Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
515/14.3TBLRA-B.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: CAUÇÃO
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
EFEITO SUSPENSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A prestação de caução para fixação de efeito suspensivo ao recurso, prevista no n.º 4, do art.º 647.º, do C. P. Civil, configura-se como um verdadeiro incidente, com valor próprio, como dispõe o n.º 2, do art.º 304.º, do C. P. Civil, que é processado por apenso, como dispõe o n.º 1, do art.º 915.º, do C. P. Civil, se necessário com a extração de traslado, como dispõe o n.º 2, do art.º 650.º, do C. P. Civil, devendo separar-se a prestação de caução (no apenso) da fixação de efeito ao recurso (no processo principal).
2. O valor da caução a prestar para fixação de efeito suspensivo à apelação de sentença condenatória em quantia a liquidar deve corresponder ao valor do pedido, por ser esse o limite da condenação e liquidação.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
No âmbito da ação declarativa de condenação, com processo comum, proposta por … S.A. contra ... PORTUGAL, LDA, pedindo, além do mais, a sua condenação a entregar-lhe a quantia de € 692.866,00, a título de indemnização de clientela, tendo sido proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e condenando a R a entregar à A a quantia que se liquidar em incidente de liquidação relativamente ao pedido de indemnização de clientela, acrescida de juros desde o trânsito da decisão proferida no incidente de liquidação, a R interpôs recurso de apelação e requereu a fixação de efeito suspensivo ao recurso, oferecendo prestação de caução no valor de € 59.809,00 ou outro valor considerado adequado.
 O tribunal a quo ordenou a notificação da A para se pronunciar e tendo esta respondido que a caução não deveria ser inferior ao valor pedido, de € 692.866,00, proferiu a seguinte decisão: “Considerando o valor peticionado pela A. quanto à indemnização de clientela (€ 692.866,00) o valor manifestamente baixo da caução proposta por referência àquele valor e a oposição da A quanto ao valor proposto, não admito a caução pelo valor de € 59.809,00 e, em consequência fixo ao recurso o efeito devolutivo”.
Inconformada com essa decisão a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo que se declare a sua nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do C.P. Civil, aplicável “ex vi” do artigo 613.º, n.º 3, do C.P. Civil, e que a mesma seja revogada e substituída por decisão que admita a caução oferecida ou noutro valor mais elevado, até ao montante máximo peticionado nos autos, de € 692.866,00, fixando-se, em consequência, efeito suspensivo ao recurso interposto da sentença, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto do Douto Despacho proferido em 02/12/2019, a fls. … dos autos, no qual o Tribunal a quo determinou a não admissão da caução pelo valor de EUR 59.809,00, fixando, em consequência, efeito devolutivo ao recurso interposto da Douta Sentença pela ... Portugal.
B) Aquando da interposição do recurso da Douta Sentença, em 07/12/2018, a ... Portugal requereu a atribuição ao mesmo de efeito suspensivo mediante a prestação de caução no valor de EUR 59.809,00. Ressalvou, no porém e expressamente, a possibilidade de prestar a referida caução por outro valor que o Tribunal a quo reputasse adequado com base, designadamente, no raciocínio vertido na Douta Sentença.
C) A ...H foi notificada das alegações de recurso da ora Recorrente, mas nada referiu a propósito da prestação de caução nas suas contra-alegações.
D) Posteriormente, foi proferido Douto Despacho em 09/02/2019, a fls. … dos autos, através do qual o Tribunal de 1ª instância convidou a ...H a pronunciar-se sobre o valor da caução proposta pela ... Portugal.
E) A ...H afirmou que o valor a fixar para efeito da prestação de caução não podia ser inferior ao valor peticionado (cfr. Requerimento da ...H, de 18/02/2019, com a Ref.ª Citius 31595108).
F) A ... Portugal respondeu a este Requerimento, pugnando pela sua inadmissibilidade legal, e interpôs recurso do Douto Despacho de 09/02/2019. Alegou, em síntese, que (i) não tendo a ...H exercido o contraditório no que à prestação de caução respeita no momento processual adequado – rectius, nas contra-alegações de recurso –, tal direito ficou precludido, não mais sendo possível pronunciar-se sobre a matéria, e (ii) o referido Despacho de 09/02/2019 padece de nulidade, pois dele não constam os fundamentos de facto e de Direito em que assenta (cfr. Requerimento de 25/02/2019, com a Ref.ª Citius 31673138 e Alegações de Recurso de 06/03/2019, com a Ref.ª Citius 31766466).
G) O referido recurso encontra-se presentemente pendente neste Venerando Tribunal, 8ª Secção, sob o nº 515/14.3TBLRA.L1, e a aguardar decisão.
H) Na sequência de Douto Despacho proferido pela 8ª Secção deste Venerando Tribunal (no processo nº 515/14.3TBLRA.L1), que ordenou a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, a fim de ser proferido despacho que fixe o efeito a atribuir ao recurso interposto da Douta Sentença pela ... Portugal, o Tribunal a quo, decidiu não admitir a caução pelo valor proposto pela ... Portugal e, em consequência, fixou efeito devolutivo ao recurso mencionado no ponto 2. supra.
I) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “Considerando o valor peticionado pela A. quanto à indemnização de clientela (€ 692.866,00) o valor manifestamente baixo da caução proposta por referência àquele valor e a oposição da A. quanto ao valor proposto, não admito a caução pelo valor de € 59.809,00, e, em consequência fixo ao recurso o efeito devolutivo”.
J) Salvo o devido respeito, que é muito, a ... Portugal não pode conformarse com o teor do Douto Despacho recorrido. Por um lado, (i) o Douto Despacho recorrido padece de nulidade, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia (nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e b), do CPC) e, por outro, (ii) o valor da caução oferecida é idóneo e adequado. De qualquer modo, a ... Portugal disponibilizou-se ab initio – e reitera essa disponibilidade – para prestar caução por um valor diferente, que o Tribunal considerasse adequado, até ao limite de EUR 692.866,00 peticionado nos autos (sem que tal implique, contudo, o reconhecimento do direito invocado pela Recorrida no sentido de lhe ser atribuída indemnização de clientela).
K) Nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocuparse senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permiti ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
L) Por outro lado, estatui o art. 615º, nº 1, alíneas b) e d) do CPC que é nula a sentença quando (i) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (norma esta que é aplicável aos despachos “ex vi” do artigo 613º, nº 3, do CPC). M) In casu, o Tribunal a quo não apreciou, na totalidade, a questão relativa ao valor da caução a prestar, tal como concretamente configurada pela ... Portugal, nem especificou os fundamentos, de facto e de Direito, em que assentou a decisão recorrida.
N) Com efeito, nas alegações do recurso da Douta Sentença, a ... Portugal requereu a atribuição de efeito suspensivo ao mesmo, tendo para o efeito oferecido caução no montante de EUR 59.809,00 e explicitado os motivos pelos quais ofereceu este valor e o seu cálculo, e manifestado expressamente a sua disponibilidade para prestar caução por outro valor reputado adequado pelo Tribunal a quo (cfr. ponto 66. das alegações de recurso da ... Portugal e Conclusão X), facto que o Tribunal a quo deveria forçosamente de ter em conta aquando da prolação do Douto Despacho recorrido.
O) Caso o Tribunal a quo entendesse que o valor oferecido a título de caução não era idóneo ou adequado, caber-lhe-ia determinar o montante que, no seu entendimento, seria apto a cobrir o risco associado ou, no limite, caso existisse dificuldade na fixação da caução, o Tribunal a quo poderia ter observado os trâmites processuais constantes do artigo 650.º do CPC), por forma a apurar e fixar o valor adequado para a caução.
P) Destarte, o certo é que o Tribunal “a quo” não tomou em consideração o facto de a ... Portugal se ter disponibilizado para prestar caução por valor superior ao inicialmente oferecido, não existindo por parte do Tribunal a quo qualquer pronúncia sobre este facto, nem explicitação dos fundamentos específico que levaram à não admissão da caução oferecida.
Q) Assim, e apesar de a lei lhe exigir uma pronúncia sobre a concreta caução a ser prestada, em especial determinando ou ordenando a determinação do seu valor – caso tenha dificuldade em fazê-lo por si –, o Tribunal a quo limitou-se a indeferir o incidente de prestação de caução e, consequentemente, a indeferir a atribuição de efeito suspensivo ao recurso da Douta Sentença interposto pela ... Portugal.
R) Padece, assim, o Douto Despacho recorrido de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos, de facto e de Direito, em que assentou a decisão proferida, bem como por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 613º, nº 3, do CPC, o que se requer para todos os efeitos legais.
S) Em consequência, deverá o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que não padeça dos vícios suscitado e que determine o concreto valor a prestar pela ... Portugal a título de caução, no limite, o valor peticionado pela ...H a título de indemnização de clientela e, consequentemente, fixar efeito suspensivo ao recurso por esta interposto da Douta Sentença final.
T) O valor de EUR 59.809,00 proposto pela ... Portugal para a prestação de caução afigura-se idóneo, adequado e, sem conceder quanto ao demérito da condenação, conforme ao raciocínio expendido na aludida Douta Sentença quanto aos critérios a considerar no cálculo da (putativa) indemnização de clientela, pelo que se requer que o mesmo seja aceite por este Douto Tribunal, por forma a que seja fixado efeito suspensivo ao recurso interposto da Douta Sentença pela ora Recorrente.
 U) Sem prejuízo do acabado de referir e como igualmente alegado, a ... Portugal manifestou-se disponível e, reitera-o, mantendo-se disponível, para prestar caução por um valor distinto e superior ao inicialmente oferecido, até ao limite dos EUR 692.866,00 peticionados nos autos (sem que tal implique, repete-se, um reconhecimento do direito invocado pela Recorrida à atribuição de indemnização de clientela).
V) Na verdade, na Douta Sentença, o Tribunal “a quo” julgou procedente o pedido de pagamento de indemnização de clientela à ...H, em montante a determinar ulteriormente em incidente de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC. W) Não obstante a ... Portugal entender que não é devida qualquer indemnização de clientela à ...H, o montante de uma hipotética indemnização nunca poderá ascender ao limite do valor peticionado pela ...H, ou seja a EUR 692.866,00 (cfr., designadamente, pág. 95 da Douta Sentença).
X) O Tribunal a quo considerou que o montante da indemnização de clientela deverá ser apurado com recurso à equidade, tendo como limite máximo um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada com base na média do rendimento líquido (deduzidos os montantes referentes a todos os encargos suportados com o exercício da atividade de concessionário) auferido pelo concessionário nos últimos 5 anos, considerando apenas a atividade comercial relativa aos contratos de concessão ... em discussão nos presentes autos – os contratos de concessão de Leiria e das Caldas da Rainha que iniciaram os seus efeitos em 01/10/2008 e cessaram efeitos em 30/09/2013 -, e não, obviamente, a atividade global ou agregada da ...H.
Y) Tal significa que, em tese e sem conceder em qualquer caso, o valor de uma putativa indemnização de clientela no caso sub judice será sempre manifestamente inferior ao montante peticionado pela ...H, o qual teve por referência a margem bruta da totalidade da sua atividade, que incluiu outros proveitos, contratos que não os celebrados com a Recorrente, relações comerciais e outros negócios e/ou investimentos, bem como períodos temporais que não correspondem aos da duração dos contratos dos autos – de 01/10/2008 a 30/09/2013 (cfr. Docs. 12 e 13 juntos com a P.I.). Z) Destarte, não se pode afastar a hipótese, ainda que académica, de a ...H formular pedido de montante mais elevado (ainda que até ao limite dos EUR 692.866,00) num eventual incidente de liquidação (cfr. artigos 358.º e seguintes do CPC), tendo em vista a posterior execução, ainda que provisória, da Douta Sentença recorrida, pedido esse que, contudo, sempre seria inadmissível.
AA) Tal pedido e incidente poderão revelar-se não só prematuros, como absolutamente inúteis, na medida em que se fundariam numa condenação não definitiva, porquanto passível de revogação através do recurso da Douta Sentença interposto pela ... Portugal.
BB) A atribuição de efeito meramente devolutivo a esse recurso, bem como a dedução do aludido incidente de liquidação e a execução, ainda que provisória, da Douta Sentença na pendência do recurso podem causar à Recorrente prejuízos consideráveis. Nomeadamente, são passíveis de causar elevados danos à imagem, bom nome e reputação da ... Portugal e da marca ..., as quais, como constitui facto público e notório e assim foi igualmente entendido pelo Tribunal “a quo”, gozam de uma elevada e reconhecida reputação (cfr. Factos Provados 186. e 187. da Douta Sentença).
CC) Prejuízos sérios esses que ainda se adensariam mais se se tiver presente que estão em causa procedimentos judiciais em que vigora a regra da publicidade, tanto no que respeita ao incidente de liquidação, como a uma eventual posterior ação executiva para pagamento de quantia certa na pendência de recurso interposto de sentença dada à execução. De facto, a publicidade de tais procedimentos, designadamente através das pautas de distribuição disponíveis nos sites oficiais do Ministério da Justiça e no Citius, bem como nos locais de afixação de estilo, não revela detalhes do caso concreto ou da sua tramitação, designadamente o facto de a sentença dada à execução ter sido impugnada através de recurso e, consequentemente, poder ser revogada.
DD) A publicidade da instauração de uma ação executiva contra a ora Recorrente é, com elevada probabilidade e à luz da percepção do cidadão médio normal (bonus pater familias), passível de ser negativamente interpretada e conduzir mesmo à divulgação de informação inexata ou deturpada a respeito da Recorrente ou da sua conduta, conhecida pelo pleno cumprimento dos seus deveres e obrigações, pelo integral respeito dos seus parceiros, da sua rede de distribuição, trabalhadores e colaboradores, instituições de crédito, e demais operadores económicos e interessados com quem interage no exercício da sua atividade.
EE) Tais riscos são ainda mais sérios se se tiver em consideração a muito fácil e também muito rápida divulgação, e mesmo desvirtuação, de factos que se verifica no período atual, designadamente devido aos meios utilizados, como a internet e os media. Tais riscos ganham ou podem ganhar ainda maior escala quando estão em causa entidades e marcas com elevada reputação, notoriedade e prestígio como é o caso da Recorrente e da ....
FF) Qualquer situação que possa ser divulgada e/ou interpretada incorretamente ou de forma não exata, ainda que não intencionalmente, é, pois, passível de causar prejuízos significativos e irreparáveis ao bom nome, notoriedade e reputação da Recorrente, da marca ... e igualmente de entidades que integram o grupo ..., com consequências patrimoniais seríssimas que, por conseguinte, deverão e podem ser evitadas, e que dificilmente poderiam ser compensadas ou eliminadas, cabalmente e de forma célere, nomeadamente pela ...H.
GG) Por outro lado, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso da Douta Sentença recorrida mediante a prestação de caução adequada e idónea não afetará as garantias do eventual recebimento de uma putativa indemnização de clientela por parte da ...H, caso os tribunais superiores venham a considerar que a mesma lhe é devida, hipótese esta que, uma vez mais, se suscita por motivos de elevada cautela de patrocínio e sempre sem conceder.
HH) Está, por isso, a ... Portugal disposta a oferecer e a prestar garantia adequada a cobrir este risco.
II) O valor oferecido pela ... Portugal - EUR 59.809,00 - foi calculado com base no raciocínio e fundamentação plasmados na Douta Sentença (cfr. pág. 95), e corresponde à média do resultado líquido dos exercícios da ...H indicados no Doc. 59 da P.I., referentes ao período compreendido entre 2009 e 2012, inclusive, únicos anos para os quais constam dos autos dados, ainda que agregados e, consequentemente, não respeitantes apenas à atividade de concessionário ....
JJ) Esclarece-se que não se atendeu ao exercício de 2008, na medida em que os dois contratos de concessão ... iniciaram os seus efeitos em 01/10/2008, ou seja, no último trimestre desse mesmo, não se dispondo, como referido, de dados desagregados, nem se atendeu ao exercício de 2013, ano em que os aludidos contratos cessaram todos os efeitos - mais concretamente em 30/09/2013 – pois não constam dos autos quaisquer elementos a esse respeito.
KK) O referido valor foi e é indicado apenas a título de raciocínio para efeitos de prestação de caução ao abrigo do artigo 647º, nº 4 e seguintes do CPC, considerando os parcos elementos disponíveis nos autos (sendo que recaía sobre a ...H o ónus da alegação e prova).
LL) A caução oferecida no valor de EUR 59.809,00, acima indicado, ou de outro que este Tribunal repute adequado com base no raciocínio acima expendido e vertido na Douta Sentença destina-se a obter a fixação de efeito suspensivo ao recurso da Douta Sentença, nos termos do artigo 647º, nº 4 e seguintes do CPC, e, consequentemente, a obstar, assim, à instauração do incidente de liquidação previsto nos artigos 358º e seguintes do CPC, bem como de ação executiva com base em decisão proferida na presente ação, mantendo-se a mesma em válida e em vigor até ser revogada a sentença proferida pela 1ª instância, reduzindo-se a mesma se a revogação for parcial, ou até ao trânsito em julgado da eventual decisão final que venha a ser proferida em incidente de liquidação previsto nos artigos 358º e seguintes do CPC, se for o caso, consoante o que ocorrer em primeiro lugar.
MM) Neste contexto, reitera-se a disponibilidade da Recorrente para prestar caução por um valor distinto que o Tribunal venha a reputar de adequado, até ao montante máximo peticionado nos autos de EUR 692.866,00, sem que tal implique um reconhecimento de qualquer direito da ...H à atribuição de indemnização de clientela, tudo nos termos do arts. 647º, nº 4, 648, 649º e 650º do CPC, sob pena de violação dos citados preceitos legais.
A apelada não apresentou contra alegações.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida a decisão deste tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
As questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se (1) o despacho recorrido padece de nulidade, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e b), do C. P. Civil (conclusões J a S) e se (2) deve ser admitida a prestação de caução (conclusões T a FF).
Vejamos.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se o despacho recorrido padece de nulidade, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. d) e b), do C. P. Civil.
A decisão recorrida, para além do relatório respectivo, consubstancia-se nos seguintes fundamentos e decisão “Considerando o valor peticionado pela A quanto à indemnização de clientela (€ 692.866,00) o valor manifestamente baixo da caução proposta por referência àquele valor e a oposição da A quanto ao valor proposta, não admito a caução pelo valor de e, em consequência fixo ao recurso o efeito devolutivo”.
Importa, antes de mais referir que a requerida prestação de caução se configura como um verdadeiro incidente, com valor próprio, como dispõe o n.º 2, do art.º 304.º, do C. P. Civil, que é processado por apenso (e não no processo principal), como dispõe o n.º 1, do art.º 915.º, do C. P. Civil, se necessário com a extração de traslado, como dispõe o n.º 2, do art.º 650.º, do C. P. Civil, devendo sempre separar-se a prestação de caução (no apenso) da fixação de efeito ao recurso (no processo principal).
Isto posto, atenta a conformação jurisprudencial da nulidade de falta de fundamentação das decisões judiciais, segundo a qual a nulidade de falta de fundamentação, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil, só ocorre quando a fundamentação seja omitida, inexistindo, e não quando a mesma seja parca ou mesmo insuficiente[1], podemos desde já afirmar que o despacho recorrido não enferma deste vício, uma vez que a decisão de não admissão de prestação de caução encontra fundamento em três pressupostos explícitos, a saber, o valor pedido, o valor oferecido e a oposição da A, e num pressuposto implícito, qual seja, a admissão da alegação da apelante requerente no sentido de que a execução da sentença recorrida na pendência do recurso lhe poderia causar prejuízos consideráveis, com danos na imagem, bom nome e reputação.
O mesmo não acontece, todavia, em relação ao vício/nulidade de omissão de pronúncia, previsto na al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil.
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. d) que “1. É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Ora, a apelante requerente, tendo indicado um primeiro valor (€ 59.809,00) para a prestação de caução, indicou claramente um segundo valor (€ 692.866,00), para o caso desse primeiro não ser considerado o valor a caucionar em face da sentença recorrida, e o despacho recorrido decidiu apenas em relação ao primeiro, olvidando o segundo.
A decisão recorrida enferma, pois, da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil, a ser declarada concomitantemente com a decisão do objeto da apelação, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 665.º, do mesmo Código, o que nos conduz ao conhecimento da segunda questão da apelação.
2) Quanto à segunda questão da apelação, a saber, se deve ser admitida a prestação de caução.
Dispõe o n.º 4, do art.º 647.º,do C. P. Civil que “… o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal”.
Não estando em causa nesta apelação, por ser pacífico nos autos, que a execução da decisão recorrida é susceptível de causar prejuízo considerável à apelante, a admissão da caução oferecida fica dependente apenas da sua idoneidade em face da sentença recorrida.
No seu requerimento propôs a apelante prestar “A caução oferecida no valor de EUR 59.809,00, acima indicado, ou de outro que este Tribunal repute adequado com base no raciocínio acima expendido e vertido na Douta Sentença recorrida, será prestada através de depósito bancário em conta aberta em instituição de crédito a operar em Portugal, mais concretamente no … Bank AG - … o que a Recorrente fará prontamente no prazo que vier a ser estipulado pelo Tribunal (cfr. arts. 647º, nº 4 e segs. do CPC” e nesta apelação mantém também o seu pedido de prestação de caução “…até ao montante máximo peticionado nos autos…”.
A apelada não respondeu ao pedido da apelante e a instâncias do tribunal a quo para o fazer, no âmbito da tramitação do processo principal[2], pronunciou-se no sentido de entender como adequado o valor de € 692.866,00, correspondente ao valor do pedido relativo à indemnização de clientela em que a apelante foi condenada em quantia a liquidar.
Atenta a natureza da condenação, em quantia a liquidar em execução de sentença, afigura-se-nos inadequado à prestação de caução o valor de € 59.809,00 pelo fato de o mesmo resultar de um exercício antecipado, inseguro e unilateral em relação à própria liquidação, a que nem sequer podemos apelidar de provisório.
Essa como outras estimativas, não passará disso mesmo, faltando-lhe objetividade para serem consideradas adequadas ao fim em vista.
Como resulta do princípio geral consagrado no n.º 1, do art.º 609.º, do C. P. Civil e a própria apelante reconhece, o único valor objetivo para a prestação de caução é o valor do pedido em causa, a saber, € 692.866,00, por ser esse o limite da condenação e liquidação.
Na ausência de qualquer outro será esse o valor a caucionar para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do disposto na parte final do n.º 4, do art.º 647.º e n.º 2, do art.º 650.º, do C. P. Civil.
Procede, pois, esta questão e com ela a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, fixar-se à caução o valor de € 692.866,00, a qual será prestada como proposto na conclusão X) da apelação da sentença, no prazo de quinze (15) dias, com a tramitação pelo tribunal a quo do respetivo incidente, como previsto no n.º 1, do art.º 915.º, do C. P. Civil.
Logo que a caução se mostre prestada será fixado o efeito suspensivo à apelação da sentença.
C) SUMÁRIO
1. A prestação de caução para fixação de efeito suspensivo ao recurso, prevista no n.º 4, do art.º 647.º, do C. P. Civil, configura-se como um verdadeiro incidente, com valor próprio, como dispõe o n.º 2, do art.º 304.º, do C. P. Civil, que é processado por apenso, como dispõe o n.º 1, do art.º 915.º, do C. P. Civil, se necessário com a extração de traslado, como dispõe o n.º 2, do art.º 650.º, do C. P. Civil, devendo separar-se a prestação de caução (no apenso) da fixação de efeito ao recurso (no processo principal).
2. O valor da caução a prestar para fixação de efeito suspensivo à apelação de sentença condenatória em quantia a liquidar deve corresponder ao valor do pedido, por ser esse o limite da condenação e liquidação.
 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido, fixando-se à caução o valor de € 692.866,00, a qual será prestada como proposto na conclusão X) da apelação da sentença, no prazo de quinze (15) dias, com a tramitação pelo tribunal a quo do respetivo incidente, como previsto no n.º 1, do art.º 915.º, do C. P. Civil.
Logo que a caução se mostre prestada será fixado o efeito suspensivo à apelação da sentença.
Custas pela apelante (atento o proveito e o decaimento).

Lisboa, 24-02-2022
Orlando Santos Nascimento
Maria José Mouro
José Maria Sousa Pinto
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[1]   RT, ano 86, pág. 38; Ac. S. T. J. de 1/3/1990, B. M. J. n.º 395, pág. 479 e Ac. R. L. de 1/10/1992, in Col. J. 1992, tomo 4, pág. 168 e de 10/03/1994, in Col. J. 1994, tomo 2, pág. 83, entre outros. 
[2] Tendo sido interposto recurso deste despacho, foi julgado improcedente nesta Relação, com fundamento na sua irrecorribilidade, nos termos do disposto n.º 1, do art.º 630.º do C. P. Civil.