Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LANGWEG | ||
Descritores: | MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA NULIDADES ALTERAÇÃO DOS FACTOS CULPA NA COMPARTICIPAÇÃO CONDUTA NEGLIGENTE CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/14/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. Convolando-se a decisão administrativa em acusação, nos termos do art.º. 62º, n.º 1, do RGCORD, ficam sanados os eventuais vícios que existissem na acusação, porquanto é a decisão que é sindicada através do recurso de impugnação judicial – conforme entendimento do assento nº 1/2003, de 28 de Novembro de 2002. 2. O princípio da continuidade da audiência, previsto no artigo 328º, nº 6, do Código de Processo Penal, aplicável aos recursos de contraordenação (artigo 41.º, n.º 1 do RGC), não abrange o hiato temporal situado entre a última sessão de produção de prova e a leitura da sentença. 3. O erro notório integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal) que só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum e que resulta do texto da decisão recorrida. Não existe tal erro quando a convicção do julgador é plausível, ou possível, embora pudesse ter sido outra. 4. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na estatuição constante da alínea a) do art.º. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão. 5. Um banco comercial é responsabilizado pela prática de contraordenações (artigo 401º, nº 2, do C.V.M.) corporizadas em condutas praticadas em seu nome e interesse enquanto intermediário financeiro, pelos seus funcionários, no exercício das suas funções. A tal não obsta o facto de não se terem individualizado as pessoas singulares que no seu âmbito atuaram nem se terem densificado os elementos subjetivos relativos às mesmas. 6. A redação do artigo 311.º, n.º 1, do C.V.M. permite aos destinatários da norma perceber quais os bens jurídicos em causa e o tipo de factos lesivos dos mesmos que a norma pretende evitar: em causa estão os bens jurídicos de regular funcionamento, transparência e credibilidade do mercado, sendo ilícitos os atos suscetíveis de atentar contra estes. Os destinatários desta norma percebem o alcance da norma, sobretudo, para os intermediários financeiros num contexto de mercado de valores mobiliários, sendo aceitável, também no plano constitucional, a redação do tipo de ilícito plasmado no artigo 311.º do CVM, em que o n.º 1 contém a formulação genérica do tipo e o n.º 2 concretiza exemplos-padrão. 7. Vigora no direito contraordenacional português um amplo regime de comunicação da ilicitude que se traduz no facto de a punibilidade da infração ser extensível a qualquer comparticipante, desde que um dos comparticipantes possua certa qualidade ou relação pessoal que fundamente a ilicitude ou grau de ilicitude de um facto. (Sumário elaborado pelo Relatório) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes o Banco..., C...e J.... I - RELATÓRIO: 1. Nos presentes autos de recurso de impugnação judicial de decisão administrativa, oriundos do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão foi proferida sentença condenatória, que termina com o dispositivo a seguir reproduzido: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, pelo que se condenam os arguidos nas seguintes coimas: C…: Uma coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) por cada uma das duas violações, a título negligente, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311°, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, que constituem contraordenações muito graves, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €1.250.000, nos termos do artigo 388.nº 1, alínea a), do mesmo Código e 17.nº 4, do RGCO; Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, supra referidas, nos termos do citado artigo 19.5 do RGCO, condena-se a arguida na coima única de €25.000 (vinte cinco mil euros): Tendo em consideração o disposto nos artigos 404º, nº 1, al. a) e 405º do CdVM e 21º do RGCO, aplica-se a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pela infratora através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de €189.398,36 (cento e oitenta e nove mil trezentos e noventa e oito euros e trinta e seis cêntimos) resultante da venda das ações. Ao arguido J...: A coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311º n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, punível com coima de €25.000 a €2.500.000, nos termos do artigo 388º, nº 1, alínea a), do mesmo Código; Tendo em consideração o disposto nos artigos 404º, nº 1, al. a) e 405º do CdVM e 21º do RGCO, aplica-se a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de €40.688,23 (quarenta mil seiscentos e oitenta e oito euros e vinte e três cêntimos) resultante da venda das ações; Ao arguido M...: A coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, infracção que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, punível com coima de €25.000 a €2.500.000, nos termos do artigo 388º, nº 1, alínea a), do mesmo Código; Tendo em consideração o disposto nos artigos 404º e 405º do CdVM e 21º do RGCO, aplica-se a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de € 9.200 (nove mil e duzentos euros) resultante de toda a operação, nos termos dos artigos 404º, nº 1, alínea a), do CdVM e 21º do RGCO; Ao arguido Banco...: Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Porta Nova, que permitiu à arguida C...adquirir 25 vezes mais ações GALP do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Porta Nova, que permitiu à arguida C...adquirir 24 vezes mais ações REN do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Particulares, que permitiu ao arguido J... adquirir 16 vezes mais ações GALP do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398.2, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Vizela, que permitiu ao arguido MN... (financiado por e em benefício do arguido M...) adquirir 36 vezes mais ações REN do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398.5, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, supra referidas, nos termos do citado artigo 19º do RGCO, aplica-se ao Arguido a coima única de €100.000 (cem mil euros); Ao abrigo do disposto no artigo 415º, n.os 1 e 3 do CdVM, procede-se à suspensão parcial da execução de €10.000 (dez mil euros) nas coimas aplicadas aos arguidos pessoas singulares e de € 30.000 Euros ao arguido pessoa coletiva, pelo prazo de dois anos; Nos termos do artigo 415º, nº 5 do CdVM, proceder-se-á à execução da integralidade da sanção aplicada se, durante o tempo de suspensão, os Arguidos praticarem qualquer ilícito criminal ou de mera ordenação social previsto no CdVM. * Condena-se ainda os arguidos nas custas do processo (…)». 2. Inconformado com a decisão, o Banco... interpôs recurso da decisão final, formulando as seguintes conclusões: (…) 3. Também inconformada com a decisão final condenatória, a arguida C...recorreu da decisão final, formulando as seguintes conclusões na sua motivação de recurso: (…) 4. O arguido J... também recorreu da decisão final, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões: (…) 5. Notificado da motivação dos recursos, o Ministério Público apresentou resposta articulada, que culminou com a formulação das seguintes conclusões: (…) 6. Por fim, também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) também apresentou resposta à motivação dos recursos, que concluiu com a formulação das conclusões a seguir reproduzidas: (…) 7. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, nos termos legais. 8. Nesta instância, o Ministério Público[1] emitiu parecer, com o conteúdo a seguir reproduzido: Da decisão proferida em recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da CMVM, que aplicou as coimas indicadas na sentença a fls. 6144-6147, recorrem os arguidos C...(fls. 6279ss), J... (fls. 6411ss) e BANCO... (fls. 6593ss). A decisão é recorrível (artigo 73.º, n.º 1, RGCO), os recursos foram interpostos em tempo (artigo 74.º, n.º 1, RGCO), este tribunal é o competente para deles conhecer (artigo 188.º, n.º 5, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e mostram-se preenchidos os demais requisitos. Os recursos são restritos à matéria de direito (artigo 75.º, n.º 1, do RGCO), sem prejuízo da possibilidade de conhecimento dos vícios e das nulidades a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO). No direito de mera ordenação social vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões judiciais, só sendo recorríveis as decisões cuja impugnação esteja expressamente prevista na lei, isto é, a sentença e o despacho judicial que decide do caso (artigo 73.º, n.º 1, do RGCO). Assim: Quanto ao recurso do BANCO... relativo à decisão interlocutória, relativamente ao qual o recorrente afirma manter interesse (fls. 6593), não sendo admissível, não pode este tribunal dele conhecer. O recorrente BANCO... requer a realização de audiência, indicando os pontos que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), os quais, dados os poderes de cognição deste tribunal, se limitarão às questões de direito. Quanto ao recurso interposto pelo BANCO...: Atento o disposto no artigo 416.º, n.º 2, do CPP, limita-se a vista a dar conhecimento do processo, pelo que o Ministério Público sobre ele se pronunciará em audiência. Quanto aos recursos dos arguidos C...e J...: Sem prejuízo de eventualmente sobre eles se pronunciar em audiência, na medida em que a sua posição possa ser afectada pela discussão do recurso do BANCO..., o Ministério Público junto deste tribunal manifesta a sua inteira concordância com a resposta do Ministério Público na 1.ª instância, a que adere sem hesitação, o mesmo sucedendo quanto à resposta da CMVM. Em consequência, e nada mais de relevante tendo a acrescentar, desde já emite parecer no sentido da improcedência dos recursos e da confirmação da decisão recorrida. * 8. A audiência teve lugar, com a observância do formalismo legal. * Cumpre apreciar e decidir: Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extrairam da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. Os poderes cognitivos deste tribunal confinam-se à matéria de direito (art. 75º, nº1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27/10, atualizado sucessivamente pelos Decretos-Leis nºs 356/89, de 17/10; nº 244/95, de 14/9 e nº 109/2001, de 24/12, doravante designado por RGC, sem prejuízo do conhecimento dos vícios da matéria de facto elencados no art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável ex vi do art.41º, nº1 do referido RGC. Como é sabido o objecto do recurso é definido e delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação (arts.412º, nº 1, do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional ex vi do art.41º, nº1, do RGCC), sem prejuízo do conhecimento de outras questões de conhecimento oficioso. Cumpre, ora, identificar as questões que os recorrentes pretendem sindicar por via do recurso: * Questão prévia: Da motivação do recurso dos arguidos Banco... e J...: - da alegada inconstitucionalidade do despacho exarado a folhas 5906 e 5907, à luz do estatuído nos artigos 32º e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa; A) Da motivação de recurso do arguido Banco...: Das nulidades da sentença: - da alegada violação do princípio da continuidade da audiência - da alegada violação do dever de fundamentação - do erro notório na apreciação da prova; - da insuficiência da matéria de facto provada; Dos erros em matéria de direito: - do carácter continuado das infrações; e - do quantum da coima aplicada; B) Da motivação de recurso da arguida C…: - Das nulidades da acusação e da decisão da CMVM; - Da nulidade da sentença, por motivo de alteração substancial dos factos constantes da acusação, sem contraditório; - Da nulidade da aplicação da sanção acessória - Dos erros em matéria de direito; - da falta de preenchimento do tipo objetivo da contraordenação - da questão da ausência de culpa da arguida, associada à alegada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; e - do carácter excessivo da sanção; C) Da motivação de recurso do arguido J...: a) Da nulidade da sentença; - por omissão de factos que revelem o dolo do arguido; - por violação do dever de fundamentação e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos e para os efeitos dos arts. 205º e 32º da CRP, 2º, nº 4, 127º, 374º, nº 2, 410º, 412º e 428º do CPP b) Dos erros em matéria de direito; - Falta de preenchimento do tipo objetivo da contraordenação; - Carácter excessivo da sanção; - Suspensão da coima; Para decidir tais questões, importará, primeiramente, concretizar os dados jurídico-processuais relevantes. * II – FUNDAMENTAÇÃO: A) A decisão final recorrida Para apreciar o mérito dos recursos, importa, primeiramente, concretizar o teor da sentença recorrida: «1. Relatório: Banco..., S.A., C…, J..., MA e JJ, id. de modo mais completo nos autos, interpuseram recurso da decisão da CMVM que lhes aplicou as seguintes coimas: 1. C…: Uma coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) por cada uma das duas violações, a título negligente, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, que constituem contraordenações muito graves, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €1.250.000, nos termos do artigo 388º, nº 1, alínea a), do mesmo Código e 17º, n.° 4; do RGCO; Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, supra referidas, nos termos do citado artigo 19º do RGCO, e atentas as circunstâncias do caso concreto, a CMVM deliberou aplicar à arguida a coima única de €25.000 (vinte cinco mil euros): Tendo em consideração o disposto nos artigos 404º, nº 1, al. a) e 405º do CdVM e 21º do RGCO, foi ainda aplicada a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pela infratora através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de €189.398,36 (cento e oitenta e nove mil trezentos e noventa e oito euros e trinta e seis cêntimos) resultante da venda das ações. 2. Ao arguido J...: A coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311.nºs 1 e 2, alínea c), do CdVM, que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, punível com coima de €25.000 a €2.500.000, nos termos do artigo 388º, nº 1, alínea a), do mesmo Código; Tendo em consideração o disposto nos artigos 404 nº 1, al. a) e 405º do CdVM e 21º do RGCO, foi ainda decidido aplicar a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de €40.688,23 (quarenta mil seiscentos e oitenta e oito euros e vinte e três cêntimos) resultante da venda das ações; Ao arguido M...: A coima de €25.000 (vinte cinco mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa do mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, infracção que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, punível com coima de €25.000 a €2.500.000, nos termos do artigo 388º, nº 1, alínea a), do mesmo Código; Tendo em consideração o disposto nos artigos 404º e 405º do CdVM e 21º do RGCO, aplicar a sanção acessória de apreensão e perda do produto do benefício obtido pelo infrator através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de €9.200 (nove mil e duzentos euros) resultante de toda a operação, nos termos dos artigos 404º, nº 1, alínea a), do CdVM e 21º do RGCO; Ao arguido BANCO...: Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311.2, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Porta Nova, que permitiu à arguida C...adquirir 25 vezes mais ações GALP do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Porta Nova, que permitiu à arguida C...adquirir 24 vezes mais ações REN do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311.2, n.os 1 e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Barcelos Particulares, que permitiu ao arguido J... adquirir 16 vezes mais ações GALP do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Uma coima de €50.000 (cinquenta mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311.5, n.os i e 2, alínea c), do CdVM, no âmbito da agência de Vizela, que permitiu ao arguido MN... (financiado por e em benefício do arguido M...) adquirir 36 vezes mais ações REN do que poderia ter licitamente adquirido; o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398.5, alínea d), do CdVM, puníveis com coima de €25.000 a €2.500.000; Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, supra referidas, nos termos do citado artigo 19º do RGCO, e atentas as circunstâncias do caso concreto, a CMVM deliberou aplicar ao Arguido a coima única de €100.000 (cem mil euros): A CMVM deliberou, ao abrigo do disposto no artigo 415.n.os 1 e 3 do CdVM, proceder à suspensão parcial da execução de €30.000 (trinta mil euros) da coima aplicada, pelo prazo de dois anos; Nos termos do artigo 415º, n.e 5 do CdVM, proceder-se-á à execução da integralidade da sanção aplicada se, durante o tempo de suspensão, o Arguido praticar qualquer ilícito criminal ou de mera ordenação social previsto no CdVM; * Os arguidos pediram a declaração de nulidade da acusação e decisão. Subsidiariamente e em suma pediram: A arguida C...pediu a sua absolvição ou a pena de admoestação; O arguido J..., que lhe seja aplicada, uma admoestação ou no limite, uma coima muito especialmente atenuada, pelo mínimo legal e a suspensão da execução da coima; O arguido JJ, a sua absolvição ou, se assim se não entender, a simples admoestação e, O arguido Banco..., S.A, pediu a sua absolvição, ou a redução substancial da coima a aplicar e a suspensão da sua execução. * A arguida C...arguiu, em conclusões, que: "Foi a arguida condenada nos presentes autos no pagamento da coima única de 25 000 euros, e ainda na sanção acessória da apreensão do benefício obtido pela infratora através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de 189 398,36 euros, pela prática, a título negligente de duas contra-ordenações p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 311º nº 1 e nº 2 c), e 398º d) do CdVM. A arguida vinha acusada pela prática a título doloso de duas contra ordenações p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 311º, nº 1 e nº 2 c), e 398º d) do CdVM. Da ausência de provas na acusação inicial e violação do dever de defesa. Ora a decisão condenatória de que se recorre, proferida contra a arguida, verifica-se que, e ao contrário da acusação inicial, a CMVM, na tentativa de sanar a nulidade da acusação inicial, refere agora expressamente quais os meios de prova em que se baseou para formular a condenação. Reportando-nos à acusação inicialmente formulada contra a arguida, verifica- se que não foram indicados quais os meios de prova em que se baseou a autoridade administrativa para proferir a referida acusação e a arguida foi impedida de conhecer quais as provas que estavam a servir de base a uma sua eventual condenação, e analisar essas mesmas provas, já que só agora com a condenação é que a autoridade administrativa remete para as provas em que alegadamente se terá baseado para proferir a mesma condenação. Assim por violação do direito de defesa da arguida, consagrado constitucionalmente, nomeadamente nos artigos 1º, nº 2, 20º, nº 4 e 32º, nº10 da Constituição da República Portuguesa são a referida acusação, e consequente condenação nulas, o que desde já se alega. II) Da alteração substancial dos factos constantes da acusação, sem que à arguida fosse concedida a possibilidade de se pronunciar ou defender. Acresce que analisada detalhadamente a condenação de que se recorre, nomeadamente quanto aos factos imputados à arguida, e dados como provados de 26 a 80, constata-se que procedeu a CMVM ao adicionamento de factos à acusação que havia formulado contra a arguida, concretamente nos pontos 42,48,73,79,80 dos factos dados como provados. No ponto 42 é adicionado ao facto que constava da acusação "para preencher à mão" e no ponto 48 e 73 dos factos dados como provados são factos novos, que não constavam da acusação sobre a qual a arguida inicialmente foi chamada a defender-se. Os factos descritos em 79 e 80 da mesma decisão, tratam-se igualmente de factos novos, que a autoridade administrativa adicionou, e sobre os quais não deu qualquer oportunidade à arguida de se pronunciar. Verificou-se assim "in casu" a omissão do direito de audição e de defesa da arguida consignado no artigo 50° do DL 433/82 e merecedor de dignidade constitucional - art. 32°, n° 8 da CRP. Omissão essa que consubstancia uma nulidade principal e insanável equiparável à ausência do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência e a que alude os arts. 119°, n° 1 al. c) do CPP aplicável por força do disposto nos Arts. 41° n° 1 e 50° do DL 433/82 de 27.10; Acresce que nos termos do artº 379º, nº 1, al. b) do CPP, aplicável por força do disposto artº 32 do Decreto-lei 433/82 de 27 de Outubro à presente decisão, a sentença padece de nulidade quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (ou decisão da autoridade administrativa), fora dos casos e das condições previstos nos artºs 358º e 359º. A CMVM não obstante ter adicionado novos factos à acusação, factos esses que fundamentaram a condenação, não lhe concedeu qualquer possibilidade de se pronunciar sobre os factos que adicionou à decisão condenatória em clara violação do disposto no artº 50 do RGCO. À acusação formulada em processo contra ordenacional é aplicável o disposto no artigoº 379º do C.P. Penal, pelo que não restando dúvidas que houve uma alteração dos factos pelos quais a arguida vinha acusada, e que a mesma não foi chamada a pronunciar-se sobre os mesmos, a decisão condenatória, por remissão do mesmo artigo 379º do C.P. Penal é nula, nulidade o que desde já se invoca. III) Da nulidade resultante da aplicação de sanção acessória, uma vez que da acusação não consta a intenção de aplicação concreta da mesma. Verifica-se ainda pelo teor da notificação que foi efectuada à arguida, que aquela não foi informada da possibilidade de lhe vir a ser aplicada a sanção acessória da apreensão do benefício obtido pela infratora através da prática da infracção, concretamente da mais- valia de 189 398,36 euros. Como dispõe o artº 50º do RGCO "Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre". Apesar de nunca a arguida ter sido notificada para o efeito, foi-lhe ainda aplicada uma sanção acessória de apreensão e perda do benefício obtido pela infratora através da prática da infracção, concretamente da mais valia de 189 398,36 euros, esquecendo a autoridade administrativa de referir a menos valia que a arguida teve com a venda das ações da REN. A menção efectuada, é-o no final da acusação, é generalista, e diz "a) apreensão e perda do objecto da infracção, incluindo o produto do benefício obtido pelo infrator" No ponto B.l.1 da acusação, onde se refere a sanção aplicável à arguida, só se indica que aquela terá violado o dever de defesa do mercado, e que nos termos do artº 398 d) do CdVM é punível com coima de €25 000,00 a €2 500 000 conforme estabelece o artigo 388º nº 1 al a) do CdVM Pelo que se verificou "in casu" a omissão do direito de audição e de defesa da arguida consignado no artigo 50° do DL 433/82 e merecedor de dignidade constitucional - art. 32°, n° 8 da CRP. Omissão essa que consubstancia uma nulidade principal e insanável equiparável à ausência do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência e a que alude os arts. 119°, n°1 al. c) do CPP aplicável por força do disposto nos arts. 41° n° 1 e 50° do DL 433/82 de 27.10; Da Ausência de preenchimento do tipo previsto no artigoº 311 nº 1 do CMVM O artigo 311º nº l do CMVM refere que " os intermediários financeiros e demais membros do mercado devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações, ou de praticar outros atos susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado" Nos números 2 e 3 do mesmo artigo são referidas, a título exemplificativo, situações que se poderão enquadrar no comportamento tipificado no número 1 do mesmo artigo. Os destinatários dos deveres neles referidos são apenas os "intermediários financeiros e demais membros do mercado" ou seja, as entidades que, gozando da prerrogativa de poderem actuar no mercado diretamente, fizeram uma utilização abusiva ou errada do mercado. A arguida é um mero investidor particular, não lhe podendo ser atribuída a qualidade de intermediário financeiro, já que não está na sua disponibilidade fazer uma utilização abusiva ou errada do mercado, já que não tem a prerrogativa de actuar diretamente no mesmo. Ora não sendo a arguida um intermediário financeiro ou membro do mercado, não pode à mesma ser imputada qualquer responsabilidade contra-ordenacional, por violação do disposto no artº 311 do CdVM, facto pela qual foi condenada, e disposição jurídica ao abrigo da qual foi a referida condenação fundamentada, e nenhuma outra. Da Ausência de culpa da arguida: A arguida foi condenada por alegadamente tomar parte direta na aquisição de ações GALP e REN em quantidade superior ao que as regras de rateio das respectivas OPV permitiam. Sucede que a arguida, não era quem movimentava diretamente a conta em causa nos autos, mas sim o procurador, seu pai, J. concretamente desde a data da abertura da conta. A arguida desconhece qualquer um dos factos mencionados na acusação, nem tem obrigação de conhecer, já que não teve qualquer intervenção direta e pessoal nos mesmos. A admitir que a Arguida tenha assinado o pedido de transferência das ações da GALP e REN, conforme é referido em 79 dos factos provados, facto que confessa já não se recordar, fê-lo por indicação de seu pai J. Desde 1994, data de abertura da conta a arguida nunca a movimentou diretamente, já que era o seu pai, e procurador, J… que o fazia, movimentado a referida conta a crédito e a débito, emitido e solicitando cheques, etc. A arguida sempre confiou na gestão do seu pai relativamente à referida conta, e nunca, até à notificação da presente contra-ordenação teve qualquer motivo para desconfiar que a sua conta poderia ser utilizada para fins ilícitos. Quando falamos de negligência, significa que se não previu, e devia ter previsto, ou se previu e nada se fez no sentido de evitar a concretização do risco e a definição legal de negligência, é especialmente importante pela afirmação contida no proémio do citado artigo 15º do CP, pois é aí "que se contém o tipo de ilícito (a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objectivamente devido) e o tipo de culpa (a violação do cuidado que o agente é capaz de prestar, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais)" - Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 352. Nenhum elemento de facto revela que, antes da ocorrência da situação em causa nos autos era previsível a situação acontecer (daquele modo); nenhum elemento de facto revela que era previsível, objectivamente, o risco do pai da arguida adquirir as ações em quantidade superior às regras de rateio. A arguida é dentista, tendo nascido em 28/06/1984, e, na data em que a conta foi aberta, tinha dez anos de idade. Na data em que alegadamente ocorreram os factos, ou seja no ano de 2006, a arguida tinha 22 anos, e encontrava-se ainda a estudar. A arguida não tinha, nem tem, qualquer conhecimento de como funciona o mercado de venda de bens mobiliários o que sucedeu era claramente imprevisível para a arguida, e não podia a arguida prever o imprevisível. É considerado provado, que a arguida "era capaz, acedendo à informação sobre a conta e inquirindo sobre os contornos e a finalidade da operação em que se integravam as ordens de transferência, de ter agido com o cuidado adequado a não permitir a utilização da sua conta para finalidades ilícitas, sem que no entanto a decisão indique qualquer prova nesse sentido. Mesmo que a arguida inquirisse sobre as ordens de transferência que lhe foram apresentadas, que se destinavam somente a adquirir ações aos seus legítimos detentores, que finalidades ilícitas seriam descobertas, face à sua tenra idade da arguida e a sua inexperiência. Quando a arguida assinou as ordens de transferência, e face ao alegado na decisão recorrida, todo o processo já estaria terminado, já que a assinatura ocorreu após o período de indisponibilidade das ações, e não tendo a arguida qualquer conhecimento do que se passara anteriormente, nenhum juízo de censura lhe pode ser apontado. Por outro lado não pode ser imputável um comportamento negligente à arguida que permite a utilização da conta, como já fazia há doze anos, por seu pai e procurador, e não o inquire sobre essa utilização. No juízo de culpa que tem de fazer-se, o que os factos revelam é que a arguida nunca previu aquele risco, porque, precisamente, nunca tinha tido problemas, era muito jovem, e nada entendia do mercado de valores mobiliários, sempre tendo confiado no seu pai para o efeito. O que a decisão não equaciona, mas nos parece relevante, é que a arguida não previu a situação porque o alegado comportamento temerário e desconforme do procurador, também não podia ser previsto. Acresce que, e, quanto à prova do tipo de culpa (dolo, ou mera negligência) que concorra no caso concreto, como, de resto, relativamente a qualquer outro facto relevante para a decisão de aplicação e graduação da coima, vale o princípio de in dúbio pro reo. Assim, e não constando do processo elementos probatórios seguros que permitissem imputar à arguida qualquer conduta ilícita, mesmo a título negligente, sempre aquela teria que ser absolvida por força do princípio in dúbio pro reo, o que desde já se alega. Acresce que Após ter sido notificada da acusação, indagou a arguida os factos relatados junto do procurador, seu pai, J…, o qual lhe confirmou que todos os atos que praticou foram de acordo com a lei e as boas normas Que o fez sempre com a supervisão do Banco... que lhe transmitiu as diretivas em como deveria agir para não violar as normas legais existentes. Sendo o Banco que deu ao referido procurador indicações de como poderia adquirir as ações, e em que condições, movimentando as contas, autorizando transferências e descobertos, facultando minutas das ordens de transferência Agiu assim o procurador da aqui arguida em consonância com o que lhe era indicado pelo BANCO..., e sempre convencido que o estava a fazer em conformidade com o previsto na lei. VI) Da medida da pena Caso improceda o anteriormente alegado, o que só por mera hipótese se concebe, e caso se considere que a arguida praticou as contra ordenações em que foi condenada, a intervenção da arguida, a ser punida será sempre a título de negligência. A arguida é jovem, tendo na altura da prática dos factos 22 anos, sem que lhe sejam conhecidos quaisquer antecedentes criminais Não tinha, nem tem qualquer conhecimento sobre o funcionamento do mercado de valores mobiliários, tendo confiado no seu pai para gerir a conta por si titulada. Assim, e a entender-se que a arguida deve ser condenada, face ao alegado, a admoestação será mais que suficiente no caso concreto." * O arguido J... arguiu, em conclusões, que: "Ao arguido J..., por decisão administrativa foi aplicada uma coima de €25.000 (vinte e cinco mil euros) pela violação, a título doloso, do dever de defesa do mercado previsto e punido no artigo 311º, nº 1 e 2, al. c) do CdVM, que constitui contra ordenação muito grave, nos termos do artigo 398º al. d) do CdVM, punivel com coima de €25.000 a €2.500.000, nos termos do artigo 388º, nº 1 al. a), do mesmo código. Tendo em consideração o descrito na Determinação da sanção concretamente aplicada (cfr. supra) e o disposto nos artigos 404º e 405º do CdVM e 21º do RGCO, aplicou também a CMVM a sanção acessória de apreensão e perda do produto do beneficio obtido pelo infrator através da prática da infracção, concretamente da mais-valia de 40.688,23€, resultante da venda das ações, nos termos dos artigos 404º nº 1 al. a) do CdVM e 21º do RGCO, Não se conformando, vem dela o arguido recorrer, com os fundamentos seguintes: I) DA NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS de defesa do arguido: A) A quebra do sigilo bancário A CMVM encontra-se, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 354º do CVM obrigada a segredo bancário. A douta decisão considera matérias sujeitas a segredo bancário. Com efeito, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 78º do Regime Geral das Instituições de crédito e sociedades financeiras, "Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes a vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços". Estabelecendo o nº 2 que estão sujeitos a segredo "os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias". Nos termos do nº 2 do artigo 79º do mesmo regime, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados à CMVM no âmbito das suas atribuições. Ora, a própria CMVM está, nos termos do artigo 354º do CVM, obrigada ao dever de segredo relativamente a factos que lhe advenham do exercício das suas funções. E, apesar de a CMVM poder utilizar as informações que lhe advenham para efeitos de instrução de processos e aplicação de sanções, nos termos do artigo 356ºnº 1 al. c), a verdade é que, ao formular uma única Decisão (e Acusação) contra todos os arguidos, entre os quais o arguido J..., está a divulgar, de forma ilegítima informação relativa a segredo a cada um dos visados naquela. B) A não audição da testemunha arrolada pelo arguido, designadamente IC: O arguido arrolou na sua Contestação IC como testemunha. Todavia a diligência de inquirição da testemunha supra referenciada não teve lugar. Concluindo posteriormente que a testemunha terá escassa ou nenhuma relevância probatória para factos pertinentes relativos à infracção que lhe é imputada. As garantias do processo penal têm aplicação ao processo contra-ordenacional e ao direito sancionatório em geral. No caso em apreço, é impossível, assacar de forma antecipada, qual a "relevância probatória para factos pertinentes relativos à infracção que lhe é imputada.". Quanto se sabe não assiste ao direito qualquer ciência de vidência. Nem tão pouco se diga que a mandatária do arguido saiba quais os factos a que a testemunha, em concreto irá depor, Nem pode. A verdade é que a referida testemunha deu à luz a 31/07/2011. A Constituição da República Portuguesa consagra o direito das mulheres a especial protecção durante a gravidez e após o parto. Encontrando-se a referida testemunha amamentar, e sendo alimento exclusivo para o seu filho, não poderia a mesma ausentar-se durante um dia completo, deslocando-se às instalações da CMVM, considerando uma média de 600 KM que distam entre a residência da testemunha e as instalações da CMVM em Lisboa. A promoção, protecção e apoio ao aleitamento materno recaem diretamente no domínio dos direitos humanos. Com efeito, o arguido vê na decisão que ora se coloca em crise o direito constitucional de garantia da sua defesa amputado. A prova requerida encontra-se em respeito do preceituado no Código de Processo Penal, no RGCO e na CRP. No que concerne à prova testemunhal não estipula a lei um limite aos factos a que cada testemunha está adstrita a responder, pelo que, é entendimento que cada testemunha deporá sobre os factos dos quais tem conhecimento direto e que constituem objecto da prova. Posto isto, no condicionalismo descrito, considera-se que a entidade administrativa não realizou todas as diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade, violando desta feita o disposto no nº 1 do artigo 340º do Código de Processo Penal, cometendo, em consequência, a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), parte final, do mesmo normativo. Assim, argui-se pelo presente tal nulidade, pelo que se requer que se revogue a decisão recorrida, para ser substituída por outra, admitindo o depoimento da referida testemunha a nulidade em causa, face ao disposto no artigo 122º do Código de Processo Penal, invalida os atos processuais posteriores ao momento em que a decisão por ela afectada foi proferida. Na decisão a CMVM considera ainda a impossibilidade da mandatária para a inquirição da testemunha, a qual não junta qualquer elemento probatório. A mandatária do arguido esteve internada no Hospital de Braga no período entre 28 de Outubro de 2011 e 03 de Novembro de 2011, com uma infecção renal. Desde então, e porque se encontrava grávida, foi-lhe diagnosticada uma "gravidez de risco", o que acarretou que tivesse ficado desde o dia da alta médica até ao nascimento da sua filha, que ocorreu a 04/02/2012, de baixa médica, Ora, a CMVM não pode, como fez, considerar que tudo isto não passou de uma manobra dilatória, pois nem sequer o mesmo se admite. Questionando um hipotético substabelecimento da mandatária impossibilidade o arguido não quis prescindir do seu patrocínio por nela depositar a sua inteira confiança. A este respeito enuncia o Acórdão 85-148-2 do Tribunal Constitucional de 31/07/85 que: "O direito constitucional do arguido a assistência de defensor que constitui a dimensão formal do direito de defesa, abrange o direito de escolher um defensor, constituindo advogado de sua confiança, em qualquer altura do processo criminal, e o direito de ser por ele assistido em todos os atos de processo" (todo o sublinhado é nosso). DA NULIDADE DA DECISÃO POR NÃO SE PRONUNCIAR SOBRE TODOS OS FACTOS INVOCADOS NA DEFESA, dando-os como provados ou não provados, designadamente: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 da Defesa. A ANÁLISE DO DEVER DE DEFESA DO MERCADO E A ATIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA AO ARGUIDO Dispunha o artigo 311º nº 1 e nº 2 al. c) do CVM, na versão vigente à data dos factos: "1- Os intermediários financeiros e os membros de mercado referidos no nº 3 do artigo 203g devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar atos susceptíveis de por em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade de mercado. 2- São, nomeadamente, susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade de mercado: c) A execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários; O artigo 311º do CVM revela quais os comportamentos típicos de defesa do mercado. Com efeito, o artigo 311º traduz a norma substantiva que prevê o comportamento proibido (o comportamento típico). Ou seja, é o artigo 311º enquanto norma material de conduta - que estabelece qual o dever, e quais os contornos específicos desse mesmo dever, que devem ser cumpridos pelos intermediários financeiros e pelos membros do mercado aí referidos. No caso concreto, trata-se de um dever de abstenção (daí que não se possa dizer que a referida disposição legal prevê comportamentos proibidos), uma vez que, de acordo com o respectivo teor, as pessoas sujeitas a este dever ficam obrigadas a abster-se de praticar condutas típicas aí previstas. Trata-se de uma técnica de tipificação paradigmática do direito de mera ordenação social, em que o especifico comportamento proibido se encontra previsto numa norma substantiva de conduta, a qual revela o comportamento típico, existindo depois uma outra norma que se limita a prever a sanção para a comissão daquele comportamento típico. Nesse sentido, expressamente, veja-se FREDERICO COSTA PINTO, in O Novo Regime dos Crimes e Contra-Ordenações no CdVM, Almedina 2000, p. 27 " a função do tipo na infracção de intermediação excessiva é representada pela norma substantiva do artigo 310º e não pela norma de sanção que para ela remete do artigo 397º Nº 2 al. c). A função do tipo na violação do dever de defesa do mercado resulta do artigo 311º e não da norma de sanção do artigo 398º al. d)". Continua o mesmo autor dizendo: "este entendimento, projectando-se na técnica legislativa, acaba por ser ainda relevante no plano substantivo. Ele significa, nomeadamente, que o regime da imputação subjectiva (a identificação do dolo e da negligência, bem assim como o regime do erro) se afere basicamente e sempre pela descrição da norma de dever (pelo pré-tipo) e não pela descrição da norma de sanção" Ou seja, os comportamentos típicos de violação do dever de defesa do mercado são revelados pela norma de conduta prevista no CVM. Ora, analisando este artigo verificamos que o nº 1 contém uma clausula geral que impõe aos seus destinatários um dever geral de abstenção de condutas que não revelem a maior probidade comercial e que sejam susceptíveis de colocar em causa a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade de mercado. Estamos, como se vê, perante o uso de conceitos gerais e indeterminados, os quais servem para, em conjunto com o disposto no artigo 398º al. d) e 388º nº 1 al. a), punir como contraordenação muito grave a violação do dever de defesa do mercado. É desde há muito inquestionável que, no domínio contraordenacional, vale o princípio da legalidade, tal como definido no artigo 299 da CRP. Revelando, nesta sede, o princípio da Tipicidade e à exigência de Lex certa quanto à delimitação das infrações, que exige que a norma incriminadora descreva de forma complexa o facto punível. Analisando os artigos 311º nº 1 e n.2, al. c), juntamente com os artigos 398º al. d) e 388º, n.º 1 al.a), uma conclusão é inevitável: a norma sancionatória em causa, ao fazer uso de conceitos vagos, imprecisos e indeterminados, não permite uma descrição precisa e completa do facto punível, nem uma delimitação do comportamento sancionável como contraordenação. Ora, permitir neste domínio uma larga margem de apreciação e concretização à CMVM, facultando-lhe a possibilidade de, numa analise a posteriori, decidir incluir qualquer conduta nas referidas normas, sem sequer concretiza o que entende por maior probidade comercial, regularidade de funcionamento, transparência e credibilidade do mercado, viola o principio da legalidade e o seu sub-princípio da tipicidade. Sendo que entendimento diferente do aqui expresso sempre redundaria em norma inconstitucional, isto é, sempre geraria um problema de inconstitucionalidade normativa, por ofensa dos artigos 1º, 2°, 29º nº 1 e 32º nº 10 da Constituição da Republica Portuguesa, o que, cautelarmente, se deixa já arguido. E não se diga sequer que esta questão se encontraria resolvida pelo facto de o nº 2 do artigo 311º concretizar, exemplificativamente as condutas susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Pois que, conforme se verá infra, mesmo que uma conduta possa ser reconduzível a uma das alíneas desse nº 2, a mesma terá ainda assim de ser susceptível de preencher também os elementos do nº 1, ou seja, os tais conceitos vagos, imprecisos e indeterminados. E, além disso, tratando-se de mera exemplificação, nunca a mesma esgotaria a cláusula geral do nº 1. DE QUALQUER FORMA, Ainda que fosse possível concluir pela compatibilidade da norma em causa com o princípio da legalidade, a verdade é que, mesmo assim, uma análise cuidada da Decisão facilmente permite concluir pela c/tipicidade da conduta do Arguido. Com efeito, atenta a estrutura do tipo contra ordenacional em causa, facilmente se pode concluir que é necessário, antes de mais, conjugar a clausula geral do nº 1 do artigo 311º com uma das condutas previstas no número 2, é por demais evidente que tal conduta terá, de qualquer forma, de ser apta a preencher os elementos do nº 1, os quais fazem parte integrante do tipo contra-ordenacional. Concretizando a conduta do Arguido terá não só de ser subsumível a um dos comportamentos identificados no nº 2, como também de revelar uma desobediência a uma actuação compatível com a maior probidade comercial e ser susceptível de colocar em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Sendo certo que o "mercado" deverá ser entendido tendo por base o conceito estabelecido pelo próprio legislador, no artigo 198º, nº 1, na redacção vigente à data dos factos "qualquer espaço ou organização em que admite a negociação de valores mobiliários por um conjunto indeterminado de pessoas atuando por conta própria ou através de mandatário". Aplicando este conceito ao caso sub Júdice, temos que o espaço ou organização em que se admitia negociação dos valores mobiliários em (ações da Galp) era a Euronext Lisboa. Sendo esse o mercado relativamente ao qual se tem de aferir se existiu, por causa da conduta do arguido, qualquer potencialidade de colocar em risco a sua regularidade de funcionamento, a sua transparência e a sua credibilidade: A) DA LESÃO SIGNIFICATIVA: Nos termos da al. c) do nº 2 do artigo 311º na redação vigente à data da prática dos factos, é identificado como comportamento susceptível de colocar em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado, a "execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários". Ou seja, a forma de atribuição de valores mobiliários tem de ser lesada de forma significativa (conceito este que não vem de qualquer forma concretizado na Decisão administrativa da CMVM, nem tão pouco esclarecem que medida é que o arguido teria lesado significativamente o rateio). Ora, não se encontrando definido na lei o que se entende por "significativamente", teremos de nos socorrer de outros conceitos que possam, de alguma forma, auxiliar esta tarefa interpretativa. Sendo certo que, através da necessária conjugação entre o nº 2 e o nº1 do artigo 311º do CVM, poderemos afirmar com segurança que, de qualquer forma, só será significativa a alteração de um mecanismo de atribuição de valores mobiliários que seja susceptível de afectar a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. BRANDÃO DA VEIGA, in Crime de Manipulação, Defesa e Criação de Mercado, Almedina 2001, p. 198, considera ser uma alteração significativa, por exemplo, um mecanismo que vise concentrar os valores mobiliários em poucas carteiras. Acrescentando o referido autor que o que se deverá apurar "são as razões para as quais esse mecanismo foi criado e verificar de seguida se esses fundamentos são de alguma forma distorcidos na intenção das ordens. Ou seja, a exigência de lesão significativa terá de ser aferida em relação a alterações de formas de atribuição de valores mobiliários relevantes, influentes, expressivas e importantes naquele que é o mercado que se está analisar. Não bastando qualquer alteração, mas sim uma alteração que provoque uma lesão significativa naquele que é o bem jurídico que se pretende proteger, O exposto é suficiente para concluir que, no caso em apreciação nos presentes autos, nunca poderíamos estar perante uma alteração significativa. Vejamos o quadro que se junta com o presente como ANEXO I, relativamente ao arguido, no tocante à oferta pública de venda em causa nos autos, designadamente da GALP, contendo agregação dos pedidos e das atribuições, por tranches e por cliente destinatário das transferências de títulos. Conforme resulta do quadro (ANEXO I) a importância do conjunto de pedidos face às quantidades admitidas a leilão por cada tranche, no global do leilão e face à quantidade global de pedidos apresentados em todo o sistema é diminuta. Concretizemos: 0,14842% das ações admitidas a leilão naquela tranche; 0,10155% das ações admitidas a leilão, e 0,01627% do total de ações pedidas por todos os investidores que se habilitaram no leilão; Sendo certo que as ações que lhe foram atribuídas representam: 0,01792% das ações admitidas a leilão naquela tranche; 0,01226% das ações admitidas a leilão, e 0,00197% do total de ações pedidas por todos os investidores que se habilitaram no leilão. Por outro lado, Vejamos agora os mesmos valores mas considerando apenas um pedido para cada operação e tranche e considerando que a esse pedido seria sempre atribuído o valor máximo que coube a cada um dos candidatos: (ANEXO II e III) Tendo em conta os valores apresentados é possível efetuar uma simulação relativa ao impacto no rateio da anulação das ordens transmitidas pelo arguido que posteriormente, transferiu as ações, no caso, apenas da Galp. Com efeito, se simularmos qual seria o impacto de eliminar os pedidos em questão, repartindo as ações atribuídas por todos os outros candidatos (eliminando os pedidos destes no pedido geral), temos os resultados indicados no ANEXO IV. Assim, tomando como exemplo os resultados obtidos no caso da REN, verificamos que na tranche de pequenos subscritores e emigrantes resultaria mais 0,05480% de uma ação para cada um dos outros contemplados. De igual modo na tranche público em geral resultaria mais 0,11051% de uma ação para cada um dos restantes contemplados. Sendo que no caso da Galp resultaria 0,221% de ação para os restantes candidatos na tranche pequenos subscritores e 0,0470% de ação na tranche público em geral. Ou seja, o impacto máximo nos resultados do rateio não chegaria a uma ação. Devendo ainda assinalar-se que, nos termos da operação em causa, apenas foram atribuídas ações em múltiplo de 10, o que sempre seria um factor a levar em linha de conta na redução do impacto analisado. Em conclusão, o impato que existiu não for de molde a poder considerar-se significativo. Sendo certo que a forma de aferir o potencial impato só poderá ser o que acima se descreveu, e não a que decorra de uma quantificação de eventuais mais-valias que cada cliente possa ter obtido aquando da venda das ações, Note-se que há resultados que geraram inclusive uma menos-valia! Pois que essas mais-valias não têm qualquer impato na qualidade da informação ou na eficiência, regularidade, transparência e credibilidade do mercado. Gerando-se além do mais em momento posterior à alegada alteração no mecanismo de rateio, Pelo que nunca seriam sequer aptas a exercer qualquer efeito no mecanismo de atribuição de valores mobiliários. ORDEM DESTINADAS A DEFRAUDAR E LIMITAR (SIGNIFICATIVAMENTE) O RATEIO. Acresce que resulta também claro dos autos que nenhuma das ordens executadas pelo BANCO..., impulsionadas pelo arguido J... foi destinada a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários. As ordens executadas destinavam-se, por outro lado, a subscrever um determinado número de ações e, por outro lado, a transferir e vender tais ações. Sendo certo que os rateios nas operações em causa ocorreram de uma forma perfeitamente regular e licita tendo por base as declarações de aceitação de cada sujeito. Não tendo o arguido J... subscrito mais ações do que aquelas que lhe eram legalmente permitidas, por via do rateio. E não se vendo onde é que a posterior e legítima transferência de ações para contas de outros clientes do BANCO..., também arguido nos autos, possa alterar esta realidade. O rateio sucedeu numa fase anterior. E, em si mesmo, não foi defraudado, nem significativamente limitado. Nem se diga que tal posterior transferência de ações possa, de alguma forma, como que anular ou viciar "retroactivamente" a participação destes clientes no rateio. Pois que tal entendimento não tem qualquer cabimento. O arguido participou e participou legitimamente no rateio. E isso, independentemente de quem suportou as despesas bancárias associadas a tais operações. E também, independentemente de posteriormente decidido transferir as suas ações para contas de outros clientes. Não tendo sequer interesse, nesta sede, apurar se o fizeram de forma gratuita ou não, já que essa análise se passa em momento posterior a alegada influência ou imitação significativa no rateio. Não é isso que está em causa no Dever de Defesa do Mercado. Ou seja, não se trata aqui de uma questão de defesa do mercado, já que a conduta do arguido não é susceptível (pois estamos a falar de um tipo de ilícito contra ordenacional de perigo abstrato) de lesar o bem jurídico tutelado, a regularidade de funcionamento a transparência e a credibilidade do mercado. Aliás, basta atentar nos diplomas que regem as ofertas públicas para facilmente concluir que a limitação do número de ações não tem como fundamento a defesa do mercado mas, antes, uma ideia de igualdade de tratamento (cfr., desde logo o artigo 112º do CVM). Em suma, o que está em causa nos presentes autos - e independentemente de tudo o que ficou já descrito supra - não é uma questão de defesa do mercado, já que este funcionou de forma regular, Não tendo a sua regularidade de funcionamento, transparência, ou credibilidade sido afectadas. Assim, e em conclusão, por tudo o exposto o arguido não violou o dever de defesa do mercado, não tendo praticado atos susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência, nem a credibilidade do mercado, De modo que não cometeu a contra ordenação imputada e prevista e punida pelos artigos 311º, 398º d) e 388º ,nº 1, a) do CVM. Devendo a presente decisão administrativa ser revogada, dando-se a Acusação como não provada, absolvendo-se o arguido com todas as consequências legais. IV) DA IMPUTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SANCIONATÓRIA, A PROPÓSITO DA COMPARTICIPAÇÃO: No âmbito da lei penal e contraordenacional portuguesa, a imputação de responsabilidade sancionatória a entidades colectivas, designadamente no que diz respeito à imputação subjetiva, baseia-se numa concepção derivada ou reflexa "(...) que reproduz o tipo de culpa da pessoa singular que materialmente planeou ou executou o crime", neste sentido JORGE REIS BRAVO, Direito penal de entes colectivos - Ensaio sobre punibilidade de pessoas colectivas e entidades equiparadas, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 71. Analisando o artigo 11º do Código Penal (C.P.), JORGE DOS REIS BRAVO constatou que "a formulação das duas alíneas do nº 2 do artigo 11º do C.P., parece apontar literal e sistematicamente para uma referência pessoal, no sentido de individual, no que respeita ao tipo de imputação objectiva (Ob. Cit.,p. 72), o que faz com que o autor conclua que a opção do legislador em matéria de imputação da responsabilidade sancionatória a entidades colectivas é um modelo da imputação reflexa. Isto é, o modelo segundo o qual " a imputação subjectiva a estabelecer relativamente a entidade colectiva, deverá reportar-se ao tipo subjectivo que presidiu a actuação da pessoa ou pessoas singulares" (Ob. Cit. P. 72). Importa, consequentemente, verificar se no Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas e no Código dos Valores Mobiliários, o modelo de imputação da responsabilidade sancionatória as entidades colectivas difere, ou não, daquele que o C.P. consagra no seu artigo 112. Vejamos. Dispõe o artigo 7 do RGCOC: "1. As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como a pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica. 2. As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra- ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções". Das normas legais acabadas de citar resulta uma evidente conexão entre o tipo de imputação subjetiva referente à pessoa singular que atue no exercício das suas funções. Por seu turno, dispõe o artigo 401º nº 1 e 2 do CVM: "1- Pela prática das contra ordenações previstas neste código podem ser responsabilizadas as pessoas singulares, pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, sociedades e associações sem personalidade jurídica. 2- As pessoas colectivas e as entidades que lhes são equiparadas no número anterior são responsáveis pelas contra ordenações previstas neste código quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores". Assim, a imputação subjetiva, enquanto momento irrenunciável da determinação da responsabilidade sancionatória do BANCO..., há-de ser feita, para todas as contra ordenações previstas no CVM, em função da determinação do dolo ou da negligência das pessoas singulares que o representavam à data dos factos, operando tal imputação em termos reflexos. Neste sentido escreveu GERMANO MARQUES DA SILVA, in Responsabilidade das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Verbo, Lisboa, 2009, p. 194- " A incarnação da pessoa jurídica pressupõe pois a intervenção de uma pessoa física cuja atividade deve juridicamente analisar-se como sendo a pessoa colectiva. Este objectivo é atingido por meio de uma ficção: a representação. Por isso que o facto pessoal de um ser desencarnado como é a pessoa colectiva se realiza por representação de uma ou várias pessoas físicas qualificadas de órgãos ou de representantes, ou seja, mediante uma relação de imputação". Alguns arestos dos nossos Tribunais têm dado conta do entendimento que vimos sustentando. A título de exemplo refira-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.dgsi.pt, proferido no âmbito do processo nº 0643899, de 24 de Janeiro de 2004, onde se conclui que "A responsabilidade contra ordenacional das pessoas colectivas ou equiparadas não tem carácter objectivo, já que pressupõe a prática do facto típico pelos seus órgãos no exercício das suas funções, ou seja, uma mens rea e esta só tem sentido quando referida a pessoas singulares. Daí que a expressão "órgãos" deva ser identificada com as pessoas jurídicas que, enquanto tais actuam em nome do ente colectivo". Este entendimento é, pois pacifico no ordenamento jurídico português. Assim, e olhando agora para o caso sub Júdice, A responsabilidade contra ordenacional que pretende imputar-se ao arguido BANCO... dependeria da verificação e densificação dos elementos de facto que permitam concluir pela imputação subjectiva do tipo contra- ordenacional em causa às pessoas singulares que, à data dos factos actuavam como titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores. Era isto que era necessário demonstrar para se poder sequer ponderar a responsabilidade contra ordenacional do BANCO..., a titulo doloso, Mas sem identificar nem imputar as pessoas físicas que integram os seus órgãos sociais, aos mandatários, representantes ou trabalhadores a prática da contra ordenação, não sendo possível, dessa forma, fazer actuar a imputação subjectiva reflexa supra referida. O que além de concorrer para a apontada nulidade da Acusação, inviabiliza também de meritis a imputação de qualquer responsabilidade ao arguido J..., o qual responderia a titulo de comparticipação na ilicitude. V) DA IMPUTAÇÃO AO ARGUIDO ENQUANTO "AGENTE DE MERCADO": Vem o arguido J..., acusado de executar "...ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários, ato susceptível de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado, ou seja ... na violação do dever de defesa do mercado", enunciado no artigo 311º do CdVM. Estabelece hoje o nº 1 do artigo 311º do CdVM que: "Os intermediários financeiros e os demais membros de mercado devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar outros (…) O art. 16 do RGCO consagra uma concepção extensiva de autor, pela qual a cada um dos agentes se imputa o ilícito contra ordenacional e não apenas a parcela correspondente ao seu contributo ou envolvimento, sendo cada um deles considerado autor do facto. Este conceito abarca a diversidade de contributos e modalidades de actuação concertada entre agentes. Será autor, então, todo aquele que tenha dado, de alguma forma, causa à realização do ilícito. Todavia, é necessário analisar o tipo previsto no artigo 311º nº 1 do CdVM. Assim, conforme estatuído supra, o artigo 311º do CdVM consagra um tipo específico, estando em causa a violação de deveres próprios. Quando estão em causa deveres próprios, dando origem, se violados, a delitos específicos próprios, no caso de intermediários financeiros, existe o que se chama uma infracção de dever. (MARIA MASCARANHAS, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, Pág. 290, Set. 2001). No regime geral das contra ordenações, o comparticipante é todo aquele que cause o facto descrito, o que inclui a lesão do dever. TODAVIA, a violação do dever nos crimes próprios, que só pode ser cometida por pessoas qualificadas (intranei), é o objecto jurídico do crime, sendo a qualificação do agente a circunstância essencial do facto objectivamente ilícito, neste sentido CAVALEIRO FERREIRA, in "Lições de Direito Penal"l, 1992, pág. 462. O mesmo autor, CAVALEIRO FERREIRA, refere ainda que "(...) Este facto, sendo obra comum dos agentes e desde que se verifique a qualificação em qualquer dos agentes, será imputado a todos. Todos os agentes são punidos desta forma, bastando que apenas um deles seja o intraneus, e desde que todos tomem nisso consciência" Ora, o arguido J..., não é pessoa qualificada para os termos do disposto nos artigos 3119 n.9 1 e 2 e 4019 n.9 1, ambos do CdVM e art. 169 do RGCO. Além disso, não tinha o arguido consciência da ilicitude. Desconhecia, até ao momento que foi notificado, que a sua conduta seria ilícita. Até porque procurou, à data dos factos, saber junto do seu gestor de conta como deveria actuar e foi este último quem lhe disse para fazer o que vem descrito nos pontos 1 a 30 do presente articulado. Pelo que confiou que estava a agir correcta e licitamente, sendo que essa confiança é de todo legítima e não censurável. A ilicitude é do agente de mercado ou intermediário financeiro! O arguido apenas foi arrastado por mau aconselhamento daquele para os factos objectivamente descritos no auto de contra ordenação. Se o arguido merece censura é só por ter confiado - como é suposto - no seu gestor de conta, pois é ele que tem a obrigação de informar corretamente das regras aplicadas ao mercado de valores mobiliário. Mas se o arguido não devia confiar no seu gestor, então de nada interessa toda a regulamentação no âmbito do mercado de valores mobiliário, pois que é meramente formal. O arguido procurou saber o que fazer perante quem de direito pelo que a sua conduta não merece censura. De igual modo nenhuma censura merece o desconhecimento da ilicitude pois que o arguido não tinha obrigação de saber das contra ordenações. A falta de consciência da ilicitude é, neste caso, não censurável, pois que o arguido, por um lado não é agente de mercado, pelo que não tem que saber das regras do CdVM, e por outro lado não se trata de uma conduta axiologicamente relevante, uma conduta que qualquer um do povo reconheça ou deva reconhecer como ilícita. Inexiste, igualmente, culpa na assunção comportamental pois que o arguido cuidou de saber quais as regras aplicáveis, e nada mais pode ser exigido ao arguido. VII) DA IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA : Desta sorte, a contra-ordenação em causa é imputada a título de dolo. Ora, tecendo brevemente algumas considerações, no caso dos presentes autos, dizer- se que o Arguido actuou com dolo, implica dizer-se que o mesmo representou (tinha consciência e conhecimento), entre o mais, que estava a violar o (inexistente) dever de mercado, e implica também dizer-se que o arguido teve intenção, ou pelo menos conformou-se, com a prática de uma facto objectivo com aquelas características, as quais eram por si representadas e conhecidas. Para resolver a questão do dolo, é absolutamente essencial alegar e demonstrar factos concretos, materiais e histórico empíricas, que, analisados à luz das regras de experiência comum, possam revelar que o agente representou todos os elementos constitutivos do facto típico e teve a intenção, ou pelo menos conformou-se, com a realização desse mesmo facto típico. Ou seja, sempre seria necessário apontar factos fundadores e reveladores dos elementos cognitivo e volitivo do dolo. Ora, a verdade é que dos autos não resultam quaisquer factos que permitam concluir pelo preenchimento dos referidos elementos do dolo. Antes pelo contrário! É que lida e relida a decisão que ora se coloca em crise, nada permite concluir que a alegada intenção e objectivo do arguido, cliente do BANCO..., fosse por este conhecida, de defraudar o dever de mercado. E mais, o arguido J... não constitui nenhum agente de mercado a quem se possa assacar responsabilidade de violar o (inexistente) dever de mercado. Então, se o arguido responde a título de comparticipação na ilicitude e se não se pode aquilatar do elemento subjetivo no arguido BANCO..., conforme o analisado supra, o mesmo se fará para o arguido ora impugnante. Assim, não sendo possível imputar subjetivamente ao arguido a alegada violação do dever de defesa do mercado, deve o presente processo ser arquivado e o arguido absolvido com todas as consequências legais. O tipo de ilícito - primeiro degrau valorativo da doutrina do crime - tem por função dar a conhecer ao destinatário que determinada espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico e é sempre constituído por uma vertente objectiva (os elementos descritivos do agente, da sua conduta e do seu circunstancialismo) e por uma vertente subjetiva: o dolo ou a negligência. Só da conjugação dos dois elementos ou vertentes (objectiva e subjetiva) pode resultar o juízo de contrariedade da ação à ordem jurídica, o mesmo é dizer, o juízo de ilicitude - cf. Figueiredo Dias, in "Direito Penal - Parte Geral" Tomo I, pág. 231. O Código Penal não define o dolo do tipo, indicando, porém, no art. 14.5, as formas que pode revestir: direto ou intencional, necessário e eventual. Este elemento volitivo pode traduzir-se em diferentes classes de dolo, consoante a direção e força da vontade manifestada, podendo assumir-se aquele como direto, necessário ou eventual. Quanto ao elemento intelectual do dolo: É necessário, para que o dolo se afirme, que o agente conheça e represente corretamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo. Pretende-se que o agente, ao atuar, "conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo objectivo de ilícito constitui o sucedâneo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título, com a consequência de que sempre que o agente não represente, ou represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo, o dolo terá, desde logo, de ser negado" - Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 334 e 335. É o princípio da congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo de ilícito doloso. Adianta ainda o referido autor, pág. 335, "se o tipo de ilícito é o portador de um sentido de ilicitude, então compreende-se que a factualidade típica que o agente tem de representar não constitua nunca o agregado de "puros factos", de "factos nus", mas já de "factos valorados" em função daquele sentido de ilicitude...tornando-se indispensável a apreensão do seu significado correspondente ao tipo». Tal exigência deve respeitar não só aos elementos descritivos do tipo, mas também aos elementos normativos, «aqueles que só podem ser representados e pensados por referência a normas, jurídicas ou não jurídicas». Embora não se exigindo, quanto a estes, que o agente conheça, com toda a exatidão, a subsunção jurídica dos factos na lei que os prevê, sob pena de só o jurista conhecedor poder agir dolosamente - se o agente conhece o conteúdo do elemento mas desconhece a respectiva qualificação jurídica, há um erro de subsunção, que é absolutamente irrelevante para o dolo do tipo - o certo é que se mostra estritamente necessário que o agente tenha conhecimento dos elementos normativos, numa «apreensão do sentido ou significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, ao resultado daquela subsunção ou, mais exactamente, da valoração respectiva"- cf. Figueiredo Dias, "O Problema da Consciência da ilicitude em Direito Penal". Para além disso, casos há em que, para a afirmação do dolo do tipo se torna ainda indispensável que o agente tenha atuado com conhecimento da proibição legal. Tal acontece quando "o tipo de ilícito objectivo abarca condutas cuia relevância axiológica é tão pouco significativa que o ilícito é primariamente constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria proibida, quando também pela proibição legal. Nestes casos, com efeito, seria contrária à experiência e à realidade da vida a afirmação de que o conhecimento da factualidade típica e do decurso do acontecimento orientam suficientemente a consciência ética do agente para o desvalor do ilícito". O art. 16º nº 1 do CP, reconhecendo o erro sobre a proibição, afirma que a sua existência exclui o dolo, equiparando-o ao erro sobre a factualidade típica, quando o seu conhecimento "for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto". Embora com muita raridade se possa afirmar aquele erro sobre a proibição em direito penal - sendo muito mais usual no ilícito de mera ordenação social o certo é que existem casos de ilícito penal em que ele se pode verificar, por isso foi ele admitido pelo legislador. Entre tais casos podem salientar-se, nomeadamente, certos crimes de perigo abstrato, «em que a conduta, em si mesma, divorciada da proibição, não orienta suficientemente a consciência ética do agente para o desvalor da ilicitude» ou certas incriminações pertencentes ao direito penal secundário, nomeadamente no direito penal económico, «em que a relevância axiológica da conduta, se bem que existente, é de tal maneira ténue que também neste âmbito o conhecimento da proibição deve considerar-se razoavelmente indispensável para a orientação do agente para o desvalor da ilicitude». Figueiredo Dias, in "Direito Penal- Parte Geral, I, pp. 348. Nestes casos, para a verificação do dolo do tipo exige-se o conhecimento da proibição legal e o erro respectivo exclui o dolo, devendo o agente ser punido, e se isso for possível, a título de negligência. Mas o dolo é ainda a expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença, perante o dever-ser jurídico-penal, sendo, nesta perspectiva, um elemento constitutivo do tipo de culpa dolosa. O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental do direito penal, do que deriva a exigência de que a aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito típico foi praticado com culpa, traduzindo-se esta numa censura dirigida ao agente pela prática do facto. Já longe vai o tempo em que a "ignorância da lei penal não eximia de responsabilidade criminal" (CP/1886 - art. 29º), fundamentando a irrelevância da falta de consciência da ilicitude para a afirmação do dolo. Com a afirmação do princípio da culpa, o modo de ver o problema tinha necessariamente de ser diferente. No direito penal português actual existem duas espécies de erro jurídico-penalmente relevante, com duas formas de relevância e diferentes efeitos sobre a responsabilidade do agente: uma exclui o dolo, ficando ressalvada a negligência nos termos gerais (art. 16º, do CP); a outra, exclui a culpa, se for não censurável, constituindo causa de exclusão da culpa, mantendo-se a punição a título de dolo se for censurável, embora com pena especialmente atenuada (art. 17º, do CP). Acompanhando, mais uma vez, Figueiredo Dias ("Direito Penal - Parte Geral" Tomo I, pág. 503/504; F. Dias, "O Problema...", §§ 14 e 15), na conclusão: «descuido ou de leviandade perante o dever-ser jurídico-penal e conforma paradigmaticamente o tipo o erro excluirá o dolo (a nível do tipo) sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito; diversamente, o erro fundamentará o dolo (da culpa) sempre que, detendo embora o agente todo o conhecimento razoavelmente indispensável àquela orientação, atua todavia em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto. Neste último caso o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência-intencional), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger. Por outras palavras: no primeiro caso estamos perante uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, revela uma atitude interna de específico da culpa negligente. 1952 Diferentemente, no segundo caso estamos perante uma deficiência da própria consciência ética do agente, que lhe não permite apreender corretamente os valores jurídico-penais e que por isso, quando censurável, revela uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal e conforma paradigmaticamente o tipo específico da culpa dolosa. De uma ou de outra forma, aquele conhecimento tem de resultar direta ou indiretamente da matéria de facto provada. Deveria, assim, da fundamentação de facto resultar matéria factual que permitisse dizer, que se verifica o elemento subjetivo do crime imputado ao arguido - o dolo direto. TODAVIA, Resulta, tanto dos factos carreados para o processo contra ordenacional, como dos que foram adiantados neste articulado, que o arguido desconhecia as ditas "regras de mercado", e que, Desconhecendo, procurou saber, junto do intermediário financeiro, que por sua vez, o informou da conduta a adoptar perante a limitação no tocante à oferta pública GALP. Em face do exposto, quer porque, o arguido não praticou a conduta ilícita que lhe é imputada, desconhecia a proibição legal, actuou com falta de conhecimento da ilicitude, e esta falta de conhecimento não é censurável, quer pelas razões de Direito invocadas, a decisão relativamente ao arguido só pode ser a de ARQUIVAMENTO do processo. IX) DA NEGLIGÊNCIA Vem o arguido acusado de violar o preceito enunciado no artigo 311º do CdVM, a título doloso, nos termos do artigo 14º do Código Penal ex vi artigo 32º do RGCO. 201º a negligência consiste sempre num actuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art. 15º, do C. Penal). Pois bem, dizer-se que o arguido agiu de livre vontade e deliberadamente desacompanhado de quaisquer outros elementos concretizadores, nada adianta quanto à caracterização de uma conduta dolosa. Ora, assim concretizado, mais não é, uma fórmula demasiado vaga, que não integra um qualquer facto, ainda que interior, susceptível de através dele se afirmar uma conduta dolosa. Na verdade, impõe-se que, através da conduta do arguido se conclua que o mesmo tenha adoptado uma conduta dolosa. O que, evidentemente, não sucede. Por outro lado, o arguido atuou conforme o descrito, desconhecendo em absoluto qualquer proibição legal, Procurando, junto de quem por direito, o seu gestor de conta, saber como se processava aquela operação financeira, designadamente a OPV GALP. E neste ponto coloca-se a falta de consciência na ilicitude, que por si, afasta o dolo. Desta sorte, o comportamento do arguido, traduzido facticamente e com os sinais dos autos, não comporta dolo algum. Afastado assim o dolo, vejamos se podemos considerar negligente a conduta do arguido. Assim, considerando o artigo 8º do RGCO ("Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência"), e o regime especial do artigo 402º nº 1 do CdVM (" Os ilícitos de mera ordenação social previstos neste código são imputados a título de dolo ou negligência") há que analisar se a conduta, do ponto de vista da negligência. A negligência do tipo traduz-se na violação, objectiva, de um dever de cuidado. No caso concreto nenhum dever especifico se impõe ao arguido - pois não é agente de mercado ou intermediário financeiro - sendo que o dever geral que se lhe impõe é que o mesmo procurasse saber, junto de quem, supostamente, devia informar correctamente, como a OPV se processava. E este dever o arguido cumpriu ao dirigir-se ao seu gestor de conta. O arguido, pessoa singular e empresário têxtil, com escolaridade mínima obrigatória, bem andou em ter-se dirigido ao seu gestor de conta e acreditado no que aquele lhe disse. Mais não é, nem era exigível ao arguido. A negligência da culpa traduz-se na violação subjetiva de um dever de cuidado por parte do agente, no sentido de que o agente estava em condições de ter atuado de forma diferente e que lhe era exigível que atuasse de forma distinta. Ora, o arguido é empresário têxtil, com a 42 classe e trabalhador desde os 14 anos de idade que foi aliciado a participar na OPV GALP, por quem tem a obrigação legal de conhecer e respeitar todas as regras do CdVM. No caso concreto nada mais lhe era exigido se não aquilo que fez: informar-se junto do seu gestor de conta. O arguido fez o que lhe era exigido. Fez o que lhe era possível. Pelo que, agindo o arguido com o "cuidado" de procurar saber, junto do seu gestor de conta, como se processaria a OPV GALP, nada se pode exigir, também quanto a este título a J.... X) - DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA E SANÇÃO ACESSÓRIA: Sem conceder no que foi supra descrito referente à não procedência do presente processo de contra ordenação por vícios de nulidade e por falta de preenchimento dos vários pressupostos dos quais depende a condenação do arguido pelo ilícito de que vem acusado, e por mero dever de patrocínio, sempre se considera ser de tecer algumas observações quanto ao montante da coima que eventualmente, ainda assim, possa ser aplicada ao arguido. Entre os factores a ter em conta na determinação da coima concreta, conta-se a licitude concreta da facto, a culpa do agente e os benefícios obtidos. Desta sorte, XI) DA SANÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 405º DO CdVM: Por mera hipótese de raciocínio, os factos imputados ao arguido são puníveis com uma coima "...a) Entre € 25 000 e € 2.500 000, quando sejam qualificadas como muito graves. art. 388º nº 1 a) CdVM; Para a determinação da coima concreta e sanções acessórias, enuncia o artigo 405º do CdVM que: "1 - A determinação da coima concreta e das sanções acessórias faz-se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente. - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias: O perigo ou o dano causados aos investidores ou ao mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros; O carácter ocasional ou reiterado da infracção; A existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção; A existência de atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção. - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende- se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias: Nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de acção na pessoa colectiva em causa; Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos; Especial dever de não cometer a infracção. - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta anterior do agente. No caso em apreço a conduta do arguido não foi dolosa e foi praticada com falta de consciência da ilicitude, não censurável. Não sabendo quais as regras que geriam o mercado de valores mobiliários, procurou saber, junto do seu gestor de conta, que o instruiu no sentido dos factos praticados, conforme pontos 1 a 30 deste articulado. A conduta do arguido não causou qualquer dano ao mercado, nem tão pouco havia intenção de causar. Foi a primeira vez que o arguido tomou esta conduta, participando em OPV. O arguido é uma pessoa remediada, e os rendimentos que tem são fruto de uma vida de trabalho. O arguido é uma pessoa simples, honesta, habituada desde sempre a respeitar a Ordem Jurídica. O arguido não tem antecedentes criminais (cfr. Doc junto com a Defesa), Nem tão pouco deve nada a Terceiros e ao Estado (cfr. Doc junto com a Defesa). Note-se que, no que importa à personalidade do agente, este ficou profundamente abalado e preocupado com a Acusação contra si deduzida, Ficando com a sua saúde debilitada desde então, Chegando a ter, inclusive, de ser assistido, de urgência, devido a problemas cardíacos que lhe foram diagnosticados entretanto (conforme documento comprovativo que se protesta juntar). No sentido da verificação da medida e da atenuação especial da coima, deve ler-se, entre outros, o Venerando Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.09.1997, in BMJ, 470-203, Ano 1997, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.03.2004, proferido no âmbito do processo n9. 504/04, que pode ser consultado on-line in www.dgsi.pt, este, porque muito claro, parcialmente se sumariza do seu texto: "I - Na determinação da medida da coima e lei manda atender, entre outros factores, à gravidade da contra-ordenação, sendo que esta depende do bem ou interesse que a contra- ordenação tutela e do benefício retirado e resultado ou prejuízo causado pelo agente. II - Como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.". Resulta claro da tese sufragada neste Acórdão, quando em confronto com a realidade e os sinais dos presentes autos que não se vislumbra qualquer elevada ilicitude assacável ao arguido: A gravidade do comportamento do arguido é diminuta; O arguido não exerce qualquer tipo de funções no Banco BANCO..., S.A.; O arguido não teve intenção de obter beneficio ilegítimo e, muito menos, de causar danos; Sobre o arguido não impendia, nem impende qualquer dever especial de não cometer a infracção; O arguido é pessoa singular; O arguido é pessoa remediada e vive do seu trabalho; O arguido não tem antecedentes contraordenacionais ou criminais; As condutas a que a decisão administrativa atribui relevância nem são sequer susceptíveis de atingir o bem jurídico em causa. Desta sorte, não se vislumbra qualquer elevada ilicitude assacável ao arguido, mesmo na tese apontada pela Acusação. Até porque as condutas a que a acusação dá relevância não são susceptíveis de atingir o bem jurídico em causa. Note-se, também, que não há, como vimos supra quaisquer benefícios obtidos a considerar. Pelo exposto, só lhe poderá ser aplicada, no caso concreto, uma admoestação ou no limite, uma coima muito especialmente atenuada, pelo mínimo legal pela prática dessa precisa infracção. XI.I) DE UMA EVENTUAL SANÇÃO ACESSÓRIA: Sem prejuízo das alegadas gravidades da alegada infracção e culpa do arguido (inexistentes, sempre se recorde) nunca justificarem a aplicação de qualquer sanção acessória, sempre se diga o seguinte: Analisando o artigo 21º e 21º A do RGCO, verifica-se que a aplicação de sanções acessórias ao arguido, para além de apenas poder ser determinada "em função da gravidade da infracção e da culpa do agente", exige a verificação e o preenchimento de pressupostos específicos de aplicação. Em particular, tais pressupostos específicos de aplicação das sanções acessórias vêm previstos no artigo 21- A do referido diploma legal, o qual estabelece, em relação a cada uma das sanções acessórias legalmente tipificadas, as circunstâncias concretas em que as mesmas são admissíveis. A referida disciplina legal tem um fundamento óbvio: o artigo 29º, nº 1 e nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa, exige que os pressupostos de aplicação de uma sanção estejam previamente tipificados, de forma completa, Sendo certo que tal disposição constitucional se aplica ao Direito de Mera Ordenação Social - vide, por todos, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p.331. A análise das várias alíneas do artigo 404º, nº 1 do CVM, revela uma realidade evidente, a saber: tal disposição legal não apresenta um único pressuposto de aplicação específico das sanções acessórias. Pura e simplesmente não há critério de aplicação. Ou melhor, o critério de aplicação será aquele que, naquele momento, a CMVM entender adoptar como válido. Assim, as normas contidas nas diversas alíneas do artigo 404º nº 1 do CVM, ao não estabelecerem pressupostos específicos de aplicação das sanções acessórias, enfermam de inconstitucionalidade (material), por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º2, 29º, nºl e 3, e 30º, nº 4 da Constituição da Republica Portuguesa. O que, só por si inviabilizaria a aplicação de qualquer sanção acessória. XI. II) DA SUSPENSÃO DA SANÇÃO. NOS TERMOS DO ART. 415º DO CdVM: Enuncia o artigo 415º do CdVM , quanto à suspensão da sanção, que: 1 - A CMVM pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção. 2 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para o mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou para os investidores. 3 - 0 tempo de suspensão da sanção é fixado entre dois e cinco anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória. - A suspensão não abrange custas. - Decorrido o tempo de suspensão sem que o arguido tenha praticado qualquer ilícito criminal ou de mera ordenação social previsto neste Código, e sem que tenha violado as obrigações que lhe hajam sido impostas, fica a condenação sem efeito, procedendo-se, no caso contrário, á execução da sanção aplicada. Não obstante o preceito ser omisso quanto às condições que têm de se verificar para que se possa proceder à suspensão da sanção, a aplicação deste regime deve ser feita de acordo com o artigo 50º do Código Penal. (Neste sentido Helena Bolina, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários) Ou seja, verifica-se que a simples ameaça de sanção satisfaz suficientemente os fins de prevenção, mediante a imposição ao arguido do dever de, durante o período definido no nº 5, não praticar infracção criminal ou ilícito de mera ordenação social previsto no CdVM. Assim, se por mera hipótese de raciocínio, ao arguido vier a ser aplicada qualquer sanção, requer-se a sua suspensão. Atendendo à situação fáctica e às qualidades pessoais do arguido, afigura-se que a simples ameaça de sanção cumpre os fins de prevenção geral e especial. Em suma, o arguido não é nenhum agente de mercado, Inexiste qualquer violação de dever de mercado, pois em boa verdade este não existe. Ora se ao arguido BANCO..., nenhuma responsabilidade se pode assacar por constituir pessoa colectiva ( e como vimos supra os entes colectivos não respondem), Então, por mera hipótese de raciocínio, nada, também se pode assacar ao arguido o qual sempre responderia a título de comparticipação." O arguido J…. arguiu, em conclusões, que: "1- O arguido foi condenado pela prática de uma contra-ordenação muito grave, nos termos da al. d) do art. 398º do CdVM, ou seja, da violação do dever de defesa do mercado. Tal dever encontra-se regulado no art. 311º do referido Código que apenas prevê a sua violação por parte dos intermediários financeiros e demais membros do mercado. Não possuindo o arguido impugnante tal qualidade, não existe, consequentemente, a possibilidade da sua condenação, sem prejuízo de ser colocado em causa o princípio da tipicidade. Nem a referência ao nº 1 do art. 16º do RGCO, constante da decisão impugnada como postulando um conceito extensivo de autor, poderá permitir que quem não possua a qualidade de intermediário financeiro ou membro do mercado seja punido pela prática da contra-ordenação em causa, sem prejuízo da violação do referido princípio. Até o valor fixado para a respectiva coima, de € 25.000,00 a € 2.500.000,00, extremamente elevado, indica que o legislador pretendeu estabelecer uma punição destinada a quem possui a qualidade de intermediário financeiro ou agente de mercado e não a qualquer pessoa singular. O arguido mantém que a acusação sempre será nula, porquanto, dela não consta a indicação de quaisquer provas, como determina o art. 283º do CPP, aplicável por determinação do art. 407º do CdVM. Este facto implica que o arguido desconheça, no sentido de formular a sua defesa, a sustentação probatória da acusação, sendo certo que, os direitos de defesa exigem que esse conhecimento se verifique no momento em essa defesa é apresentada. Isto com vista a que o arguido não seja surpreendido com provas que surgem em momento posterior, até porque está obrigado a indicar os seus meios probatórios com a defesa, verificando-se, assim, uma desigualdade entre a acusação e a defesa e que, manifestamente, é favorável àquela. O que impossibilita, também, que o arguido relacione prova que contrarie a que é indicada na acusação. A acusação também é nula por insuficiência da alegação de matéria de facto, nomeadamente, por falta de concretização dos factos que permitem a imputação da violação dolosa do direito de defesa do mercado. Também não são referidos factos que permitam avaliar a verificação do alegado dolo ou da sua intensidade ou que indiciem que o arguido tinha conhecimento e consciência da proibição em causa. De todo o modo, o entendimento de não se verificar a nulidade da acusação é violador do disposto nos arts. 1º, 2º, 20º e 32º da CRP, verificando-se, assim, inconstitucionalidade normativa. A decisão impugnada também é nula, porquanto apenas são descritos os elementos objectivos típicos da contra-ordenação imputada ao recorrente, não se fazendo indicação ou descrição precisa dos factos considerados provados ou não e que integram os elementos subjectivos do tipo. Só em sede de aplicação do direito é que a decisão faz referência ao elemento subjectivo do tipo, enquadrando-o na figura do dolo, desconhecendo-se, por falta de factualidade apresentada, porque razão a culpa do recorrente se traduz numa conduta dolosa. A consequência processual da falta dos requisitos exigidos nas als. c) e d) do nº 2 do art. 58º do RGCO constitui, inevitavelmente, uma nulidade da decisão administrativa por aplicação do disposto no 374ºnº 2 e 379º, ambos do Código do Processo Penal, aplicável ex vi artigo 412, nº 1 do RGCO. Esta nulidade é insanável e de conhecimento oficioso - artigo 119º do Código de Processo Penal. Acresce que, o Tribunal funciona como instância de recurso face às decisões administrativas. Em conformidade com o disposto no artigo 380º, nº 1 do Código de Processo Penal a sanação ou correcção de vícios da sentença só pode ocorrer fora dos casos previstos no artigo 379º do Código de Processo Penal. Significa isto que, na falta de fundamentação de facto, a sentença administrativa não pode, oficiosamente ou a requerimento, ser objecto de correcção. Conforme resulta do artigo 64º do RGCO, o Tribunal apenas pode ordenar o arquivamento do processo ou absolver a recorrente ou manter ou alterar a condenação, implicando, qualquer uma destas três últimas situações o conhecimento do mérito da causa. O Tribunal, face à nulidade da acusação e da decisão administrativa, deverá ordenar o arquivamento dos autos. O recorrente não aceita ter cometido a infracção constante da decisão impugnada. O dever de defesa do mercado apenas se dirige aos intermediários financeiros e membros do mercado, pelo que, a defesa de tal direito não é aplicável ao impugnante. O recorrente não executou quaisquer ordens e, muito menos, destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos do leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários. Não é a emissão de ordens que o recorrente também não realizou, mas a sua execução pelos intermediários financeiros que é sancionada. Não se verificou qualquer ordem do arguido que tivesse como objectivo a subscrição de um número de ações superior ao permitido. Nem este subscreveu mais ações do que aquelas que lhes era permitido por via do rateio, sendo certo que a posterior transferência de ações, não vicia, retroactivamente, esse rateio. Os terceiros participaram, legal e legitimamente, nesse rateio, independentemente de quem suportou as despesas e da posterior transferência das suas ações. O recorrente não violou o dever de defesa do mercado, nem praticou quaisquer atos susceptíveis de por em risco a regularidade do seu funcionamento, a sua transparência ou credibilidade, ou seja, não cometeu a contra-ordenação que lhe foi imputada e, posteriormente, alvo de condenação. O arguido não agiu com dolo, nem sequer com negligência até porque não foram alegados factos concretos, passíveis de prova, que permitam revelar que representou todos os elementos do facto típico e tive intenção ou conformou-se com a realização desse mesmo facto típico. Não é suficiente o conhecimento do tipo objectivo em todas as circunstâncias relevantes, de facto e de direito, é também necessário o conhecimento da proibição legal para que seja possível dizer que o arguido agiu com dolo. O impugnante teria de conhecer a norma proibitiva para tomar conhecimento da ilicitude, sob pena de se verificar erro sobre a proibição, o que exclui o dolo. O facto de o arguido recorrente, alegadamente, saber da existência, em abstrato, de um limite à subscrição de um determinado número de ações, não implica, necessariamente, o conhecimento da violação do dever de defesa do mercado. Esse dever nem sequer lhe é aplicável. A limitação do número de ações que cada investidor poderia subscrever surgiu, para o arguido, como relevante apenas para as instituições intermediárias financeiras e não estava obrigado a conhecer as regras e, muito menos, as consequências da sua violação. Todas as operações foram intermediadas pelas instituições de crédito que organizaram os respectivos processos e informavam os clientes sobre o número de ações atribuídas. Assim e nestes autos, sempre se encontra excluído o dolo do impugnante que confiou na instituição de crédito intermediária que, na sua convicção, o informaria dos contornos da operação e das limitações e regras a ela inerentes. Até porque não possuía conhecimentos especializados no domínio deste tipo de operações, nem procedeu à leitura de qualquer informação escrita sobre as ofertas públicas. A actuação do arguido confiando na entidade financeira intermediária, não implicou qualquer falta de atenção ou cuidado, ou na violação de qualquer dever objectivo, pelo que o seu comportamento não poderá ser considerado sequer negligente. O recorrente não violou o dever de defesa do mercado, mas se assim se não entender, deve ser considerado que o arguido agiu sem culpa, não tendo consciência da ilicitude do facto. O seu erro, a existir, não deve considerar-se censurável, porquanto, actuou com o cuidado que uma pessoa portadora de uma recta consciência ético-jurídica teria. Nos termos do nº 1 do artigo 9º do Dec. Lei nº 433/82, deverá o arguido ser absolvido ou se assim se não entender, o que só por hipótese se admite, sempre terá ocorrido reduzida gravidade da infracção e da culpa e, nos termos do artigo 51º do referido diploma legal, apenas deverá ser proferida uma admoestação. Os factos que constam em 116, 144, 145, 148, 150, 153, 154 e 155 da relação dos factos provados, revelam erro manifesto na apreciação da prova, na medida em que não existe qualquer elemento probatório, ao contrário do constante da decisão impugnada, que permita que os mesmos se considerem como provados. Nomeadamente, que o arguido recorrente tenha praticado qualquer ato com vista à aquisição de ações em número superior ao que as regras do rateio permitiam. Não é verdadeiro que a aquisição das 17.620 ações da REN resulte dos lotes reservados aos públicos em geral e a pequenos subscritores e emigrantes, porquanto tal aquisição, por parte do recorrente, é posterior e já no âmbito do período que permitiu a sua livre transacção. Não existe qualquer suporte probatório, nem documental nem através de qualquer depoimento, que permita que os factos referidos em 153, 154 e 155 se considerem provados. A decisão impugnada violou, entre outras, as disposições dos arts. 311.5 e 398.5, ambos do CdVM e 16º e 58º do RGCO." * O arguido Banco..., S.A. arguiu, em conclusões, o seguinte: "Análise crítica dos factos dados como provado A) Quanto às operações da Arguida C...no âmbito da OPV da GALP e da REN: Quanto às operações do Arguido J... no âmbito da OPV da GALP Quanto às operações dos Arguidos MN e M... no âmbito da OPV da REN Os factos constantes dos pontos 81, 82, 112, 113, 156 e 157 da matéria de facto, relativos à intervenção do BANCO... na aquisição de ações GALP e REN para a conta dos seus clientes e ao suposto carácter consciente e voluntário da sua conduta, foram incorrectamente julgados, na medida em que a CMVM considera-os provados, não com base em provas carreadas para os autos, mas em meras conjecturas e suposições, bem como em pressupostos de facto errados. Por ser assim, os factos constantes dos pontos 81, 82,112,113,156 e 157 da matéria de facto deverão ser dados como não provados. A propósito dos factos relativos à sua cliente C…, a Acusação proferida nestes autos imputava ao BANCO... uma única contra-ordenação. Porém, tendo por referência o mesmo exato conjunto de factos, a CMVM condenou o BANCO... pela prática de duas contra-ordenações. A condenação do BANCO... por mais uma contra-ordenação implica um aumento de € 50.000,00 do limite máximo da moldura concreta da coima única aplicável, considerando as coimas parcelares aplicadas na Decisão, que passa de € 150.000,00 para € 200.000,00. A Decisão constitui, assim, uma decisão surpresa, com a qual o BANCO... não poderia contar e relativamente à qual não pôde, de forma alguma, preparar a sua Defesa. A Decisão é, consequentemente, nula por violação do direito de defesa do BANCO... consagrado no 50º do RGCO e, bem assim, no artigo 32º, da Constituição, o que se arguiu para todos os efeitos legais. Para além disso, a condenação do BANCO... por mais uma contra-ordenação do que aquelas que lhe eram imputadas na Acusação, tendo por efeito a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, consubstancia uma verdadeira e própria alteração substancial de factos, nos termos da alínea f) do artigo 1.2 do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCO, pelo que tal alteração não poderia ser tomada em conta para efeito de condenação do BANCO... no processo em curso, nos termos do artigo 359, nº 1, do CPP. Assim, tendo tomado em conta tal alteração, condenando o BANCO... por factos diversos dos descritos na Acusação, em violação do aludido artigo 359, nº 1, do CPP, a Decisão é nula nos termos do disposto no artigo 379º, n.s 1, alínea b), do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCO), o que se invoca para todos os efeitos legais. E a norma que resulta da conjugação do artigo 50º do RGCO com os artigos 359º, nº 1, e 379º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, interpretada no sentido de que, sendo imputadas ao Arguido três contra-ordenações na Acusação, é válida a Decisão que o vem a condenar por quatro contra-ordenações, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 1º, 2º, 20º, n.º 4, e 32º, nº 10, da Constituição, o que também se invoca desde já para os devidos efeitos. A violação do dever de segredo pela CMVM (na Acusação e na Decisão) A Acusação e a Decisão contêm informação bancária de vários clientes do BANCO..., muitos dos quais sem qualquer relação entre si, sendo certo que tal informação se encontra protegida por segredo, nos termos do artigo 78º, nºs 1 e 2, do RGICSF. A possibilidade de a CMVM utilizar informações cobertas por segredo, designadamente no âmbito de processos de contra-ordenação (cf. artigo 356º, nº1, alínea c), do CdVM), existe, mas reveste carácter excecional, na medida em que põe em causa o direito à intimidade e reserva da vida privada, constitucionalmente consagrado no artigo 26º, nº 1, da Lei Fundamental. A congregação num só processo, numa só Acusação e numa só Decisão, de informação coberta por segredo bancário respeitante a uma pluralidade de clientes do BANCO..., dando a conhecer a uns a informação bancária de outros, não era estritamente necessária para a instrução do presente processo contra-ordenacional, pelo que não havia fundamento bastante que pudesse legitimar a quebra do segredo. À luz dos princípios da proibição de excesso e da menor ingerência, a preservação do segredo bancário dos clientes do BANCO... só seria alcançada, in casu, através da separação de processos (cf. artigo 30º do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCO), sendo organizados autonomamente tantos processos de contra-ordenação quantos aos clientes do BANCO... aqui Arguidos, e sendo deduzidas Acusações e proferidas Decisões respeitantes apenas a cada um deles. Assim, o presente processo de contra-ordenação é nulo, por preterição de um ato legalmente obrigatório (e necessário para evitar a violação do segredo bancário), nos termos do artigo 120º, n.s 2, alínea d), do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, n.°1; do RGCO ou, caso assim não se entenda, irregular, de acordo com o artigo 123º do CPP. E a norma do artigo 30º do CPP interpretada no sentido de que não é obrigatória a separação de processos quando da conexão ou apensação destes resulte a violação do segredo bancário, com transmissão de elementos cobertos por segredo bancário a uma pluralidade de pessoas, sem relação entre si, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do artigo 26º, nº 1, da Constituição, o que se deixa desde já arguido para todos os efeitos legais. A nulidade da Acusação por não indicação de provas: Para exercer cabalmente o seu direito de defesa, consagrado, entre o mais, no artigo 50º do RGCO e no artigo 32º, nº 10, da Constituição, o Arguido tem de poder conhecer, avaliar e contrariar as provas em que se sustentou tal decisão de acusar, desde logo, e entre o mais, porque são essas provas que poderão (ou não) vir a fundamentar a sua eventual condenação. Porém, a Acusação proferida nestes autos não continha qualquer indicação ou referência quanto aos meios de prova ou aos meios de obtenção de provas em que se sustentou a decisão de acusar. Por essa razão, a Acusação era e é nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas d), e) e f), do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCO, nulidade essa que se arguiu tempestivamente na Defesa e que acarreta também a nulidade da Decisão, por força do disposto no artigo 122º do CPP. E a norma resultante da conjugação do artigo 283º, nº 3, alíneas d), e) e f), do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCO, interpretada no sentido de dispensar a Acusação de indicar expressamente as provas em que se fundamenta é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 1º, 2º, 20º, nº 4 e 32º, nº 10, da Constituição, o que se deixa também desde já arguido. A nulidade da Acusação e da Decisão por insuficiência de matéria de facto e de direito em geral A Acusação e a Decisão são omissas quanto à identificação, no plano factual, de vários dos elementos objectivos do tipo contra-ordenacional em causa nos presentes autos. Do mesmo passo, a Acusação e a Decisão são omissas quanto à alegação de factos que permitam concluir pela existência do alegado dolo do BANCO..., não havendo sequer menção quanto à espécie (direto, necessário ou eventual) ou à intensidade desse pretenso dolo, bastando-se a CMVM com a mera enunciação de factos objectivos aos quais pretende associar, por mera extrapolação, o correspondente elemento subjectivo. Para além disso, embora a norma de dever cuja violação é imputada ao BANCO... (artigo 311º, nºs 1 e 2, alínea c), do CdVM) exija uma intenção específica - defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de instrumentos financeiros -, nem a Acusação nem a Decisão alegam quaisquer factos a esse respeito. Assim, de acordo com o artigo 50º do RGCO e dos artigos 283º, nº 3, alínea b), e 141º, nº 4, alínea c), do CPP (aplicáveis ex vi artigo 41º do RGCO) e, bem assim, da jurisprudência fixada no Assento n.2 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Janeiro, a Acusação é nula, tendo o processo ficado inquinado a partir do momento da sua prolação, o que implica a nulidade da própria Decisão, nos termos do artigo 122º do CPP. Sendo certo que, pelas mesmas razões, ou seja, pela insuficiência da matéria de facto e de direito com relevância para a imputação das infrações aqui em causa ao BANCO..., a Decisão é também nula, não apenas por efeito da nulidade da Acusação, mas igualmente por força do artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, aplicável ex vi artigo 41º do RGCO e, diretamente, por via do preceituado no artigo 58º, nº 1, alínea b), do RGCO, o que se deixa também desde já invocado para todos os efeitos. E as normas resultantes da conjugação dos citados artigos, interpretadas no sentido de dispensar a Acusação e a Decisão de narrarem de forma suficiente e inteligível os elementos de facto e de Direito que fundamentam a aplicação de uma sanção punitiva, designadamente os factos que constituem e integram as infrações imputadas ao Arguido, bem como os elementos que revelam e concretizam o seu suposto dolo, não indicando o modo e a forma como a alegada infracção ocorreu, bem como as circunstâncias que a antecederam e envolveram e as respectivas consequências, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 1º, 2º, 20º, nº 4, e 32º, nº 10 da Constituição, o que se deixa também desde já arguido. Em particular, a nulidade da Acusação e da Decisão por falta de indicação das pessoas singulares que praticaram os factos imputados ao BANCO... e de concretização das circunstâncias objectivas e subjectivas em que tais factos tiveram lugar A CMVM procede a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 401.2, n.2s 1 e 2, do CdVM, ao concluir que "a punição das pessoas colectivas não depende da imputação da conduta a concretas pessoas singulares". Com efeito, e ao contrário do que diz a CMVM, pela natureza das coisas e por força da própria lei, a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas depende sempre de um substrato humano, de um ato ou mais atos de uma ou mais pessoas singulares, ainda que isso não signifique que tal responsabilidade esteja condicionada à prévia ou concomitante responsabilização dessas pessoas singulares. Ora, nos termos do nº 2 do artigo 401º do CdVM, só são tratados como factos da pessoa colectiva "os factos [que] tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores". Assim, a imputação de uma contra-ordenação a uma pessoa colectiva há-de ser feita, para todas as contra-ordenações previstas no CdVM, em função da actuação de uma ou mais pessoas singulares abrangidas pelo nº 2 do artigo 401º, operando tal imputação (à pessoa colectiva) em termos reflexos, quer no plano objectivo, quer no plano subjectivo. Porém, a Acusação proferida nestes autos é absolutamente omissa, em termos de alegação factual, quanto à imputação, objectiva e subjectiva, dos factos em apreço à(s) pessoa(s) singular(es) que representavam o BANCO... à data dos factos e que alegadamente praticaram as infrações pelas quais o Banco foi condenado, inviabilizando, dessa forma, a imputação reflexa desses factos ao BANCO.... Por ser assim, a Acusação é nula, nos termos do disposto no artigo 50º do RGCO e nos artigos 283º, nº 3, alínea b), e 141º, nº 4, alínea c), do CPP (aplicáveis ex vi artigo 41º do RGCO). E o mesmo se diga da Decisão que, pretendendo cumprir esse seu ónus de alegação e de prova através da formulação de meras conjecturas e conclusões vagas, acaba também por nada referir, em termos factuais, a este respeito, sendo igualmente nula por força do disposto no artigo 379.2, n.2 1, alínea a), do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, n.2 1, do RGCO e, diretamente, por via do preceituado no artigo 58.2, n.2 1, alínea b), do RGCO. E as normas resultantes da conjugação dos citados artigos, interpretadas no sentido de dispensar a Acusação e a Decisão de narrarem de forma suficiente e inteligível os elementos de facto e de Direito que fundamentam a aplicação de uma sanção punitiva a uma pessoa colectiva, designadamente os factos que constituem e integram as infrações imputadas à pessoa colectiva e de identificarem as pessoas singulares que os praticaram ou neles intervieram, bem como as circunstâncias em que tais factos foram praticados e, bem assim, os elementos que revelam e concretizam o suposto dolo ou negligência destas, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 1º, 2º, 20º, nº 4, e 32º, nº 10 da Constituição, o que se deixa também desde já arguido. As contra-ordenações imputadas ao BANCO... Quanto ao modelo de imputação (reflexa) de responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas Como se referiu, não se identifica em parte alguma da Decisão que titular de órgão social, que mandatário, que representante ou trabalhador do BANCO... agiu em termos que permitem atribuir ao Banco a correspectiva responsabilidade contra- ordenacional, sendo por isso inviável, para o Banco, saber quem exactamente agiu em seu nome e por sua conta nem em que circunstâncias, objectivas e subjectivas, o fez. Neste contexto, não é possível fazer actuar o mecanismo de imputação reflexa que decorre do citado artigo 401º, nº 2, do CdVM, o que, gerando nulidade já invocada, prejudica igualmente, no plano do mérito, a possibilidade de imputar ao BANCO... qualquer responsabilidade contra-ordenacional. Imputação objectiva: O dever de defesa de mercado em geral: a relação entre os nºs 1 e 2 do artigo 311º do CdVM A CMVM procede a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 311º, nºs 1 e 2, CdVM, ao concluir que uma situação subsumível numa das alíneas do nº 2 do artigo 311º do CdVM "implica sempre conduta contrária ao dever de defesa do mercado, sem necessidade de se preencher ainda a formulação genérica do dever constante do nº1". Com efeito, a verificação de um exemplo padrão previsto no nº 2 do artigo 311º do CdVM constitui apenas um indício de violação de dever de mercado, sendo sempre necessário, para que haja preenchimento do tipo contra-ordenacional aqui em causa, que esse indício seja confirmado pela constatação de que a cláusula geral prevista no nº 1 do artigo 311º do CdVM foi também violada, sendo atingido o conteúdo de desvalor ínsito à norma globalmente considerada. Para além disso, o BANCO... foi condenado pela própria CMVM, como consta expressamente da parte final da Decisão, "pela violação, a título doloso, do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311º, nºs 1 e 2, alínea c), do CdVM". Consequentemente, incumbiria à CMVM demonstrar que o comportamento do BANCO..., para além de preencher uma das alíneas do nº 2 artigo 311º do CdVM, consubstanciava também uma violação dos deveres consagrados no nº 1 do mesmo preceito, o que a Decisão não faz, com isso prejudicando, por si só, a possibilidade de imputar as contra-ordenações aqui em causa ao BANCO.... b. Quanto à susceptibilidade de fraude ou limitação significativa dos efeitos de rateio No âmbito da violação do dever de defesa do mercado previsto no artigo 311.9 do CdVM, para que haja relevância típica do comportamento é necessário que este seja apropriado ou apto a produzir o risco (para a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado) que se pretende prevenir com o citado preceito. A contra-ordenação resultante da violação daquele dever consubstancia, pois, uma infracção de perigo abstrato-concreto ou de aptidão, na medida em que se admite a possibilidade de o perigo (aí pressuposto) ser infirmado pelo Arguido. Idêntico raciocínio é aplicável às situações previstas nas alíneas do nº 2 do artigo 311º do CdVM, as quais, atenta a relação estreita entre o nº 2 e o nº 1 do mesmo preceito, estão também elas sujeitas ao crivo normativo de perigosidade ínsito nesse nº 1. Neste sentido, a execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de rateio na atribuição de valores mobiliários (prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 311º do CdVM) só será tipicamente relevante se for efectivamente susceptível de produzir uma alteração qualificada do rateio e, dessa forma, susceptível de afectar a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Ora, o impacto máximo nos resultados do rateio decorrente da execução, pelo BANCO..., das ordens que lhe foram transmitidas pelos seus clientes, não chegaria sequer a 1 (uma) acção. Assim, na medida em que a execução de ordens de clientes por parte do BANCO... não conduziu a uma alteração qualificada na atribuição de valores mobiliários no âmbito das OPVs da REN e da GALP, a possibilidade de perigosidade pressuposta e exigida no artigo 311º, n°s 1 e 2, do CdVM acaba por relevar-se inexistente, pelo que, também por esta razão, a conduta imputada ao BANCO... não atinge sequer o limiar de relevância típica exigida para a violação do dever de defesa de mercado. c. Quanto às ordens transmitidas ao BANCO... As ordens recebidas pelo BANCO... dos seus clientes destinavam-se, por um lado, a subscrever um determinado número de ações e, por outro, a transferir e vender essas ações, não tendo nenhum dos clientes do BANCO... subscrito - por via do rateio - mais ações do que aquelas que podiam legalmente adquirir. Os clientes do BANCO... participaram, e participaram legitimamente, no rateio que teve lugar no âmbito das OPVs da REN e da GALP. Em suma, o mercado funcionou de forma regular e sem que, por via das ações imputadas ao BANCO..., fossem postas em causa a sua transparência ou a sua credibilidade. Por conseguinte, não foi violado o dever de defesa do mercado previsto no artigo 311º do CdVM nem, consequentemente, pode ser imputado ao BANCO... o tipo contra- ordenacional decorrente dessa (inexistente) violação. Imputação subjectiva e culpa: O (alegado e inexistente) dolo genérico Para que exista dolo exige-se o conhecimento de uma certa realidade - a descrita no tipo sancionatório - e uma adesão da vontade do agente em relação à realização do facto que integra o tipo. Porém, nada permite concluir que as alegadas intenções e objectivos dos clientes do BANCO... fossem do conhecimento deste ou que este os tivesse sequer detectado, ou seja, que o BANCO... representou (tinha consciência e conhecimento) que estava a violar o dever de defesa do mercado. Para além disso, nenhum elemento probatório carreado para os autos permite afirmar que o BANCO... teve intenção, ou pelo menos conformou-se, com a prática e um facto objectivo que consubstanciasse a violação do dever de defesa do mercado. Com efeito, as intenções que a CMVM vislumbra no comportamento que imputa ao BANCO... não são detectáveis na execução de meras ordens de subscrição ou de transferência, sendo certo que não cabe ao BANCO... cuidar ou questionar os seus clientes sobre a existência de eventuais negócios subjacentes às mesmas e, portanto, indagar das possíveis intenções subjacentes destes. O BANCO... não representou, pois, e muito menos quis participar no plano ilícito alegadamente arquitectado e executado pelos seus clientes, no sentido de lhes permitir adquirir mais ações nas OPVs da REN e da GALP do que o permitido pelas regras de rateio. A imputação dolosa das infrações aqui em causa ao BANCO... é, por isso, totalmente injustificada. O (alegado e inexistente) dolo específico: Para efeitos de preenchimento da contra-ordenação resultante da violação do dever de defesa de mercado, previsto no artigo 311.2, n.2s 1 e 2, alínea c), do CdVM, exige-se que o agente seja determinado, na sua actuação, por uma intenção específica, a saber, a de defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de instrumentos financeiros. A intenção específica exigida no citado preceito concorre e acresce ao dolo do tipo (conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), sendo dele autónoma. A Decisão, porém, não identifica quaisquer elementos objectivos e externos que permitam revelar uma atitude interna do BANCO... que possa traduzir a intenção específica de querer defraudar ou limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de instrumentos financeiros. A demonstração dessa atitude interna do BANCO... sempre seria, em todo o caso, impossível, porque a verdade é que o BANCO... não agiu com tal intenção, tendo antes determinado a sua actuação, como sempre fez, com vista a satisfazer os compromissos contratuais assumidos perante os seus clientes. A esta luz, deve ter-se por igualmente excluído o dolo específico exigido para o preenchimento do tipo contra-ordenacional resultante da violação do dever de defesa de mercado. O princípio da confiança (nos clientes): O princípio da confiança determina que nos casos em que o agente conforme a sua actuação com base no comportamento de terceiro, de tal modo que confie na sua correcção, admissibilidade e/ou licitude, não pode considerar-se que tenha apreendido e valorado correctamente o desvalor da sua conduta, constituindo a confiança (legitimamente) depositada no comportamento de terceiro um insuperável óbice a uma correcta consciência da ilicitude. Ora, nas relações entre um cliente e um Banco, o valor da confiança, e o respeito por este, fazem-se sentir de modo particularmente intenso, pelo que a confiança do BANCO... no sentido de que as ordens dos seus clientes eram lícitas sempre implicaria uma impossibilidade de orientação para a pretensa ilicitude do seu comportamento. Deve, por isso, ter-se por necessariamente excluída a culpa (dolosa) que a CMVM imputa ao Banco, nos termos do artigo 9º do RGCO. A inexistente culpa organizacional do BANCO... À data dos factos aqui em causa, o BANCO... tinha instituídos uma série de mecanismos que lhe permitiam dar cumprimento adequado a todas as normas legais e regulamentares relativas ao exercício da actividade de intermediação financeira, designadamente no Regulamento Interno relativo à actividade de intermediação financeira e no seu Código Deontológico. Tais instrumentos eram e são vinculativos para todos os colaboradores do BANCO..., aos quais era ministrada formação sobre o seu conteúdo, acarretando a violação das normas neles consagradas a responsabilidade disciplinar do trabalhador em causa. Ora, a culpa das pessoas colectivas é necessariamente uma culpa organizacional, no sentido de o juízo de censura que lhes pode ser imputável se baseia sobretudo no defeito organizacional que, sendo-lhes imputável, promove ou pelo menos permite a realização de infrações. À data dos factos aqui em causa, o BANCO... tinha aprovado, como se referiu, uma série de instrumentos vinculativos para todos os seus colaboradores, os quais se destinavam promover um clima organizacional simultaneamente preventivo e repressivo de actuações ilícitas, designadamente no âmbito da actuação do Banco enquanto intermediário financeiro. Neste sentido, não é imputável ao BANCO... qualquer defeito organizacional associado às condutas que lhe são imputadas e pelas quais foi condenado na Decisão, pelo que a culpa do Banco seria em qualquer caso reduzida (o que releva para efeitos de diminuição da coima única aplicada), se não mesmo excluída (o que importaria a absolvição do Banco). A COIMA APLICADA: A medida da coima Na determinação da coima aplicada ao BANCO..., a CMVM atendeu, entre o mais, ao grau de ilicitude grave da conduta do Banco, ao título de imputação subjectiva, ao grau de culpa, às necessidades de prevenção geral e especial e à situação económica do Banco. Com base na ponderação dos referidos critérios, a CMVM aplicou ao BANCO... uma coima única de € 100.000,00, sendo que o limite mínima dessa coima única seria de € 50.000,00 e o máximo de € 200.000,00. Porém, caso tais critérios de graduação da medida da coima tivessem sido devidamente considerados, a coima única aplicada ao BANCO... teria sempre de fixar-se no limite mínimo da moldura sancionatória aplicável ou muito próximo deste, porquanto: O grau de (alegada) ilicitude dos factos imputados ao BANCO... teria sempre de considerar-se diminuto; A imputação dolosa é e sempre seria manifestamente injustificada; A culpa do BANCO..., sendo inexistente, em caso algum poderia considerar-se dolosa; As necessidades de prevenção geral e especial são e sempre seriam diminutas, senão mesmo inexistentes; Acresce que a situação económica do BANCO... que a CMVM tomou em consideração foi a referente ao exercício de 2010, no qual o Banco apresentou resultados positivos, mas, sendo já conhecidas as demonstrações financeiras relativas ao exercício de 2011, no qual o BANCO... apresenta resultados negativos, devem ser estas a ser consideradas para efeitos de graduação da medida da coima aplicável. Para além disso, e embora a CMVM não o mencione, não adveio para o BANCO... qualquer benefício económico em razão das contra-ordenações que lhe são imputadas, o que também depõe no sentido da redução da coima única aplicada. Finalmente, para efeitos de graduação da medida da coima única aplicável, teria sempre de ser desconsiderada a contra-ordenação adicional (por confronto com a Acusação) pela qual a CMVM condena o BANCO... na Decisão, o que implicaria uma redução do limite máximo da moldura sancionatória aplicável para € 150.000,00 (ao invés dos actuais € 200.000,00), redução essa naturalmente a considerar na aplicação de uma eventual coima única. A suspensão parcial da execução da coima A tentativa de a CMVM impor, como condição de validade da suspensão parcial da suspensão da coima, a não impugnação da Decisão pelo BANCO..., é simplesmente inadmissível, ofendendo, por si só, o exercício do legítimo direito de impugnação pelo BANCO..., garantido, desde logo, pelo artigo 20º da Lei Fundamental. Acresce que, nos termos dos artigos 408º do CPP e 41º do RGCO, uma eventual impugnação judicial da Decisão tem efeito suspensivo, o que sempre determina a sustação da execução de todas as consequências da condenação, quer no que respeita ao pagamento da coima, quer no plano do cumprimento das condições associadas à suspensão parcial da execução dessa mesma coima. Assim, a impugnação judicial da Decisão, por si só, não poderá excluir a referida suspensão, devendo a eventual coima a que o BANCO... venha a ser condenado, ser também suspensa já que entre a Decisão e a presente Impugnação não se alteraram quaisquer das circunstâncias que determinaram que a CMVM aplicasse tal suspensão. E a norma do artigo 415º do CdVM, interpretada no sentido de exigir a renúncia ao direito de impugnar judicialmente a Decisão como condição, ainda que implícita, da suspensão parcial da execução da coima, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 5 e 268º, nº 4 da Constituição, o que se deixa desde já arguido para todos os efeitos legais." A CMVM juntou alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. * O tribunal é competente. * Vieram os arguidos invocar vícios da acusação e da decisão administrativa. Vejamos. Invocam alguns arguidos que a inclusão no mesmo processo de informação bancária relativa a diferentes clientes viola segredo bancário, o que importa nulidade e é violador da lei fundamental. É certo que do processo constam nomeadamente extratos bancários e outra informação bancária que pode ser considerada coberta por sigilo bancário. O sigilo bancário visa proteger o bem jurídico privacidade, mantendo-se reserva quanto à situação financeira e patrimonial dos beneficiários do sigilo, ao evitar a revelação de dados relativos a tal situação a terceiras pessoas. Não obstante, os direitos fundamentais admitem restrições, sempre que necessário à salvaguarda de outros direitos fundamentais, tão ou mais relevantes que os primeiros (vide art. 18/2 da CRP). No caso concreto, se a instrução de processos separados poderia evitar a revelação de dados bancários aos demais arguidos, certamente que tal instrução separada acarretaria maiores desvantagens para a realização da justiça, implicando diminuição da celeridade processual, aumento dos gastos com tramitações separadas e mais importante, diminuição da qualidade da justiça, na medida em que não proporcionaria ao decisor e julgador uma visão de conjunto, importante para a determinação da responsabilidade da entidade bancária e sobretudo para a ponderação da sanção a aplicar. A graduação da relevância do segredo bancário deve ser analisada em concreto, face aos dados em causa, à atividade profissional e enquadramento social do beneficiário do segredo, de modo a determinar se o mesmo deve ou não ceder para garantir uma melhor realização da justiça, conforme acima explicado. Ora, no caso concreto, não foram alegados nem resultam dos autos elementos que nos permitam concluir por um prejuízo sério na revelação dos dados constantes do processo, pelo que há que concluir que o valor individual reserva da privacidade deve neste caso ceder face ao valor fundamental da realização da justiça. Termos em que inexiste qualquer vício de nulidade por preterição de sigilo bancário, seja por violação de lei ordinária ou de preceito constitucional. * Quanto ao facto de a CMVM ter decidido não inquirir a testemunha Isabel Clara ..., note-se que o fez de modo justificado (fls. 4644 a 4647), na sequência de várias diligências no sentido da sua audição ao longo de meses. Ponderada a inadmissível demora da diligência face aos esclarecimentos que previsivelmente se obteriam de tal inquirição e analisado criticamente o conjunto da prova já produzida, a Autoridade entendeu não realizar tal diligência, de modo perfeitamente justificado e que não se reputa preterição de diligência considerada essencial à descoberta da verdade. Acresce que em fase judicial o arguido teve nova oportunidade de indicar toda a prova relevante à sua defesa. Termos em que inexiste qualquer vício daqui adveniente. Foram ainda invocados vícios da acusação e da decisão administrativa, pela sua insuficiência, seja em matéria de facto, de direito e da não descrição dos meios de prova na acusação, bem como alterações entre a acusação e a decisão, vícios estes que prejudicaram as garantias de defesa dos arguidos. Analisado o teor quer da acusação quer da decisão administrativa, verificamos que as mesmas são, em geral, particularmente pormenorizadas no elencar dos elementos de facto e de Direito que fundamentam as imputações, incluindo os elementos essenciais e indo além daquilo que é até habitual, sobretudo em processos contraordenacionais. A CMVM deduziu acusação, dando conhecimento aos mesmos, em geral, da matéria factual e jurídica necessária e relevante para a sua defesa. Os arguidos tiveram possibilidade de apresentar a sua defesa em fase administrativa, nos termos do art. 50.9 RGCO (momento próprio para a sua audição e apresentação de defesa), e, na sequência de tal defesa, foi proferida decisão administrativa. A decisão administrativa contém todos os elementos essenciais em matéria de facto e de Direito e não introduziu, em geral, qualquer alteração que não seja decorrente das defesas apresentadas e que vá no sentido de prejudicar os arguidos, ressalvando-se, porém, as questões específicas a analisar mais adiante. Diga-se, por exemplo, que a alteração de dolo para neglicência é um minus em relação ao já imputado e é favorável à defesa, tendo tal alteração decorrido da ponderação de elementos carreados pela própria defesa. A generalidade dos elementos indicados pelos arguidos no sentido de que deveriam constar da acusação e da decisão administrativa e em relação aos quais as mesmas são omissas, por exemplo elementos adicionais de direito, meios de prova já conhecidos na fase da acusação e outros factos aduzidos pela defesa que a Autoridade não deu como provados ou não provados, não são essenciais para preparação da defesa e boa decisão da causa e não são exigíveis face à lei. A acusação em processo contraordenacional, pela sua natureza e função, não deve ter os mesmos requisitos da acusação em processo penal, constantes do art. 283º, nº 3, do CPP. Note-se que a acusação em processo contraordenacional é um primeiro passo para a apresentação da defesa, seguindo-se-lhe, por parte da autoridade administrativa, uma outra peça, a saber, a decisão administrativa. Note-se que o próprio Assento 1/2003 não equipara a acusação em processo contraordenacional à de processo crime, assumindo a sua diferença, e não exige que da mesma conste, por exemplo, os meios de prova já conhecidos. A decisão administrativa deve atentar nos factos e Direito relevantes à boa decisão da causa, não sendo necessário que se debruce sobre pormenores insignificantes, instrumentais, ou preciosismos invocados pela defesa, mas que são irrelevantes, no sentido de que não afetam o cerne da matéria em discussão, pondo em causa os factos essenciais provados ou tendo significativo relevo para a defesa, nomeadamente para exclusão da sua responsabilidade ou determinação da sanção aplicável. Neste tipo de processos, com articulados particularmente prolixos, é essencial fazer a destrinça entre o essencial e o acessório, não podendo as decisões ser exaustivas ao ponto de incluir todo o acervo de informação constante dos autos, com reduzidíssima relevância para a decisão da causa, sob pena de total ineficácia do sistema de supervisão e de justiça. No caso concreto, encontramos quer na acusação quer na decisão, os factos essenciais que permitem integrar os tipos em causa, bem como, na última, os pontos fundamentais trazidos pela defesa e que foram devidamente ponderados. Não nos parece que exista algum tipo de insuficiência quanto aos factos, nomeadamente quanto ao elemento subjetivo, sendo certo que este elemento está intrinsecamente conexo com uma ponderação crítica e global da própria atuação objetiva. Também não nos parece que haja excesso de factos na decisão, no sentido de que sejam factos novos não comunicados na acusação e que não resultem da defesa e sejam mais desfavoráveis aos arguidos. O pormenor do preenchimento à mão, facto novo invocado pela arguida Cristina Gomes, resulta do teor do próprio documento e não é um facto que venha acrescentar nada de novo. Há, porém uma situação que importa melhor análise e que se prende com a qualificação jurídica comunicada na acusação. Alega o arguido BANCO... que a decisão da CMVM é nula por alteração substancial dos factos, nos termos dos artigos 359º, nº 1, e 379º, nºs 1, alínea b), do CPP, porquanto na acusação se imputavam 3 contraordenações e na decisão o arguido foi condenado por 4 (pontos 139 a 158 das alegações). Alega ainda que considerar a decisão válida nos termos dos artigos 50º do RGCO e dos artigos 359º, nº 1, e 379º, nº 1, alínea b), do CPP, constitui uma interpretação materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 1º, 2º, 20º, nº 4, e 32º, nº 10 da CRP. Em primeiro lugar, diga-se que a questão não se prende com alteração de factos, pois que não houve alteração factual entre a acusação e a decisão. A questão em causa prende-se sim com uma eventual alteração da qualificação jurídica não comunicada ou com uma insuficiência de qualificação jurídica. Vejamos. Analisada a acusação, verifica-se que a mesma não indica o número concreto de contraordenações, descrevendo os factos referentes, no que interessa, à atuação de C...no âmbito de duas OPV, e concluindo pela imputação "de contraordenação" e não de "uma contraordenação". Na decisão administrativa são imputadas "duas contraordenações". Assim, não há verdadeiramente uma alteração da qualificação jurídica de uma contraordenação para duas contraordenações, mas uma insuficiência da qualificação jurídica na acusação, já que não indica o número de vezes que o tipo foi preenchido. A não indicação concreta do número de vezes que o tipo foi preenchido pode ser considerada nulidade da acusação, visto que o número de infrações praticadas é elemento essencial de Direito, que deve ser transmitido à defesa, nos termos do art. 50º do RGCO, por ser importante para o arguido na preparação da sua estratégia de defesa, seja numa perspetiva de responsabilidade pelos atos seja de apuramento da sanção única. Porém, a acusação com insuficiente qualificação jurídica foi notificada aos arguidos, os quais tiveram oportunidade de vir questionar a CMVM sobre o número exato de infrações imputadas, já que a acusação não dizia se uma ou duas, e os mesmos, tendo vindo apresentar a sua defesa, nada disseram a este propósito. E não questionaram a CMVM quanto ao número de vezes que o tipo estaria preenchido pois bem perceberam pelos factos imputados relativos a duas OPV, em momentos distintos, que estaria em causa o preenchimento do tipo por duas vezes. Assim, devemos entender que o vício resultante da não indicação concreta do número de vezes que aquele tipo tinha sido preenchido se sanou com o decurso do prazo de apresentação da defesa sem que os arguidos tivessem sentido necessidade de questionar a CMVM sobre o número de vezes que considerava o tipo preenchido. As garantias da defesa não saem de modo algum prejudicadas, pois que os arguidos não só tiveram a possibilidade de questionar a CMVM, suscitando a questão logo em fase administrativa, o que optaram por não fazer, como tiveram em fase judicial ampla possibilidade de se pronunciarem sobre a qualificação jurídica dos factos, incluindo sobre o número de vezes que o tipo se preencheu. Este entendimento não lesa a defesa nem as suas garantias constitucionais e legais. Quanto à não comunicação na acusação da sanção acessória respeitante à perda das vantagens ilicitamente obtidas, há que esclarecer que na acusação indicava-se a possibilidade de aplicar uma sanção acessória de apreensão e perda do objecto da infracção, incluindo o produto do benefício obtido pelo infrator (cf. fls 3645), bem como nos factos se indicava os valores das mais-valias em cada uma das OPV. Note-se que as menos-valias numa determinada operação não podem ser deduzidas às mais-valias noutra OPV, como parece por vezes pretender a defesa. Os arguidos dispunham pois dos elementos necessários para conhecer as sanções em que incorriam e exercer plenamente a sua defesa. Assim, face ao exposto, inexiste qualquer vício da acusação, por insuficiência da mesma, que implique nulidade, seja por violação de lei, Constituição ou outro normativo a que Portugal esteja vinculado. Em conclusão, não vislumbramos que a acusação e a decisão administrativa tenham omissão de qualquer elemento obrigatório ou padeçam de qualquer vício, salvo o vício já sanado relativo à falta de indicação na acusação do número de vezes que o tipo foi preenchido, e que resulte de violação de lei ou de princípios constitucionais, nem que se ponha em causa as garantias de um processo contraordenacional justo, equitativo e que assegure as necessárias garantias de defesa e contraditório. Termos em que se indeferem os invocados vícios relativos à acusação e decisão administrativa. * Inexistem outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto provada Mostram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: I. FACTOS PROVADOS IV.I. FACTOS GERAIS 1. O BANCO... é um intermediário financeiro registado junto da CMVM para o exercício das seguintes atividades de intermediação financeira (fl. 8): Desde 29/07/1991: Recepção e transmissão de ordens por conta de outrem; Execução de ordens no mercado a contado; Execução de ordens no mercado a prazo; Negociação por conta própria em valores mobiliários; Gestão de carteiras por conta de outrem; Colocação em oferta pública de distribuição; Serviço de câmbios e aluguer de cofres; Concessão de crédito; Consultoria sobre a estrutura de capital; Assistência em ofertas públicas de valores mobiliários; Depositário de valores mobiliários; Desde 08/04/1992: Registo e depósito de instrumentos financeiros; Desde 28/01/2003: Execução de ordens no mercado a contado; Desde 19/04/2007: Consultoria para investimento; Desde 01/09/2009: Elaboração de estudos de investimento, análise financeira/outras recomendações. OPV GALP Entre 09 e 20/10/2006 decorreu a oferta pública de venda (OPV) de 82.925.000 ações da GALP Energia, S.G.P.S., S.A. (GALP). Esta OPV foi regulada (fls. 3078 a 3087): Pelo Decreto-Lei nº 166/2006, de 14 de Agosto, Pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 111/2006, de 24 de Agosto, publicada no DR 1ª Série de 12 de Setembro de 2006, Pela RCM nº 131/2006, de 4 de Outubro, publicada no DR 1ª Série de 13 de Outubro de 2006, e Pelo Despacho (do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças) nº 419/2007, de 21 de Outubro de 2006, publicado no DR 2ª Série de 10 de Janeiro de 2007. Das ações GALP a alienar na OPV foi reservado um lote para aquisição por trabalhadores da GALP (sub-reserva de 4.146.000 ações) e por pequenos subscritores e emigrantes (sub-reserva de 53.901.000 ações) (artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 166/2006, n.os 2 e 3 da RCM nº 111/2006, e nº 2 da RCM n.e 131/2006). As ações GALP a alienar na OPV não abrangidas pela referida reserva, bem como as não colocadas no âmbito da mesma, são objecto de OPV dirigida ao público em geral (24.878.000 ações) (artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei nº 166/2006, nº 4 da RCM nº 111/2006, e nº 3 da RCM nº 131/2006). Na reserva destinada aos pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 5.000 ações por investidor (nº 9 da RCM nº 111/2006). Na reserva destinada ao público em geral, a aquisição estava limitada a 15.000 ações por investidor (nº 10 da RCM nº 111/2006). A OPV teve dois períodos: o primeiro, até 16/10/2006. e o segundo, até ao final (20/10/2006). Havendo necessidade de rateio, foi conferido ao conjunto das ordens dadas durante o primeiro período da OPV um coeficiente de rateio superior ao das demais ordens na percentagem de 100% (nº 12 da RCM nº 111/2006). As ordens transmitidas à Euronext Lisbon eram revogáveis até 18/10/2006 (fl. 22). Da aplicação do coeficiente de rateio da 1ª fase resultaram 346 ações por investidor no segmento do Público em Geral, quantidade que foi arredondada para 340 ações, e 602 ações por investidor no segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes, quantidade que foi arredondada para 600 ações (cf. os n.os 12 e 13 da RCM nº 111/2006), ao preço unitário de €5,81 para o primeiro segmento referido e de €5,52 para o segundo segmento referido (nºs 1 e 2 do Despacho [do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças] nº419/2007). Da aplicação do coeficiente de rateio da 2ª fase resultaram 170 ações por investidor no segmento do Público em Geral e 300 ações por investidor no segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes (cf. os nºs 12 e 13 da RCM nº 111/2006), ao preço unitário de €5,81 para o primeiro segmento referido e de €5,52 para o segundo segmento referido (n.os 1 e 2 do Despacho [do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças] nº 419/2007). As ações que remanesceram foram atribuídas em lotes de 10 ações. por sorteio (nº 14 da RCM nº 111/2006). As ações adquiridas no âmbito do lote reservado para aquisição por trabalhadores e pequenos subscritores e emigrantes ficaram indisponíveis, não podendo ser transmitidas, até 21/01/2007 (nos termos do artigo 4º, nºs 1 a 3, do Decreto-Lei nº 166/2006, e do prospecto a fl. 23). OPV REN Entre 25/06/2007 e 06/07/2007 decorreu a OPV de 80.100.000 ações da REN - Redes Energéticas Nacionais, S.G.P.S., S.A. (REN). Esta OPV foi regulada (fls. 3088 a 3098): pelo Decreto-Lei nº 228/2006, de 22 de Novembro; pela RCM nº 74/2007, de 10 de Maio, publicada no DR 1ª Série de 01 de Junho de 2007; pela RCM nº 87/2007, de 21 de Junho, publicada no DR 1.3 Série de 06 de Julho de 2007; e pelo Despacho (do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças) nº 18.674/2007, de 6 de Julho de 2007, publicado no DR 2ª Série de 21 de Agosto de 2007. Das ações REN a alienar na OPV foi reservado um lote para aquisição por trabalhadores da REN (sub-reserva de 1.700.000 ações) e por pequenos subscritores e emigrantes (sub- reserva de 25.000.000 ações) (artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 228/2006, n.os 2 e 3 da RCM nº 74/2007 e nº 2 da RCM nº 87/2007). As ações REN a alienar na OPV não abrangidas pela referida reserva, bem como as não colocadas no âmbito da mesma, são objecto de OPV dirigida ao público em geral (26.700.000 ações) (artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei n.e 228/2006, nº 4 da RCM nº 74/2007, e nº 3 da RCM nº 87/2007). Na reserva destinada ao público em geral, a aquisição estava limitada a 40.000 ações por investidor (nº 5 da RCM nº 87/2007). Na reserva destinada a pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 10.000 ações por investidor (nº 8, c) da RCM nº 74/2007). A OPV teve dois períodos: o primeiro até 29/06/2007 e o segundo até ao final (06/07/2007). Havendo necessidade de rateio, foi conferido ao conjunto das ordens dadas durante o primeiro período da OPV um coeficiente de rateio superior ao das demais ordens na percentagem de 100% (nº 1 da RCM nº 74/2007). As ordens transmitidas à Euronext Lisbon eram revogáveis até 02/07/2007 (fl. 3524). Da aplicação do coeficiente de rateio da 1ª fase resultaram 330 ações por investidor no segmento do Público em Geral e 157 ações no segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes, quantidade que foi arredondada para 150 ações (cf. os nºs 11 a 13 da RCM nº 74/2007), ao preço unitário de € 2,75 para o segmento do Público em Geral e € 2,61 para o segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes (n.9 1 e 2 do Despacho [do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças] nº 18.674/2007). Da aplicação do coeficiente de rateio da 2ª fase resultaram 170 ações por investidor no segmento do Público em Geral e 80 ações no segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes (cf. os nºs 11 a 13 da RCM nº 74/2007), ao preço unitário de € 2,75 para o segmento do Público em Geral e € 2,61 no segmento de Pequenos Subscritores e Emigrantes (nº 1 e 2 do Despacho [do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças] nº 18.674/2007). As ações que remanesceram foram atribuídas em lotes de 10 ações, por sorteio (nº 13 da RCM nº 74/2007). As ações adquiridas no âmbito do lote reservado para aquisição por trabalhadores e pequenos subscritores e emigrantes ficaram indisponíveis, não podendo ser transmitidas, até 08/10/2007 (nos termos do artigo 4º, n.os 1 a 3, do Decreto-Lei nº 228/2006, e do prospecto a fl. 3524). C...- AGÊNCIA BARCELOS PORTA NOVA GERAL C…: É dentista (fl. 3240) e à data dos factos tinha 22 anos, era estudante e sem experiência de valores mobiliários, salvo as operações realizadas por intermédio do seu pai e procurador; É cliente do BANCO... com o número 102436360 (fls. 3102 e 56 - ficheiro "anexo 1"); É titular da conta n.9 5780589184, junto do balcão Barcelos Particulares do BANCO..., a qual (fls. 3213 a 3264): Foi aberta a 04/04/1994 junto do Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. (incorporado no BANCO... a 15/12/2000) (fls. 3213, 3214, 3515 a 3518); Tem como procurador, desde a data de abertura, J… (pai de C...e de RPG) (fls. 3213 e 3214), o qual desde sempre movimentou a conta, sendo que a arguida se limitava a assinar os documentos por sua indicação; Desde 24/10/2008 tem como titular RPG, irmã de …, que entretanto se tornou 1ª titular da conta (fls. 3215, 3223 e 3310); É titular da conta de títulos nº 5780589184, junto do BANCO..., associada à conta referida na alínea anterior (fl. 921). J…, referido no ponto anterior, é, desde 1998, gerente da sociedade J...s, Lda. (fls. 3155 a 3157). As operações que abaixo se descrevem ocorreram no âmbito da OPV da GALP e da OPV da REN. FACTOS NO ÂMBITO DA OPV DA GALP IV.II.2.1. Utilização das contas Nas 25 contas de títulos junto do BANCO... identificadas na coluna C do anexo 1 ao presente ato, que dele constitui parte integrante, tituladas pelos clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 1, verificaram-se as vicissitudes que em seguida se descrevem. Das 25 contas em causa, 23 foram abertas na agência do BANCO... de Barcelos Porta Nova, 1 foi aberta na agência do BANCO... de Barcelos Nuno Álvares (a identificada na linha 8 do anexo 1) e 1 foi aberta na agência de Barcelos Particulares (a identificada na linha 3 do anexo 1) (fls. 481 a 637, 3102 e 56 - ficheiro "anexo 1"). Embora as contas de depósitos à ordem (DO) associadas às contas de títulos identificadas na coluna C do anexo 1 tenham sido abertas em datas díspares das contas de títulos, as contas de títulos identificadas na coluna C do anexo 1 foram abertas em 16/10/2006, à exceção da conta identificada na linha 3 da coluna C do anexo 1, que foi aberta em 19/01/2006 (fls. 3069, ficheiro B, 3102 e 56 - ficheiro "anexo 1"). As 10 contas identificadas nas linhas 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 15 e 25 da coluna C do anexo 1 têm como titulares colaboradores da empresa J…, Lda., na qual é gerente J…, pai da arguida C…; a conta identificada na linha 22 tem como titular um colaborador da empresa JGM…, Lda.; a conta identificada na linha 24 tem como titular uma colaboradora da empresa MC…, Lda. (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 481 a 637; fls. 3131 e 3156). Os clientes identificados na coluna D do anexo 1 residem em Carapeços - Barcelos (22 deles), a cerca de seis quilómetros de Barcelos ou em Barcelos (os restantes 3 - os identificados nas linhas 1, 4 e 14 do anexo 1) (cf. pedidos de transferência de fls. 60, 63, 66, 69, 72, 75, 78, 81, 84, 87, 90, 93, 96, 99, 102, 105, 108, 111, 114, 117, 120, 123, 126, 129, 132, 135, 141, 144, 147, 150, 153, 156, 159, 162, 165, 168, 171, 174, 177, 180, 183, 186, 192, 195, 198, 201 e 204; fl. 3120). Em 16 e 18/10/2006 (cf. colunas F e K do anexo 1), os clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 1, titulares das contas identificadas na coluna C do mesmo anexo, ordenaram a compra de ações GALP no âmbito da OPV supra descrita, nas quantidades identificadas nas colunas G e L do anexo 1 (cf. ordens de compra constantes de fls. 57 a 132 passim) - as quantidades máximas permitidas em cada um dos lotes. Todos os pedidos de compra foram apresentados no balcão Barcelos Porta Nova do arguido BANCO... (fls. 51, 56 - ficheiro "Anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" -, 3102 e ordens de compra constantes de fls. 57 a 132 passim). A maioria dos campos dos boletins de compra não foi preenchida (cf. ordens de compra constantes de fls. 57 a 132 passim). Em 24/10/2006, em consequência da execução das ordens de compra referidas, os clientes do arguido BANCO... em questão adquiriram ações GALP nas quantidades identificadas na coluna P (resultado do somatório das quantidades identificadas nas colunas H e M) do anexo 1 (as quantidades máximas cuja aquisição era permitida), pelo preço identificado na coluna Q (resultado do somatório dos valores identificados nas colunas J e O) do anexo 1 (cf. extratos de contas de fls. 952 a 1528 passim). Em 24/10/2006, as contas identificadas na coluna C do anexo 1 foram debitadas pelos montantes indicados na coluna R do anexo 1 (resultado do somatório dos valores indicados nas colunas J e O, acrescido das despesas inerentes à execução das operações), ou seja, num valor total por conta de €4.329.30 (para as contas que adquiriram 770 ações) ou de €4.384.73 (para as contas que adquiriram 780 ações) (cf. extratos de contas de fls. 952 a 1528 passim). Os valores totais por conta referidos no ponto anterior tinham sido depositados nesse mesmo dia 24/10/2006 nas contas em questão (cf., seguindo a ordem do anexo 1, extratos de contas de fls. 954, 1000, 1015, 1042, 1061, 1081, 1099, 1116, 1135, 1146, 1161, 1182, 1195, 1237, 1277, 1325, 1345, 1360, 1373, 1410, 1428, 1441, 1450 e 1490 e talões de depósito de fls. 2999, 2955, 2971, 3028, 3020, 3024, 3036, 2941, 2949, 2945, 2951, 3014, 3010, 3006, 3003, 2995, 2991, 2987, 2983, 2979, 2959, 2975, 2963, 2967 e 3032). Em 26/01/2007. 5 dias após o fim do período de indisponibilidade das acões adquiridas no segmento pequenos subscritores e emigrantes, foram apresentados no balcão Barcelos Porta Nova do arguido BANCO... pedidos de transferência das ações GALP referidas para a conta da arguida C...(nº 5…., aberta em 04/04/1994, no balcão Barcelos Particulares) (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 60, 63, 66, 69, 72, 75, 78, 81, 84, 87, 90, 93, 96, 99, 102, 105, 108, 111, 114, 117, 120, 123, 126, 129 e 132; fls. 51, 56 - ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102). Em 08/03/2007. em execução dos pedidos de transferência referidos, as 19.290 ações GALP adquiridas pelos clientes em questão foram transferidas para a arguida C...(fls. 371 a 396). As cartas com os pedidos de transferência eram padronizadas (mesmo texto e formatação), contendo dois campos em branco para preencher à mão (data e quantidade de ações), que foram preenchidos com caligrafia idêntica e assinados pelos clientes de origem e pela cliente de destino, neste caso aceitando a transferência (cf. cartas com pedidos de transferência de fls. 60, 63, 66, 69, 72, 75, 78, 81, 84, 87,90, 93, 96, 99, 102, 105, 108, 111, 114, 117, 120, 123, 126, 129 e 132). Em 09/03/2007. com data valor de 12/03/2007, foram depositados nas contas identificadas na coluna C do anexo 1 valores correspondentes às despesas com as transferências das ações adquiridas para a conta da arguida C...(cf. extratos combinados de fls. 919 a 1528 e talões de depósito de fls. 2934 a 3039). Uma vez que os depósitos referidos no ponto anterior só foram efectuados no dia seguinte à transferência, no caso das 5 contas identificadas nas linhas 1, 14, 16, 18 e 22 da coluna C do anexo 1 estas ficaram a descoberto, em montante superior àquele em que já se encontravam (fls. 952 a 1528 passim). Em 14/11/2007, foram vendidas as 20.840 ações GALP detidas pela arguida C...pelo preço total de €314.208,07 (fls. 949) - as 19.290 adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 1, acrescidas de 770 ações adquiridas pela irmã da arguida, RPG…, e transferidas para a conta da arguida C...e de 780 ações adquiridas pela própria C...(fls. 361, 363 e 364, 367, 368, 931 e 1503). Considerando apenas as 19.290 ações GALP adquiridas pela arguida com recurso às contas de terceiros identificadas na coluna C do anexo 1, a arguida C...realizou uma mais-valia de €182.384,25 (€290.838,47 [preço de venda das 19.290 ações] - €108.454,22 [custo de aquisição das 19.290 ações, incluindo despesas de aquisição, cf. somatório da coluna R do anexo 1]) (cf. extratos de conta de fls. 919 a 951). Se se considerarem as despesas suportadas pelas transferências (€442,42) e os dividendos recebidos (+€7.916,61), o ganho ascende a €189.858,44, valor da mais-valia líquida realizada pela arguida C...(cf. extratos de conta de fls. 919 a 951). Se se considerar ainda os montantes que em 08/03/2007, data das transferências, foram debitados à conta da arguida C...(€460,08) a mais-valia líquida cifra-se em €189.398,36 (cf. fls. 930 e 931). Influência no rateio das ações GALP Por força da atuação supra descrita, C...adquiriu 20.070 ações da GALP dos lotes reservados ao público em geral e a pequenos subscritores e emigrantes (não considerando as ações adquiridas pela sua irmã RPG…). A aquisição de 19.290 das referidas 20.070 ações GALP foi concretizada através da atuação relativa às 25 contas identificadas no anexo 1. Na reserva destinada ao público em geral, a aquisição estava limitada a 15.000 acões por investidor (nº 10 da RCM nº 111/2006) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 180 ações relativamente às ordens do 2º período da OPV. Na reserva destinada aos pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 5.000 ações por investidor (nº 9 da RCM nº 111/2006) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 610 ações relativamente às ordens do 1º período da OPV. O total máximo de ações da GALP que C...poderia ter adquirido, ordenando a compra do máximo admissível (5.000) para o lote reservado a pequenos subscritores e emigrantes em 16/10/2006 e a compra do máximo admissível (15.000) para o lote reservado ao público em geral em 18/10/2006, era de 790 (610+180) ações, pelo que adquiriu 19.280 (19.290 [total adquirido através das contas identificadas na coluna C do anexo 1] - 790 [total que podia ter adquirido licitamente] + 780 [que efetivamente adquiriu]) ações da GALP a mais do que o legalmente permitido, ações que os demais investidores deixaram de poder adquirir e receber. FACTOS NO ÂMBITO DA OPV DA REN Utilização das contas Nas 24 contas de títulos junto do BANCO... identificadas na coluna C do anexo 2 ao presente ato, que dele constitui parte integrante, tituladas pelos clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 2, verificaram-se as vicissitudes que em seguida se descrevem. As 24 contas em causa correspondem às que constam do anexo 1 ao presente ato, com exceção de uma (a constante da linha 9 do anexo 1). Das 24 contas em causa, 22 foram abertas na agência do BANCO... de Barcelos Porta Nova, 1 foi aberta na agência do BANCO... de Barcelos Nuno Álvares (a identificada na linha 8 do anexo 1) e 1 foi aberta na agência de Barcelos Particulares (a identificada na linha 3 do anexo 1) (fls. 481 a 637 e 3102). Embora as contas de DO associadas às contas de títulos identificadas na coluna C do anexo 2 tenham sido abertas em datas díspares das contas de títulos, as contas de títulos identificadas na coluna C do anexo 2 foram abertas em 16/10/2006. à exceção da conta identificada na linha 3 da coluna C do anexo 2, que foi aberta em 19/01/2006 (fls. 3069, ficheiro B, 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"). As 9 contas identificadas nas linhas 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 14 e 24 da coluna C do anexo 2 têm como titulares colaboradores da empresa J…, Lda.; a conta identificada na linha 21 tem como titular um colaborador da empresa JGM, Lda.; a conta identificada na linha 23 tem como titular uma colaboradora da empresa M…, Lda. (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 481a 637). Os clientes identificados na coluna D do anexo 2 residem em Carapeços - Barcelos (21 deles), a cerca de seis quilómetros de Barcelos ou em Barcelos (os restantes 3 - os identificados nas linhas 1, 4 e 14 do anexo 1) (cf. pedidos de transferência de ações REN de fls. 135 a 204 passim, fl. 3120). Em datas entre 25 e 29/06/2007, os clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 2, titulares das contas identificadas na coluna C do mesmo anexo, ordenaram a compra de ações REN no âmbito da OPV supra descrita, nas quantidades identificadas nas colunas G e L do anexo 2 (cf. ordens de compra constantes de fls. 133 a 204 passim) - as quantidades máximas permitidas em cada um dos lotes. Todos os pedidos de compra foram apresentados no balcão Barcelos Porta Nova do arguido BANCO... (cf. fls. 51, 56 - ficheiro "Anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" 3102 e ordens de compra constantes de fls. 133 a 204 passim). A maioria dos campos dos boletins de compra não foi preenchida (cf. ordens de compra constantes de fls. 133 a 204 passim). Em 09/07/2007. em consequência da execução das ordens de compra referidas, os clientes do arguido BANCO... em questão adquiriram ações REN nas quantidades identificadas na coluna P (resultado do somatório das quantidades identificadas nas colunas H e M) do anexo 2 (as quantidades máximas cuja aquisição era permitida), pelo preço identificado na coluna Q (resultado do somatório dos valores identificados nas colunas J e O) do anexo 2 (cf. extratos de contas de fls. 952 a 1528 passim). Em 10/07/2007. as contas identificadas na coluna C do anexo 2 foram debitadas pelos montantes indicados na coluna R do anexo 2 (resultado do somatório dos valores indicados nas colunas J e O, acrescido das despesas inerentes à execução das operações), ou seja, num valor total por conta de €1.327,30 (para a conta que adquiriu 480 ações - linha 4 do anexo 2), de €1.353,40 (para as contas que adquiriram 490 ações, salvo no caso da transferência da linha 22 do anexo 2 em que o valor total de subscrição de 490 ações foi de €1.353,06) ou de €1.380,90 (para as contas que adquiriram 500 ações) (cf. extratos de contas de fls. 952 a 1528 passim). Os valores totais por conta referidos no ponto anterior tinham sido depositados nesse mesmo dia 10/07/2007 nas contas em questão (cf. extratos de contas de fls. 952 a 1528 passim e talões de depósito de fls. 2941 a 3039 passim). Em 22/10/2007, 14 dias após o fim do período de indisponibilidade das ações adquiridas no segmento do pequeno subscritores e emigrantes, foram apresentados no balcão Barcelos Porta Nova do arguido BANCO... pedidos de transferência das ações REN referidas para a conta da arguida C...(nº 5…, aberta em 04/04/1994, no balcão Barcelos Particulares) (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 135, 138, 141, 144, 147, 150, 153, 156, 159, 162, 165, 168, 171, 174, 177, 180, 183, 186, 189, 192, 195, 198, 201 e 204 e fls. 51, 56 - ficheiro "Anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" - e 3102). Em 23/10/2007, em execução dos pedidos de transferência referidos, as 11.790 ações REN adquiridas pelos clientes em questão foram transferidas para a arguida C...(fls. 397 a 421 e 946). As cartas com os pedidos de transferência eram padronizadas (mesmo texto e formatação), contendo dois campos em branco para preencher à mão (data e quantidade de ações), que foram preenchidos com caligrafia idêntica e assinados pelos clientes de origem e pela cliente de destino, neste caso aceitando a transferência (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 135, 138, 141, 144, 147, 150, 153, 156, 159, 162, 165, 168, 171, 174, 177, 180, 183, 186, 189, 192, 195, 198, 201 e 204). Em 24/10/2007, foram depositados nas contas identificadas na coluna C do anexo 2 valores correspondentes às despesas com as transferências das ações adquiridas para a conta da arguida C...(cf. extratos de conta de fls. 952 a 1528 e talões de depósito de fls. 2934 a 3039). Uma vez que os depósitos referidos no ponto anterior só foram efectuados no dia seguinte à transferência, as 2 contas identificadas nas linhas 8 e 17 da coluna C do anexo 2 ficaram a descoberto e as 6 contas identificadas nas linhas 1, 9, 12, 16, 22 e 23 da coluna C do anexo 2 ficaram a descoberto em montante superior àquele em que já se encontravam (fls. 952 a 1528 passim). Em 06/10/2008, foram vendidas as 12.780 ações REN detidas pela arguida C...pelo preço total de €33.594,63, já incluindo encargos (570 das ações foram vendidas ao valor unitário de €2,64 e as restantes 12.210 foram vendidas ao preço unitário de €2,630118) - as 11.790 adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 2, acrescidas de 500 ações adquiridas pela irmã da arguida, Regina ..., e transferidas para a conta da arguida C...e 490 ações adquiridas pela própria arguida C...(fls. 362, 365, 366, 369, 370, 1518 e 3312). Considerando apenas as 11.790 ações REN adquiridas pela arguida com recurso às contas de terceiros identificadas na coluna C do anexo 2, a arguida C...realizou uma menos-valia de €1.878,93 (€30.992,23 [preço de venda das 11.790 ações, calculado a partir do encargo médio unitário] - €312,00 [despesas com a transferência das 11.790 ações para a arguida] - €32.559,16 [custo de aquisição das 11.790 ações, incluindo despesas de aquisição, cf. somatório da coluna R do anexo 2]), se se incluírem as despesas suportadas pela transferência de valores mobiliários (cf. extratos de conta de fls. 919 a 951, 3312 e 3312v). Se se considerar ainda os montantes que em 23/10/2007, data das transferências, foram debitados à conta da arguida C...(€325), a menos-valia ascende a €2.203.93 (cf. fls. 945 e 946). Influência no rateio das ações REN Por força da actuação supra descrita, C...adquiriu 12.280 ações da REN dos lotes reservados ao público em geral e a pequenos subscritores e emigrantes (não considerando as ações REN adquiridas pela sua irmã Regina ...). A aquisição de 11.790 das referidas 12.280 ações REN foi concretizada através da actuação relativa às 24 contas identificadas no anexo 2. Na reserva destinada ao público em geral, a aquisição estava limitada a 40.000 ações por investidor (nº 5 da RCM nº 87/2007) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 340 ações, relativamente às ordens do l.s período da OPV. Na reserva destinada aos pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 10.000 ações por investidor (nº 8, alínea c) da RCM nº 74/2007) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 160 ações, relativamente às ordens do l.s período da OPV. O total máximo de ações da REN que C...poderia ter adquirido, ordenando a compra do máximo admissível para ambos os lotes no 1º período da OPV, era de 500 (340+160) ações, pelo que adquiriu 11.780 (11.790 [total adquirido através das contas identificadas na coluna C do anexo 2] - 500 [total que podia ter adquirido licitamente] + 490 [que efectivamente adquiriu]) ações da REN a mais do que o legalmente permitido, ações que os demais investidores deixaram de poder adquirir e receber. INTERVENÇÃO DOS ARGUIDOS NOS FACTOS E ELEMENTOS SUBJECTIVOS: A arguida C...tomou parte direta na aquisição de ações GALP e REN para a sua conta em quantidade superior ao que as regras de rateio das respectivas OPVs permitiam. Com efeito, Cristina Gomes: Assinou os pedidos de transferência das ações adquiridas pelos terceiros identificados nos anexos 1 e 2 nas OPVs da GALP e da REN para a sua conta, expressando a sua aceitação das mesmas; Recebeu na sua conta as ações transferidas, permitindo assim a utilização da sua conta para a realização da operação. A arguida C...não agiu com o cuidado a que se encontrava obrigada e de que era capaz na prática dos factos descritos, porquanto: A arguida era a titular da conta através da qual toda a operação se processou, e como tal tinha acesso à informação sobre a mesma; Foram assinadas pela arguida, expressando aceitação, as ordens de transferência das ações subscritas pelos clientes do BANCO... identificados nos anexos 1 e 2 para a conta de que era titular, podendo nessa ocasião ter inquirido sobre os contornos e a finalidade da operação; Ou seja, a arguida C...era capaz, acedendo à informação sobre a conta e inquirindo sobre os contornos e a finalidade da operação em que se integravam as ordens de transferência, de ter agido com o cuidado adequado a não permitir a utilização da sua conta para finalidades ilícitas; Todavia a arguida C…: a. Permitiu a utilização da conta de que era titular pelo procurador da mesma, J… para a aquisição de mais ações para um investidor do que poderia obter na OPV de acordo com os critérios do rateio, sem verificar ou inquirir quanto a essa utilização; b. Assinou as ordens de transferência das ações subscritas pelos clientes do BANCO... identificados nos anexos 1 e 2 para a conta de que era titular, manifestando a sua aceitação das mesmas, sem inquirir quanto ao que estava subjacente às mesmas, o que lhe teria permitido descortinar a finalidade das mesmas e abster-se de participar na conduta ilícita. O arguido BANCO... tomou parte direta na aquisição de ações GALP e REN para a conta de C...em quantidade superior ao que as regras de rateio das respectivas OPVs permitiam. Com efeito, o BANCO...: Recebeu e executou as ordens de compra de ações GALP para as 25 contas identificadas na coluna C do anexo 1 (fls. 57 a 132 passim; 51, 56 e 3099 a 3103); Recebeu e executou as 25 ordens de transferência de ações GALP para a conta de C...(fls. 57 a 132 passim; 51, 56 e 3099 a 3103); Recebeu e executou as ordens de compra de ações REN para as 24 contas identificadas na coluna C do anexo 2 (fls. 133 a 204 passim; 51, 56 e 3099 a 3103); Recebeu e executou as 24 ordens de transferência de ações REN para a conta de C...(fls. 133 a 204 passim; 51, 56 e 3099 a 3103). O BANCO... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, o BANCO...: Acompanhou toda a operação de aquisição de ações GALP para a conta de C...em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam (fls. 3886 e 3887 - contestação de Cristina Gomes; 4105 - declaração de Joaquim Gomes; 952 a 1528 - extratos de conta; e ordens de subscrição e pedidos de transferência de fls. 57 a 132 passim); Recebeu e executou as ordens de compra de ações GALP para as 25 contas identificadas na coluna C do anexo 1 (cf. ordens de subscrição de fls. 57 a 132 passim); Sendo que as referidas ordens de compra de ações GALP (cf. ordens de compra de fls. 57 a 132 passim; 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Porta Nova) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas nas mesmas datas: em 16/10/2006, as 25 ordens de subscrição no segmento pequenos subscritores e emigrantes, e em 18/10/2006, as 25 ordens de subscrição no segmento público em geral; A maioria dos campos dos boletins de compra não foi preenchida; Os campos preenchidos apresentavam a mesma caligrafia; Tinham por objecto a quantidade máxima permitida em cada um dos lotes; Foram dadas para contas abertas em 16/10/2010 no balcão Barcelos Porta Nova do arguido BANCO..., em 24 das 25 contas de títulos indicadas no anexo 1 (fls. 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"); Com exceção do cliente identificado na linha 3 do Anexo 1, foram todas dadas por clientes que apresentavam vencimentos salariais inferiores a €620/mês (por regra, em torno dos €450), detectando-se a presença de vários descobertos em conta nos casos dos clientes das linhas 1, 2, 4, 12, 14, 16, 18, 21 e 22 do anexo 1 (cf. fls. 919 a 1528 passim), contendo todavia autorização para que as respectivas contas fossem debitadas no valor de €92.183,56, no caso das ordens no segmento público em geral, e de €29.172,52, no caso das ordens no segmento pequenos subscritores e emigrantes, num valor total máximo de €121.356,08 por cliente e por conta, e Sem que tenha havido qualquer abertura de linhas de crédito específicas para as subscrições em causa (cf. fls. 6 e 55); Recebeu e executou as 25 ordens de transferência de ações GALP para a conta de C...(cf. pedidos de transferência de fls. 58 a 132 passim); Sendo que as referidas ordens de transferência (cf. pedidos de transferência a fls. 58 a 132 passim, 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"; e 919 a 1528 - extratos de conta): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Porta Nova) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas na mesma data, em 26/01/2007; Foram apresentadas na mesma data, mas apenas executadas em 08/03/2007; Tinham texto e formatação padronizados, tendo sido preenchidas com caligrafia idêntica e assinadas pelos clientes de origem e de destino; Foram todas dadas para a mesma conta de destino; Tinham por objecto quantidades iguais às quantidades máximas adquiridas na OPV precedente; Foram todas dadas 5 dias após o fim do período de indisponibilidade decorrente da OPV para o segmento pequenos subscritores e emigrantes; 5 delas foram executadas sem que as contas estivessem provisionadas com o montante necessário para fazer face às despesas respectivas, tendo as contas ficado a descoberto em montante superior àquele em que já se encontravam; e Foram todas assinadas pelos mesmos dois funcionários do BANCO..., que conferiram as respectivas assinaturas; Acompanhou toda a operação de aquisição de ações REN para a conta de C...em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam (fls. 3886 e 3887 - contestação de Cristina Gomes, 4105 - declaração de Joaquim Gomes e 952 a 1528 - extratos de conta e ordens de subscrição e pedidos de transferência de fls. 133 a 204 passim)-, Recebeu e executou as ordens de compra de ações REN para as 24 contas identificadas na coluna C do anexo 2 (cf. ordens de subscrição fls. 133 a 204 passim); Sendo que as referidas ordens de compra de ações REN (cf. ordens de compra de fls. 133 a 204 passim-, 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Porta Nova) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas no mesmo curto período - entre 25 e 29/06/2007; A maioria dos campos dos boletins de compra não foi preenchida; Os campos preenchidos apresentavam a mesma caligrafia; Tinham por objecto a quantidade máxima permitida em cada um dos lotes; Com exceção do cliente identificado na linha 24 do Anexo 2, foram todas dadas por clientes que apresentavam vencimentos salariais inferiores a €620/mês (por regra, em torno dos €450), detectando-se a presença de vários descobertos em conta nos casos dos clientes das linhas 1, 3, 9, 10, 12, 16, 17, 22 e 23 do anexo 2 (fls. 952 a 1528, passim), Contendo todavia autorização para que as respectivas contas fossem debitadas no valor de €110.000, no caso das ordens no segmento público em geral, e de €26.100, no caso das ordens no segmento pequenos subscritores e emigrantes, num valor total máximo de €136.100 por cliente e por conta, e Sem que tenha havido qualquer abertura de linhas de crédito específicas para as subscrições em causa (cf. fls. 6 e 55); Recebeu e executou as 24 ordens de transferência de ações REN para a conta de C...(cf. pedidos de transferência de fls. 133 a 204 passim); Sendo que as referidas ordens de transferência (cf. pedidos de transferência a fls. 133 a 204 passim; 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"; e 919 a 1528 - extratos de conta): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Porta Nova) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas na mesma data, 22/10/2007; Tinham texto e formatação padronizados, tendo sido preenchidas com caligrafia idêntica e assinadas pelos clientes de origem e de destino; Foram todas dadas para a mesma conta de destino; Tinham por objecto quantidades iguais às quantidades máximas adquiridas na OPV precedente; Foram todas dadas 14 dias após o fim do período de indisponibilidade decorrente da OPV para o segmento pequenos subscritores e emigrantes; 8 delas foram executadas sem que as contas estivessem provisionadas com o montante necessário para fazer face às despesas respectivas, tendo as contas ficado a descoberto (2 contas) ou a descoberto em montante superior àquele em que já se encontravam (6 contas); e Foram todas assinadas pelos mesmos dois funcionários do BANCO..., que conferiram as respectivas assinaturas. J... - AGÊNCIA BARCELOS PARTICULARES J...: É cliente do BANCO... desde 09/04/1999, tendo o número de cliente 1678542 (fls. 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102); É titular, juntamente com a sua mulher ML, da conta nº 1…., junto do balcão Barcelos Particulares do BANCO... (fls. 3265 a 3283); É titular da conta de títulos nº1…, junto do BANCO..., associada à conta referida na alínea anterior (fl. 1531); É titular de uma quota maioritária na empresa J…, Lda., pertencendo o restante capital social à sua mulher ML (fls. 3158 a 3162); Foi gerente da empresa J…, Lda., entre 2003 e 2009 (fls. 3158 a 3162); Foi, desde 2000, titular de uma quota maioritária da empresa D…, Lda., atualmente dissolvida e liquidada, pertencendo o restante capital social à sua mulher ML (fls. 3163 a 3165); Foi gerente da empresa D…, Lda., entre 2000 e 2009 (fls. 3158 a 3162). As operações que abaixo se descrevem ocorreram no âmbito da OPV da GALP. FACTOS NO ÂMBITO DA OPV DA GALP: Utilização das contas Nas 16 contas de títulos junto do BANCO... identificadas na coluna C do anexo 3 ao presente ato, que dele constitui parte integrante, tituladas pelos clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 3, verificaram-se as vicissitudes que em seguida se descrevem. Das 16 contas em causa, 10 foram abertas em 13/10/2006, 8 delas na agência do BANCO... de Barcelinhos (linhas 2, 4, 6, 8, 10, 11, 14 e 16 do anexo 3), 1 no balcão de Louro (linha 13 do anexo 3) e 1 no balcão de Barcelos Nuno Álvares (linha 12 do anexo 3) (fls. 638 a 715 passim; fl. 3069 ficheiro B). Todas as contas identificadas na coluna C do Anexo 3 têm como titulares colaboradores de empresas do arguido J..., tendo sido angariados por este para participarem na OPV (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 638 a 715 passim, fl. 3131, e pontos 9 e 13 da contestação do arguido, a fls. 3893 e 3894); nomeadamente, as 5 contas identificadas nas linhas 2, 10, 11, 14 e 16 da coluna C do anexo 3 têm como titulares colaboradores da empresa J.., Lda., e as 3 contas identificadas nas linhas 4, 6 e 8 da coluna C têm como titulares colaboradores da empresa D.., Lda. (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 638 a 715 passim, fl. 3131). Os clientes identificados na coluna D do anexo 3 residiam em Carvalhal, a cerca de 4 quilómetros de Barcelos (5 deles - os identificados nas linhas 1, 3, 6, 8 e 12 do anexo 3), num raio de 15 quilómetros de Barcelos (10 deles) e em Atães, a cerca de 47 quilómetros de Barcelos (1 deles - o identificado na linha 9 do anexo 3) (cf. pedidos de transferência de fls. 207, 209, 211, 213, 215, 217, 219, 221, 223, 225, 227, 229, 231, 233, 235 e 237; fl. 3121). Em 13/10/2006 (cf. coluna F do anexo 3), os clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 3, titulares das contas identificadas na coluna C do mesmo anexo, ordenaram a compra de ações GALP no âmbito da OPV supra descrita, nas quantidades identificadas na coluna G do anexo 3 (cf. fls. 206, 208, 210, 212, 214, 216, 218, 220, 222, 224, 226, 228, 230, 232, 234 e 236; ficheiro D de fl. 3069) - a quantidade máxima permitida para o lote de Pequenos Subscritores e Emigrantes. Todos os pedidos de compra foram apresentadas pelo arguido J..., numa única ocasião, no balcão Barcelos Particulares do arguido BANCO... (cf. fls. 206, 208, 210, 212, 214, 216, 218, 220, 222, 224, 226, 228, 230, 232, 234 e 236; ficheiro D de fl. 3069; fl. 4042, linhas 21 a 26, e 4043, linhas 1 a 6). Em 24/10/2006. em consequência da execução das ordens de compra referidas, os clientes do arguido BANCO... em questão adquiriram ações GALP nas quantidades identificadas na coluna H do anexo 3 (as quantidades máximas cuja aquisição era permitida), pelo preço identificado na coluna J do anexo 3 (cf. fls. 206, 208, 210, 212, 214, 216, 218, 220, 222, 224, 226, 228, 230, 232, 234 e 236; ficheiro D de fl. 3069). Em 24/10/2006. as contas identificadas na coluna C do anexo 3 foram debitadas pelos montantes indicados na coluna L do anexo 3 (o resultado dos valores indicados na coluna K acrescido das despesas inerentes à execução das operações), ou seja, num valor total por conta de €3.327,45 (para as contas que adquiriram 600 ações, salvo no caso da conta identificada na linha 12 da coluna C do anexo 3, em que foram adquiridas 600 ações por um valor final de €3.325,78) ou de €3.382,88 (para as contas que adquiriram 610 ações, salvo no caso da conta identificada na linha 15 da coluna C do anexo 3, em que foram adquiridas 610 ações por um valor final de €3.381,21) (cf. extratos de contas de fls. 1529 a 1999 passim). Os valores totais por conta referidos no ponto anterior foram transferidos para as contas em questão com data valor de 24/10/2006 (data movimento de 25/10/2006), tendo as transferências tido origem na conta do arguido J... (n.s 189616474, aberta em 09/04/1999 no balcão Barcelos Particulares) (cf., seguindo a ordem do anexo 3, extratos de contas de fls. 1591, 1609, 1624, 1639, 1665, 1688, 1711, 1731, 1768, 1792, 1808, 1838, 1873, 1913, 1953 e 1954 e 1991, 1531, e 51, 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102). Uma vez que as transferências referidas no ponto anterior só foram efectivamente efectuadas no dia seguinte, 25/10/2006, as 14 contas identificadas nas linhas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15 e 16 da coluna C do anexo 3 ficaram a descoberto (cf., seguindo a ordem do anexo 3, extratos de contas de fls. 1591, 1609, 1624, 1639, 1665, 1688, 1711, 1731, 1768, 1792, 1808, 1838, 1873, 1913, 1953 e 1954 e 1991). Em 01/02/2007, 11 dias após o fim do período de indisponibilidade das ações adquiridas no segmento pequenos subscritores e emigrantes, foram apresentados pelo arguido J..., numa única ocasião, no balcão Barcelos Particulares do arguido BANCO... pedidos de transferência das ações GALP referidas para a conta do arguido J... (nº 189616474) (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 207, 209, 211, 213, 215, 217, 219, 221, 223, 225, 227, 229, 231, 233, 235 e 237; fl. 4042, linhas 21 a 26, e 4043, linhas l a 6). Em 15/02/2007. em execução dos pedidos de transferência referidos, as 9.660 ações GALP adquiridas pelos clientes em questão foram transferidas para o arguido J... (fls. 422 a 437). As cartas com os pedidos de transferência eram padronizadas (mesmo texto base e formatação), diferindo apenas o endereço, o nome do cliente, n.s da conta de títulos de origem e a quantidade de ações a transferir (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 207, 209, 211, 213, 215, 217, 219, 221, 223, 225, 227, 229, 231, 233, 235 e 237). Em 15/02/2007, foram debitados à conta do arguido J... os valores correspondentes às despesas com as transferências das ações adquiridas para a conta do mesmo arguido (fl. 1547). Em 23/10/2006, o arguido J... adquirira 600 ações GALP no âmbito da OPV em questão (fl. 1532). Em 25/10/2006, o arguido J... adquirira em bolsa 12.000 ações GALP (fl. 1532). Em 16/08/2007, foram vendidas (por ordem do arguido J...) as 22.260 ações GALP detidas pelo arguido, pelo preço total de €213.027,03, já incluindo encargos, aí se incluindo as 9.660 ações transferidas das contas identificadas na coluna C do anexo 3 (fl. 1571). Com a venda das 9.660 ações GALP o arguido J... realizou uma mais-valia de €38.877,25 (€92.445,69 [preço de venda das 9.660 ações] - €53.568,44 [custo de aquisição das 9.660 ações, incluindo despesas de aquisição, cf. somatório da coluna L do anexo 3]) (cf. extratos de conta de fls. 1529 a 1588 e quadro Excel de síntese de fl. 3138v). Se se considerarem as despesas suportadas pelas transferências (-€832,00) e os dividendos recebidos (+€2.642,98), o ganho ascende a €40.688,23, valor da mais-valia líquida realizada pelo arguido J... (cf. extratos de conta de fls. 1529 a 1588 e quadro Excel de síntese de fl. 3138v). Influência no rateio das ações GALP Por força da atuação supra descrita, J... adquiriu 10.260 ações da GALP do lote reservado a pequenos subscritores e emigrantes. A aquisição de 9.660 das referidas 10.260 ações GALP foi concretizada através da actuação relativa às 16 contas identificadas no anexo 3. Na reserva destinada aos pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 5.000 ações por investidor (nº 9 da RCM nº 111/2006) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 610 ações, relativamente às ordens do 1.5 período. 0 total máximo de ações da GALP que J... poderia ter adquirido, ordenando a compra do máximo admissível (5.000) para o lote reservado a pequenos subscritores e emigrantes em 13/10/2006, era de 610 ações, pelo que adquiriu 9.650 ações da GALP a mais do que o legalmente permitido (9.660 [total adquirido através das contas identificadas na coluna C do anexo 3] - 610 [total que poderia ter adquirido licitamente] + 600 [que efetivamente adquiriu)). As 9.650 ações adquiridas a mais referidas no ponto anterior foram ações que os demais investidores deixaram de poder adquirir e receber. INTERVENÇÃO DOS ARGUIDOS NOS FACTOS E ELEMENTOS SUBJETIVOS 0 arguido J... tomou parte direta na aquisição de ações GALP para a sua conta em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam. O J... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, J...: Angariou entre os colaboradores das suas empresas, com vista à participação na OPV da GALP e à posterior transferência das ações subscritas para a sua conta, as 16 pessoas identificadas na coluna D do anexo 3 (pontos 9 e 13 da contestação do arguido, a fls. 3893 e 3894, cf. declarações do arguido a fls. 4041, linhas 19 a 21); Entregou aos colaboradores referidos a documentação necessária para a abertura de contas, subscrição das ações GALP em OPV e transferência para a conta de que era titular (fl. 4043, linhas 10 a 13); Entregou ao BANCO..., numa ocasião, o conjunto dos boletins de subscrição das ações dos colaboradores que angariara e, noutra ocasião, o conjunto dos pedidos de transferência das ações para a sua conta (fls. 4042, linhas 23 a 26, e 4043, linhas l a 6); Suportou os custos inerentes à aquisição das 9.660 ações GALP adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 3, mediante transferências bancárias da sua conta para as últimas; Suportou diretamente na sua conta os custos inerentes à transferência das 9.660 ações GALP adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 3 para a sua conta; Sabia que a sua conduta teria como efeito permitir-lhe a aquisição de mais ações GALP do que o máximo que cada cliente poderia adquirir no lote da OPV em questão; Sabia que a sua conduta: Teria efeitos ao nível dos coeficientes de rateio da Oferta Pública e, como tal, seria susceptível de ter efeitos ao nível do número de ações que os demais investidores poderiam adquirir e receber; Era susceptível de lhe causar mais-valias e prejuízos/não ganhos aos demais investidores em ações GALP, na medida da subsequente valorização dos respectivos títulos. 0 BANCO... tomou parte direta na aquisição de ações GALP para a conta de J... em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam. Com efeito, o BANCO...: Recebeu e executou as ordens de compra de ações GALP para as 16 contas identificadas na coluna C do anexo 3 (cf. fls. 205 a 237 passim)-, Recebeu e executou as 16 ordens de transferência de ações GALP para a conta de J... (cf. fls. 205 a 237 passim). O BANCO... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, o BANCO...: Acompanhou toda a operação de aquisição de ações GALP para a conta de J... em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam (fls. 3893 - contestação de J..., 4038, linhas 3 a 12, 4042, linhas 7 a 13, 4044, linhas 16 a 18 - depoimento do arguido J..., 1529 a 1999 - extratos de conta, e documentos de subscrição e pedidos de transferência de fls. 205 a 237 passim); não obstante, Recebeu e executou as ordens de compra de ações GALP para as 16 contas identificadas na coluna C do anexo 3; Sendo que as referidas ordens de compra de ações GALP (cf. fls. 205 a 237 passim; 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Particulares) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas na mesma data, em 13/10/2006; Foram todas apresentadas pelo arguido J... numa única ocasião (fls. 4042, linhas 23 a 26 e 4043, linhas 1 a 6 e 10 a 13); Tinham por objecto a quantidade máxima permitida no lote em questão; Nos casos dos 11 clientes identificados nas linhas 1 a 5, 10 a 12 e 14 a 16 do Anexo 3, foram dadas por clientes que apresentavam vencimentos salariais inferiores a €660/mês (cf. fls. 1589 a 1999, passim), Sendo que a execução das ordens conduziria à imputação de um custo máximo de € 29.172,52 (fl. 122), Sem que tenha havido qualquer abertura de linhas de crédito específicas para as subscrições em causa (cf. fls. 6 e 55); Sendo que as contas identificadas na coluna C do anexo 3 utilizadas para a aquisição de ações GALP foram creditadas para o efeito, no montante necessário para a aquisição, através de transferências com origem na conta do arguido J... com efeitos no dia seguinte ao da execução das ordens de compra, tendo 14 das 16 contas em questão ficado efectivamente a descoberto (fls. 1529 a 1999); Recebeu e executou as 16 ordens de transferência de ações GALP para a conta de J...; Sendo que as referidas ordens de transferência (cf. pedidos de transferência de fls. 205 a 237 passim; 3102, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"; e 1529 a 1999 - extratos de conta): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Barcelos Particulares) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas na mesma data, em 01/02/2007; Foram todas apresentadas pelo arguido J... numa única ocasião (cf. fls. 4042, linhas 23 a 26 e 4043, linhas 1 a 6 e 10 a 13); Foram apresentadas na mesma data, mas apenas executadas em 15/02/2007; Tinham texto e formatação padronizados; Foram todas para a mesma conta de destino; Tinham por objecto quantidades iguais às quantidades máximas adquiridas na OPV precedente; Foram todas dadas 11 dias após o fim do período de indisponibilidade decorrente da OPV para o segmento pequenos subscritores e emigrantes; Foram todas assinadas pelo mesmo funcionário do BANCO..., que conferiu as respectivas assinaturas; Tendo as despesas inerentes às transferências das 9.660 ações para a conta de J... sido suportadas direta e exclusivamente na conta deste. MA… E M... - AGÊNCIA DE VIZELA GERAL MA…: É cliente do BANCO... desde 08/02/2007, tendo o número de cliente 9… (fls. 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5 e 3102 e 3103); É titular, juntamente com a sua mulher Maria…, da conta nº 4… junto do balcão de Vizela do BANCO... (fls. 2133, 3285 e 3292); É titular da conta de títulos nº 4…. junto do BANCO..., associada à conta referida na alínea anterior (fl. 2143). JM…: É gestor (fl. 3305); Foi, pelo menos em 2003 e 2004, suplente do Conselho Superior do arguido BANCO... (fls. 3201a 3203); É titular desde 06/08/1986, e desde 04/04/2003 juntamente com CSMPM, da conta nº 1…, junto do BANCO... (fls. 3294 a 3298); É titular da conta nº 0…, junto do Banco de Investimento Global, S.A. (doravante designado por Banco BIG) (fls. 3043, 3047 e 3048); É titular da conta nº 0…, junto do Banco Português de Investimento, S.A. (doravante designado por BPI) (fls. 3053 e 3054); É titular da conta nº 0…, junto do Banco Activobank (fl. 3041). No âmbito da OPV da GALP os arguidos MN…e M... praticaram atos com vista à aquisição, por parte deste último, de ações em quantidade superior ao que as regras de rateio permitiam: Em 20/10/2006 foi transferido para a conta do arguido MN… junto do BANCO... (nº 45233313832) o montante de €18.500,00, com o descritivo "trf. p/o Dr.José J..." e proveniente da conta do arguido M... junto do BPI (nº 0…) (fls. 2135 e 3053 a 3054); Em 24/10/2006, i.e. na data da atribuição de ações em execução dos pedidos de compra no âmbito da OPV da GALP, o arguido MN… efetuou da sua conta junto do BANCO... (nº 4…): - 4 transferências no valor de €3.327,45 (o valor de aquisição de 600 ações do segmento pequenos subscritores e emigrantes na OPV da GALP); - 1 transferência no valor de €3.382,88 (o valor de aquisição de 610 ações do segmento pequenos subscritores e emigrantes na OPV da GALP); - num total de €16.692,68 (fl. 2135); Em 02/02/2007, 12 dias após o fim do período de indisponibilidade para as ações na OPV da GALP adquiridas no segmento de pequenos subscritores e emigrantes, foram transferidas para a conta do arguido MN junto do BANCO... (nº 4…): - 4 conjuntos de 600 ações GALP ; - 1 conjunto de 610 ações GALP; Num total de 3.010 ações (fl. 2143); Pelas transferências referidas na alínea anterior, a conta do arguido MN... junto do BANCO... (n.9 45233313832) foi debitada no valor de €260 (fl. 2143); Em 15/02/2007, o arguido MN... procedeu à venda das 3.010 ações GALP pelo valor total de €20.141,38 (fl. 2143); Em 07/03/2007, o arguido MN... transferiu, da sua conta junto do BANCO... (nº 4…), o montante de €21.679,95, com destino à conta do arguido M... junto do Banco Activobank (nº 0…) (fls. 2144, 3041 e 3042) - valor aproximado ao montante obtido com a venda das ações GALP e o remanescente da transferência de €18.500,00 efectuada para a conta do arguido MN... junto do BANCO... (nº 4…) em 20/10/2006 e não gasto com as 5 aquisições de ações GALP através de contas de terceiros (com posterior transferência para a conta do arguido MN...); Com a venda das 3.010 ações GALP o arguido MN... realizou uma mais-valia líquida de €3.188,70 (€20.141,38 [preço de venda das 3.010 ações] - €16.692,68 [custo de aquisição das 3.010 ações, incluindo despesas de aquisição] - €260 [despesas com as transferências das ações para a conta do arguido MN...]), a qual transferiu quase na íntegra para o arguido M... (cf. extratos de conta de fls. 2135 a 2144 e quadro Excel de síntese de fl. 3141). As operações que abaixo se descrevem ocorreram no âmbito da OPV da REN. FACTOS NO ÂMBITO DA OPV DA REN Utilização das contas Nas 36 contas de títulos junto do BANCO... identificadas na coluna C do anexo 4 ao presente ato, que dele constitui parte integrante, tituladas pelos clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 4, verificaram-se as vicissitudes que em seguida se descrevem. Das 36 contas em causa, 29 foram abertas na agência do BANCO... de Vizela (as identificadas nas linhas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 32, 33, 34 e 36 do anexo 4) e 3 foram abertas na agência do BANCO... de São Martinho do Campo (as identificadas nas linhas 20, 31 e 35 do anexo 4) (cf. fichas de abertura das contas de fls. 716 a 918, passim, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102 e 3103). As 22 contas de títulos identificadas nas linhas 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 35 e 36 da coluna C do anexo 4 ao presente ato foram abertas em 29/06/2007 (fls. 3069, ficheiro B; 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102 e 3103). Todas as contas identificadas na coluna C do anexo 4 têm como titulares colaboradores de empresas do Grupo Z… (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 716 a 918; fl. 3069 ficheiro C; fl. 3131, depoimento de F… fl. 4203, linhas 11 a 18, e depoimento de Q…, linhas 10 a 20); nomeadamente as 16 contas identificadas nas linhas 1, 4, 7, 9, 13, 15, 19, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 35 e 36 da coluna C do anexo 4, que têm como titulares colaboradores de empresas do Grupo Z…, concretamente das empresas Z…, S.A. (11), Fábrica Z (1 - linha 33 do anexo 4) - actual Z…, S.A., Y… Lda. (2 - linhas 19 e 36 do anexo 4), I…, S.A. (1 - linha 7 do anexo 4), e W…, Lda. (1 - linha 9 do anexo 4) (cf. documentos de suporte à abertura de conta de fls. 716 a 918; fl. 3069 ficheiro C; fl. 3131). O arguido MN... foi designado vogal do Conselho de Administração da empresa Z…, S.A., durante o quadriénio 2006-2009 (fls. 3169 a 3180). M...: É, pelo menos desde 2004, presidente do Conselho de Administração da S…, S.A. (fls. 3166 a 3168), sociedade que: É sócia da empresa Z…, S.A. (fls. 3169 a 3180); É titular do capital social da empresa Y… Lda. (fls. 3181a 3187); É titular da maioria do capital social da empresa W…, Lda. (fls. 3194 a 3200); É presidente do Conselho de Administração da empresa Z…, desde 2002 (fls. 3169 a 3180); É gerente, desde 1985, da empresa W… Lda. (fls. 3181 a 3187); Foi, de 2003 a 2010, presidente do Conselho de Administração da empresa I…, S.A., (fls. 3188 a 3193); Foi, de 1996 a 2008, gerente da empresa W… Lda. (fls. 3194 a 3200). Os 36 clientes identificados na coluna D do anexo 4 residem em Vizela (10 deles - os identificados nas linhas 2, 3, 4, 6, 9, 10, 11, 18, 21 e 30 do anexo 4) ou num raio de 15 km em volta de Vizela (os restantes 26) (cf. cartas com pedidos de transferência de ações REN de fls. 250, 253, 256, 259, 262, 265, 268, 271, 274, 277, 280, 283, 286, 289, 292, 295, 298, 301, 304, 307, 310, 313, 316, 319, 322, 325, 328, 331, 334, 337, 340, 343, 346, 349, 352 e 355; fl. 3122). Em datas entre 25/06/2007 e 29/06/2007, no caso das linhas 28 e 33 do anexo 4, e em 28/06/2007, no caso das restantes linhas do anexo 4 (cf. colunas F e K do anexo 4), os clientes do arguido BANCO... identificados na coluna D do anexo 4, titulares das contas identificadas na coluna C do mesmo anexo, ordenaram a compra de ações REN no âmbito da OPV supra descrita, nas quantidades identificadas nas colunas G e L do anexo 4 (cf. ordens de compra constantes de fls. 248 a 355 passim) - as quantidades máximas permitidas em cada um dos lotes. Todos os pedidos de compra foram apresentados no balcão de Vizela do arguido BANCO... (cf. ordens de compra constantes de fls. 248 a 355 passim; fls. 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102 e 3103). Alguns dos campos dos boletins de compra não se encontram preenchidos (cf. ordens de compra constantes de fls. 248 a 355 passim). Em 09/07/2007, em consequência da execução das ordens de compra referidas, os clientes do arguido BANCO... em questão adquiriram ações REN nas quantidades identificadas na coluna P (resultado do somatório das quantidades identificadas nas colunas H e M) do anexo 4 (as quantidades máximas cuja aquisição era permitida), pelo preço identificado na coluna Q (resultado do somatório dos valores identificados nas colunas J e O) do anexo 4 (cf. extratos de contas de fls. 2133 a 2933 passim). Em 10/07/2007 foi transferido o montante de €50.000,00 da conta nº 1.262 junto do BANCO..., de M..., para a conta de MN... junto do BANCO... com o nº 4…, tendo a transferência o descritivo "OPV REN" (fls. 2153 e 3057 a 3059). Em 10/07/2007, as contas identificadas na coluna C do anexo 4 foram debitadas pelos montantes indicados na coluna R do anexo 4 (resultado do somatório dos valores indicados nas colunas J e O, acrescido das despesas inerentes à execução das operações), ou seja, num valor total por conta de €1.327,30 (para as contas que adquiriram 480 ações, salvo no caso da conta identificada na linha 36 da coluna C do anexo 4, em que foram adquiridas 480 ações por um valor final de €1.323,96), de €1.353,40 (para as contas que adquiriram 490 ações) ou de €1.380,90 (para as contas que adquiriram 500 ações) (cf. extratos de contas de fls. 2000 a 2933 passim). Os valores totais por conta referidos no ponto anterior tinham sido transferidos nesse mesmo dia 10/07/2007 para as contas em questão, tendo as transferências tido origem na conta de MN... junto do BANCO... (nº 4…) (cf. extratos de contas de fls. 2000 a 2933 passim). Relativamente às contas identificadas na coluna C do anexo 4, foram apresentados no balcão de Vizela do arguido BANCO... pedidos de transferência das ações REN referidas para a conta do arguido MN... (nº 4…, aberta em 08/02/2007, no balcão de Vizela), nas seguintes datas: 10/07/2007 (29 pedidos), 30/08/2007 (5 pedidos - os identificados nas linhas 3, 29, 30, 31 e 32 do anexo 4), 30/10/2007 (1 - o identificado na linha 2 do anexo 4) e 12/11/2007 (1 - o identificado na linha 1 do anexo 4) (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 250, 253, 256, 259, 262, 265, 268, 271, 274, 277, 280, 283, 286, 289, 292, 295, 298, 301, 304, 307, 310, 313, 316, 319, 322, 325, 328, 331, 334, 337, 340, 343, 346, 349, 352 e 355; e, para os dados da conta, fls. 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 3102 e 3103). Em 09/10/2007 (em 34 casos), 09/11/2007 (no caso da conta identificada na linha 2 do anexo 4) e 16/11/2007 (no caso da conta identificada na linha 1 do anexo 4), em execução dos pedidos de transferência referidos, as 17.620 ações REN adquiridas pelos clientes em questão foram transferidas para o arguido MN... (fls. 445 a 480). As cartas com os pedidos de transferência eram padronizadas (mesmo texto base e formatação, com uma referência genérica à quantidade de títulos em questão: "transferência da totalidade dos m/ títulos"), diferindo apenas o endereço, o nome do cliente e n.9 da conta de títulos de origem, encontrando-se o campo da data preenchido à mão (cf. cartas com pedidos de transferência fls. 250, 253, 256, 259, 262, 265, 268, 271, 274, 277, 280, 283, 286, 289, 292, 295, 298, 301, 304, 307, 310, 313, 316, 319, 322, 325, 328, 331, 334, 337, 340, 343, 346, 349, 352 e 355). Em 09/10/2007 (para as contas identificadas nas linhas 3 a 36 do anexo 4), 09/11/2007 (para a conta identificada na linha 2 do anexo 4) e 16/11/2007 (para a conta identificada na linha 1 do anexo 4), as despesas com a transferência das ações adquiridas para a conta do arguido MN... junto do BANCO... (nº 45233313832) foram diretamente suportadas por esta conta, tendo havido uma posterior rectificação do montante em causa em 21/11/2007 (fls. 2160, 2161, 2164 e 2165). Em 09/10/2007, adicionalmente, foi transferido para cada uma das contas identificadas na coluna C do anexo 4 o valor de €60,47, com origem na conta do arguido MN... junto do BANCO... (nº 4…) (cf. fls. 2160 e 2161 e extratos de conta de fls. 2169 a 2933 passim). Em 22/10/2007, foram vendidas 16.630 ações REN detidas pelo arguido MN..., pelo preço total de €57.616,08 (fl. 2161). Em 23/10/2007 foi transferido o montante de €55.800,00 da conta nº 4… e MN... junto do BANCO... para a conta de M... com o nº 0…, junto do Banco BIG (fls. 2161, 3057 e 3060 a 3062). Em 21/12/2007, foram vendidas as restantes 990 ações REN detidas pelo arguido MN..., pelo preço total de €3.613,98 (fls. 2167 e 2168). Em 26/12/2007 foi transferido o montante de €3.400,00 da conta n.9 45233313832 de MN... junto do BANCO... para a conta de M... com o nº 1262 junto do BANCO... (fls. 2167, 3057 e 3063 a 3064). Com a venda das 17.620 ações REN adquiridas pelo arguido MN... com recurso às contas identificadas na coluna C do anexo 4, foi realizada uma mais-valia de €12.556,20 (€57.616,08 [preço de venda de 16.630 ações] + 3.613,98 [preço de venda de 990 ações] - €48.673,86 [custo de aquisição de 17.620 ações, incluindo despesas de aquisição, cf. somatório da coluna R do anexo 4) (cf. extratos de conta de fls. 2133 a 2933 e quadro Excel de síntese de fl. 3141). Se se deduzirem as despesas suportadas pelas transferências (-€3.112,92), o ganho ascende a €9.443,28, valor da mais-valia líquida realizada (cf. extratos de conta de fls. 2133 a 2933 e quadro Excel de síntese de fl. 3141). Contrapondo: a. O valor de €9.443,28, resultante da mais-valia líquida da operação recebida na conta de MN...; e b.A diferença de €9.200,00 entre o valor que MN... recebeu do arguido M... na sua conta para financiar a operação (€50.000,00) e o valor final total que transferiu para a conta do arguido M... após a venda das ações em causa (€59.200,00); Conclui-se que o arguido MN... ficou com €243,28 na sua conta, resultantes desta operação; o arguido M..., por seu turno, ficou com €9.200. Influência no rateio das ações REN: Por força da actuação supra descrita, MN... adquiriu 17.620 ações da REN dos lotes reservados ao público em geral e a pequenos subscritores e emigrantes. A aquisição das referidas 17.620 ações REN foi concretizada através da actuação relativa às 36 contas identificadas no anexo 4. Na reserva destinada ao público em geral, a aquisição estava limitada a 40.000 ações por investidor (nº 5 da RCM nº 87/2007) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 340 ações, relativamente às ordens do 1º período da OPV. Na reserva destinada aos pequenos subscritores e emigrantes, a aquisição estava limitada a 10.000 ações por investidor (nº 8, alínea c) da RCM n.2 74/2007) - após rateio, a cada investidor foi atribuído um máximo de 160 ações, relativamente às ordens do 1º período da OPV. 0 total máximo de ações da REN que MN... poderia ter adquirido era de 500 (340+160) ações pelo que, mesmo que tivesse ordenado a compra do máximo admissível para ambos os lotes (40.000x2 + 10.000x2 = 100.000), que resultaria na atribuição de um máximo de 500 ações, o que nem sequer foi o caso, sempre adquiriu 17.120 ações da REN a mais do que o legalmente permitido, ações que os demais investidores deixaram de poder adquirir e receber. JM disponibilizou a MN... os montantes necessários a fazer face ao custo da operação e recebeu de MN... €59.200,00 na sequência da venda das ações REN detidas por este último. INTERVENÇÃO DOS ARGUIDOS NOS FACTOS E ELEMENTOS SUBJECTIVOS: O arguido MN... tomou parte direta na aquisição de ações REN em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam. MN... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, MN...: Entregou a documentação relativa à operação no balcão do BANCO... (ordens de subscrição e ordens de transferência relativas às 36 pessoas indicadas na coluna D do anexo 3) (cf. depoimento de CC…, fl. 4209, linhas 10 a 15); Recebeu de M... o montante necessário para fazer face aos custos inerentes à aquisição e transferência para a sua conta das 17.620 ações REN adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 4; Suportou os custos inerentes à aquisição das 17.620 ações REN adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 4, mediante transferências bancárias da sua conta para as últimas; Suportou diretamente na sua conta os custos inerentes à transferência das 17.620 ações REN adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 4 para a sua conta; Transferiu para M... os montantes recebidos na sequência da venda das 17.620 ações REN em questão, na sua quase totalidade; Sabia que a sua conduta teria como efeito permitir-lhe a aquisição de mais ações REN do que o máximo que cada cliente poderia adquirir nos lotes da OPV em questão; Sabia que a sua conduta: 1. Teria efeitos ao nível dos coeficientes de rateio da Oferta Pública e, como tal, seria susceptível de ter efeitos ao nível do número de ações que os demais investidores poderiam adquirir e receber; 2.. Era susceptível de lhe causar mais-valias e prejuízos/não ganhos aos demais investidores em ações REN, na medida da subsequente valorização dos respectivos títulos. 0 arguido M... tomou parte direta na aquisição de ações REN em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam. M... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, M...: instruiu os funcionários do grupo Teviz para tratarem da parte administrativa da operação, designadamente da angariação de colaboradores para subscreverem as ações e dos contatos com a agência do BANCO... (de acordo com o depoimento de Carlos Carneiro, a fls. 4211, linhas 8 a 19); Disponibilizou a MN... o montante necessário para fazer face aos custos inerentes à aquisição e transferência para a conta deste último das 17.620 ações REN adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 4; Recebeu nas suas contas a quase totalidade dos montantes recebidos na sequência da venda das 17.620 ações REN em questão por MN...; Sabia que a sua conduta teria como efeito permitir a um cliente a aquisição de mais ações REN do que o máximo que cada cliente poderia adquirir nos lotes da OPV em questão; Sabia que a sua conduta: Teria efeitos ao nível dos coeficientes de rateio da Oferta Pública e, como tal, seria susceptível de ter efeitos ao nível do número de ações que os demais investidores poderiam adquirir e receber; Era susceptível de lhe causar mais-valias e prejuízos/não ganhos aos demais investidores em ações REN, na medida da subsequente valorização dos respectivos títulos. 0 arguido BANCO... tomou parte direta na aquisição de ações REN em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam. Com efeito, o BANCO...: Recebeu e executou as ordens de compra de ações REN para as 36 contas identificadas na coluna C do Anexo 4 (cf. fls. 247 a 355 passim); Recebeu e executou as 36 ordens de transferência de ações REN para a conta de MN... (cf. pedidos de transferência de fls. 247 a 355 passim). 0 BANCO... conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática. Com efeito, o BANCO...: Acompanhou toda a operação de aquisição de ações REN para a conta de MN... em quantidade superior ao que as regras de rateio da respectiva OPV permitiam (fls. 4203, linhas 11 a 33, 4204, linhas 1 a 7 e 18 a 20, 4205, linhas 11 a 29, 4206, linhas 18 a 26, 4209, linhas 1 a 25, 4210, linhas 6 a 11 e 27 a 32, 4211, linhas 1 a 2 e 12 a 32, 4212, linhas 1 a 8 - depoimentos de colaboradores do grupo Teviz; 2133 a 2933 - extratos de conta; e ordens de compra e pedidos de transferência de fls. 247 a 355 passim); Recebeu e executou as ordens de compra de ações REN para as 36 contas identificadas na coluna C do Anexo 4 (cf. fls. 247 a 355 passim); Sendo que as referidas ordens de compra de ações REN (cf. ordens de compra de fls. 247 a 355 passim; 3102 e 3103, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Vizela) do arguido BANCO...; Foram todas apresentadas na mesma data, em 28/06/2007 (à exceção de ordens para as duas contas); Alguns campos dos boletins de compra não foram preenchidos; Apresentavam duas caligrafias (i.e., uns boletins foram preenchidos por uma caligrafia, outros por outra, tendo todos sido preenchidos por estas duas caligrafias); Tinham por objecto a quantidade máxima permitida em cada um dos lotes; Foram dadas para contas abertas em 29/06/2007 no balcão de Vizela do arguido BANCO..., em 19 das 36 contas indicadas no anexo 4 (fls. 3102 e 3103, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5"); Nos casos dos 25 clientes identificados nas linhas 1 a 3, 5 a 10, 12 a 14, 16, 18, 19, 21, 23 a 27, 29 a 31, 33 e 34 do Anexo 4, foram todas dadas por clientes que apresentavam vencimentos salariais inferiores a €800/mês (cf. extratos de conta de fls. 2169 a 2933, passim), Contudo todavia autorização para que as respectivas contas fossem debitadas no valor de €110.000, no caso das ordens no segmento público em geral (por 40.000 ações licitadas ao preço máximo de €2,75), e de €26.100, no caso das ordens no segmento pequenos subscritores e emigrantes (por 10.000 ações licitadas ao preço máximo de €2,61), num valor total máximo de €136.100 por cliente e por conta, e Sem que tenha havido qualquer abertura de linhas de crédito específicas para as subscrições em causa (cf. fls. 6 e 55); Sendo que: As contas identificadas na coluna C do anexo 4 utilizadas para a aquisição de ações REN foram creditadas para o efeito, no montante necessário para a aquisição, através de transferências com origem na conta do arguido MN... efectuadas no mesmo dia da execução das ordens de compra (cf. extratos de conta de fls. 2169 a 2933, passim); Recebeu e executou as 36 ordens de transferência de ações REN para a conta de MN... (cf. pedidos de transferência de fls. 247 a 355 passim); Sendo que as referidas ordens de transferência (cf. pedidos de transferência de fls. 247 a 355 passim; 3102 e 3103, 51 e 56, ficheiro "anexo 1" separador "alínea a), 4 e 5" e 2133 a 2933 - extratos de conta): Foram todas apresentadas no mesmo balcão (Vizela) do arguido BANCO...; Em 29 casos foram apresentadas na mesma data, 10/07/2007; Tinham texto e formatação padronizados; Foram todas dadas para a mesma conta de destino; Tinham por objecto quantidades iguais às quantidades máximas adquiridas na OPV precedente; Em 34 casos, foram dadas antes do fim do período de indisponibilidade decorrente da OPV para o segmento de pequenos subscritores e emigrantes; Foram todas dirigidas à atenção da "Exma. Sra. Drª. X…". Em 34 casos (as 5 ordens que deram entrada na agência a 10/07/2007 e as 29 ordens que entraram a 30/08/2007) foram assinadas pelo mesmo funcionário, que conferiu as assinaturas; Uma vez que cada cliente identificado no anexo 4 adquiriu as quantidades máximas nos dois segmentos (público em geral e pequenos subscritores e emigrantes), as ações adquiridas no segmento público em geral poderiam ter sido transferidas imediatamente após as respectivas ordens, ao invés das ações adquiridas no segmento pequenos subscritores e emigrantes, que ficaram indisponíveis até 08/10/2007; Todavia, e não obstante as ordens de transferência terem sido dadas, em 29 casos, em 10/07/2007 (cerca de 3 meses antes do fim do período de indisponibilidade das ações no segmento pequenos subscritores e emigrantes) e, em 5 casos, em 30/08/2007 (mais de 1 mês antes do fim do período de indisponibilidade das ações no segmento pequenos subscritores e emigrantes), o BANCO... optou por executar estas 34 ordens de transferência apenas em 09/10/2007, dia seguinte ao fim do período de indisponibilidade para o segmento pequenos subscritores e emigrantes, tratando-as assim como uma operação única; Tendo as despesas inerentes à transferência das 17.620 ações para a conta de MN... sido suportadas direta e exclusivamente na conta deste. Se os factos proibidos por lei acima referidos não se tivessem verificado, o impacto máximo nos resultados do rateio não chegaria a uma ação por subscritor. A arguida C...depositava no seu pai e procurador total confiança. A arguida não tem antecedentes contraordenacionais no quadro do Direito dos Valores Mobiliários. O arguido J... não tem antecedentes contraordenacionais no quadro do Direito dos Valores Mobiliários. M... não tem antecedentes contraordenacionais no quadro do Direito dos Valores Mobiliários, mas foi condenado, por decisão transitada em julgado em 15/6/2009, por factos praticados no ano 2000, por co-autoria de um crime de abuso de informação privilegiada, no âmbito do processo nº 5409/03.5TDLSB, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Lisboa (fls. 4290 a 4389). A situação económica dos arguidos pessoas singulares não era precária ou sequer modesta, apresentando património considerável, conforme melhor resulta da análise dos docs. a fls. 919 a 951, 1529 a 1588 e 3057 a 3064 e da própria consideração dos valores envolvidos nas operações. Os arguidos J... e M... praticaram os atos referidos com vista a dinamizar a situação económica menos favorável das suas empresas, sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, situação económica que tem vindo posteriormente a agravar-se com a crise atual. A situação económica do arguido BANCO... apresenta, por referência a 31/12/2010 (com base no relatório e contas disponível em www…...pt e a fls. 4277 a 4282): Um total do activo de 100.010 milhões de euros; Um resultado líquido anual atribuível aos accionistas do banco de 301,6 milhões de euros; O arguido tem antecedentes contraordenacionais no quadro do Direito dos Valores Mobiliários (fls. 4283 a 4288), a saber: Foi condenado numa coima de €37.500 no processo de contra-ordenação nº 60/2006, por violação do artigo 44.9, n.9 3, do Regulamento da CMVM n.9 12/2000, relativo à cobrança aos clientes de valores em excesso face aos constantes das tabelas afixadas; Foi condenado numa coima de €50.000 no processo de contra- ordenação n.9 14/2007, por violação do artigo 135º, nº 1, do CdVM, relativo às informações constantes de prospecto; Foi condenado numa coima de €250.000 no processo de contra- ordenação n.9 1/2008, por violação do artigo 7º, nº 1, do CdVM, relativo à qualidade da informação; Foi admoestado no processo sumaríssimo de contra-ordenação nº 10/2008, por violação dos artigos 248º-A e 248º do CdVM, relativos à divulgação de informação privilegiada; Foi condenado numa coima de €75.000 no processo de contra-ordenação nº 17/2008, por violação do artigo 245º do CdVM, relativo ao relatório e contas anuais; Foi condenado numa coima de €75.000, no processo de contraordenação n.9 20/2008, por violação dos artigos 335º do CdVM, 42º do Regulamento da CMVM nº 7/2005, 6º da Portaria 913-1/2003 e da Instrução nº 5/2005, relativos à atividade de gestão de carteiras. Anexa-se a esta sentença cópia dos Anexos 1 a 4, constantes já de fls. 4855 ss., os quais fazem parte integrante desta sentença. * Matéria de facto não provada: Com relevância para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos: Os arguidos BANCO..., J... e M... não tinham consciência de estar a praticar atos ilícitos e a defraudar o rateio. Os arguidos pessoas singulares agiram segundo instruções e aconselhamento de funcionários do BANCO.... * Motivação da decisão de facto: A convicção do Tribunal quanto à matéria provada resultou da análise crítica conjugada, à luz do princípio da livre apreciação da prova e de regras de experiência comum, de todos os elementos de prova constantes dos autos e produzidos em audiência, com especial enfoque para os documentos referidos a propósito dos factos provados. (…) Vejamos qual o processo de formação da convicção deste tribunal. As testemunhas economistas da CMVM, (…) e (…), foram importantes para a formação da convicção do tribunal, pois que os seus depoimentos seguros e credíveis permitiram efetuar uma visão de conjunto da prova documental recolhida pela CMVM e da forma como a mesma deve ser encarada, à luz das regras de vida e de regras normais de negociação em valores mobiliários. Note-se que a prova documental praticamente fala por si. Os depoimentos das testemunhas (…) Uma atuação conforme ao Direito exige que aquele que é titular de uma conta apure os atos do seu procurador e se não o faz, não pode depois vir invocar a confiança num terceiro para desresponsabilizar um comportamento desviante com a lei. Mais ainda quando estão em causa operações de valores significativos. (…) (…) (…) Os demais meios de prova não têm relevância significativa isoladamente. Assim, deixemos agora os meios de prova isolados e façamos uma análise relacional dos mesmos. Resulta "grosso modo" dos factos apurados e não controversos que quantidades de ações em conjunto superiores ao limite legal de aquisição por uma só pessoa foram adquiridas por terceiros, terceiros estes que não custearam tais aquisições, as quais foram de seguida transferidas para os arguidos pessoas singulares, sendo estes últimos a custear todas as despesas relativas às subscrições das ações pelos terceiros. Não é nada crível que alguém tenha uma atitude tão benemérita e altruísta de suportar as despesas de subscrição de ações por parte de terceiros - e acrescente-se em montantes elevados - sem ter qualquer interesse na operação. Ora, em termos de normalidade social e experiência de vida, qualquer pessoa normal compreende e tem uma só interpretação da realidade: os arguidos pessoas singulares pretendiam executar operações bancárias que lhe permitiam adquirir um número de ações superior ao legalmente admitido. Para além do facto relevantíssimo de os terceiros não suportarem qualquer despesa com a subscrição, há todo um conjunto de elementos, dados como provados, que analisados de forma conjunta, apontam no mesmo sentido, a saber, a padronização das propostas, os momentos de apresentação das mesmas, a situação patrimonial dos proponentes e todos os outros discriminados nos factos provados a propósito do elemento subjetivo da infração. Se os arguidos pessoas singulares, ao aceitarem pagar as despesas de terceiros com as subscrições e ao aceitarem as subsequentes transferências das ações, certamente sabiam que o objetivo das operações era adquirir mais ações que as legalmente previstas, pois caso contrário não teriam tido o trabalho de "montar" esta operação com "testas de ferro", o Banco muito menos desconhecia esta realidade. Sendo os funcionários do Banco profissionais desta área certamente que conheciam a limitação legal e que, face aos elementos conjugados acima identificados, não poderiam deixar de querer permitir aos seus clientes uma via de contornar a lei, intermediando as operações ilícitas. Nem se diga que no momento em que os funcionários bancários receberam as ordens de subscrição ainda não existiam ordens de transferência para os arguidos, pelo que era inviável ao Banco antecipar o objetivo das operações, pois que o conjunto de elementos acima id., desde a homogeneidade e padronização dos formulários, o momento da sua entrega, a situação patrimonial de vários subscritores, os descobertos bancários e o facto de os custos das subscrições serem suportados pelos arguidos, em agências de terras pequenas, em todos se conhecem e a relação entre bancário e cliente é próxima, analisados conjuntamente todos os elementos e mais ainda aos olhos de profissionais da banca, não deixam dúvidas sobre os intentos das operações. Atendendo a que a arguida C… agia por intermédio do seu pai, procurador, admite-se que a mesma não tenha efetivamente tido conhecimento do propósito ilícito, mas sendo maior de idade e face aos montantes das operações em causa era-lhe exigível que se informasse sobre os contornos das mesmas, perguntando porque tinha de suportar custos de terceiros, que relação havia entre esses terceiros e o seu património e qual o propósito da operação. Não tendo tido o cuidado de apurar junto do seu procurador todas essas informações, há que considerar provada a falta de cuidado a que está obrigada e de que é capaz. Nem se invoque o princípio da confiança e se diga que a arguida C… agiu com base na confiança que depositava no seu pai ou que o Banco agiu com base na confiança nos seus clientes, ou que os clientes agiram com base na confiança no seu Banco, a verdade é que a confiança em terceiros não pode servir de cortiça de fumaça para a atuação do próprio querendo praticar um facto ilícito nem para justificar uma conduta de evidente falta de cuidado. Nem se diga que os arguidos desconheciam que tal conduta era ilícita, pois em termos de normalidade social qualquer pessoa percebe estarmos perante uma operação concebida para ultrapassar tal preceito legal, defraudando as regras legais. A verdade é que apesar de estarmos perante valores mobiliários e de estar em causa as regras do rateio, a situação ilícita aqui em causa não tem nada de original face a tantas outras áreas da vida: trata-se de acordar com um "testa de ferro" a aquisição de um bem que a lei não permite que se adquira diretamente, naturalmente suportando todas as despesas em que tal terceiro incorra, típico de fraude à lei. Ora, independentemente da profissão e grau de instrução qualquer pessoa compreende que está em causa a prática de ato proibido por lei. O facto não provado relativo aos arguidos não terem consciência de estar a praticar factos proibidos por lei resultou da prova do seu contrário, conforme acima explicado. O facto não provado relativo a que os arguidos pessoas singulares agiram segundo instruções e aconselhamento de funcionários do BANCO... resultou da ausência de prova suficiente quanto ao mesmo, visto que as declarações e depoimentos prestados em tal sentido parecem antes pretender desculpabilizar os arguidos pessoas singulares, imputando unicamente a responsabilidade ao Banco, pelo que se consideraram não credíveis. Estamos convencidos que todos - intermediário financeiro e clientes - tinham consciência da ilicitude do comportamento que defraudava o rateio, não se tendo apurado se a iniciativa das operações partiu dos clientes ou do próprio Banco. A demais matéria é conclusiva, de Direito ou irrelevante para a boa decisão desta causa. * 2.4. Enquadramento jurídico: Sendo estes os factos apurados com relevo para a decisão do presente recurso, há que proceder ora ao seu enquadramento jurídico. Vem imputada aos arguidos a prática de contraordenações p.p. pelos arts. 311º, nº 1, e nº 2, alínea c), 398º, alínea d), e 388º nº 1, alínea a) do Código dos Valores Mobiliários. O art. 311º, nº 1 do CdVM na redação vigente à data da prática dos factos, introduzida pelo DL nº 66/04, de 24.3. estabelece que "Os intermediários financeiros e os membros de mercado referidos no nº 3 do artigo 203º devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar atos susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado". Por seu turno, o nº 2, al. c) dispõe que "São, nomeadamente, susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado: (...) A execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários;". A violação de tais preceitos constitui contraordenação muito grave, nos termos do artigo 398º, al. d) do CdVM. As alterações introduzidas em posteriores redações dos preceitos são irrelevantes para o presente caso (já que é pacífico que a CGD é um intermediário financeiro e as ações são valores mobiliários) e as coimas são mesmo elevadas face às decorrentes do art. 388º, nº 1, al. a), na redação à data dos factos, pelo que não será de aplicar uma lei nova, por tal não ser mais favorável aos arguidos. As normas que prevêem a contraordenação em causa não são normas em branco, com conceitos vagos e indeterminados, antes havendo uma concretização suficiente dos elementos do tipo que decorre da própria lei, em respeito pelos princípios da legalidade e tipicidade. Atenta a própria natureza das atividades de valores mobiliários, área complexa e de constante inovação, não seria exigível uma maior concretização dos elementos típicos. Assim, entende-se inexistir qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos princípios da legalidade, tipicidade, da presunção de inocência ou outro conexo princípio constitucional. Dos factos provados resultou que por virtude dos comportamentos do BANCO... e de cada um dos arguidos pessoas singulares se permitiu que um único investidor adquirisse, nas ofertas públicas referidas muitas mais ações do que lhe era permitido, pelo que com os seus comportamentos defraudaram os efeitos do rateio efetuado para atribuição de tais ações, e assim puseram em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Nem se diga que os efeitos da compra de tais ações em número superior ao legalmente admissível não são significativos no computo global das ações atribuídas no âmbito das referidas OPV pois, caso se adoptasse uma interpretação tão restritiva da norma incriminadora, tal redundaria na inaplicabilidade prática da mesma, uma vez que fossem quais fossem os atos praticados por um intermediário financeiro destinados a defraudar os efeitos do rateio sempre os efeitos seriam reduzidos face à dimensão gigantesca das operações, que envolve múltiplos intermediários e um número de investidores elevadíssimo. Assim, há que olhar ao montante de ações adquirido acima do máximo legalmente admitido, ações essas que, na impossibilidade de distribuição paritária entre os subscritores (por o impacto ser inferior a uma ação por subscritor), deveriam ter sido distribuídas por sorteio, aleatoriamente, e não ficar na titularidade de quem ilegitimamente se pretende arrogar de tal privilégio. Depreende-se do atrás dito que o relevante conceito de "mercado" é um conceito jurídico-económico e não o de "mercado organizado", num sentido institucional, como a Euronext ou outro. Note-se, aliás, que no caso das subscrições em OPSs estamos no âmbito do mercado primário, em que as ações ainda não foram admitidas à negociação na Euronext. Não se deve cindir os momentos da subscrição de ações por terceiros, do rateio e da posterior transferência das ações para os arguidos pessoas singulares, para dizer que no momento do rateio havia uma regularidade formal dos titulares das ações, pois que a operação pela sua natureza e intuito de fraude à lei foi concebida à partida para abranger as diferentes fases, as quais culminam na aquisição pelo destinatário final de um montante de ações superior ao legalmente permitido. Quanto à responsabilização do arguido BANCO..., pessoa coletiva, face aos arts. 7º, nº 1 do RGCO e 401º, nº 1 do CdVM, não é necessária a concreta identificação dos funcionários pessoas singulares que agiram em seu nome, sendo que não há dúvidas que independentemente da identidade da pessoa singular, foram funcionários do BANCO... que intermediaram as operações, querendo praticar factos proibidos por lei, como acima explicado. De acordo com o artigo 16º do RGCO e do conceito extensivo de autor e regime de comunicação de ilicitude aí previstos, os arguidos pessoas singulares respondem pela prática das contraordenações imputadas, pois deram contributo causal à execução das ordens pelo BANCO.... Assim, apenas de não serem intermediários financeiros, os arguidos pessoas singulares respondem igualmente pela contraordenação em causa. Face a tudo o que já dissemos, importa concluir que os arguidos preencheram os elementos objetivos do tipo contraordenacional, a título de autores (art. 16º n.º 1 do RGCO). Efetivamente cada um dos arguidos apôs a sua assinatura e participou na realização de atos necessários ao defraudar do rateio, pessoalmente ou por procurador. Não se tratou de um mero auxílio material ou moral, o que consubstanciaria cumplicidade, mas antes da prática de atos de execução, tendo o domínio do facto e sendo os seus comportamentos causalmente adequados à produção do resultado. Mais se preencheram os elementos subjetivos do tipo contraordenacional, sendo que a arguida C...agiu com negligência, ao não atuar com os cuidados a que estava obrigada e de que é capaz, e os demais arguidos atuaram com dolo, pois sendo conhecedores da ilicitude da conduta quiseram praticá-la, tendo plena consciência de que com a sua conduta defraudariam os efeitos do rateio. Estão pois preenchidos todos os elementos exigidos pelos tipos negligente e doloso em causa. Não resultaram provados quaisquer factos que permitam consubstanciar uma situação de erro, seja de erro sobre factos ou proibições ou erro sobre a ilicitude, susceptível de excluir a culpa ou de permitir uma atenuação especial da coima, nos termos dos arts. 8º/2 e 3 ou 9º/1 e 2 do RGCO. Estão, pois, preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo contraordenacional em causa e não existem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Os arguidos deverão ser responsabilizados pelo número de vezes que preencheram o tipo contraordenacional. * 2.5. Da escolha e medida das sanções a aplicar: Determinada a prática das contraordenações impõe-se a condenação dos arguidos, restando apenas apurar as sanções a aplicar. Nos termos do art. 398º al.. d) e 388º, nº 1, al. a)do CdVM, na redação vigente à data dos factos, mais favorável aos arguidos por a moldura abstrata ser mais baixa, a moldura abstrata da coima desta contraordenação muito grave é de € 25.000 a € 2.500.000. No caso de imputação da contraordenação a título de negligência (art. 402º, nº 1, do CdVM), aplicável no caso da arguida C…, o respetivo limite máximo é reduzido a metade, ao abrigo do art. 17º, nº 4, do RGCO. Apesar de as molduras abstratas serem elevadas, inexiste qualquer violação do princípio da proporcionalidade (art. 18º da CRP) ou do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) em virtude de falta de justificação para um tratamento desigual, face às graves consequências para o mercado decorrentes dos comportamentos previstos. A considerável diferença entre o mínimo e o máximo da moldura legal permite a diferenciação de situações concretas, atendendo-se nomeadamente ao facto de estarem em causa pessoas singulares ou coletivas. 1. «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.» (art. 18º nº 1 do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10). Mas no Direito dos VM há norma especial, a saber o art. 405º do CdVM, segundo o qual "a determinação da coima concreta e das sanções acessórias faz-se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente", acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que "na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias: a) O perigo ou o dano causados aos investidores ou ao mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros; b) O carácter ocasional ou reiterado da infracção; c) A existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção; d) A existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção". Nos termos do nº 3 do artigo 405º, "na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias: a) Nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de acção na pessoa colectiva em causa; b) Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos; c) Especial dever de não cometer a infracção". O nº 4 do artigo 405º estipula que "[n]a determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta anterior do agente". In casu, em termos de gravidade da contraordenação há que ponderar a quantidade de ações adquiridas face ao limite legal admissível. Em termos de culpa, há que ter em conta o especial grau de exigência de cuidados no cumprimento da lei exigível ao arguido BANCO..., face às funções que desempenha a título profissional, de grande responsabilidade. De qualquer modo, também há que atender ao intuito de enriquecimento, particularmente evidente quanto às pessoas singulares, sem prejuízo de a pessoa coletiva também ter vantagens com a operação, seja em comissões seja em fidelização de clientes. A favor da arguida C...há que atender que a mesma agiu apenas com negligência e que era jovem e sem grande experiência, além de ter confiança absoluta no seu pai e procurador. Quanto aos arguidos J... e M... há que ponderar que praticaram os atos referidos com vista a colmatar a menos favorável situação económica das suas empresas. Temos ainda que ponderar os antecedentes contraordenacionais dos arguidos, valorando positivamente a sua ausência. Por último, importa olhar à situação profissional e económica dos arguidos, tal como resulta dos factos provados. No caso dos arguidos que praticaram mais do que uma contraordenação, no que respeita ao cúmulo jurídico das coimas, é elucidativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de Novembro de 2008 (in http://tribunal-relacao.vlex.pt/vid/-55313972) segundo o qual: "1. Verificado o concurso efectivo de contra-ordenações, deve ser determinada a medida concreta da coima por cada uma delas, no quadro da moldura abstracta correspondente, e posteriormente a coima única que tem como limite abstrato mínimo a mais elevada das coimas concretamente aplicadas e como limite abstrato máximo a soma das penas concretamente aplicadas, com o limite do dobro do limite máximo (abstrato) mais elevado das contra-ordenações em concurso (artigo 19º do Decreto-Lei nº 433/82). 2. A fixação da coima única é obrigatória e exige uma decisão fundamentada, não estando na disponibilidade do julgador realizar ou não a operação do cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, a menos que o legislador, à semelhança do que determina no art. 134º nº 3 do CE imponha o cúmulo material das sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso." No caso concreto, em sede de concurso há que ponderar que as várias infrações se verificaram essencialmente no mesmo período e têm por base um mesmo contexto e agências bancárias. Tudo ponderado, entendem-se razoáveis e proporcionais, além de necessárias, as coimas aplicadas pela CMVM e indicadas supra. A gravidade dos atos praticados e os valores envolvidos e a culpa dos arguidos, que não se pode qualificar de diminuta, não permitem a aplicação de admoestação. Porém, atendendo aos antecedentes contraordenacionais e situação económica dos arguidos, consideramos que a mera ameaça da aplicação da totalidade da sanção pode propiciar a adoção de comportamentos consentâneos com a lei, pelo que é de determinar a suspensão parcial da execução de 10.000 Euros nas coimas aplicadas aos arguidos pessoas singulares e 30.000 Euros na coima aplicada ao arguido pessoa coletiva, pelo prazo de 2 anos (art. 415.nºs 1 e 3 do CdVM). Porém, não será de suspender na totalidade as coimas aplicadas, por a aplicação efetiva de parte da coima se considerar essencial à interiorização do respeito pelas normas que regem o sector financeiro, sobretudo por parte daqueles que exercem funções com carácter profissional. Tendo em consideração o disposto nos artigos 404.nº 1, al. a) e 405º do CdVM e 21° do RGCO, é ainda de aplicar a sanção acessória de apreensão e perda dos produtos dos benefícios obtidos através da prática das infracções, concretamente das mais-valias resultantes da venda das ações, como dado como provado. Os arguidos deverão ainda ser condenados nas custas processuais, sendo que, em função da atividade processual desenvolvida, do número de sessões de audiência e extensão do processo, a taxa de justiça deverá ser fixada em 5 UC.» B) Do Direito: Tendo-se concretizado o teor da fundamentação da sentença recorrida, bem como da motivação dos recursos e das contra-alegações, resta, somente, apreciar e decidir o objeto dos recursos. B.1. Questões prévias: a) Dos despachos interlocutórios identificados na motivação de recurso dos arguidos BANCO... e J...: Estes recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade material dos despachos exarados a folhas 5906 e 5907, com base na violação dos artigos 32º e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. Tal surge na sequência do recurso interposto pelo arguido BANCO... de tais despachos interlocutórios, invocando, para o efeito, o estatuído nos artigos 73.º do RGC e 399.º e 400.º do CPP. Nas alegações orais produzidas em audiência, o recorrente BANCO... voltou a defender a recorribilidade de tais despachos, entendendo que deverão ser apreciados neste recurso que tem por objeto a decisão final – tendo reproduzido, na motivação do recurso, os argumentos jurídicos para impugnar os despachos interlocutórios -. Do caso julgado formal Porém, conforme o recorrente bem sabe, tais recursos não foram admitidos, por despacho exarado a folhas 7119, datado de 16 de Janeiro de 2014, do qual o recorrente reclamou, tendo a reclamação sido indeferida, por despacho proferido pelo Vice-Presidente da Relação de Lisboa, datado de 5 de Fevereiro de 2014. A este propósito salienta-se, ainda, que o caso julgado formal resulta do dispositivo do despacho de indeferimento da reclamação - e não da sua fundamentação -. De resto, esta solução – de não admitir em processo contraordenacional o recurso de despachos interlocutórios – é conforme à Constituição[4] b) Da impugnação da matéria de facto: Os recorrentes, de forma mais ou menos explícita, pretendem impugnar, igualmente, a decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida. Porém, impõe-se esclarecer – e decidir - que não é admissível, nos recursos em apreço, a impugnação (ampla) da decisão da matéria de facto, à luz do estatuído no artigo 75º, nº 1, do RGC, que restringe o âmbito do recurso à matéria de direito, limitando os poderes deste Tribunal ao conhecimento dos vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.[5] B.2. Das questões principais a) Do recurso do arguido BANCO...: Das alegadas nulidades da sentença: Da (alegada) violação do princípio da continuidade da audiência O recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida por violação do princípio da continuidade da audiência, previsto no artigo 328º, nº 6, do Código de Processo Penal, invocando que a decisão recorrida apenas foi lida três meses após a última sessão do julgamento. No entanto, este argumento improcede, manifestamente, na medida em que não decorreram mais de trinta dias entre cada sessão de produção de prova. A regra estatuída nessa norma não abrange o hiato temporal que decorre entre a última sessão de julgamento e a leitura da sentença, como o recorrente tem a obrigação de saber, por constituir entendimento jurisprudencial e doutrinário perfeitamente pacífico e sedimentado nos Tribunais Superiores.[6] [7] Da (alegada) violação do dever de fundamentação O recorrente BANCO... ainda arguiu na motivação do recurso que a decisão recorrida viola o dever de fundamentação previsto no art. 374º do Código de Processo Penal, por, alegadamente, não fazer uma apreciação crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente dos depoimentos dos colaboradores do grupo Z… ou do arguido J.... A fundamentação da convicção do tribunal encontra-se documentada neste acórdão. Resulta evidente, perante a sua leitura, que o Tribunal a quo realizou um exame crítico de toda a prova que utilizou para formação da sua convicção, indicando, de forma absolutamente objetiva, quais foram os fatores determinantes para a formação da sua convicção e explicando – de forma compreensível e lógica -, porque não valorizou outros meios concretos de prova, nos termos pretendidos pelo recorrente -.[8] b) Do (alegado) erro notório na apreciação a prova O arguido BANCO... ainda arguiu um alegado erro notório na apreciação da prova [art. 410º, nº 2, c) do Código de Processo Penal]. Neste âmbito, o arguido alegou um erro notório na apreciação da prova, uma vez que, contrariamente ao plasmado na sentença, não estão em causa “agências de terras pequenas”. Para motivar o seu entendimento, o recorrente refere estatísticas demográficas e geográficas. Porém, sem razão. O erro notório formalmente invocado pelo recorrente integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal) que só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum. Deve assim tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não existe tal erro quando a convicção do julgador é plausível, ou possível, embora pudesse ter sido outra. Constituem características comuns a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410°, n° 2, do C.P.P. as seguintes: - o de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426° e 436° do C.P.P.); e - o de resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum. Trata-se de vícios de decisão e não de julgamento que, enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida. No entanto, o recorrente não suscitou qualquer erro de decisão, indicando o(s) facto(s) que, supostamente, estaria mal decidido, por erro notório de avaliação da prova que resulte do texto da decisão, conduzindo à improcedência deste argumento da motivação do recurso. Para não deixar dúvidas sobre a pertinência da observação vertida na sentença recorrida, de modo a dissipar quaisquer desconfianças ainda subsistentes sobre a sua fundamentação, neste âmbito, recorda-se, a propósito, o contexto da utilização da expressão invocada pelo recorrente – na fundamentação da convicção do tribunal -: “Ainda que admitamos que cada indício de ilicitude por si só não é suficiente, a plenitude dos mesmos e sobretudo a necessidade de o funcionário bancário saber quem vai suportar as despesas com a subscrição e que condições tem para o efetuar, é de molde a concluir que a ilicitude do ato podia e foi detetada. No sentido do nosso entendimento foram os depoimentos dos dois economistas da CMVM acima id., que, por coerentes com regras de experiência comum, se afiguraram mais credíveis e estiveram na base da nossa convicção. Tivemos ainda em conta que estão em causa agências de terras pequenas, em que as pessoas se conhecem e mais facilmente tais situações são detetadas”. (págs. 113 e 114 da sentença) “Nem se diga que no momento em que os funcionários bancários receberam as ordens de subscrição ainda não existiam ordens de transferência para os arguidos, pelo que era inviável ao banco antecipar o objetivo das operações, pois que o conjunto dos elementos acima id., desde a homogeneidade e padronização dos formulários, o momento da sua entrega, a situação patrimonial de vários subscritores, os descobertos bancários e o facto de os custos das subscrições serem suportados pelos arguidos, em agências de terras pequenas, em que todos se conhecem e a relação entre bancário e cliente é próxima, analisados conjuntamente todos os elementos e mais ainda aos olhos de profissionais da banca não deixam dúvidas sobre os intentos das operações”. (págs. 115 e 116 da sentença) Daqui resulta que a utilização da expressão não tem por referência os municípios (âmbito em que o recorrente situou a expressão), mas as localidades servidas pelas agências bancárias em causa nos factos. Por conseguinte, não se verifica – nem sequer na fundamentação - o erro apontado pelo recorrente. c) Da (alegada) insuficiência da matéria de facto dada como provada O mesmo recorrente ainda arguiu o vício de insuficiência da matéria de facto dada como provada para o sentido da decisão recorrida, nos termos do art. 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal. Neste contexto, arguiu que não se fez prova da existência de uma “relação próxima” entre o recorrente (v.g. os bancários do BANCO...) e os clientes, nas operações bancárias em causa nos autos. Conforme já concretizado pelos signatários da presente decisão nos acórdãos datados de 16 de Novembro de 2012 (processo nº 710/06.9S6LSB.L1) e 13 de Março de 2013 (processo nº 2205/05.9/TAOER.L1), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na estatuição constante da alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. Dito isto, resta aferir se, de facto, a sentença recorrida padece de tal insuficiência. Constitui uma evidência que a materialidade fáctica invocada pelo recorrente não se revela necessária: a) para o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos das contraordenações que constituem o objeto do processo; e, nem sequer b) para a determinação da sanção a aplicar. Assim sendo, a sentença recorrida não padece do vício formalmente invocado pelo recorrente. d) Dos erros em matéria de direito: a. Da imputação de responsabilidade contraordenacional ao BANCO... enquanto pessoa coletiva Segundo o recorrente BANCO..., o Tribunal a quo não podia responsabilizá-lo em sede contraordenacional, como o fez, por se tratar de uma pessoa coletiva e, por isso, só a sua responsabilização estaria dependente da identificação do titular, órgão social, mandatário, representante ou trabalhador do BANCO... que agiu em termos que permitem atribuir ao banco a correspetiva responsabilidade contraordenacional - o que não foi feito pelo Tribunal, nem, previamente, pela CMVM -. O recorrente não pode ignorar que este argumento é falso e não tem sustentabilidade. Como bem fundamentado na sentença recorrida, «(…) não é necessária a concreta identificação dos funcionários pessoas singulares que agiram em seu nome, sendo que não há dúvidas que independentemente da identidade da pessoa singular, foram funcionários do BANCO... que intermediaram as operações, querendo praticar factos proibidos por lei (…)». Este entendimento corresponde à solução legal[9], à Recomendação do Conselho da Europa, de 20 de Outubro de 1988 [10] e à doutrina [11]O modelo de responsabilização consagrado no artigo 401.º, n.º 1, do CVM, não é o da imputação reflexa, mas sim o da imputação autónoma. As contra-ordenações encontram-se sujeitas ao princípio da tipicidade, como resulta do artigo 1º do RGC: a qualificação como contraordenação depende do preenchimento por um facto de um tipo legal no qual se comine uma coima. No caso em apreço apurou-se que: A receção e execução de ordens de subscrição de ações em OPV e a receção e execução de pedidos de transferência de ações foram realizadas pelo BANCO..., na qualidade de intermediário financeiro. Tais comportamentos constituem factos próprios deste, sob o seu inteiro controlo e domínio, independentemente dos funcionários concretos que os tenham praticado. Nestes termos é o BANCO..., enquanto pessoa coletiva - registado junto da CMVM para o exercício de atividades de intermediação financeira - que, no âmbito do desenvolvimento da sua atividade, recebe e executa as ordens dos clientes. Na factualidade dada como provada, os funcionários do BANCO... que, em cada agência, atuaram, fizeram-no no exercício das respetivas funções, na qualidade de funcionários de agências do BANCO..., tendo agido em nome e no interesse do BANCO..., enquanto intermediário financeiro (aliás remunerado pela prestação desse serviço). Encontram-se, pois, preenchidos os critérios previstos no artigo 401.º, n.º 2, do CVM, para a imputação ao BANCO... das condutas praticadas pelos seus funcionários. Em conclusão, o BANCO... é responsável pela prática das contraordenações, não obstando a tal o facto de não se terem individualizado as pessoas singulares que no seu âmbito atuaram nem se terem densificado os elementos subjetivos relativos às mesmas. b. Do (alegado) não preenchimento do tipo objetivo por inexistência de impacto significativo no rateio Segundo o recorrente arguido BANCO..., a execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de rateio na atribuição de valores mobiliários (a que se reporta a alínea c) do n.º 2 do artigo 311.º do CVM) só é tipicamente relevante se for de facto susceptível de conduzir ao defraudamento ou à limitação significativa do rateio e, portanto, apta a afectar a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado, o que significa que, em cada caso concreto, é necessário determinar se houve ou não uma alteração qualificada na atribuição de valores mobiliários que comungue do conteúdo de desvalor que resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do CVM. Considerando o Tribunal a quo provado que “[s]e os factos proibidos por lei acima referidos não se tivessem verificado, o impacto máximo nos resultados do rateio não chegaria a uma ação por subscritor”, conclui o recorrente que à conduta BANCO... não é oponível o conteúdo de desvalor da violação do dever de defesa do mercado previsto nos n.ºs 1 e 2, alínea c), do artigo 311.º do CVM, na medida em que o BANCO... não colocou efetivamente em risco da regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado nem provocou qualquer efeito significativo no rateio. Desenvolvendo esta tese, o recorrente alega que as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 311.º e do artigo 398.º, alínea d), todos do CVM, interpretadas nos termos em que o faz o Tribunal a quo, ou seja, interpretadas no sentido de que a verificação de alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 311.º do CVM basta para o preenchimento do tipo contra-ordenacional associado à violação do dever de defesa do mercado, por si só e sem qualquer referência ao n.º 1 do mesmo artigo, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade, na sua dimensão de tipicidade, ofendendo dessa forma o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição e, bem assim, o artigo 7.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 49.º, n.º 1, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Conclui, assim, que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o n.º 1 e a alínea c) do n.º 2 do artigo 311.º do CVM. No entender do recorrente, demonstrando-se, como se demonstrou, que se o BANCO... não tivesse intermediado as ordens em causa nestes autos o impacto máximo nos resultados do rateio (e, especificamente, no sorteio) não chegaria a uma ação por subscritor, o Tribunal a quo deveria ter concluído que não se verificou, no caso em apreço, qualquer risco efetivo para a regularidade de funcionamento, transparência e credibilidade do mercado ou qualquer efeito significativo no rateio (e/ou, especificamente, no sorteio), permanecendo o comportamento do BANCO... aquém do limiar da tipicidade objetiva da infração associada à violação do dever de defesa do mercado previsto no artigo 311.º, nºs 1 e 2, alínea c), do CdVM. Contrariando essa tese, o Tribunal a quo sustentou, com clareza, que "(…) Dos factos provados resultou que por virtude dos comportamentos do BANCO... e de cada um dos arguidos pessoas singulares se permitiu que um único investidor adquirisse, nas ofertas públicas referidas muitas mais ações do que lhe era permitido, pelo que com os seus comportamentos defraudaram os efeitos do rateio efetuado para atribuição de tais ações, e assim puseram em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Nem se diga que os efeitos da compra de tais ações em número superior ao legalmente admissível não são significativos no cômputo global das ações atribuídas no âmbito das referidas OPV pois, caso se adotasse uma interpretação tão restritiva da norma incriminadora, tal redundaria na inaplicabilidade prática da mesma, uma vez que fossem quais fossem os atos praticados por um intermediário financeiro destinados a defraudar os efeitos do rateio sempre os efeitos seriam reduzidos face à dimensão gigantesca das operações, que envolve múltiplos intermediários e um número de investidores elevadíssimo (…)”. Corroborando este entendimento, recorda-se que o número 1 do artigo 311.º do CVM, na redação vigente à data dos factos, estatuía que «Os intermediários financeiros e os membros de mercado referidos no n.º 3 do artigo 203.º devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar actos susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado.». E concretizava o n.º 2 do mesmo artigo que «São, nomeadamente, susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado: c) A execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários;» O recorrente alega que a proibição da prática de atos suscetíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado, por si só, traduz uma norma “absolutamente vaga e indeterminada”, o que é falso – conforme reconhecidamente assumido pelo entendimento do próprio Tribunal Constitucional e da doutrina -. O Tribunal Constitucional tem conferido relevância ao artigo 29.º da CRP em matéria contraordenacional, na medida em que considera[12] que «(…) é certo que a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes (…). Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa no essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (…). E se tal não resulta directamente dos preceitos da chamada constituição penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição (…)». Em relação às chamadas “normas penais em branco”, o mesmo acórdão sustenta a necessidade de adaptação dos princípios da Constituição penal em sede de contraordenações: o núcleo essencial da exigência constitucional de previsibilidade da conduta consistirá então, na «necessidade de a norma do direito de mera ordenação social que define infracção e a respectiva sanção ter de configurar o essencial do conteúdo do ilícito, isto é, referências que tornem compreensível para os destinatários os bens jurídicos em causa e o tipo de factos lesivos dos mesmos que a norma pretende evitar». Sobre a mesma temática, o Tribunal Constitucional também expressou outro tipo de preocupações, que constituem pistas para a conformação constitucional da norma: no acórdão n.º 358/2005 refere que «(….) Com efeito, nem sempre é possível – nem será mesmo desejável – uma determinação do tipo de tal modo acabada que se possa libertar de conceitos “algo imprecisos”. Aliás, em certos casos, uma rigorosa enumeração casuística poderia revelar-se contraproducente, dada a multiplicação de espaços lacunares que inevitavelmente comportaria.(..)». Ora, a verificação de “uma relativa indeterminação tipológica” não significa violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, como o Tribunal Constitucional voltou a sublinhar no acórdão n.º 338/2003[13], também citado nas contra-alegações da CMVM. Daqui se conclui que a formulação do artigo 311.º, n.º 1, do CVM permite aos destinatários da norma perceber quais os bens jurídicos em causa e o tipo de factos lesivos dos mesmos que a norma pretende evitar: em causa estão os bens jurídicos de regular funcionamento, transparência e credibilidade do mercado, sendo ilícitos os atos suscetíveis de atentar contra estes. O enunciado da norma, ao prever os «atos suscetíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado» transmite aos destinatários da norma que tipo de atos está em causa, perfeitamente apreensíveis por qualquer agente médio e, sobretudo, para um intermediário financeiro num contexto de mercado de valores mobiliários, sendo aceitável, também no plano constitucional, a redação do tipo de ilícito plasmado no artigo 311.º do CVM, em que o n.º 1 contém a formulação genérica do tipo e o n.º 2 concretiza exemplos-padrão. Contrariamente à tese do recorrente, se o seu comportamento é enquadrável numa das alíneas do n.º 2 do artigo 311.º do CVM, fica desta forma preenchido o tipo contraordenacional. Esta norma enumera expressamente alguns comportamentos específicos que configuram violação do dever de defesa de mercado – e um desses comportamentos é precisamente a execução de ordens destinadas a defraudar ou limitar significativamente os efeitos do rateio - conduta essa que ficou provada em julgamento -. O BANCO... ainda esgrima com o argumento de que não tendo existido um defraudamento ou uma limitação qualificada do rateio - que só teria lugar em caso de e “alteração qualificada” na atribuição de valores mobiliários, o que não seria o caso dos autos, como indicaria o facto de ter ficado provado que “se os factos proibidos por (…) não se tivessem verificado, o impacto máximo nos resultados do rateio não chegaria a uma ação por subscritor”. O arguido aparenta querer estabelecer como elemento do tipo constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 311.º do CdVM a existência de lesão significativa dos efeitos do rateio resultante das ordens em causa. Ora, como bem considerou o Tribunal a quo, não é isso que resulta da norma em causa. Desde logo, porque a ideia de ser necessária a existência de uma lesão não só não consta do texto do preceito como é contrária à natureza do mesmo, porquanto este não torna dependente da verificação de qualquer resultado a prática da infração. Sublinha-se que a norma não exige o resultado "lesão significativa" (v.g. dos efeitos do rateio). O que integra a conduta ilícita é a simples execução de ordens destinadas a defraudar (ou a limitar significativamente) os efeitos do rateio. Além do mais, no tipo objetivo em questão, os elementos defraudar e limitar significativamente (os efeitos do rateio) são autónomos e alternativos. O que significa que é contrária à norma a execução quer de ordens destinadas a defraudar tout court, quer de ordens destinadas a limitar significativamente, os efeitos de formas de atribuição de valores mobiliários. É evidente que se trata de duas situações diferentes e autónomas. A conduta provada - em que um investidor recorre a um conjunto significativo de testas-de-ferro de modo a conseguir obter em oferta pública mais ações do que aquelas que lhe caberiam por virtude da aplicação das regras do rateio, visam defraudar, como defraudaram, os efeitos do rateio. Concretizando mais em pormenor, as ordens de subscrição de ações em OPV emitidas por estes testas-de-ferro, com vista à posterior transferência para um investidor, que se veio a concretizar, nos termos previamente acordados com o investidor destinatário das ações, destinaram-se a obter um resultado não permitido pela lei: a aquisição de mais ações por um único investidor do que o permitido em OPV. Corrobora-se, assim, o entendimento do Tribunal a quo plasmado na sentença recorrida: tendo existido uma conduta destinada a defraudar os efeitos do rateio efetuado para atribuição dos valores mobiliários em OPV, foi necessariamente posta em risco a regularidade de funcionamento[14], a transparência e a credibilidade do mercado – mesmo que tenha ficado provado que, ainda que tais factos não se tivessem verificado, o impacto máximo nos resultados do rateio não chegaria a uma ação por subscritor -. Com a conduta provada, os arguidos lograram obter, concretamente: No caso de C…: 25 vezes mais ações GALP do que teria recebido por virtude da aplicação das regras do rateio; 24 vezes mais ações REN do que teria recebido por virtude da aplicação das regras do rateio; No caso de J..., 16 vezes mais ações GALP do que teria recebido por virtude da aplicação das regras do rateio; No caso de MN... (financiado por M...), 36 vezes mais ações REN do que teria recebido por virtude da aplicação das regras do rateio. Esta situação limita significativamente os efeitos do rateio, na perspetiva da quantidade de ações que os clientes em questão adquiriram, na referida ótica de que o efeito pretendido pelo rateio é o tratamento igual de cada subscritor, o qual não permite que um investidor obtenha valores mobiliários acima do máximo atribuído pelo rateio. Isto significa que as condutas em causa, além de defraudarem, também limitaram significativamente os efeitos do rateio, Como último argumento substancial, nesta matéria, o recorrente BANCO... argumentou que caso não tivesse praticado os factos que lhe são imputados, “as ações sobrantes seriam sorteadas, numa lógica de aleatoriedade, e não de igualdade”, pelo que, mesmo que tivesse sido cumprido o dever previsto no art. 311º do CVM, este nunca conduziria à distribuição das ações numa lógica de igualdade. Porém, o recorrente olvida que o estatuído no art. 311º do CVM visa assegurar, nomeadamente, a igualdade entre todos os investidores participantes nas ofertas públicas, sendo certo que a fattispecie provada evidencia, sem sombra de dúvida, o desrespeito dessa finalidade, na medida em que alguns investidores – os arguidos pessoas singulares - de forma ilícita, obtiveram mais ações do que os demais outros. Sendo que, como se compreende, obter mais ações através de um esquema ilícito, manifestamente, não é o mesmo que obter mais ações através do sorteio previsto nas próprias regras da OPV. c. Da (alegada) inexistência de dolo do BANCO... Defende o arguido que a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que condena o BANCO... por um comportamento doloso e substituída por outra que reconheça que o BANCO... não atuou com dolo. Porém, no desenvolvimento da motivação do recurso, nesta parte, acaba por discutir – impugnando - a matéria de facto provada na sentença recorrida, o que não é processualmente admissível, conforme já explicado anteriormente. Tendo-se provado, factualmente, o dolo, nada mais a acrescentar, sendo improcedente mais este argumento do recorrente. Recorda-se, com interesse, o acórdão desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 6 de Abril de 2011 (processo n.º 1724/09.2TFLSB.L1), relativo à imputação de contraordenações no âmbito dos valores mobiliários a pessoas coletivas: “A pessoa colectiva, sendo um ente jurídico, é dotada de vontade própria que nasce e vive do encontro de vontades individuais dos seus membros, que não pode confundir-se com a vontade singular de cada um deles em particular. É uma nova realidade. (…) É a entidade coletiva que tem responsabilidade contraordenacional e é a vontade coletiva que está em discussão no elemento subjetivo do ilícito contraordenacional. Dito de outra forma, a autonomia da responsabilidade da pessoa coletiva face à responsabilidade de pessoa(s) singular(es) implica, também, uma autonomia ao nível da respetiva imputação subjetiva. Daqui resulta que não é necessária a identificação (e, menos ainda, a responsabilização) da pessoa concreta do universo dos recursos humanos da pessoa coletiva que praticou os factos. A lei não o exige e, ao contemplar a possibilidade de a pessoa coletiva responder pela violação dos deveres a que está sujeita sem que haja também responsabilidade de pessoas individuais, está a afirmar exatamente o oposto: o dolo da pessoa coletiva resulta da sua forma de atuação ou omissão e não necessariamente, ou apenas, do dolo de pessoas singulares. d. Do carácter (alegadamente) continuado das infrações: Vem o arguido BANCO... defender o carácter continuado das infrações por que foi condenado, pugnando pela aplicação de uma coima em conformidade com esse facto. Porém, não se percebe em que medida poderia classificar-se o caso em apreço enquanto situação passível de ser enquadrada no regime das infrações continuadas, previsto no nº 2 do art. 30º do Código Penal. Com efeito, é claríssima a referida norma legal ao dispor que «constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente». Nestes termos, para as quatro infrações imputadas ao BANCO... serem consideradas uma só infração continuada, teriam de estar reunidos os seguintes requisitos: a) estar em causa o mesmo tipo de contraordenação; b) que a mesma tenha sido executada de forma essencialmente homogénea; e c) no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. No caso em apreço, o tipo contraordenacional é, efetivamente, o mesmo. No entanto, as condutas da arguida tiveram lugar no quadro de duas ofertas públicas de venda distintas (da Galp e da Ren). Com efeito, as condutas tiveram lugar em momentos temporais (espaçados vários meses) e agências bancárias bem distintas e em relação a OPVs diferentes. - No caso da arguida C... estão em causa ordens de subscrição e transferência dadas na agência de Barcelos Porta Nova, no âmbito da OPV da Galp (que ocorreu em Outubro de 2006) e na OPV da Ren (que ocorreu em Julho de 2007). - No caso do arguido Joaquim Gomes, está em causa a agência de Barcelos (particulares) e apenas a OPV da Galp. - No caso do arguido M..., está em causa a agência de Vizela e apenas a OPV da Ren. Trata-se, pois, de operações que ocorreram em diferentes momentos espácio-temporais, sem que tivessem qualquer elemento agregador ou que pudesse torná-las homogéneas. E, sobretudo, não se verifica, de forma alguma, um “quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa”. O arguido argumenta que se considere que “a mesma situação exterior” é o facto de estarem em causa ordens que lhe foram dadas por clientes, e que se considere a sua culpa diminuída pelo facto de ter sido dado como não provado que “os arguidos pessoas singulares agiram segundo instruções e aconselhamento de funcionários do BANCO...”. Tal argumento improcede. O recorrente BANCO... não pode esquecer que é um intermediário financeiro, tendo, nessa qualidade, deveres acrescidos de avaliação da legalidade das operações que lhe são transmitidas pelos seus clientes, razão pela qual a sua culpa nunca poderia ser considerada diminuída por executar ordens. e. Da coima aplicada: Finalmente, o arguido recorrente BANCO... suscita a questão do caráter excessivo da coima aplicada, considerando-a “manifestamente desproporcionada e excessiva”. Para motivar o recurso, nesta parte, alega que o grau diminuto da ilicitude e da culpa da sua conduta, bem como as reduzidas necessidades de prevenção geral e especial e a situação económica atual desfavorável do BANCO... justificariam uma coima fixada pelo mínimo. Porém, este entendimento não encontra tradução nos factos e no direito. Recordando os critérios legais estatuídos no artigo 405º, nº 1, do CVM:
Em primeiro lugar, contrariamente ao referido pelo arguido, o grau de ilicitude não é diminuto, ao ponto de justificar a aplicação da coima mínima. Na verdade, como referido pelo Tribunal a quo, para ponderação do grau de ilicitude dos factos impõe-se considerar, também, a quantidade de ações que cada cliente adquiriu além do limite legal, aquisição essa que foi possibilitada pelo BANCO..., que aceitou os pedidos de subscrição e de transferência e executou as ordens. Também a culpa do BANCO... – dada a sua qualidade de intermediário financeiro – a quem é exigível um grau acrescido de exigência de cuidados no cumprimento da lei, é superior a um mero agente que não tenha essa qualidade, nem os meios humanos e materiais próprios de uma instituição financeira da dimensão do recorrente. Não tem fundamento, ainda, a argumentação de que a atuação do arguido recorrente foi meramente passiva, na medida em que não houve passividade alguma do BANCO... no exercício consciente da intermediação com consequências fraudulentas para o regular funcionamento do mercado. Por outro lado, o arguido tem antecedentes contraordenacionais no quadro do Direito dos Valores Mobiliários, a saber: Foi condenado numa coima de €37.500 no processo de contra-ordenação nº 60/2006, por violação do artigo 44º, nº 3, do Regulamento da CMVM nº 12/2000, relativo à cobrança aos clientes de valores em excesso face aos constantes das tabelas afixadas; Foi condenado numa coima de €50.000 no processo de contra-ordenação nº 14/2007, por violação do artigo 135º, nº 1, do CdVM, relativo às informações constantes de prospecto; Foi condenado numa coima de €250.000 no processo de contra- ordenação nº 1/2008, por violação do artigo 7º, nº 1, do CdVM, relativo à qualidade da informação; Foi admoestado no processo sumaríssimo de contra-ordenação nº 10/2008, por violação dos artigos 248º-A e 248º do CdVM, relativos à divulgação de informação privilegiada; Foi condenado numa coima de €75.000 no processo de contra- ordenação n.5 17/2008, por violação do artigo 245º do CdVM, relativo ao relatório e contas anuais; Foi condenado numa coima de €75.000, no processo de contraordenação n.9 20/2008, por violação dos artigos 335º do CdVM, 42º do Regulamento da CMVM nº 7/2005, 6º da Portaria nº 1/2003 e da Instrução nº 5/2005, relativos à atividade de gestão de carteiras. Do exposto, não se pode deixar de salientar as necessidades de prevenção especial, sendo ainda certo que o arguido BANCO... continua a exercer a intermediação financeira. Quanto à situação económica do arguido (descrita pelo recorrente como sendo uma situação económica atual desfavorável) a sua última situação financeira provada conhecida revela o seguinte: - Um total do activo de 100.010 milhões de euros; - Um resultado líquido anual atribuível aos accionistas do banco de 301,6 milhões de euros; Por conseguinte, não se pode acompanhar o entendimento do recorrente, o qual não tem suporte factual real, sendo a coima aplicada perfeitamente proporcional e ajustada à situação económica do arguido, tendo ainda presente os critérios gerais de determinação do quantum da coima. Em conclusão o Tribunal a quo determinou as coimas parcelares e a coima única com observância dos critérios legais, improcedendo, também, este argumento do arguido recorrente em apreço. c) Do recurso da arguida C…; Das alegadas nulidades da acusação e da decisão da CMVM Esta recorrente começa por arguir diversas nulidades da acusação e, bem assim, da decisão da CMVM, referindo, designadamente, a ausência de provas na acusação inicial e a violação do direito de defesa. Porém, conforme já assinalado anteriormente, o âmbito do recurso nesta espécie processual encontra-se limitado à matéria de direito da decisão final – a sentença – proferida pelo Tribunal a quo. Nestes termos, o artigo 412º, nº 2, do Código de Processo Penal exige que, versando "matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.” Analisada a motivação de recurso da arguida C…, constata-se que em momento algum a mesma identifica as normas jurídicas violadas pela sentença recorrida, a razão pela qual entende que o Tribunal interpretou erradamente as normas legais que aplicou ou quais as normas que, em alternativa, deveriam ter sido aplicadas, limitando-se a extravasar o âmbito legal do recurso, tecendo considerações sobre outras peças processuais prévias à fase de julgamento. Por conseguinte, esta argumentação não pode proceder. Refira-se, ainda, com interesse, o seguinte: A arguida C...arguiu no recurso da sentença a violação do seu direito de defesa pela circunstância da acusação da CMVM não ter indicado as provas em que se baseava. Contudo, a mesma arguida não invocou tal vício na defesa administrativa ou, sequer, no recurso de impugnação judicial que apresentou, pelo que, a existir, sempre teria de se considerar sanado tal vício. Com efeito, convolando-se a decisão administrativa em acusação, nos termos do art. 62º, nº 1, do RGCORD, ficam sanados os eventuais vícios que existissem na acusação, porquanto é a decisão que é sindicada através do recurso de impugnação judicial – conforme entendimento do assento nº 1/2003, de 28 de Novembro de 2002[15] -. Por outro lado, a arguida discordou da decisão do Tribunal a quo de considerar sanada a nulidade da acusação da CMVM, por falta de indicação do número de infrações imputado a cada arguido, em violação do estatuído no artigo 50º do RGC.. Pelas razões jurídicas atrás citadas, este argumento não procede. Da (alegada) alteração substancial dos factos constantes da acusação, sem que à arguida fosse concedida a possibilidade de se pronunciar ou defender Em primeiro lugar, importa precisar o regime legal a aplicar, de modo a enquadrar juridicamente a questão. Sob pena de nulidade da sentença, o julgador tem o dever de accionar o mecanismo resultante dos arts.358º e 359º do CPP, por iniciativa própria ou a requerimento dos sujeitos processuais, se durante a audiência tiverem surgido factos novos que impliquem uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia (art. 379º, nº1, al.b), do Código de Processo Penal). Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação encontra-se definida no art.1º, nº1, al. f), do Código de Processo Penal: «(…) considera-se alteração substancial dos factos: aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis». O citado art. 359º determina que a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal, para efeito de condenação no processo em curso (nº1), salvo se, havendo acordo entre o Ministério Público, arguido e o assistente na continuação do julgamento e o conhecimento dos factos novos não acarretar a incompetência do tribunal (nº2), concedendo-se então ao arguido, sob requerimento, um prazo para a preparação da defesa (nº3). Por seu turno, de harmonia com o art. 358º se a alteração dos factos for simples ou não substancial, isto é, que não determine uma alteração do objeto do processo, o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, desde que ao arguido seja comunicada, oficiosamente ou a requerimento, a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, salvo se a alteração tiver derivado de factos alegados pela defesa (nº2). Dito isto, importa analisar a motivação de recurso da arguida C…. Esta concretiza tais alterações substanciais, referindo que: a) a sentença adicionou «o pormenor do preenchimento à mão»; e b) os pontos 48, 73, 79 e 80 da sentença; Porém, o pormenor assinalado na alínea a) nada de novo, nem de relevante trouxe ao processo, quer numa perspetiva de preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito contraordenacional, quer para determinação da medida da sanção. Por conseguinte, não integram alteração substancial dos factos. Por seu turno, os factos nº 48 e 73 da decisão constituem factos que favorecem a arguida (reduzem a mais-valia desta, no caso da Galp) ou que são indiferentes (aumentam a menos valia obtida, no caso da Ren); não são factos típicos, nem agravam a sanção a aplicar à arguida. À luz das regras já citadas, também estes factos não integram qualquer alteração substancial dos factos. Os factos nº 79 e 80 da decisão são factos subjacentes ao elemento subjetivo da arguida, que resultam de elementos alegados pela própria defesa da arguida (vide a contestação da arguida, em que aludiu às características da sua participação nos factos, de modo a gerar uma diminuição (de conduta dolosa para negligente) da sua responsabilidade. Não se coloca assim qualquer questão de violação do direito de defesa da arguida. Em suma, também neste ponto não merece qualquer censura a sentença recorrida. Da (alegada) nulidade da aplicação de sanção acessória Também não tem razão a arguida ao alegar que não lhe foi comunicada a possibilidade de lhe vir a ser aplicada uma sanção acessória de apreensão do benefício obtido, no valor de € 189.398,36. Como referido corretamente na fundamentação da sentença recorrida, «(…) na acusação indicava-se a possibilidade de aplicar uma sanção acessória de apreensão e perda do objeto da infração, incluindo o produto do benefício obtido pelo infrator (cf. fls. 3645), bem como nos factos se indicava os valores das mais-valias em cada uma das OPV (…)». É, pois, inequívoco que a arguida dispunha, no momento em que foi notificada da acusação, de todos os elementos que precisava para se defender da aplicação da sanção acessória Da (alegada) ausência de preenchimento do tipo previsto no art. 311º do CVM A arguida motivou o seu recurso, ainda, alegando que não possui a qualidade de intermediário financeiro e que, por isso, não é destinatária do dever de defesa do mercado, não tendo executado ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos do rateio. Porém, como adiante se explicará, este argumento não tem fundamento legal. O caso em apreço tem por objeto, efetivamente, um tipo de contraordenação específico dos intermediários financeiros. Porém, esta circunstância não impede a condenação dos clientes do intermediário financeiro, quando os mesmos tenham agido em comparticipação com este, por força das regras da comunicação da ilicitude previstas nos arts. 16º, nº 1, do RGC e 419º, nº 1, do CVM. Como decorre pacificamente deste regime legal, vigora no direito contraordenacional português um amplo regime de comunicação da ilicitude que se traduz no facto de a punibilidade da infração ser extensível a qualquer comparticipante, desde que um dos comparticipantes possua certa qualidade ou relação pessoal que fundamente a ilicitude ou grau de ilicitude de um facto. Nestes termos, sendo o BANCO... o titular do dever de defesa do mercado (na qualidade de intermediário financeiro), os clientes que, juntamente com esta entidade, praticaram a infração, são comparticipantes do BANCO... na prática da mesma, sendo-lhes, por essa razão, imputável a prática da mesma. E, da fattispecie provada, resulta que existiu comparticipação entre os arguidos pessoas singulares e o BANCO..., gerando, assim, a aplicabilidade do regime de comunicação da ilicitude entre comparticipantes, previsto no art. 419º, nº 1, do CVM e no art. 16º, nº 1, do RGC. A arguida ainda alega que nunca poderia ser-lhe aplicável o art. 311º, nº 2, alínea c), do CdVM por este artigo se referir apenas à “execução de ordens”, sendo que um investidor nunca pode executar ordens, mas apenas emitir essas mesmas ordens. No entanto, também aqui funciona o conceito extensivo de autor previsto no artigo 16º, nº 1, do RGC, sendo autor de uma contraordenação todo aquele que dê um contributo causal para a mesma[16] – o que a arguida, indubitavelmente deu -. Ora, no caso dos autos, é inequívoco que a emissão de ordens de subscrição consubstancia um contributo causal para a execução dessas mesmas ordens, o que, como bem considerou a Mma. Juiz a quo, qualifica a arguida como autora da contraordenação em causa, pelo que não tem razão ao defender que o art. 311º do CdVM não lhe é aplicável. Da (alegada) ausência de culpa da arguida e da (alegada) contradição insanável da fundamentação e decisão A recorrente ainda arguiu uma “contradição insanável” entre a fundamentação e a decisão proferida na sentença recorrida, porquanto seria incompatível considerar provado, por um lado, que a arguida depositava no seu pai e procurador total confiança e, por outro lado, que a arguida deveria ter inquirido os contornos e finalidade da operação e que era capaz, acedendo à informação sobre a conta e inquirindo sobre os contornos da operação, de ter agido com o cuidado adequado a não permitir a utilização da sua conta para finalidades ilícitas. Não se reconhece fundamento a esta conclusão da motivação do recurso. Para fundamentar a falta de mérito do recurso, nesta parte, recorda-se a fundamentação da sentença recorrida: «(…) a confiança no progenitor não justifica uma atuação completamente despreocupada e sem qualquer cautela, por parte de alguém que é maior de idade e que aceita continuar a ser titular da conta bancária e conta de títulos. Uma atuação conforme ao Direito exige que aquele que é titular de uma conta apure os atos do seu procurador e, se não o faz, não pode depois vir invocar a confiança num terceiro para desresponsabilizar um comportamento desviante com a lei. Mais ainda quando estão em causa operações de valores significativos (…)». Não existe, por conseguinte, qualquer contradição na sentença proferida. Da medida da sanção: A arguida C...ainda motivou o seu recurso da sentença, defendendo que lhe deveria ter sido aplicada uma mera admoestação, atendendo à sua idade à data da prática dos factos, ao facto de as contraordenações lhe terem sido imputadas a título meramente negligente e à confiança que depositou no seu pai na gestão da conta por si titulada. Contudo, estes fatores de ponderação foram tidos em conta na decisão recorrida, que fundamentou a sanção. Conforme referido na fundamentação da sentença recorrida, «Nos termos do art. 398º al.. d) e 388º, nº 1, al. a)do CdVM, na redação vigente à data dos factos, mais favorável aos arguidos por a moldura abstrata ser mais baixa, a moldura abstrata da coima desta contraordenação muito grave é de € 25.000 a € 2.500.000. No caso de imputação da contraordenação a título de negligência (art. 402º, nº 1, do CdVM), aplicável no caso da arguida C…, o respetivo limite máximo é reduzido a metade, ao abrigo do art. 17º, nº 4, do RGCO. (…) A considerável diferença entre o mínimo e o máximo da moldura legal permite a diferenciação de situações concretas, atendendo-se nomeadamente ao facto de estarem em causa pessoas singulares ou coletivas. 1. «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.» (art. 18º nº 1 do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10). Mas no Direito dos VM há norma especial, a saber o art. 405º do CdVM, segundo o qual "a determinação da coima concreta e das sanções acessórias faz-se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente", acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que "na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias: a) O perigo ou o dano causados aos investidores ou ao mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros; b) O carácter ocasional ou reiterado da infracção; c) A existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção; d) A existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção". Nos termos do nº 3 do artigo 405º, "na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias: a) Nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de acção na pessoa colectiva em causa; b) Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos; c) Especial dever de não cometer a infracção". O nº 4 do artigo 405º estipula que "[n]a determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta anterior do agente". In casu, em termos de gravidade da contraordenação há que ponderar a quantidade de ações adquiridas face ao limite legal admissível. (…) A favor da arguida C...há que atender que a mesma agiu apenas com negligência e que era jovem e sem grande experiência, além de ter confiança absoluta no seu pai e procurador.» Já ficou claro que a arguida agiu com negligência. Em termos de sanção abstrata, tal significa, à partida, que o limite máximo da coima seja reduzido para metade, ou seja, € 1.250.000,--, mantendo-se o limite mínimo em € 25.000,--. Se o nível de ilicitude da conduta da arguida fosse comparável à dos demais arguidos, certamente que o seu menor grau de culpa justificaria a aplicação de uma sanção comparativamente mais leve. Porém, não é isso que resulta dos factos. Em primeiro lugar, importa ter presente que a arguida cometeu duas contraordenações, enquanto os restantes arguidos pessoas singulares praticaram apenas uma e, apesar disso, foi aplicada à arguida uma coima única pelo mínimo legal (€ 25.000,00), a qual foi ainda suspensa em € 10.000,00. Dito de outra forma, a arguida beneficiou de uma coima por duas infrações igual àquela que foi aplicada aos outros arguidos pessoas singulares por apenas uma, pelo que, ao contrário do que refere a arguida, foi efetivamente feita uma diferenciação a seu favor, pelo facto de apenas ter agido com negligência. Relativamente à sanção acessória aplicada à arguida, naturalmente não poderia ser feita qualquer distinção, por consistir na apreensão das mais-valias resultantes da venda das ações. O valor da sanção acessória aplicada terá de corresponder ao exato valor das mais-valias obtidas, de modo a evitar que a arguida beneficie financeiramente da prática da contraordenação – sendo também pacífico, no plano jurídico, que a mesma nada tem a ver com o maior ou menor grau de culpa da arguida -. Por essa razão, a sanção acessória aplicada, correspondente ao valor integral das mais-valias obtidas pela arguida, revela-se corretamente decidido, improcedendo, também nesta parte, o recurso da arguida. Importa ainda sublinhar que a menos-valia que a arguida teve com a venda das ações da REN foi tido em conta na contabilização da própria mais-valia. Face a tudo o exposto, o recurso da arguida C...improcede, também, in totum. d) Do recurso do arguido J...: Das (alegadas) nulidades da sentença O arguido começou por motivar o seu recurso, referindo que a sentença recorrida «é omissa quanto à alegação de factos que permitam concluir pela existência do alegado dolo do arguido» (o que seria susceptível de integrar uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410º, 2, a), do Código de Processo Penal). Porém, esta alegação não tem correspondência com a realidade processual, uma vez que ficou provado, no julgamento, que o arguido J... «conhecia os factos descritos e agiu voluntariamente na sua prática», tendo-se ainda provado que o mesmo: a) angariou entre os colaboradores das suas empresas, com vista à participação na OPV da GALP e à posterior transferência das ações subscritas para a sua conta, as 16 pessoas identificadas na coluna D do anexo 3; b) entregou aos colaboradores referidos a documentação necessária para a abertura de contas, subscrição das acções GALP em OPV e transferência para a conta de que era titular (fl. 4043, linhas 10 a 13); c) entregou ao BANCO..., numa ocasião, o conjunto dos boletins de subscrição das acções dos colaboradores que angariara e, noutra ocasião, o conjunto dos pedidos de transferência das acções para a sua conta (fls. 4042, linhas 23 a 26, e 4043, linhas 1 a 6); d) suportou os custos inerentes à aquisição das 9.660 acções GALP adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 3, mediante transferências bancárias da sua conta para as últimas; e) suportou directamente na sua conta os custos inerentes à transferência das 9.660 acções GALP adquiridas através das contas identificadas na coluna C do anexo 3 para a sua conta; f) sabia que a sua conduta teria como efeito permitir-lhe a aquisição de mais acções GALP do que o máximo que cada cliente poderia adquirir no lote da OPV em questão; Sabia, ainda, que a sua conduta: a) teria efeitos ao nível dos coeficientes de rateio da Oferta Pública e, como tal, seria susceptível de ter efeitos ao nível do número de acções que os demais investidores poderiam adquirir e receber; b) era susceptível de lhe causar mais-valias e prejuízos/não ganhos aos demais investidores em acções GALP, na medida da subsequente valorização dos respectivos títulos.” Por outro lado, diga-se que também não tem razão o arguido ao invocar a nulidade, quer da decisão da CMVM, quer da sentença, por não se pronunciarem sobre todos os factos alegados pelo arguido, em seu entender relevantes para apuramento do elemento subjetivo. Como bem fundamentado na sentença recorrida, "a decisão administrativa deve atentar nos factos e Direito relevantes à boa decisão da causa, não sendo necessário que se debruce sobre pormenores insignificantes, instrumentais, ou preciosismos invocados pela defesa, mas que são irrelevantes, no sentido de que não afetam o cerne da matéria em discussão, pondo em causa os factos essenciais provados ou tendo significativo relevo para a defesa (…). No caso concreto, encontramos quer na acusação quer na decisão, os factos essenciais que permitem integrar os tipos em causa, bem como, na última, os pontos fundamentais trazidos pela defesa e que foram devidamente ponderados". Assim, e tendo a sentença considerado que os factos dados como provados eram suficientes, também, para a caracterização do elemento subjetivo, naturalmente não padecem, nem a decisão da CMVM, nem a sentença recorrida, de qualquer nulidade por falta de apreciação dos argumentos da defesa, já que foram apreciados todos os argumentos que eram relevantes para o preenchimento do tipo (objetivo e subjetivo) em causa nos presentes autos. Da violação do dever de fundamentação: O arguido J... também motivou o seu recurso da sentença, arguindo a falta de fundamentação da sentença recorrida, afirmando, mesmo, que «a motivação do Tribunal a quo é inexistente» e que foi condenado «imotivadamente». Porém, não motiva tais afirmações com o necessário silogismo que permita atingir tais conclusões. De resto, tendo-se reproduzido a fundamentação da sentença recorrida neste acórdão, fácil será constatar a falta de correspondência de tal arguição do recorrente com a realidade documentada nos autos. Como já se referiu anteriormente, resulta claro, perante a leitura da fundamentação da sentença, que o Tribunal a quo realizou um exame crítico de toda a prova que utilizou para formação da sua convicção, indicando, de forma absolutamente objetiva, quais foram os fatores determinantes para a formação da sua convicção. Mais resulta evidente que a fundamentação jurídica também se encontra presente, com igual clareza e objetividade. Improcede, por conseguinte, esta motivação do recurso do arguido. Quanto às demais considerações do arguido, relativas à fundamentação da convicção do Tribunal a quo, resulta evidente que o mesmo manifesta, substancialmente, a sua discordância face à convicção do Tribunal sobre a prova produzida. No entanto, como já ficou explicado anteriormente, este recurso não pode constituir uma impugnação ampla da decisão da matéria de facto, nem permitir a reapreciação da prova produzida – o que, conforme já explicado, constitui uma solução legal conforme à Constituição da República Portuguesa - . Da análise do dever de defesa do mercado e da atipicidade da conduta do arguido Nesta matéria, este recorrente suscita algumas questões que também foram formalizadas pelo arguido recorrente BANCO... e que já foram resolvidas nesse âmbito – fundamentação para a qual se remete -. Em suma, o recorrente esgrima com os seguintes argumentos jurídicos: a) A inconstitucionalidade do artigo 311.º, n.º 1 e 2, alínea c), do CVM, por indeterminação dos elementos do tipo; b) O não preenchimento dos conceitos do n.º 1 do artigo 311.º do CVM na imputação das infrações; c) O conceito de mercado a ter em conta deve ser o mercado organizado da Euronext, como estabelecido pelo art. 198º, nº 1, do CVM (na redação vigente à data dos factos); d) A inexistência de lesão significativa dos efeitos do rateio; e) Que não subscreveu mais ações do que aquelas que podia legalmente adquirir por via do rateio, houve apenas subscrições e transferências legítimas. Porém, conforme já fundamentado anteriormente, o tipo de ilícito previsto no art. 311º do CVM não é vago, impreciso ou indeterminado e a sua formulação não padece de qualquer problema de inconstitucionalidade normativa por violação dos arts. 1º, 2º, 29º, nº 1, e 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa. A redação do número um desse artigo consubstancia um tipo aberto, que pode ser preenchido por várias condutas, sendo seguramente preenchido pelos casos referidos no n.º 2. O conceito relevante de "mercado" previsto no art. 311º do CVM é, forçosamente, um conceito jurídico-económico e não o de “mercado organizado” como o da Euronext – aliás, basta ter em atenção que no caso de OPV, o rateio ocorre ainda no âmbito do mercado primário, antes das ações terem sido admitidas à negociação em mercado organizado -, como bem assinalado nas contra-alegações da CMVM. Na verdade, o arguido adquiriu 16 vezes mais ações na OPV da GALP do que lhe era permitido, o que defraudou os efeitos do rateio efetuado para atribuição de tais ações. Nestes termos, alterou os termos e efeitos do rateio, que tem precisamente como objetivo assegurar a igualdade de tratamento entre os vários investidores e a disseminação dos valores mobiliários por um universo muito alargado de carteiras. Da imputação da responsabilidade contraordenacional, a título de comparticipação Nesta matéria, o arguido pretende afastar a sua responsabilidade contraordenacional, utilizando, substancialmente, os argumentos utilizados pelo recorrente BANCO..., concluindo que, não sendo possível fazer a imputação de uma contraordenação a uma pessoa coletiva sem identificar os funcionários que agiram no seu seio, também o ora recorrente não poderá ser responsabilizado, porquanto o é apenas a título de comparticipação com a pessoa coletiva. Como se fundamentou anteriormente, na apreciação dos argumentos do recorrente BANCO..., o modelo de imputação de contraordenações a pessoas coletivas, previsto nos arts. 7º, nº 1, do RGCORD e 401º, nº 1, do CVM, dispensa a identificação das pessoas individuais que agiram em seu nome, improcedendo a motivação do recurso em apreço. Resta sublinhar que é inequívoco que o ora recorrente J... gerou um contributo causal para a execução das ordens ilícitas por parte do BANCO..., tendo, assim, agido em comparticipação com o mesmo – o que permite que lhe seja imputada a contraordenação prevista do art. 311º do CVM. Da imputação da contraordenação ao recorrente, enquanto agente de mercado. O arguido recorrente J... invocou no seu recurso um argumento que também foi utilizado pela recorrente C…, ao alegar que o dever de defesa do mercado não lhe é aplicável por não ser um agente do mercado. Porém, pelos fundamentos já explicitados na apreciação dessa matéria no âmbito do recurso da co-arguida, que se dão aqui por reproduzidos[17], improcede esta motivação do recurso do arguido. No entanto, o recorrente J... desenvolve um pouco mais esta questão num plano diferente, arguindo que não tinha consciência da ilicitude da sua conduta e que essa falta de conhecimento sempre seria não censurável, por não ser um membro do mercado e o seu gestor de conta não o ter informado da ilicitude das operações. Porém, à semelhança dos demais recorrentes, também J... utilizou um argumento sem o menor suporte factual na decisão da matéria de facto (que não pode ser reapreciada num recurso amplo da matéria de facto, por tal se encontrar vedado a este Tribunal em processo de recurso contraordenacional – exceto o conhecimento de erros notórios na apreciação da prova que, in casu, não foram suscitados - ), na medida em que o Tribunal a quo decidiu considerar não provado que “os arguidos BANCO..., J... e M... não tinham consciência de estar a praticar atos ilícitos e a defraudar o rateio”. Da medida concreta da coima, da suspensão da sua execução e da sanção acessória O recorrente também motiva o seu recurso, sustentando que a coima e sanção acessória foram fixadas em montante excessivo, com base na ausência de antecedentes contraordenacionais e por ter ficado provado que agiu “com vista a colmatar a menos favorável situação económica da sua empresa”, Não se percebe a argumentação do arguido, uma vez que a coima foi fixada no mínimo legal – não tendo o recorrente colocado a possibilidade de atenuação especial, a qual também não seria viável à luz dos factos provados - e a sanção acessória não depender dos fatores de ponderação do montante da coima, mas ser correspondente ao benefício que o arguido retirou da prática ilícita contraordenacional. O recorrente ainda pretende que seja suspensa a coima aplicada no montante de € 25.000 (vinte e cinco mil euros). Recorda-se, primeiramente, que da coima aplicada ao arguido, no valor de € 25.000,00, a sentença recorrida suspendeu € 10.000,00. Importa recordar a fundamentação desta decisão: "(…) não será de suspender na totalidade as coimas aplicadas, por a aplicação efetiva de parte da coima se considerar essencial à interiorização do respeito pelas normas que regem o setor financeiro (…)". De facto, perante a conduta ilícita provada do ora recorrente, entende-se que existem preocupações de prevenção especial e geral que não seriam satisfeitas, mediante a suspensão, in totum, da coima aplicada, sendo o montante suspenso na sua execução adequado e proporcional a mitigar, de forma minimamente sensível, tais preocupações de prevenção. Finalmente, o recorrente ainda suscita a inconstitucionalidade material das normas contidas nas diversas alíneas do artigo 404.º, n.º 1, do CVM, por, alegadamente, não estabelecerem pressupostos específicos de aplicação das sanções acessórias, o que violaria os artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1 e 3 e 30.º, n.º 4, da CRP. Porém, o recorrente não tem razão, na medida em que o artigo 404.º, n.º 1, do CVM, define, a propósito de cada sanção acessória, os pressupostos específicos para a sua aplicação. No caso em apreço, verificam-se os pressupostos de aplicação da sanção acessória, a saber, a existência de um benefício económico resultante da prática da conduta ilícita. Das custas processuais: Sendo os recursos interpostos pelos arguidos julgados integralmente improcedentes, estes deverão ser condenados no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cinco unidades de conta), tendo em consideração o grau de complexidade elevado/mediano da causa. IV – DECISÃO: Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em: a) julgar os recursos não providos; e b) condenar cada um dos recorrentes no pagamento de uma taxa de justiça fixada em 5 (cinco) unidades de conta. Tribunal da Relação de Lisboa, em 14 de Maio de 2014. O relator, a) Jorge M. Langweg O adjunto, a) Nuno N. P. R. Coelho [1] O parecer encontra-se subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. José Luís Lopes da Mota. [2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. [3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado pelo ora signatário, em http://www.langweg.blogspot.pt. [4] Da análise do artigo 73.º do RGC resulta claro que: a) apenas as decisões judiciais expressamente indicadas são recorríveis; e b) que no elenco das decisões judiciais recorríveis não se encontram os despachos interlocutórios. Desta norma resulta um princípio de irrecorribilidade que constitui uma exceção ao consagrado nos artigos 399.º e 400.º, nº 1, do Código de Processo Penal, tendo esta solução legislativa merecido, inclusivamente, um juízo de conformidade com a Constituição pelo Tribunal Constitucional (v.g. o acórdão n.º 52/2009 do Tribunal Constitucional, onde se refere que «Por maioria de razão, em processo contra-ordenacional não é constitucionalmente imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais proferidas no decurso da impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória. (…)» e o acórdão n.º 659/2006, onde se decidiu que «Por maioria de razão, em processo contra-ordenacional não é constitucionalmente imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais proferidas no decurso da impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória. De acordo com a interpretação acolhida na decisão ora recorrida (…) só são recorríveis para o Tribunal da Relação a sentença ou o despacho que decidam o caso, verificadas as condições referidas nas alíneas a) a e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não sendo recorrível o despacho, posterior à decisão de rejeição da impugnação (decisão esta entendida como constituindo a decisão que põe termo ao processo), que julgou improcedente arguição de nulidade processual.» Neste sentido encontra-se também consolidada uma linha jurisprudencial há muitos anos: veja-se, a título exemplificativo, os acórdãos da Relação de Lisboa de 4 de Março de 1998, in Colectânea de Jurisprudência, 1998, t. II, pág. 145, de 13 de Dezembro de 2007 (processo nº 101-2007-5), de 18 de Janeiro de 2007 (processo nº 95/2007-9), de 14 de Outubro de 2004 (proc. nº 89991/2003-9). A doutrina também já se expressou nesse sentido, nomeadamente, Oliveira Mendes e Santos Cabral, in “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 192. [5] O Regime Geral das Contra-Ordenações prevê que a decisão de autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial (artigo 59.º, n.º 1), podendo recorrer-se para o Tribunal da Relação das decisões judiciais que apreciem aquela impugnação nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 73.º do RGC. Com este regime fica assegurado o direito à apreciação jurisdicional das decisões sancionatórias administrativas que apliquem coimas pela prática de contra-ordenações, e, nalguns casos, admite-se a existência de um duplo grau de jurisdição na reapreciação dessas decisões. Conforme referiu Eduardo Correia, "Direito penal e de mera ordenação-social", no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra n.º XLIX (1973), pág. 268 «a contra-ordenação é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal (…)». Esta realidade no plano do direito substantivo repercute-se a nível adjetivo, não se justificando que sejam aplicáveis ao processo contra-ordenacional de um modo automático e cego todos os princípios que orientam o direito processual penal. Neste quadro, a introdução do n.º 10 no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, em 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios, ao visar assegurar os direitos de defesa e de audiência do arguido nos processos sancionatórios não penais, os quais, na versão originária do texto fundamental, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3), revelou a ratio legis que exprime que os direitos consagrados para o processo penal não têm aplicação direta aos demais processos sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação. Por conseguinte, o direito ao recurso atualmente assegurado pelo nº 1 do artigo 32.º da C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a prolação de decisões jurisdicionais injustas, assegurando ao arguido a possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem aplicação direta ao processo de contra-ordenação. Como sustentado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 659/06, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa, especialmente previstos para o processo de contra-ordenação e outros processos sancionatórios, no n.º 10 do artigo 32.º da C.R.P., não se pode incluir o direito a um duplo grau de apreciação jurisdiciona. Esta norma exige apenas que o arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e alegando as suas razões. A não inclusão do direito ao recurso, no âmbito mais vasto do direito de defesa constante do n.º 10 do artigo 32.º da C.R.P. resulta da diferença de redacção dos nºs 1 e 10, deste artigo, ambas alteradas pela revisão de 1997, e dos trabalhos preparatórios desta revisão, em que a proposta no sentido de assegurar ao arguido “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios todas as garantias do processo criminal”, constante do artigo 32º - B, do Projecto de Revisão Constitucional, n.º 4/VII, do PCP, foi rejeitada (sobre esta matéria, leia-se o conteúdo do debate publicada no Diário da Assembleia da República II Série – RC, nº 20, de 12 de Setembro, de 1996, págs. 541-544 e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pág. 3412 a 3466). Finalmente, recorda-se que constitui entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que a Constituição não impõe o duplo grau de recurso em matéria de facto – vide, entre outros, os acórdãos número 73/2007, 386/2009 e 632/2009. [6] Vide, a propósito, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Janeiro de 2006 (processo nº 04P4301) e da Relação de Lisboa, de 20 de Dezembro de 1999 (processo nº 5736/99-9). [7] A aplicação subsidiária do artigo 328º, nº 6, do CPP é aplicável aos processos de contraordenação - contrariamente ao sustentado nas contra-alegações da CMVM - uma vez que estão reunidos os respectivos pressupostos, emergentes do artigo 41.º, n.º 1 do RGC: a) a inexistência de regras expressas no RGC sobre a matéria; b) a não intencionalidade dessa inexistência de regras; e c) que a aplicação da norma processual penal não contraria a estrutura axiológico-normativa do regime geral das contraordenações. Contrariamente ao defendido pela CMVM, o princípio da imediação da prova em processo penal também é espelhado no processo contraordenacional – mas num sistema de oralidade pura dos depoimentos produzidos em julgamento, uma vez que não é mitigada pela documentação da prova aí produzida presencialmente pelos autores da prova oral -. A circunstância do tribunal decidir num processo contraordenacional não só com base na prova realizada durante o julgamento, mas também com base na prova produzida na fase administrativa do processo de contraordenação (v.g. o art. 416º, nº 4, do CVM, que refere que “se houver lugar a audiência de julgamento, o tribunal decide com base na prova realizada na audiência, bem como na prova produzida na fase administrativa do processo de contraordenação”) não afasta o princípio da imediação, apenas por admitir a valoração de prova documental (designadamente autos de inquirição e de declarações, além de outros documentos recolhidos na fase administrativa do processo). Nestes termos, considerando, ainda, a circunstância de não haver documentação da prova oral produzida em julgamento – uma vez que o legislador relaciona a documentação da prova, de forma censurável, apenas, com a possibilidade de recurso da decisão da matéria de facto -, faz todo o sentido que não haja uma dilação superior a trinta dias entre cada sessão de produção de prova, de modo a assegurar a conservação da prova produzida em julgamento no espírito do/a julgador/a e, em consequência, a correção da decisão da matéria de facto. Nestes termos, mesmo que o hiato temporal superior a trinta dias tivesse ocorrido durante o ul, pelo que dúvidas não existem de que tal regra é aplicável às sentenças proferidas no âmbito de processos de contraordenação da CMVM. [8] A este respeito, cita-se a título exemplificativo que o Tribunal a quo explicou que: a) as testemunhas indicadas pelo B…“(…) não demonstraram conhecimento concreto sobre os factos em apreço e o que se passou nas agências do B… em causa, depondo de modo genérico e algo tendencioso sobre a atuação cuidadosa e metódica da instituição em que trabalham”; b) (os depoimentos dos trabalhadores da Z…) que “os depoimentos de (…), que trabalharam ou trabalham para JM…, afiguram-se também pouco esclarecedores, na medida em que nada sabiam sobre as conversações do arguido com o seu banco, procurando antes desresponsabilizar o comportamento do arguido, dizendo ser uma operação benéfica para a empresa, em situação menos favorável. (…)” e c) Em relação ao arguido J…, percebe-se da fundamentação, que o Tribunal entendeu que “os arguidos não põem essencialmente em causa os factos relativos aos elementos objetivos do tipo, isto é à concretização das operações”, o que resultava já da prova documental existente nos autos (da fase administrativa do processo). [9] Artigo 401º do CVM: 1 - Pela prática das contra-ordenações previstas neste Código podem ser responsabilizadas pessoas singulares, pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, sociedades e associações sem personalidade jurídica. 2 - As pessoas colectivas e as entidades que lhes são equiparadas no número anterior são responsáveis pelas contra-ordenações previstas neste Código quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores. 3 - A responsabilidade da pessoa colectiva é excluída quando o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela. 4 - Os titulares do órgão de administração das pessoas colectivas e entidades equiparadas, bem como os responsáveis pela direcção ou fiscalização de áreas de actividade em que seja praticada alguma contra-ordenação, incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente atenuada, quando, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infracção, não adoptem as medidas adequadas para lhe pôr termo imediatamente, a não ser que sanção mais grave lhe caiba por força de outra disposição legal. 5 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes. [10] Neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 10/94, no qual é citado o Anexo à Recomendação nº R(88)18, respeitante à responsabilidade das empresas pessoas morais pelas infrações cometidas no exercício das suas atividades, adotada pelo Comité de Ministros de 20/10/1988, referente à Recomendação do Conselho da Europa de 20/10/1988, em que se preconiza uma responsabilização das pessoas coletivas do seguinte teor: «a empresa deve ser responsável haja ou não identificação da pessoa física que praticou os factos ou omissões constitutivos da infracção (…)»-. [11] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 23 e 24. [12] Citação extraída do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 41/2004. [13] Diário da República, II série, n.º 245, de 22 de Outubro de 2003. [14] As ofertas públicas foram potencialmente destinadas a uma elevada quantidade de destinatários indiferenciados, tendo o legislador assegurado que todos os potenciais investidores fossem tratados em regime de igualdade e que, caso a quantidade total dos valores mobiliários objeto de aceitação pelos destinatários fosse superior à quantidade dos valores mobiliários oferecidos, tivesse lugar o rateio dos mesmos, na proporção dos valores mobiliários cuja alienação ou aquisição fosse pretendida pelos destinatários, ex vi do artigo 112.º, n.º 2, do CVM. [15] O assento nº 1/2003 de 28 de Novembro de 2002, publicado no Diário da República, Série I-A, de 25 de Janeiro de 2003, definiu como jurisprudência obrigatória que se a notificação prevista no art. 50º do RGCORD não fornecer todos os elementos necessários para a defesa do arguido, o vício será o de nulidade sanável, arguível no prazo de 10 dias após aquela notificação, perante a entidade que proferiu a acusação. [16] Como realçado, também, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009, «é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou co-causalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja colocado uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma. (…)» [17] Em termos sintéticos, não obstante o art. 311º do CVM prever uma contraordenação específica dos intermediários financeiros, esta também é imputável aos arguidos pessoas singulares que tenham agido em comparticipação com um intermediário financeiro, nos termos dos arts. 16º, nº 1, do RGC e 419, nº 1, do CVM. |