Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA LEGITIMIDADE PASSIVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2021 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio. II - Quando, não tendo sido demandado nem citado, e após a citação dos Réus condóminos que votaram favoravelmente a deliberação sob impugnação, intervém espontaneamente nos autos o condomínio, apresentando contestação e posteriores pronúncias, sem que o tribunal as desentranhe, o tribunal, ao convidar o autor a esclarecer ou rectificar quem quer demandar, tem de informar qual é a sua posição na questão controvertida da legitimidade passiva. III - O despacho em causa é de gestão processual e sem a informação da posição que o tribunal vai adoptar, a decisão final que absolve os condóminos réus e considera o Condomínio como não parte, determinando o termo do processo, acaba a constituir decisão surpresa, em manifesto prejuízo da economia processual. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório E.., LDA, veio instaurar a presente acção de anulação de deliberação de assembleia de condóminos contra A… e I…, A… Lda, A…, A…, D…, F… – Unipessoal, Lda, J…, J…, J… J…, M… e M…, Q…, R…, representados para este efeito pelos Administradores do Condomínio A…, F… Unipessoal, Lda e J…, peticionando a final a anulação, por ilegal, da “deliberação tomada na assembleia do condomínio R. de 21/04/2018, ponto 3 (na convocatória, ponto 4)” e a condenação “da R.” em custas e procuradoria. Em síntese, alegou que os Réus acima identificados votaram favoravelmente, em 21 de Abril de 2018, em assembleia geral do Condomínio T… sito na Rua …, a deliberação pela qual foi proibida a utilização do logradouro do prédio por parte dos utilizadores (proprietários, locatários, etc) das frações comerciais do prédio em causa, designadamente para instalar esplanadas, deliberação que a Autora, que é proprietária da fração do prédio do condomínio em causa, designadamente a LOJA … sita no R/C com entrada pela Rua …, não tendo estado presente nem representada, não votou favoravelmente. Tal deliberação “padece de várias ilegalidades”. A saber: - Quanto à convocatória, e sobre os pontos da ordem de trabalhos, “apenas referia que (…) os condóminos se iriam pronunciar sobre a regulação da utilização do espaço comum onde se encontram as esplanadas”, não se podendo retirar que poderia estar em causa a “proibição de instalação das esplanadas”; proibição que “implicaria uma alteração ao Regulamento do Condomínio, referência a que a convocatória é completamente omissa” ; “Assim como é completamente omissa, como impõe o n.º 2 do artigo 1432 do CC, que a deliberação em causa (alteração do Regulamento mediante a proibição de instalação de esplanadas) só pode ser aprovada por unanimidade dos votos” - Quanto à data e hora da assembleia, “a assembleia estava convocada para reunir no dia 21/04/2018 às 10h em primeira convocatória e às 10.30 do mesmo dia em segunda convocatória; (...) Esta forma de convocação, ainda que habitual e até transposta para o regulamento, é ilegal por violar a norma imperativa constante do n.º 4 do artigo 1432º do Código Civil”. - Quanto à falta de quórum, estando “a utilização do logradouro para instalar esplanadas” regulada “no Anexo II ao Regulamento do Condomínio”, “A revisão das normas constantes deste regulamento tem de obedecer ao disposto nas disposições conjugadas do artigo 3º e n.º 5 do artigo 13º ambos do regulamento do condomínio; isto é,(…) Qualquer alteração tem de ser aprovada por unanimidade de, pelo menos, 2/3 do capital investido; (…) No caso concreto, a deliberação foi tomada por unanimidade, mas os presentes votantes pouco mais eram que 1/3 do capital investido. - Quanto às partes comuns, constando da “escritura de constituição da propriedade horizontal (…) expressamente que o prédio é constituído, entre outros, pelo piso zero para comércio com um logradouro público composto por uma galeria a sul com oito lojas (…) Desde logo avulta que a qualificação jurídica de espaço público da zona onde se encontra instalada as esplanadas subtrai da disponibilidade do Condomínio a regulação deste espaço mediante deliberações ou inclusão de regras específicas no Regulamento do Condomínio. A “deliberação tomada pelo condomínio e referida acima é assim ineficaz perante a A, por não encontrarem respaldo nos artigos 1429-A e 1430º Do Código Civil” ,ou dito de outro modo, os RR. “regularam sobre partes que não são comuns e que a lei não lhe concede poderes para tal”. Finalmente, a “loja da A, assim como as restantes lojas, são lojas pequenas cuja afetação está prevista para restauração (…); (…) A exploração económica da mesma como restaurante só é viável se o mesmo tiver uma esplanada; (…) O que, conforme já vimos, sempre esteve previsto acontecer e daí o cuidado com que a regulamentação das esplanadas foi efetuada logo aquando a elaboração do Regulamento. Assim, a deliberação impugnada é “claramente desproporcionada entre a vantagem auferida pelo condomínio e o sacrifício imposto aos proprietários ou lojistas, o que as torna nulas por terem sido tomadas em Abuso de Direito. * Veio aos autos contestação. No formulário próprio estão indicados os nomes de todos os Réus. E a contestação inicia-se: “CONDOMÍNIO T…, com o NIPC (…) representado pelos sues Administradores (….) citado para os termos da presente ação de anulação de deliberação de assembleia de condomínio, vem apresentar a sua CONTESTAÇÃO (…). Na sua contestação, o Condomínio pronuncia-se sobre todos os motivos invocados pela Autora, e conclui: “(…) seja julgada improcedente a presente ação e, em consequência, seja o R. absolvido do pedido”. A contestação mostra-se extensamente instruída com documentos. A fls 181, intervém nos autos juntando procuração, a Ré J…. A fls. 183 e com data de 3.12.2019, o tribunal, dando conta que foram citados os Réus indicados pela A., “de forma individual e como proprietários das respectivas fracções”, e dando conta que a “contestação (…) é do Condomínio T…”, determina a notificação da A. para “explicitar e rectificar se for caso disso quem é que efectivamente pretende demandar considerando desde logo, a finalidade última pretendida e declarada na ação (…)”. Por requerimento de 27.12.2019 a A. vem invocar que demandou os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que impugna, e andou bem ao indicar que os mesmos condóminos se encontravam representados por administradores, “cumprindo assim, por um lado, o disposto na al. e) do artº 12 e no nº 2 do artº 33, ambos do CPC e, por outro lado, o disposto no nº 6 do artº 1433º do CC”. Veio o Condomínio T…, “ao abrigo do princípio do contraditório”, no sentido de que a mais recente jurisprudência comete a legitimidade passiva ao Condomínio, e que portanto deverá “a exceção dilatória de ilegitimidade passiva ser julgada procedente, e serem os Réus demandados absolvidos da instância”. O tribunal de primeira instância passa a proferir saneador, nos seguintes termos: “(…) No caso em apreço, a A. veio demandar 15 RR., a maioria deles, pessoas singulares, mas também algumas pessoas colectivas, referindo que esses RR. estariam representados pelos administradores do condomínio que indica, nunca identificando “Condominio T…”. Na apresentação da acção identifica-a como acção de processo comum de anulação de deliberação de assembleia de condomínio. Foram todos os RR. citados, vindo a fls. 83 e seguintes um Condominio T… apresentar a sua contestação, nos termos da qual se defendeu e desde então tem vindo ao processo, assim se designando como parte. Notificada a A. sobre quem contestou na presente acção e o facto de ter demandado 15 RR. quando pretende a anulação de deliberação do órgão Assembleia de Condominos veio a mesma a fls.184 e seguintes manter a sua Pi nos exactos termos em que o fez, o que justificou a resposta do “Condominio T…” a fls. 188 e seguintes”. II-Cumpre apreciar e decidir: O conceito de legitimidade encontra-se fixado no art. 30 do CPC, no qual se determina que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, que o interesse directo em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que da procedência possa advir e ainda que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Antes de mais sabemos que a A. enquanto condómina pretende a anulação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a qual como órgão colectivo tem a representação da gestão do condomínio, sendo a voz organizada de todos os proprietários de fracção. É a vontade do condomínio e não a vontade de cada um dos condóminos que está presente na votação deliberativa e que tem efeitos legais nesta organização condominial. A deliberação exprime a vontade da maioria. A deliberação é do órgão e não de cada um dos condóminos. É verdade que a redacção do artigo 1433-nº4 do CCivil é anterior à reforma de 1994 e não foi objecto de actualização, mas a solução para esta questão passa por uma interpretação actualista uma vez que ao tempo - DL 267/94, de 25/10 – o condomínio não gozava de personalidade judiciária, e não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível. No entanto a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6º- e agora 12º- a personalidade judiciária ao condomínio. Por sua vez o art. 231º-nº1 -agora 223º-nº1 e 26º - cuja redacção deriva da mesma Reforma, estabeleceu que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). O condomínio é a parte, legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorrecto, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador. Neste sentido no art. 1433º-nº6 do CCivil, a expressão condómino deve ser substituída pela palavra condomínio, numa necessária e fundamenta interpretação actualista. A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos –art.s 1431º e 1432º, ambos do CCivil - órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal - art. 1430º-nº1 do CCivil, sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos –art.s 1435º a 1438º, todos do CCivil. A deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos. Deverá então ser o condomínio vinculado pela deliberação, o demandada em acção em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação. É esta a posição que tomamos seguindo diversas posições doutrinárias e jurisprudência mais recente, nos seguintes termos: (…) Face a todo o exposto e conhecendo oficiosamente a excepção de ilegitimidade passiva no caso em apreço, diremos que “Condominio T…” não foi demandado na presente acção e não é parte. Os demandados na presente acção, são: (…) Estes RR. foram demandados na presente acção, mas quem contestou foi “C…” que não foi demandado e não pode ser considerado como parte no presente pleito. A legitimidade das partes, constitui um pressuposto processual e uma condição que deve estar reunida para poder viabilizar a ponderação do mérito da causa. Via de regra, ocorrerá obstáculo a que o tribunal julgue a acção procedente ou improcedente se esse requisito estiver ausente. Essa ausência constitui uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância-art.278-nº1d)-art.577º-e)-art.578º--art595º, todos do CPC. III-Decisão. Face a todo o exposto e conhecendo oficiosamente a excepção de ilegitimidade passiva no caso em apreço, diremos que “Condomínio T…” não foi demandado na presente acção e não é parte e os demandados na presente acção são parte ilegítima passiva, na presente acção declarativa sob a forma comum de anulação da deliberação de condomínio, pelo que absolvo todos os RR. demandados da presente Instância processual. Custas pela A. (…)”. Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A) O douto tribunal a quo decidiu mal ao determinar a absolvição da instância por ilegitimidade passiva dos Réus; B) O entendimento do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação no contexto de um condomínio, nomeadamente que a mesma “é a vontade do condomínio e não a vontade de cada um dos condóminos” é errada, estreita e reducionista e não tem respaldo na realidade fáctica; C) Em oposição ao entendimento falacioso por simplificação excessiva do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação, entende a Recorrente que a mesma deve ser caracterizada tendo em conta todas as suas propriedades - o que inclui, naturalmente, os condóminos – pelo que, ao invés de ser entendida como uma realidade “além-condóminos”, deve ser vista como “uma vontade colectiva emergente das vontades singulares que para ela contribuíram, configurando-se com uma dimensão e um sentido autónomo e que, na sua interpretação e compreensão intelectual, deve ser assumida como uma realidade participada”12 - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 42/16.4 T8VLN.G1, (…)”; D) Além disso, resulta que o entendimento do douto tribunal a quo sobre aquilo que é uma deliberação é também errado, porquanto o mesmo nem tem em consideração que, numa relação condominial, existem “temas ou assuntos que dizem respeito à esfera própria e geral do condomínio e esta é, ou está, adstrita ao foro do administrador, e aqueloutros que rescendendo ou reverberando das questões concretas relativas a temas especificas da vivência condominial se inscrevem na esfera de interesses dos próprios condóminos e a estes devem ser assacadas”13 Ibidem; E) Além da errada noção de deliberação, também andou mal o douto tribunal a quo ao expressar o entendimento de que a “reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6º- e agora 12º- a personalidade judiciária ao condomínio” e que, nessa medida “[o] condomínio é a parte, legítima, assumindo o administrador o papel de representante (…)”; F) Este entendimento é errado e colide directamente com a própria letra da lei que, na al. e) do art.º 12.º do CPC, de maneira muito clara e sem qualquer tipo de ambiguidade, dispõe que tem personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”; G) Ou seja, que o condomínio só pode ser demandado em acções respeitantes às partes comuns do edifício, conforme bem denota o n.º 2 do art.º 1347.º do CC; H) Nesta medida, parece que o douto tribunal a quo confunde personalidade judiciária com capacidade judiciária, pois que não atentou com atenção o disposto na al. e) do art.º 12.º do CPC, que literalmente refere que pese embora seja atribuída legitimidade processual ao condomínio, existem casos – como o presente – em que lhe falta capacidade processual, ou seja, falta-lhe a susceptibilidade de estar, pessoal e livremente em juízo – razão pela qual a legitimidade processual passiva recai sobre os condóminos. I) Assim sendo, não se compreende como é que o douto tribunal a quo pode ter o entendimento contra legem de que da al. e) do art.º 12.º do CPC resulta uma norma de atribuição de personalidade judiciária sem limites; J) Como melhor explicou o Tribunal da Relação do Porto: “Sendo a personalidade judiciária atribuída ao condomínio restrita às acções que se inserem nos poderes do administrador (art. 12º, al. e), do CPC), prevendo a lei substantiva que este seja demandado nas acções respeitantes às partes comuns (art. 1437º, nº 2, do CC), aludindo o nº 6 do artigo 1433º, também do CC, aos condóminos contra quem são propostas as acções, e em nenhum preceito se referindo expressamente a legitimidade passiva do condomínio para as acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, essa legitimidade radica nos condóminos, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que para o efeito a assembleia designar.”14 (14 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1440/14.3TBSTS.P1, (…); K) Andou mal também o douto tribunal a quo ao não ter sequer aplicado o disposto no art.º 30.º do CPC, que é a norma que versa especificamente sobre legitimidade processual e que dispõe que é considerada parte legítima quem, do lado activo, “tem interesse directo em demandar” e, do lado passivo, “tem interesse directo em contradizer”, sendo que nos termos do seu n.º 2 “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”; L) Se tivesse aplicado a referida norma certamente que a decisão do Douto Tribunal a quo seria diferente, pois que nunca se poderia defender que quem tem interesse directo em contradizer é o condomínio, uma vez que o que subjaz à acção de impugnação de deliberação de condomínio é, de um lado, um ou vários condóminos que pretendem destruir uma deliberação e, do outro lado, outros condóminos que pretendem que a deliberação se mantenha, em consonância com as suas vontades, pelo que, sendo pretensão dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que a mesma permaneça na ordem jurídica, óbvio é que são eles que têm o interesse directo em contradizer, e não o condomínio que até pode ter um interesse em não contradizer, o que choca directamente com as referidas normas previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 30.º do CPC. M) Como melhor explicou o Tribunal da Relação de Guimarães: “Na verdade, as ações de anulação de deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra os condóminos porque são eles que têm interesse em contradizer a posição de quem visa destruir os efeitos de uma decisão relativa ao interesse comum subjacente àquelas deliberações, só fazendo sentido uma decisão judicial de anulação de um ato que a todos obriga igualmente se for oponível a todos os condóminos, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo”15 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 130/15.4T8MTR.G1, (…)”; N) Andou mal o douto tribunal a quo ao decidir que “(…) no art. 1433º-nº6 do CCivil, a expressão condómino deve ser substituída pela palavra condomínio, numa necessária e fundamenta interpretação actualista”, pelo que “[d]everá então ser o condomínio vinculado pela deliberação, o demandada em acção em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação”; O) Andou mal porque bastou-se a concluir que o referido n.º 6 do art.º 1433.º do CC teria de ser interpretado actualisticamente, mas não se dignou a apresentar as justificações e fundamentos que suportam tal tomada de posição, não sendo de todo autoevidente que tal norma requer uma interpretação actualista, pelo que, não tendo o douto tribunal a quo cumprido com o dever de fundamentação é a sentença nula nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC; P) Além da ausência de fundamentação, andou também mal o douto tribunal a quo ao aplicar a referida teoria actualista, já que esta é uma teoria inválida, não só por ser desnecessária à luz do nosso regime jurídico que já é completo e coerente, mas também por se encontrar enfermada por duas falácias argumentativas graves que inquinam a lógica que lhe subjaz; Q) O nosso regime jurídico positivo, ou constituído, é suficiente e apto a regular este tema que versa sobre as acções de impugnação de deliberações de condomínio, prevendo regras que abarcam a totalidade das possíveis situações jurídicas que podem emergir e delimitando os diferentes campos de aplicação das matérias referentes aos diferentes sujeitos que intervém nesta realidade complexa que é a relação condominial; R) Tanto é assim que basta atentar, conjuntamente, a al. e) do art.º 12.º do CPC com o n.º 2 do art.º 1437.º do CC para que se retire a conclusão de que, não tendo o condomínio personalidade judiciária para ser demandado em acções que não se insiram no âmbito dos poderes do administrador; não sendo um poder do administrador a aprovação de deliberações, e não sendo a acção de impugnação de deliberações respeitante às partes comuns do edifício, a única solução é a de que a legitimidade passiva para ser demandado na presente acção cabe aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação; S) Ou seja: a al. e) do art.º 12.º do CPC não veio alterar nada que não resultasse já do regime substantivo, sendo apenas uma mera expressão adjectiva do n.º 2 do art.º 1437.º do CC; T) Como bem refere o Supremo Tribunal de Justiça: “Sendo assim, como nos parece, é claro que, apesar da reformulação do Art.º 6 do C.P.C. e da sua nova alínea e), não havia necessidade de actualizar a redacção do então nº4 (hoje nº6) do Art.º 1433 do C.C. Aquela reformulação limita-se a ser a expressão processual do que já resultava do Art.º 1437 do C.C.”16; (16 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 06A2913, (…); U) Daí que seja bastante claro que quando a norma constante do n.º 6 do art.º 1433.º do CC refere “condóminos”, ela de facto quer dizer “condóminos” e não “condomínio”, já que só assim se mantém a coerência entre esta e as normas constantes da al. e) do art.º 12.º do CPC e do n.º 2 do art.º 1437.º do CC; V) Isto é: uma interpretação actualista do n.º 6 do art.º 1433.º do CC é inútil e desnecessária, já que da conjugação do n.º 6 do art.º 1433.º do CC, da al. e) do art.º 12.º do CPC e do o n.º 2 do art.º 1437.º do CC, resulta um regime jurídico coerente, que delimita sem qualquer sobreposição, nem necessidade de interpretações aliterais, as dimensões em que o condomínio tem legitimidade processual passiva e aquelas em que, contrariamente, é aos próprios condóminos que tal legitimidade assiste; W) Aliás, bem vistas as coisas, defender a interpretação actualista da palavra “condóminos” para “condomínio” é atentador da coerência do nosso sistema jurídico e directamente violador do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 9.º do CC, que obriga a que a interpretação tenha em conta a “unidade do sistema jurídico” e que o intérprete presuma “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; X) A teoria actualista defendida na douta sentença recorrida incorre numa falácia argumentativa ao criar uma falsa dicotomia pela propugnação da existência de um momento antes da deliberação e um momento depois da deliberação, somente para poder concluir que, estando a deliberação aprovada, a mesma reporta-se ao órgão e não aos condóminos que constituem o órgão; Y) Esta falsa dicotomia criada é problemática porque na realidade tal divisão artificial não existe, já que a deliberação provém, quer seja antes ou depois da sua aprovação, dos condóminos que a votaram favoravelmente, sendo essa a razão pela qual o n.º 1 do art.º 1433.º do CC expressamente prevê que a acção de impugnação de deliberação de condomínio tem de ser intentada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação; Z) O argumento base que subjaz a teoria actualista defendida na douta sentença recorrida é uma mera petição de princípio, porquanto o mesmo, de forma circular, assume a conclusão nas premissas, ao fazer depender a veracidade da conclusão (necessidade de interpretar actualisticamente por força da reforma de 1995/1996) da própria conclusão (necessidade de interpretar actualisticamente por força da reforma de 1995/1996); AA) Nesta medida, não se podendo atribuir, quer validade quer veracidade, a um argumento que assume a conclusão nas premissas, a única conclusão a retirar é que o mesmo apenas demonstra uma coisa: a sua própria injustificabilidade; BB) O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou quanto ao presente tema, em sede de recurso excepcional de revista por contradição de julgados entre acórdãos das Relações do Porto e de Guimarães, tendo decidido que 17 (17 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 22/11.6TBEPS.S1.G1 - 1.ª Secção, in Boletim Anual – 2014 – Assessoria Cível - Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, páginas 478 e 479, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf): “I - Fora do âmbito demarcado nos arts. 6.º, al. e), do CPC, e 1437.º do CC, e no que concerne à temática da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão da legitimidade não respeita directamente ao condomínio a se, antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a assembleia de condóminos. II - A impugnação das deliberações releva de uma relação entre condóminos, sendo, por isso, na sua titularidade, enquanto detentores de um direito pessoal de compropriedade e, por isso, mesmo com direito individual de voto na assembleia de condóminos, que radica a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação que nela seja assumida. III - Assim, no atinente à legitimidade activa para a acção impugnatória das deliberações, ela corresponde aos condóminos que não tenham votado a favor da sua aprovação, não sendo exigível uma actuação coligada, por ser legítima a defesa individual da respectiva posição perante a deliberação anulanda. IV - Da parte de quem devem ser chamados a intervir, na posição de demandado, ou seja, enquanto parte legítima (passiva), aqueles que, tendo estado presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação, votaram a favor da sua aprovação, e não também os presentes ou representados que se abstiveram nem os que não estiveram presentes nem representados, mesmo os que, posteriormente, nos termos do art. 1432.º, n.ºs 7 e 8, do CC, hajam comunicado por escrito o seu assentimento ou se hajam remetido ao silêncio.”; CC) Assim sendo, tendo já o Supremo Tribunal de Justiça decidido o dissenso entre as Relações e determinado que nas acções de impugnação de deliberação de condomínio é aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que assiste a legitimidade processual passiva, tal entendimento terá de ser tido em conta pela demais Relações, conforme dispõe o n.º 3 do art.º 8.º do CC, que prevê que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”; DD) Sem prejuízo das conclusões supra e por mero dever de patrocínio, certo é que o douto tribunal a quo deveria ter tomado em devida consideração o facto do Condomínio T… intervindo espontaneamente no processo, apresentando contestação e assumindo a qualidade de parte principal enquanto Réu; EE) De facto, pela intervenção espontânea do Condomínio e ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art.º 6.º do CPC que obriga a que o tribunal adopte “mecanismos de simplificação e agilização processual” e realize os “actos necessários à regularização da instância”, poder-se-ia ter aplicado o disposto no art.º 311.º do CPC, que visa precisamente assegurar a sanação da instância quanto às partes, nomeadamente quando falta uma parte principal. FF) Se assim tivesse acontecido, apenas teria havido absolvição da instância quanto aos condóminos, mas não quanto ao condomínio, o qual permaneceria como Réu até final, cumprindo-se assim o já referido dever de gestão processual na vertente da “realização dos atos necessários à regularização da instância”. Nestes termos (…) Deve ser dado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por uma que ordene o andamento dos autos contra os Réus condóminos, tal qual como configurado pela Recorrente, ou subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio, que determine que a instância se encontrava já regularizada quanto às partes pela intervenção espontânea e apresentação de contestação do Condomínio T…. Contra-alegou o Condomínio T…, formulando, a final as seguintes conclusões: 1. Não merece qualquer censura a douta sentença recorrida. 2. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar a deliberação como uma vontade em si mesma, surgida da votação e discussão em assembleia de condóminos, mas independente dela, com efeitos jurídicos próprios, uma vez que, sendo a deliberação oponível a todos os condóminos, a mesma passa a existir em si mesma, independentemente do total acolhimento ou cabal aceitação do sentido da mesma por número de condóminos que não constitui maioria, ou até mesmo para aqueles que tenham ingressado no condomínio em momento posterior ao da tomada de deliberação. 3. A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil). 4. Assim, a solução mais correta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação». 5. Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação atualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006. Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos. Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que: «(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio». (…) deve o recurso ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - a questão a decidir é, em primeiro lugar, saber se os RR. condóminos demandados são parte legítima, devendo a acção prosseguir contra eles, ou, assim não se entendendo, se deve a acção prosseguir contra o condomínio que já vem intervindo nos autos desde a contestação. III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede. IV. Apreciação Como acabamos de alinhar, a questão não é apenas a de saber quem é tem legitimidade passiva para ser demandado nas acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, mas também a de perceber se, não tendo nenhum dos réus originários contestado, e antes ter a contestação e todas as demais intervenções sido da autoria do Condomínio, qual é a consequência desta intervenção. Quanto à primeira questão, concedemos ao recorrente que ela não é pacífica, ainda hoje não é pacífica. Para exemplificar, uma pequena lista recente da casa (tudo consultável na dgsi): - acórdão desta Relação proferido no processo nº 7888/19.0T8LSB.L1-7 em 21.04.2020, tirado por maioria, com uma declaração de voto vencido: “i. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação. (…)”; - acórdão desta Relação proferido no processo 27383/19.6T8LSB.L1-8, em 23.04.2020: “1- A acção de impugnação da(s) deliberação(s) tomada(s) em Assembleia de Condóminos, deve ser intentada contra todos os condóminos que nela participaram e que votaram favoravelmente a deliberação(s). (…)”; - acórdão desta Relação proferido no processo nº 9441.17.3T8LSB.L1-2 em 11.07.2019: “As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito”; - acórdão desta Relação proferido no processo nº 26294/17.4T8LSB.L1-2 em 7.3.2019, com um voto de vencido e declaração de voto vencido: “X- A legitimidade processual passiva para as acções de impugnação das deliberações da AG dos condóminos pertence ao condomínio, representado em primeira linha pelo seu administrador (art. 1433/6 do CC)”. O ora relator subscreveu, enquanto segundo adjunto, o acórdão proferido em 26.9.2019 no processo 3209/19.0T8LSB.L1-6, também consultável na dgsi, cujo texto, por se nos afigurar cabalmente explicativo, vamos aqui reproduzir e integrar como nosso fundamento decisório. Apesar de se referir a um procedimento cautelar, é inteiramente aplicável a uma acção definitiva. Citamos: “3.- Se a decisão recorrida deve ser revogada, devendo a providência cautelar requerida prosseguir para apreciação e julgamento. A justificar o indeferimento liminar da providência pelos apelantes intentada, alinhou o tribunal a quo, no essencial, as seguintes considerações: “(…) Analisados os autos - em apreciação liminar - verifico que, tal como o procedimento cautelar está configurado, os condóminos são parte ilegítima para o procedimento, na medida em que o que está em causa é a impugnação de uma vontade colectiva dos condóminos, formalizada em assembleia. Com efeito, nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações da assembleia de condómino (e nas subsequentes acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos), o que está em causa, tecnicamente, é a pretensão de atacar uma determinada manifestação de vontade colectiva, formada em assembleia. Assim sendo, não ocorre litisconsórcio dos condóminos que votaram a deliberação, na medida em que as respectivas vontades individuais se fundem numa única vontade colectiva, ela sim, susceptível de impugnação. Os condóminos, enquanto participam na formação da vontade colectiva, fazem-no criando uma nova realidade jurídica, que se autonomiza daqueles, enquanto sujeitos individuais de direitos. A suspensão/anulação de determinada deliberação visa atacar, pois, uma vontade do grupo, que não se reconduz às vontades individuais dos concretos condóminos responsáveis pelo sentido de voto que saiu ganhador (Passinhas, Sandra, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2002, pág. 347. Note-se que esta autora vai mais longe, esclarecendo que a legitimidade passiva neste tipo de acções cabe ao administrador). Nestes termos, a legitimidade passiva (no procedimento de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos) cabe ao condomínio. A isto acresce que desde a reforma do Código de Processo Civil, a partir do momento em que foi concedida personalidade judiciária ao condomínio (pela reforma processual de 1995/96 (DL n.° 329-A/95, de 12-12, com a redacção do DL n° 180/96, de 25-09), deixou de haver razões para demandar os condóminos votantes (como se salienta no douto acórdão do Tribunal da Relação de 28 de Março de 2006, do qual foi Relator o Exmo. Senhor Desembargador Arnaldo Silva disponível in Ius Net). Assim, também a interpretação actualista da lei aponta no sentido de que o n.° 6 do artigo 1433.° do Código Civil, na redacção em que refere "os condóminos contra quem são propostas as acções" corresponde, em larga medida, a um resquício histórico, ultrapassado pela evolução do Ordenamento Jurídico. Naturalmente, o condomínio será representado pelo administrador, enquanto representante orgânico do condomínio. Com efeito, se ao administrador cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436°, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, lhe cumprirá sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio. Pelo exposto, a configuração da acção de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos pressupõe que esta seja dirigida contra o condomínio, representado pelo administrador, nos termos gerais da aplicação conjugada dos artigos 12.°, al. e) do Código de Processo Civil e 1436.°, al. h) do Código Civil. É que o que está em causa é uma vontade juridicamente autónoma do condomínio que, naturalmente, vinculará os condóminos, ainda que estes tenham votado contra a deliberação impugnada judicialmente, por condómino diverso. Aliás, não faria sentido que, visando a providência atacar uma decisão colectiva, cada um dos condóminos que a aprovou pudesse, per se, defender uma sua singular posição. A defesa da decisão do grupo incumbirá então ao administrador ou a quem a assembleia designar, que será a voz do conjunto dos condóminos, e, concretamente, dos que aprovaram a deliberação em causa (cfr. artigo 1433.°, n.° 4 do Código Civil) ( cfr. douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Fevereiro de 2004, do qual foi Relator o Senhor Desembargador Estevão Vaz Saleiro de Abreu, disponível in Ius Net, Base de Dados). Nos termos expostos, por força do artigo 590.°, n.° l do Código de Processo Civil, que dispõe que quando ocorram excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, o presente procedimento cautelar deve ser liminarmente indeferido, uma vez que ocorre ilegitimidade processual passiva dos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações cuja suspensão vem requerida, o que se decide. Em suma, impõe-se reconhecer a excepção dilatória de ilegitimidade dos Requeridos e, consequentemente, determinar a sua absolvição da instância, nesta sede liminar, por força do que dispõem os artigos 590.°, n.° 1, 278.°, n.°l, al. d) e 577.°, al. e) do Código de Processo Civil.” Ou seja, para a primeira instância, a Vexata Quaestio relacionada com a legitimidade passiva no âmbito das acções de anulação de deliberações dos condomínios “deve” ser resolvida com a adesão ao entendimento de que a legitimidade passiva é do condomínio [a se], ainda que representado pelo administrador. Já os recorrentes, em divergência com o decidido, são do entendimento de que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete a todos os condóminos que tiverem votado favoravelmente a deliberação anulanda, devendo todos eles serem demandados, sem prejuízo porém de a respectiva representação judiciária estar legalmente cometida ao administrador do condomínio ou a outra pessoa que a assembleia para o efeito designar (Código Civil, art. 1433°, n°. 6). Apreciando É consabido que, há muito, vêm a doutrina e a jurisprudência a esgrimir argumentos discordantes [em relação ao thema decidenduum] a favor essencialmente de duas teses em confronto, as quais são precisamente as que nos presentes autos se mostram sufragadas pela primeira instância, por um lado, e por outro, pelos apelantes. Assim, e começando pela doutrina, vemos SANDRA PASSINHAS (1) a discordar expressis verbis da Decisão [no âmbito da qual se defende que quem é prejudicado com a procedência de acção de impugnação de deliberação de assembleia de condóminos não é o administrador, mas sim os condóminos que votaram a deliberação visada] proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/2/1990 (2), sustentando que nunca [daí que não pode tal argumento servir nesta matéria] é o administrador prejudicado pela procedência de uma acção de impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, porque age ele como o representante orgânico do condomínio. Clarificando melhor qual seu entendimento, esclarece Sandra Passinhas que “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação)”, “E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador“. Por último, e em reforço do entendimento que sufraga, adianta ainda Sandra Passinhas (3) que “as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia de condóminos só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir em juízo cabe exclusivamente ao administrador“, logo, prima facie, será de respaldar a decisão deste Tribunal da Relação e de 14/5/1998 (4), quando considera que “o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia“. O entendimento acabado de mencionar, corrobora e ampara, consequentemente, a decisão recorrida. Em sentido prima facie [não obstante reconhecer que em face do disposto no nº 6, do artº 1433º, do CC, o qual reza que “ a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito“, são os condóminos os efectivos titulares do interesse directo em contradizer] convergente com aquele pelo qual “alinha” Sandra Passinhas, defende Jorge ARAGÃO SEIA (5) que nos termos do disposto no nº1, do artigo 231º, do CPC [o qual à data rezava que “ Os incapazes, os incertos, as pessoas colectivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 13.º “], “é o representante legal do condomínio assim encontrado que deve ser citado para a acção”. Ainda segundo Aragão Seia e tal como o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e de 14/5/1998, e em face da especificidade da representação do condomínio, deverá o autor em acção de anulação de deliberações da assembleia indicar na petição o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio, sem o que este não pode ter-se por devidamente identificado”. Já em sentido divergente com o acabado de expor, vem ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (6) defender que “Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária ( condomínio urbano, nos termos do art. 6.º al. e), do CPC ), mas aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC.” Outrossim e aparentemente no mesmo sentido, considera JACINTO FERNANDES RODRIGUES BASTOS (7) que “ O condomínio não é uma pessoa colectiva pelo que, em princípio, não dispõe de personalidade judiciária ; porém, como a lei ( Cód. Civ., art. 1437º ) concede ao seu administrador legitimidade para agir em juízo, no desempenho das funções que lhe pertencem, ou quando autorizado pela assembleia dos condóminos, o legislador entendeu, na alínea e) da norma em apreço, que lhe é de atribuir tal veste relativamente às acções em que intervenha o administrador dentro da competência funcional que a lei lhe reconhece.”. Abordando e pleiteando sobre a temática que da apelação é objecto, explica ABÍLIO NETO (8) que são no essencial duas as soluções fundamentais em confronto, com algumas cambiantes: para uns, devem ser demandados, nomínativamente, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, embora representados pelo administrador ( tese negatória da personalidade judiciária do condomínio ); para outros, a acção ou o procedimento cautelar deve ser instaurada ou requerido contra o condomínio propriamente dito, representado pelo administrador ( tese da personalidade judiciária do condomínio). A fundamentar/ancorar o entendimento aludido em primeiro lugar, especifica Abílio Neto que resulta ele da circunstância de, quer do actual art. 12.° do CPC, quer dos arts. 1436º e 1437.°, n. 1 a 3, ambos do Cód. Civil, decorrer que a personalidade judiciária do condomínio ter como medida a competência funcional que a lei atribui, ou a assembleia venha a atribuir, ao administrador, como seu órgão executivo. Ora, porque a matéria relacionada com a validade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos consubstancia um tema que é estranho ao exercício das competências do administrador, então e consequentemente, e de resto em face do disposto na parte final da alínea e), do artº 12º, do CPC, deve a subjacente acção integrar no lado passivo todos os condóminos perante os quais o condómino autor pretende que se produzam os efeitos da impugnação da deliberação da assembleia, sem prejuízo de solicitar o autor que a citação se efectue na pessoa do administrador. Em suma, para a primeira tese, e ”no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão da legitimidade não respeita directamente ao condomínio a se, antes envolve os próprios condóminos enquanto membros do órgão deliberativo que é a assembleia de condóminos, enquanto fazedores de um resultado, através do voto, que o(s) condómino(s) autor(es) consideram contrário “à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados" (n.º 1 do art. 1433.°)”. Já no que toca à segunda corrente [ou seja, àquela que sustenta a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio nas acções e procedimentos para anulação das deliberações da assembleia de condóminos, quem deve ser demandado é o condomínio, representado pelo administrador, o qual deve ser citado nessa qualidade], avança ABÍLIO NETO (9) que assenta a mesma no pressuposto de que, com a reforma processual de 1995/96, e que atribuiu personalidade judiciária ao condomínio, “o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do nº 6 do art. 1433.° do Cód. Civil - "a representação judiciária dos condóminos contra quem as acções são propostas... ) - passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que "a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas... )". Ou seja, segundo esta corrente, “O administrador do condomínio é, pois, ope legis, o representante judiciário dos condóminos nas acções de impugnação ou no procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia, E, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo de condóminos, ou seja, do condomínio”. A perfilhar esta segunda corrente (10), encontra-se – segundo Abílio Neto - designadamente MIGUEL MESQUITA (11), solução que no entender deste último e conceituado jurista tem a vantagem de afastar uma “série de problemas que resultam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Por último, adianta ainda ABÍLIO NETO que uma terceira corrente existe também, embora que pouco significativa, a qual sustenta que as acções de anulação das deliberações tomadas pela assembleia geral de condóminos podem ser instauradas apenas contra o próprio administrador do condomínio, nessa qualidade, radicando neste a legitimidade passiva ( 12). Já no âmbito da jurisprudência, e existindo igualmente decisões que resolvem o “nosso“ thema decidendum de forma diversa, temos por adequado salientar como exemplos da aludida diversidade apenas os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2007 (13) e de 29 de Maio de 2007 (14). É assim que, se no primeiro [ainda que com dois votos de vencido, sendo um do Sr. Juiz Conselheiro Quirino Soares, e, o outro, do Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino] se vem a concluir que “A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado" (15), já no segundo considera-se ao invés que "É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal". Ainda no âmbito do segundo Acórdão acabado de referir, explica-se que, ao defender-se o entendimento sufragado [de que são partes ilegítimas na acção anulatória os condóminos demandados], tem-se ainda assim a noção da justeza da lição de Carvalho Fernandes quando defende que os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio”, sendo que no fundo se atribuiu ao administrador legitimação para agir em nome dos condóminos e que perante a regra geral estabelecida no nº 2 do art. 5º do CPC só se pode compreender o disposto na al. e) do art. 6º como um reconhecimento de que o condomínio não tem personalidade judiciária”. Aqui chegados, e conhecidas em traços gerais as posições que vêm sendo seguidas na doutrina e jurisprudência, é tempo de adiantar qual o entendimento que é por nós perfilhado. Ora, nesta matéria, é vero que que na alínea e), do artigo [sob a epígrafe de “Extensão da personalidade judiciária“] 12º do Código de Processo Civil, diz-se que Têm ainda personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador “. Por seu turno, já o CCivil, no seu artº 1437º [sob a epígrafe de Legitimidade do administrador “, reza que : 1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia. 2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício. 3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrado”. Por sua vez, o normativo anterior, ou seja, o artº 1436º, do CC, sob a epígrafe de” Funções do administrador ", diz-nos que : São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia: a) Convocar a assembleia dos condóminos; b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano; c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro; d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns; e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum; h) Executar as deliberações da assembleia; i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas. j) Prestar contas à assembleia; l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.” Por último, recorda-se o já nosso conhecido nº 6, do artigo 1433º do Código Civil, o qual dispõe que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”. Tendo presente as disposições legais acabadas de transcrever, prima facie tudo parece indicar que o entendimento sufragado pelos apelantes é o adequado, desde logo porque decorre da alínea e), do artº 12º, do CPC, que a personalidade judiciária do condomínio tem como medida a competência funcional que a lei atribui ao seu órgão executivo, a saber, o administrador e, para todos os efeitos, a verdade é que das suas funções não faz parte [expressis verbis] a representação do condomínio no âmbito das acções destinadas a apreciar a validade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos. Ocorre que, como ensina CASTANHEIRA NEVES (16) “O problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos (como critério-hipótese exigido, por um lado, e a submeter, por outro lado, ao discurso normativamente problemático do juízo decisório desses casos). Mais chama à atenção CASTANHEIRA NEVES, que “Uma boa interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina concretamente o sentido textual da norma, é antes aquela que numa perspectiva prática-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto”. O pensamento de CASTANHEIRA NEVES, a nosso ver, é precisamente aquele que emerge do comando do artº 9º, do CCivil, máxime quendo o seu nº 1 determina não dever a interpretação cingir-se à letra da lei e, o subsequente nº 3, que na fixação do sentido e alcance da lei se exigir que o intérprete presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, em face do acabado de expor, uma primeira incongruência logo ressalta da letra da lei do nº 6, do artigo 1433º do Código Civil, quando em relação aos condóminos [pessoas singulares ou colectivas, por regra dotados de personalidade jurídica] se determina deverem ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. Com efeito, como bem se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-02-2017 (17), “ a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades colectivas, nos termos que a lei ou respectivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas colectivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”. A aludida desarmonia, por si só, e não olvidando o disposto n nº3, do artº 9º, do CC, justifica assim considerar-se que [tal como o considerou o TRP no acórdão citado por último] a referência aos condóminos prevista no nº 6, do artigo 1433º do Código Civil, tenha resultado de uma incorrecção do legislador, querendo o mesmo aludir a uma entidade colectiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador. E, assim sendo, difícil não é considerar como sendo a solução mais acertada aquela que preconiza que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos incida sobre o condomínio ( a se ), representado pelo administrador, “entidade” a quem de resto incumbe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), e, consequentemente, bem se compreenda que lhe cumpra também a missão de sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio. (18) Ademais, do nº 2 do art. 398º do CPC [sob a epígrafe de “ Suspensão das deliberações da assembleia de condóminos “], resulta que na providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos “é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação”, o que igualmente bem se compreende porque para todos os efeitos uma deliberação “exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados)”, actuando no condomínio um interesse colectivo e o qual se distingue das posições individuais de cada condómino [razão porque pouco sentido faz que as acções tenham que ser intentadas contra os condóminos – individualmente - que tenham votado favoravelmente a deliberação]. (19) Perante tudo o acabado de expor, e porque a solução/interpretação que adoptamos é também aquela que melhor satisfaz o entendimento de CASTANHEIRA NEVES no sentido de que o problema jurídico-normativo da interpretação é fundamentalmente o de obter/extrair da lei ou norma um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos ( basta pensar em condomínios com dezenas de fracções autónomas ), forçoso é assim a improcedência da apelação, impondo-se a confirmação da decisão recorrida”. O Exmº Desembargador aqui 2º Adjunto relatou também dois acórdãos no mesmo sentido – de que a legitimidade cabe ao condomínio – nos processos 6702/11.9T2SNT-A.L1 (datado de 14.7.2020) e 6332/19.7T8ALM.L1 (datado de 17.12.2020) ao que sabemos inéditos. Resumindo: - continuando convencidos deste entendimento, a legitimidade passiva cabe ao Condomínio. Deve então confirmar-se a decisão recorrida? Sim, na parte em que absolveu os RR da instância. Não na parte em que, no dispositivo, declara que “Condomínio T…” não foi demandado na presente acção e não é parte”, e os demais são parte ilegítima e portanto absolve todos os RR. demandados na presente instância processual, devendo então concluir-se que, como além de todos os RR. o Condomínio não é também R., então o tribunal não tem mais nenhuma actividade jurisdicional a desenvolver na presente lide, pondo a decisão em causa termo ao processo. A recorrente, nas conclusões finais invoca subsidiariamente: (…) o tribunal devia ter tomado em devida consideração o facto do Condomínio T… ter intervindo espontaneamente no processo, apresentando contestação e assumindo a qualidade de parte principal enquanto Réu; EE) De facto, pela intervenção espontânea do Condomínio e ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art.º 6.º do CPC que obriga a que o tribunal adopte “mecanismos de simplificação e agilização processual” e realize os “actos necessários à regularização da instância”, poder-se-ia ter aplicado o disposto no art.º 311.º do CPC, que visa precisamente assegurar a sanação da instância quanto às partes, nomeadamente quando falta uma parte principal. FF) Se assim tivesse acontecido, apenas teria havido absolvição da instância quanto aos condóminos, mas não quanto ao condomínio, o qual permaneceria como Réu até final, cumprindo-se assim o já referido dever de gestão processual na vertente da “realização dos atos necessários à regularização da instância”. Analisando o despacho pelo qual se notou que era o Condomínio quem tinha vindo a intervir nos autos, e que a A. não o havia demandado, determinando-se então que a A. viesse esclarecer ou rectificar contra quem intentava a acção, esse despacho, que abre essa porta de modificação subjectiva onde ela não está prevista – e o caso não é sequer o caso do artigo 311º do CPC, porque este autoriza a entrada na instância de quem tiver interesse igual ao do autor ou do réu, sim, mas nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º do CPC – só pode ser classificado como um despacho de gestão processual ao abrigo do artigo 6º do CPC, visando a regularização da instância: - verificando o tribunal que está a intervir nos autos, sem ter sido demandado, o Condomínio, em lugar de, logo de pronto e entrada a contestação a ter mandado desentranhar e devolver ao apresentante que não era parte no processo, deixa-o prosseguir nas suas intervenções (contestação, e pronúncias que faz posteriormente) e consciente disto, vem pedir à A. que esclareça contra quem mete a acção e se quiser, que declare que quer que os autos prossigam contra o Condomínio que já teve intervenção, com aproveitamento desta intervenção. É este o sentido do despacho “rectificar se for caso disso quem é que efectivamente pretende demandar”. Simplesmente, duas consequências têm de decorrer desta posição do tribunal: - por um lado, o tribunal tem de ser vinculado pela possibilidade que concedeu em termos de gestão processual daquilo que chamou uma rectificação e que na realidade era uma modificação subjectiva fora dos casos expressamente previstos (ou seja, uma gestão processual pura), e por outro, o tribunal de primeira instância não podia ocultar a sua própria posição, ou seja, o entendimento de que a legitimidade passiva pertence ao condomínio e que se a Autora não tivesse a mesma posição mas antes a contrária – aliás com apoio em jurisprudência ainda hoje activa – pois seria servida com uma absolvição da instância que simultaneamente poria termo ao processo, com total perda do trabalho desenvolvido e do gasto realizado, quando estas perdas não têm nenhum fundamento razoável, não correspondem ao serviço de nenhum valor superior de funcionamento da justiça, sobretudo quando é ao abrigo da gestão processual que o legislador quis mesmo acabar com situações como a presente, em que o tribunal opera em aplicação de formalidades puras. Na realidade, é como se estivéssemos perante uma contradição, o tribunal dá a hipótese de salvar o processado se a Autora rectificar que quer demandar o Condomínio, mas a Autora não acerta com a posição do tribunal e já o tribunal se desinteressa do salvamento que antes lhe ocorreu. Na verdade, o despacho convite de rectificação ao não apresentar a posição do tribunal, ou ao menos advertir para a consequência das posições contraditórias sobre a questão da ilegitimidade passiva, vai transformar a decisão recorrida numa decisão surpresa por violação de contraditório, nos termos do artigo 3º nº 3 do CPC, e acarretar manifesto prejuízo para a economia processual. Aliás, é claro que a Autora quando se pronunciou sobre o despacho convite o fez no sentido da defesa duma das posições contraditórias, ou seja, expressando um entendimento jurídico: - “pus a acção contra quem uma boa dose de doutrina e jurisprudência dizem que devia ter posto”. Não estava a Autora a dizer: “eu pus a acção contra as pessoas destes Réus porque é mesmo contra eles que quero pôr, estes 13 ou 15 com quem eu antipatizo, se for para pôr contra o Condomínio, ah não, isso já não quero, não vou incomodar o Condomínio”. Significa isto que não pode ser entendido que a posição da Autora, ao responder, expressa reiteradamente a sua vontade dispositiva na definição de quem seja o réu, vontade dispositiva essa, cujo império se tenha de respeitar. Perante a posição da Autora, que enuncia uma das posições contraditórias, mesmo que o tribunal nem tivesse tomado conta desta divergência antes de dar o despacho convite, teria então que, em novo despacho, avisar a Ré que a consequência ia ser a absolvição dos RR e não só deles, mas a desconsideração da intervenção do Condomínio, ou seja, que todo o trabalho, esforço e gasto, ia ser deitado fora. Este cumprimento inicial, pelo primeiro despacho, do dever de gestão processual constitui vinculação que se estende até este tribunal da Relação: - é como se o recurso, as três conclusões finais que voltámos a transcrever, fossem a resposta que a Autora teria dado ao tribunal recorrido se este a tivesse informado da sua posição: “Faça-se à sua maneira, Senhor Juiz, prossiga contra o Condomínio, o que eu quero é anular a deliberação”. Diga-se, aliás, que a posição do Condomínio, que veio espontaneamente aos autos, que ofereceu contestação, que se pronunciou ao abrigo do contraditório e que até ofereceu contra-alegações, de defender a decisão recorrida, na parte em que excede a questão da legitimidade, é absolutamente abusiva: - se veio espontaneamente e sempre cá esteve, só tinha de declarar que queria continuar, queria que o tribunal resolvesse o litígio, ainda melhor acolhendo a sua defesa. Em suma, ainda que não exactamente nos termos jurídicos invocados pela recorrente, entendemos que devem os autos prosseguir, com aproveitamento de todos os actos praticados pelo Condomínio T…, contra este, e neste sentido procede parcialmente o recurso. Tendo decaído ambas as partes, são ambas responsáveis pelas custas na proporção de metada para cada uma – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC. V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência: - confirmam a decisão recorrida na parte em que absolveu os Réus condóminos por ilegitimidade passiva; - determinam que a acção prosseguirá, com aproveitamento de todos os actos já praticados, quer pela Autora quer pelo Condomínio T…, contra este Condomínio. Custas por ambas as partes em partes iguais. Registe e notifique. Lisboa, 11 de Março de 2021 Eduardo Petersen Silva Cristina Neves (vencida conforme declaração de voto vencido anexa) Manuel Rodrigues * «DECLARAÇÃO DE VOTO» Salvo o devido respeito pelos argumentos esgrimidos na posição que fez vencimento quanto à legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberações sociais, não a podemos acompanhar, uma vez que entendemos que da conjugação do nº1 e 6 do artº 1433 do C.C., resulta que a legitimidade que activa quer passiva, para as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos radica nos próprios condóminos- aqueles que com ela não concordaram e aqueles que a votaram, sendo estes efectivamente os titulares do interesse em demandar e em contradizer. Do disposto no nº6 do artº 1433 resulta expressamente que a legitimidade passiva cabe aos “condóminos contra quem são propostas as acções”. A sua representação judiciária é que cabe ao “administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.” Este último caso, conforme nos dá nota ARAGÂO SEIA[1], pode ocorrer quando o administrador, sendo condómino, seja o impugnante ou não tenha concordado com a deliberação No entanto, a representação judiciária na acção não se confunde com a legitimidade, uma vez que o representante actua apenas em nome do representado e nos limites dessa representação. Não se desconhecem, mas não nos convencem, as razões invocadas pela doutrina e por alguma jurisprudência para defesa de que, apesar do que consta deste normativo, a legitimidade passiva cabe ao condomínio, razões citadas nos Acs. desta Relação de 11/07/19 (proc. nº 9441.17.3T8LSB.L1-2) e 21/04/20 (7888/19.0T8LSB.L1-7) no sentido de que “a redação deste preceito deriva do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível. Só com a Reforma de 1995/1996, o artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio. E o artigo 231.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 223.º, n.º 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).” As disposições que regulam a propriedade horizontal derivam na sua maioria do disposto no Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, objecto de alterações pontuais introduzidas pelas Leis nºs 6/2006 e 32/2012, de 14/08 e do D.L. 116/2008, de 04 de Julho. A necessidade de estender a personalidade judiciária ao condomínio, destinou-se a conciliar as disposições processuais com as disposições da lei civil que regulavam a propriedade horizontal, possibilitando que o condomínio pudesse demandar e ser demandado quando em causa estivessem questões relacionadas com as partes comuns ou cobrança de encargos comuns. Esta atribuição de personalidade judiciária, não veio, por uma alegada via interpretativa, substituir as situações em que a legitimidade está expressamente conferida aos condóminos, pela do condomínio. Casos há em que a legitimidade cabe aos condóminos e outros em que esta legitimidade cabe ao condomínio, representado pelo administrador, de que são exemplos a cobrança de dívidas ao condomínio, a demanda de terceiros por danos provocados em partes comuns, ou pela execução de obra defeituosa. Acresce que a alegada via interpretativa não tem, em nosso entender, acolhimento na previsão expressa na norma em causa e assim é contrária ao disposto no artº 9 nº2 do C.C. Trata-se mais de uma interpretação correctiva do preceito em causa. Revogaria assim a decisão do tribunal recorrido e determinaria o prosseguimento dos autos, por legitimidade dos condóminos demandados nesta acção. Por último, importa considerar que, ainda que de estivéssemos de acordo com a posição que fez vencimento e se considerasse o condomínio como parte legítima, este não foi demandado nos autos. Os demandados foram os condóminos e não é por o condomínio intervir nos autos, que passa a parte legítima, em substituição dos condóminos, estes considerados parte ilegítima. Não existe no nosso processo civil a figura da substituição de partes e aliás está vedado ao juiz, ainda que a coberto de um alegado princípio da adequação processual, substituir uma parte por outra. Os casos em que ao magistrado incumbe sanar situações de ilegitimidade estão definidos na lei. Incumbe ao magistrado providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, que sejam supríveis (artº 590 nº2 a) e 6 nº2 do C.P.C.), ou seja, no que ao caso interessa, quando ocorra a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio. Nela se não inclui o convite à substituição de partes. Assim sendo, impunha-se, em consonância com a posição que fez vencimento, extrair as consequências legais e confirmar, então, a absolvição dos RR. da instância por ilegitimidade. Lisboa 11 de março de 2021 Cristina Neves [1] Propriedade Horizontal, 2ª edição revista, almedina, a págs. 190. |