Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL CASO JULGADO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. A natureza especial do processo de insolvência, o seu caráter universal e auto suficiente determina que neste processo vigore a regra da não suspensão da instância, sendo a suspensão a exceção, como dispõe o artigo 8.º, n.º 1, do CIRE. 2. Porém, atentas as finalidades do processo de insolvência previstas no artigo 1.º do CIRE e os deveres de gestão e adequação processual que igualmente impendem sobre o juiz do processo de insolvência, na concreta situação que se apresenta nos autos e em prol do interesse coletivo dos credores, atenta uma interpretação finalística do artigo 8.º, n.º 1, do CIRE, justifica-se que se acomode ao caso concreto, a postergação de uma leitura mais formal e literal deste preceito, e, por via da aplicação subsidiária do artigo 17.º do CIRE, se determine a suspensão da instância de uma ação comum que corre por apenso ao processo de insolvência, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO MASSA INSOLVENTE DE E…, S.A., intentou ação declarativa comum contra COOPERATIVA… e BANCO…[1], formulando os seguintes pedidos: 1. Seja declarado inexistente o direito da 1.ª Ré a executar as garantias bancárias; 2. Seja condenada a 1.ª Ré a abster-se de acionar as garantias bancárias que lhe foram prestadas pela Autora e emitidas pela 2.ª Ré; 3. Seja condenada a 2.ª Ré a abster-se de proceder ao pagamento das garantias bancárias; Subsidiariamente, declarado o abuso de direito da 1.ª Ré ao executar as garantias bancárias e consequentemente deverá: a) A 1.ª Ré ser condenada a abster-se de acionar as garantias bancárias que lhe foram prestadas pela Autora e emitida pela 2.ª Ré; b) A 2.ª Ré ser condenada a abster-se de proceder ao pagamento das garantias bancárias; 3) Sem conceder, caso a 2.ª Ré proceda ao pagamento das garantias bancárias na pendência da presente ação, deverá a 1.ª Ré ser condenada a pagar à Autora o respetivo valor com vista o reembolso à 2.ª Ré do respetivo valor. Em 27-02-2020, em sede de saneador-sentença veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade em virtude da declaração de insolvência; julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide dos pedidos plasmados nas alíneas a) e b) do ponto 1 e 2 do pedido em sede de petição inicial, porquanto havendo notícia nos autos de que as garantias bancárias foram acionadas e pagas, ficou prejudicada, por inútil a apreciação dos pedidos tendentes a forçar as Rés a absterem-se de acionar e pagar as referidas garantias bancárias; julgou improcedente a exceção de caducidade do direito da 1.ª Ré a acionar as garantias bancárias pelo decurso do prazo de garantia da obra; e, finalmente, julgou a ação improcedente por não provada e, em consequência absolveu as Rés de todos os pedidos. Porém, em sede de recurso interposto desta sentença, esta Relação de Lisboa proferiu, em 30-06-2020, Acórdão constando da sua parte dispositiva o seguinte: «Por todo o exposto, decide-se pela procedência parcial do recurso interposto, nos seguintes termos: - Julgar improcedente as invocadas nulidades, mantendo-se nesta parte a decisão proferida; - Julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência anula-se a sentença proferida em parte, devendo os autos prosseguir para dilucidação da seguinte matéria de facto: - Da existência de defeitos; - Da sua imputação à insolvente; - Da tempestividade da sua denúncia ou reconhecimento por parte da insolvente; - Do custo da sua reparação.» Remetidos os autos à 1.ª instância foi proferido despacho, em 09-11-2020 (ref.ª 400304271), que vem a ser o recorrido, com o seguinte teor: « Tomei conhecimento do acórdão que baixou do Tribunal da Relação de Lisboa. * Em obediência ao mesmo importa ampliar a matéria de facto, tendo como objeto os temas de prova relativos à existência, natureza, extensão e quantum dos defeitos da obra, da sua imputabilidade ao objeto da prestação devida executar pela insolvente em cumprimento do contrato de empreitada e ao objeto da garantia que celebrou com o banco, em que data ocorreu a denúncia, a existência de reconhecimento dos ditos defeitos por parte da ora apelante, se os mesmos foram ou não reparados e ainda o montante em que importa a reparação dos defeitos ocorridos. É cristalino que a utilidade, ainda que residual, da apreciação de tal pedido, dependerá sempre do que sobejar das forças da massa, após o pagamento dos créditos com preferência no pagamento sobre os créditos comuns. É igualmente claro que atendendo à atual composição da massa insolvente, tal utilidade ainda não se manifesta, facto que foi constatado e assertivamente fundamentado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede de apenso BY, Exma. Desembargadora relatora Amélia Sofia Rebelo, em acórdão que, tal como aqui, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela massa insolvente, mas não deixando de referir-se expressamente ao presente apenso nos termos que passo a transcrever: “Não podemos também deixar de consignar que, ainda que de uma forma invertida – que, por corresponder a ação de mera apreciação negativa, torna a sua discussão ainda mais complexa -, esta e as ações comuns dos apensos CK e BX têm como pano de fundo ou relação jurídica dominante o contrato de empreitada que a Massa Insolvente, aqui Recorrente, se propôs e tomou a iniciativa de discutir judicialmente e tomar ao seu encargo, não obstante os benefícios que por elas pode almejar obter para o coletivo dos credores da insolvência não passem senão pela subtração/redução do valor de cerca de €266.700,00 a um passivo relacionado/reconhecido nos termos do art. 129º do CIRE no montante total de €273.753.184,53, este constituído por créditos de natureza comum (cerca de €79.552.000,00 sem condição e cerca de €186.421.000,00 sob condição), créditos subordinados (cerca de €234.500,00) e créditos de natureza laboral, estes no montante de cerca de €10.223.000,00, sendo certo que, de acordo com as contas intercalares prestadas em apenso (CR), o saldo da massa insolvente cifra-se a esta data no montante de cerca de €7.000.000,00. Para consignarmos que os sujeitos que manifesta, direta, e inevitavelmente poderão ser beneficiados com o resultado positivo destas ações resumem-se aos três Bancos credores prestadores das garantias e, na eventualidade, improvável, de o ser, só muito remota e residualmente o coletivo dos credores comuns que com aqueles concorrem (mesmo na hipótese de os credores comuns serem contemplados pelo produto da venda, o acréscimo que daquela redução do passivo resulte para cada credor será parcamente residual, e se antes não for consumido pelas despesas que a massa insolvente suportou com estas ações), sendo desde já certo e incontornável que o montante do produto da liquidação a distribuir pelos credores laborais, à frente dos credores comuns, por força da imputação/pagamento das custas e encargos do processo proporcionalmente pelo produto de cada classe de bens ou de cada bem (móveis e imóveis) resultará sempre diminuído pela afetação de receitas da massa insolvente ao pagamento dos encargos destas ações que, para além das custas e outros encargos, incluem honorários a mandatário forense. Com estes contornos, não antevemos como linear o enquadramento destas ações no âmbito da atividade de liquidação da massa insolvente, que deve reger-se pelo critério da sua otimização, sendo certo que não se enquadram na finalidade de qualquer uma das ações especifica e expressamente previstas pelo art. 82º, nº 3 do CIRE que, conforme delas ostensivamente resulta, visam a proteção dos ativos que integram a massa insolvente através do reconhecimento de direitos de crédito da massa insolvente sobre terceiros, e não a discussão/negação, sob impulso e ação da massa insolvente, de créditos sobre a insolvência que não foram discutidos pelos próprios credores, interessados diretos, e que, para além das ações de verificação ulterior de créditos (art. 146º e ss. do CIRE), têm o seu lugar próprio no apenso de reclamação de créditos. Mais se consigna que não será alheio ao supra assinalado a perspetiva pela qual a Recorrente aborda e conclui pelo abuso de direito no acionamento da garantia bancária por parte da Recorrida, que seria mais consentânea com a posição juridicamente admissível ao Banco garante, e não com a posição da Insolvente na qualidade de parte no contrato subjacente que celebrou com a Recorrida. Com efeito, como é consensual, as características jurídicas da garantia autónoma ou à primeira solicitação impedem o Banco garante de invocar as vicissitudes próprias da relação material subjacente à emissão da garantia e, em princípio, e conforme jurisprudência superior e posições doutrinárias nesse sentido - para além da caducidade da garantia pelo seu não exercício no prazo da validade da mesma (a aferir pela data ou outro evento extintivo aposto no título que corporiza a garantia), da falta de requisitos formais ou documento convencionalmente exigido, da inexistência ou objeto ilegal do contrato base -, verificando-se os respetivos pressupostos, apenas lhe resta a válvula de ‘escape’ da fraude ou abuso de direito para obstar ao acionamento e pagamento da garantia2. Porém, tanto já não sucede relativamente à contratante da garantia autónoma, no caso, à insolvente (patrimonialmente substituída pelo património autónomo massa insolvente e, em sede de representação da mesma, pelo Administrador da Insolvência) pois, na qualidade de parte contratante e de acordo com o princípio da eficácia relativa dos contratos, tem legitimidade para invocar as vicissitudes e exceções atinentes com a relação causal subjacente à contratação das garantias - no caso, o contrato de empreitada que celebrou com a Recorrida -, incluindo as que permitam concluir pela inexistência do direito desta em acionar as garantias (que, nas relações entre estas, seria apto a afastar o instituto do abuso de direito, precisamente, porque pressupõe que o direito exista). Ou seja, a insolvente e, assim, a massa insolvente, que no âmbito das relações jurídicas obrigacionais de natureza patrimonial a substitui, tem reconhecida legitimidade para invocar a inexistência do direito de acionar a garantia bancária com fundamento na inexistência do direito por ela pretendido garantir (ou porque não se chegou a constituir, ou porque se extinguiu) e, através de sentença oponível à beneficiária da garantia, dela liberar a parte que a assumiu, com consequente extinção da obrigação de pagamento que dela emergiria para o Banco garante3. Acresce que o imputado abuso (da Recorrida) vislumbra-se antes de mais na perspetiva do Banco garante e não da Autora/Recorrente porque, para além de esta litigar em substituição da parte outorgante no contrato base subjacente à garantia, considerando a natureza ou estatuto que detém - de património autónomo de afetação -, nem o conteúdo ou acervo patrimonial que integra a massa insolvente é alterado pelo exercício da garantia pela Recorrida, nem a posição dos demais credores relativamente ao produto da massa insolvente (mais concretamente, ao que a final resulte disponível para distribuição pelos credores da insolvência) sofreria alteração pelo facto de no processo da insolvência serem reclamado os créditos emergentes das garantias bancárias, ou, ao invés destes, os créditos por elas garantidos. Uns ou outros iriam engrossar o passivo a satisfazer pelo produto da massa insolvente que, assim, teria que ser rateado também pelos créditos, ou do Banco garante ou da Recorrida, na proporção do respetivo montante, com inevitável redução dos montantes a distribuir pelos demais credores, na hipótese (remota) de os credores comuns virem a por ele ser contemplados. Não obstante o exposto, apto a questionar o pressuposto processual, de conhecimento oficioso, do interesse em agir da massa insolvente (que se pressupõe no interesse do coletivo dos credores e não de apenas alguns deles), no rigor formal da objetividade da apreciação jurisdicional (que não consente decisões assentes em premissas ou formulações hipotéticas, antes exige um silogismo assente em fatos processualmente adquiridos), obsta ao seu conhecimento o facto de ainda não ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.” Aqui chegados, reproduz-se o despacho proferido na data de hoje no apenso BY que aqui deverá ser proferido nos mesmos termos: “impõe-se conceder à Massa Insolvente e aos credores o direito de verem julgada e apreciada a sua pretensão, mas num quadro em que esteja garantida a utilidade do pedido, designadamente, na certeza de que pagos os credores privilegiados a massa tem disponibilidade para pagar rateadamente aos credores comuns, sob pena de estar o tribunal a afetar meios e recursos em causas que, não obstante legítimas, revelar-se-ão a final inúteis. Meios que manifestamente carece. É que os autos principais têm longevidade superior a 12 anos, reclamaram créditos centenas de credores, a maior parte deles trabalhadores que à data de hoje ainda não lograram receber qualquer pagamento à ordem dos presentes autos. A complexidade dos autos, o elevado número de apensos declarativos e a incapacidade de resposta do tribunal potenciada por uma gritante insuficiência de meios humanos afetos ao Juízo de Comércio de Lisboa, devidamente reportada ao Conselho Superior da Magistratura ao longo dos anos, contribuíram, para que tal ocorresse. Insuficiência de meios que assume especial relevância num quadro de elevada pendência de processos com longevidade superior a 10 anos de que estes autos sendo exemplo, não se inserem no grupo dos mais antigos. Sem prejuízo, inserem-se no grupo de processos antigos com maior número de créditos reclamados e com maior volume de património apreendido e liquidado. Neste contexto, é urgente que o processo flua para a fase de pagamentos, sendo necessário para tal tramitar e julgar o apenso de reclamação de créditos que, consigna-se ter à data de hoje conclusão aberta. Após o trânsito em julgado da sentença a proferir no apenso de reclamação de créditos, impor-se-á efetuar no processo principal um rateio parcial para pagamento aos credores privilegiados e/ou garantidos nos termos dos artigos 173.º, 174.º, 175.º e 178.º, todos do CIRE. Concretizado o rateio parcial, será possível prever de acordo com o estado da liquidação à data, se a massa insolvente tem ou não meios para pagar os créditos comuns que aqui se discutem e na afirmativa, prosseguir de imediato com os presentes autos e, na negativa, questionar com critérios de atualidade por causa superveniente, o interesse em agir da massa insolvente. A ocorrência do rateio parcial e saldo remanescente da disponibilidade da massa insolvente afigura-se prejudicial.” Pelo exposto, sem prejuízo do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, determino ao abrigo do disposto no artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Civil que os autos aguardem a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e a concretização do rateio parcial, após o que deverá ser a ré notificada para se pronunciar sobre a desistência da requerida perícia – artigo 474.º do Código de Processo Civil.» A Autora apresentou, em 18-11-2020, requerimento (ref.ª 37190637) onde, sem prescindir do direito de recurso, à cautela, arguiu a nulidade processual do despacho supra transcrito por violação dos artigos 195.º, 197.º, n.º 1, do CPC ex vi do artigo 148.º do CIRE. Em 25-11-2020, a Autora interpôs recurso do despacho supra transcrito, invocando a sua admissibilidade ao abrigo dos artigos 629.º, n.º 1, alínea a) e 664.º, n.º 2, alínea c), do CPC, pugnou pela sua revogação, requerendo, ademais, que se ordene o «imediato e normal prosseguimento dos autos até final como determinada no Acórdão deste Tribunal da Relação de 30-06-2020», apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «A. Vem o presente recurso interposto do-despacho de 5.11.2020 que decretou a suspensão da instância, por acobertar nulidade processual e, ademais, por colher fundamento nos artigos 629.º/2, al. a) e 644.º/2, al. c), ambos do CPC. B. No processo insolvencial, incluindo as ações apensas, mostra-se liminarmente proscrita a suspensão da instância, nos termos do artigo 8.º/1 CIRE (não se aplicando o CPC neste conspecto, por força da parte final do artigo 17º/1 do mesmo diploma e do princípio lex specialis…). Cfr. ac. RP 8.4.2014; proc. n.º 1168/12.9TBOAZ-N. C. Destarte, o decretamento da suspensão da instância configura ato inválido que, por influir no exame (pronto e corretamente enquadrado) da lide e atentar contra a natureza urgente de toda a tramitação matricial e apendicular (artigo 9º CIRE), constitui nulidade processual, arguível e reparável mediante recurso. D. Subsidiariamente e com os mesmos fundamentos normativos, o despacho sob reação enferma de erro de julgamento, que, de igual modo e ao abrigo do artigo 5.º/3 do CPC, importa, como se requer, a sua revogação hierárquica. E. Ademais, o despacho em crise ofende o caso julgado formado pelo douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 30.6.2020, dado que, ao anular o despacho saneador – sentença e ordenar o prosseguimento dos autos, este Venerando Tribunal não ressalvou (porquanto não vislumbrou) motivo que pudesse obstar à pronta obediência da sua decisão pela 1.ª instância. F. O Tribunal a quo estriba-se em excerto de douto acórdão, proferido noutro processo, que constitui mero obiter dictum, destituído de finalidade decisória (tendo um fito de mero enquadramento e diversão argumentativa), não fundando o julgado nem surtindo impacto no dispositivo final que, com o devido respeito, vinculava, de imediato, a 1.ª instância. G. Inexiste relação de prejudicialidade entre o presente apenso e o de reclamação de créditos. Este não constitui causa prejudicial daquele. H. O que se visa com a lide é a recuperação do montante ilicitamente acionado pela R. junto do Banco garante para a massa insolvente, acumulando o valor desta. I. O direito de resgate de tal quantia assiste à A. e, por conseguinte, deve ser-lhe permitido tramitar a lide onde o faz valer. J. Atente-se que a constituição da garantia não foi gratuita para a Insolvente (tendo implicado a cativação do montante caucionado pelo Banco e o comissionamento). Ou seja, a massa insolvente já parte de uma situação de «prejuízo» patrimonial que ora pretende «debelar» ou minimizar. K. A questão primeva dos presentes autos posiciona-se no quadro do contrato de empreitada celebrado entre a Insolvente e a R. (relação de valuta). Em consequência, está em causa, antes do mais, a responsabilidade contratual da cooperativa ante a A. L. Por conseguinte, a presente ação beneficia o coletivo dos credores. M. O valor recuperado será percebido pelo Banco nos termos do artigo 90.º CIRE. N. O presente pleito é processualmente <independente> da verificação do passivo. O. Como estamos defronte de ação que se destina a exponenciar o produto a ratear pelos credores, há que aplicar a lógica plasmada no artigo 158.º/1 CIRE: avançar “com prontidão” (sic) “independentemente da verificação do passivo”. P. Considerando que a massa insolvente tem direito a ver reconhecida a pretensão formulada nos presentes autos – o que concretiza o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – não são relevantes nem oponíveis aos credores, s.d.r., considerações relativas à gestão dos Tribunais, porquanto nos reportamos a direito análogo aos direitos, liberdades e garantias previstos no Título II da CRP. Q. Pelo exposto e o mais que V. Exas. doutamente suprirão, o despacho recorrido deve ser revogado e ordenado o imediato e normal prosseguimento da lide até final. Só assim se fará JUSTIÇA! NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: • Artigos 17.º e 20.º/1 e 4 CRP; • Artigo 6.º CEDH; • Artigos 8.º/1, 9.º/1, 17.º/1; 90.º do CIRE; • Artigos 2.º/2; 152.º/1, in fine; 272.º/1; 620.º/1 e 628.º do CPC; • Artigo 4.º/1 da LOSJ; • Artigo 4.º/1 do EMJ.» A 1.ª Ré, COOPERATIVA DE CONSTRUÇÃO, C. R. L., respondeu ao recurso a pugnar pela improcedência do mesmo. Na sequência da resposta ao recurso, invocando que a recorrida introduziu «elementos inovatórios ou questões processuais que cumpre, ao abrigo do citado preceito processual [artigo 665.º, n.º 3, do CPC], rebater e esclarecer», a recorrente juntou aos autos o Requerimento datado de 18-12-2020 (ref.ª 37521196). II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do Recurso O recurso foi admitido por despacho de 06-04-20220, onde se pode ler: «Referências 27825768, 27875734, 27986665, 28265990: Não se conformando com o teor do despacho referência 399222407, do mesmo recorreu a autora massa insolvente, secundada pelo senhor administrador da insolvência, invocando nulidade do mesmo. A ré apresentou contra-alegações. O tribunal, no âmbito de um poder discricionário conferido por lei nos termos do artigo 152.º n.º 4 do Código de Processo Civil, determinou sem interferir no conflito de interesses entre as partes, o momento em que daria cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Pretende nos termos da fundamentação ali plasmada priorizar a tramitação do apenso de reclamação de créditos e o pagamento aos credores e, concomitantemente, evitar a prática de atos inúteis. Certo é que o mesmo se traduziu efetivamente numa suspensão da instância, pelo que, sem prejuízo do disposto no artigo 630.º n.º 1 do Código de Processo Civil, se entenderá admissível o recurso nos termos do artigo 644.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil. O recurso foi requerido por quem tem legitimidade e apresentado em tempo – artigo 631.º n.º 1 e 638.º n.º 1 do Código de Processo Civil. O recorrente invocou nulidade do despacho por violação do disposto no artigo 8.º e 9.º do CIRE, que proíbem a suspensão da instância do processo de insolvência e atribuem-lhe natureza urgente. Importa decidir nos termos do artigo 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Quer a proibição da suspensão da instância, quer a atribuição de natureza urgente ao processo de insolvência visam o fim último previsto no artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: “satisfação dos credores pela (…) liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.” O despacho do tribunal visa este fim, pelo que não enferma da apontada nulidade. Termos em que julgo improcedente a invocada nulidade. * O recurso é de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo – artigo 14.º n.º 5 do CIRE.» Nada obsta ao conhecimento do recurso, sublinhando-se, contudo, que não se verificando a existência de recurso subordinado, nem ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (cfr. artigos 633.º e 636.º do CPC), nem estando em causa a aplicação do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, cujo acionamento sempre dependeria de despacho judicial, o Requerimento apresentado pela Autora e recorrente datado de 18-12-2020, é legalmente inadmissível, correspondente a um ato processual inútil (artigo 130.º do CPC), pelo que o mesmo não será objeto de qualquer apreciação nesta sede recursiva. Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir são as seguintes: - Nulidade processual - Caso julgado - Suspensão da instância B- De Facto Os atos e ocorrências processuais relevantes para apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório. C- De Direito Identificadas as questões decidendas, passemos à sua análise. 1. Nulidade processual A apelante alega que o despacho recorrido acobertou uma nulidade processual, podendo ser reclamada em sede de recurso, invocando para o efeito o artigo 627.º, n.º 1, do CPC, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 630.º, n.º 2, do CPC. Tudo isto sem prejuízo de ter arguido a mesma nulidade processual em requerimento autónomo e anterior à interposição do recurso. A nulidade processual em causa consiste, segundo a apelante, na prolação do despacho recorrido que viola o disposto no artigo 8.º, n.º 1, do CIRE, ao suspender a instância da ação que corre termos no Apenso BX, correspondendo a uma nulidade subsumível ao artigo 195.º do Código Civil ex vi do artigo 148.º do CIRE. Na análise desta questão, importa sublinhar que a invocação da prática de ato processual legalmente inadmissível por alegada violação de um concreto normativo do CIRE, no caso, o artigo 8.º, que, no entender da apelante não sustenta a suspensão da instância no processo de insolvência e respetivos apensos, não se acomoda nos pressupostos do artigo 195.º do CPC porque excede o âmbito meramente formal da prática ou omissão de determinado ato processual e ataca diretamente o seu conteúdo jurídico. E nessa medida, o que está em causa na alegação da recorrente não é uma nulidade processual reconduzível ao referido artigo 195.º do CPC, nem tão pouco uma nulidade da decisão das previstas no artigo 615.º do CPC, que, de resto, não é arguida pela apelante, nem pode ser conhecida oficiosamente, correspondendo, antes, à invocação de error in judicando (erro de julgamento ao nível da aplicação do direito), suscetível de ser invocado e conhecido em sede de recurso. Assim sendo, não se verifica a arguida nulidade, remetendo a apreciação dos fundamentos em que assentou para a apreciação da questão relativa à suspensão da instância. Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob as alíneas A a C. 2. Caso julgado A apelante alega que o despacho recorrido ofende o caso julgado formado no Acórdão da Relação de Lisboa de 30-06-2020, que anulou parcialmente o saneador-sentença e ordenou o prosseguimento dos autos. Ademais, no seu entender, o despacho sob censura socorreu-se de obiter dictum proferido noutro processo, destituído de finalidade decisória, não fundando nem surtindo impacto no dispositivo final do referido aresto, vinculativo de imediato para a 1.ª instância. Vejamos, então. Quanto ao caso julgado, não está em causa a existência de caso julgado formal e material decorrente da prolação do Acórdão de 30-06-2020, já transitado em julgado, que anulou, em parte, a sentença e ordenou o prosseguimento dos autos com vista à apreciação da matéria de facto que menciona. Efetivamente, o princípio constitucional vertido no artigo 205.º, n.º 2, da CRP, que determina a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades, exige que lhes seja conferida eficácia de caso julgado, em prol da segurança e certeza jurídica na resolução dos litígios. Assim, às decisões judiciais que versem sobre a relação material controvertida, quando transitadas em julgado, é atribuída força obrigatória dentro (formal) e fora (material) do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC, e nos precisos termos em que julga, como se estipula nos artigos 619.º, n.º 1, 620.º e 621.º do CPC. No que respeita à eficácia do caso julgado material tende-se a distinguir duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida à exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. A repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, a verificação da tríplice identidade que decorre do artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Em relação à autoridade do caso julgado, tem-se entendido que a mesma não requer a verificação integral daquela tríplice identidade, podendo ser invocada em decisões posteriores quando estejam em causa questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado. No caso em apreço, o que está em causa é a exceção de caso julgado que impede o juiz do processo de voltar a suscitar, analisar e discutir as questões decidias no Acórdão de 30-06-2020, prosseguindo a tramitação dos autos nos termos ali decididos. Sucede, contudo, que o referido aresto não se pronunciou, nem tal questão lhe foi colocada, sobre a eventual e futura suspensão da instância da ação onde foi proferida a sentença revogada antes de se dar prosseguimento à tramitação ordenada no mesmo. Nem sequer o fundamento do recurso assentou na falta ou ilegalidade de fundamento para a suspensão da instância no processo de insolvência e seus apensos. Essa questão é totalmente alheia ao decidido no referido Acórdão. Por conseguinte, o caso julgado formado pelo mesmo, seja na perspetiva de exceção de caso julgado, seja na perspetiva de autoridade de caso julgado, não se verifica no caso em apreço. A situação é outra. O que ocorre é que o juiz da 1.ª instância, mencionando expressamente no despacho recorrido «(…) sem prejuízo do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa», ou seja, sem colocar em causa o ali decidido em termos de obrigatoriedade imposta à 1.ª instância por força da eficácia do caso julgado formal, o que decidiu foi priorizar a tramitação processual do apenso de verificação e graduação de créditos com vista ao rateio parcial de créditos para, posteriormente, aferir da tramitação a seguir tendo em conta o decidido pela Relação de Lisboa no referido acórdão. Razão pela qual menciona que, por ora e até ao trânsito em julgado da sentença a proferir no apenso da verificação e graduação de créditos e a concretização do rateio parcial, os autos aguardam, analisando-se, após aquele momento, da oportunidade do prosseguimento da lide em conformidade com a ponderação da existência de meios que permitam à massa insolvente pagar os créditos comuns discutidos na ação e, na afirmativa, prosseguir-se-á a correspondente tramitação e, na negativa, aferir-se-à do interesse em agir da massa insolvente por razões de atualidade por causa superveniente. Não se descortina, assim, que o despacho recorrido viole o caso julgado, independentemente da legalidade e acerto do mesmo, questões que serão ponderadas e decididas de seguida. Quanto ao aspeto argumentativo do despacho socorrendo-se de um trecho proferido noutro Apenso do mesmo processo, aliás com contornos em tudo idênticos à ação tramitada no Apenso BX, encontra-se inserido na parte da fundamentação do despacho recorrido, e corresponde a obter dictum do mesmo, e assim deve ser entendido. Nada mais há dizer quanto a esse ponto. Em relação à também alegada violação do dever de obediência às decisões superiores por parte da 1.ª instância, imposta pelos artigos 152.º, n.º 1, do CPC, 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (LOSJ), é patente que tendo o despacho recorrido ressalvado que a suspensão da instância e os atos a realizar nesse entretanto não contendem com o decidido superiormente, como, aliás, referiu quando escreveu «(…) sem prejuízo do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa», acautelando, desde logo, a tramitação a seguir nos termos determinados superiormente, adaptados ao resultado que advenha da sentença de graduação e verificação de créditos e do consequente rateio parcial, não existe, pois, a violação do referido dever de obediência. Nestes termos, também improcedem as conclusões E e F das alegações. 3. Suspensão da instância Nas restantes alegações do recurso, a apelante coloca a vexata quaestio que a decisão recorrida suscita, que se traduz na admissibilidade, ou não, da suspensão da instância no processo de insolvência e respetivos apensos, por aplicação subsidiária do regime processual civil, sem que se possa olvidar na apreciação desta questão, uma outra vertente, que é a dos poderes-deveres que impendem sobre qualquer juiz, incluindo sobre o juiz do processo de insolvência, em termos de gestão e adequação processual quando a mesma implique a referida suspensão da instância do processo de insolvência ou de qualquer dos seus apensos em contraciclo com uma leitura mais literal ou formalista do artigo 8.º do CIRE. Tudo isto tendo como pano de fundo a natureza e finalidade do processo de insolvência (artigo 1.º do CIRE) e o caráter urgente do mesmo e de todos os incidentes, apensos e recursos, como refere o artigo 9.º do CIRE. Vejamos, então. O processo de insolvência é um processo especial e é caracterizado pelo artigo 1.º do CIRE como «um processo de execução universal», que visa a satisfação do interesse dos credores. Porém, a sua estruturação assenta numa sequência de atos e fases de carácter executivo, mas igualmente em fases e incidentes de natureza declarativa, como sucede com a fase da declaração de insolvência, com os embargos opostos à sentença, com os incidentes de qualificação e com a verificação e graduação de créditos. Por outro lado, por via do artigo 85.º do CIRE podem vir a ser apensadas ao processo de insolvência ações de natureza declarativa onde se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente ou que possam influenciar o seu valor, como sucede no caso em apreço (Apenso BX). Como processo especial que é, cada uma das fases e atos em causa, regem-se, em primeiro lugar, pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns e só naquilo que não estiver regulado numa e noutras, então, aplica-se o que se acha estabelecido subsidiariamente para os processos comuns declarativos ou executivos, conforme os casos (artigos 549.º, n.º 1, e 551.º, n.º 4, do CPC), e, ainda, assim, com os limites previstos na parte final do artigo 17.º do CIRE, ou seja, não podem as normas aplicadas contrariarem as disposições do CIRE. Por outro lado, o caráter universal e auto suficiente do processo de insolvência influencia a configuração da tramitação deste processo, incidentes, apensos e recursos, mormente, no que ora releva para o presente recurso, quanto à suspensão da instância e prejudicialidade a que se reporta o artigo 8.º do CIRE. Do artigo 8.º, n.º 1, do CIRE, resulta que a regra é a não suspensão do processo de insolvência; a exceção a suspensão («1. A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, exceto nos casos expressamente previstos neste Código.»). As ressalvas encontram-se nos n.ºs 2, e 4 do artigo 8.º (coexistência de processos de insolvência em relação ao mesmo devedor) e noutras normas do CIRE que regulam várias matérias, como sejam as da alínea b) do artigo 10.º (falecimento do devedor), artigo 255.º (apresentação de um plano de pagamentos pelo devedor não empresário ou titular de pequena empresa), alínea b) do n.º 3 do artigo 264.º (apresentação à insolvência do devedor noutro processo instaurado contra o seu cônjuge) e artigo 17.º-E (início de negociações no âmbito do processo especial de revitalização). Assim, numa leitura literal e formal do artigo 8.º do CIRE poderíamos ponderar pela não suspensão da instância, arredando a aplicação subsidiária do artigo 17.º do CIRE ao caso dos autos. Sucede, porém, que a interpretação jurídica não se basta com o elemento literal (embora seja sempre um princípio e um limite da interpretação), impondo que se atenda a outros elementos, como seja, o elemento racional ou teleológico que apela à razão de ser da norma ou ratio legis, isto é, ao fim visado com a norma nas soluções que tem em vista e pretende realizar (artigo 9.º do Código Civil). Não se afigura questionável que todo o complexo normativo inserto no CIRE tenha como finalidade última a defesa do interesse de todos os credores em ordem à máxima satisfação dos seus créditos, se possível através de um plano de insolvência, ou se não o for, através da liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores (artigo 1.º do CIRE). A natureza urgente alargada a todo o universo processual insolvencial e o referido caráter universal e auto suficiente são instrumentos dessa finalidade última. A maximização e otimização dos atos processuais devem-na ter sempre em conta. A tramitação processual é um instrumento e não um fim em si mesmo. Tem de estar ao serviço da finalidade que visa o processo. E é nesse campo que não pode ser arredado do processo de insolvência e dos seus apensos o poder-dever imposto atualmente ao juiz relacionado com a gestão processual e adequação processual expressamente previsto nos artigos 6.º e 547.º do CPC, aplicáveis inexoravelmente ao universo procedimental da insolvência por via do disposto no artigo 17.º do CIRE. O despacho recorrido, ciente das implicações processuais decorrentes do cumprimento do Acórdão de 30-06-2020, como é referido no segundo parágrafo do mesmo, e ciente também que a «utilidade, ainda que residual da apreciação de tal pedido» (o formulado na ação), «dependerá sempre do que sobejar das forças da massa, após o pagamento dos créditos com preferência no pagamento sobre os créditos comuns» e que «atendendo à atual composição da massa insolvente, tal utilidade ainda não se manifesta», sem descurar a legítima expetativa da massa insolvente e dos credores verem a sua pretensão julgada e apreciada, apresenta como perfeitamente razoável que a resolução da controvérsia em causa na ação comum seja decidida «mas num quadro em que esteja garantida a utilidade do pedido, designadamente, na certeza de que pagos os credores privilegiados a massa tem disponibilidade para pagar rateadamente aos credores comuns, sob pena de estar o tribunal a afetar meios e recursos em causas que, não obstante legítimas, revelar-se-ão a final inúteis.». Tudo isto aliado à longa pendência dos autos, à existência de centenas de credores, a maior parte deles trabalhadores, que ainda nada receberam, à complexidade dos autos e inevitável demora na análise e decisões a proferir, afigura-se adequado e proporcional aos interesses em jogo e à boa gestão e adequação processual que o tribunal a quo conclua, como concluiu, que «Neste contexto, é urgente que o processo flua para a fase de pagamentos, sendo necessário para tal tramitar e julgar o apenso de reclamação de créditos (…), e que «Após o trânsito em julgado da sentença a proferir no apenso de reclamação de créditos, impor-se-á efetuar no processo principal um rateio parcial para pagamento aos credores privilegiados e/ou garantidos nos termos dos artigos 173.º, 174.º, 175.º e 178.º, todos do CIRE.» Tendo o tribunal a quo concretizado o iter processual a seguir consoante o resultado da liquidação nos termos em que o fez, ou seja, «Concretizado o rateio parcial, será possível prever de acordo com o estado da liquidação à data, se a massa insolvente tem ou não meios para pagar os créditos comuns que aqui se discutem e na afirmativa, prosseguir de imediato com os presentes autos e, na negativa, questionar com critérios de atualidade por causa superveniente, o interesse em agir da massa insolvente» acrescentando que «A ocorrência do rateio parcial e saldo remanescente da disponibilidade da massa insolvente afigura-se prejudicial.”», a suspensão da instância nos termos decretados revela acerto, correta ponderação e aplicação dos poderes-deveres de gestão processual em prol da finalidade última do processo de insolvência, pelo que, no caso em apreço, se justifica plenamente que se acomode ao caso, a postergação de uma leitura mais formal e literal do artigo 8.º, n.º 1, do CIRE, e, por via da aplicação subsidiária do artigo 17.º do CIRE, se aplique o disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC. Sublinhando-se que a fundamentação do decidido, assenta, pois, a nosso ver, não na relação de prejudicialidade entre a ação e a decisão de verificação e graduação de créditos, mas antes da utilidade que advirá para o prosseguimento da mesma nos termos ordenados superiormente, em face da satisfação de interesse do coletivo dos credores que a massa insolvente representa, através do rateio parcial, sendo esse o real motivo que justifica a suspensão da instância nos termos do artigo 272.º, n.º 1, parte final, do CPC. Finalmente, importa referir que no contexto e com os pressupostos que presidiram à prolação do despacho recorrido, acima explicitados, não ocorre violação do direito da apelante à tutela jurisdicional efetiva, que não lhe foi negada, mas apenas postergada para momento ulterior, no termos ainda a concretizar em face do decidido na 2.ª instância, tendo em vista a composição equilibrada e ponderada dos interesses em conflito, a par dos princípios da celeridade e urgência caraterísticos deste tipo de processos, mas também de economia processual e proibição da prática de atos inúteis. Não se encontram, pois, violados quaisquer dos normativos indicados pela apelante na parte final das conclusões de recurso, improcedendo as mesmas na sua totalidade. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 22-06-2021 Maria Adelaide Domingos Fátima Reis Silva Amélia Sofia Rebelo [1] Que veio a ser apensada ao processo de insolvência da E…, SA tramitada sob o Apenso BX, o qual veio dar origem ao presente recurso de apelação em separado tramitado como Apenso CT. |