Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1816/2005-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I. O pagamento do trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos, ambos constitutivos do direito a que o trabalhador se arroga, sobre quem incide o ónus da prova:
- a prestação efectiva do trabalho suplementar;
- a determinação prévia e expressa da execução do trabalho suplementar pela entidade empregadora.
II. O Tribunal Constitucional decidiu, embora sem força obrigatória geral, no seu Ac. nº 635/99, proc. 1111/98 (DR. 2ª Série de 21.03.2000, que a norma do art. 6º nº 1 do DL 421/83 de 2.12 (art. 7º nº 4 da redacção dada pelo DL 398/91 de 16.10) é inconstitucional quando interpretada em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com o conhecimento do empregador e sem a sua oposição, por violação do art. 59º nº 1 al. a) e d) da CRP e dos princípios de justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito, que decorre dos art. 2º e 18º nº 2 da CRP.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

(A) , casado, veio propor a presente acção comum emergente de contrato de trabalho, contra:
Empresa Jornal da Madeira, Ldª , com sede na Rua Dr. Fernão de Ornelas, no Funchal, pedindo :
“A condenação da ré a pagar ao autor a quantia de 59.865,45, relativa ao trabalho suplementar prestado, acrescida de juros de mora, à taxa legal a partir da data da citação.”

Para o efeito alegou que entre autor e ré vigora, desde 1997, um contrato de trabalho ao abrigo do qual o autor foi Chefe de Redacção até 28.02.01 e a partir daí foi Sub-director até 13.2.02, auferindo por último a retribuição mensal de 834.992$00.
Ao autor competia-lhe a substituição do Director ou do anterior Sub-chefe de Redacção. E, nesses períodos, o autor tinha que executar as correspondentes tarefas à sua exclusiva responsabilidade. Aqueles gozavam férias em Julho e Agosto, e entre 1997 a 2001 o autor prestou trabalho em todos os dias desses meses, dado que nenhum deles se encontrava em serviço
De igual forma, o autor devia prestar trabalho nos dias feriados desses meses. Em nenhum dos casos lhe foi efectuado qualquer pagamento a esse título, nem lhe foi concedido o gozo futuro do trabalho prestado nesses dias que correspondiam ao seu descanso semanal e feriados.
Acresce que em 2001, foi também responsável por um "site" do Jornal, não gozando nesse período o dia de descanso. Concluiu que a ré lhe deve a quantia peticionada acrescida de juros de mora.

A ré contestou, alegando que a substituição de colegas nunca prejudicou as férias e folgas do autor assim como sempre recebeu a retribuição correspondente, sendo as férias dos dois trabalhadores referidos pelo autor alternadas e intercaladas, sem comprometerem as suas folgas, tal como é assegurado por um registo interno.
Também, o autor não prestou trabalho suplementar, nem foi responsável pelo "site" do Jornal da Madeira, tarefa desempenhada por outros jornalistas; e estando o autor isento de horário de trabalho, dispunha na empresa de total liberdade de acção, sem controlo de tempo pela réu.

O autor, a fls. 348, deduziu um aditamento ao pedido inicial relativo a diferenças salariais devidas desde 19 de Fevereiro de 2003, o qual foi admitido parcialmente, nos termos do despacho de fls.413

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“...em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção e condeno a Ré a pagar ao Autor as quantias que se apurarem em liquidação desta sentença quanto a retribuição do trabalho por ele prestado em dias de descanso e de feriado entre 1997 e 2001 inclusive e nos dias de descanso de 2001 em que desenvolveu o "Site" da Ré e quanto à diferença entre o valor da retribuição e o subsídio recebido da Segurança Social no período de "baixa" médica do Autor, ocorrido depois de 17 de Outubro de 2002 .
Absolvo a Ré do pedido adicional relativo à alegada diminuição de retribuição do autor”.

O autor, inconformado, interpôs recurso de Apelação, a fls. 573, na parte em que a ré foi absolvida do pedido de pagamento das diferenças salariais.

A ré, igualmente inconformada, interpôs recurso de Apelação a fls. 583.

O autor nas suas alegações de recurso formulou as a seguir transcritas

Conclusões

(...)


A ré nas suas alegações de recurso formulou as a seguir transcritas

(...)

Conclusões

(...)

Nas contra-alegações ré e autor pugnaram pela manutenção de parte das decisões respectivamente impugnadas.

O parecer do Exmº Procurador-geral-adjunto, a fls. 774, foi no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais


CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I As questões suscitadas nas conclusões dos recursos que delimitam os seus objectos, ao abrigo dos art.ºs 684, n.º3 e 690 n.º1 do CPC, são as seguintes :
O autor, na sua apelação, suscita o direito à manutenção da retribuição mensal que auferia como o Chefe de Redacção, no valor de 834.992$00.
A ré, na sua apelação, além de impugnar a matéria de facto, suscita o direito do autor ao pagamento das quantias reclamadas a título de trabalho suplementar e de diferença de valores entre a retribuição e o subsídio recebido pela Segurança Social, por situação de baixa médica.

II – Fundamentos de facto

(...)


III - Fundamentos de direito

Apelação do autor

O autor, sua apelação, suscita apenas o direito à manutenção da retribuição mensal que auferia como o Chefe de Redacção, no valor de 834.992$00.
Vejamos se lhe assiste razão.
Resultou provado que autor e ré, em 29.4.98, celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado donde consta, entre outras cláusulas que :
« PRIMEIRA - O segundo outorgante (entenda-se o A.) é contratado pela primeira para prestar trabalho como jornalista do IV Grupo, na sequência do contrato de trabalho a termo certo, celebrado anteriormente e no reconhecimento dos direitos adquiridos por aquele contrato
SEGUNDA - a) Pelo presente o primeiro (entenda-se a R.) mantém a nomeação do segundo como Chefe de Redacção do Jornal da Madeira.
b) A nomeação é feita em comissão de serviço e cessa por declaração unilateral da primeira. Em caso de cessação o segundo não goza do direito à indemnização
c) Neste caso, o segundo retoma as funções da sua categoria, mantendo a respectiva remuneração de Chefe de Redacção expressa na cláusula III Terceira, até que se efectue a correspondência de valores com a categoria de Jornalista de Grau IV, ou outra que o segundo venha a exercer.
TERCEIRA - O primeiro outorgante obriga-se a pagar ao segundo a remuneração mensal de Esc. 634.282$00, ajustável, anualmente, por acordo das partes enquanto perdurar a comissão de serviço de Chefe de Redacção.
..........
SEXTA - a) O local de trabalho é no Funchal.
b) O horário de trabalho é composto por período de diário de trabalho, de sete horas, com meia hora de descanso integrada, durante cinco dias, seguido de dois dias de folga, a prestar de acordo com a Regulamentação de Trabalho em vigor e o horário de trabalho afixado.
c) É acordada a isenção de horário de trabalho nos termos da Lei. A remuneração da isenção já está compreendida na retribuição sobredita. "
(sublinhado é nosso)
Em 30/11/2000, o autor cessou as suas funções de Chefe de Redacção e foi nomeado Sub-director do Jornal da Madeira, com efeitos a 1 de Dezembro de 2000 ( facto 34).
Mas, em 13.02.02, por sua iniciativa, demitiu-se destas funções e regressou à categoria de jornalista, agora, de grau V (facto 36).
Assim, por força da c) da cláusula segunda do contrato celebrado, o autor, ao regressar às funções de jornalista para as quais havia sido inicialmente contratado, tem direito a manter o vencimento correspondente ao de Chefe de Redacção até que se efectue a correspondência de valores com a retribuição da categoria de jornalista de grau V, que entretanto assumiu. Na altura da celebração do contrato a retribuição do Chefe de Redacção correspondia, face à sua cláusula terceira, à remuneração 634.282$00, ajustável anualmente, a qual incluía o subsídio de isenção de horário de trabalho ( cfr. clª sexta, al. c) ).
Na verdade, resulta da referida cláusula 2º, que apesar de se admitir, aquando da celebração do contrato, a possibilidade da cessação das funções de Chefe de Redacção por parte do autor, pretendia-se, no entanto, quando tal sucedesse salvaguardar-lhe aquela remuneração, assumindo-se o compromisso de não baixar a retribuição que este vencia naquela data, actualizada anualmente.
Afigura-se-nos assim que o autor tem direito ao vencimento actualizado correspondente à categoria de Chefe de Redacção a partir da altura em que cessou as funções de Sub-director, ou seja a partir de 14.2.002, até que o vencimento da categoria de jornalista de grau V atinja o valor da retribuição de Chefe de Redacção em 14.2.02.
Face ao exposto, procedem os fundamentos do autor no sentido de que tem direito ao valor de retribuição que corresponde à de Chefe de Redacção nos termos referidos.
Todavia, já não concordamos quanto ao valor que o autor lhe atribuiu, no montante de 834.992$00, pois que esse valor corresponde ao vencimento que autor auferiu enquanto exerceu as funções de Sub-director, acrescido do subsidio de isenção do horário de trabalho. ( factos n.2 e 32).
Como se justificou na sentença recorrida, e bem, tendo o autor, desde 13.02.02, cessado o exercício das funções de Sub-director e de Chefe de Redacção que, pelas características de coordenação e chefia, beneficiavam da atribuição de isenção de horário de trabalho, cessa igualmente o direito a auferir o respectivo subsídio, entendimento tem sido, aliás, pacífico na doutrina e jurisprudência, remetendo-se para as citações que a propósito são enunciadas na sentença recorrida, ver ainda Acórdão do STJ de 13.11.1996, in AD, 425 º- 684.
Deste modo, julgamos que o autor tem efectivamente direito, por força da CLª 2 do contrato celebrado coma ré, ao vencimento actualizado correspondente ao de Chefe de Redacção em 14.2.02, até que esse valor seja atingido pelo vencimento correspondente ao da categoria de jornalista do Grupo V, mas sem direito ao subsídio de isenção de horário de trabalho que lhe foi pago até 14.02.02.
Procede assim parcialmente o recurso interposto pelo autor, devendo a ré ser condenada no pagamento das diferenças salariais daí resultantes a liquidar em execução de sentença, por se desconhecer o montante actualizável do vencimento do Chefe de Redacção na referida data.

*
Apelação da ré

1ª questão - Impugnação da matéria de facto -
A ré veio impugnar a matéria de facto provada, alegando que nos termos do disposto nos artigos 690°-A e 712°, ambos do CPC, vide artigo 1°, n° 2, alínea a) do CPT, deve ser modificada a decisão de facto, eliminando-se da matéria tida por provada o constante sob os artigos 3° a 6°, 8° a 13°, 16° a 18° da p.i., sob os artigos 11° e 12° da resposta e sob o artigo 7° do aditamento ao pedido que deverão passar à matéria não provada, adicionando-se, correspondentemente à matéria provada os factos alegados nos artigos 9°, 11°, 15°, 16°, 27, 29°, 30°, 32°, 33°, 35°, 40°, 44°, 46°, 47°, 50°, 93° e 95° todos da contestação. Indicando para o efeito os depoimentos das testemunhas em que se baseou, bem como os documentos que juntou aos autos e que segundo ele pressupõem a alteração da matéria de facto .
Sobre a modificabilidade da decisão da matéria de facto pela Relação, dispõe o art. 712º do CPC,:
“ 1 - A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação :
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A a decisão com base neles proferida. (ex. vi art. 1º do CPT, n.º1)
Dispõe o referido art. 690- A do CPC , n.º1 , que :
“Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição :
a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados da recorrida.
n.º2 : No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente e, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n.º2 do art. 522-.
Resulta assim de tais dispositivos, para a parte que impugna a matéria de facto, o cumprimento de diversas regras processuais. Com efeito, todo o processo tem de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas, não podem deixar de ser consideradas como constituindo factores ou meios de segurança, quer para as partes quer para o próprio tribunal, como explicitamente refere o Tribunal Constitucional, no Ac. n°. 122/2002 do Trib. Const., de 14.3.2002: DR,11, de 29.5.2002, p. 10207).”
Incumbia, assim, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto : - A necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela, segmento, ou "ponto" ou "pontos" da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.
Na verdade, afigura-se a necessidade da individualização dos factos considerados incorrectamente julgados, a fim de se poderem descortinar os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pelo recorrente. Todavia, este não estruturou desta forma a sua impugnação à matéria de facto, já que de uma forma muito generalista impugnou todos os factos que foram dados como provados relativos à petição inicial, contrapondo que deviam ser considerados provados os por si alegados na sua contestação .
Efectivamente, não discriminou o recorrente quais os pontos da matéria de facto que considera viciados por erro de julgamento, já que a sua impugnação geral (ou, com mera remissão para os artigos da PI) não permite ao tribunal apreciar quais os pontos em concreto que são considerados indevidamente julgados, até porque os factos não foram considerados provados na versão alegada na petição inicial, um vez que na maior parte deles foi dada uma resposta restritiva, ou adicionando-se a eles elementos factuais que davam melhor concretização à matéria inicialmente alegada, tal como decorre do despacho de resposta à matéria de facto.
Deste modo, sendo a impugnação da ré tão maximalista é impossível a este tribunal perceber, concretamente, quais os pontos que tendo sido dados como provados a ré pretende que sejam não provados e quais os que pretende ver provados.
O Tribunal da Relação tem competência para alterar pontos da matéria de facto devidamente discriminados, conforme decorre dos dispositivos legais acima citados, mas não para fazer um novo julgamento.
Face ao exposto, ao abrigo do art. 690-A do CPC, indefere-se in limine a impugnação da matéria de facto.

2ª e 3ª questões - A ré suscita o direito do autor ao recebimento das quantias a título de trabalho suplementar e de diferença de valores entre a retribuição e o subsídio recebido pela Segurança Social, por situação de baixa médica.
Para o efeito, e quanto ao trabalho suplementar, alega a ré que o pagamento do trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos, ambos constitutivos do direito a que o trabalhador se arroga e, consequentemente, sobre quem, incide o ónus da prova: - a prestação efectiva do trabalho suplementar,:- e a determinação prévia e expressa de execução do trabalho suplementar pela entidade patronal. Ora, como o autor não logrou provar quer a prestação efectiva do trabalho suplementar nos dias que indica na p.i., quer a determinação prévia e expressa da execução do trabalho suplementar pela entidade patronal não tem direito ao seu pagamento .
Vejamos :
Primeiro requisito – prestação efectiva de trabalho suplementar -
Neste âmbito da recorrente carece de razão pois que da matéria de facto provada resulta claramente a prestação efectiva de trabalho suplementar em determinados dias de descanso semanal e feriados, tal como decorre dos factos provados nos pontos 7º a 14º da matéria de facto. Tal como se referiu na sentença recorrida, o art.º 2, n°1, do D.L. n° 421/83, de 2/12, dispõe que se considera trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho, estipulando a al. a) do n° 2, que não se compreende nesta noção o trabalho prestado por quem esteja isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho. No caso, o autor não se encontra abrangido por esta excepção, pois as retribuições que reclama respeitam a trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados.
Mas também os formulários que a ré alega serem necessários preencher e que o autor não fez, não podem ser impeditivos do pagamento desse trabalho, pois tal como se considerou na sentença recorrida, uma vez que sendo o autor elemento de chefia não estava sujeito às mesmas regras que os seus subordinados, tanto mais que beneficiava de isenção de horário de trabalho, não sendo pois com tal argumentação que a ré pode deixar de pagar o trabalho suplementar prestado pelo autor.
Segundo requisito - a determinação prévia e expressa de execução do trabalho suplementar pela entidade patronal -
Determina o art.º7, n.° 4, do D.L. n.° 421/83, de 2/12, com a redacção dada pelo D.L. n.° 398/91, de 16/10, a não exigibilidade do pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora.
Com efeito, não se provou que a ré tenha exigido ao autor, no período em causa, a prestação de trabalho suplementar mas provou-se, como decorre dos pontos 25 e 26, que a ré tinha conhecimento dos dias em que o Director-adjunto ou o Sub-chefe de redacção não se encontravam ao serviço e da necessidade de que o autor os substituísse.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento do Tribunal Constitucional que decidiu, embora sem força obrigatória geral, no seu Acórdão n.º 635/99, processo 1111/98( DR, II Série de 21.3.2000), que a norma do art. 6º- 1, do DL n.º 421/83, de 2/12, que se mantém no seu art. 7º, n.º4, é inconstitucional quando interpretada em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com o conhecimento do empregador e sem oposição, por violação do art. 59, n.º1, als. a) e d) da Constituição e dos princípios de justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito, que decorre dos art.s 2º e 18º-2 da Constituição da República Portuguesa. Ver, Acórdão do STJ de 16/5/2000, publicado na Col. Jur. do STJ, II, 267, e mais recentemente no Acórdão proferido na recurso de Revista n.º 578/05 de 28 de Setembro de 2005.
Segundo esta jurisprudência, aliás tradicional, como informa Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 1ª ed., p. 353, “ainda que não exista uma determinação prévia e expressa, o trabalho suplementar não pode deixar de ser remunerado, sob pena de se estar a fomentar a exploração de trabalho gratuito, apesar de necessário do ponto de vista objectivo da empresa ou implicando vantagem económica para aquela entidade.”
Deste modo, verificados os requisitos para o pagamento do trabalho suplementar prestado pelo autor, confirma-se ser devido o seu pagamento, em dias de descanso e de feriados, entre 1997 e 2001 inclusive, e nos dias de descanso de 2001, em que o autor desenvolveu o "Site" da ré, as quantias que devem ser apuradas em liquidação da sentença,
Quanto à questão relativa à diferença de valores entre a retribuição e o subsídio recebido pela Segurança Social, por situação de baixa médica, há que referir o seguinte :
O autor, na ampliação do pedido, requereu, ao abrigo da clª 70 do CCT dos Jornalistas, o pagamento da diferença de valores entre a retribuição e o subsídio recebido da Segurança Social vencido entre 1/5/2002 e 18/2/2003, por situação de "baixa" médica, ampliação que foi admitida, a fls. 413, só quanto ao período de 17/10/2002 em diante.
Alega agora a recorrente que a invocada clª 70 do CCT não é aplicável pois que o autor não alegou que cada uma das partes estava filiada no sindicato ou associação patronal que o subscreveu e, por outro lado, ao abrigo do art.º 6, n.º1 al. e) do DL n.º 519-C/79, de 29/12, tal cláusula nunca poderia ser aplicada.
Vejamos
Começamos por recordar que a ré na sua contestação à petição inicial, invocou a aplicação daquela regulamentação colectiva à relação laboral entre as partes, sendo certo não haver dúvidas de que ambas estão vinculadas ao referido CCT, devido às Portarias ou Regulamentos de Extensão à RAM, e das revisões posteriores a 2001, mencionadas na sentença recorrida para a qual de remete.
Mas resultou ainda provado que a ré, anteriormente, cumpria com tal norma relativamente ao autor, porém, no período em causa nada lhe pagou a esse título ( ponto n.º 29 da matéria de facto ) .
E, quanto à proibição que resultaria da versão originária do invocado 6º n.º1, al. e) do DL n.º 519-C1/79, de 29/79, segundo a qual os instrumentos de regulamentação colectiva não podem estabelecer e regular benefícios complementares assegurados pelas instituições, foi esta norma julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, em virtude de tal diploma não ter sido emitido ao abrigo de qualquer autorização legislativa, o que faz com que aquela norma padeça de inconstitucionalidade orgânica, como foi decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/98, tirado em plenário, em 15.07.98 e publicado no DR II, de 10.11.98, pags. 15978 e ss, e no BMJ 479-173, e posteriormente pelo Acórdão n.º 634/98 DR II série , de 2/3/99 .
Concluímos assim, tal como na sentença recorrida, que a cláusula 70ª da CCT do Jornalistas, que prevê o pagamento da diferença de valores entre a retribuição e o subsídio recebido da Segurança Social, por situação de "baixa médica” do autor, referente ao período de 17/10/2002 até 18/2/2003, vincula ambas as partes, confirmando-se ser devido ao autor a diferença entre o valor da retribuição e o subsídio recebido pela Segurança Socia, no período de baixa médica ocorrida depois de 17.10.02
Deste modo, improcedem todos os fundamentos do recurso de apelação da interposto pela ré.

IV – Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso de apelação interposto pela ré e julga-se parcialmente procedente a apelação interposta pelo autor, pelo que julga-se que o autor tem direito ao vencimento actualizado correspondente ao de Chefe de Redacção em 14.2.02, até que esse valor seja atingido pelo vencimento correspondente ao da categoria de jornalista do Grupo V mas sem direito ao subsídio de isenção de horário de trabalho que lhe foi pago até 14.02.02. E, condena-se a ré no pagamento ao autor das diferenças salariais daí resultantes, a liquidar em execução da sentença.
No demais confirma- se a sentença recorrida.
Custas pelo autor e ré na proporção dos decaimentos.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena Carvalho