Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA CULPOSA TEMPESTIVIDADE DO INCIDENTE CONSTITUCIONALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.Tendo a sentença declaratória da insolvência dado apenas cumprimento ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1, do art.º 36º, do CIRE, por o Sr. Juiz ter concluído que o património da devedora não era presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não tendo qualquer interessado pedido, no prazo de 5 dias que a sentença fosse complementada com as demais menções (art.º 39º, n.º 2, al. a), o incidente de qualificação da insolvência, a ser deduzido, teria carácter limitado – art.º 191º, n.º 1, al. a) do CIRE. 2. Consequentemente, o prazo para qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é nestes casos de 45 dias contados desde a data da sentença de declaração da insolvência e não o prazo de 15 dias a contar da apresentação do relatório (n.º 1 do art.º 188º do CIRE). 3. A interpretação do disposto no art.º 188º, n.º 1, do CIRE, segundo a qual o aludido prazo se conta desde essa apresentação e não desde a notificação do relatório não afronta o disposto no art.º 20º da Constituição. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa: I. A requerimento deduzido por F… dia 1/04/2022, por sentença, transitada em julgado dia 12/07/2022, datada de 22/06/2022, foi declarada a insolvência de R., LDA. Na p.i. a requerente sustentou encontrar-se a requerida insolvente e requereu a qualificação da insolvência como culposa, tendo para este efeito alegado o seguinte: B. DA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA COMO CULPOSA E DA CONSEQUENTE RESPONSABILIDADE PESSOAL DO GERENTE 96º Nos termos do artigo 185.º do CIRE, a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita. 97º Como dispõe o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, “[a] insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”. 98º Vindo, de seguida, a alínea a), do n.º 3, do referido preceito legal presumir a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido, nomeadamente, o dever de requerer a declaração de insolvência. 99º Como já referido, a Requerente é credora da Requerida, não tendo esta, porém, património para a realização do pagamento do valor devido. 100º Assim, a Requerida estava obrigada, nos termos do artigo 18.º do CIRE, a requerer a sua declaração de insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento dessa mesma situação. 101º Por todo o supra exposto, o Gerente da Requerida tinha conhecimento da situação de insolvência que a empresa atravessa há mais de 30 (trinta) dias e nada fez. 102º Acresce que, conforme demonstrado supra, a Requerida não tem vindo a aprovar as contas anuais, como é seu dever. 103º Nem tem vindo a proceder ao registo comercial das mesmas, como é sua obrigação. 104º Tendo as últimas demonstrações financeiras registadas sido por referência ao exercício de 2018, conforme supra descrito. 105º Assim, nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 186.º, do CIRE, presume-se também a existência de culpa grave quando a gerência, de direito ou de facto, do devedor pessoa coletiva tenha incumprido “a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial”. 106º Ora, conforme descrito, verifica-se, pelo menos, que as contas anuais da Requerida dos anos de 2019 e 2020 não foram depositadas na conservatória do registo comercial. Para mais, 107º O artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CIRE, considera sempre culposa a insolvência do devedor quando este tenha “[d]estruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”. 108º Como já antes referido, a Requerida não é, à data de hoje (e contrariamente ao que acontecia no passado), proprietária de qualquer património - o que é, por si só, um forte indício de que o Gerente terá feito desaparecer o património antes existente. Face a todo o supra exposto, 109º Pelo forte indício de o Gerente da Requerida ter feito desaparecer o património da Requerida (cfr. art.º 186.º, n.º 2, a), do CIRE); 110º Por o Gerente ter incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência (cfr. art.º 186.º, n.º 3, a), do CIRE); 111º Por o Gerente ter incumprido a obrigação de depositar as contas anuais de 2019 e de 2020 na Conservatória do Registo Comercial (cfr. art.º 186.º, n.º 3, b), do CIRE); 112º É inegável encontrar-se verificada a existência de culpa grave na actuação do Gerente da Requerida na situação de insolvência. 113º Devendo, assim, a presente insolvência ser qualificada como culposa com todas as consequências legais que daí advêm. Nestes termos e nos mais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, requer-se que: a) Seja declarada a insolvência da Requerida; e b) Seja qualificada essa insolvência como culposa, com todas as consequências legais que daí advêm. Na sentença declaratória da insolvência, decidiu-se: a) declarar a insolvência de R., LDA (…) b) fixar a residência ao gerente da insolvente: - JT, contribuinte fiscal n.º …, na …. (nos termos do disposto no art.º 36.º n.º 1, al. c), do C.I.R.E.); c) nomear o Dr. …, com escritório na Rua …, para administrador da insolvência (art.º 2.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de julho): d) inexistindo indícios de que possa ser culposa a presente insolvência, não declaro aberto o incidente de qualificação da insolvência – cf. art.º 36.º, al. i), do C.I.R.E.; e) nos termos do disposto no art.º 39.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E., advertir todos os interessados de que podem pedir, no prazo de 5 dias, que a presente sentença seja complementada com as demais menções do art.º 36.º do C.I.R.E., mediante o depósito, à ordem do tribunal, do montante que o juiz entenda necessário para garantir o pagamento das custas e dívidas da massa insolvente ou caução desse pagamento – art.º 39.º, n.º 3, do mesmo diploma. Consta, além do mais, dessa sentença a seguinte fundamentação: “Considerando que na execução intentada pela requerente não foram encontrados bens penhoráveis, é presumível a insuficiência de bens para garantia e satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente, pelo que na declaração de insolvência será dado apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do mesmo Código, nos termos do artigo 39.º do mesmo diploma. ** § Do Incidente de qualificação da insolvência Na medida em que os autos não dispõem de elementos que justifiquem a abertura deste incidente, com carácter pleno ou limitado, designadamente com vista à formulação de um juízo de culpabilidade do apresentante na situação de insolvência, considerando além do mais que os factos alegados não revelam a existência de nexo causal entre a conduta imputada à requerida e seus administradores e a situação de insolvência verificada, nada há a ordenar nos termos do art.º 36.º, alínea h) do C.I.R.E.”. No dia 29/07/2022 o administrador da insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art.º 155º do CIRE, no qual refere que “face aos factos conhecidos até ao momento, o AJI não se encontra em condições de qualificar a insolvência como culposa. A sócia, o gerente e o CC, não prestaram qualquer colaboração”. O AI juntou na mesma data um documento relativo ao envio de um e-mail ao ilustre mandatário subscritor da p.i., notificando-o do relatório em referência. Por requerimento de 23/08/2022, a requerente veio requerer “a abertura de incidente pleno de qualificação da insolvência, sendo a mesma qualificada como culposa com todas as consequências legais que daí advém, nomeadamente com afectação do gerente único da Requerida e Insolvente, JT, nomeadamente para os efeitos contidos no art.º 189.º, n.º 2, al. e) do CIRE, com condenação no pagamento à Requerente de indemnização em montante equivalente ao crédito desta sobre a Requerida/Insolvente, sem prejuízo de outros efeitos que o douto tribunal considere aplicáveis.” No dia 11/11/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Em 23.08.2022, a credora F… veio apresentar alegações, propugnando no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa. Cumpre apreciar e decidir. Na sentença que declarou a insolvência, não foi declarado aberto o incidente de qualificação. Nos termos do n.º 1 do artigo 188.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação. O requerimento pode ser apresentado até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, ou no caso de dispensa da realização destas, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º do mesmo diploma. No caso vertente, na sentença foi dispensada a realização de assembleia de apreciação do relatório e nenhum interessado veio requerer, no prazo legal, a convocação de assembleia de credores. O Administrador da Insolvência juntou o relatório em 29.07.2022. O prazo de 15 dias previsto no artigo 188.º, n.º 1 do mesmo diploma iniciou-se em 30.07.2022 e terminou no dia 15.08.2022 (uma vez que 13.08.2022 foi um sábado). Dado o carácter facultativo do incidente de qualificação da insolvência (é aberto quando o juiz assim o decida, nomeadamente em sede de sentença de declaração de insolvência, ou quando, no prazo previsto para o efeito, interessados ou o Administrador da Insolvência vêm apresentar alegações no sentido da qualificação da insolvência como culposa), o decurso do prazo previsto no citado artigo 188.º, n.º 1 extingue o direito de praticar o ato, ou seja, de apresentar alegações e despoletar a apreciação do juiz – artigo 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Ora, tendo o requerimento do credor sido apresentado em 23.08.2022, o mesmo é manifestamente extemporâneo e, consequentemente, não dará lugar à apreciação dos respetivos factos alegados para o efeito de decisão de abertura do respetivo incidente. Pelo exposto, por o requerimento do credor F… ser extemporâneo, não se declara aberto o incidente de qualificação da insolvência de R., LDA.. Sem custas. Notifique. * O processo de insolvência já se encontra encerrado. Assim, inexistindo nos autos elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara-se expressamente o carácter fortuito da presente insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 6 do C.I.R.E”. Inconformada com o assim decidido, veio a requerente interpor recurso de apelação, tendo apresentado alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto do despacho do douto tribunal datado de 11-11-2022 e com a ref.ª 420377733 e da decisão nele contida que: considera extemporâneo o requerimento para abertura de incidente de qualificação da insolvência apresentado pela Requerente; não declara aberto o incidente de qualificação da insolvência da Requerida/Insolvente R., Lda.; e que declara expressamente o carácter fortuito da presente insolvência ao abrigo do disposto no art.º 233.º, n.º 6 do CIRE; 2. Já na petição inicial de 01-04-2022 e com a ref.ª CITIUS 32173410, a Apelante, para além de requerer a declaração de insolvência da Requerida e Insolvente R., Lda., veio também alegar factos, argumentos de direito e juntar documentos para qualificação da insolvência com culposa e com consequente responsabilização pessoal do gerente (cfr. artigos 96.º a 113.º da p.i), peticionando expressamente 2 coisas, a final: a declaração da insolvência da Requerida e a qualificação dessa insolvência como culposa, com todas as consequências legais que daí advêm; 3. No dia 29-07-2022, o Administrador de Insolvência apresenta, via CITIUS (peça processual com a ref.ª CITIUS 33258196) o seu Relatório previsto no art.º 155.º do CIRE, o qual não foi notificado à Apelante via CITIUS; 4. Nesse Relatório, o Administrador de Insolvência refere expressamente que “face aos factos conhecidos até este momento, o AJI não se encontra em condições de qualificar a insolvência como culposa” e que “[a] sócia, o gerente, e o CC, não prestaram qualquer colaboração.”; 5. Assim que tomou conhecimento do relatório do Administrador de Insolvência supra, por consulta fortuita dos autos na plataforma CITIUS, a Apelante apresentou o seu requerimento de 23-08-2022 com a ref.ª CITIUS 33400476, o qual deu origem ao apenso de Incidente de qualificação de insolvência (apenso B) dos presentes autos; 6. Nesse requerimento de 23-08-2022, a Apelante exerce o contraditório sobre o conteúdo do relatório de 29-07-2022 do Sr. Administrador de Insolvência, nomeadamente sobre a manifesta situação de insolvência da Requerida (por oposição ao referido relatório, onde o Sr. Administrador de Insolvência “considera que a sociedade, contabilisticamente, não se encontra em situação de falência, por ter capitais próprios positivos e excedendo o seu capital social”) e sobre a qualificação da insolvência como culposa (também por oposição ao referido relatório, onde o Sr. Administrador de Insolvência considera não se encontrar em condições de qualificar a insolvência como culposa), peticionando, a final, que “seja aberto incidente pleno de qualificação da insolvência, sendo a mesma qualificada como culposa com todas as consequências legais que daí advêm, nomeadamente com afectação do gerente único da Requerida e Insolvente, JT, nomeadamente para os efeitos contidos no art.º 189.º, n.º 2, al. e) do CIRE, com condenação no pagamento à Requerente de indemnização em montante equivalente ao crédito desta sobre a Requerida/Insolvente, sem prejuízo de outros efeitos que o douto tribunal considere aplicáveis”; 7. Por despacho datado de 11-11-2022 e com a ref.ª 420377733, proferido no apenso B (apenso de incidente de qualificação da insolvência), decidiu o douto tribunal nos termos citados no ponto 9 do Capítulo I deste recurso, supra, onde, em suma: se julga extemporâneo o requerimento para abertura de incidente de qualificação da insolvência apresentado pela Requerente; não se declara aberto o incidente de qualificação da insolvência da Requerida/insolvente R., Lda.; e que declara expressamente o carácter fortuito da presente insolvência, ao abrigo do disposto no art.º 233.º, n.º 6 do CIRE; 8. A Apelante não concorda com tal decisão; 9. Refere o tribunal a quo que, em caso de dispensa da assembleia de apreciação do relatório do Administrador de Insolvência e nos termos do artigo 118.º, n.º 1 do CIRE, qualquer interessado tem até 15 dias após a junção aos autos desse relatório para alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, 10. Alega o tribunal a quo que, tendo o relatório sido junto aos autos em 29.07.2022, o prazo de 15 dias terminou no dia 15.08.2022, pelo que o requerimento da Apelante seria alegadamente extemporâneo, por apenas ter sido apresentado em 23.08.2022; 11. Com o devido respeito pelo tribunal a quo, tal decisão não se encontra correcta, pois não tem em conta duas circunstâncias essenciais: primeira, que o relatório do Administrador de Insolvência não foi notificado à Apelante; segunda, que a Apelante já havia requerido na sua petição inicial de declaração de insolvência a qualificação da insolvência como culposa, com todas as consequências legais daí advenientes; 12. A Apelante só tomou conhecimento da junção desse relatório aos autos aquando da consulta fortuita dos mesmos, conforme referido no artigo 1.º do seu requerimento de 23.08.2022; 13. Os actos processuais – principalmente aqueles que relevam para a contagem de outros prazos processuais para actos a praticar pelas partes – têm necessariamente de ser notificados às partes, sob pena de ineficácia desse acto processual - in casu o relatório do Administrador de Insolvência junto aos autos a 29.07.2022 – relativamente à parte que dele não foi notificado; 14. A notificação das partes em sede de processo de insolvência encontra-se prevista no art.º 9.º, n.º 2 do CIRE; 15. O artigo 188.º, n.º 1 do CIRE prevê um sistema legal de prazos sucessivos, já que o prazo limite de 15 dias para o administrador de insolvência ou qualquer interessado poder requerer o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação conta-se após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta (como nos presentes autos), após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º do CIRE; 16. O art.º 155.º, n.º 3 do CIRE dispõe que “[o] relatório e seus anexos deverão ser juntos aos autos pelo menos oito dias antes da data da assembleia de apreciação do relatório”; 17. Não havendo lugar à assembleia de apreciação do relatório nos presentes autos, o prazo de apresentação do relatório pelo Administrador de Insolvência passou, assim, a ser um prazo incerto e imprevisível, já que deixa de existir um termo específico para este apresentar o relatório; 18. Em consequência, só com a apresentação desse relatório – rectius, com a notificação às partes da junção desse relatório - é que é possível às partes conhecer o início e termo do prazo de 15 dias de que o administrador de insolvência ou qualquer interessado dispõem para requerer o que tiverem por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, previsto no artigo 188.º, n.º 1 do CIRE; 19. A Apelante nunca foi notificada da junção aos autos do relatório do Administrador de Insolvência, pelo que essa junção não produziu efeitos perante aquela, nomeadamente para fins de cálculo do referido prazo de 15 dias; 20. Como se disse, a Apelante só tomou conhecimento fortuito da junção desse relatório porque, por acaso, consultou espontaneamente os autos, verificando essa junção; 21. A Apelante apresentou o requerimento de 23.08.2022 logo na sequência do referido no ponto supra; 22. A contagem do prazo de 15 dias previsto no art.º 188.º, n.º 1 do CIRE jamais começou a correr, já que, até hoje, a Apelante ainda não foi notificada da junção aos autos do relatório do Administrador de Insolvência; 23. Assim, resulta claro que o requerimento de 23.08.2022 foi apresentado tempestivamente; 24. A falta de notificação do relatório do Administrador de Insolvência à Apelante é uma nulidade processual por violação do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CIRE, nulidade essa que aqui se argui para todos os efeitos legais; 25. Num caso semelhante de prazos sucessivos cuja contagem se encontra dependente de um acto do administrador de insolvência não notificado às partes, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão datado de 03-03-2022 (citado e identificado nas alegações supra), já decidiu que tal torna a data de início do prazo incerta e imprevisível, cuja falta de notificação colide com a garantia constitucional de um processo equitativo, sendo que o prazo só contar-se-á do momento em que o acto se tornou passível de ser efectivamente conhecido pela parte em causa; 26. Resta claro que o requerimento da Apelante de 23.08.2022 é tempestivo, já que foi apresentado logo após esta ter tomado conhecimento, por si, da junção aos autos do relatório do Administrador de Insolvência, que até hoje ainda não lhe foi notificado; 27. A decisão sob recurso é ilegal e inconstitucional por considerar que decorreu o prazo de 15 dias previsto no artigo 188.º, n.º 1 do CIRE, indicando que o mesmo se iniciou por referência a um acto (relatório do Administrador de Insolvência previsto no artigo 155.º do CIRE) não notificado às partes, in casu , à Apelante, violando a decisão o art.º 9.º, n.º 2 e o art.º 188.º, n.º 1 do CIRE, para além do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, tratando-se de uma decisão ilegal e inconstitucional, o que se invoca para todos os efeitos legais; 28. Ainda que o requerimento de 23.08.2022 fosse intempestivo – o que não sucede e apenas se refere a título meramente académico -, também não assistiria razão à decisão sub judice, uma vez que, logo na petição inicial, a Apelante requereu a “Qualificação da Insolvência Como Culposa E [A] Consequente Responsabilidade Pessoal do Gerente”; 29. Tal resulta de forma clara da leitura dos artigos 96.º a 113.º da petição inicial, onde se termina com dois pedidos expressos: a declaração da insolvência da Requerida; e a qualificação dessa insolvência como culposa, com todas as consequências legais que daí advêm; 30. O requerimento de 23.08.2022 reitera, em grande medida, o que já havia sido alegado e comprovado em sede de petição inicial; 31. Destarte, se a Apelante apresenta a 01.04.2022 petição inicial onde requer a qualificação da insolvência como culposa, com todas as consequências legais que daí advêm, está por demais demonstrado que esse pedido de abertura de incidente de qualificação de insolvência com vista à qualificação da mesma como culposa foi apresentado tempestivamente, já que foi deduzido logo com a propositura do processo de insolvência e não apenas com o requerimento de 23.08.2022 que, ainda assim, é tempestivo, como vimos; 32. Assim, mal andou o tribunal a quo ao julgar o requerimento de 23.08.2022 intempestivo e ao não declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência da Requerida; 33. Da mesma forma, mal andou o tribunal a quo ao declarar expressamente o carácter fortuito da insolvência por alegada inexistência nos autos de elementos que justifiquem a abertura do respectivo incidente de qualificação, ao abrigo do disposto no art.º 233.º, n.º 6 do CIRE; 34. Na decisão de encerramento do processo de insolvência prevista no artigo 230.º do CIRE, o juiz só deve declarar expressamente o carácter fortuito da insolvência se não dispuser de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência; 35. O tribunal a quo dispõe de elementos que justificam a abertura do incidente de qualificação da insolvência, nomeadamente os que constam da petição inicial e do requerimento da Apelante de 23.08.2022, os quais são tempestivos e onde se alegaram os factos e argumentação jurídica e se juntou a prova de que a conduta da Requerida/insolvente se subsume no conceito de insolvência culposa; 36. Assim, violou o tribunal a quo o artigo 233.º, n.º 6 do CIRE, por o mesmo não ter aplicação nos presentes autos; 37. Em conclusão, a decisão sob recurso deve ser revogada e substituída por outra que declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, com a prolação, a final, da sentença de qualificação da insolvência prevista no artigo 189.º do CIRE. Nestes termos e nos demais de direito que V/Exas doutamente suprirão, vem a Apelante requerer a revogação do despacho do douto tribunal a quo datado de 11-11-2022 e com a ref.ª 420377733 e a sua substituição por outro que julgue tempestivo o pedido da Apelante de qualificação da insolvência como culposa e, em consequência, declare aberto o incidente de qualificação da insolvência e expressamente proferindo a final a sentença de qualificação da insolvência prevista no artigo 189.º do CIRE. O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1º - Não foi violada qualquer disposição legal. 2º - Inexiste qualquer motivo para ser concedida razão à recorrente, pelo que deve a douta decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso. Face a todo o exposto, a sentença recorrida deverá ser mantida, nos seus precisos termos, sendo o recurso ora interposto considerando improcedente. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II. As questões a apreciar e decidir consistem em saber: - se a credora/apelante dispunha do prazo de 15 a que alude o art.º 188º, n.º1, do CIRE, para a dedução de requerimento de abertura de incidente de qualificação da insolvência como culposa ou do prazo de 45 dias a contar da declaração da insolvência, a que se reporta o art.º 191º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma; - se, a aplicar-se o 1º dos aludidos prazos, o mesmo se conta desde a apresentação do relatório a que alude o art.º 155º do CIRE ou desde a sua notificação ao interessado; - se a interpretação das normas legais no sentido de que esse prazo se conta desde a apresentação do aludido relatório, viola o art.º 20º da Constituição; - se, no caso, o incidente de qualificação de insolvência como culposa foi deduzido tempestivamente, por na p.i. ter sido formulado tal pedido; - se o tribunal dispunha de elementos para a abertura do incidente de qualificação da insolvência, nomeadamente os que constam da petição inicial e do requerimento de 23.08.2022, tendo a decisão recorrida violado o disposto no art.º 233º, n.º 6, do CIRE. * III. Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede. * IV. Do mérito do recurso: Na decisão recorrida julgou-se extemporâneo o pedido de abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa formulado pela requerente/apelante, por ter sido deduzido após o decurso do prazo de 15 dias previsto no art.º 188º, n.º 1, do CIRE, a contar da data da apresentação do relatório a que alude o art.º 155º do mesmo diploma, dado ter sido dispensada a realização da assembleia de credores. Dissentindo, a apelante começa por sustentar que o citado art.º 188º, n.º 1, deve ser interpretado no sentido de que o aludido prazo de 15 dias se conta a partir da notificação daquele relatório, sob pena de violação do art.º 20º da CRP. Vejamos. No caso em apreciação a sentença declaratória da insolvência deu apenas cumprimento ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1, do art.º 36º, do CIRE, por o Sr. Juiz ter concluído que o património da devedora não era presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente – art.º 39º, n.º 1, do mesmo diploma. E não tendo qualquer interessado pedido, no prazo de 5 dias que a sentença fosse complementada com as demais menções (art.º 39º, n.º 2, al. a), o incidente de qualificação da insolvência, a ser deduzido, teria carácter limitado – art.º 191º, n.º 1, al. a) do CIRE. Consequentemente, ao contrário do referenciado na decisão recorrida e do propugnado nas conclusões recursivas, o prazo para qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é nestes casos de 45 dias contados desde a data da sentença de declaração da insolvência e não o prazo de 15 dias a contar da apresentação/notificação do relatório do art.º 155º do CIRE. Ora, tendo esta sentença sido proferida dia 22/06/2022, esse prazo de 45 dias terminou dia 8 de Agosto de 2022 (o dia 6 foi sábado). Ainda que assim se não entendesse, “ex abundanti”, alinham-se ainda as seguintes considerações: Dispõe o art.º 188º, n.ºs 1 a 4, do CIRE: 1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. 2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso. 3 - A prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º 4 - O juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas, e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º do Código de Processo Civil, e publicita a decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. A actual redacção deste artigo foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, a qual veio por termo a uma controvérsia sobre a natureza do prazo de 15 dias aí previsto para a dedução do incidente de qualificação da insolvência: se meramente ordenador (vide Ac. STJ de 13-07-2017 (João Camilo – Relator), se peremptório (Acs. da Relação de Coimbra de 10.03.2015, Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora) e da Relação de Guimarães de 25/02/2016 (Maria Cristina Cerdeira- relatora) e de 30 de Maio de 2018, José Fernando Cardoso Amaral-relator, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Face a essa redacção é indubitável que se trata de um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito à prática do acto. E, como assinala Catarina Serra (O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei n.º 9/2022, Julgar, n.º 48, pág. 15): “(…) a abertura do incidente passou a estar limitada a dois momentos/duas fases: a fase da declaração de insolvência, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura é visível logo de início, e a fase posterior à junção (e à eventual apreciação) do relatório a que se refere o art. 155º, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura apenas se torna visível mais tarde. (…) É razoável entender que a letra da lei, colocando a abertura do incidente nesta segunda fase na dependência da iniciativa dos interessados, reflecte a intenção do legislador de limitar, em geral, a abertura do incidente na estrita medida em que os interessados se movessem. Corresponde isto a uma clara privatização do incidente de qualificação de insolvência” - Catarina Serra, O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei n.º 9/2022, Julgar, n.º 48, pág. 15. Por outro lado, aquele prazo de 15 dias inicia-se, nos termos do n.º 1 do art.º 188º do CIRE, “após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º”. Assim, tal como se entendeu na decisão recorrida, tendo sido dispensada a realização da assembleia de credores, o prazo conta-se desde a apresentação desse relatório e não da sua notificação. Esta interpretação do disposto no art.º 188º do CIRE não afronta o disposto no art.º 20º da Constituição. Dispõe este artigo: Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. A Constituição garante assim a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos (n.º 1), através de um processo equitativo (n.º 4) e célere (n.º 5). Como se escreveu no Acórdão do T, Constitucional n.º 251/2017: «(…) o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.º 839/2013). No caso, a questão reconduz-se a saber se a fixação do prazo de 15 dias para a formulação de pedido de qualificação da insolvência como culposa traduz um condicionamento desproporcionado do exercício do direito de acção, nas situações, como a presente, em que o acto que marca o início desse prazo (a junção aos autos do relatório a que alude o art.º 155º do CIRE) não foi notificado ao requerente (credor). A resposta não poderá deixar de ser negativa. Efectivamente, como assinala o Ac. TC n.º 609/2013: “A celeridade processual constitui uma dimensão do direito de acesso aos tribunais (cfr. artigo 20.º, n.º 5, da Constituição República Portuguesa) e, nessa medida, deve estar presente na configuração de todo e qualquer processo judicial. Da própria previsão constitucional decorre que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante um processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma decisão em prazo razoável e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Também o direito de acesso aos tribunais se encontra, pois, sujeito a regras ou condicionamentos procedimentais e a prazos razoáveis de ação ou de recurso. Indispensável é que esses condicionamentos, designadamente ao nível dos prazos, não se revelem desnecessários, desadequados, irrazoáveis ou arbitrários, e que não diminuam a extensão e o alcance do conteúdo daquele direito fundamental. Relativamente ao regime normativo em presença cumpre notar, antes do mais, que a atribuição da natureza urgente atinge todo o incidente de qualificação da insolvência (…). Além disso, o reconhecimento da natureza urgente do processo implica, não apenas o encurtamento dos respetivos prazos, como também o seu processamento em período de férias e com prioridade sobre outros processos. Tendo em conta os interesses em presença, deve concluir-se que existem motivos atendíveis que justificam a urgência do processo. Como decorre do acima já consignado, todo este regime implementador da celeridade no procedimento de qualificação da insolvência encontra justificação bastante na finalidade visada pelo incidente em presença. Não faria sentido que o processado destinado a classificar a natureza da insolvência, como culposa ou meramente fortuita, pudesse arrastar-se no tempo, em prejuízo, desde logo, dos credores e do devedor, dada a implicação que a classificação da insolvência como culposa tem na própria estabilização do colégio de credores e delimitação dos créditos a solver. Mas, o arrastar do procedimento implicaria também prejuízos para as próprias pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa, as quais têm, naturalmente, interesse em ver a sua situação definida, dadas as consequências que podem sofrer ao nível da sua situação profissional. Acresce que o decurso do tempo corre contra a recolha e genuinidade da prova indispensável à qualificação da insolvência, para além de potenciar a dissipação do património garante do pagamento das dívidas. Ora, no processo de insolvência a necessidade de celeridade assume especial intensidade por se repercutir na esfera jurídico-económica de um universo de sujeitos tendencialmente elevado (os credores da insolvência) o que torna ainda mais premente a tomada de medidas urgentes. É o próprio regime especial do processo de insolvência que salvaguarda o interesse constitucionalmente tutelado consistente no direito à tutela jurisdicional efetiva dos vários sujeitos do processo, impondo ao legislador a adoção de procedimentos que, caracterizando-se pela celeridade e prioridade, possibilitem uma decisão em prazo razoável de modo a obter tutela efetiva, e em tempo útil, desses direitos.” São, pois, razões de celeridade que se encontram na base do estabelecimento do prazo de 15 dias para a dedução do incidente de qualificação da insolvência, a contar da junção aos autos do relatório a que alude o art.º 155º do CIRE e não da notificação aos interessados do teor desse relatório, impondo-se a estes o ónus de acompanhamento da marcha do processo, devendo, agindo com a diligência devida, estar atentos à sequência dos prazos, de molde a poderem deduzir, aquele incidente, em conformidade com o disposto no art.º 188º, n.º 1 do CIRE. De resto, assinale-se que os interessados também não são notificados do relatório nos casos em que é designada data para a realização da assembleia de apreciação do relatório, sendo apenas notificados da data dessa diligência. E que o prazo de 15 dias previsto no n.º 1 do art.º 188º constitui a regra nos prazos estabelecidos em matéria de recursos nos processos urgentes, como o é o de insolvência e seus apensos (art.ºs 9º, n.º 1, do CIRE e 638º, n.º 1, do CPC). E se porventura o credor tiver estado impedido, por razões não imputáveis a si ou aos seus mandatários, de consultar os autos e os actos nele praticados, sempre poderá invocar uma situação de justo impedimento. Assim, a fixação em 15 dias do prazo em análise, contado nos termos sobreditos, não se revela uma medida excessiva, desrazoável, desnecessária ou desproporcionada. Concluindo: No caso, quer se entenda que o requerimento de dedução do incidente de qualificação da insolvência teria de ser apresentado no prazo peremptório de 45 dias a contar da prolação da sentença declaratória da insolvência (este terminou dia 8/08/2022), quer se entenda que teria de ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da junção aos autos do relatório do art.º 155º (este terminou dia 16/08/2022, posto que dia 13/08 foi sábado e 15/08 foi feriado), não pode deixar de se concluir que quando no dia 23/08/2022 foi deduzido pela ora apelante aquele incidente já tinha decorrido qualquer um dos aludidos prazos. Deste modo, não tendo o requerimento a deduzir o incidente de qualificação da insolvência sido apresentado no prazo peremptório previsto na lei, extinguiu-se o direito da requerente de praticar o acto (art.º 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). Refira-se ainda que o facto de ter sido pedido, em sede de petição inicial, que fosse aberto o incidente de qualificação da insolvência, não releva para a abertura do mesmo, nos termos dos artigos 188º, nº 1, e 191º, n.º 1, al. a) do CIRE, face ao teor da sentença que declarou a insolvência, onde se decidiu não declarar “aberto o incidente de qualificação da insolvência – cf. art.º 36.º, al. i), do C.I.R.E – por se considerar inexistirem “indícios de que possa ser culposa a presente insolvência” – vide al. d) do dispositivo. E na respectiva fundamentação exarou-se que “os autos não dispõem de elementos que justifiquem a abertura deste incidente, com carácter pleno ou limitado, designadamente com vista à formulação de um juízo de culpabilidade do apresentante na situação de insolvência, considerando além do mais que os factos alegados não revelam a existência de nexo causal entre a conduta imputada à requerida e seus administradores e a situação de insolvência verificada”. Foi, pois, oportunamente apreciado o requerido em sede de p.i., pelo que, como frisa o MP nas contra-alegações, o requerimento efectuado em sede de petição inicial, não releva para a abertura do mesmo, nos termos dos citados normativos, face ao teor daquela sentença. Diz ainda a apelante que o tribunal a quo andou mal ao declarar expressamente o carácter fortuito da insolvência por alegada inexistência nos autos de elementos que justifiquem a abertura do respectivo incidente de qualificação, ao abrigo do disposto no art.º 233.º, n.º 6 do CIRE, posto que o tribunal dispunha de elementos que justificavam a abertura do incidente de qualificação da insolvência, nomeadamente os que constam da petição inicial e do requerimento de 23.08.2022. Quanto a esta argumentação, importa desde logo deixar claro que, dada a sua extemporaneidade, não pode considerar-se para este efeito o requerimento de 23/08/2022. Quanto ao vertido na p.i. em sede de qualificação da insolvência, já foi apreciado na sentença declaratória da insolvência, transitada em julgado, onde se considerou que “os factos alegados não revelam a existência de nexo causal entre a conduta imputada à requerida e seus administradores e a situação de insolvência verificada, nada há a ordenar nos termos do art.º 36.º, alínea h) do C.I.R.E.”. Consequentemente, não pode esta Relação reapreciar a questão de saber se o tribunal a quo deveria ter declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência como culposa na referida sentença, sendo que no relatório do administrador da insolvência, para além da referência à circunstância do gerente e do contabilista certificado não terem prestado qualquer colaboração, não foram referenciados factos novos. E, como decorre do disposto no art.º 186º, n.º 2, al. a) do CIRE, só o incumprimento reiterado da obrigação de colaboração constitui um facto que qualifica a insolvência como culposa. Ora, no caso, não se indicia a verificação de factos comprovativos dessa reiteração. Neste circunstancialismo, bem andou o Sr. Juiz em qualificar a insolvência como fortuita. Assim, pelos fundamentos expostos, improcede a apelação. Sumário: 1. Tendo a sentença declaratória da insolvência dado apenas cumprimento ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1, do art.º 36º, do CIRE, por o Sr. Juiz ter concluído que o património da devedora não era presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não tendo qualquer interessado pedido, no prazo de 5 dias que a sentença fosse complementada com as demais menções (art.º 39º, n.º 2, al. a), o incidente de qualificação da insolvência, a ser deduzido, teria carácter limitado – art.º 191º, n.º 1, al. a) do CIRE. 2. Consequentemente, o prazo para qualquer interessado alegar o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é nestes casos de 45 dias contados desde a data da sentença de declaração da insolvência e não o prazo de 15 dias a contar da apresentação do relatório (n.º 1 do art.º 188º do CIRE). 3. A interpretação do disposto no art.º 188º, n.º 1, do CIRE, segundo a qual o aludido prazo se conta desde essa apresentação e não desde a notificação do relatório não afronta o disposto no art.º 20º da Constituição. *** V. Decisão: Pelo acima exposto, decide-se: a. Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida; b. Custas do recurso pela apelante, enquanto parte vencida (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC); c. Notifique. Lisboa, 13 de Julho de 2023 Manuel Ribeiro Marques Pedro Brighton Teresa Sousa Henriques |