigos e convivemos bastante, para além de estarem sempre muito incomodados com o facto de não poderem descansar à noite em nenhum dia da semana, porque é sempre até à meia-noite, tiveram que substituir as janelas para tentar abafar o som, tiveram que pôr um ar-condicionado porque não podem abrir janelas por causa do barulho, e o incómodo que causa na vida pessoal das pessoas que estão que viviam num sítio super tranquilo e agora não porque têm campos encostados à casa”.
36. Relativamente ao depoimentos das demais testemunhas acerca de tais factos e que se transcreveram supra o que se verifica é tão somente que os Recorridos não sofreram qualquer perturbação no sono (descanso) ou ansiedade decorrente do alegado barulho que ouvem, ou pelos menos não o comprovaram.
37. Conforme já referido tais patologias apenas poderiam ser comprovadas por relatório medico, o que não existiu, mas ainda que se admitisse que o depoimento das testemunhas seria suficiente para o comprovar, o que não se concede, nenhum dos depoimentos refere que os Recorridos passaram a sofrer de ansiedade ou perturbações do sono devido ao barulho decorrente da exploração desportiva dos Recorrentes.
38. De facto, falam as testemunhas em irritação, que as pessoas precisarem de descansar, mas nada mais…
39. Mas na realidade as pessoas descansam a partir de que hora, ou vão dormir a partir de que hora, tal não ficou comprovado relativamente aos Recorridos que era quem interessava no presente processo.
40. E a este propósito pergunta-se, aquilo que deveria ter sido perguntado em sede de audiência de discussão e julgamento para poder provar que as dificuldades dos Recorridos em dormir são causa directa da actividade levada a cabo pela Recorrente, a que horas vão os Recorridos dormir? Às 21h? Não estamos em crer que assim seja, nem tal prova foi realizada em sede de audiência de discussão e julgamento.
41. Então o porquê da decisão ser de encerrar a actividade desportiva às 21h? Porque não às 22h, ou às 23h? Não faz qualquer sentido, nem a douta sentença recorrida explica, a única explicação que vislumbramos é ter sido este o pedido feito pelos Recorridos.
42. Como é do conhecimento geral, de acordo com o Regulamento Geral do Ruído, este não pode ser feito a partir das 23h, daí não se entender sequer o horário fixado pela Mmª. Juiz.
43. E não nos esqueçamos do depoimento da testemunha RC (filha dos Recorridos) a qual referiu e reiterou que as alterações comportamentais e de desequilíbrio dos pais (os Recorridos), estado de espírito (palavras concretas da testemunha) começaram logo que se iniciou a construção dos campos de padel…!
44. Então em que ficamos? As perturbações dos Recorridos são decorrentes do ruído produzido pela actividade desenvolvida pelas Recorrentes mas começaram antes mesmo de tal actividade se iniciar?
45. Outra conclusão não se pode tirar que não seja a de que o tal estado de espírito alterado dos Recorridos nada tem que ver com o barulho produzido pela actividade, pois nessa altura a actividade não se desenvolvia!!!!
46. Ainda tentou tal testemunha justificar esta sua afirmação com o facto dos pais (os Recorridos) já estarem a prever o que se iria passar, palavras da testemunha – “Já previam o que ia acontecer”
47. Mas então começaram a sofrer de perturbações e ansiedade antes mesmo do ruído se produzir porque já previam o que ia acontecer?
48. Aqui é que está todo o cerne da questão, as alterações comportamentais dos Recorridos iniciaram-se quando perceberam o que ia ser construído num espaço que pensavam que seria para sempre um prado verde e sem qualquer construção, e ficaram realmente incomodados quando verificaram que ia ali ser construído um complexo de campos de padel.
49. Sucede que, bem sabiam os Recorridos que no PDM daquele local estava previsto a construção de equipamento desportivo, contudo, ao fim de 20 anos ali a viver sem que nada fosse construído convenceram-se que assim seria para sempre,
50. e como referido pela testemunha, sua filha, quando se aperceberam do início das construções ficaram incomodados, desequilibrados, mas tal não foi decorrente dos barulhos produzidos pela actividade desenvolvida pela Recorrente, como facilmente se pode concluir, e muito menos passaram com o desenvolvimento dessa actvidade a sofrer de ansiedade, conforme se deu como provado.
51. A verdade é que dos depoimentos prestados, e já transcritos verificamos claramente que não podiam ser dados como provados os factos constantes dos pontos 12 e 13, desde já se requerendo que os mesmos passem a constar da matéria de facto dada como não provada.
52. Face a tudo quanto ficou exposto, conclui-se, necessariamente que houve erro de julgamento devendo ser alterada à matéria de facto dada como provada os pontos 11, 12, e 13 que deverão ser considerados não provados e alterado o ponto 9 passando a constar seguinte forma: “Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de padel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, reclamações, relativamente ao horário de funcionamento, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR, relativamente ao segundo campo de padel construído”
53. Ora, perante a matéria de facto dada como provada com as alterações requeridas, o que se impõe, face à análise da prova gravada em sede de audiência de discussão e julgamento e aos documentos juntos, outra não poderá ser a conclusão de que os Recorridos não têm qualquer provimento nas suas pretensões e que a acção por eles intentada deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
54. Por fim, mas não menos importante temos a douta sentença recorrida para além de laborar em erro de julgamento tendo em conta os depoimentos prestados e a matéria dada como provada, e atenção que só nos ativemos aos depoimentos das testemunhas dos Recorridos, isto porque, ao contrário do valor probatório quase pleno dado pela Mmª. Juiz “a quo” a tais depoimentos, sendo que os mesmos, nas palavras do Tribunal se mostraram isentos e credíveis, pese embora se tratassem de familiares, vizinhos e amigos dos Recorridos e tenham sido quase todos incoerentes entre si, tal valor probatório não foi dado às testemunhas arroladas pelas Recorrentes, pessoas isentas, sem qualquer relação com as mesmas, e que
vieram enaltecer a construção e reabilitação daquele complexo desportivo por parte da Recorrente, o qual se encontrava totalmente ao abandono, e passou a permitir o acesso daquela comunidade ao desporto perto das suas casas, mas estes depoimentos foram considerados pela Mmª. Juiz parciais…Não entendemos porquê…
55. Mas deixando até de parte esta circunstância foi requerida no presente processo prova pericial relativamente ao barulho e luminosidade produzida pela actividade desenvolvida pela Recorrente.
56. Sendo certo que os Recorridos vieram a desistir da perícia a realizar relativamente à luminosidade, motivo pelo qual também deverá ser eliminado dos factos dados como provados os pontos 16 e 17 não só porque não houve perícia realizada, como os depoimentos prestados sobre esta realidade, em concreto o da testemunha PS não se mostra minimamente credível já que, como se pode verificar dos documentos juntos pela Recorrente a cobertura opaca colocada nos campos de padel junto à casa dos Recorridos abafa não só o som como totalmente a luminosidade,
57. Verificando-se perfeitamente dos documentos juntos pela Recorrente que nenhum holofote de iluminação fica fora de tal cobertura, sendo por isso totalmente falso, o depoimento daquela testemunha de que existe iluminação fora daquela cobertura.
58. No que concerne ao ruído foi realizada a perícia sendo que o resultado da mesma foi claro e inequívoco e aqui se transcreve: “Na avaliação efetuada, concluiu-se para a situação em apreço, para o período diurno, não existem requisitos legais aplicáveis, em termos de incomodidade sonora, já que os valores de ruído ambiente são inferiores a 27 dB(A). (aplicação do ponto 5 do artigo 13.º do D.L. 9/2007). Relativamente aos períodos entardecer e noturno foi possível verificar o cumprimento do critério sonoro aplicável, previsto no nº 1 b) do artigo 13ºdo RGR – Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo D.L. 09/2007, tendo em conta as considerações expostas no presentes relatório.”
59. Ou seja, concluiu o relatório pericial realizado que os níveis de ruído no caso em apreço cumprem todos os requisitos legais.
60. Mais, no âmbito daquele relatório refere-se que: “Foi considerado, contudo, que as amostras de ruído residual (na ausência de atividade – entenda-se a actividade da Recorrente) recolhidas no dia 12 de abril, períodos entardecer e noturno, não são comparáveis com as recolhidas do dia 23 de fevereiro por terem ocorrido alterações significativas nas fontes que constituem o ruído residual, nomeadamente:
• Aumento fluxo de tráfego rodoviário;
• Ocorrências pontuais “tipo tuning” (acelerações)
• Ocorrências pontuais Buzinas de automóveis. Este conjunto de ocorrências resultaram em valores de ruído superiores aos registados no primeiro dia, conforme evidenciado nos quadros do ponto 3. e Anexo I.
61. Ou seja, o barulho residual (nomeadamente de animais de estimação – cfr. relatório, entre os quais se encontra o animal de estimação dos Recorridos) no local onde se encontra a habitação dos Recorridos é superior ao barulho produzido pela actividade da Recorrente!!!
62. Mas desse barulho não se queixam os Recorridos…só aquele que provém da actividade é que os incomoda e causa alegada ansiedade…!!
63. Assim, não se entende a decisão da Mmª. Juiz que com o devido respeito nos parece ir totalmente contra a toda a prova produzida, nomeadamente a pericial, é quase gritante a discrepância de tratamento entre uma e outra parte neste processo.
64. Para concluir, não podemos deixar de referir que tal como alegado pelas Recorrentes, mas totalmente ignorado pela sentença ora recorrida estamos a falar de um local de grande densidade populacional residente e as únicas pessoas a queixarem-se foram os Recorridos,
65. Não se trata de um conjunto de moradores, nem de uma associação de moradores, estamos a falar de entre mais de uma centena de pessoas, serem os Recorridos as duas únicas que se encontram incomodadas com a construção destes campos de padel e a sua actividade.
66. Para além do erro de julgamento da sentença recorrida já mencionado e que é extenso, tal sentença vai ao limite de ir até contra o previsto legalmente ao decretar a limitação do funcionamento dos campos de padel ao período compreendido entre as 8h e as 21h, quando o Regulamento Geral do Ruído prevê no seu art.13º os limites de ruído para actividades ruidosas permanentes, sendo que tais limites, conforme já comprovado estão a ser cumpridos e prevê ainda no seu art.24º que o ruído apenas pode ser mandado cessar entre as 23h a as 7h, e em caso de incomodidade,
67. A sentença recorrida ao arrepio do previsto legalmente, não só fez tábua rasa quando ao critério de incomodidade e limites previstos legalmente, como ordenou cessar a actividade da Recorrente às 21h, ou seja fora do horário em que é admissível legalmente a produção de ruído (o qual no presente caso e conforme comprovado nem sequer ultrapassa os limites legais admissíveis).
68. No limite poderia a sentença limitar tal actividade até as 23h, solução que os Recorrentes até poderiam admitir, pese embora tal não se conceda, mas não, foi muito para além do permitido legalmente e sem que houvesse fundamento legal para o fazer.
69. Violou assim a sentença recorrida a Legislação em vigor.
70. Também foi alegado pelas Recorrentes pese embora a sentença recorrida nem sequer se tenha pronunciado sobre tal, havendo também falta de pronúncia e por isso objecto de recurso, a actividade desenvolvida pelas Recorrentes faz-se essencialmente após o período laboral, entre as 19h e as 24h, pelo que limitar a actividade da Recorrente praticamente entre as 19h e as 21h é “matar” o negócio e investimento da Recorrente que para além do mais veio reabilitar um espaço desportivo que se encontrava totalmente ao abandono.
71. Por todos os motivos expostos deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente o pedido dos Recorridos.
Nestes termos, e nos mais de direito de que V.Exas. doutamente suprirão deve ser concedido provimento ao presente recurso, e a sentença ora recorrida substituída por outra que:
a) altere a matéria de facto considerada provada conforme requerido;
b) julgue totalmente improcedente o pedido dos Recorridos com o que se fará a COSTUMADA JUSTIÇA»
*
Não há contra-alegação.
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II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se inexiste fundamento para o decretamento da providência requerida pois a actividade de padel desenvolvida naqueles campos está licenciada e porque os direitos de personalidade dos apelados não são violados
*
III – Fundamentação
A) Na sentença vem dado como provado:
1. Os requerentes são proprietários e legítimos possuidores de uma moradia
sita na Rua …, Corroios, na qual residem há cerca de vinte anos.
2. A requerida F…, Lda., é uma sociedade por quotas que se dedica à prestação de serviços de manutenção física e bem-estar em grupo ou individual com fins recreativos, visando a instrução organizada para fins desportivos e recreativos, bem como, à gestão e exploração de espaços e instalações desportivas e de lazer, prestação de serviços na área do desporto, da reabilitação, manutenção física e recuperação física e estética, promoção de eventos desportivos e de lazer, comercialização e aluguer de artigos e equipamentos desportivos, exploração de espaço de restauração, catering, venda de refeições e bebidas confecionadas pelo próprio ou por terceiros, comercialização a retalho em estabelecimentos especializados, de suplementos alimentares, produtos naturais e dietéticos, e, ainda, prestação de serviços na área da psicologia, nutrição e dietética, fisioterapia e formação profissional.
3. A requerida Centro Cultural … é uma associação cultural e recreativa e desenvolve várias actividades desportivas e culturais.
4. No âmbito da actividade das requeridas, foram construídos pela 1.ª requerida, em terrenos da 2.ª requerida, vários campos de pádel que são explorados e geridos pela primeira.
5. O primeiro conjunto de campos de padel foi construído e está em funcionamento desde Agosto de 2021 do outro lado da estrada em frente à moradia dos requerentes.
6. Em 2023, foram construídos e colocados em funcionamento, no final do mês de Julho, um segundo conjunto de campos de padel – três campos, do lado da moradia dos requerentes, distando a vedação que delimita os campos de padel cerca de 3 metros da mesma.
7. Cada conjunto de campos tem um bar que serve de apoio e de recepção aos participantes.
8. O horário de funcionamento dos campos e dos bares de apoio é igual ao horário de funcionamento da colectividade, das 08:00 horas às 00:00 horas, sete dias por semana.
9. Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de padel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, sempre, diversas reclamações, quer quanto à construção de ambos os conjuntos de campos, quer quanto aos horários de funcionamento dos mesmos, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR.
10. O requerente PC participou em duas Assembleias Gerais da 2.ª requerida onde tentou expor todas as suas questões quanto aos horários de funcionamento dos campos de padel e às consequências que o ruído estava a ter no seu agregado familiar.
11. O ruído existente motivou algumas queixas telefónicas por parte dos requerentes para a Polícia de Segurança Pública.
12. O ruído produzido pelo exercício da actividade desportiva de padel e o que advém dos utilizadores dos bares de apoio, consiste não apenas nos diálogos e interjeições dos jogadores, como também nos impactos na bola, atentas as características do court, as regras do padel e as propriedades da raquete, tem natureza impulsiva, emergindo sobre as condições de ruído residual;
13. Tal ruído impede o descanso dos requerentes provocando-lhes, entre outros, ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação e cansaço, impossibilitando-os de tomarem refeições ou actividades lúdicas, como ler, no exterior da habitação.
14. Foram colocadas, pelos requerentes, na sua habitação, janelas com vidros duplos, à prova de som, na casa de banho e no quarto dos requerentes, que se encontram virados para os campos de padel, que, tendo melhorado a situação, não a resolveram.
15. Igualmente colocaram um ar condicionado para arejar a habitação, por não
poderem abrir as janelas situadas para os campos de pádel, devido ao ruído provocado.
16. Bem como o sistema de iluminação dos campos, de uma intensidade significativa e que se encontra ligado durante todo o período noturno de funcionamento dos mesmos, ou seja, até às 24h00.
17. A colocação da cobertura nos campos situados nas traseiras da casa dos requerentes atenuou a intensidade do sistema de iluminação dos campos, não eliminando totalmente.
18. O ruído produzido pelos jogos de padel é detectável no interior da habitação dos requerentes, com as janelas fechadas, sendo audível o impacto da bola e as vozes/sons dos jogadores, em todo o período do dia, em particular de tarde/anoitecer e de noite.
19. Os requerentes adquiriram a habitação onde residem tendo em consideração diversos factores de conforto, entre os quais a tranquilidade e o silêncio.
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B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
No corpo da alegação, discordam os apelantes da decisão a 1ª instância quanto aos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17 e 18.
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Sobre o ponto 10, nenhum meio probatório indicam para fundamentarem a pretensão de que seja julgada não provada tal matéria, como impõe o art. 640º nº 2 al. b) do CPC (Código de Processo Civil), pelo que vai rejeitada a impugnação nessa parte.
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No ponto 9 a 1ª instância julgou provado:
«Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de padel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram, sempre, diversas reclamações, quer quanto à construção de ambos os conjuntos de campos, quer quanto aos horários de funcionamento dos mesmos, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR.».
Segundo os apelantes resulta dos documentos juntos pelos apelados e de todos os depoimentos que só foi produzida prova quanto aos alegados ruídos e incómodos provocados pelos campos construídos ao lado da habitação, ou seja, quanto ao segundo conjunto de campos de padel, pelo que este ponto deve ser alterado, julgando-se provado:
«Os requerentes, aquando da construção dos primeiros campos de padel residiam há cerca de 18 anos na sua moradia e apresentaram reclamações relativamente ao horário de funcionamento, barulho de bolas a bater, atletas aos gritos, impropérios, bar a funcionar a horas tardias, luzes acesas, quer à Câmara Municipal do Seixal, quer ao gerente da primeira requerida, RAR, relativamente ao segundo campo de padel construído.».
Porém, dos doc. 16, 17, 20 juntos com a petição inicial vemos que já no ano de 2021 a apelada CV apresentou reclamações à Câmara Municipal do Seixal; além disso: a testemunha AC (filha dos apelados e referiu que viveu naquela moradia até há um ano e meio, mas às vezes ainda lá dorme) disse que desde que desde que se construíram os novos campos o barulho duplicou, pelo que das suas palavras resulta que já anteriormente ouvia barulho incomodativo; o apelado PC, em declarações de parte também disse que a situação se agravou com mais três campos e a apelada CV, em declarações de parte, disse que inicialmente, com os primeiros campos colocou a questão à Câmara Municipal do Seixal.
Improcede a impugnação.
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No ponto 11 a 1ª instância julgou provado:
«O ruído existente motivou algumas queixas telefónicas por parte dos requerentes para a Polícia de Segurança Pública.».
Segundo os apelantes, há erro de julgamento, devendo ser julgada não provada esta matéria, pois não constam nos autos participações dos apelados junto da PSP – e só esses documentos fazem prova -, além de que a testemunha …, referida na motivação da decisão, nada disse a esse respeito. Porém, o ponto 11 reporta-se a queixas telefónicas, pelo que não tem fundamento a afirmação de que teria de haver documento escrito para prova disso; quanto ao depoimento da testemunha CS, na verdade não menciona ter assistido a queixas telefónicas, mas isso não invalida o que as outras testemunhas disseram, como resulta claramente da gravação, designadamente PS, que afirmou ter assistido a chamarem a polícia por causa do barulho e não saber o que se passou depois, «porque fomos embora» e a testemunha A disse que ela própria chamou a polícia algumas vezes.
Improcede a impugnação.
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Nos pontos 12, 13 e 18 a 1ª instância julgou provado:
«12. O ruído produzido pelo exercício da actividade desportiva de padel e o que advém dos utilizadores dos bares de apoio, consiste não apenas nos diálogos e interjeições dos jogadores, como também nos impactos na bola, atentas as características do court, as regras do padel e as propriedades da raquete, tem natureza impulsiva, emergindo sobre as condições de ruído residual;
13. Tal ruído impede o descanso dos requerentes provocando-lhes, entre outros, ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação e cansaço, impossibilitando-os de tomarem refeições ou actividades lúdicas, como ler, no exterior da habitação.
18. O ruído produzido pelos jogos de padel é detectável no interior da habitação dos requerentes, com as janelas fechadas, sendo audível o impacto da bola e as vozes/sons dos jogadores, em todo o período do dia, em particular de tarde/anoitecer e de noite.»
Segundo os apelantes, esta matéria deve ser julgada não provada.
Alegam que a testemunha EF que vive na casa geminada com a dos apelados, portanto à mesma distância dos campos de padel, não colocou vidros duplos e com as janelas fechadas consegue reduzir significativamente o som proveniente da actividade de padel. Porém, essa testemunha afirmou, designadamente, que é um «barulho que nos persegue», «muito desestabilizador», referindo-se às pancadas das bolas nas raquetes, que se ouve dentro de casa perfeitamente, que a cobertura pode ter abafado um pouco o som, mas o mesmo não acontece com o bar, e a instâncias da mandatária dos apelantes replicou: «Eu não disse que as janelas fechadas diminui bastante o som!», que tem por hábito recolher ao quarto pelas 10 horas da noite e «até à meia noite há barulho, garantidamente» e depois disso ouve-se o barulho das pessoas que vão entrando nos carros.
Alegam também que só com relatório médico poderia ser feita prova de ansiedade e perturbação do sono dos apelados, por se tratarem de patologias do foro psicológico. Porém, inexiste norma legal que imponha a junção de relatório médico para prova de que alguém sente dificuldade em adormecer, ansiedade e irritação por causa de barulho.
Quanto aos depoimentos das testemunhas, foram bem claros ao relatarem as alterações de humor dos apelados e mudança de hábitos na utilização do espaço exterior da habitação para convívios familiares e com amigos por causa do barulho proveniente do funcionamento dos campos de padel e bares, não se indiciando interesse em favorecerem os apelados e prejudicarem os apelantes.
Mais sustentam os apelantes que resulta do relatório pericial que o barulho produzido por buzinas, acelerações de automóveis e animais é superior ao produzido nos campos de padel, além de que é zona de grande densidade populacional e só os apelantes se queixam.
No relatório elaborado pela perita constam estas
«Conclusões:
Dado tratar-se de uma avaliação de incomodidade, a avaliação foi feita mediante aplicação do critério que se baseia na diferença entre a situação com fonte e a situação sem fonte.
RGR – Regulamento Geral do Ruído – aprovado pelo DL 9/2007 de 17 de janeiro de 2007 (…)
(…)
Assim, tendo em conta a legislação aplicável e os resultados obtidos, conclui-se:
Na avaliação efetuada, concluiu-se para a situação em apreço, para o período diurno, não existem requisitos legais aplicáveis, em termos de incomodidade sonora, já que os valores de ruído ambiente são inferiores a 27dB (A). (aplicação do ponto 5 do artigo 13º do DL 9/2007).
Relativamente aos períodos entardecer e noturno foi possível verificar o cumprimento do critério sonoro aplicável, previsto no nº 1 b) do artigo 13 do RGR – (…) – tendo em conta as considerações expostas no presente relatório».
Mas, nesse relatório a perita expôs também:
«De acordo com o exposto no art. 13º do Regulamento Geral do Ruído , DL 09/2007 de 17 de Janeiro, o critério de incomodidade não é aplicável sempre que o valor do indicador LAeq do ruído ambiente no interior é inferior a 27 dB (A), considerando o estabelecido nos nºs 1 e 4 do anexo I do referido Regulamento, o que se verifica na presente situação.
Não obstante, o som produzido pelo impacto da bola é perfeitamente audível no local recetor.
A avaliação da incomodidade do ruído conforme previsto no Regulamento Geral do Ruído baseia-se em valores de ruído absolutos, como a diferença entre o nível de ruído entre a atividade em avaliação e o nível de ruído ambiente na ausência dessa atividade. No entanto, é importante reconhecer que a perceção humana do ruído pode ser influenciada por ocorrências individuais, como o impacto de uma bola, especialmente devido à sua frequência, repetibilidade e características impulsivas. Esses eventos individuais podem ser percebidos como mais perturbadores do que o ruído ambiente constante, mesmo que o valores absolutos de ruído não sejam significativamente diferentes.»,
«Foi solicitado ao representante da atividade no local, a não ocupação dos campos em determinados períodos do dia/entardecer para realização das medições de ruído residual tendo sido recusado pelos mesmo»,
«Após as 22h00 foram efetuadas medições, na ausência da atividade, por serem fundamentais para a avaliação do critério de incomodidade. Foi considerado, contudo, que as amostras de ruído residual (na ausência de atividade) recolhidas no dia 12 de abril períodos entardecer e noturno, não são comparáveis com as recolhidas no dia 23 de fevereiro por terem ocorrido alterações significativas nas fontes que constituem o ruído residual, nomeadamente:
 . Aumento fluxo de tráfego rodoviário;
 . Ocorrências pontuais “tipo tunning” (acelerações);
 . Ocorrências pontuais Buzinas de automóveis
Este conjunto de ocorrências resultaram em valores de ruído superiores aos registados no primeiro dia (…)».
Portanto, do relatório pericial não resulta que o ruído causado pela actividade exercida nos campos de padel não é susceptível de perturbar os apelados.
Assim, os meios probatórios sobre esta matéria não impõem decisão diversa da que foi proferida pela 1ª instância, demonstrando sim, que apreciou correctamente a prova.
Improcede a impugnação.
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Nos pontos 16 e 17 a 1ª instância julgou provado:
«16. Bem como o sistema de iluminação dos campos, de uma intensidade significativa e que se encontra ligado durante todo o período noturno de funcionamento dos mesmos, ou seja, até às 24h00.
17. A colocação da cobertura nos campos situados nas traseiras da casa dos requerentes atenuou a intensidade do sistema de iluminação dos campos, não eliminando totalmente.».
Segundo os apelantes, esta matéria deve ser julgada não provada, pois os apelados desistiram da perícia relativamente à iluminação e «os depoimentos prestados sobre esta realidade, em concreto o da testemunha PS não se mostra minimamente credível, já que como se pode verificar dos documentos juntos pela Recorrente a cobertura opaca colocada nos campos de padel junto à casa dos Recorridos abafa não só o som como totalmente a luminosidade, sendo perfeitamente visível dos documentos juntos pela Recorrente que nenhum holofote de iluminação fica fora de tal cobertura, sendo por isso totalmente falso o depoimento daquela testemunha de que existe iluminação fora daquela cobertura.».
Porém, não é necessária perícia para verificar se a luminosidade é forte e incomodativa.
Além disso, das fotografias pelas apelantes percebe-se que a luminosidade nos campos de padel produzida pelo sistema de iluminação ali existente é intensa e visível no exterior pois lateralmente não há qualquer vedação opaca; lembremos que a testemunha EF referiu que o seu marido diz na brincadeira que não precisam de luz dentro de casa pois têm os holofotes dos campos de padel.
Improcede a impugnação.
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C) O Direito
Segundo os apelantes, a sentença recorrida viola o disposto nos art. 13º e 24º do Regulamento Geral do Ruído, pois além de os limites de ruído para actividades ruidosas permanentes estarem a ser cumpridos, apenas pode ser ordenada a cessação do ruído entre as 23 h e as 7 h em caso de incomodidade.
Realmente, não resulta dos factos provados que o ruído produzido nos 2 conjuntos dos campos de padel excede os limites legais estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído aprovado pelo DL 9/2007 de 17/01.
Mas lembremos que na petição inicial vem alegado, além do mais:
«E diga-se que, excedendo os níveis de ruído produzido pela exploração dos campos de padel os máximos permitidos por lei, como nos parece claro, é absolutamente certo, que os requeridos e encontram em situação irregular e ilícita, mas, mesmo não excedendo ou que o excesso fosse mínimo, nem por isso os direitos dos requerentes ao repouso, sossego, descanso, silêncio, sono, saúde e bem-estar poderiam ser ignorados e postergados.»,
«Efectivamente como é jurisprudência corrente os limites da poluição sonora são fixados em vista daquilo que é legalmente considerado razoável, mas em nada relevam decisivamente para fins civis, designadamente, na relação de vizinhança, pois, como resulta claro de uma leitura atenta do DL 9/2007, de 17 de Janeiro, alterado pelo DL 287/2007, de 01 de Agosto, a li visa a prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, tendo em vista a salvaguarda da saúde e o bem estar das populações, mas segundo um regime de grandes categorias, sobrando todo o espaço para o tratamento jurídico autónomo do ruído dito de “vizinhança” versus direitos de personalidade (…)»,
«E, portanto, condição necessária, mas também suficiente para que se possam tomar medidas judiciais cautelares é que se mostre que o direito ao descanso, repouso, sossego, sono e bem assim, à saúde e qualidade de vida estão ameaçados e são lesados pelo ruído causado e não que este ruído ofenda os limites máximos impostos por lei».
Por sua vez, a 1ª instância, expôs na sentença:
«(…)
No tocante ao ruído, ainda que se constatasse que a actividade das requeridas não violava o Regulamento do Ruído, pelo facto de o ruído produzido se encontrar dentro dos limites legais, entende-se que isso também não permitiria a manutenção da situação.
Neste sentido, veja-se Cecília Agante (in A Tutela Geral e Especial da Pessoalidade Humana, CEJ, 2017, pág. 55,  (…) que escreveu que “entende-se que ele [Regulamento do Ruído] apenas tem efeitos dentro da actividade administrativa e no seu âmbito, não podendo interferir com a salvaguarda dos direitos de personalidade, cuja proteção não se esgota no limite do ruído estabelecido no diploma. A significar que a consagração de um valor máximo de nível sonoro do ruído vincula a administração a não autorizar a instalação de equipamentos nem conceder licenciamento de atividades que não respeitem aquele limite máximo, e o desrespeito desse limite faz incorrer o infrator em ilícito de mera ordenação social. Por isso, não obstante estar demonstrado que a atividade da R. não colocava em crise os valores limite de ruído e de incomodidade previstos pelo Regulamento para o exercício de atividades ruidosas permanentes, como era o caso, as três decisões deram guarida à proteção dos direitos de personalidade dos lesados e alcançaram soluções de compatibilização dos interesses em causa, com juízos de ponderação de bens e de concordância prática dos interesses em conflito. À luz do princípio da proporcionalidade, evitou-se o sacrifício total da ré em relação aos autores e destes em relação àquela e realizou-se uma redução proporcional do âmbito e alcance dos respetivos direitos
(…)
As questões de conflitos entre a actividade económica desportiva de padel e o direito ao repouso, descanso ou sono por parte dos particulares não é nova ou caso único na jurisprudência nacional.
Como se pode analisar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2019, processo nº 27564/16.4T8LSB.L1.S1, em causa estava a instalação de 7 courts de padel “instalados ao ar livre no interior de um quarteirão maioritariamente residencial” que funcionavam até às 24:00 em 4 desses courts todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos. Igualmente se deu como provado “que 116. O Ruído produzido pelos jogos de padel é detectável no interior de fracções do prédio dos requerentes e dos prédios adjacentes, com as janelas fechadas. 117. O Ruído é incomodativo, com natureza impulsiva e conspícua, emergindo significativamente sobre as condições de ruído residual. 118. O ruído perturba o sossego e o repouso dos residentes. (…)», 
(…)
Ora, retornando aos presentes autos, da factualidade dada como provada (…) é indubitável que a personalidade física e psíquica dos requerentes na vertente do direito ao repouso está a ser violada.
/…)
Encontramo-nos, assim, perante uma situação de colisão ou conflito de direitos fundamentais que importa solucionar.
Por um lado, o direito ao descanso e sossego, como direitos de personalidade, e, por outro, o direito de propriedade e à liberdade de iniciativa privada, ambos enquanto direitos constitucionalmente garantidos, em conflito, que importa dirimir de acordo com o contexto jurídico e a respectiva situação factual.
(…)».
Vejamos.
O Regulamento Geral do Ruído estatui, na parte que ora interessa:
Art. 4º
«1 - Compete ao Estado, às Regiões Autónomas, às autarquias locais e às demais entidades públicas, no quadro das suas atribuições e das competências dos respectivos órgãos, promover as medidas de carácter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora, nos limites da lei e no respeito do interesse público e dos direitos dos cidadãos.
2 - Compete ao Estado definir uma estratégia nacional de redução da poluição sonora e definir um modelo de integração da política de controlo de ruído nas políticas de desenvolvimento económico e social e nas demais políticas sectoriais com incidência ambiental, no ordenamento do território e na saúde.
3 - Compete ao Estado e às demais entidades públicas, em especial às autarquias locais, tomar todas as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído resultante de quaisquer actividades, incluindo as que ocorram sob a sua responsabilidade ou orientação.
4 - As fontes de ruído susceptíveis de causar incomodidade podem ser submetidas:
a) Ao regime de avaliação de impacte ambiental ou a um regime de parecer prévio, como formalidades essenciais dos respectivos procedimentos de licenciamento, autorização ou aprovação;
b) A licença especial de ruído;
c) A caução;
d) A medidas cautelares
Art. 13º
«1 - A instalação e o exercício de actividades ruidosas permanentes em zonas mistas, nas envolventes das zonas sensíveis ou mistas ou na proximidade dos receptores sensíveis isolados estão sujeitos:
a) Ao cumprimento dos valores limite fixados no artigo 11.º; e
b) Ao cumprimento do critério de incomodidade, considerado como a diferença entre o valor do indicador L(índice Aeq) do ruído ambiente determinado durante a ocorrência do ruído particular da actividade ou actividades em avaliação e o valor do indicador L(índice Aeq) do ruído residual, diferença que não pode exceder 5 dB(A) no período diurno, 4 dB(A) no período do entardecer e 3 dB(A) no período nocturno, nos termos do anexo I ao presente Regulamento, do qual faz parte integrante.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser adoptadas as medidas necessárias, de acordo com a seguinte ordem decrescente:
a) Medidas de redução na fonte de ruído;
b) Medidas de redução no meio de propagação de ruído;
c) Medidas de redução no receptor sensível.
3 - Compete à entidade responsável pela actividade ou ao receptor sensível, conforme quem seja titular da autorização ou licença mais recente, adoptar as medidas referidas na alínea c) do número anterior relativas ao reforço de isolamento sonoro.
4 - São interditos a instalação e o exercício de actividades ruidosas permanentes nas zonas sensíveis, excepto as actividades permitidas nas zonas sensíveis e que cumpram o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1.
5 - O disposto na alínea b) do n.º 1 não se aplica, em qualquer dos períodos de referência, para um valor do indicador L(índice Aeq) do ruído ambiente no exterior igual ou inferior a 45 dB(A) ou para um valor do indicador L(índice Aeq) do ruído ambiente no interior dos locais de recepção igual ou inferior a 27 dB(A), considerando o estabelecido nos n.os 1 e 4 do anexo I.
6 - Em caso de manifesta impossibilidade técnica de cessar a actividade em avaliação, a metodologia de determinação do ruído residual é apreciada caso a caso pela respectiva comissão de coordenação e desenvolvimento regional, tendo em conta directrizes emitidas pelo Instituto do Ambiente.
7 - O cumprimento do disposto no n.º 1 é verificado no âmbito do procedimento de avaliação de impacte ambiental, sempre que a actividade ruidosa permanente esteja sujeita ao respectivo regime jurídico.
8 - Quando a actividade não esteja sujeita a avaliação de impacte ambiental, a verificação do cumprimento do disposto no n.º 1 é da competência da entidade coordenadora do licenciamento e é efectuada no âmbito do respectivo procedimento de licenciamento, autorização de instalação ou de alteração de actividades ruidosas permanentes.
9 - Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve apresentar à entidade coordenadora do licenciamento uma avaliação acústica.».
Art, 26º
«A fiscalização do cumprimento das normas previstas no presente Regulamento compete:
a) À Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território;
b) À entidade responsável pelo licenciamento ou autorização da actividade;
c) Às comissões de coordenação e desenvolvimento regional;
d) Às câmaras municipais e polícia municipal, no âmbito das respectivas atribuições e competências;
e) Às autoridades policiais e polícia municipal relativamente a actividades ruidosas temporárias, no âmbito das respectivas atribuições e competências;
f) Às autoridades policiais relativamente a veículos rodoviários a motor, sistemas sonoros de alarme e ruído de vizinhança.».
Art. 27.º
«1 - As entidades fiscalizadoras podem ordenar a adopção das medidas imprescindíveis para evitar a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem-estar das populações em resultado de actividades que violem o disposto no presente Regulamento.
2 - As medidas referidas no número anterior podem consistir na suspensão da actividade, no encerramento preventivo do estabelecimento ou na apreensão de equipamento por determinado período de tempo.
3 - As medidas cautelares presumem-se decisões urgentes, devendo a entidade competente, sempre que possível, proceder à audiência do interessado concedendo-lhe prazo não inferior a três dias para se pronunciar.».
Art 28.º
«1 - Constitui contra-ordenação ambiental leve:
a) O exercício de actividades ruidosas temporárias sem licença especial de ruído em violação do disposto do n.º 1 do artigo 15.º;
b) O exercício de actividades ruidosas temporárias em violação das condições da licença especial de ruído fixadas nos termos do n.º 1 do artigo 15.º;
c) A violação dos limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º, quando a licença especial de ruído é emitida por período superior a um mês;
d) A realização de obras no interior de edifícios em violação das condições estabelecidas pelo n.º 1 do artigo 16.º;
e) O não cumprimento da obrigação de afixação das informações nos termos do n.º 2 do artigo 16.º;
f) O não cumprimento da ordem de suspensão emitida pelas autoridades policiais ou municipais, nos termos do artigo 18.º;
g) A utilização de sistemas sonoros de alarme instalados em veículos em violação do disposto no n.º 1 do artigo 23.º;
h) O não cumprimento da ordem de cessação da incomodidade emitida pela autoridade policial nos termos do n.º 1 do artigo 24.º;
i) O não cumprimento da ordem de cessação da incomodidade emitida pela autoridade policial nos termos do n.º 2 do artigo 24.º
2 - Constitui contra-ordenação ambiental grave:
a) O incumprimento das medidas previstas no plano municipal de redução de ruído pela entidade privada responsável pela sua execução nos termos do artigo 8.º;
b) A instalação ou o exercício de actividades ruidosas permanentes em zonas mistas, nas envolventes das zonas sensíveis ou mistas ou na proximidade dos receptores sensíveis isolados em violação do disposto no n.º 1 do artigo 13.º;
c) A instalação ou o exercício de actividades ruidosas permanentes em zonas sensíveis em violação do disposto no n.º 4 do artigo 13.º;
d) A instalação ou exploração de infra-estrutura de transporte em violação do disposto no n.º 1 do artigo 19.º;
e) A não adopção, na exploração de grande infra-estrutura de transporte aéreo, das medidas previstas no n.º 2 do artigo 19.º necessárias ao cumprimento dos valores limite fixados no artigo 11.º;
f) A aterragem e descolagem de aeronaves civis em violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º;
g) A violação das condições de funcionamento da infra-estrutura de transporte aéreo fixadas nos termos do n.º 3 do artigo 20.º;
h) A instalação ou exploração de outras fontes de ruído em violação dos limites previstos no artigo 21.º;
i) O não cumprimento das medidas cautelares fixadas nos termos do artigo 27.º
3 - A negligência e a tentativa são puníveis, sendo nesse caso reduzido para metade os limites mínimos e máximos das coimas referidos no presente Regulamento.
4 - A condenação pela prática das infracções graves previstas no n.º 2 do presente artigo pode ser objecto de publicidade, nos termos do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, quando a medida concreta da coima aplicada ultrapasse metade do montante máximo da coima abstracta aplicável
Art 29.º
«A entidade competente para aplicação da coima pode proceder a apreensões cautelares e aplicar as sanções acessórias que se mostrem adequadas, nos termos do disposto na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto
Art 30.º
«1 - O processamento das contra-ordenações e a aplicação das respectivas coimas e sanções acessórias é da competência da entidade autuante, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Compete à câmara municipal o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias em matéria de actividades ruidosas temporárias e de ruído de vizinhança.
3 - Compete à Direcção-Geral de Viação o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias em matéria de veículos rodoviários a motor e sistemas sonoros de alarme instalados em veículos.».
Portanto, o campo de aplicação deste Regulamento circunscreve-se à actividade administrativa no âmbito da prevenção e controlo da poluição sonora.
Assim, atento o disposto nos art. 25º, 26º e 202º da Constituição da República Portuguesa, art. 70º do Código Civil e art. 878º do Código de Processo Civil, os cidadãos têm o direito de obterem dos tribunais as providências adequadas à protecção dos seus direitos de personalidade, mesmo que os limites de ruído fixados naquele Regulamento estejam a ser cumpridos. Nesse sentido foi decidido no acórdão do STJ de 10/09/2019 (P. 27564/16.4T8LSB.L1) citado na sentença recorrida, aí se lendo:
«O facto de o RGR ser uma lei geral e abstracta não significa que o licenciamento de uma actividade económica, ao abrigo da referida lei, constitua demonstração inequívoca de o modo como a actividade é exercida não envolve a prática de acto ilícito. A observância da indicada lei – e do licenciamento – apenas indica que a actividade económica em causa se encontra a funcionar dentro dos limites da legalidade, sendo que a legalidade e a licitude não são necessariamente coincidentes.
Neste sentido, veja-se o já indicado por este STJ no Ac. de 8/4/10, proferido no proc. 1715/03.7TBEPS.G1.S1, e também citado no acórdão de 26/9/2017, proc. 117/13.1TBMLG.G1.S1, onde se afirma:
 “Impõe-se, por outro lado, distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das actividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação de planos tem justificadamente conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela actividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos (vejam-se, por exemplo, os acs. do STJ de 22/10/98- p. 97B1024-de 13/3/97 – p.96B557- e de 17/1/02 – p. 01B4140).
É, por isso, de responder afirmativamente à questão suscitada pela recorrente quando indaga se uma actividade licenciada pode ofender um direito de personalidade alheio ainda que o exercício da actividade respeite os condicionalismos da licença, e esta tenha respeitado os condicionalismos legais, orientação que já é jurisprudência adquirida deste STJ – cf. assim, o que se disse, e que se acompanha inteiramente, no Ac. de 29/11/2012, proferido pelo STJ no Proc. 1116/05.2TBEPS.G1.S1, onde se afirma, com as necessárias adaptações ao caso dos autos:
“A actividade do estabelecimento e de outros similares é legítima, desde que licenciada e desde que sejam respeitadas as demais regras legais, designadamente as que se mostrem necessárias para acautelar direitos absolutos de terceiros. Contudo, tratando-se de actividade que funciona essencialmente em período nocturno mostra-se imprescindível uma especial atenção relativamente aos factores susceptíveis de afectarem o sossego e a tranquilidade de terceiros, com especial relevo para os aspectos atinentes ao ajustamento da potência da aparelhagem sonora e/ou ao eficaz isolamento do som, de modo a evitar-se a perturbação de todos quantos, habitando nas proximidades, pretendam descansar.
Trata-se de matéria que, devendo obedecer ao Regulamento Geral do Ruído, não dispensa a adopção de outros cuidados quando, porventura, o respeito por tal Regulamento não seja suficiente para evitar a violação de direitos de natureza pessoal como os de personalidade, maxime quando é posto em causa o direito ao sono, ao sossego e à tranquilidade em período nocturno (Acs. do STJ, de 22-9-05, Revista nº 4264/04, e de 18-2-03 (Revista nº 4733/02).
Afinal, os direitos de personalidade não podem deixar de ser privilegiados no confronto com outros direitos, como são os conexos com o exercício de actividades lucrativas que impliquem o funcionamento de locais de diversão nocturna.”».
Descendo ao caso concreto.
É do senso comum que a casa de habitação é um espaço de privacidade em que é expectável e desejável repousar, conviver em família e com amigos, tomar refeições com tranquilidade, dormir, ler e/ou ouvir música, enfim gozar de momentos lúdicos.
Ora, os apelados - que ali já viviam há 18 anos - foram confrontados, desde a instalação do primeiro conjunto de campos de padel, com a intensidade da iluminação e barulho proveniente do exercício dessa actividade pelos jogadores e do funcionamento do bar, situação que se agravou com o segundo conjunto de campos de padel, perturbando a sua fruição do espaço exterior da habitação, dificuldade em adormecer, ansiedade e irritação, mesmo com as janelas encerradas e com colocação de vidros duplos no quarto. 
Assim, do funcionamento dos dois conjuntos de campos de padel tem resultado a violação dos direitos de personalidade dos apelados na vertente do direito ao repouso, tranquilidade e privacidade. Por outro lado, temos os direitos de propriedade e de iniciativa económica, também protegidos pela Lei Fundamental (cfr art. 61º e 62º), mas que não prevalecem sobre os direitos de personalidade, pelo que os direitos dos apelantes devem ser limitados na medida do menor prejuízo possível, como decorre do art. 335º do Código Civil (neste sentido, os arestos citados na sentença recorrida e Ac da RG de 12/09/2024 (P. 2409/21.7T8VCT-G1).
Segundo os apelantes não deverá ser determinado o encerramento antes das 23 h, invocando o Regulamento Geral do Ruído e dizendo que o padel é praticado essencialmente após o período laboral, entre as 19h e as 24h. Ora, a satisfação desta pretensão significaria que o tribunal estaria a dar prevalência aos direitos dos apelantes, postergando os direitos dos apelados a desfrutarem do sossego e privacidade da sua casa pelo menos a partir das 21h.
Assim, a medida decretada pela 1ª instância, restringindo o funcionamento da actividade nos dois conjuntos de campos de padel e nos bares ao horário entre as 8h00 e as 21h00 como pedido subsidiariamente, mostra-se adequada e não está em desconformidade com a jurisprudência dos tribunais superiores em casos análogos, como se vê dos citados arestos.
Improcede a apelação.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 07 de Novembro de 2024
Anabela Calafate
Teresa Garcia de Freitas
Adeodato Brotas