Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3476/18.6T9LSB.L1-9
Relator: NUNO MATOS
Descritores: PECULATO
VALOR DIMINUTO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ADMISSÃO DE PROVA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PROVA
PERDA DE OBJECTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. O recurso do despacho que indeferiu a realização de diligências requeridas em julgamento tem como fundamento a errada aplicação do art. 340º do CPP.
2. Um dos critérios fundamentais de admissibilidade da prova em julgamento é o da sua relevância, que não se coloca em abstracto, mas em função do objecto do processo dos autos, concretamente, em função da infirmação ou confirmação do preenchimento dos elementos objectivos do crime em causa, que é o crime de peculato.
3. Os recursos são mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.
4. Não cabe ao tribunal de recurso apreciar a pertinência do requerimento probatório da Recorrente à luz de fundamentos inovatoriamente invocados em sede de recurso.
5. As nulidades da sentença encontram-se previstas no artigo 379º do CPP, em articulação com o artigo 374º, nº 2, do CPP, aí se incluindo, além do mais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
6. Salienta-se, no entanto, a distinção, há muito sedimentada na doutrina e na jurisprudência, entre a falta de fundamentação e a insuficiência de fundamentação e, por outro lado, a distinção entre questões e razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
7. A impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso através de duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto.
8. A sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto (art. 410º, nº 2, do CPP) não pode extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios só podem ser verificados em face do teor da decisão, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
9. Quando os Recorrentes, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, invocam um erro de julgamento em relação a vários pontos da matéria de facto dada como provada (e cumprem, na motivação de recurso, os requisitos regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP), o tribunal de recurso tem de reapreciar a prova (a prova indicada pelos Recorrentes, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis) e emitir um novo juízo em matéria de facto (restrito aos pontos factuais questionados pelos Recorrentes), averiguando se tal prova impõe uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tal prova impõe uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida).
10. Impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto quando o tribunal de recurso, após análise da motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a sua convicção) e das provas indicadas pelo Recorrente (e, eventualmente, de outras provas constantes dos autos), conclui pela existência de erro de julgamento.
11. A apropriação, por subtracção, em que se materializa o crime de peculato em causa nos autos (art. 375º, nº 1, do Código Penal), tem de ser, nas palavras da lei, uma apropriação ilegítima.
12. É nesta sede que relevam os conceitos de acessibilidade, patrimonialidade e alteridade, enquanto conceitos operativos de densificação da apropriação ilegítima.
13. Reconhecendo que a interpretação da expressão «acessível em razão das suas funções» (a acessibilidade) não é uniforme na doutrina e na jurisprudência, entende-se que o tipo legal de peculato se basta com a acessibilidade enquanto mera possibilidade material de o agente entrar em contacto com os bens em causa em virtude das facilidades que para ele derivam da circunstância de desempenhar funções que lhe franqueiam entrada no local onde eles se encontram. Quer dizer, nem o enunciado típico nem o espírito da norma exigem que a relação entre o agente e o bem tenha de decorrer de uma especial relação funcional que permita mais do que a mera proximidade e, assim, o fácil acesso.
14. A consciência da ilicitude consiste numa «valoração paralela na esfera do leigo» da proibição legal, isto é, numa apreensão do sentido social desvalioso da conduta e não num conhecimento do articulado da lei.
15. Estando imputada aos Recorrentes uma actuação de apropriação, por subtracção, dos bens, resulta evidente que a consumação do crime ocorre no preciso momento em que os Recorrente subtraíram tais bens, mostrando-se essencial averiguar quando é que tal subtracção ocorreu, ainda mais quando a conduta criminosa imputada nos autos aos Recorrente surge reportada a um período temporal perfeitamente delimitado.
16. Os casos de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) ficam sujeitos a uma moldura legal mais suave, justificada pela circunstância de a gravidade do abuso do funcionário não ser totalmente independente do valor do bem em causa e de não ser estranha ao tipo legal a protecção de bens patrimoniais.
17. A atenuação especial da pena prevista no art. 377º-A do Código Penal pressupõe uma colaboração activa do agente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos, sendo que a expressão «factos» usada no preceito legal vai além da mera confissão dos factos imputados ao arguido colaborador, quando existam outros factos imputados a outros arguidos.
18. A sujeição da suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova (arts. 53º e 54º do Código Penal) não se justifica quando a situação pessoal, familiar, profissional, social e económica do arguido, que resulta dos factos provados, não torna necessária a sua submissão à especial vigilância e controlo de assistência social especializada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Por acórdão proferido no processo supra identificado (processo comum colectivo), em 13/07/2023, foi decidido, no que agora releva (transcrição):
IV. Dispositivo:
Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a pronúncia/acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decidem:
a) Absolver os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF da prática do crime de receptação, previsto e punido pelo Art.º 231.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual, se encontravam, cada um deles, pronunciados, em autoria material e na forma consumada;
b) Absolver os arguidos GG, HH, II e JJ da prática, respectivamente, os dois primeiros arguidos de dois crimes de falsificação de documento, e os outros dois, de um crime de falsificação de documento, por cada um deles, previstos e punidos pelo Art.º 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, com referência ao disposto no Art.º 255.º, alínea a), do Código Penal, pelos quais se encontravam, em coautoria material, e na forma consumada, pronunciados;
c) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art 375.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
d) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo Art.º 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
e) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, dos dois crimes acima descrito[s], na pena única de 3 (três) anos 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
f) Condenar a arguida LL pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
g) Condenar o arguido MM pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 231.º, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros), perfazendo o montante global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros);
h) Condenar o arguido NN pela prática, em autoria e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
i) Condenar arguida OO pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º l, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
j) Condenar o arguido PP em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art375.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, na pena de150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 8.00 (oito euros), perfazendo o montante global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
k) Condenar arguida QQ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código

Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
l) Condenar a arguida RR, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Artº 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com a elaboração de plano de reinserção social, sob a supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
m) Condenar o arguido GG, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
n) Condenar o arguido SS, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
o) Condenar o arguido HH, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
p) Condenar o arguido II, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
q) Condenar a arguida TT, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
r) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
s) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de descaminho, previsto e punido pelo Art.º 355.º do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
t) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática dos dois crimes acima descritos, na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
u) Condenar a arguida UU, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo o montante global de € 1.000,00 (mil euros);
v) Condenar a arguida VV, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
w) Condenar o arguido WW, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
x) (…)
y) (…)
z) Declarar, atenta a sua detenção ilícita, perdidos a favor do Estado o revólver calibre .22, bem como de todas as munições, apreendidas nos autos. a saber 15 (quinze) munições de calibre .38, 45 (quarenta e cinco) .22, 50 (cinquenta) .38, do fabricante “Fiosshi”, melhor descritos a fls. 3605, e tendo em conta as suas características específicas inerentes e, sem descurar as circunstâncias subjacentes à sua apreensão, sendo a sua detenção ilícita, declaram-se tais objectos perdidos a favor do Estado, nos temos do disposto no Artº 109.º, n.º 1, do Código Penal, mais se determina, após trânsito em julgado, a sua entrega à PSP, devendo-se ser-lhe dado o adequado destino, nos termos do Art.º 78.º da Lei n.º 3/2006, de 23/02.
aa) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 41,01 (quarenta e um euros e um cêntimo), porquanto apreendida no Aeroporto ..., alocado aos perdidos e achados da Alfândega, devendo ser dado o legal destino, bem como todos os objectos que se encontravam no gabinete e na secretária, apreendidos às arguidas QQ e UU, porquanto pertenciam à Alfândega;
bb) Declarar-se perdidos a favor do Estado, considerando que estes objectos estão directamente relacionados com a prática dos crimes pelos quais os arguidos vão condenados, a saber, os três carrinhos de bebé, apreendidos nos autos e melhor descritos a fls. 2751 a 2753 e 4369/4370, um computador portátil da "Asus", modelo "K55V" e carregador, melhor descrito a fls. 4371 e 4376, 3 (três) telemóveis e dois pares de ténis, melhor descritos a fls. 4373, um computador portal “Microsoft”, modelo “Surface”, melhor descrito a fls. 4375 e 4372 e um casaco de cor azul, melhor descrito a fls. 4377/4378, determinando-se, após trânsito em julgado, em face da ausência de destinação legal especifica, determina-se a sua integral destruição, nos termos do disposto no Art.º 109.º, n.º 1 e n.º 4, do Código Penal;
cc) Declarar perdido a favor do Estado o telemóvel "Apple Iphone 7" apreendido ao arguido JJ por ter sido utilizado na prática do crime de descaminho pelo qual vai também condenado (cfr, Art.º 109.º, n.º 1 do Código Penal);
dd) Declarar perdidos a favor do Estado, todos os objectos apreendidos e acima dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega considerando que os mesmos estão relacionados com a prática dos crimes, pelos quais, o arguido vai condenado, e após trânsito, determina-se a sua integral destruição, nos termos do disposto no Art.º 109.º, n.º 1 e n.º 4, do Código Penal.
(…)”.
2. Inconformado, o arguido KK interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
1. Nos presentes autos o Recorrente foi condenado: em concurso real e efetivo, pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de um ano e dois meses de prisão, e, em concurso real e efetivo, pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375.º, n.º 1 do C.P., na pena de três anos de prisão, tendo-lhe sido aplicada a pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa por igual período.
2. E assim foi porque o Recorrente, durante determinado período, retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., objetos que lá se encontravam.
3. Tendo ainda sido encontradas na habitação do Recorrente, no âmbito de busca realizada no processo, munições e revólver que não se encontravam registados nem manifestados.
4. O Recorrente confessou parcialmente os factos tendo prestado declarações e esclarecimentos, nomeadamente, quanto aos objetos que retirou e não retirou dos referidos armazéns.
5. Esclareceu, no mais, que quanto a outros objetos não conseguia precisar a sua proveniência.
6. Quanto aos demais objetos, o Recorrente veio juntar aos autos, por requerimento datado de 12/04/2023, uma lista daqueles que tem a certeza que não foram por si trazidos dos “perdidos e achados” do Aeroporto ....
7. Já quanto aos objetos que foram apreendidos nas residências de terceiros a si associados (as suas amigas XX, “YY” e EE e os seus irmãos ZZ, AAA e AA), o Arguido assumiu (leia-se, confessou) que lhes haviam efetivamente sido por si entregues, bem como que os havia retirado do Aeroporto ...
8. Não obstante a confissão parcial do Recorrente e a lista por si junta, o Tribunal aplicou, para determinação de quais os objectos realmente retirados do aeroporto, critério de distinção que, com a maior das honestidades, o Recorrente não alcança.
9. Isto porque, se podemos perceber que relativamente aos objetos sobre os quais incidiu prova testemunhal e documental, o Tribunal possa assumir que foram tirados dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., relativamente aos demais, não se alcança o critério de distinção.
10. E tal sucede, em parte, devido à parca fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido, que, no entender do Recorrente, se revela quase inexistente.
11. Considera o Recorrente que a decisão condenatória proferida é nula por falta de fundamentação.
12. Porquanto o Tribunal recorrido não explicitou, no que concerne a ter dado como provado que o Recorrente tirou determinados objetos e como não provado que retirou outros objetos, o percurso lógico e racional que traçou para formar tal convicção.
13. O Tribunal recorrido limitou-se a referir que teve em consideração as declarações do Recorrente que admitiu ter retirado objetos da Alfândega, admitindo que alguns ofereceu a familiares e amigos e outros ficaram na sua posse, e que considerou o requerimento do Recorrente de fls. 7451 a 7453.
14. O pequeno excerto aposto pelo Tribunal a quo na decisão condenatória não permite que o Recorrente (destinatário da decisão) compreenda por que razão as declarações do arguido foram determinantes na distinção de objetos na matéria de facto provada e não provada.
15. É que para além da breve referência às declarações do Recorrente e ao requerimento de fls. 7451 a 7453 – o que, no entender do Recorrente, é uma abreviada identificação dos alicerces probatórios – o Tribunal a quo não indica como alcançou a decisão de indicar os factos que se provaram e os que não se provaram.
16. Atente-se que não se pretende exigir uma reflexão individualizada sobre cada um dos objetos sobre os quais recaiu a convicção do Tribunal recorrido, mas sim que este explicite os fundamentos da sua decisão, que não pode ser apenas referir que o Recorrente admitiu parcialmente ter retirado objetos da Alfândega.
17. A decisão condenatória é o ato processual que conhece a final do objeto do processo, é um ato de importância ímpar, principalmente para o arguido que através deste moldará o seu direito de defesa, contrapondo a posição do tribunal nessa decisão, através da análise da sua fundamentação e da comparação desta com toda a prova produzida durante o processo.
18. Não existindo fundamentação, ou, existindo, sendo esta insuficiente, o arguido não pode exercer de forma adequada e plena o seu direito de defesa, uma vez que não compreendendo o raciocínio do Tribunal, não tem como demonstrar as razões pelas quais considera que este decidiu de forma incorreta.
19. Sendo ponto assente na jurisprudência que embora a lei não exija fundamentação extensa ou morosa, esta deve existir e ser suficiente ao ponto de o destinatário da decisão compreender os juízos de valoração e de apreciação de prova traçados pelo tribunal.
20. E veja-se que é apenas quanto à matéria dos objetos que se dão como provados ou não terem sido retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto que o Tribunal recorrido não apresenta fundamentação.
21. Pois já quanto às armas e munições encontradas na habitação do Recorrente, o Tribunal a quo expõe de forma clara e concisa a sua razão de ser da sua motivação.
22. Fundamental era que se tivesse deixado claro que influência tiveram os meios probatórios na consideração do Tribunal, de que modo influíram na sua convicção por forma a se traduzir na decisão que foi proferida.
23. O Tribunal a quo deveria ter fundamentado e demonstrado os aspetos que o levaram a concluir no sentido que decidiu quanto à distinção entre os factos provados e os factos não provados, pelo que, não o tendo feito, entende-se que está o Acórdão recorrido em violação do art.º 374º n.º 2 do C.P.P., o que implica, nos termos do art.º 379º n.º 1 alínea a) C.P.P., que o mesmo se encontra irremediavelmente ferido de nulidade, a qual deve ser declarada por V. Exas.
24. O Recorrente impugna os factos 48, 49, 54, 55, 59, 68, 70, 73 e 74 os factos da matéria de facto dada como provada, porquanto considera que a prova produzida impõe convicção em sentido contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo.
25. As provas que impunham decisão diversa da recorrida são as seguintes: (1) Declarações do Arguido prestadas na audiência de discussão de julgamento de dia 02 de Março de 2023, com inicio às 10:30:47 horas e fim às 10:33:22 horas, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, conforme ata do mesmo dia (áudio Diligencia_3476-18.6T9LSB_2023-05-11_14-56-24); (2) Requerimento do Arguido datado de 12/04/2023, com a referência 45267804, de fls. 7451 a 7453 dos autos, (3) Perícia realizada ao revólver de marca Sacual modelo Pasper de fls. 4322; e (4) Auto de busca e apreensão, de exame e avaliação e reportagem fotográfica referente aos objetos encontrados na residência do arguido AA de fls. 2784 a 2788; (5) Perícias de fls. 4384, 4385 e 4386 dos autos; (6) Apenso Transcrições I – Alvo 105828060 (919933038) – KK.
26. O cerne da discussão e da impugnação factual feita pelo Recorrente prende-se, naturalmente, com a proveniência de alguns dos objetos que o tribunal recorrido deu como provado que foram por aquele retirados dos “perdidos e achados” (ou, genericamente, do Aeroporto ...).
27. Neste particular e por uma questão de transparência, esclarece-se, desde já, que, na opinião do Recorrente, apenas poderia ter sido dado como provado que tiveram proveniência ilícita os seguintes grupos de objetos: aqueles que o Arguido confessou que retirou do aeroporto e aqueles sobre que, independentemente da confissão do Recorrente, foi produzida prova testemunhal por parte dos respectivos proprietários, confirmando essa propriedade e confirmando que haviam perdido/deixado os objetos em apreço em aeronave da TAP ou no próprio aeroporto.
28. O Recorrente impugna o facto 48 da matéria de facto dada como provada porquanto deu o Tribunal recorrido como provado que os perfumes encontrados na casa de XX, bem como os relógios de marca “Rolex”, “Lexon” e “Quartz”, foram pelo Recorrente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto ....
29. Porém, das declarações do Arguido (vide excerto 00:13:54 a 00:14:11 das mesmas) resulta que quanto aos perfumes encontrados, foram todos comprados pelo Recorrente, ou seja, foram adquiridos de forma legítima.
30. Sucede que o Tribunal recorrido não valorizou, erradamente, as declarações do Arguido.
31. Ora, em bom rigor, o Tribunal recorrido ainda que não atribuísse qualquer credibilidade às declarações do Recorrente quando afirmou que comprou todos os perfumes, ainda assim nunca poderia dar como provado que os perfumes foram retirados do armazém porque não existe nenhum acervo probatório nesse sentido.
32. Sendo que, quanto à proveniência dos objetos apreendidos na residência da Sra. D. XX não foi produzida qualquer outra prova, muito menos prova donde se pudesse retirar o contrário daquilo que o Arguido, sobre a matéria ora em apreço, declarou.
33. Quanto aos relógios, o Arguido também declarou que só ofereceu um relógio a XX (que intitula de relógio de pechisbeque), pelo que todos os outros que foram encontrados na casa desta não foram oferecidos pelo Recorrente (vide excerto 00:19:14 a 00:19:34 das suas declarações).
34. Porém e apesar de, para além das declarações do Arguido e do auto de busca e apreensão, não ter sido produzida qualquer prova quanto à origem destes objetos, o Tribunal vem dar como provado que estes relógios foram retirados pelo Arguido dos armazéns, convicção que não se consegue acompanhar.
35. Parecendo-nos evidente que não é porque se pode dar como provado (ainda que apenas com base na confissão do Arguido) que alguns dos objetos que ofereceu a XX foram por si retirados do aeroporto que é legítimo concluir que TODOS os objectos que lhe ofereceu tenham que ter tido a mesma proveniência.
36. Pelo que o Tribunal não poderia ter dado como provado que os relógios das marcas “Rolex”, “Lexon” e “Quartz”, bem como todos os perfumes encontrados na casa de XX foram retirados pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto ....
37. Deve assim ser alterado o facto 48 da matéria de facto dada como provada, retirando-se da lista que ali se encontra os relógios supra referidos, bem como os perfumes nela elencados.
38. No que concerne ao facto provado n.º54: no qual o Tribunal recorrido deu como provado que o Recorrente enviou à sua irmã ZZ, uma mala de senhora e um perfume que havia retirado do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., entende o Recorrente que assim não poderia ter sido.
39. Pois da prova produzida (vide declarações do Recorrente do excerto 00:21:00 a 00:21:53), resulta que os únicos itens retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” que o Recorrente deu à sua irmã foi uma mala e um trolley.
40. Veja-se também a sessão n.º 10514 (fls. 11 do Apenso Transcrições I – Alvo 105828060 (919933038) – KK), que corresponde a uma conversação telefónica entre o Recorrente e a sua irmã ZZ, na qual aquele refere: “KK – Epé tenho aqui ummm perfume que eu comprei e aquela mala que eu te disse que mandava, mas ainda não arranjei tempo para mandar aquilo, já arranjei uma caixa e tudo , mas… só consigo te… quando arranjar tempo é que consigo mandar! (…)” (sublinhado nosso).
41. Ou a sessão n.º 11232 (fls. 22 a 25 do mesmo Apenso), que se trata de nova conversação entre o Recorrente e a sua irmã ZZ, em que conversam sobre o envio da encomenda e na qual aquele refere, a determinado momento, o seguinte (vide página 24): “KK – Então, estão a brincar ou quê?! Cinco euros pela encomenda e o perfume, a… a mala não tenho factura, o perfume tinha, comprei aquilo, sei lá o que é que fiz à factura, joguei fora.” (sublinhado nosso).
42. Assim, se, para além das declarações do Arguido, a única prova constante dos autos quanto a esta questão CONFIRMA que o perfume que ofereceu e enviou à sua irmã foi por si comprado (e não trazido do aeroporto), não se podia ter dado como provada a proveniência ilícita deste objeto.
43. Deve assim ser alterado o facto 48 da matéria de facto dada como provada, dando-se como não provado que o Recorrente enviou à sua irmã um perfume que havia retirado dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto.
44. Quanto ao facto provado n.º59: Neste facto o Tribunal a quo dá como provado que o Recorrente deu ao seu irmão três pares de ténis e um impermeável que havia retirado dos armazéns dos “perdidos e achados”.
45. Porém, o Recorrente declarou (excerto de 00:26:24 a 00:27:40 das declarações do Arguido) que ofereceu ao seu irmão, no máximo, três telemóveis e alguns ténis, nunca afirmou que ofereceu ao seu irmão um impermeável.
46. Também dos autos, nomeadamente do autos de busca e apreensão, de exame e avaliação e reportagem fotográfica referente aos objetos encontrados na residência do arguido AA de fls. 2784 a 2788, resulta que foram encontrados os seguintes objetos: dois pares de ténis, um computador portátil e três telemóveis – listam que o próprio Tribunal recorrido refere na página 142 do acórdão em crise.
47. É verdade que do Apenso Transcrições I – Alvo 105828060 (919933038) – KK, em concreto da sessão 14066 (fls. 31 do referido Apenso) consta uma conversação entre estes Arguidos em que o Recorrente refere ter “três pares de ténis e um impermeável” para oferecer ao seu irmão…
48. Não obstante, tendo em linha de conta, de uma banda, as declarações do Arguido e, de outra banda, o auto de busca e apreensão, não se compreende, nem aceita ter sido dado como provado que o Arguido KK retirou do aeroporto e ofereceu ao seu irmão o mencionado impermeável e o terceiro par de ténis…
49. Assim, também quanto à circunstância de o Recorrente ter oferecido um impermeável ao seu irmão não existem elementos de prova nesse sentido, pelo que deve ser alterado o facto provado n.º59, retirando-se a menção a impermeável.
50. No que concerne ao facto provado n.º68: o Tribunal recorrido dá como provado que as garrafas de vinho francês da marca “Mouton Cadet, Bordeuax” e de champanhe da marca “Moet & Chandon” oferecidas pelo Recorrente a EE e encontradas na residência da mesma aquando da busca realizada, foram retiradas dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto.
51. Porém, as declarações do Recorrente impõem convicção em sentido contrário (excerto de 00:31:45 a 00:34:15), pois o Recorrente declarou que comprou a garrafa de vinho francês e que a garrafa de champanhe foi-lhe oferecida por uma passageira.
52. Aqui chegados importa relembrar que o Recorrente confessou parcialmente os factos, e quando se diz parcialmente não é porque o Recorrente tenha mentido ao tribunal sobre determinados objetos, não, o Recorrente confessou que retirou o conjunto de objetos que efetivamente retirou.
53. Ademais, não faria qualquer sentido que o Recorrente confessasse a verdade quanto a uns objetos e quanto a outros não, pois bem sabia que o valor dos objetos confessados já ultrapassava o indicativo legal dos €102,00 (cento e dois euros) pelo que não tinha necessidade de mentir.
54. Assim, e à semelhança dos demais, impõe-se dar como não provado o facto provado n.º68.
55. No que concerne ao facto provado n.º70: Este facto relaciona-se com quase todos os objetos que foram encontrados na casa do Recorrente, desde garrafas de água, a perfumes, telemóveis, computadores, tablets ou máquinas fotográficas.
56. De facto, foi encontrado vasto leque de produtos que, para quem analise os autos de forma perfunctória, criariam a convicção de que todos eles tiveram origem nos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto.
57. Porém, a prova produzida não permite concluir nesse sentido (vide excerto de 00:38:03 a 00:38:39, de 00:39:56 a 00:42:10, de 00:42:37 a 00:44:16 e de 00:45:04 a 00:45:24 das declarações do Arguido).
58. Do acervo probatório só se pode concluir com certezas o seguinte: os únicos objetos relativamente aos quais se pode dar como provado que foram retirados das instalações do Aeroporto pelo Recorrente, nomeadamente, dos armazéns dos “perdidos e achados”, e que pertenciam, efetivamente, a pessoas que comunicaram o seu desaparecimento, são aqueles relativamente aos quais se produziu prova testemunham nesse sentido, e que, no caso dos autos, são apenas seis (elencados na motivação da presente peça recursiva).
59. Quanto a todos os demais objetos, não se pode concluir que os mesmos tenham sido retirados pelo Recorrente nos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., desde logo, porque as interceções juntas aos autos não contêm qualquer referência a concretos objectos que o Recorrente pudesse ter subtraído do seu local de trabalho.
60. Já as imagens de videovigilância juntas aos autos apenas permitem que se prove que os Arguidos (não apenas o Recorrente) muitas vezes levavam para casa consigo malas, trolleys ou sacos que crê o Tribunal recorrido conterem objetos retirados dos armazéns. Essas mesmas vigilâncias não permitem concluir que objetos é que estavam dentro desses sacos/malas/trolleys e afins. Não se sabe!
61. Aqui chegados, importa referir que, face à falta de acervo probatório, não pode ser presumido que todos e quaisquer aparelhos eletrónicos que estejam ou tenham estado associados a contas de email que não as do Recorrente ou que estejam ou tenham estado associados e operadoras que não portuguesas, tenham sido retirados pelo Recorrente dos armazéns.
62. Nem mesmo os elementos remetidos aos autos pela Apple ou as perícias/análises efetuadas por OPC a alguns equipamentos eletrónicos (portáteis, telemóveis e tablets), não descurando o facto de ter ficado demonstrado que o Arguido, com assinalável frequência adquiria este tipo de objetos em segunda mão (através de sites nacionais e internacionais,) chegam para que se tenha por demonstrado, para lá da dúvida razoável que os objetos em apreço tenham efetivamente sido retirados do aeroporto.
63. A verdade é que no caso do Recorrente, o Tribunal a quo só pôde dar como provado que o Recorrente retirou determinados objetos porque aquele assim confessou.
64. Se o Recorrente nada tivesse dito, certamente não seria através das vigilâncias realizadas ou das interceções juntas aos autos que o Tribunal recorrido iria descobrir quais os objetos retirados pelo Recorrente.
65. Pelo que, e face ao acervo probatório dos autos, não se pode ter como provado que o Recorrente retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto ... todos os objetos que se encontram elencados no facto provado n.º70 pelo que urge alterar este facto e a lista neste inclusa, passando os devidos objetos para a matéria de facto não provada.
66. Por fim, impugna-se os factos provados n.º 71, 73 e 74: porquanto na realização de buscas à habitação do Recorrente, foram encontrados os seguintes objetos: 1 (um) revólver da marca Sacual, modelo Pasper; 45 (quarenta e cinco) munições, da marca Fiocchi, de calibre .22; 13 (treze) munições de marca PMC, fabricadas nos EUA, de calibre .38 Special, de percussão central, com projétil expansivo; 50 (cinquenta) munições de marca GFL, de calibre .38 Special; e 2 (duas) munições de marca CCI, fabricadas nos EUA, de calibre .38 Special.
67. O Tribunal a quo deu como provado que o Recorrente sabia que as munições com projétil expansivo eram de detenção absolutamente proibida e que sabia que não podia ter na sua posse o revólver acima descrito, porém, olvida as circunstâncias em que tais objetos foram adquiridos pelo Recorrente.
68. Quanto ao revólver, o Recorrente sabia que não podia deter arma que não estivesse manifestada, porém, das explicações apresentadas resulta que a arma em apreço lhe foi entregue há muito tempo, apenas transitoriamente e que o Arguido, pura e simplesmente, se esqueceu que tinha essa arma e as respetivas munições consigo – o que, convenhamos, é perfeitamente plausível em face das regras da experiência comum!
69. Ora, de acordo com as regras da experiência comum, não faz sentido que o Recorrente, tendo uma arma manifestada, teimasse em não manifestar a outra.
70. O revólver em questão não foi manifestado porque o Recorrente o colocou numa gaveta e, durante anos, esqueceu-se completamente da sua existência!
71. Sendo que esse esquecimento foi comprovado pela perícia realizada – de fls. 4322 – na qual se concluiu que o revólver estava em “mau estado de conservação”.
72. Ademais, e quanto às munições de projétil expansivo, importa clarificar que a sentença recorrida não aplicou corretamente a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, dando como provado que três das quatro categorias de munições encontradas na habitação do Recorrente eram de detenção proibida, o que, em bom rigor, não corresponde à verdade.
73. O Tribunal a quo considerou que todas as munições de calibre .38 encontradas na habitação do Recorrente, eram munições de classe A, o que revela uma interpretação errada da prova, porém, resulta de fls. 4363 que as munições de marca CCI são de classe B, aliás, tal classificação foi atribuída pela perícia realizada às munições. Sendo de classe B não se coloca em causa a validade da sua detenção.
74. Quanto às 13 (treze) munições de marca PMC, bastaria uma mera pesquisa na internet para perceber que se enquadram na exceção da alínea d) do n.º3 do artigo 3.º, sendo munições de tipo JHP – Jacket Hollow Point – e, assim, de Classe B (fls. 4384 dos autos). Aliás, a errada classificação surge da perícia, que não logrou definir corretamente as munições em questão.
75. Através de uma análise comparativa entre munições JHP disponíveis para compra online (imagem 1) e as munições apreendidas (imagem 2), é possível concluir que são iguais, pelo que não só a perícia classificou incorretamente as munições em questão, como também o Tribunal recorrido se bastou com tal classificação não apurando a verdade material.
76. Porém, e caso entendam V. Exas. nada haver a alterar quanto à classe das munições sempre se dirá que não se pode dar como provado que o Recorrente sabia que a sua detenção era absolutamente proibida, pois o que ficou provado nos autos é que essas munições foram oferecidas ao Recorrente pelo armeiro (profissional que vendeu a arma manifestada que o Recorrente possui) aquando da compra da sua arma.
77. Ademais, e quanto às munições de projétil expansivo, não se pode dar como provado que o Recorrente sabia que a sua detenção era absolutamente proibida, pois o que ficou provado nos autos é que essas munições foram oferecidas ao Recorrente pelo armeiro (profissional que vendeu a arma manifestada que o Recorrente possui) aquando da compra da sua arma.
78. O Recorrente não é especializado no fabrico de munições, nem é profissional da área, pelo que quando tais munições lhe foram oferecidas o Recorrente estava convicto de que a posse destas era legal.
79. E tal convicção era legítima pois no entender do Recorrente porque haveriam de lhe ser oferecidas munições, veja-se, numa loja que vende armas e munições, se as mesmas eram de detenção proibida? Nunca pensou o Recorrente que ao aceitar tal oferta estaria a colocar na sua posse objetos que não poderia ter consigo.
80. Assim, devem ser alterados os factos 73 e 74, passando a constar como matéria de facto não provada que o Recorrente sabia que não podia ter na sua posse o revólver e as munições em questão o que implicará, necessariamente, a absolvição do Recorrente quanto à prática do crime de posse de arma.
81. Caso entendam V. Exas., não haver lugar à alteração da matéria de facto dada como provada, mantendo-se condenação do Recorrente pela prática de um crime de posse de arma, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, sempre se dirá que o tribunal recorrido errou de forma clamorosa na determinação da sanção.
82. Por um lado, porque deveria ter aplicado ao Recorrente, pelo crime em apreço, pena de multa e não pena de prisão. Com efeito, determina o art. 70º do CP – normativo que foi violado no acórdão recorrido – que, sempre que determinado crime for simultaneamente punível com pena de multa e de prisão, deve dar-se prevalência à primeira, sempre que a mesma realize de forma suficiente e adequada as finalidades da punição.
83. Ora, neste particular, escreve-se no acórdão aqui sob escrutínio (vide página 165) que, atento o número de munições e a postura de “desvalorização” do comportamento que se assacou ao Recorrente, as necessidades de prevenção especial (nas suas duas vertentes) exigiriam a aplicação de pena de prisão.
84. A exposição em juízo do contexto em que determinados objetos entraram na posse do Recorrente e a indicação da convicção que, por causa desse contexto, o Recorrente tinha sobre a ilicitude da sua conduta NÃO equivale (nem pode equivaler) a qualquer desvalorização ou menorização da conduta ou da respetiva gravidade…
85. O Arguido não referiu, em momento algum das suas declarações, que achava que não tinha qualquer mal ou importância estar na posse de armas (ou munições) proibidas – isso sim, seria desvalorizar…
86. Ora, da postura do Recorrente em audiência não se alcança de que forma possam as necessidades de prevenção especial exigir a escolha por punição mais gravosa que a pena de multa.
87. Pois que no que toca à vertente positiva (de ressocialização ou, até melhor dito, de prevenção da reincidência) o próprio tribunal considera que o Recorrente manifesta plena capacidade de não reiterar condutas criminosas (razão pela qual até vem a determinar a suspensão da execução da pena de prisão única em que o condena) e no que concerne à vertente negativa (da punição propriamente dita) também não cremos que haja efetiva necessidade de a mesma se traduzir em pena de prisão (atento o que atrás se disse sobre a consciência da ilicitude do Arguido).
88. In casu e considerando que a respetiva moldura poderia ir até 600 dias, tem-se por adequada uma pena de 80 (oitenta) dias de multa – em linha com o que foi considerado pelo tribunal a quo na ponderação que faz das circunstâncias agravantes e atenuantes, mas acrescentando que consideramos que a ilicitude do facto, bem como o dolo, são em medida muitíssimo reduzida.
89. Crendo-se ser razoável fixar o mínimo do quantitativo diário da multa, atendendo nomeadamente à situação económica do Recorrente, nos € 10 – o que perfaz um total de multa no montante de € 800.
90. Ademais, considera o Recorrente que o tribunal recorrido não valorou como devia ter valorado, agora no campo da determinação da medida da pena a aplicar pelo crime de peculato, a confissão observada e as consequências da mesma para a factualidade que acabou sendo dada como provada.
91. O Recorrente nunca negou, em momento algum, que tivesse retirado objetos dos armazéns dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., procurando sempre concretizar a explicar quais os objetos que havia efetivamente retirado.
92. Aliás, o próprio Ministério Público de 1.ª instância, após ouvir as declarações do Recorrente dispensou a inquirição de algumas testemunhas que vinham prestar declarações sobre os objetos que o Recorrente havia tirado, isto porque ficou convencido e satisfeito com as declarações do Recorrente.
93. Em concreto e em face da confissão do Recorrente, entendeu o MP dispensar a inquirição das testemunhas XX, ZZ e AAA. Não havendo dúvidas quanto à essencialidade das declarações do Recorrente para a determinação da matéria de facto dada como provada quanto aos objetos de este retirou do aeroporto e ofereceu a terceiros (até porque tal essencialidade resulta da própria decisão condenatória), parece evidente que a pena a aplicar ao Recorrente por este crime teria que ter sido especialmente atenuada.
94. Pois que, NÃO FOSSE A CONFISSÃO DO ARGUIDO, o tribunal de 1ª Instância nunca lograria ter dado como provado que os objectos apreendidos às referidas terceiras pessoas (e sem embargo do erro de julgamento sobre esta matéria a que acima se aludiu) lhes tinham sido entregues pelo Arguido e que este os havia retirado do seu local de trabalho.
95. Ou seja, a postura activa do Arguido de colaboração com a descoberta da verdade (manifestada na sua confissão) acabou por se tornar essencial para a decisão alcançada sobre a matéria de facto.
96. Pelo que também não pode haver dúvidas que, ao não aplicar a atenuação especial, o tribunal recorrido violou o art. 377º-A do CP.
97. De acordo com o art. 73º/1/a) e b) CP, a atenuação especial implica que o limite máximo da moldura seja reduzido em um terço e o limite mínimo, in casu, seja reduzido para o mínimo legal (1 mês).
98. Assim, pelo crime de peculato, a pena a aplicar ao Recorrente está balizada entre 1 (um) mês e 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
99. Tendo em linha de conta as agravantes e atenuantes enunciadas pelo tribunal recorrido no acórdão cuja sindicância se pretende, entende-se ser adequada a pena de 2 anos de prisão.
100. E, sendo este o caso, das duas uma: ou se aceita que o crime de posse de arma seja punido com mera pena de multa, acabando o Recorrente condenado, em simultâneo, em pena de multa por um crime e em pena de prisão por outro (o que, nos dias que correm, é já possibilidade pacificamente aceite pela jurisprudência); ou se entende manter a pena de prisão para o crime de posse de arma proibida, situação em que se exige a reformulação da pena única; neste cenário, a pena única situar-se-ia entre os 2 (dois) e os 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, parecendo-nos adequado (mais uma vez seguindo a bitola do tribunal recorrido) fixá-la em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com as devidas e necessárias consequências legais.”.
O arguido KK requereu a realização de audiência (art. 411º, nº 5, do CPP), para discussão oral do “erro de julgamento quanto ao facto dado como provado em 70” e da “atenuação especial da pena a aplicar ao crime de peculato”.
*
3. Inconformada, a arguida LL interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão que condenou a recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido no artigo 375º do Código Penal.
As razões de discordância com a decisão são, simultaneamente, de facto e de direito:
I. Antes de mais, no seu modesto entender, haver insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação do recorrente - al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P.
II. Por outro lado, por entender haver contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 1 a 43; 50 a 64; 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente), por um lado, e o os pontos A) a RRR) dos factos não provados - alínea b) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P.
III. Acresce que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente tenha participado nos factos descritos na acusação mostrando-se erradamente julgados a propósito os factos 1 a 43; 50 a 64; 75 a 86, 224 a 231 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados
IV. Por outro lado, ainda, o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação relativamente à matéria assente sob os pontos 1 a 43; 50 a 64; 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados existindo mesmo contradição insanável na fundamentação expedida da subsunção da matéria de facto à alegada intervenção/participação da arguida nos factos descritos na acusação.
V. Adicionalmente, independentemente disso, o acórdão em crise enferma ainda do vício de insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada sob os pontos 1 a 43; 50 a 64; 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados quanto à alegada participação do recorrente nos factos descritos na acusação, existindo erro de julgamento quanto àqueles factos também devendo, para o efeito, ser ordenado o reenvio do processo para julgamento.
Impõem solução diversa:
- uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente:
- Toda prova documental junta aos autos.
- E uma correcta apreciação daqueles elementos no cotejo com o teor dos depoimentos prestados pela testemunha BBB (20210202124417_20099173_2871078.wma, 00:01 a 35:02), e pela testemunha CCC (20210202124417_20099173_2871078.wma, 00:01 a 35:02)
- A correcta apreciação do conjunto da prova levará necessariamente a uma diferente resposta aos factos em crise, com as legais consequências, como é de justiça.
Requer:
- a realização de audiência para debate da matéria referida no ponto I a VI da presente motivação, o que faz nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 411º do C.P.P.
Em suma:
- há insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de condenar a recorrente, assim como pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º do Código Penal.
- Há contradição insanável na fundamentação, entre os factos assentes e entre esses e a decisão (artigo 410º, n.º 2, alínea a) do C.P.P.)
- Há errada valoração do conjunto da prova produzida e, consequente, erro de julgamento quanto aos factos tendentes à formação da convicção de que a recorrente foi autora dos factos indicados nos artigos em 1 a 43; 50 a 64; 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente), por um lado, e o os pontos A) a RRR) dos factos não provados
- Em qualquer circunstância, deve revogar-se o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que, fazendo correcta apreciação e valoração da prova produzida, a absolva da prática do crime em que foi condenada.
Assim se fará Justiça, Senhores Desembargadores.”.
A arguida LL requereu a realização de audiência (art. 411º, nº 5, do CPP), para discussão oral da “matéria referida no ponto I a IV da presente motivação”.
*
4. Inconformado, o arguido NN interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“1. Nos presentes Autos o Recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, por um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 5(cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P..
2. E, assim aconteceu, porque, alegadamente retirou bens, em 03 de Maio e 25 de Maio, ambos do ano de 2019, do Armazém da Alfândega do Aeroporto ..., da secção de “Perdidos e Achados”, bens esses que alegadamente ali se encontravam.
4. O Recorrente apresentou ao Tribunal “a quo”, ao abrigo do artigo 340º, n.º1, em 26 de Abril de 2023, um requerimento que foi registado sob a referência do sistema “CITIUS” 35787597, no qual requer como Questão Prévia, a Nulidade do Acordão ao abrigo do (artigo 379º, n.º 1, al.c) e n.º 2).
5. O Despacho que decidiu o requerimento, com data de 10/05/2023, que consta do sistema com a referência 425578182, quanto ao requerido pronuncia-se nos seguintes termos:
“… … …não só as questões suscitadas pelo arguido são questões de direito, logo a sua apreciação é diferida para o momento oportuno, a prolação do Acórdão… … …”
6. O Despacho que decidiu o requerimento, era claro quanto à decisão sobre as questões de direito suscitadas, que são prévias à subsunção do direito aos factos, em concreto quanto ao preenchimento objetivo do crime de peculato, porque a Alfândega não tem previsto na sua lei orgânica a competência legal para criar e gerir um serviço de perdidos e achados.
7. Diferiu o tribunal para momento oportuno tal apreciação, considerando que esse momento seria em sede de prolação do Acórdão.
8. Compulsado o Acórdão, constata-se que no seu conteúdo não se encontra qualquer apreciação das questões de direito suscitadas no requerimento, que são o axioma do processo.
9. O Acórdão diz a fls. 10:
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias….. …. ….
10. Não é verdade, porque como atrás ficou claro, é o Despacho com a Refª.: 425578182, de 10/05/2023, que remete para decisão das questões de direito suscitadas em termos de prova prevista no artigo 340º, n.º 1 do C.P.P., para o momento da prolação do Acordão, pelo que não o fazendo incorre na nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c).
11. Considera, ainda, o Recorrente que a decisão proferida no Acórdão, no que concerne à sua pessoa, é nula por falta de fundamentação, porque os factos provados descritos nos n.ºs 88 a 90, de fls. 34, são claramente insuficientes [n]ão existindo qualquer facto que prove ou faça sequer a conexão do que é dito “… … …retirou do armazém dos “perdidos e achados”… … …”.
12. Não existe prova, quer nos fotogramas apresentados, fotogramas do sistema de vídeo vigilância (cfr. fls. 72 a 76 e 85 a 89 do apenso 2 dos autos de visionamento das mesmas datas, quer as transcrições do apenso 3, dia 03.05.2019. às 22 h 36 m, a fls 3.
13. Não há qualquer evidência de ter retirado do armazém dos “perdidos e achados, em concreto uma uma mochila de marca da marca HPPOWER e uma mala de marca “DKNY”, quer nas imagens, quer nas intercepções telefónicas transcritas e referidas no número anterior.
14. O que as imagens dos referidos fotogramas provam é o transporte desses objectos na saída do Aeroporto ... pelo recorrente.
15. E, O que as intercepções telefónicas provam são conversas de um pai, que vive em ..., trabalha em ... por turnos de dia ou noite, está separado e os filhos residem com a mãe, e essas intercepções estão num contexto desconhecido, (como é óbvio existem conversas pessoais com seus filhos anteriores e não gravadas) nas quais existe a justificação para os objectos que ofereceu ao seu filho DDD.
16. A Decisão condenatória proferida no Acórdão recorrido, incorre assim em violação do artigo 374º, n.º 2, o que se traduz no fundamento do recurso estatuído no artigo 410º, n.º 2, alínea a), e consequente nulidade nos termos previstos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P..
17. O Acórdão recorrido apresenta uma contradição insanável, a fls.124, no primeiro parágrafo, quando diz:
“No entanto, no que tange à mochila e à mala de viagem apreendidas na casa de seu filho DDD, ao invés dos demais objectos – cuja negação do arguido não foi contrariada por qualquer outro meio de prova e do mero exame dos objectos não se consegue concluir de forma inequívoca, no sentido que os mesmos provieram da Alfândega – resultou indubitavelmente provado que os mesmos foram retirados pelo arguido NN da Alfândega… … …”
18. Resulta uma contradição insanável das afirmações de que os objectos porque o Arguido NN foi condenado, que “… … … não se consegue concluir de forma inequívoca,(*) no sentido que os mesmos provieram da Alfândega-… … …”, com,
“… … …- resultou indubitavelmente provado que os mesmos foram retirados pelo arguido NN da Alfândega… … …”.
(*) o sublinhado e o negrito são nossos
19. Esta contradição insanável das afirmações contidas no Acórdão recorrido, geram a violação do artigo 374º, n.º 2, o que se traduz no fundamento do recurso estatuído no artigo 410º, n.º 2, alínea b), e consequente nulidade nos termos previstos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P..
20. O Acórdão recorrido apresenta um erro notório na apreciação da prova, o que resulta do Tribunal “a quo”, se ter estribado em prova indirecta, não conclusiva, vaga e imprecisa, que geraram presunções retiradas do contexto real dos factos.
21. O Tribunal “a quo”, colocado em situação de dúvida irremovível na livre apreciação das provas dos factos, deveria optar pelo princípio “in dubio pro reo”, o que não aconteceu decidindo em tal situação contra o arguido e violando por isso o artigo 32.º, n.º 2 da C.R.P. e o artigo 374º, n.º 2 do C.P.P..
22. A Decisão condenatória proferida no Acórdão recorrido, incorre assim em violação do artigo 374º, n.º 2, o que se traduz no fundamento do recurso estatuído no artigo 410º, n.º 2, alínea c), e consequente nulidade nos termos previstos do artigo 379º, n.º 1, alínea b), todos do C.P.P..
23. Esse erro notório na apreciação da prova, já foi decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 1990, Proc. Nº 41294/3ª: “I – Não pode condenar-se um arguido com base em simples presunções, que não são meios de prova, mas simples meios lógicos ou mentais. II – As presunções de culpa têm de haver-se como banidas em processo penal, face ao art. 32º, nº. 2 da CRP”.(*)
(*) pub. Revista JULGAR online, janeiro de 2021, pág.5
24. O Recorrente impugna os factos descritos no Acórdão recorrido, nos n.ºs 88, 89, 90 e 91, que são os factos da matéria de facto descrita no Acórdão como:
II Fundamentação de Facto: Factos Provados
E isto, porque considera que a prova produzida, a sua interpretação à luz da experiência do pensamento de um homem comum, obrigam a uma interpretação e convicção diversas daquelas porque optou o Tribunal “a quo”.
25. As provas que impõem uma decisão contrária da recorrida são:
- Requerimento do Arguido datado de 26 de Abril de 2023, um requerimento que foi registado sob a referência do sistema “CITIUS” 35787597, a fls.7587 a 7589, dos autos;
- As declarações prestadas pelo Arguido na nona audiência de discussão e julgamento ocorrida em 10 de Maio de 2023, após as dezasseis horas, gravada através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal conforme Ata do mesmo dia,
(áudio da Diligência_3476-18.6T9LSB_2023.05.10_12-15-10);
- Auto de busca e apreensão e dos fotogramas – cfr. fls. 2741 e 2746 a 2749, ao seu filho DDD;
- Fotogramas do sistema de vídeo vigilância do Aeroporto ... (cfr. fls. 72 a 76 e 85 a 89 do apenso 2 dos autos de visionamento das mesmas datas);
- As transcrições do apenso 3, (dia 03.05.2019, às 22 h 36 m 44s, a fls 3) sessão n.º 566, Alvo 106322040;
26. Não concedendo, em sede de prova, o Tribunal “a quo” não se debruçou sobre o requerimento do arguido, acima referenciado, essencial para a descoberta da verdade material, e que resultou das declarações prestadas em audiência de julgamento pelo que o recorrente, não abdica do seu requerimento, como prova a produzir nos termos do artigo 340.º, n.º 2, “in fine, à contrário”.
27. O Arguido prestou declarações e “… ... …negou categoricamente os factos, frisando que os objectos ou foram por si adquiridos ou lhe foram oferecidos. … … …”, conforme último parágrafo da fl.123 do Acordão.
28. O Auto de busca e apreensão e os fotogramas – cfr. volume n.º 9, a fls. 2741 e 2746 a 2749, dos autos, na casa onde reside o filho do Recorrente DDD, descreve os bens (mala e mochila) porque o Arguido foi condenado.
29. Os Fotogramas do sistema de vídeo vigilância do Aeroporto ... (cfr. fls. 72 a 76 e 85 a 89 do apenso 2 dos autos de visionamento das mesmas datas) mostram aqueles bens transportados, mas não constituem prova que o Recorrente os tenha retirado da Alfândega (armazém de “perdidos e achados) “… … …- e assim os subtraindo - … … …”. (v. fls. 124 do Acórdão, primeiro parágrafo)
30. As transcrições do apenso 3, (dia 03.05.2019, às 22 h 36 m 44s, a fls 3) sessão n.º 566, Alvo 106322040, também não constituem prova “de per si”, que o Recorrente tenha retirado os bens da Alfândega para os oferecer a seu filho DDD.
31. E nem sequer conjugadas as conversas com seus filhos, que constam das transcrições referidas, com as imagens dos autos de visionamento também referidos, se poderá tirar a conclusão “lógica???” para a decisão que consta do Acórdão de que os bens foram “retirados pelo Recorrente da Alfândega e assim os subtraindo”.
32. O Arguido, nas suas declarações justificou a proveniência dos bens( troley mala e mochila),a mala foi-lhe oferecida por volta do ano de 2017, por seu tio e padrinho residente nos ... e que viaja com muita frequência para ..., e a Mochila era sua, adquirida há vários anos quando praticante de rugby para uso desportivo.
33. O Arguido, prestando funções no Aeroporto ... em turnos rotativos de 24 horas, a residir em ..., não consegue acompanhar como seria necessário os seus filhos que residem com a mãe, de quem se encontra divorciado.
34. O Arguido declarou que existiram conversas pessoais, com seu filho DDD, em Abril de 2019, em dia e hora que não consegue precisar, onde
35. O seu filho lhe pediu para adquirir uma mala grande, tipo troley, e uma mochila, porque iria em viagem de finalistas a ... e deles necessitava para transportar a sua roupa e outros bens que levaria consigo naquela viagem.
36. O Arguido possuía aquela mala “DKNY” no seu cacifo, e possuía a mochila pelo que prometeu a seu filho que lhe ofereceria tais bens, o que efectivamente aconteceu.(*)
(*) como já explicado nos pontos 8. Da Súmula de Discordância do Recorrente
38. O Recorrente, impugna assim os factos provados com os n.ºs 88., 89.,90. e 91., porque não é feita qualquer prova, e em consequência, dado como provado, que o Recorrente retirou dos armazéns de “perdidos e achados” do Aeroporto ... em ..., os bens que se encontram mencionados nos factos provados com os números acima identificados.
39. O Recorrente, impugna aqueles factos porque não retirou:
“uma mochila HPPPOWER, avaliada no valor de € 40,00, … … … ofereceu ao seu filho DDD, a mala tipo trólei de marca DKNY de cor azul,avaliado no valor de € 80,00, … … … ofereceu ao seu DDD, um trólei que também dali retirou, uma garrafa de conteúdo não apurado”
(*) é de realçar que só os bens atrás descritos e avaliados constam “da determinação concreta das medidas das penas” fls. 167 do Acórdão.
dos referidos armazéns, e tudo o que é visível ser transportado pelo Recorrente (por si próprio ou auxiliado pela LL) das imagens de vídeo vigilância captadas na entrada e saída da sala de bagagens do referido Aeroporto são bens de sua propriedade, bens que ofereceu a seu filho conforme registado nas intercepções, que são escolhidas de forma intencional, quiçá não transcrevendo outras que não foram consideradas relevantes, mas seriam esclarecedoras dessas ofertas, para além de existirem conversas pessoais entre o Recorrente e seu filho, que depois justificam o que consta das transcrições.
40. Ao Recorrente não deverá, por todo o exposto, ser aplicada qualquer pena ou condenação porque nada retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., e o Tribunal “a quo” viola assim
41. A impugnação dos factos descritos no Acórdão recorrido, nos n.ºs 88, 89, 90 e 91, pelo requerente, conduz a que a Decisão condenatória proferida incorre assim em violação do artigo 374º, n.º 2, o que se traduz no fundamento do recurso estatuído no artigo 410º, n.º 2, alínea a), e consequente nulidade nos termos previstos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P..
42. Não concedendo, o crime de peculato p.p. pelo artigo 375º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual o Recorrente foi condenado na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, duas malas no valor total de € 120,00 (cento e vinte euros), está desadequado da realidade dos factos.
43. Com o devido respeito discordamos da medida da pena.
E, discordamos porque,
O n.º 2, do mesmo artigo, estatui uma pena de até três anos ou pena de multa para quando os valores ou objectos forem de valor diminuto, nos termos da alínea c) do artigo 202º, que define:
“c) Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática dos factos”
44. O valor dos bens pelos quais o Recorrente foi condenado, no caso € 80,00 a mala, e € 40,00 a mochila, o que perfaz € 120,00m não corresponde ao valor real dos bens, cujo auto de avaliação foi efectuado por um agente da PSP de ..., sem qualquer formação técnica para o efeito e sem especificar como chegou a tal valor, conforme Auto de Exame e Avaliação n.º 1, de 22-06-2020, que consta de fls. 2741, do volume 9 dos autos.
45. Fazendo-se uma simples pesquisa em sites da especialidade para bens novos desta natureza, o preço médio da mochila é de € 37,15 e do trólei mala, € 68,65, o que perfaz um valor total para os mesmos bens novos de € 100,80.
46. Mesmo em bens novos, o valor está aquém da unidade de conta, € 102,00, porém deve considerar-se que os bens usados tem valores que não excedem cerca de metade dos bens novos, pelo que o valor dos bens é substancialmente inferior à unidade de conta.
47. Não se percebe porque não foi efectuada a peritagem requerida, com o argumento da depreciação dos bens, se do próprio Despacho de 10 de Maio de 2023, que consta do sistema CITIUS com a Ref.ª 425578182.
relevância do valor dos objectos afere-se, por imperativo legal, no momento da prática dos factos e não na data da sua apreensão (cfr. Art.º 202.º, alíneas a), b) e c) e 375.º, n.º 2, ambos do Código Penal).”(*)
(*) o sublinhado e o negrito são nossos.
48. Então, se o valor é o do momento da prática dos factos, como pode ser relevante para efeitos de condenação um Auto de Exame e Avaliação n.º 1, de 22-06-2020, feito por um agente da P.S.P de ... na data a apreensão?
49. O acórdão é, pelo exposto, proferido em violação do artigo 375.º, n.º 2, que remete para o artigo 202.º alínea c) do Código Penal, uma vez que o valor considerado em sede de “Da determinação concreta das Medidas das Penas” fls. 162 e 167, foi um valor estabelecido no momento da apreensão (22-06-2020) e não no momento da prática dos factos ocorridos alegadamente em 03 de Maio e 25 de Maio, ambos do ano de 2019, sendo por isso, não “inadequada”, mas objectivamente adequada a perícia que revelaria com certeza o valor diminuto dos objectos (bens) em apreço.
50. Do que resultaria sempre o não preencher a tipificação do crime p.p. no art, 375º., nº. 1 do C.P., e a consequente alteração para o n.º2 do mesmo artigo e da moldura penal, para uma pena adequada às circunstâcias, que seria sempre a pena de multa, o que desde já se só em caso de V.Exªs., negarem provimento ao presente Recurso.
51. O Recorrente apresentou um requerimento aos autos em 20.07.2023, com a Refª 36603172 do sistema “CITIUS”, no qual requeria que:
… … …Douto acórdão de sentença, já atrás identificado, em B) Factos não provados, alíneas L), M) e N). Verifica-se pela leitura exaustiva e atenta da Sentença, que certamente por mero lapso, não consta a final, a devolução das referidas garrafas e mala de propriedade do arguido. Nestes termos, o arguido vem requerer: … … … 2. Que nos termos previstos no artigo 380.º, n.º 1 e, alínea b) do C.P.P., V.Ex.ªs., procedam à correção da sentença, para ordenar a restituição da mala, garrafa de água e garrafas de bebidas que atrás se identificaram e foram indevidamente apreendidas.
52. Este requerimento foi objecto de Despacho de 08/09/2023, com a Refª: 428358250, onde é proferida decisão nos seguintes termos:
“Relativamente à restituição requerida, aguarde-se o oportuno trânsito em julgado, não carecendo a decisão proferida, nesta sede, de qualquer rectificação, atento o disposto no Art.º 374.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.”
53. Despacho este, que desde já se impugna e se requer que seja proferida a competente decisão por reforma do Acórdão Recorrido, porque o artigo referido 374.º, n.º 3, alínea c) impõe a indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime.
54. O que “à contrario”, e como acontece e bem, com os diversos bens que não estavam em conexão com a condenação e foram apreendidos, consta do Acórdão Recorrido a decisão da sua devolução, o que não acontece com os apreendidos ao ora Recorrente.
55. A Decisão condenatória proferida no Acórdão recorrido, incorre assim em violação por omissão, o artigo 374º, n.º 3, alínea c) o que se traduz no fundamento do recurso estatuído no artigo 410º, n.º 3, e consequente nulidade nos termos previstos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P..
56. Considerando, as agravantes e atenuantes enunciadas pelo tribunal recorrido no Acórdão que ora se põe em crise, é entendimento do Recorrente, que deve ser corrigido o mesmo Acórdão e proferida a absolvição do Recorrente.
57. Não sendo essa a decisão de V.Exªs, requer-se desde já a alteração para que o crime pelo qual o Recorrente deve ser condenado, seja o do artigo 375º.,n.º2, com uma pena adequada às circunstâncias, que não deverá exceder uma pena de multa.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com as devidas e necessárias consequências legais.”.
*
5. Inconformada, a arguida OO interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
A impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto (n.º 3 do Artigo 412.º do C.P.P.) quanto aos factos 3., 4., 6. a 10., 13. a 15., 17. e 18.
1. O recorrente considera que foram incorretamente julgados os pontos 94., 95. e 99. (quanto a este último apenas na parte respeitante ao tablet) dos factos dados como provados no acórdão recorrido (que aqui se dão por intermediamente reproduzidos por questões de economia processual).
2. Mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos elencado sob os pontos 94. e 95., pois resulta da fundamentação que “(...) Quanto à arguida OO apenas resultou provado que efetivamente quer o cachecol (para além das postas de bacalhau), quer o tablet foram retirados ilegitimamente da Alfândega (...)” (página 124 do acórdão que se encontra depositado e sublinhado nosso).
3. Não obstante a fundamentação da decisão referir expressamente que apenas se provou que a arguida retirou da Alfândega do Aeroporto ... os referidos artigos, foi dado como provado que a mesma retirou mais objetos para além destes (os descritos nos pontos 94. e 95.).
4. Por conseguinte, impõe-se dar como não provados os pontos 94. e 95. da matéria de facto dada como provada, passando os mesmos a constar da matéria de facto dada como não provada.
5. Para sustentar o facto descrito sob o ponto 99. (na parte respeitante ao tablet), o Tribunal a quo fundamentou que “o teor de fls. 213 e 216 do apenso dos autos de exame direto aos equipamentos eletrónicos 2 resulta claramente estarem associados dois endereços de correio eletrónico em nada relacionados com a pessoa da arguida e associados a uma operadora do Brasil”.
6. Porém, tais considerações não permitem concluir, sem qualquer coadjuvação probatória, que o objeto em causa (um tablet) foi retirado, em primeiro lugar, dos “perdidos e achados” e, em segundo, pela recorrente.
7. O objeto em causa foi encontrado, conforme resulta do ponto 99., no quarto do filho da recorrente.
8. O filho da recorrente foi inquirido em audiência de discussão e julgamento no dia 27 de abril de 2023 (com início pelas 11h11m36 às e termo às 11h46m15) e referiu que o tablet lhe foi oferecido pelo seu avô – sendo o seu depoimento um meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
9. Destaca-se a seguinte passagem relevante:
Minuto 24:54
Advogado
Relativamente aqui a este tablet de marca Samsung?
EEE
Foi comprado e oferecido pelo meu avô.
Minuto 28:01 - Fim
10. Foi o avô da testemunha quem comprou e ofereceu o tablet em causa – o que, terá de levar à modificação da decisão recorrida, na parte em que dá como provado que o aparelho foi retirado pela recorrente OO dos “perdidos e achados” da alfândega do Aeroporto ....
11. Mas mesmo que não se conferisse credibilidade a tal depoimento, não é pelo mero facto de ser encontrado em casa da recorrente um aparelho proveniente do Brasil, que se pode concluir que se trata de um objeto retirado dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
12. O objeto em causa não consta como perdido, não foi registo em qualquer documento como tal, não foi objeto de nenhuma participação de perda nem nenhuma outra testemunha afirmou ser o seu proprietário.
13. Não foi produzida qualquer prova que o mesmo se encontrava nos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., muito menos que tenha sido a recorrente quem o dali poderá ter retirado.
14. A investigação não contactou nenhum dos endereços de email referidos a fls. 214 do apenso dos autos de exame direto aos equipamentos eletrónicos 2.
15. As relações entre Portugal e Brasil e entre cidadãos portugueses e brasileiros são históricas, extensas e constantes, não sendo despiciendo pensar que tal aparelho chegou à casa da recorrente através de outras formas (lícitas, leia-se) que não a sua retirada do espaço de perdidos e achados.
16. Não podemos inferir, perante a globalização em que vivemos, que qualquer objeto de origem estrangeira (que contem associados outros endereços eletrónicos que não o da arguida) encontrado na casa da mesma provenha do espaço de “perdidos e achados”.
17. Tais considerações contraíram o raciocínio elaborado pelo Tribunal, expõem o respetivo erro e permitem concluir pela insuficiência da prova quanto à proveniência do tablet referido no ponto 99. e quanto à intervenção da recorrente – razão pela qual se impugna o facto indicado.
18. O Tribunal procedeu a uma errada apreciação da prova, violando o artigo 127.º do C.P.P. e o princípio do in dubio pro reo.
19. Não tendo sido produzida prova que minimamente indicie o tablet descrito no ponto 99. estava nos “perdidos e achados” e que foi a arguida quem o dali retirou, impõe-se dar como não provado tal facto.
20. A modificação da matéria de facto pela qual se pugna deverá determinar a subsunção dos factos dados como provados ao n.º2 do Artigo 375.º do C.P. e a condenação da arguida numa pena de multa que se requer que se fixada em 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 7€ (sete euros).
Se assim não se entender,
A violação do n.º2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal e a aplicação do regime de suspensão da pena de prisão, nos termos dos Artigos 50.º e 53.º do Código Penal.
21. A recorrente considera que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto.
22. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o grau de ilicitude foi, quanto a todos os arguidos, elevadíssimo, considerando as circunstâncias e o hiato temporal em causa (../../2018 a ../../2020).
23. O grau de ilicitude da conduta da recorrente é igual aos dos demais arguidos, desde logo porque a mesma encontra-se circunscrita aos factos 94., a 99. e os valores dos bens em causa não são significativos (estamos a falar de 215,00€ no total).
24. O referido hiato temporal também não devia ser ponderado como agravante da sua conduta, pois os factos dados como provados não indicam qualquer prática reiterada ou prolongada no tempo.
25. A conduta da recorrente apenas não se subsumiu ao n.º2 do Artigo 375.º do C.P. por cerca de 100€, devendo assim a sua pena refletir a menor gravidade do crime de peculato.
26. Não possui antecedentes criminais e mostra-se social, profissional e familiarmente inserida.
27. Pelo que entendemos que a pena aplicada terá de ser reduzida para 1 ano e 2 meses, suspensa na sua execução (sem regime de prova).
28. Se assim não se entender quanto à medida da pena, consideramos que inexiste necessidade de sujeitar a arguida a um regime de prova durante o tempo de suspensão da pena que lhe foi aplicada.
29. A recorrente conta com 57 anos de idade, não apresenta qualquer condenação averbada no CRC e a pena que lhe foi aplicada cifrou-se próxima ao limite mínimo.
30. Resulta da matéria de facto dada como provada uma forte inserção social, familiar e profissional.
31. A mera ameaça da execução da pena de prisão satisfaz as finalidades da punição, sendo desnecessário sujeitar a recorrente a um regime de prova.
32. O Tribunal a quo, ao condenar a arguida na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, com base nos fundamentos supra expostos, viola o disposto no n.º2 do Artigo 40.º, o Artigo 71.º e o Artigo 77.º, todos do Código Penal, devendo antes condenar a arguida numa pena de prisão de 1 ano e 2 meses, suspensa na sua execução (sem regime de prova).
33. Caso seja de manter a pena aplicada, consideramos que o Tribunal aplicou erradamente o Artigo 53.º do Código Penal, devendo a suspensão da pena aplicada não ser sujeita a qualquer regime de prova.
34. Por todo o exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado/modificado e substituído por douto acórdão que determine:
A) Que os factos 94., 95. e 99. (na parte referente ao tablet) fiquem a constar da matéria de facto dada como não provada.
Se assim não se entender,
B) A reduzir da pena aplicada para 1 ano e 2 meses, suspensa na sua execução.
Se assim não se entender,
C) Não sujeitar a suspensão da execução da pena a regime de prova.”.
*
6. Inconformada, a arguida QQ interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
1. A Arguida Recorrente não se conforma com o acórdão proferido nos presentes autos, e agora posto em crise, porque o mesmo contém irregularidades, falta de fundamentação, e contradições na fundamentação aí expendida, e reflete uma errónea apreciação da prova, da junta aos autos e da produzida em audiência de julgamento, e uma deficiente aplicação das normas jurídicas aplicadas ao caso;
2. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, não devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 29 dos factos dados como provados no acórdão recorrido;
3. Na verdade, e como resulta das alegações atrás expendidas, nomeadamente no ponto 1º das presentes alegações, o tribunal a quo devia ter dado como provado, ao invés do que fez, em tal ponto que: O gabinete da arguida QQ era o local onde eram guardados todos os objetos entregues na alfândega do Aeroporto ... fora do horário normal de funcionamento da secretaria e aos fins de semana. Era também em tal gabinete que eram guardados objetos mais valiosos, peças de ouro que se destinassem a envio à contrastaria, bagagens RUSH, objetos para a elaboração de notas de verificação ou após as mesmas para serem arrumados, e objetos que aguardavam levantamento para leilão após a elaboração das notas de verificação;
4. O tribunal a quo não devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 36 dos factos dados como provados no acórdão recorrido no segmento ‘’não só nada fez para tomar medidas que lhe pusessem um fim, como ainda a fomentou’’, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 2º do presente recurso;
5. O tribunal a quo devia ter dado como provado no ponto 36 dos factos dados como provados no acórdão recorrido que: Com efeito, conhecedora desta prática habitual, a arguida QQ, coordenadora do sector de passageiros da alfândega do Aeroporto ..., levou consigo objetos dos “perdidos e achados”, e deu “autorização” para que os outros o fizessem e disponibilizando-os também para consumo imediato nas instalações da AT;
6. O tribunal a quo não devia, ao contrário do que fez, ter dado como provado o factualismo constante do ponto 42 dos factos dados como provados no acórdão recorrido no segmento ‘’por via desse comportamento’’, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 3º do presente recurso;
7. O tribunal a quo devia ter dado como provado no ponto 42 dos factos dados como provados no acórdão recorrido que: Entre os anos de 2018 e 2020, apenas uma pequena parte dos equipamentos eletrónicos e garrafas intactas de bebidas alcoólicas entradas na alfândega do Aeroporto ... como “perdidos e achados” foram encaminhados à direção de serviços de gestão dos créditos tributários, entidade responsável por receber e colocar em leilão tais objetos, por desinteresse desta entidade;
8. O tribunal a quo não devia, ao contrário do que fez, ter dado como provado o factualismo constante do ponto 108 dos factos dados como provados no acórdão recorrido como resulta das alegações expendidas supra no ponto 4º do presente recurso;
9. O tribunal a quo não devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 111 dos factos dados como provados no acórdão recorrido no segmento ‘’retirou do armazém “dos perdidos e achados”’’, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 5º do presente recurso;
10. O tribunal a quo devia ter dado como provado no ponto 111 dos factos dados como provados no acórdão recorrido que: No dia ../../2020, a arguida QQ levou consigo dentro de um saco, um quadro emoldurado, embalado numa película de plástico;
11. O tribunal a quo não devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 112 dos factos dados como provados no acórdão recorrido como resulta das alegações expendidas supra no ponto 6º do presente recurso;
12. Na verdade, o tribunal a quo devia ter expurgado de tal factualismo os seguintes bens:
- 1 (uma) Bolsa de cor preta e castanha da marca zlyc, contendo no seu interior uma máquina fotográfica de marca Panasonic, número de serie ...30, um carregador de bateria marca Nikon número de serie ...01... e duas baterias marca Nikon, avaliado no valor de € 500,00;
- 1 (uma) Lente marca Nikon, com o número de serie ...79, no interior da bolsa acima mencionada, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 150,00; Nas gavetas do referido móvel:
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Olympus modelo E-M10, de cor preta e prata, com o nº serie ...05, com duas baterias, carregador, tripé, acondicionado de cor bordô, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Olympus modelo Premium Pro 52mm de cor preta com o nº serie ...35, pertencente à máquina fotográfica, anterior, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon, modelo coolpix P900, com nº serie ...99 de cor preta, com duas baterias, um carregador e um carregador de baterias, acondicionados numa bolsa da Nikon de cor cinzenta, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Sony, modelo SLT-A37, de cor preta com o nº serie ...19, com 2 baterias, e um carregador de baterias, acondicionada numa mala da marca Case Logic de cor preta, avaliado no valor de € 250,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Sony modelo SAL55200-2 com o nº serie ...56, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Objectiva sem marca visível, modelo Sigma DG de cor preta com o nº serie ...97, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo coolpix B700, de cor preta com o nº serie ...90, acondicionada numa bolsa preta marca Cyrk, avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Nikon modelo Dx de cor preta com o nº serie ...35, com respectiva bolsa de cor preta, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo D5100 de cor preta com o nº serie ...19, acondicionado numa bolsa de cor branca marca Manfrotto, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica de marca Olympus, modelo Stylus Tg-870, de cor cinzenta, com o s/n. ...80..., com respectiva bolsa em pele preta, avaliado no valor de € 300,00; recurso.
13. O tribunal a quo ainda em tal ponto, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado que a máquina fotográfica Leica tinha um valor de €200,00;
14. Por fim, devia o tribunal a quo no acórdão recorrido ainda no ponto 112 dos factos dados como provados no acórdão recorrido ter dado como provado que o valor dos bens apreendidos à Arguida na sua residência com proveniência na alfândega do Aeroporto ... perfazia o montante de €3.950,00 e não €13.050,00 como aí fez constar;
15. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 11º, 19º e 21º a 23º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 7º do presente recurso;
16. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que:
- Os bens mais sensíveis e de maior valor eram guardados no armário existente no gabinete da Arguida QQ.
- Os bens que se destinassem a ser analisados pela contrastaria permaneciam no gabinete da Arguida QQ
- Para além de outros, permaneciam ainda no gabinete da Arguida QQ, todos os bens resultantes de bagagens RUSH, até que pudessem ser acomodados no armazém ou ainda os bens que já estavam avaliados e que se encontravam prontos para seguir para leilão
- O gabinete da Arguida QQ, ao contrário do armário aí existente que se encontrava fechado, estava sempre acessível a todos os funcionários.
- O gabinete da Arguida QQ e todos os equipamentos que aí se encontravam, nomeadamente armário e secretária, constituíam o seu local de trabalho e os seus instrumentos de trabalho, e por isso tudo o que aí se encontrava eram bens do seu trabalho;
17. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 29º, 30º e 60º a 62º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 8º do presente recurso;
18. Assim, o tribunal a quo devia de ter dado como provado que:
- Por repetidas vezes a Arguida QQ manifestou aos seus superiores hierárquicos e aos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, as dificuldades em lidar com o excesso de bagagem.
- Por repetidas vezes a Arguida QQ manifestou aos seus superiores hierárquicos e aos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, as dificuldades em lidar com a falta de pessoal e de instalações.
- Não obstante as preocupações da Arguida QQ por várias vezes manifestadas aos seus superiores, o serviço da Alfândega do Aeroporto ... lutava com uma imensa falta de pessoal.
- Bem como com a falta de instalações que permitisse acomodar e guardar devidamente todos os objetos que aí eram entregues.
- Os objetos encontravam-se aí amontoados aos milhares, no armazém da Alfândega e no gabinete da Arguida QQ onde todos acediam;
19. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 31º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 9º do presente recurso;
20. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que:
- A Arguida QQ, repetidas vezes tentou que os serviços competentes procedessem ao levantamento das bagagens existentes, com o objetivo de serem encaminhadas para leilões;
21. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 48º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 10º do presente recurso;
22. Assim, o tribunal a quo devia de ter dado como provado que:
- A Arguida QQ, foi presenteada com um quadro por uma colega de trabalho, a Sra. FFF, que manteve no seu gabinete até ao dia ../../2020;
23. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 51º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 11º do presente recurso;
24. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que: Para além do carrinho de bebé, nada existe nos autos que possa ligar diretamente os objetos apreendidos na residência da Arguida, a objetos retirados dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira no Aeroporto ..., com exceção dos objetos cuja apropriação foi confessada pela Arguida Recorrente em sede de contestação e julgamento;
25. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 54º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 12º do presente recurso;
26. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que: O telemóvel Samsung Duos J5, encontrava-se afeto ao serviço da Arguida QQ, por ordem do superior hierárquico da arguida e com conhecimento da sua colega que se ocupava dos processos de atribuição de bens ao serviço;
27. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 63º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 13º do presente recurso;
28. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que: Foi o amontoado de milhares de objetos e a falta de instalações e pessoal, que contribuiu para que a arguida QQ se tivesse apropriado dos bens referidos no artigo 51º da contestação por si apresentada;
29. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 71º a 73º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 14º do presente recurso;
30. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que:
- A Arguida QQ encontra-se profundamente arrependida da prática dos factos em causa nos autos, cuja prática confessou, e tomou verdadeira consciência da sua ilicitude.
- A Arguida QQ sente vergonha pela prática dos mesmos, tendo passado a evitar algum contacto social.
- A Arguida QQ passou a dormir e a alimentar-se mal, recordando-se permanentemente da prática de tais factos;
31. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante do ponto 75º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 15º do presente recurso;
32. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que: Nunca correram nem antes, nem depois da prática dos factos em causa nos autos, quaisquer outros processos de natureza penal contra a Arguida QQ;
33. O tribunal a quo, ao contrário do que fez, devia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 82º e 87º da contestação apresentada pela Arguida Recorrente, como resulta das alegações expendidas supra no ponto 16º do presente recurso;
34. Assim, o tribunal a quo devia ter dado como provado que:
- O marido da Arguida QQ, sempre foi amante de relojoaria e fotografia tendo acumulado ao longo dos anos, muitos equipamentos e relógios que foram comprando;
- É conhecido o gosto que a Arguida QQ e o seu marido têm por relógios e equipamento fotográfico, que adquiriram e inclusivamente mandavam reparar no estrangeiro a profissionais especializados;
35. Quanto à motivação da decisão de facto não podia o tribunal a quo ter referido no acórdão recorrido que a Arguida Recorrente apenas efetuou uma confissão parcial, tendo em conta o que supra se referiu no ponto 17º do presente recurso, nem tão pouco que esta apresentou um comportamento autocentrado;
36. Quanto ao carácter desculpante das suas declarações devia o tribunal a quo ter levado em conta tudo quanto já referimos no ponto 13º das presentes alegações;
37. Não podia o tribunal a quo sem qualquer justificação ter feito constar da fundamentação da matéria de facto que ‘’ … do depoimento prestado pela testemunha GGG, conjugado com os depoimentos destas duas últimas testemunhas, se retira, por um lado, o gosto pela coleção de relógios, afigurando-se crivel e verosímil o seu relato, e por outro lado, não se extrai a mesma ilação quanto aos aparelhos de fotografia, dado que são aparelhos recentes, particularmente valiosos, ao contrário dos relógios.’’, no que toca aos equipamentos fotográficos;
38. Foi demonstrado o gosto do marido da Arguida por equipamentos fotográficos, nada há nos autos que nos permita aferir da antiguidade dos equipamentos fotográficos em causa no presente recurso, e resulta do próprio acórdão recorrido que foram considerados da propriedade da Arguida e do seu marido relógios bastante mais valiosos de que os equipamentos fotográficos em causa, conforme já referimos no ponto 6º das presentes alegações;
39. Não se compreende igualmente que o tribunal a quo no acórdão recorrido tenha referido que o “depósito de € 50,00, por conta da garrafa, revela a ausência de juízo autocrítico;’’;
40. O tribunal a quo devia ter valorado o arrependimento e postura da Arguida QQ nos autos, e ter valorado as suas declarações como confissão integral e sem reservas, conforme as alegações supra expendidas no ponto 18º do presente recurso;
41. Aliás, foi o próprio Digno Magistrado do Ministério Público que valorou tal arrependimento e postura da Arguida Recorrente dizendo nas suas alegações, quanto a tal Arguida: “Devo dizer que na preparação das alegações deixei esta folha em branco, e assim ficou.”; “Houve uma frase que me fez ceder “nada disto me fez feliz, nada disto me fez feliz” isto foi uma frase, uma frase que me mexeu, mexeu com a nossa consciência ética, com o nosso público funcionalismo”; “Eu consegui ver nas suas palavras “nada disto me fez feliz” eu consegui ver essa referência mítica ao mito primordial, deveria ser a arguida a quem eu pediria a pena mais gravosa, mas não vou pedir.”;
42. A Arguida Recorrente não se conforma com o quantum da pena que lhe foi concretamente aplicada;
43. O tribunal a quo devia ter valorado tudo quanto se referiu no ponto 18º das presentes alegações, condenando a Arguida Recorrente QQ no máximo em pena de prisão de 3 (três) anos, suspendendo-a na sua execução;
44. O tribunal a quo suspendeu a execução da pena de prisão em que a Arguida foi condenada sujeitando-a ‘’a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;’’;
45. Ora, o tribunal a quo no acórdão recorrido não fundamenta, nem sequer sumariamente, as razões para a sujeição da Arguida a regime de prova;
46. E nos autos tudo impõem a que a suspensão da execução da pena de prisão a que a Arguida venha a ser condenada não exija a sua sujeição a tal regime, como melhor explanado no ponto 19º do presente recurso;
47. Consta do acórdão recorrido no seu segmento da determinação da medida concreta da pena, e imediatamente antes do dispositivo que ‘’ Declaram-se perdidos a favor do Estado, os objectos apreendidos e acima dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega - e determinando-se a restituição, após trânsito dos demais, dados como não provados – (…), à arguida QQ objectos melhor descritos a fls. 5277 a 5291 e 5642 a 5649 (…) considerando que os mesmos estão relacionados com a prática dos crimes, pelos quais, o arguido vai condenado, e após trânsito, determina-se a sua integral destruição, nos termos do Art.° 109.°, n.° 1 e n° 4, do Código Penal.’’;
48. A Arguida Recorrente não se conforma com a indicação atrás referida e constante do acórdão recorrido, no que toca à remissão para folhas 5277 a 5291 e 5642 a 5649, até porque ela só por si demonstra uma clara contradição entre os objetos cuja proveniência foi considerada da alfândega do Aeroporto ... e todos os outros apreendidos à Arguida Recorrente, como resulta do próprio acórdão recorrido. Tal discrepância tornar-se-á ainda mais gritante se o factualismo constante do ponto 112 dos factos dados como provados no acórdão recorrido merecer reparo por esse Venerando Tribunal da Relação nos termos defendidos supra nas presentes alegações;
49. Devia o tribunal a quo, ao contrário do que fez, ter feito constar apenas do acórdão recorrido que: Declaram-se perdidos a favor do Estado, os objetos apreendidos e acima dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega - e determinando-se a restituição, após trânsito dos demais, dados como não provados – à arguida QQ.
50. O tribunal a quo no acórdão recorrido violou, entre outros, os seguintes normativos, porquanto se deixou supra exposto no presente recurso: Artigos 30º, 50º, 53º, 54º, 71º e 375º do Código Penal e artigo 127º do Código de Processo Penal.
REQUER-SE ASSIM A V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA QUE:
A) RECEBAM O PRESENTE RECURSO;
B) JULGUEM PROCEDENTE, POR PROVADO, O PRESENTE RECURSO;
C) REVOGUEM O ACÓRDÃO RECORRIDO, SUBSTITUINDO POR OUTRO QUE:
1º PROCEDA A SANAÇÃO DAS NULIDADES E IRREGULARIDADES REFERIDAS NAS CONCLUSÕES DO PRESENTE RECURSO;
2º DETERMINE A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA NOS TERMOS CONSTANTES DAS CONCLUSÕES DO PRESENTE RECURSO;
3º CONDENE A RECORRENTE COMO AUTORA DE UM CRIME DE PECULATO EM PENA DE PRISÃO NÃO SUPERIOR A 3 ANOS, SUSPENDENDO A SUA EXECUÇÃO, SEM SUJEIÇÃO AOS REGIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 53º E 54º DO CÓDIGO PENAL;
4º DETERMINE A DEVOLUÇÃO À ARGUIDA DE TODOS OS BENS APREENDIDOS NA SUA RESIDÊNCIA, COM EXCEÇÃO DOS QUE COMPROVADAMENTE PROVIERAM DA ALFÂNDEGA DO Aeroporto ....”.
*
7. Inconformada, a arguida RR interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
I. A Arguida foi pronunciada e condenada pela prática do crime de peculato, nos termos do disposto no artigo 375º, nº 1, do Código Penal, o qual prevê que:“1 - O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel ou imóvel ou animal, públicos ou particulares, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
II. São elementos constitutivos do crime de tal crime:
A nível objectivo:
a) que o agente seja um funcionário;
b) que o mesmo se aproprie (subtraia), em proveito próprio ou de outra pessoa;
c) de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, pública ou particular;
d) que lhe tenha sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções; e
e) Que essa apropriação seja ilegítima.
III. A nível sujectivo exige-se que o agente actue com intenção de apropriação desses bens, sabendo que tal actuação é proibida e punida por lei.
IV. A Recorrente entende que a prova carreada para os Autos e aquela que foi produzida em Audiência de Discussão e Julgamento não é suficiente para condenar a Arguida pela prática do crime de peculato, uma vez que os elementos objectivo e subjectivo do crime não estão preenchidos.
V. Mais entende que o Tribunal “a quo” não recorreu à ponderação crítica da prova nos estritos limites que lhe são permitidos, com recurso ao artigo 127º do Código de Processo Penal.
VI. Pelas razões aduzidas, vem recorrer da matéria de facto dado como provada, com fundamento no que foi dito em IV, mas ainda porque, o Tribunal “ a quo” descurou na sua análise crítica, um elemento de prova que cabia ao MP fazer, a saber, a natureza e origem de cada um dos bens que foram apreendidos aos Arguidos, e designadamente à Recorrente, a fim de poder, a final, concluir se os bens em causa eram públicos ou particulares ou estavam efectivamente à guarda do Estado.
VII. Deste modo, entende a Recorrente que não se produziu prova bastante sobre o teor do facto nº 121, uma vez que:
VIII. Não se identifica ou concretiza, por referência ao período temporal a que os autos se reportam – ../../2018 a ../../2020 – em que momento a Arguida ter-se-á apropriado dos bens nele descritos, sendo certo que alguns dos bens identificados terão sido perdidos em datas muito anteriores a esta e, um de entre eles, foi, aliás, utilizado numa rede cigana, o que pressupõe a sua apreensão pela PSP ou PJ e não pela Autoridade Tributária; das declarações das testemunhas, apenas se pode confirmar o efectivo desaparecimento de alguns desses equipamentos electrónicos e o valor que lhes foi atribuído assento num critério informal e pouco profissional, se atendermos a que o valor de que se apropria o agente é um factor decisivo para, pelo menos, a aplicação da moldura penal. Note-se que sequer foram verificados todos os equipamentos apreendidos e, consequentemente, o seu funcionamento.
IX. Entende-se, deste modo, que o facto nº 121, deve passar a conter a seguinte redacção.
121. No dia .../.../2020, no interior da sua residência cita na avenida ..., ..., na ..., a arguida RR tinha guardados os seguintes objetos que, em momento não concretamente apurado terá retirado dos “perdidos e achados da alfândega do Aeroporto ..., no valor aproximado de € 400,00.
- (um ) telemóvel, OPPO, R15 PRO nº série ...91, IMEI ...83, avaliado no valor de€ 300,00, associado aos e-mails ..........@..... e ..........@....., pertencente a HHH, que o perdeu, no dia 14 de outubro de 2019, no voo da TAP ..., entre ... e ..., deixando esquecido no interior da aeronave;
- 1 (um) relógio, Apple, IWATCH série 3, com o número de série ......, avaliado no valor de € 50,00, associada ao e-mail ..........@....., pertencente a III, que ou perdeu no dia 16 de maio de 2019, na zona do raio x do Aeroporto ..., quando ali se encontrava em trânsito, entre ... e ..., o que foi registado no livro de achados da AT;
- 1 (um) relógio, Apple, IWATCH série 2, com o número de série ...36..., avaliado no valor de € 50,00, associado ao email ..........@....., pertencente a JJJ, que o perdeu no dia 29 de agosto de 2019, à chegada ao Aeroporto ..., vindo de ..., o qual foi registado no livro de achados da AT;
X. A redação do facto dado como provado sob o nº 3, deve, no entendimento da Recorrente, ser alterado.
XI. Embora a Recorrente entenda que o facto nº 3 diz respeita ao teor de um artigo, entende que, a ser o mesmo mencionado nos factos provados, deverá conter a sua redacção integral, uma vez que reveste importância na apreciação dos factos em causa nos presentes e na sua consequente subsunção ao direito. De facto, as competências atribuídas à Autoridade Tributária e Aduaneira têm carácter taxativo e terão pertinência para aferir o elemento objectivo previsto no artigo 375º, nº 1, do CP, quanto ao de acesso do agente do crime aos bens com os quais se apropria em razão das suas funções.
XII. Pelo que se entende que a sua redacção deverá ser a seguinte:
XIII. “3. A AT Tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade de acordo com as políticas definidas pelo governo e o direito da União Europeia, nos termos do Artº 2º, nº 1 do Decreto-lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro;
Nos termos do disposto no nº 2, do citado artigo 2º, a AT prossegue as seguintes atribuições:
a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público;
b) Exercer a acção de inspecção tributária e aduaneira, garantir a aplicação das normas a que se encontram sujeitas as mercadorias introduzidas no território da União Europeia e efectuar os controlos relativos à entrada, saída e circulação das mercadorias no território nacional, prevenindo, investigando e combatendo a fraude e evasão fiscais e aduaneiras e os tráficos ilícitos, no âmbito das suas atribuições
c) Exercer a acção de justiça tributária e assegurar a representação da Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais;
d) Assegurar a negociação técnica e executar os acordos e convenções internacionais em matéria tributária e aduaneira, cooperar com organismos europeus e internacionais e outras administrações tributárias e aduaneiras, e participar nos trabalhos de organismos europeus e internacionais especializados no seu domínio de actividade;
e) Promover a correcta aplicação da legislação e das decisões administrativas relacionadas com as suas atribuições e propor as medidas de carácter normativo, técnico e organizacional que se revelem adequadas;
f) Desenvolver e gerir as infra-estruturas, equipamentos e tecnologias de informação necessários à prossecução das suas atribuições e à prestação de apoio, esclarecimento e serviços de qualidade aos contribuintes;
g) Realizar e promover a investigação técnica e científica no domínio tributário e aduaneiro, tendo em vista o aperfeiçoamento das medidas legais e administrativas, a qualificação permanente dos recursos humanos, bem como o necessário apoio ao Governo na definição da política fiscal e aduaneira;
h) Informar os contribuintes e os operadores económicos sobre as respectivas obrigações fiscais e aduaneiras e apoiá-los no cumprimento das mesmas;
i) Assegurar o licenciamento do comércio externo dos produtos tipificados em legislação especial e gerir os regimes restritivos do respectivo comércio externo.
j) Colaborar com as autoridades competentes na definição e na execução das políticas de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, bem como assegurar a disponibilização de informação sobre a identificação das pessoas singulares que detêm a propriedade e o controlo de pessoas colectivas e de centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, nos termos previstos na lei.
XIV. A Recorrente entende que os factos dados como provados sob os números 12, 14, 15, 16, 19, 27, 31 e 35, devem considerar-se como não provados.
XV. Em primeiro lugar, decorre do artigo 203º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que “Os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Lei”.
XVI. Os meios de prova, que serão criticamente valorados pelo Tribunal nos termos do disposto no artigo 127º do CPC, estão previstos no artigo 128º e seguintes do CPC.
XVII. O Tribunal “ a quo” fundamenta a redação destes factos, com base no Manual de Procedimentos, a fls. 12 a 19 do apenso com o mesmo nome, que, aliás, transcreve.
XVIII. Relativamente a este Manual de Procedimentos foram interrogadas algumas testemunhas que negaram a existência ou conhecimento do mesmo, sendo que apenas a testemunha BBB confirmou ter sido a Autora desses procedimentos e de os ter comunicado a todos os seus subalternos (Diretora-geral dos serviços em que se integravam os Arguidos).
XIX. Foi, aliás, dito por um Agente da PSP, cujo depoimento se encontra transcrito, que não tinha tido conhecimento do Manual de Procedimentos, senão finda a investigação.
XX. Ainda assim, o Tribunal socorre-se do texto deste Manual de Procedimentos para provar os factos em crise.
XXI. Acresce ainda que o tratamento jurídico a dar aos bens móveis a que indiscriminadamente o Acórdão de que se recorre se refere, está previsto em legislação diversificada.
XXII. Com efeito, a Portaria 1513/2007, de 29 de novembro estabelece os procedimentos a adotar pelas forças de segurança pública em relação a objetos perdidos e achados;
XXIII. O decreto-Lei n.º 142/2019, de 19 de setembro, que Aprova o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil, dispõe no artigo 50º sobre bens abandonados.
XXIV. E, sem prejuízo da análise integral do regime jurídico aplicável em virtude do disposto na portaria e decreto-lei invocados, sempre terá o Direito Penal de socorrer-se das definições que a Lei Civil define para os bens perdidos e abandonados, pois que a natureza e efeitos jurídicos desta classificação determina, no caso concreto, uma aplicação diferenciada do disposto no artigo 375º, nº 1, do Código Penal.
XXV. De facto, se o artigo dispõe que a prática do crime só se observa relativamente a bens, públicos ou privados (aqui descurando-se a análise dos restantes elementos constitutivos do crime), é certo que quanto aos bens abandonados e cuja propriedade não seja do Estado (uma vez que o mero abandono não determina a inversão imediata do direito de propriedade a favor do Estado), o Tribunal não pode concluir e dar como provados os factos já anteriormente descritos e nos exactos termos em que o fez.
XXVI. Ora, cabia ao MP em 1ª Instância e ao Tribunal “a quo”, no Acórdão proferido dar como provados factos que resultem de um meio legalmente admissível de prova e/ou da aplicação da Lei em vigor.
XXVII. No caso concreto, nada foi dito quanto à natureza dos bens em causa; nada foi aferido relativamente à origem dos mesmos (por confronto com aquelas que são as atribuições e competências da Autoridade Tributária) e, consequentemente, porque os factos em referência só podem assentar em Leis em vigor em território nacional e o MP não coligiu a prova que poderia ter conduzido à demonstração inelutável dos factos dados como provados pelo Tribunal “ a quo”, têm aqueles de ser considerados não provados ou, caso V.Exas., Venerandos Desembargadores, entendam de outro modo, tem esse Tribunal Superior de determinar o requerido pela Recorrente ( e objecto de recurso de Apelação) e, consequentemente, ser o Acórdão do Tribunal proferido em 1ª Instância, alterado em conformidade com a resposta que vier a ser dada pelas entidades a notificar.
XXVIII. A tudo o que fica dito, sublinhe-se, que a legislação a que se fez anteriormente referência, determina, além das competências das entidades que devem dar tratamento aos bens perdidos ou abandonados e aos bens com origem internacional ou dos países que integram a União Europeia, prever os prazos e procedimentos aplicáveis, que não são aqueles descritos nos factos dados como provados, o que determina, de imediato, a impossibilidade de se manter como provados tais factos, tudo, com recurso ao já invocado artigo 203º, nº 1, da CRP.
XXIX. De facto, no âmbito da Portaria 1513/2007, de 29 de novembro, estabelece o seu artigo 3º que os “Objectos entregues à guarda das forças de segurança podem ser reclamados durante um ano após a entrega, devendo ser restituídos a quem prove ser titular de direito de propriedade ou equiparado sobre os mesmos, sendo elaborado o correspondente auto.
XXX. Se estes bens não vierem a ser reclamados, estabelece o n.º 4 do artigo 4º da identificada Portaria “que os bens não reclamados e que não tenham interesse para a força de segurança a que tenham sido entregues são, anualmente, sujeitos a leilão público, revertendo o montante apurado a favor dos seus respetivos serviços sociais.
XXXI. Ora, daqui decorre, para já, e em conformidade com o facto 3, na redacção que a Recorrente invoca ser a correcta, que só estarão licitamente guardados nas instalações da Autoridade Tributária, as mercadorias sobre as quais a Autoridade Tributária possa exercer uma acção de controlo, o que justificaria, uma vez mais, que o MP tivesse cuidado de distinguir a natureza jurídica e a proveniência dos bens em causa, o que não fez.
XXXII. Certo é que o Tribunal “a quo” resolveu esta deficiência na apreciação dos factos de forma célere, mas juridicamente errada. Note-se que, no facto dado como provado sob o 27, o Tribunal atribui personalidade jurídica a uma entidade que não existe e que, por essa razão, não é sujeito de direitos e deveres. Este e outros erros (pressupostos jurídicos) podem ter condicionado o entendimento do Tribunal “a quo” sobre a subsunção jurídica a dar aos factos sujeitos à sua apreciação.
XXXIII. O Aeroporto ... é um espaço físico, que é gerido por uma entidade – ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A. e como repetidamente referiu o colectivo de Juízes, temos de ser rigorosos, nomeadamente, quando está em causa a prática de factos subsumíveis a um eventual crime de peculato, como é o caso.
XXXIV. Porventura, o Tribunal poderia não ter sido alertado para a necessidade de aferir das competências de cada entidade envolvida na gestão do Aeroporto ..., mas foi-o. E não apenas pela Recorrente em requerimento que apresentou (objecto de recurso de apelação), como por testemunhas, que no seu depoimento, disseram o fizeram de forma consistente, conforme depoimentos anteriormente transcritos, designadamente aqueles das testemunhas KKK e LLL,
XXXV. Concretizando, e de acordo com o que fica dito, a Recorrente entende o seguinte quanto a cada um dos factos dos quais tem vindo a recorrer:
XXXVI. Facto número 12 – Não provado, porquanto o Tribunal não tenha elementos que lhe permitam concluir como conclui e o Manual de Procedimentos não existisse ou fosse do conhecimento dos trabalhadores da AT.
XXXVII. Facto número 14 – Não provado. O Tribunal sustenta a redacção deste facto no Manual de Procedimentos, sendo que há legislação aplicável a cada uma das entidades que gerem o Aeroporto ... – ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A., PSP E AUTORIDADE FISCAL E ADUANEIRA.
XXXVIII. A Recorrente não pode indicar outra qualquer redacção para este facto, uma vez que tal pressuporia que a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA tivesse sido notificada para esclarecer o Tribunal nos termos requeridos pela Recorrente e cujo requerimento foi indeferido e objecto de recurso de apelação.
XXXIX. Facto número 15 – Não provado, pelos fundamentos acima aduzidos.
XL. Facto número 16 – Não provado. Sempre teria o Tribunal de aplicar o disposto no artigo 1323º do Código Civil, se outra legislação não lhe for aplicada; o que não pode é aplicar um Manual de Procedimentos, cuja natureza jurídica é discutível e não era, como se demonstrou, do conhecimento dos trabalhadores.
XLI. Facto número 19 – Não provado. Pelos fundamentos já aduzidos, mas que requer ainda que se associe outro fundamento. Neste facto, o Tribunal afirma que alguém que encontre um objecto entrega-o directamente na Alfândega do Aeroporto .... Parte de dois óbvios erros: o primeiro é o de que quem encontra um objecto sabe se o mesmo é abandonado ou perdido e, o outro, é o de que, um terceiro que encontre um qualquer objecto na área internacional do Aeroporto ... o entregará espontânea e livremente ao serviço da Autoridade Tributária (e não, por exemplo, à PSP) e conhece da obrigatoriedade de o fazer concretamente a esta e não a outra entidade.
XLII. Com o devido respeito, que é muito por entendimento diferente, factos com esta redacção não podem ser admitidos como provados, porque, além do mais, roçam a absurdez.
XLIII. Facto 25 – Não provado. Atendendo ao que acima já se encontra dito e por se desconhecer a natureza concreta dos bens a que o facto se refere, o facto não pode ser dado como provado.
XLIV. Facto 27 – Não Provado. Conforme já se teve oportunidade de mencionar, o Aeroporto ... não tem personalidade jurídica, donde, juridicamente não se possa afirmar que disponibiliza arcas para guardar bens perecíveis. Mais, em nenhum momento, senão no mencionado Manual de Procedimentos, as invocadas arcas são referidas.
XLV. Facto 30 – Não provado. O que o Tribunal dá como provado está escrito no Manual de Procedimentos. Nenhuma testemunha que prestou depoimento sobre este Manual disse conhecê-lo (além de nunca este Manual poderá derrogar a Lei em vigor), designadamente as testemunhas cujo depoimento já se referiu: KKK, MMM, LLL, NNN (cujo depoimento relativamente aos equipamentos electrónicos infirma o que vai escrito neste facto, sendo que é do conhecimento público e notório, que pelo menos, relativamente à marca APPLE a remoção do anterior proprietário requer uma intervenção de um técnico que o consiga fazer) e, não menos importante, do próprio agente da PSP, investigador no caso concreto, que confirma que apenas quando terminou a investigação lhe deram o Manual de Procedimentos que o próprio juntou aos autos.
XLVI. Mais uma vez se afirma que a prova deste ou qualquer facto relativamente a bens e ao seu destino depende do conhecimento prévio da natureza jurídica dos bens, da sua origem e competência de cada uma das entidades envolvidas no destino a dar aos mesmos.
XLVII. Facto 31 – De acordo com o que se tem vindo a dizer, este facto, deverá ter a seguinte redacção: “Os bens cuja acção de controlo caiba à Autoridade Tributária e se encontrem à sua guarda pelos prazos legais previstos para o efeito e que não tenham valor comercial são deitados ao lixo ou destruídos.
XLVIII. E isto, porquanto, e além do que já se escreveu, o que as testemunhas disseram (vd a título de exemplo o depoimento já mencionado de OOO) reiteradamente, foi que os bens perecíveis, bem como diversos outros bens que chegavam às instalações da autoridade tributária já abertos e utilizados (sempre excluindo os bens que podem eventualmente ser objeto de direitos aduaneiros ou outras obrigações fiscais) eram colocados em sacos pretos do lixo, junto aos caixotes de lixo, que as empregadas, ao fazerem a limpeza, colocavam nos contentores de lixo normal.
XLIX. Estes bens, porque se encontram no lixo não podem senão ser considerados res nullius, pese embora o tribunal tenha, recorrentemente, instado os arguidos para a vergonha que representa alguém retirar do lixo um objeto, porque esse lixo se encontra nas instalações da autoridade tributária, e levá-lo para sua casa.
L. Facto 35. – Não provado. O Tribunal, sem conhecer da obrigatoriedade de registo dos bens pela Autoridade Tributária, da sua natureza jurídica e origem daqueles que se encontram à sua guarda não pode concluir o que conclui neste facto.
LI. A Recorrente recorre também do facto 13.
LII. A redacção deste artigo viola frontalmente a lei. De facto, de acordo com o que já ficou dito relativamente ao facto 3. na redacção proposta pela Recorrente, não cabe nas competências da Autoridade Tributária proceder à gestão dos perdidos e achados.
LIII. De acordo com o transcrito artigo 2º, nº 2, alínea a) do decreto-lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro e artigo 37º, da portaria 320-A/2011, de 30 de Dezembro, designadamente, nas sua alíneas a), b), n), s) e v), as Alfândegas têm competência para fiscalizar e garantir o cumprimento das obrigações fiscais e aduaneiras das mercadorias que entregam em território português e é apenas sobre estas que a Alfândega pode decidir sobre o destino a dar.
LIV. Mais, este facto, esvazia ou adultera, não só as competências da Autoridade Tributária e Aduaneira, como não reflecte, como cabia ao Tribunal fazer, as categorias e competências de cada um dos Arguidos, competências que relevarão, aliás, para a subsunção da prática do crime, face aos pressupostos do seu preenchimento – em razão das suas funções – bem se sabendo que este crime só pode ser praticado por funcionários (independentemente da questão jurídica que existe face à co-autoria por um não funcionário).
LV. As funções da Recorrente são inerentes à categoria de Verificadora Auxiliar Aduaneira, cujo conteúdo funcional é o seguinte: “o verificador auxiliar aduaneiro desenvolve funções de natureza executiva de aplicação técnica que se enquadram em diretivas gerais técnico -administrativas nas áreas da fiscalização e verificação das mercadorias, competindo -lhes, nomeadamente: Coadjuvar os técnicos superiores aduaneiros e os técnicos de verificação aduaneiros no exercício das funções da sua competência; Participar nos serviços de conferência de carga e descarga de mercadorias; Participar em equipas de fiscalização da competência dos serviços aduaneiros; Proceder sempre que necessário à movimentação, abertura, manipulação e fecho de volumes; Proceder à marcação e selagem de volumes e à selagem de meios de transporte; Efetuar a pesagem e medição das mercadorias; Conferir e controlar a entrada e saída dos volumes nas casas de despacho; Velar pela conservação e guarda do material afeto às operações de verificação e reverificação de mercadorias; Controlar a entrada, saída e permanência de volumes nos armazéns aduaneiros, bem como as entradas e saídas de equipamentos em estabelecimentos fabris sob jurisdição aduaneira; Registar e preencher as guias necessárias ao controlo de circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo; Executar o serviço de revisão pessoal, de bagagens e de meios de transporte, nos termos definidos na lei e nos regulamentos; Desempenhar outras tarefas que, na esfera da sua competência, lhes sejam superiormente determinadas. (extraído do Aviso n.º 9196/2016, de 15 de Julho).
LVI. Ora, quando o Tribunal “ a quo” menciona, no facto 13. que o setor de controlo de bagagens da alfândega do Aeroporto ... procede à gestão dos perdidos e achados … está a incorrer em mais um erro jurídico.
LVII. Com efeito, e de acordo com a legislação supra invocada, de acordo com as competências que lhe são atribuídas, a Alfândega pode, no âmbito das suas acções inspectivas apreender e reter mercadoria cujas obrigações fiscais e pautais aparentemente não estejam cumpridas. Facto, aliás, que além de decorrer da própria lei, foi de forma clara realçado pelas testemunhas NNN e KKK.
LVIII. Face ao que fica exposto, entende a Recorrente que o facto 13. no estrito cumprimento do rigor jurídico que se impõe, deverá ser considerado não provado ou provado com a seguinte redacção:
LIX. Facto 13 – “O setor de controlo de bagagens da Alfândega do Aeroporto ..., que procede à gestão dos bens apreendidos ou retidos no âmbito das suas competências, é composto por … “
LX. No facto 38. pode ler-se que: 38. “Acresce que, para dificultar e impedir o controlo dos perdidos e achados, a entrada de alguns objetos não chega a ser registada ou é registada de modo genérico e vago, sem a descrição de quaisquer características individualizadas de modo a dificultar ou impossibilitar o estabelecimento de correspondência um concreto objeto e o seu registo, como por exemplo: óculos sol IPhone, um anel, phones, 2 relógios virgula saco com 3 caixas de chocolates virgula iphone e uma pulseira, um telemóvel Nokia, o relógio, 4 anéis, Um Par de brincos, saco com diversos, óculos graduados, IPhone branco, iPhone branco, iPhone preto, iPhone preto, I iPhone preto.
LXI. Além de, a este passo, a Recorrente crer que a importância da destrinça entre bens abandonados, perdidos, sujeitos a direitos aduaneiros ou fiscais estar suficientemente sublinhada, entende que face à prova produzida o facto 38. Também não poderia ter sido considerado provado.
LXII. Com efeito, relativamente a “bens” e ao seu respectivo registo, foram prestados diversos depoimentos que infirmam o que o Tribunal concluiu neste facto, a saber, os depoimentos das testemunhas KKK, MMM, PPP e LLL.
LXIII. Ora, do que decorre já escrito e é corroborado pelas testemunhas, os bens que se encontram, ao abrigo das suas competências, à guarda da Alfândega do Aeroporto ... são, efectivamente registados, havendo, aliás, lugar ao seu registo informático.
LXIV. Acresce que, nos autos não consta qualquer facto ou descrição que se reconduza à perda ou eventual abandono de um bem nas instalações do Aeroporto ..., fora dos casos descritos na redacção do artigo 38. que se repute como certa, razão pela qual, não podia o tribunal generalizar a redação do artigo 38 como fez e, ademais, incluir nele situações que não estão sequer descritas na pronúncia e sobre as quais, em consequência, não puderam os arguidos.
LXV. Entende, pois, a recorrente que o facto 38 dado como provado deveria ser considerado como não provado ou, admite-se, corrigido, passando a ter a seguinte redacção:
LXVI. 38. Os objetos que se encontram nas instalações da autoridade tributária têm origem nos bens que são perdidos, abandonados, apreendidos e retidos pelos serviços da alfândega do Aeroporto ...; sempre que os bens são encontrados nas aeronaves ou aerogares, o registo dos mesmos é efetuado pela empresa de handling que, decorrido o prazo legal, os entrega, com a folha de registo preenchida aos serviços da alfândega; os bens apreendidos e retidos são objeto de autos de apreensão ou contra ordenação e guardados numa sala que existe para este efeito nas instalações da autoridade tributária com a cópia do respetivo auto, agrafada.
LXVII. Quanto ao artigo 41, que a Recorrente entende que deve, igualmente, ser considerado como não provado, e isto, porquanto,
LXVIII. Além do que já ficou dito anteriormente quanto à natureza dos objetos e a sua proveniência, decorre ainda da redacção deste facto que o tribunal afirma que a amálgama dos bens a que se vem referindo se encontrava acessível aos arguidos, e concretamente à Recorrente, por causa das suas funções.
LXIX. As funções da recorrente já se encontram acima transcritas, sendo que, do conteúdo funcional não resulta que é dever da recorrente guardar e manter vigiadas mercadorias perdidas, abandonadas, apreendidas ou retidas pela AT ou por qualquer outra entidade que use as instalações da autoridade tributária para guardar os bens cuja guarda decorra das responsabilidades que legalmente lhe serão atribuídas.
LXX. Importa ainda, para o recurso deste facto, atender ao depoimento de algumas testemunhas, designadamente, OOO e KKK, já transcritas.
LXXI. Por último, e sem prejuízo de melhor e mais douto entendimento, entende a recorrente que o facto que consta do artigo 41, não é mais do que uma conclusão com vista à preparação da condenação dos arguidos na prática do crime de peculato.
LXXII. Por tudo o que se expôs, a recorrente entende que o facto número 41 deve considerar-se como um facto não provado.
LXXIII. A Recorrente entende igualmente que o facto dado como provado sob o 223. deverá considerar-se como não provado ou com a redacção alterada.
LXXIV. Com efeito, o tribunal conclui relativamente a todos os arguidos que os mesmos se terão apropriado de objetos depositados no armazém dos perdidos e achados que lhes foram entregues em razão das suas funções.
LXXV. A recorrente afirma, para já, que os arguidos identificados no facto 223, não exercessem todos a mesma função.
LXXVI. A recorrente reafirma, neste passo, que a afirmação de que os bens foram entregues aos arguidos em razão das suas funções, pressupõe, anteriormente, que o tribunal identifique quais os bens de entre aqueles que terão sido retirados pelos arguidos das instalações da alfândega do Aeroporto ..., se encontram a guarda desta entidade por causa das atribuições que a lei prevê. Mais, e conforme já resulta anteriormente descrito as funções que é recorrente exercia na alfândega de ... não se reconduziam a uma qualquer função relativa a gestão de um armazém de perdidos e achados ( seja qual for, em todo o caso, o sentido que o tribunal de 1ª Instância atribuiu a esta denominação).
LXXVII. Assim, a Recorrente apenas concede na seguinte redação do facto dado como provado como 223, a saber:
LXXVIII. Facto 223. “Do modo escrito, os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, QQQ, VV, e WW, agiram com o propósito concretizado de ser apropriarem de objetos que se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária, no armazém dos perdidos e achados e que lhe estavam acessíveis.[”]
LXXIX. Sem prejuízo do que fica dito, e ainda que se considerarem correctos os factos dados como provados pelo Tribunal “ a quo”, o crime de Peculato só é preenchido se o agente for um funcionário; se se apropriar (subtraiar), em proveito próprio ou de outra pessoa; de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, pública ou particular; que lhe tenha sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções e que essa apropriação seja ilegítima.
LXXX. O agente tem ainda de actuar com intenção de apropriação desses bens, sabendo que tal actuação é proibida e punida por lei.
LXXXI. No caso concreto, entende a Recorrente que não se preencheram quanto a si, e quanto aos demais Arguidos, aliás, todos os elementos objectivos e o elemento subjectivo do crime de peculato.
LXXXII. Com efeito,
LXXXIII. O espaço físico onde se desenvolve a acção dos Arguidos é o Aeroporto ....
LXXXIV. Este espaço é gerido, no essencial, por quatro entidades distintas: ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A., POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, GUARDA NACIONAL REPÚBLICA e AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
LXXXV. Cada entidade exerce as suas funções de acordo com as competências legalmente atribuídas.
LXXXVI. No âmbito das competências atribuídas à Autoridade Tributária e Aduaneira e conforme já anteriormente mencionado, as mesmas estão previstas no artigo 2º do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro e no artigo 37º da portaria nº 320-A/2011, de 30 de Dezembro e circunscrevem se a mercadorias ao meios de transporte introduzidos no território aduaneiro da comunidade e sobre os locais de armazenamento das mercadorias sob a ação fiscal, isto é, por forma a garantir o cumprimento das formalidades aduaneiras necessárias a apresentação das mercadorias à alfândega e no âmbito do processo de alfandegamento das mesmas.
LXXXVII. Quer isto dizer, por outras palavras, que sempre que uma mercadoria entra no território da Comunidade Europeia, por Portugal, a AT fiscaliza se os direitos aduaneiros foram cumpridos, e, não tendo sido, procede à apreensão ou retenção destas mercadorias, lavrando os respetivos autos de apreensão ou de contra-ordenação, conforme se lhes aplique uns ou outros.
LXXXVIII. Todas as restantes mercadorias, isto é, as bagagens não identificadas, bagagens encontradas num aeroporto/aeródromo com ou sem etiqueta, relativamente às quais não foi possível reconciliá-las, por qualquer meio, com o respetivo passageiro, seu proprietário, têm um tratamento diferenciado, cuja competência não cabe à ATD, mas à PSP, conforme a portaria a que já se aludiu anteriormente.
LXXXIX. Existem, além do mais, procedimentos internos definidos pela entidade que gere o Aeroporto ... – ANA AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A. em articulação com as restantes entidades – ATD, PSP e GNR – por forma a garantirem um total controlo sobre os registos da mercadoria em trânsito no Aeroporto.
XC. Porém, conforme decorre do já anteriormente exposto, nenhuma diligência foi tomada pelo Tribunal para aferir da origem dos bens que foram apreendidos aos arguidos, o que permitiria ou não permitiria, de imediato, afastar a dúvida de saber se os identificados bens eram acessíveis aos arguidos, e em particular a recorrente, em razão das suas funções.
XCI. Conforme sumário do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo 214/11.8PCCBR.C1, “ I. O segmento “acessível em razão das suas funções” referido no n.º 1, do art.º 375º, do C. Penal, que se reporta ao tipo legal de crime de “Peculato”, exige uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo/supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções e que vem a postergar com abuso ou infidelidade das específicas funções, ao apropriar-se, para si ou para terceiro, dessa mesma coisa - não sendo suficiente apenas a simples acessibilidade física em relação à coisa de que se apropria.
XCII. Daí que, a verificar-se que os bens se encontram guardados num armazém denominado perdidos e achados nas instalações da AT no Aeroporto ..., são bens aí colocados por mera tolerância da AT, em nome da PSP, competente para o efeito, sempre se teria de concluir que tais bens não estão ou eram acessíveis a recorrente por causa e no exercício das suas funções específicas de técnica verificadora auxiliar.
XCIII. De facto, “ … não basta a qualidade de funcionário para se estar sujeito a incriminação pelo crime de colapso, é também requisito cumulativo que o ato seja praticado em função do cargo que o funcionário exerce ou por motivo dele, através da violação de um dever de probidade que sobre ele impende ponto nesta conformidade o peculato é crime por violação de deveres. (António Barreiros, in Crime de Peculato, página 54).
XCIV. Simas Santos e Leal Henriques, em nota ao artigo 375º do Código Penal, afirmam que o que importa para os fins do artigo é que o funcionário se apresenta a atuar por motivo ou em função do cargo que concretamente exerce. Cavaleiro de Ferreira afirma que “o elemento essencial que diferencia o crime de peculato consiste, portanto, não somente na qualidade de funcionário Público e na violação de qualquer dever de função, mas na violação de um dever específico de função relativa dinheiro ou bens móveis que lhe tenham sido entregues no exercício da própria função pública.
XCV. No mesmo sentido, mas ainda com maior precisão, o parecer da Procuradoria geral da República, subscrito por António Miguel Caeiro (BMJ, 148, página 112): “ Não é qualquer violação de um dever de função que caracteriza o peculato, ainda que tenha atuado sobre bens móveis do Estado. É preciso que se esteja perante uma obrigação de serviço cujo conteúdo seja o direito ou o interesse do Estado sobre a coisa, objeto do crime.”
XCVI. Sem conceder, o crime de peculato pressupõe a existência de um dano (proveito próprio ou de terceiro) por referência a um bem ou a dinheiro.
XCVII. O legislador quererá ter previsto, face aos bens jurídicos protegidos – fidelidade, direitos patrimoniais, interesses do Estado – que o bem que é apropriado tem um determinado valor, facto, aliás, evidente, se atentarmos ao facto de o nº 2, do artigo 375º do Código Penal desagravar a medida abstracta da pena, em função do valor diminuto do bem com o qual o agente se apropria.
XCVIII. Por outras palavras, e sem prejuízo do que já ficou dito quanto à atribuição do valor a cada um dos bens apreendidos aos Arguidos, e em particular à Recorrente, todos os bens cujo destino seja o lixo, não permitem o preenchimento dos elementos objetivos do crime a que se faz referência.
XCIX. Sendo certo que a atribuição do valor a cada um dos bens não pode ser efectuada por referência a sites na internet e, muito menos, pode o Tribunal afirmar, como fez, que os funcionários da Alfândega do Aeroporto ... utilizam o mesmo critério, uma vez que não o fazem.
C. De facto, em declarações já acima transcritas, a testemunha RRR, afirma que além do recurso a sites, aferem do funcionamento dos equipamentos, conforme já acima mais bem esmiuçado.
CI. De todo o modo, e quanto ao proveito próprio ou de terceiro, crê-se ademais, que o legislador quando refere proveito próprio ou de terceiro, fá-lo por referência ao valor patrimonial do bem com o qual se apropria o funcionário, e não de forma restrita à utilidade que do bem possa advir para o agente
CII. Em conclusão, e embora tivesse resultado evidente que, relativamente aos bens que se encontravam nas instalações da AT, no denominado armazém dos perdidos e achados, decorrido o prazo de reclamação pelo seu legítimo proprietário, sem que este o fizesse, alguns desses bens eram colocados no lixo, em sacos pretos levados pelas empregadas de limpeza ou permanecessem numa sala, sem destino ou utilidade - malas de viagem usadas ou equipamentos eletrónicos - para uma eventual destruição, o tribunal não cuidou de sopesar como lhe cabia as consequências da inutilidade de determinado bem para efeitos por preenchimento do crime de peculato, facto que, além de decorrer das declarações de todos os Arguidos, resulta claramente do depoimento da testemunha OOO, já acima transcrita.
CIII. Não se provando, pois, o proveito próprio ou de terceiro na apropriação dos bens que lhe foram apreendidos, entende a recorrente, que ainda que o facto 121 se mantenha inalterado, o que não concede, não tinha o tribunal recorrido os elementos necessários para concluir pelo preenchimento deste elemento objetivo em concreto.
CIV. Ora, do que se vem expondo ainda decorre que um dos elementos objetivos do crime de peculato é o facto de o bem com o qual o agente se apropria ser propriedade/posse do Estado ou de um particular.
CV. Cavaleiro Ferreira conclui, na Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Ano 4.º, 1944, n.º 3 e 4 (3.º e 4.º trimestres), “Natureza do crime de peculato. O peculato como crime patrimonial e como violação dos deveres de função. Eficácia do caso julgado de decisões não penais em processo penal” que: “E assim, não haverá peculato se as coisas objecto do crime forem particulares e sobre elas não incidir qualquer direito do Estado.
CVI. António Barreiros, na obra citada, afirma que: “Res nullius: daqui decorre a tipicidade da apropriação de uma res nullius, já que esta integra uma categoria jurídica sem titular próprio e insuscetível, como tal, de integrar o objeto do crime de peculato”.
CVII. O que leva a Recorrente a concluir, e uma vez mais, que desconhecendo o Tribunal a natureza jurídica dos bens e a sua origem, face à prova produzida, não poderia lançar senão mão do princípio in dúbio pro Reo e absolver a Recorrente do que crime de peculato de que vinha pronunciada.
CVIII. Sendo, que também se poderia e deveria entender, que não estaria preenchido o elemento subjectivo do crime, porquanto a Recorrente não soubesse (não sendo exigível que o soubesse) ou não tivesse consciência, que não poderia apropriar-se de objectos destinados a lixo.
CIX. E, mais uma vez, fica evidenciada a necessidade de, antes de prolatada qualquer decisão no caso concreto, ser essencial determinar a natureza e origem dos bens, a fim de concluir se os bens que foram apreendidos são de particulares ( o que se poderá entender se ainda não decorrido o prazo para a sua reclamação e entrega ao legítimo proprietário) ou do Estado (o que é evidente no caso dos bens apreendidos e retidos e objecto de autos de apreensão e contraordenação).
CX. Todavia, quanto a bens de particulares e após o prazo de reclamação, os mesmos não podem ser percebidos como bens do Estado; eventualmente como bens a que o Estado irá dar um destino, que é uma outra questão jurídica.
CXI. Porém, o próprio Tribunal confunde as duas situações jurídicas, o que se percebe, uma vez que seria ab Initio que deveria ter sido verificada a origem e natureza dos bens, não procurando colocar, como se fez, “tudo no mesmo saco”.
CXII. O que é evidente pelo confronto dos factos dados como provados nos números 224. E 225.
CXIII. Com efeito, a prova do facto 224. pressupõe que os vários bens que terão sido, alegadamente, levados pelos arguidos das instalações da autoridade tributária, pertenciam ao Estado; uma vez que o Estado só empobrece se os bens apreendidos (alguns ou todos) fossem de sua propriedade ou se o Estado tivesse um direito legítimo em fazer seu o dinheiro da sua venda, o que não parece ser uma conclusão possível relativamente a, pelo menos, todos os bens, uma vez que o destino a dar aos mesmos, além da venda em leilão, seria a sua doação ou a sua destruição ( o que inclui a simples remessa desses bens para o lixo orgânico).
CXIV. Conforme já recorrentemente afirmado nestas alegações de recurso a natureza dos bens em causa tem de ser discriminada e o tribunal “a quo” não pode concluir pela propriedade os bens a favor do Estado, sem que tal direito esteja expressamente consagrado na lei, que o tribunal não invoca em momento algum do seu Acórdão (artigo 203º, nº 1, da CRP).
CXV. A contradição entre o facto 224 e 225 é evidente, pois se no primeiro, o Tribunal refere o empobrecimento do Estado pelo facto de os Arguidos e, nomeadamente, a Recorrente, terem-se apropriado dos bens; no segundo, faz já uma distinção entre os bens do Estado e os bens que estavam à sua guarda, invocando um regime legal (que mais uma vez não concretiza), quanto ao fim a que estariam os mesmos bens votados.
CXVI. Entende, pois, a Recorrente, e sem prejuízo de tudo o que anteriormente foi dito, que existe, no caso concreto, também um erro de julgamento que resulta de uma distorção da realidade factual e subsequente aplicação da mesma ao direito, de forma a que o decidido no Acórdão de que se recorre não corresponde à realidade ontológica ou à normativa, e traduz uma apreciação dos factos submetidos em julgamento, em desconformidade com a lei.
CXVII. E, por tudo quanto ficou dito, que a Recorrente deveria ter sido absolvida do crime de peculato de que foi acusada, por não estarem preenchidos todos ou alguns dos elementos objectivos do crime e o seu elemento subjectivo, não sendo possível, condenar a Recorrente por um comportamento negligente.
CXVIII. O acórdão de que se recorre viola, no modesto entendimento da Recorrente, o disposto no artigo 410º, nºs 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.
Face ao exposto, tudo com o mui suprimento de V. exas. deve o Acórdão de que se recorre ser revogado e determinado a realização de um novo julgamento após a realização da prova requerida pela Recorrente e objecto de Recurso de Apelação ou, caso se entenda que a mesma é despicienda, absolver a Recorrer da prática do crime de peculato de que vem condenada, por não se encontrarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do mencionado crime.
Assim se decidindo, far-se-á, a Costumada Justiça!”.
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7.1. Recurso interlocutório.
Previamente, inconformada com o despacho do Tribunal a quo de 10/05/2023 (refª 425578182), que indeferiu a realização das diligências por si requeridas, a arguida RR apresentou recurso interlocutório, a subir a final, terminando a motivação deste recurso com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
1. O presente recurso tem por objeto o despacho com a Ref. CITIUS 425578182 proferido no dia 10.05.2023, na parte em que indefere o requerimento de diligências probatórias da ora Recorrente, este com a Ref. CITIUS 35582071 e datado de 04.04.2023.
2. Tendo sido apurado em Audiência de Discussão e Julgamento que os bens que se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira têm uma de duas origens, sendo bens apreendidos por violação das normas impostas no Código Aduaneiro da União, ou bens perdidos em aeronaves ou deixados involuntária ou voluntariamente no Aeroporto ..., requereu a ora Recorrente que aquela entidade viesse aos autos esclarecer, sumariamente, (i) em que data os objetos foram encontrados; (ii) o local concreto onde os mesmos foram encontrados; (iii) qual o destino dos objetos e de que modo esse destino lhes seria dado: a destruição, a inutilização – lixo – ou a doação ou venda mediante leilão.
3. O Tribunal a quo indeferiu o requerimento probatório da Recorrente, entendendo que as diligências pedidas não seriam absolutamente imprescindíveis para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, na medida em que não seriam adequadas ou necessárias para infirmar ou confirmar o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime em causa, que é o crime de peculato.
4. Na verdade, não assiste razão ao Tribunal a quo, porquanto no caso concreto urge esclarecer qual o tratamento legal dado aos objetos que violam as normas impostas no Código Aduaneiro da União ou que foram perdidos em aeronaves ou no Aeroporto ..., e que por essas circunstâncias se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira naquele local.
5. Porquanto, sem conseguir esclarecer a quem pertencem estes bens, qual o seu destino, e quem tem a competência legal de o determinar, está o julgador longe de poder concluir pela comissão do crime de peculato, uma vez que não está preenchido o elemento típico objetivo que consiste na apropriação ilegítima.
6. Neste sentido, note-se que o artigo 340.º do CPP encerra um poder vinculado, sendo por isso inadmissível a discricionariedade do Tribunal em matéria de deferimento ou indeferimento de requerimentos probatórios, no sentido em que, desde que estejam cumpridos os requisitos constantes do referido artigo 340.º, o Tribunal de Julgamento é obrigado a deferir tais requerimentos e a produzir a respetiva prova.
7. O acórdão desta Veneranda Relação de Lisboa, de 07.02.2023, esclarece que “as novas provas [admitidas ao abrigo do artigo 340.º do CPP], terão de ser apenas pertinentes, legais, não supérfluas, relevantes e adequadas, no sentido de não serem de obtenção impossível ou duvidosa”, o que manifestamente ocorre no caso sub judice.
8. De facto, percorrendo os requisitos do artigo 340.º do CPP, forçoso é concluir que as diligências de prova requeridas pela Recorrente resultam num decisivo contributo para avaliar do preenchimento, ou não, do elemento objetivo do tipo de crime que é a apropriação ilegítima dos bens.
9. A prova efetivamente produzida em Audiência de Discussão e Julgamento no processo sub judice revelou que não cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira gerir ou dar destino a mercadorias classificadas como perdidas ou abandonadas no Aeroporto ....
10. A entidade que, nos termos da lei, tem competência e obrigação de cumprir os procedimentos legais relativamente a bens que são abandonados ou perdidos no Aeroporto ... é a Polícia de Segurança Pública.
11. Acresce que toda a restante prova produzida na concreta Audiência de Discussão e Julgamento demonstra a falta de responsabilização, seja da Autoridade Tributária e Aduaneira, seja de qualquer outra entidade, pública ou privada, pelo destino dos bens em causa, perdidos em aeronaves ou no Aeroporto .... Nem a Autoridade Tributária e Aduaneira tem essa competência conferida por lei, nem sequer a exerceu por opção, ainda que o fizesse ilegalmente.
12. Diga-se ainda que a lei confere o prazo de um ano para o titular reclamar os seus bens perdidos que estão à guarda da Polícia de Segurança Pública, findo o qual cabe a esta entidade dar o destino apropriado aos bens que não são reclamados e que, por isso, são considerados perdidos.
13. Deste modo, resulta juridicamente impossível os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira violarem o bem jurídico protegido pela incriminação do peculato – no caso concreto, a fidelidade que devem à sua entidade patronal.
14. Mais, resulta juridicamente impossível o funcionário apropriar-se ilegitimamente de bens que, de acordo com a prova produzida, não têm proprietário.
15. Refira-se ainda que uma res nullius configura uma atipicidade da apropriação ilegítima, porquanto se trata de uma categoria jurídica sem titular próprio que exclui a comissão do crime.
16. Nesta sequência, veja-se que, volvendo ao requerimento probatório aduzido pela Recorrente, a data do registo de entrada dos bens tem como finalidade probatória determinar se já teria decorrido, ou não, o prazo legal para que os bens fossem declarados perdidos; o local onde tais bens foram encontrados tem como finalidade probatória averiguar a quem cabe dar-lhes tratamento, sendo que, se foram encontrados em local público ou meio de transporte, é competente a Polícia de Segurança Pública; o registo do destino a dar aos bens tem como finalidade probatória confirmar que os mesmos foram declarados perdidos, donde sem titular.
17. No caso concreto estão portanto cumpridos os requisitos constantes do artigo 340.º do CPP, e nessa medida o Tribunal a quo estava vinculado ao deferimento das diligências probatórias requeridas pela Recorrente, o que não fez, devendo por isso V. Exas. revogar o despacho recorrido e determinar que o Tribunal a quo proceda às diligências probatórias requeridas.
Pelo exposto, deve o despacho recorrido ser revogado e devem V. Exas. determinar que o Tribunal a quo proceda às diligências probatórias requeridas pela Recorrente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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8. Inconformado, o arguido GG interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
1.ª A pena concretamente aplicada ao recorrente de 4 ([quatro]) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de peculato p. e p. pelo n.º 1 do art.º 375.º do Código Penal é excessiva, não tendo tido devidamente em conta todas as atenuantes que militam a favor do recorrente.
2.ª O art.º 71.º do Código Penal estabelece as razões legais da aplicação da pena: a culpa – ponto e referência que o julgador não pode ultrapassar – e a prevenção, geral e especial.
3.ª Só finalidades de prevenção – nunca finalidades absolutas de retribuição e expiação – podem justificar e legitimar a pena.
4.ª Dispõe o art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal, sobre as finalidades da punição, que são a protecção dos bens jurídicos mas também, e não num plano de subalternidade a protecção e reintegração do arguido na sociedade.
5.ª Atenta os factos dados como provados, no entender do ora recorrente poderiam e deveriam ter conduzido o Colectivo à aplicação de uma pena mais branda.
6.ª Neste caso, entende o recorrente que o Tribunal recorrido teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.
7.ª Com efeito, o princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas, afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados.
8.ª Assim entende-se adequada e proporcional aos factos praticados pelo arguido que lhe seja aplicada uma pena fixada entre 1 (um) e os 3 (três) anos de prisão, à semelhança da maioria dos coarguidos.
9.ª Nos termos do art.º 71.º, do Código Penal para determinação da medida da pena deve atender-se a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra o agente e a favor dele.
10.ª Quanto às circunstâncias que depõem contra o recorrente o douto tribunal recorrido refere que relativamente a todos os arguidos o grau de ilicitude dos factos é elevadíssimo, a intensidade do dolo que se revela elevada, uma vez que atuaram com dolo direto (quanto a todos os arguidos e em todas as situações) e a frequência com que se depara com estes tipos de crimes.
11.ª Quanto às circunstâncias que depõem a favor dos arguidos refere o douto acórdão que todos os arguidos denotam estruturação e apoio familiar, bem como integração social e inserção laboral, beneficiando de uma imagem de boa reputação no meio em que se inserem e de nada constar dos certificados de registo criminal de todos os arguidos sendo assim primários.
12.ª Ora Venerandos Juízes Desembargadores, tendo o Douto Tribunal recorrido feito uma fundamentação idêntica para todos os arguidos e aplicado aos coarguidos penas que variam entre 1 (um) a 3 (três) anos de prisão, não entende o recorrente a razão de ter sido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pena esta que se situa acima do limite médio da pena aplicável ao crime de peculato p. e p. pelo n.º 1, do art.º 375.º do Código Penal.
13.ª Assim, entende-se adequada e proporcional aos factos praticados pelo arguido que lhe seja aplicada uma pena fixada entre 1 (um) e os 3 (três) anos de prisão, como aconteceu com a maioria dos coarguidos.
14.ª Houve por parte do tribunal recorrido errada aplicação dos arts. 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º do Código Penal.
15.ª Não foi feita qualquer prova em sede de audiência de julgamento que permita concluir para além de qualquer dúvida razoável que os objectos apreendidos tenham como proveniência o Aeroporto ..., cabendo ao Ministério Público fazer tal prova.
16.ª O Tribunal apenas refere que atenta a sua situação económica inexiste qualquer explicação lógica e razoável para a posse de tais artigos.
17.ª Ora Venerandos Juízes Desembargadores o recorrente tem 48 anos de idade tendo iniciado o seu percurso profissional na função pública em junho de 2000, no Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital Segurança Social ....
18.ª O recorrente começou por desempenhar a actividade como assistente administrativo na secção de aprovisionamento e património, passando posteriormente (entre 2004 e 2006) a exercer funções de assistente técnico em serviço de atendimento direto ao público, tendo sido mobilizado em meados de 2018 para a Autoridade Tributária e Aduaneira.
19.ª O recorrente recebe de ordenado € 1.240,00 mensais, sendo que a sua companheira é professora do ensino básico e aufere cerca de € 1.600,00 mensais.
20.ª Resulta assim claro que o recorrente tinha capacidade económica para ao longo dos anos ter adquirido os produtos e objectos que foram apreendidos.
21.ª Por não ter sido provado que estes objectos estão directamente relacionados com a prática do crime pelo qual o recorrente foi condenado, não se verificam assim nenhum dos requisitos previstos no art.º 109.º do Código Penal que possam levar a que os mesmos sejam declarados perdidos a favor do Estado.
22.ª Deve em consequência, ser determinada a devolução desses objectos ao recorrente, seu legítimo proprietário.
23.ª Houve por parte do tribunal recorrido a violação do art.º 109.º do Código Penal.
24.ª Dispõe o n.º 1 do art.º 53.º do Código Penal que “O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.”.
25.ª Acontece que, o tribunal recorrido na fundamentação da decisão de suspensão da pena refere “ (… impõe-se ter em consideração, e é comum a todos os arguidos, o facto de os mesmos denotarem adequada integração social e profissional, bem como estruturação familiar…).
26.ª Refere depois como fundamentação da aplicação do regime de prova “ (… por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção ativa e responsável no tecido comunitário envolvente…).
27.ª Existe Meritíssimos Juízes Desembargadores uma clara contradição entre estas duas fundamentações.
28.ª No caso concreto do recorrente, a suspensão da execução da pena de prisão é bastante para acautelar as necessidades de prevenção especial que resultam da aplicação no n.º 1 do art.º 53.º do Código Penal.
29.ª Assim requer-se a V. Exas. Meritíssimos Juízes Desembargadores que seja revogada a sujeição do recorrente a regime de prova.
30.ª Houve por parte do tribunal recorrido a violação do art.º 53.º do Código penal.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., dando provimento ao presente recurso deve o recorrente:
- Ser condenado em pena fixada entre 1 (um) e os 3 (três) anos de prisão;
- Serem-lhe restituídos os objectos apreendidos;
- Seja revogada a sujeição do recorrente [a] regime de prova.
ASSIM FARÃO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA
Normas Violadas: art.º 40.º, art.º 71.º, art.º 109.º e Art.º 53.º todos do Código Penal.
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9. Inconformado, o arguido SS interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“I- Tem o presente recurso como objeto matéria de direito, no que diz respeito à decisão referente à matéria penal, que condenou o arguido SS, aqui Recorrente, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P., pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º, nº1 do Código Penal.
II- O Arguido SS, aqui Recorrente, foi condenado na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P., pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º, nº1 do Código Penal.
III- O Arguido SS, aqui Recorrente, no decurso da 1ª sessão da Audiência de Discussão e Julgamento em que esteve presente prestou declarações, tendo assumido a retirada de alguns objetos do armazém dos “perdidos e achados”.
IV- Não tendo assumido a retirada dos demais objetos de que foi acusado porquanto os mesmos efetivamente não haviam sido retirados do armazém dos “perdidos e achados”.
V- Os objetos que não foram assumidos pelo Arguido SS como tendo sido retirados do armazém dos “perdidos e achados” tinham proveniência lícita, já que alguns dos mesmos foram comprados por si ou pela sua ex-mulher e os demais oferecidos por amigos e/ou familiares.
VI- Circunstancialismos estes que o Arguido SS, aqui Recorrente, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento, logrou explicar com clareza e detalhe.
VII- Tanto assim é que, o Tribunal a quo, e bem, vem dar apenas como provada, no Acórdão de que se recorre, a retirada dos bens que foram confessados pelo Arguido SS, aqui Recorrente (Factos 157 a 161 (inclusive) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo).
VIII- Dando como não provada a reiterada dos objetos que o Arguido não assumiu, porquanto os mesmos não haviam sido retirados do armazém dos “perdidos e achados” (Factos OO. a QQ (inclusive) dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo).
IX- O Arguido SS, aqui Recorrente, confessou a retirada de alguns dos objetos do armazém dos “perdidos e achados”, sem quaisquer reservas, de livre e espontânea vontade, demonstrando um profundo e sincero arrependimento.
X- Tendo nesse seguimento, e a fim de tentar reparar, na medida do que lhe era possível, o Estado, depositado voluntariamente o valor, que foi atribuído no âmbito do presente processo, a cada um dos objetos que assumiu ter retirado do armazém dos “perdidos e achados”.
XI- O Arguido SS, aqui Recorrente, efetuou, voluntariamente, um depósito a favor do Estado no valor de 495,00€ (quatrocentos e noventa e cinco euros) (Requerimento com a Ref. 45395265, datado de 26/04/2023, junto aos autos).
XII- Tendo desta forma, e na medida do que era possível, ressarcido o Estado da retirada dos objetos que confessou.
XIII- Entende o Arguido SS, aqui Recorrente, que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada, porquanto a mesma deveria ser inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, também ela suspensa na sua execução.
XIV- Os objetos que foram pelo Arguido SS, aqui Recorrente, retirados do armazém dos “perdidos e achados” foram por si confirmados, confessando integralmente e sem reserva, de livre e espontânea, demonstrando um profundo e sincero arrependimento.
XV- Não tendo confessado a retirada de outros objetos, que aliás, vieram a ser dados como não provados, porquanto os mesmos efetivamente não haviam sido retirados por si do armazém dos “perdidos e achados”.
XVI- O Tribunal a quo ao determinar a medida da pena deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento, a reparação e a vontade manifestada pelo Arguido SS em reparar a sua atitude e não voltar a praticar qualquer ato como o que está em causa nos presentes autos e, nessa sequência, condenar o mesmo numa pena inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, também ela suspensa na sua execução.
XVII- Entende o Arguido SS, aqui Recorrente, que o Tribunal a quo não teve em consideração o supra referido e em consequência de tal violou o normativo correspondente à determinação da medida da pena, prevista no artigo 71º do Código Penal.
XVIII- Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que depuseram a favor e contra o agente do crime, nos termos do artigo 71º do Código Penal.
XIX- De acordo com o nº2 do artigo 71º do Código Penal, na determinação concreta da pena o Tribunal terá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao factos e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
XX- Na audiência de discussão e julgamento, o Arguido SS, aqui Recorrente, mostrou uma postura de humildade, arrependimento e consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados.
XXI- Demonstrando sentimentos de vergonha pela prática dos mesmos.
XXII- O Arguido SS, aqui Recorrente, não tem antecedentes criminais.
XXIII- Nunca tendo praticado qualquer facto ilícito.
XXIV- O Arguido SS, aqui Recorrente, sempre esteve inserido na sociedade, trabalhando e tendo um enquadramento familiar estável e de apoio por parte dos familiares, não obstante a separação conjugal ocorrida após a sua constituição como arguido no âmbito do presente processo.
XXV- O Arguido SS, aqui Recorrente, apresentou e continua a apresentar uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advém, o que mostra um juízo de prognose favorável à sua reintegração social, o que aliás resulta evidente do Relatório social que foi junto aos autos.
XXVI- Todos estes factos deveriam ter sido tidos em conta pelo Tribunal para a aplicação da medida concreta da pena, a qual, necessariamente, deveria ser inferior àquela em que foi condenado, também ela suspensa na sua execução.
XXVII- O que não aconteceu.
XXVIII- Sem olvidar que, a medida concreta da pena na qual o aqui Arguido SS, aqui Recorrente, foi condenado é muito próxima da medida concreta da pena na qual outros arguidos no âmbito do presente processo, que não confessaram a prática dos factos, foram condenados.
XXIX- O que, desde logo, é revelador de que os factos supra referidos - confissão, o arrependimento, a reparação e a vontade manifestada pelo Arguido SS em reparar a sua atitude e não voltar a praticar qualquer ato como o que está em causa nos presentes autos – não foram devidamente valorados para a aplicação da medida concreta da pena nos termos do artigo 71º do Código Penal.
XXX- Acresce que, entende o Arguido SS, aqui Recorrente, que o Tribunal violou os normativos legais referentes à atenuação especial da pena, prevista no artigo 72º [d]o Código Penal.
XXXI- Ora, de acordo com o já supra referido, o Arguido SS, aqui Recorrente, a fim de tentar, na medida do que lhe era possível, reparar o Estado efetuou um depósito a favor do mesmo no valor de 495,00€ (quatrocentos e noventa e cinco euros), que corresponde ao valor que no âmbito do presente processo foi atribuído aos objetos que o mesmo confessou ter retirado do armazém dos “perdidos e achados”.
XXXII- Tendo desta forma demonstrado o seu arrependimento sincero e reparado, até onde lhe era possível, os danos sofridos.
XXXIII- Ora, a reparação dos danos sofridos é, de acordo com a alínea c) do nº2 do artigo 72º do Código Penal uma circunstancia que, a verificar-se, levará à atenuação especial da pena.
XXXIV- Pelo que, tendo em conta todo o supra referido, necessariamente a pena na qual o Arguido SS, aqui Recorrente, foi condenado deveria ter sido especialmente atenuada, o que não aconteceu.
XXXV- Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada ao Arguido SS, aqui Recorrente, pelo Tribunal a quo, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal.
XXXVI- É entendimento do Arguido SS, aqui Recorrente, que o Tribunal deverá condenar o mesmo numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstancias acima expostas, de acordo, com o disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal, a qual deverá ser inferior à aplicada, ou seja inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses, mantendo-se a suspensão na sua execução, por se entender que, desta forma, se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.
XXXVII- Face ao exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e ser revogado o Acórdão na parte em que condenou o Arguido SS, aqui Recorrente, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, por ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada um pena inferior à aplicada, ou seja inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, também ela suspensa na sua execução.
XXXVIII- Acresce que, o Tribunal a quo suspendeu a execução da pena de prisão do Arguido SS, aqui Recorrente, com sujeição ao regime de prova, ao abrigo do disposto nos artigos 53º e 54º, ambos do Código Penal.
XXXIX- No entanto, o Tribunal a quo não fundamentou, como o deveria ter feito, a razão de ser da aplicação de tal regime de prova, ao Arguido SS, aqui Recorrente.
XL- Nessa medida, entende o Arguido SS, aqui Recorrente, que Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 53º e 54º do Código Penal.
XLI- Considera-se que, tendo em conta todo o supra referido, a suspensão da execução da pena de prisão é bastante para acautelar as necessidades de prevenção geral, e no que aqui interessa, para acautelar as necessidades de prevenção especial.
XLII- Pelo que, salvo melhor opinião, deveria o Tribunal a quo ter suspendido, como fez, a execução da pena de prisão em que foi condenado o Arguido SS, aqui Recorrente, sem, no entanto, o submeter ao regime de prova ao abrigo do disposto nos artigos 53º e 54º, ambos do Código Penal.
XLIII- Pelo que, também neste ponto deverá se concedido provimento ao presente recurso, e ser revogado o Acórdão na parte em que condenou o Arguido SS, aqui Recorrente, à pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, devendo ser aplicada uma pena de prisão, a qual necessariamente deverá ser inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução, sem a sujeição ao regime de prova.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
Ser revogado o Acórdão recorrido, na parte em que aplicou ao Arguido SS, aqui Recorrente, a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P., pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º, nº1 do Código Penal, e, em consequência, ser aplicada um pena inferior a 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, também ela suspensa na sua execução, e sem sujeição ao regime de prova.
FAZENDO-SE, ASSIM, A COSTUMADA JUSTIÇA!”.
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10. Inconformado, o arguido II interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
i. O Arguido foi condenado, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do artigo 50º, n.º 1 e n.º 5 do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos artigo 53º e 54º, ambos do Código Penal, com elaboração de um plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P..
ii. Ora, com o devido respeito, e que é muito, não pode o Arguido concordar com a condenação proferida pelo douto Tribunal a quo.
iii. Os pedidos que se farão no contexto do presente recurso é que o arguido seja absolvido por não se encontrarem preenchidos os elementos do tipo objetivo e, em qualquer caso, não se encontrar preenchido o tipo subjetivo ou a dimensão emocional da culpa por falta de consciência da ilicitude não censurável.
iv. Ou, no limite, e subsidiariamente, que ao Arguido seja aplicada uma pena especialmente atenuada atenta a ausência de valor dos objetos e a confissão integral e sem reservas muito relevante para a descoberta da verdade, o arrependimento e a ausência de qualquer prejuízo para a entidade supostamente prejudicada, o Estado.
v. Em sede da decisão da matéria de facto o arguido discorda desde logo do vertido no artigo 195º dos factos dados como provados no segmento – o valor dos objetos.
vi. Importa salientar que o Arguido Recorrente desde o primeiro momento em que teve conhecimento dos valores atribuídos aos objetos sempre se opôs ao valor, ao método de avaliação e à conclusão decisória.
vii. Tendo o tribunal “a quo” indeferido a diligência de prova requerida, desde logo em sede de contestação, por a achar inútil e ainda nos termos do despacho de 10 de Maio de 2023, que consta do sistema CITIUS com a Ref.ª 425578182, “relevância do valor dos objectos afere-se, por imperativo legal, no momento da prática dos factos e não na data da sua apreensão (cfr. Art.º 202.º, alíneas a), b) e c) e 375.º, n.º 2, ambos do Código Penal).”
viii. O que no caso do Arguido Recorrente coloca um problema inultrapassável à avaliação – à avaliação da quase totalidade dos objetos apreendidos.
ix. É que a decisão não indica em que data ou datas os objetos apreendidos foram retirados do aeroporto limitando-se a afirmar que os objetos que se encontravam em casa do Arguido seriam objetos que “ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos "perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...,”.
x. Sem querer sequer enunciar os problemas de prescrição que este facto com esta formulação inevitavelmente levanta;
xi. É inequívoco que não sendo indicado a que momento se reportam os valores da avaliação – se ao momento da própria avaliação, se ao momento da apropriação os valores indicados não podem ser considerados.
xii. Por outro lado, o valor dos bens tem de ser aferido por todas as suas competentes – estado, utilização, destinação, qualidades intrínsecas e diferenciadoras, não por um critério que é substancialmente ilegal (referido ao momento da avaliação), incontrolável – não são indicadas as plataformas, os objetos ou bens mobilizados para a comparação – e claramente insuficiente nos critérios.
xiii. Não sendo possível aferir em que momento se deu a apropriação pelo arguido impossível se torna também definir o valor das coisas apropriadas, devendo aplicar-se o princípio “in dubio pro reo” quanto à fixação desse valor;
xiv. E, não, concluir de forma genérica, como fez o tribunal “a quo” no despacho que indeferiu a realização de perícias que os objetos teriam sempre um valor superior a 102,00€ (cento e dois euros).
xv. A conclusão é, salvo o devido respeito, por aplicação direta da lei e dos princípios com consagração constitucional a oposta – se não é possível, em rigor, apurar o valor que os objetos tinham à data da apropriação, então tem de se concluir que esse valor podia ser inferior à unidade de conta.
xvi. Até porque essa ausência de valor é mesmo a única conclusão que respeita o que foi apurado em julgamento no que a este arguido concerne.
xvii. Todos os bens que lhe foram apreendidos estavam destinados a ser destruídos; e todos os bens que lhe foram apreendidos continuaram fora do mercado porque foram destinados exclusivamente à sua utilização pessoal.
xviii. Nestes termos deve ser alterado o Facto 195º consignando-se que não foi possível apurar o valor dos objetos à data da apropriação.
xix. Na matéria de facto considerada provada no Facto 223, não obstante o segmento impugnado se traduzir numa conclusão jurídica e não numa afirmação factual, discorda-se da conclusão, como se reiterará em sede de recurso de direito, mas também da consignação do facto como provado.
xx. Afirma o tribunal “a quo”, “Do modo descrito, os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, QQQ, VV, e WW, agiram com o propósito concretizado de ser apropriarem de objetos depositados no armazém dos perdidos e achados que lhe estavam acessíveis e foram entregues em razão das suas funções.”
xxi. Todos os arguidos e testemunhas ouvidos foram perentórios a afirmar que os armazéns (todos), bem como o gabinete da coordenadora se encontravam fechados à chave;
xxii. E qua apenas os técnicos verificadores (técnicos superiores) na sua qualidade de chefes de equipa é que dispunham da chave:
xxiii. Por facilidade de exposição recorre-se de novo ao depoimento da testemunha OOO, que prestou o seu depoimento no dia 16/03/2023, com início às 10h.29m e termo às 12h.00, entre 13’29’’ a 14’14’’, quando interrogado sobre quem tinha as Chaves de acesso aos bens que eram apreendidos esclarece que os chefes de equipa tinham. Esclarece ainda que não tinham as chaves dos armazéns de achados.
xxiv. Decorre ainda deste e de muitos outros testemunhos e declarações que os Arguidos em geral e o Recorrente em particular só podiam ter acesso acompanhados dos técnicos verificadores; ou excecionalmente a pedido;
xxv. Mas seria sempre em situações fortuitas.
xxvi. Ainda para esta relação de acessibilidade na aceção de poder ou domínio sobre a coisa importa referir que o arguido requerente, atenta a sua categoria funcional e a sua inserção na escala hierárquica não tinha qualquer capacidade/poder/atribuição/competência para definir o destino dos bens, designadamente a decisão de os sujeitar a notas de verificação e subsequente venda, ou a sua doação ou destruição.
xxvii. Ou seja, o Arguido II ora recorrente não tinha sequer acesso físico aos bens apreendidos, mas apenas acesso fortuito, os referidos bens não lhe estavam entregues ou confiados em função do exercício de funções e não tinha sobre os referidos bens qualquer relação de domínio ou poder;
xxviii. Pelo que o referido facto 223 deve ser corrigido nos seguintes termos o Arguido II agiu com o propósito concretizado de ser apropriar de objetos depositados no armazém dos perdidos e achados que lhe eram fortuitamente acessíveis e que se destinavam a ser destruídos.
xxix. No facto 224 o tribunal “a quo” consignou o seguinte:
xxx. Os Arguidos KK, LL, NN, OO, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, QQQ, VV, e WW quiseram e conseguiram obter para si um benefício económico, de valor superior a €102,00 (…) a que sabiam não ter direito tendo logrado causar, através da sua conduta o empobrecimento injustificado ao Estado.
xxxi. Quanto ao valor superior a 102,00€ (cento e dois euros) remete-se para tudo quanto se afirmou a propósito do facto 195.
xxxii. E quanto ao empobrecimento injustificado do Estado OOO que prestou o seu depoimento no dia 16/03/2023, com início às 10’.29’ e termo às 12.00. Entre 1.11’40’’ a 1´12’58’’do seu depoimento, perguntado, se após a abertura de uma mala todos os bens eram objeto de notas de verificação, confirma que nem todos são elegíveis para constarem de uma nota de verificação, que aqueles que seriam levados para o lixo não eram.
xxxiii. Os bens e objetos de valor apreendidos ou achados, suscetíveis de serem vendidos pelo Estado, obtendo-se com isso receitas seriam sujeitos a notas de verificação.
xxxiv. Todos os que não eram sujeitos a notas de verificação tinham como destino o lixo, ou se se preferir a destruição, a incineração, ou para usar uma expressão mais vasta eram “para deitar fora”.
xxxv. Ou seja, o Estado não retiraria qualquer benefício de que se tenha visto privado com o destino previsto para os bens, pelo que não se verificou qualquer empobrecimento do Estado.
xxxvi. Ou seja, nem os objetos apropriados, no caso do Arguido II, têm um valor superior a 102,00€ (cento e dois euros) (pelas razões já supra apontadas), nem se verificou qualquer empobrecimento do Estado, devendo este facto ser corrigido quanto ao Arguido II consignando-se que o seu benefício económico foi inferior a 102,00€ (cento e dois euros) sem qualquer empobrecimento para o Estado.
xxxvii. 225. Os arguidos…….sabiam que os objetos subtraídos dos perdidos e achados não lhes pertenciam, nem lhe eram devidos a qualquer título, mas que pertenciam ao Estado ou estavam em seu poder e guarda, e que, como tal, não os podiam fazer seus, pois que outro destino lhe estava legalmente fixado.”
xxxviii. Analisemos a proveniência e a titularidade:
xxxix. Se se tratar de bens apreendidos, v.g. porque devem ser objeto de impostos aduaneiros, ou declarados perdidos a favor do Estado no quadro de processos-crimes ou contraordenacionais, o Estado é o proprietário.
xl. Mas se estivermos perante objetos perdidos ou abandonados (duas realidades bem distintas) e estes objetos não forem passíveis de notas de verificação, então estaremos perante coisas sem dono perdidas, abandonadas.
xli. O mesmo é dizer res nullius que, por não disporem de titular, configurarão um eventual crime de apropriação ilegítima de coisa achada nos termos do n.º 2 do artigo 209º; mas já não de peculato.
xlii. Também quanto ao facto 229 impõe-se, quanto ao Arguido Recorrente II, conclusão diversa da assumida pelo tribunal.
xliii. Neste facto estamos perante elementos subjetivos do tipo ou elementos da culpa que só são acessíveis através de comportamentos exteriores que evidenciem a presença e intensidade da vontade, ou através de deduções assentes em juízos da experiência comum que desvelem a presença ou ausência de uma consciência da ilicitude.
xliv. No fundo esta consciência da ilicitude tem de se traduzir na obrigação que um cidadão médio colocado na posição do agente, no contexto em que este atuou, com o grau de conhecimento que este detinha à época dos factos, teria de concluir que o seu comportamento era errado, que era crime.
xlv. Com o elenco de objetos apreendidos, mesmo que tivessem e não têm o valor indicado na acusação, um funcionário público com mais de 35 anos de carreira (praticamente todos no Aeroporto ...), sem qualquer mácula; pelo contrário, com classificações de excelente pelo seu empenho com o serviço, se tivesse tido a mais pequena noção de que o seu comportamento era proibido, ou censurável mesmo que apenas disciplinarmente arriscaria essa carreira, essa vida toda, por estes objetos?
xlvi. A resposta só pode ser não.
xlvii. Se os chefes nunca reprovaram; se os superiores hierárquicos incentivavam – levem para libertar espaço e sobretudo se ninguém era prejudicado como intuir, adivinhar, conceber sequer que aproveitar coisas antes de irem para o lixo era um crime grave; se já tivessem ido para o lixo não existiria qualquer crime.
xlviii. Ou seja, deve considerar-se provado que o arguido II não sabia que o seu comportamento era proibido ou punido por lei; ou no limite deve considerar-se como não provado o facto 229 quanto ao Arguido II.
xlix. É jurisprudência uniforme que o bem jurídico protegido pelo crime de peculato, previsto no n.º 1 do art.º 375º do CP, é, por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários.
l. É pela sua componente patrimonial que o valor dos bens merece tal relevo que se prevê molduras penais distintas nos nºs 1 e 2. mas é pelo seu elemento teleológico traduzido na tutela da probidade e fidelidade dos funcionários “que o tipo legal de crime em causa exigirá uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo/supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções e que vem a postergar com abuso ou infidelidade das específicas funções ao apropriar-se, para si ou par terceiro, dessa mesma coisa - não sendo suficiente apenas a simples acessibilidade física em relação à coisa de que se apropria. (Ac. do TRC no processo 214/11.8PCCBR.C1 de 23/01/2013 in www.dgsi.pt).
li. E prossegue o mesmo Acórdão citando agora doutrina: “É que tal como é referido em anotação ao art. 375º, para afastar a acessibilidade em sentido lato “tendo em conta que a acessibilidade deve derivar das funções do agente, parece que deverá haver uma efectiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objecto, não sendo suficiente, segundo cremos, a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação” (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo III, Coimbra Editora, pag. 695).
lii. O Arguido II ora recorrente não tinha sequer acesso físico aos bens apreendidos, mas apenas acesso fortuito, os referidos bens não lhe estavam entregues ou confiados em função do exercício de funções, e não tinha sobre os referidos bens qualquer relação de domínio ou poder; pelo que não se mostra verificado o elemento objetivo do tipo – a coisa móvel ter-lhe sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções.
liii. Ac. do TR de Évora no processo 148/12.9TAACN.E1 de 25/05/2021 in www.dgsi.pt É, pois, necessário que o dinheiro ou a coisa móvel esteja acessível ao agente (funcionário) e que tal suceda em razão das funções que exerce, de tal modo que “terá sempre de se afirmar uma relação causal entre a posse (que facilita a apropriação) e a função” exercida ou desempenhada pelo agente.
A acessibilidade ao bem deve, assim, derivar das funções do agente, pelo que se impõe que exista uma efetiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objeto, não bastando a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação.
liv. Pelo que o Recorrente deve ser absolvido por falta deste elemento objetivo.
lv. Mesmo mantendo-se a matéria de facto e designadamente o facto 225. Os arguidos…….sabiam que os objetos subtraídos dos perdidos e achados não lhes pertenciam, nem lhe eram devidos a qualquer título, mas que pertenciam ao Estado ou estavam em seu poder e guarda, e que, como tal, não os podiam fazer seus, pois que outro destino lhe estava legalmente fixado.”
lvi. A conclusão do não preenchimento do tipo objetivo do crime mantém-se, porque é de extrema relevância, neste caso concreto, a proveniência dos objetos e bens e a respetiva titularidade.
lvii. Estando, como é o caso dos objetos apreendidos ao Arguido II perante objetos perdidos ou abandonados e não sendo, como não foram estes objetos incluídos em notas de verificação, então estamos perante coisas sem dono perdidas, abandonadas.
lviii. Em que nem o Estado as reivindica – vai remetê-las para o lixo – nem o particular as reclama, já foram perdidas definitivamente ou abandonadas.
lix. Por se tratar de coisas achadas - o termo sistematicamente empregue é “perdidos e achados“ a sua eventual apropriação, mesmo que ilegítima, não configura a prática de um crime de peculato mas apropriação ilegítima de coisa achada nos termos do n.º 2 do artigo 209º do C. Penal.
lx. Neste caso e no que ao arguido II concerne estamos perante coisas achadas que iam ser deitadas fora.
lxi. Expende, o Prof. Figueiredo Dias que o erro intelectual exclui o dolo, e tal erro existe quando falta ao agente ao nível da sua consciência psicológica, o conhecimento de um qualquer elemento que seja necessário para a que a sua consciência moral esteja na posse de todos os dados necessários para se colocar e resolver o problema da ilicitude – cf. Parecer do Prof. Figueiredo Dias na RLJ 109, pág. 136 e segs referido in CP Maia Gonçalves 15 ed 2002.
lxii. Culminando que o erro da proibição ou sobre a proibição, exclui o dolo em relação a todos aqueles delitos que tenham a sua base em condutas axiologicamente neutras,
lxiii. Analisemos os factos por reporte ao comportamento do Arguido, ao contexto da prática e ao juízo que qualquer cidadão médio, ponderado, até cuidadoso faria, do ponto de vista da censura ético-jurídica ao comportamento assumido.
lxiv. A primeira pergunta é - se alguém se apropriar para passar a usar coisas achadas que tinham ficado perdidas e que iam ser deitadas fora há quem considere isso um crime? A resposta é ninguém.
lxv. Complicando a questão ética – essas coisas perdidas que vão ser deitadas fora estão em armazéns do Estado a que só algumas pessoas têm acesso e são, por isso, essas pessoas que ficam com essas coisas para as aproveitar.
lxvi. Estamos convictos que na questão ética não muda nada de essencial apenas porque o universo de pessoas que vão aproveitar coisas inúteis se circunscreve em função do acesso material.
lxvii. Vejamos agora a posição concreta do arguido e as suas concretas ações.
lxviii. O arguido é verificador auxiliar – o último de uma escala hierárquica que começa na diretora da Alfândega - à época a Dra BBB – continua com a coordenadora Dra QQ (co-arguida); desenvolve-se pelos técnicos verificadores ou técnicos superiores aduaneiros (vários co-arguidos) e termina no arguido II e colegas.
lxix. A Diretora foi destinatária de um e-mail em que se anunciava carinhosamente que se estava a contribuir para o “enxoval da princesa” com bens retirados do aeroporto.
lxx. Ou um outro e-mail em que uma funcionária revelava que tinha levado uma mala “vazia” mas que não sabia que a diretora e a coordenadora tinham visto se não ter-lhes-ia pedido autorização.
lxxi. A funcionária não se absteve de informar que levara uma mala, que até poderia ter pedido autorização, em respeito à linha hierárquica, mas a reação da hierarquia não foi – processo disciplinar, devolva de imediato a mala, sabe bem que nada, mesmo nada, chocolates, vinho, malas, carrinhos de bébé nada pode sair da Alfândega, tem tudo de ser destruído.
lxxii. Foi, como sempre tinha sido, aceitar esse comportamento como normal. Porque é de facto normal aproveitar coisas que ainda podem ser úteis e que irão para o lixo.
lxxiii. Se para a diretora esse comportamento era normal e não merecia censura sequer disciplinar, como exigir do mais humilde dos funcionários, sem formação superior ou cargos de gestão, que configurasse a utilização (sublinha-se utilização) de algumas dessas coisas sem qualquer valor como censurável, sequer disciplinarmente;
lxxiv. Repetimos o que já afirmamos antes todos nós em muitos momentos da nossa vida confrontados com coisas que temos de deitar fora – alimentos, roupas, calçado – já exprimimos o desejo/pena com a expressão “ se ao menos alguém aproveitasse, se isto ainda pudesse ser útil a alguém”.
lxxv. É importante ainda ter presente que todos os objetos apreendidos ao arguido são objetos sem valor ou, mesmo na tese da acusação, com um valor irrisório: nenhum dos relógios era de qualquer marca conhecida (ainda que imitação); os sapatos eram usados; as malas acumulavam-se e era mesmo pedido que as retirassem para darem lugar a outras; O whisky seria despejado e as garrafas destruídas; o atum acabaria também destruído (assim o afirmou a Diretora BBB); os dois copos de plástico; o telemóvel era o único que tinha e usava-o na sua vida pessoal, naturalmente, mas também na profissional e seria também destruído.
lxxvi. Com este elenco de objetos, mesmo que tivessem e não têm o valor indicado na acusação, um funcionário público com mais de 35 anos de carreira (praticamente todos no Aeroporto ...), sem qualquer mácula; pelo contrário, com classificações de excelente pelo seu empenho com o serviço, se tivesse tido a mais pequena noção de que o seu comportamento era proibido, ou censurável mesmo que apenas disciplinarmente não arriscaria a carreira, a vida toda, por objetos sem valor.
lxxvii. Concluir o contrário é contrariar as mais elementares regras da experiência comum, é objetivar a responsabilidade criminal por retirar do comportamento objetivo do Arguido – levou bens - conclusões que não cabem na sua culpa.
lxxviii. Pelo que tem inevitavelmente de concluir que o arguido agiu sem consciência da ilicitude, em erro não censurável nos termos do artº17º nº1 do C. Penal e em consequência deve ser absolvido.
lxxix. Por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que não se podendo fixar o valor dos bens no momento da[s] apropriação (desde logo por se desconhecer quando teve lugar) a considerar-se que existiu uma apropriação ilegítima que configura o crime do peculato em obediência ao princípio “in dubio pro reo” deve integrar-se a conduta do arguido no nº2 do artº375º do C. Penal e, tendo presente as diminutas gravidades da ilicitude e da culpa, optar pela pena de multa alternativamente cominada à de prisão.
lxxx. O Arguido confessou desde o primeiro momento e por excesso (parte dos bens eram da família) que os bens apreendidos tinham sido retirados da Alfândega, confissão que foi essencial para a descoberta da verdade, está profundamente arrependido de ter utilizado um bem que fosse do aeroporto e nunca, mas nunca MAIS terá qualquer comportamento que suscite sequer dúvida sobre a legalidade.
lxxxi. Foi durante 35 anos um funcionário zeloso, cumpridor, respeitador dos seus superiores (quiçá demais), empenhado, dedicado à missão e ao serviço; tem uma família que apoia e que o apoia; o carácter irrisório do valor dos bens e a sua própria natureza que reduzem ao mínimo a gravidade da ilicitude; o grau de culpa quase nulo (defendemos que há inconsciência da ilicitude);
lxxxii. Tudo isto seriam sempre factos a recomendar uma atenuação especial da pena nos termos do artº72º nº2 al.) c), pelo que obedecendo a aplicação da pena concreta ao estatuído no nº2 do artº73º pode tal pena ser substituída por multa.
lxxxiii. Ainda mais subsidiariamente, o artigo 53º do Código Penal indica que “1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
3 - O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade.
4 - O regime de prova é também sempre ordenado quando o agente seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, cuja vítima seja menor.” (sublinhado nosso)
lxxxiv. Ora, in casu, o Tribunal a quo entendeu que “Por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção activa e responsável no tecido comunitário envolvente, decide-se sujeitar a suspensão da execução das suas penas de prisão a regime de prova, nos termos e para os efeitos constantes no Artigo 53.º, do Código Penal.”
lxxxv. O Recorrente tem mais de 60 (sessenta) anos de idade e, tirando o presente processo, nunca antes tinha tido contacto com a justiça, sendo que tal é facilmente verificável pela consulta do seu Certificado do Registo Criminal.
lxxxvi. Ademais, o Recorrente, conforme resulta do Relatório junto aos autos, encontra-se familiar e socialmente inserido, sendo visto como “um bom pai de família”, e ainda como uma pessoa “bem inserido na área de residência, mantendo relacionamento cordial com os vizinhos, embora seja uma pessoa muito reservada e introvertida, sendo considerado respeitador e disponível para os outros”.
lxxxvii. Desta forma, entende o Recorrente que será sempre e em qualquer caso o desnecessário sujeitá-lo a um regime de prova.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja declarado procedente por provado o presente recurso e, em consequência, seja alterada a matéria de facto quanto aos factos 195 , 223 a 226º e 229º concluindo-se pela absolvição do arguido pela ausência de elementos objetivos e subjetivos do tipo; em qualquer caso se absolva o arguido pela ausência de elementos objetivos do tipo, relação com os bens, titularidade e valor dos bens e subjetivos por erro sobre a ilicitude, ou subsidiariamente e por cautela de patrocínio seja o crime atenuado e cominada pena de multa, ou ainda a pena especialmente atenuada e substituída por pena de multa ou pelo menos seja revogado o regime de prova
… assim se fazendo a TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!”.
*
11. Inconformado, o arguido JJ interpôs recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“I. O recorrente foi condenado pela prática, em concurso real e efetivo e em autoria material e na forma consumada, de um crime: -de peculato, previsto e punido pelo Art.° 375.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- de descaminho, previsto e punido pelo Art.° 355.°, do Código Pena, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Em concurso real e efectivo, foi o arguido condenado pela prática, dos dois crimes acima descrito, na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.° 50.°, n.° 1 e n.° 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.0 53.° e 54.°, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P
II. Tal pena é excessiva já que não teve em conta todas as circunstâncias atenuantes.
III. Nomeadamente, não teve em conta a confissão integral e sem reversas do arguido no início do julgamento que o tribunal “reconheceu” ao afirmar que na sua essência o recorrente confessou os factos.
IV. O tribunal violou o preceituado no artigo 70, 71 e 72º e o artigo 377º-A do C. Penal.
V. Sem a confissão do arguido o Tribunal não podia dar como provados todos os factos que lhe foram imputados.
VI. As penas têm por finalidade a proteção dos bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º) e a medida da pena é concretizada nos termos do artigo 71º e 72.
VII. A favor do arguido temos o facto do mesmo ser primário, a sua confissão e ainda o facto de o tribunal reconhecer a sua estruturação familiar, integração social e laboral, beneficiando de uma boa imagem no meio em que vive.
VIII. Assim e porque se entende que foram violados os artigos70, 71 e 72º e o artigo 377º-A do C. Penal se pede a Vossas Excelências Venerandos Desembargadores que ao Arguido seja reduzida a pena que lhe foi aplicada.
IX. O Tribunal recorrido suspendeu a pena por igual período sujeita ao regime da prova previsto nos artigos 53º e 54º do CP.
X. No Acórdão recorrido para fundamentar a suspensão da pena é afirmado
“…impõe-se ter em consideração e é comum a todos os arguidos, o facto dos mesmos denotarem adequada integração social e profissional, bem com estruturação familiar…”
XI. Por outro lado para fundamentar o regime de prova refere o Tribunal (…por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção ativa e responsável no tecido comunitário envolvente…)
XII. Ora os dois fundamentos atrás referidos estão em contradição já que se os arguidos demonstraram integração social, profissional e estruturação familiar não existe a necessidade de se promover a sua ressocialização e inserção activa e responsável no meio comunitário envolvente.
XIII. Concluindo só a suspensão de pena é mais do que suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição (art. 50º e 40º e 53º e 54º do C.P.)
XIV. Assim, e porque foram violados os artigos 53 e 54º do CP se pede a V.Exa que suspendam a pena que aplicarem ao arguido por igual período sem sujeição ao regime da prova.
XV. O TM pessoal do arguido marca e modelo"Apple Iphone 7, com o IMEI ...55 que lhe foi apreendido foi declarado perdido a favor do Estado porque como refere o Tribunal recorrido o TM foi instrumento do crime do descaminho porque o seu conteúdo foi apagado remotamente.
XVI. Ora no caso em apreço e sempre salvo melhor e Douto entendimento de VExas. não se verificam os pressupostos do artigo 109º nº 1 do CP.
XVII. Assim o Tribunal recorrido violou o artigo 109º nº1 do CP.
XVIII. E assim sendo deve ser revogada o Acórdão nessa parte e o TM marca e modelo"Apple Iphone 7, com o IMEI ...55 ser restituído ao Arguido.
XIX. Foi dado nomeadamente como provado que: No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., o arguido JJ tinha guardados diversos objetos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ... nomeadamente 1 (um) Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94.
XX. O arguido juntou à sua defesa as faturas do referido TM onde se verifica nomeadamente através do IMEI aí referido que é o mesmo TM (a defesa do arguido foi apresentada em 09-11-2022, Refª Citius 34127574 , e a fatura é o doc 3 ( 2 fls.) que juntou à mesma).
XXI. Assim se pede que seja dado como provado que o telemóvel Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94 que lhe foi apreendido de marca Vodafone é propriedade de sua mãe SSS, ou como Não Provado que o arguido retirou do referido armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ... Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94.
XXII. Mais foi também apreendido ao arguido no mesmo dia 1 (uma) Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador,
XXIII. Como o arguido declarou, tal máquina foi por si adquirida.
XXIV. Todavia inexiste a fatura.
XXV. Não obstante por uma questão de justiça se pede a sua devolução.
XXVI. Não obstante se V. Exas., Doutamente entenderem que o pedido do TM e da máquina fotográfica poderá inquinar a confissão integral e sem reservas, o recorrente, abdica dos mesmos por uma questão de coerência já que o arguido desde o início do julgamento, tem colaborado com o Tribunal na descoberta da verdade.
XXVII. Por último, o Recorrente não tinha a verdadeira noção/consciência da ilicitude e da gravidade dos factos que lhe são imputados
XXVIII. Aliás a ter essa consciência, nunca, no seu juízo perfeito tinha assumido o comportamento que aqui confessou, aliás do qual demonstrou o seu sincero arrependimento.
XXIX. Não só pela possibilidade de prejudicar a sua vida, nomeadamente pessoal e familiar ( esposa e 3 filhas, estudantes e duas delas menores), mas também da sua carreira profissional de que tanto se orgulha.
XXX. Não obstante o atrás alegado não pretende o arguido deixar de assumir a sua responsabilidade e reconhecer os seus erros.
Nestes termos nos melhores de Direito e sempre com o muito Douto suprimento de V.Exas Venerandos Desembargadores se pede a revogação do Acórdão recorrido e que:
1- a pena aplicada ao arguido seja atenuada ou especialmente atenuada e reduzida;
2- a pena seja suspensa;
3- e sem sujeição ao regime de prova.
4- seja revogada na parte em que declarou perdido a favor do estado do TM marca e modelo "Apple Iphone 7, com o IMEI ...55 seja restituído ao Arguido.
5- seja dado como não provado que o Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94 e uma Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador foram retirados do do referido armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ... .
6- Não obstante se V. Exas., entenderem que o pedido atrás efetuado em 5 pode por em causa a confissão integral e sem reserva do arguido desde já se abdica de tal pedido porque o mesmo é materialmente irrelevante e verdadeiramente justo.
Assim será feita a Costumada Justiça.”.
*
12. Admitido o recurso interlocutório referido em 7.1. (despacho de 14/07/2023 – refª 427582632), foi apresentada resposta pelo Ministério Público, na qual pugnou pela improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º- Questão Prévia- a recorrente interpõe o presente recurso interlocutório [fls.7729 a 7736], por não se conformar com o despacho datado de 10.05.2023, com a Ref.ª425578182, na parte que indefere o requerimento de diligências probatórias da recorrente, nos termos do previsto no art.º 340.º/4, al. b) do CPP [vide Ref.º35582071 de 04.04.2023, fls.7639 a 7643].
2º- Em 13.07.2023 foi proferido acórdão condenatório (Ref.º427548554 e fls.7741 a 7923); em 12.10.2023, a recorrente intentou recurso do citado acórdão e nas conclusões da sua motivação do recurso (vide Ref.º37251316 e fls.8094 a 8132) não indicou expressamente, nas conclusões de recurso, a manutenção de interesse no recurso intercalar por si interposto, nos termos do artigo 412.º/5 do CPP, pelo que ocorre a perda de interesse no mesmo e, em consequência, o recurso não deve ser apreciado.
3º- A recorrente sustenta que as requeridas diligências são essenciais à descoberta da verdade e boa decisão da causa, nos termos do art.º 340.º do CPP, para confirmar ou infirmar o preenchimento do crime de peculato.
4º- O art.º 340.º do CPP atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar e estabelece os princípios gerais em matéria de produção de prova, consagrando o princípio da investigação ou da oficialidade, no sentido de que, serão produzidos os meios de provas não proibidos por lei, cujas indispensabilidade e utilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, se confirmem em função do objecto do processo.
5º- Todavia podem os meios de prova ser indeferidas quando: “(…) A prova deve ser considerada irrelevante quando é indiferente, sem importância ou interesse para a decisão da causa; supérflua quando é inútil para a decisão da causa; inadequada quando é imprópria, nada permite demonstrar ou estabelecer, de nada serve para a decisão da causa; de obtenção impossível ou de obtenção muito duvidosa quando é inalcançável ou, segundo as regras da experiência comum, improvavelmente alcançável; com a finalidade meramente dilatória quando visa protelar ou demorar a audiência.”(…)- o Conselheiro Oliveira Mendes, em anotação ao art.º 340.º, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 3ª edição, p. 1063: Conselheiro Oliveira Mendes, em anotação ao art.º 340.º,
6º- O requerimento da Recorrente foi indeferido e bem, pelo Tribunal “a quo” que fundamentou nos seguintes termos: - Não se lhe afigurava que fosse uma diligência absolutamente imprescindível (necessária) para a descoberta da verdade material, nem para a boa decisão da causa, oficiar a Autoridade Tributária e Aduaneira, a pedir as informações constante do requerimento da recorrente.- Não se lhe afigurava que a realização das diligências requeridas fosse idónea para infirmar, nem para confirmar, a resposta positiva, ou negativa, os elementos objectivos do crime de peculato; -Que os objectos elencados pela recorrente, são, na sua quase totalidade, aparelhos electrónicos (telemóveis, tablet e relógios) com endereços de correio electrónico associados a pessoas distintas (terceiros) da identidade da recorrente; - As diligências requeridas não são adequadas, nem necessárias para o efeito pretendido pela recorrente, nem, aliás, em sentido antagónico, sendo certo que, as questões suscitadas são de índole jurídica, na verdade são questões de direito, cuja dirimir, naturalmente, se impõe em sede de prolação de Acórdão.
7º- O crime de peculato é de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de resultado, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção; o objecto do crime de peculato é duplo: por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários.
8º- São elementos típicos do crime de peculato: a). Que o agente seja um funcionário para efeitos do artigo 386º do C. P.; b). Que tenha a posse do bem (dinheiro ou coisa móvel) em razão das suas funções; c). Que se passe a comportar como se fosse proprietário do dinheiro, o que deve revelar-se por actos objectivamente idóneos e concludentes que traduzam a “inversão do título de posse ou detenção”; d). Que o agente faça seu o dinheiro, com consciência de que se trata de bem alheio do qual tem a posse em razão das suas funções e que tenha consciência e vontade de fazer seu o bem para seu próprio benefício ou de terceiro. A consumação ocorre quando o agente inverte o título de posse, passando a agir como se fosse proprietário da coisa que recebeu e detinha precariamente.
9º- Em face destes elementos típicos do ilícito, bem andou o Tribunal “a quo” quando entendeu que, a prova requerida, não era idónea, nem adequada, nem necessária para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa e que não permitem infirmar, nem para confirmar o crime de peculato, pelo que despacho recorrido não merece censura ou reparo, nem viola o art.º 340.º do CPP.
10º- Por fim, a recorrente, sem que tenha sido proferido acórdão final, faz uma impugnação antecipada do exame crítico da prova, da qualificação jurídica dos factos (ainda por fixar), defendendo que a ATA não é competente para gerir ou dar destino aos bens armazenados nos Perdidos e Achado do Aeroporto ... e que a natureza jurídica dos objectos apreendidos (Res nullius) exclui a prática do crime de peculato.
11º- O Ministério Público defende que, tendo em conta a caracterização jurídica do crime de peculato, estes argumentos recursivos pecam por serem intempestivos, por prematuros, ante a ausência do acórdão final, na data do recurso.
12º- Acresce que, não assiste razão à recorrente, pelo que, o Ministério Público faz seus os fundamentos do despacho recorrido, quando refere que: “(…) as diligências requeridas não são adequadas, nem necessárias para o efeito pretendido pela arguida, nem, aliás, em sentido antagónico, sendo certo que, as questões suscitadas são de índole jurídica, na verdade são questões de direito, cuja dirimir, naturalmente, se impõe em sede de prolação de Acórdão. (…)”, pelo que deve improceder esta parte do recurso.
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Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada
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JUSTIÇA!”.
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13. Admitidos os recursos do acórdão (despacho de 24/10/2023 – refª 429695339), o Ministério Público respondeu aos mesmos, através dos seguintes articulados de resposta:
13.1. Em resposta aos recursos dos arguidos KK, LL, RR e II, o MºPº alegou que o acórdão recorrido “vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos” e que “logrou chegar a uma boa e acertada decisão, fazendo a Justiça no caso concreto, como se impunha”.
13.2. Em resposta ao recurso do arguido NN, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º). O Recorrente, não se conformando com o Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 5 (cincos) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, interpõe o presente recurso.
2º). Como primeiro argumento recursivo é invocada a Omissão de Pronúncia (art.º 374.º/2 do CPP) quanto às questões jurídicas suscitadas no requerimento de 26.04.2023, designadamente a proveniência dos bens existentes e à guarda da Alfândega do Aeroporto ... e a não existência de diploma jurídico que atribua competência legal à Alfândega do Aeroporto ... para a guarda, gestão e atribuição de destino dos bens perdidos e achados nesse local.
3º). Ante o requerimento do recorrente, o Tribunal “a quo”, em 10/05/2023, proferiu despacho (Ref.º 425578182) onde refere que, as diligências requeridas não são adequadas, nem necessárias, nem relevantes para a boa decisão da causa, nem para a descoberta da verdade material, designadamente para o efeito para demonstrar ou infirmar os elementos típicos do crime de peculato, sendo certo que, as questões suscitadas são de índole jurídica, cuja dirimir se impõe em sede de prolação de Acórdão.
4º). Acresce que, as referidas questões jurídicas foram apreciadas no acórdão recorrido, no exame crítico da prova, quer nos pontos 1 a 43, quer nos na actuação do recorrente, referida nos pontos 87 a 90, dos factos provados.
5º- Na fundamentação de direito, as questões da proveniência dos objectos e do regime legal para a competência Alfândega do Aeroporto ... estão analisadas as fls.7892 (§6º) a 7895 (§ 3º) na subsunção dos factos apurados ao crime de peculato, pelo que, deve improceder esta questão, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal “a quo” e não é nula a decisão recorrida, como ficou demonstrado.
6º). Como segundo argumento recursivo, o recorrente defende que, o acórdão recorrido não se pronunciou quanto à devolução dos objectos que lhe foram aprendidos e que deveriam ser devolvidos, constantes das alíneas L), M) e N) dos factos não provados [Ponto B], o que constituiu, em seu entendimento, nulidade do acórdão, nos termos do previsto no art.º 374.º/3 al. c) do CPP.
7º). Sucede que, in casu, o Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a devolução dos bens/objectos descritos constantes das alíneas L), M) e N) dos factos não provados [Ponto B], tal como consta da fundamentação de fls.7916 (§ 3º e 5º), onde refere: “(…). Declaram-se perdidos a favor do Estado, os objectos apreendidos e acima dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega – e determinando-se a restituição, após trânsito dos demais, dados como não provados – (…), considerando que os mesmos estão relacionados com a prática dos crimes, pelos quais, o arguido vai condenado, e após trânsito, determina-se a sua integral destruição, nos termos do Art.º 109.º, n.º 1 e n.º 4, do Código Penal (…). Mais se declararam perdidos a favor do Estado os objectos (…), apreendidos (…) a DDD fls. 5655, pois que se provou que vieram da Alfândega, ainda que não se tenha provado que aqueles arguidos soubessem dessa proveniência. (…)”
8º). Assim, face ao supratranscrito, perfilhamos o entendimento de que, o Tribunal “a quo” não praticou qualquer omissão de pronúncia, designadamente, a prevista no art.º 374.º/3 al. c) do CPP, pelo que, deve improceder o recurso, nesta questão.
9º). Como terceiro argumento recursivo, o recorrente invoca a falta de fundamentação do acórdão recorrido, geradora de nulidade do mesmo, nos termos do previsto no art.º 374.º/2 e art.º 379.º/1 al. a) do CPP, alegando que os factos provados- [88 a 90] - não são suficientes e/ou aptos para sustentar a condenação por não ter sido produzida prova e que existe prova que contraria a conclusão do Tribunal “a quo”.
10º). O Ministério Público entende que, a forma como a questão da falta de fundamentação está colocada no recurso (isto é: falta de prova/ e prova em contrário/ outra leitura da prova), configura um erro de julgamento e não uma nulidade da sentença.
11º). Acresce que, pela simples leitura do acórdão recorrido, se constata que, o douto aresto não padece de falta de fundamentação, designadamente, na determinação dos factos provados e na motivação da convicção obtida, sustentada em prova legalmente admissível, pelo que a decisão está corretamente fundamentada.
12º). Afigura-se-nos que, o Acórdão recorrido cumpre com os requisitos gerais da sentença enunciados no art.º 374.º do CPP, contendo todos os factos que interessam à comprovação do crime praticado e à determinação da pena fixada.
13º). Nele estão enunciados os factos dados por provados (pontos 1 a 43 e 88 a 90), designadamente, os factos que preenchem os elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato, o teor do CRC do recorrente, as condições pessoais e sociais, bem como a personalidade do arguido, pelo que não carece de mais e/ou outra fundamentação, termos em que não ocorre a nulidade da decisão por falta de fundamentação.
14º). Como quarto argumento recursivo, o recorrente alega que, no caso concreto, se verificam os vícios decisórios previstos no art.º 410.º/2 do CPP [insuficiência para a decisão da matéria de facto, contradição insanável e erro notório na apreciação da matéria de facto] que são defeitos estruturais da decisão penal e têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
15º). Quanto à invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410.º/2 al. a) do CPP), referentes aos pontos 88 a 90, consignamos que, da leitura do acórdão recorrido não se infere, em concreto, que factos relevantes para a boa decisão da causa ficaram por apurar e que resultem do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
16º). Na verdade, não se pode confundir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art.º 410.º/2 al. a) do CPP, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência (art.º 127.º do CPP).
17º). O recorrente ao defender a falta de prova e/ou que as provas produzidas em audiência de julgamento são insuficientes para a matéria de facto apurada, não está a invocar a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a), n. º2 do art.º 410.º do CPP, mas a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, pelo que o acórdão não padece do vício enunciado no art.º 410.º/2, al. a) do CPP.
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18º). Quanto à invocada contradição insanável na apreciação da prova a que alude o art.º 410.º/2, al. b) do CPP, recorrente alega-a quanto a parte da fundamentação referida na página 124 do acórdão, cuja transcrição efectuou, porém, aquilo invoca a esse título é uma “outra leitura” que faz da prova produzida, socorrendo-se para tal de um estilo de escrita do julgador, para concluir o contrário da convicção do Tribunal “a quo” que, motivou a decisão em conformidade com os factos provados os pontos 87 a 91; isto é, o Tribunal “a quo” considerou que a mochila e a mala de viagem encontrados no quarto do filho DDD eram provenientes da Alfandega – não obstante o arguido negar os factos e o exame dos objectos não ser conclusivo quanto a essa proveniência.
19º). Assim, a decisão recorrida não padece de contradição insanável, por não resultar do texto do acórdão e a impugnação da matéria de facto que o recorrente pretende ver apreciada, nos termos por si invocados só pode ser usado como erro de julgamento e não como contradição insanável (ou mesmo erro notório), termos em que deve improceder esta questão.
20º). Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova a que alude o art.º 410.º/2, al. c) do CPP, analisado o texto do acórdão recorrido, na avaliação feita pelo Tribunal “a quo” não se mostram violadas as regras da experiência, o juízo feito na decisão recorrida, não é arbitrário, nem contraditório, nem desrespeitador das regras sobre o valor da prova, antes um juízo permitido pelas regras da experiência e da lógica, não se verificando qualquer contradição insanável entre a prova produzida e a matéria de facto assente, não se vislumbrando igualmente qualquer «erro notório» na valoração da prova.
21º). Explicitou-se na decisão recorrida o processo de formação da convicção; não se limitou a decisão recorrida a mostrar os meios de prova, através do seu elenco, mas demonstrou e exteriorizou por que razão se convenceu, e bem, que o arguido foi o autor dos factos delituosos, explicando-se as razões que levaram o Tribunal “a quo” a considerar determinados depoimentos das testemunhas de acusação em detrimento das declarações prestadas pelo arguido, qual a razão por que deu credibilidade àqueles e descredibilizou este.
22º). Aliás, o próprio recorrente assim parece entender, ao afirmar que os meios probatórios submetidos à apreciação imediata do tribunal impunham assunção fáctica inelutavelmente diversa (sem, contudo, especificar tais meios), apontando, aparentemente, para a impugnação ampla da matéria de facto, pelo que, o acórdão recorrido não padece do vício do erro notório na apreciação da prova e deve improceder a invocação do vício da al. c) do nº 2 do art.º 410.º do CPP.
23º). Como quinto argumento recursivo, o recorrente alega erro de julgamento, por não existir prova dos pontos 88 a 90 dos factos provados (erro na apreciação da prova) e invoca a violação do princípio do in dúbio pro reo (art.º 127.º do CPP e art.º 32.º/2 da CRP), mas sem qualquer razão.
24º). O Tribunal “a quo” formou a sua convicção, para dar como provado os pontos 87 a 91, com base na prova documental de fls.58 a 61, 74 a 75, 84, 103, 177 a 179, 182 a 184 (relatórios de vigilância externa), 2625 a 2628 (auto de apreensão), 2629 a 2631 (exame e avaliação), 2741 a 2742 (auto de apreensão do trolley e mochila) 2742 (exame e avaliação), 2746 a 3749(fotogramas), 7143 a 7145 (relatório social) e nos depoimentos das testemunhas ouvidas (designadamente, BBB, Agente Principal PPP, RRR, TTT e UUU).
25º). Atenta a prova produzida, nenhuma dúvida se levantou ao Tribunal “a quo” de que os objetos descritos nos pontos 88 a 90 dos factos provados, foram retirados pelo recorrente do Armazém de “Perdidos e Achados”, da Alfândega do Aeroporto ....
26º) A impugnação da matéria de facto é feita à margem da factualidade provada, tomando o recorrente como referência, o que no seu entender resultaria de uma “outra valoração da prova produzida”, todavia, face à factualidade provada, a argumentação de facto e de direito do recurso falece, uma vez que a prova que indica como relevante para alterar o sentido da matéria de facto e da decisão final, não tem essa virtualidade, por não infirmar a convicção do Tribunal “a quo”
27º). O Tribunal “a quo” procedeu, em todo o processo formativo da convicção, dentro da latitude que lhe é conferida pela livre apreciação da prova, servindo-se de provas não proibidas por lei e usando prova por presunção, acolheu a versão que considerou mais plausível e conforme com as regras da experiência comum, cuja violação se não regista, donde resulta que é improcedente a impugnação da matéria de facto efectuado pelo recorrente, pelo que carece de fundamento este argumento.
28º). O recorrente invoca a violação do princípio do in dúbio pro reo (no art.º 32.º/2 da CRP) na apreciação da prova, todavia, o Tribunal “a quo” não teve quaisquer dúvidas quanto à ocorrência dos factos que considerou provados sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal.
29º) A decisão recorrida é cabalmente suportada em termos de fundamentação de facto, não deixando dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção, pelo que não merece qualquer reparo ou censura e, por via disso, também não existe qualquer violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção da inocência.
30º). Como sexto argumento recursivo, o recorrente considera que a factualidade provada é subsumível ao Crime de Peculato, previsto e punido pelo art.º 375.º/2 do CP, pugnando pela aplicação de uma pena de multa, porém, sem qualquer razão, pois, não há motivo para a alteração da matéria de facto, nem para a subsunção dos factos provados ao crime de peculato, previsto no art.º 375.º/2 do CP.
31º). O valor dos objectos em causa nos pontos 88 a 90 é de € 120,00, montante que na data dos factos, correspondia a valor superior a uma unidade de conta (UC =€102,00), pelo que, é inequívoco que os factos provados nos pontos 1 a 43, 87 a 91, são subsumíveis ao crime de peculato, previsto no art.º 375.º/1 do CP em conjugação com o previsto no art.º 202.º al. c) do CP, cuja moldura penal abstracta não prevê a aplicação de pena de multa e deve improceder esta parte do recurso.
32º). Ademais, o exame e avaliação dos objecto teve em conta a depreciação venal dos objectos, por força do tempo decorrido, entre a data dos factos e a data da sua avaliação, conforme resulta da motivação do acórdão a fls.7871, §6º e 7872, §1º que refere que, os depoimentos dos agentes da PSP eram claros quanto “ao modo de apuramento do valor dos objectos – um valor médio nas plataformas de venda de objectos em segunda mão online, sendo certo que, resultou também ser esse o método a que os funcionários alfandegários recorrem para fazerem as notas de verificação – nada resultando de forma objectiva e sustentada que tenha posto em crise os valores atribuídos, atendendo ao método usado. (…)”
33º). Por fim, na determinação da medida da pena e respectivo quantum, o acórdão recorrido teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP.
34º). Assim, na medida concreta da pena o Tribunal “a quo” teve em conta que: o grau de ilicitude dos factos elevadíssimo, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo em conta o hiato temporal da execução dos factos, compreendido entre ../../2018 e ../../2020; o dolo é directo e com intensidade elevada; a frequência da prática deste tipo de crimes na actualidade; quanto as exigências de prevenção especial são prementes, apesar do recorrente ter estruturação e apoio familiar, mostrar-se integrado social e laboralmente, beneficiando de uma imagem de boa reputação no meio onde vive; a ausência de antecedentes criminais; a ausência de verbalização da consciência crítica e da adopção e comportamentos exteriores concludentes com a interiorização do desvalor da conduta; as exigências de prevenção geral foram consideradas extremamente elevadas, dada a forte danosidade social que a violação do bem jurídico protegido pelo crime de peculato acarreta, a que acrescem os efeitos “colaterais” em termos de imagem do Estado e de quem o representa e exerce funções em nome e no interesse público; a motivação do recorrente na execução do crime (interesse mercantilista).
35º). O Tribunal “a quo” ponderou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o agente, não existindo circunstâncias atenuativas especiais, nem há diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação ou redução da pena aplicada.
36º). Acresce que, a recorrente agiu com dolo directo e são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, pelo que se impõe que a pena concreta se situe acima do patamar mínimo da moldura penal, que tem como moldura penal abstracta do ilícito, o limite mínimo de 1 ano e o limite máximo de 8 anos de prisão (art.º 375.º/1 do CP), sendo justa, adequada e proporcional a pena aplicada de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, que fica mais próxima do limite mínimo do que do seu limite médio.
37º). O Ministério Público entende que o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e procedeu a uma aplicação de uma pena que no seu quantum dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, diga-se desde, já, deve ser negado provimento ao recurso, pois as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a redução da pena aplicada ou aplicação da pena de multa.
38º). Não existe, pois, qualquer motivo atendível para alterar a matéria de facto, nem a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 70.º, 71.º, 375.º/2, por referência ao o art.º 202.º, alínea c), todos do CP, art.º127.º, 340.º, 374.º/2 e 3, al. c), 379.º/1 al. c) e 410.º/2, todos do CPP e art.º32.º/2 da CRP.
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Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
13.3. Em resposta ao recurso da arguida OO, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º). O Recorrente, não se conformando com o Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, interpõe o presente recurso, invocando: erro de julgamento e impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 94, 95 e 99, pugna pela violação do art.º 127.º do CPP e do princípio do in dúbio pro reo; defende que existe erro na subsunção dos factos ao direito pois os factos são subsumíveis ao art.º 375.º/2 do CP; discorda da medida concreta da pena, por violação dos art.º 70.º, 71.º e 72.º do Código Penal, pugnando pela redução da pena aplicada a 1 ano e 2 meses de prisão, apenas suspensa na sua execução, sem estar sujeita a regime de prova; a recorrente entende ainda que, foi violado o art.º 53.º do Código Penal.
2º). Quanto à impugnação da matéria de factos dos pontos 94, 95 e 99 , cumpre referir que, o Tribunal “a quo”, para dar como provados os referidos factos, na motivação da matéria de facto (fls.7774/7775, 7864, §4º, 7871,§6º, 7872, §6º) refere que teve por base o exame crítico de toda a prova produzida, designadamente, a prova documental de fls.63, 87/88, 110, 116, 121, 803, 2391 a 2395 (autos de apreensão), 2396 a 2399 (auto de exame e avaliação), 2400 (fotograma) 3369 a 3371(ATA- Identificação dos arguidos como seus funcionários), 5252, 5253 a 5257 (facturas), 5443 a 5444 (mensagens correio electrónico), 7154 a 7156 (relatório social), 7592 a 7593, 7598 a 7599, 7600 a 7609, 7633 e Apenso A-1 (documentação bancária) nos depoimentos das testemunhas ouvidas.
3º). Conforme fundamentação do acórdão recorrido, a fls. 7893 a 7895, provou-se que a recorrente retirou, sem autorização, do Armazém de “Perdidos e Achados”, da Alfândega do Aeroporto ... e levou para casa, os objectos descritos nos pontos 92 a 99, sabendo que os objectos em causa não eram seus, nem lhe pertenciam, sabendo que o eventual destino dos mesmos era a venda, a doação e a inutilizarão, caso não fossem reclamados, e nalgumas situações, os objectos foram reclamados pelos passageiros e ao invés de lhe serem devolvidos, o(s) arguido(s) levou-os para a casa, apoderando-se dos mesmos, sabendo que pertenciam a terceiros
4º). Sucede que, o acórdão recorrido não padece de qualquer vício do art.º 410.º/2 do CP e, assim, não poderá haver lugar à modificação da decisão quanto à matéria de facto, no sentido pretendido pela recorrente, mostrando-se provados os elementos objectivos e subjectivos do crime de peculato (art.º 375.º/1 do CP) pelo que deve improceder o recurso, nesta parte,
5º). A impugnação da matéria de facto da recorrente reconduz-se à pretensão de substituir a convicção alcançada pelo Tribunal “a quo”, por aquela que a mesma defende, o que conduziria à postergação do princípio da livre apreciação da prova.
6º). O facto de o Tribunal “a quo” ter optado pela versão diferente/oposta à análise da recorrente, não resulta senão da livre apreciação que fez da prova, em conformidade com o princípio consagrado no art.º 127.º do CPP, de acordo com a qual, na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção.
7º). O Tribunal “a quo” procedeu no processo formativo da convicção, dentro da latitude que lhe é conferida pela livre apreciação da prova, servindo-se de provas não proibidas por lei e usando prova por presunção, acolheu a versão que considerou mais plausível e conforme com as regras da experiência comum, cuja violação se não regista.
8º). A recorrente invoca a violação do princípio do in dúbio pro reo (no art.º 32.º/2 da CRP) na apreciação da prova, todavia, o Tribunal “a quo” não teve quaisquer dúvidas quanto à ocorrência dos factos que considerou provados sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que a recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal. Não tem, pois, qualquer fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
9º). Acresce que, a decisão recorrida é cabalmente suportada em termos de fundamentação de facto, não deixando dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção, pelo que não merece qualquer reparo ou censura e, por via disso, também não existe qualquer violação do princípio da presunção da inocência.
10º). Bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu, depois de valorada toda a prova de forma crítica, dar como assente que o(a) arguido(a) praticou os factos dados como provados e por via disse, condenar o(a) arguido(a) nos termos constantes do acórdão recorrido.
11º). Quanto ao erro na subsunção dos factos ao direito invocado, entendemos que o mesmo não existe, pois não há motivo para a alteração da matéria de facto, nem se mostra incorrecta a subsunção dos factos provados ao crime de peculato, previsto no art.º 375.º/2 do CP. (Cfr. fls.7895, §3º)
12º). O valor dos objectos em causa no ponto 99 é de € 215,00, montante que na data dos factos, correspondia a valor superior a 2 unidades de conta (UC =€ 102,00), pelo que, é inequívoco que os factos provados nos pontos 92 a 99, são subsumíveis ao crime de peculato, previsto no art.º 375.º/1 do CP, que na sua moldura penal abstracta não prevê a aplicação de pena de multa e deve improceder esta parte do recurso.
13º). Quanto à determinação da medida da pena e respectivo quantum, o acórdão recorrido teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP.
14º). Assim, na medida concreta da pena o Tribunal “a quo” teve em conta que: o grau de ilicitude dos factos elevadíssimo, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo em conta o hiato temporal da execução dos factos, compreendido entre ../../2018 e ../../2020; o dolo é directo e com intensidade elevada; a frequência da prática deste tipo de crimes na actualidade; quanto as exigências de prevenção especial são prementes, apesar do recorrente ter estruturação e apoio familiar, mostrar-se integrado social e laboralmente, beneficiando de uma imagem de boa reputação no meio onde vive; a ausência de antecedentes criminais; a ausência de verbalização da consciência crítica e da adopção e comportamentos exteriores concludentes com a interiorização do desvalor da conduta; as exigências de prevenção geral foram consideradas extremamente elevadas, dada a forte danosidade social que a violação do bem jurídico protegido pelo crime de peculato acarreta, a que acrescem os efeitos “colaterais” em termos de imagem do Estado e de quem o representa e exerce funções em nome e no interesse público; a motivação do recorrente na execução do crime (interesse mercantilista).
15º). O Tribunal “a quo” ponderou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o agente, não existindo circunstâncias atenuativas especiais, nem há diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação/redução da pena aplicada.
16º). Acresce que, a recorrente agiu com dolo directo e são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, pelo que se impõe que a pena concreta se situe acima do patamar mínimo da moldura penal, que tem como moldura penal abstracta do ilícito, o limite mínimo de 1 ano e o limite máximo de 8 anos de prisão (art.º 375.º/1 do CP), sendo justa, adequada e proporcional a pena aplicada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, que fica mais próxima do limite mínimo do que do seu limite médio.
17º). O Ministério Público entende que o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e procedeu a uma aplicação de uma pena que no seu quantum dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, diga-se desde, já, deve ser negado provimento ao recurso, pois as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a atenuação especial da medida da pena.
18º). Em face do exposto falecem todos os fundamentos invocados no recurso interposto, nesta parte, pelo que deve o mesmo improceder, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra, não ocorrendo violação e/ou má interpretação dos art.º 40.º/1 e 2, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do CP.
19º). Ademais, não ocorre a violação do previsto no art.º 53.º do CP, pois, o Tribunal “a quo” entendeu que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão deveria ser suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, uma vez que, concluiu que a simples ameaça da pena de prisão afastará a arguida da prática de novos crimes.
20º). In casu, o Tribunal “a quo” ao efectuar o juízo de prognose favorável da recorrente -que comporta um inevitável risco - entendeu ser necessário às finalidades da punição, a sujeição da referida suspensão da execução da pena a regime de prova, por ser mais conveniente e adequado à reintegração do condenado na sociedade (art.º 53.º/1, do CP) e assim, esse risco será mitigado, pelo que deve improceder esta questão, mantendo-se a pena aplicada.
21º). Não existe, pois, qualquer motivo atendível para alterar a matéria de facto nem a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 53.º, 70.º, 71.º, 375.º/1, por referência ao o art.º 202.º, alínea c), todos do CP, art.º127.º do CPP e art.º32.º/2 da CRP.
*
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
13.4. Em resposta ao recurso da arguida QQ, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º). A recorrente interpõe recurso do Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP, na pena de 5 (cincos) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, onde invoca que o mesmo padece de falta de fundamentação e contradição insanável e de irregularidades, que reflecte um erro na apreciação da prova e uma deficiente subsunção dos factos.
2º). Em primeiro lugar, não tem qualquer cabimento a nulidade invocada pelo recorrente, pois o aresto não padece de falta de fundamentação; o julgador, na determinação dos factos provados e na motivação da convicção obtida, sustentou-se em prova legalmente admissível, pelo que, a decisão está corretamente fundamentada e cumpre com os requisitos gerais da sentença enunciados no art.º 374.º do CPP, contendo todos os factos que interessam à comprovação do crime praticado e à determinação da pena fixada.
3º). Nele estão enunciados os factos dados por provados (pontos 1 a 43 e 107 a 114), designadamente, os factos que preenchem os elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato, o teor do CRC da recorrente, as condições pessoais e sociais, bem como a personalidade da arguida, pelo que não carece de mais e/ou outra fundamentação, pelo qe deve improceder esta parte do recurso.
4º). Em segundo lugar, quanto à existência da contradição insanável (art.º 410.º/2 al. b) do CPP) -que não foi concretizada- somos do entendimento que, nesta questão, o recorrente apenas aponta como contradição insanável uma “outra leitura” que faz da prova produzida.
5º). Assim, a decisão recorrida não padece de contradição insanável, pois, nada resulta do texto da sentença; a impugnação da matéria de facto que o recorrente pretende ver apreciada, nos termos invocados só pode ser usado pelo recorrente como erro de julgamento e não como contradição insanável (ou mesmo erro notório).
6º). Por fim, compulsados os autos, constatasse que não ocorre qualquer irregularidade e a existir, a mesma que há muito se mostra sanada, por ter sido arguida fora do prazo previsto no art.º 123.º do CPP, pelo que deve improceder esta parte do recurso, quanto às nulidades e irregularidades invocadas.
9º). A recorrente impugna a matéria de facto, todavia, não estão reunidas, as condições necessárias para que o Tribunal “ad quem” conheça da matéria de facto, por violação do previsto no art.º 412.º/3 do CPP, termos em que deve o recurso apresentado ser rejeitado nos termos do previsto nos arts.º 417.º/3 e 420.º/1, al. c) ambos do CPP.
10º). É ainda, invocado pela recorrente que, existe erro de julgamento (por não existir prova) e impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 29, 36, 42, 108, 111, 112, que deve ser dada como não provada; mais entende que, a factualidade constante da sua contestação, nos artigos 11º, 19º, 21º a 23º, 29º, 30º, 31º, 48º, 51º, 54º, 60º a 63º, 71º a 73º, 75º, 82º e 87º deve ser dada como provada (art.º 127.º do CPP), porém, não concretiza a prova que demonstra o contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”.
11º). Salvo devido respeito por melhor opinião, não assiste razão à recorrente pois, o Tribunal “a quo” não teve dúvidas que, os objetos descritos nos pontos 1 a 43, 107 a 114 dos factos provados, foram retirados pela recorrente do Armazém de “Perdidos e Achados”, da Alfândega do Aeroporto ....
12º). Sustentou a sua convicção a partir da concatenação das declarações da arguida (parcialmente confessória) e demais arguidos, dos depoimentos das testemunhas ouvidas e da prova documental dos autos, designadamente, a fls.147 a 149, 150 a 154, 156 a 157, fls.2408 a 2409 (auto de apreensão), fls.2410 a 2423 (auto de apreensão de 2 telemóveis), fls.2424 a 2427 (auto de exame e avaliação), fls.5391 a 5397, fls.5395 e 5396, fls.5403 a 5408 (mensagens de correio electrónico), fls.5409 a 5410, fls.5414 a 5422 e 5431(fotografias), fls.5423 a 5425, 5429 a 5433, 5435, 5437 a 5439, 5426 a 5428, 5434, 5436, 5440 a 5444, fls.6053 e 6054 verso, fls.6936 a 6938 verso, 7273, 7312 a 7313, fls.7621 a 7628, 7629 a 7631 e Apenso A-4 (documentação bancária).
13º). Acresce que, o Acórdão recorrido está bem fundamentado quanto ao exame crítico da prova, designadamente quanto à credibilidade conferida à prova produzida, tendo efectuado uma correcta aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tendo em conta os parâmetros plasmados na motivação.
14º). A recorrente não afirma que a prova em que assentou a convicção do Tribunal “a quo” não consentia essa mesma convicção, nomeadamente que, foi feita uma interpretação diferente do seu conteúdo ou a ele oposta, ou que foi produzida outra prova que necessariamente obstava a que tal convicção fosse formada no sentido em que o foi; sustenta, sim, que outra convicção [a sua própria ou a que mais lhe convém tendo em vista o efeito pretendido], - igualmente possível, deveria ter sido a prevalecente.
15º). A impugnação da matéria de facto é feita à margem da factualidade provada, tomando a recorrente como referência, o que no seu entender resultaria de uma “outra valoração da prova produzida”, todavia, face à factualidade provada, a argumentação de facto e de direito do recurso falece, uma vez que a prova que indica como relevante para alterar o sentido da matéria de facto e da decisão final, não tem essa virtualidade, por não infirmar a convicção do Tribunal “a quo”
16º). Quanto à factualidade articulada na sua contestação, que a recorrente entende ser de dar como provadas, a mesma não concretiza a prova ou provas que impunham a alteração pretendida.
17º). Ademais, a mera transcrição dos depoimentos na motivação de recurso, para fundamentar o erro de julgamento, sem a correspondente indicação nas conclusões do mesmo, viola o previsto no art.º 413.º/3 e 4 do CPP, pelo que não é possível conhecer desta impugnação da matéria de facto.
18º). A impugnação efetuada nestes moldes, é reconduzida à pretensão de substituir a convicção alcançada pelo Tribunal “a quo” por aquela que a recorrente defende, pois que, se admissível, conduziria à postergação do princípio da livre apreciação da prova.
19º). O facto de o Tribunal “a quo” ter optado pela versão diferente/oposta à análise da recorrente, não resulta senão da livre apreciação que fez da prova, em conformidade com o princípio consagrado no art.º 127.º do CPP, dentro da latitude que lhe é conferida pelo mesmo, servindo-se de provas não proibidas por lei e usando prova por presunção, acolheu a versão que considerou mais plausível e conforme com as regras da experiência comum, cuja violação se não regista, donde resulta que é improcedente a impugnação da matéria de facto efectuado pela recorrente, pelo que carece de fundamento este argumento.
20º). A recorrente discorda da medida concreta da pena, por violação dos art.º 30.º, 53.º, 54.º, 71.º e~375.º do Código Penal, uma vez que, defende que, efectuou uma confissão integral e sem reservas, estando o valor dos bens retirados errado, por ser de montante inferior, pugnando pela redução do quantum da pena a 3 anos de prisão, apenas suspensa na sua execução, por igual período.
21º). Quanto à determinação da medida da pena e respectivo quantum, o acórdão recorrido teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP.
22º). Assim, na medida concreta da pena o Tribunal “a quo” teve em conta que: o grau de ilicitude dos factos elevadíssimo, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo em conta o hiato temporal da execução dos factos, compreendido entre ../../2018 e ../../2020; o dolo é directo e com intensidade elevada; a frequência da prática deste tipo de crimes na actualidade; quanto as exigências de prevenção especial são prementes, apesar do recorrente ter estruturação e apoio familiar, mostrar-se integrado social e laboralmente, beneficiando de uma imagem de boa reputação no meio onde vive; a ausência de antecedentes criminais; a confissão parcial e ausência de consciência crítica e de interiorização do desvalor da conduta, tendo em conta o valor reparado (€50) e montante de prejuízo causado (€13.050,00); as exigências de prevenção geral foram consideradas extremamente elevadas, dada a forte danosidade social que a violação do bem jurídico protegido pelo crime de peculato acarreta, a que acrescem os efeitos “colaterais” em termos de imagem do Estado e de quem o representa e exerce funções em nome e no interesse público; a motivação do recorrente na execução do crime (interesse mercantilista).
23º). O Tribunal “a quo” ponderou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o agente, não existindo circunstâncias atenuativas especiais, nem há diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação ou redução da pena aplicada, designadamente, não houve a confissão integral e sem reservas.
24º). Acresce que, a recorrente agiu com dolo directo e são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, pelo que se impõe que a pena concreta se situe acima do patamar médio da moldura penal, que tem como moldura penal abstracta do ilícito, o limite mínimo de 1 ano e o limite máximo de 8 anos de prisão (art.º 375.º/1 do CP), sendo justa, adequada e proporcional a pena aplicada de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, que fica mais próxima do seu limite médio do que do máximo.
25º). O Ministério Público entende que o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e procedeu a uma aplicação de uma pena que no seu quantum dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, diga-se desde, já, deve ser negado provimento ao recurso, pois as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a redução da pena aplicada ou aplicação da simples suspensão da execução da pena,
26º). Não existe, pois, qualquer motivo atendível para alterar a matéria de facto, nem a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º e 375.º/2, por referência ao o art.º 202.º, alínea c), todos do CP, art.º123.º, 127.º, 374.º/2, 379.º/1 al. c) e 410.º/2, todos do CPP.
27º). A recorrente defende que os objectos apreendidos - porque fez prova de que lhe pertencem - devem ser-lhe devolvidos.
28º). Consigna-se que, não há lugar a qualquer devolução dos objectos apreendidos à recorrente por ter sido feita prova de que os objectos eram resultado do ilícito praticado e pelo qual foi condenada e, não foi feita prova de que, a mesma os tenha adquirido, pelo que não há lugar á alteração da matéria de facto.
29º). In casu, o Tribunal “a quo” determinou a perda de objetos por necessidades de prevenção, tendo cumpridos os pressupostos – formal e material -previstos no art.109.º do CP (Cfr. fls. 7914 a 7916), pelo que este normativo não se mostra violado.
30º). O valor atribuído ao objectos não merece qualquer censura ou reparo, pois, o exame e avaliação dos objecto[s] (Cfr. pontos 107 a 114 e fls.2424 a 2427) teve em conta a depreciação venal dos objectos, por força do tempo decorrido, entre a data dos factos e a data da sua avaliação, conforme resulta da motivação do acórdão a fls.7871, §6º e 7872, §1º, pelo que deve improceder esta questão.
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Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
13.5. Em resposta ao recurso do arguido GG, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º- O Recorrente, não se conformando com o Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, interpõe o presente recurso, invocando que não existe fundamento para a declaração de perda dos objectos apreendidos por não existir prova de que tais objectos são provenientes do Aeroporto ..., gozando o agregado familiar do recorrente de capacidade económica para os ter adquirido; que a medida concreta da pena deve ser reduzida e a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a regime de prova não é necessária para efeitos das exigência de prevenção especial positiva, ocorrendo contradição na sua fundamentação.
2º- O primeiro argumento suscitado pelo recorrente (ponto A), é a falta de prova de que os objectos apreendidos tivessem com proveniência o Aeroporto ..., desdobra-se em duas situações que é a de saber se se provou os elementos objectivos e subjectivos do crime de peculato, sendo na verdade uma impugnação quanto à matéria de facto e se se mostram verificados os requisitos do art.º 109.º do CP.
3º- O Tribunal “a quo” na motivação da matéria de facto (fls.7865, § 4º) referiu que a prova da factualidade referente ao arguido GG - designadamente o ponto 151- teve por base a conjugação da análise dos autos de visionamento e das transcrições (apenso 6), concatenada com os autos de apreensão dos objectos, quer na residência do recorrente, quer na casa dos familiares e da namorada, o relatório social, a documentação bancária (Apenso A-12).
4º- No exame crítico de toda a prova produzida ( fls.792 a 794, 904 a 907, 1060 a 1062, 1573 a 1574, 2562 a 2563, 2569 a 2591, 2682 a 2688, 2696 a 2698, 2731 a 2733, 2762 a 2764, 2822 a 2823, 2825 a 2831, 3369 a 3371, 3821, 7167 a 7170) tendo em conta ainda os depoimentos das testemunhas VVV e WWW (Cfr. fls.7891, § 4º e 5º), com relevo para esta factualidade, o Tribunal “ a quo” entendeu que não existia qualquer explicação lógica e razoável para a posse de tais artigos, pela sua quantidade, valor e heterogeneidade de origens, para depois concluir que o denominador comum a todos os artigos era o facto da sua proveniência ser a Alfândega do Aeroporto ..., local onde o recorrente exercia funções e tinha acessos a esses objectos por força das mesmas.
5º- Ademais, a forma como o recorrente apresentou o recurso, onde o que pretende é que se julgue não provado um facto provado- isto é, que seja dado como não provado que os artigos apreendidos na residência do recorrente (ponto 151) provinham da Alfândega do Aeroporto ...- deveria ter impugnado a prova nos termos do art.º 412.º/3 do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (no sentido de se dever ter por não provado o facto do ponto 151), fazendo-o por referência ao consignado na acta, com indicação das passagens em que fundava a impugnação (art.º 412.º/3 e 4 do CPP), o que não fez.
6º- Acresce que o acórdão qualquer vício do art.º 410.º/2 do CPP, não poderá haver lugar à eventual modificação da decisão quanto à matéria de facto, no sentido pretendido pelo recorrente, mostrando-se provados os elementos objectivos e subjectivos do crime de peculato (art.º 375.º/1 do CP) pelo que deve improceder o recurso, nesta parte,
7º- O segundo argumento é saber se se mostram preenchidos os requisitos do art.º 109.º do CP, o que se nos afigura que ocorre sem qualquer margem para dúvidas, conforme fundamentação do acórdão recorrido, a fls. 7893 a 7895, onde se provou que o recorrente levou para casa os objectos descritos nos pontos 122 a 156, sabendo que os objectos em causa não eram seus, nem lhe pertenciam, sabendo que o eventual destino dos mesmos era a venda, a doação e a inutilizarão, caso não fossem reclamados, e nalgumas situações, os objectos foram reclamados pelos passageiros e ao invés de lhe serem devolvidos, o(s) arguido(s) levou-os para a casa, apoderando-se dos mesmos, sabendo que pertenciam a terceiros
8º- O Tribunal “a quo” (vide fls. 7914 a 7916) considerou que os objectos apreendidos dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega estavam directamente relacionados com a prática do crime, pelo qual o recorrente foi condenado e declarou-os perdidos, a favor do Estado, tendo cumpridos os pressupostos – formal e material -previsto no art.º 109.º do CP.
9º- Como terceiro argumento recursivo, o recorrente considera que, atentos os factos provados, a pena é excessiva, por não ter considerado devidamente as atenuantes que militam a seu favor e foi violado o art.º 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, pugnando pela redução da pena aplicada, que entende que deve ser fixada entre 1 ano e 3 anos de prisão.
10º- Sucede que, na determinação da medida concreta da pena e respectivo quantum, o acórdão recorrido teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP.
11º- Assim, na medida concreta da pena o Tribunal “a quo” teve em conta que: o grau de ilicitude dos factos elevadíssimo, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo em conta o hiato temporal da execução dos factos, compreendido entre ../../2018 e ../../2020; o dolo é directo e com intensidade elevada; a frequência da prática deste tipo de crimes na actualidade; quanto as exigências de prevenção especial são prementes, apesar do recorrente ter estruturação e apoio familiar, mostrar-se integrado social e laboralmente; a ausência de antecedentes criminais; o valor dos objectos retirados da Alfandega do Aeroporto ... (factos 122 a 156), em montante superior a €13.679,50 e a ausência de reparação; as exigências de prevenção geral foram consideradas extremamente elevadas, dada a forte danosidade social que a violação do bem jurídico protegido pelo crime de peculato acarreta, a que acrescem os efeitos “colaterais” em termos de imagem do Estado e de quem o representa e exerce funções em nome e no interesse público; a motivação do recorrente na execução do crime (interesse mercantilista).- Cfr.fls.7902
12º- O Tribunal “a quo” ponderou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o agente e, acresce que, in casu, não se verifica a atenuante da reparação do prejuízo causado, o que não permite a diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação especial da pena.
13º- Acresce que, o arguido agiu com dolo directo e são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, pelo que se impõe que a pena concreta se situe dentro do patamar médio da moldura penal, que tem como moldura penal abstracta do ilícito, o limite mínimo de 1 ano e o limite máximo de 8 anos de prisão (art.º 375.º/1 do CP), sendo justa, adequada e proporcional a pena aplicada de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, que fica mais próxima do limite médio do que do limite máximo.
14º- O Ministério Público entende que o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e procedeu a uma aplicação de uma pena que no seu quantum dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, diga-se desde, já, deve ser negado provimento ao recurso, pois as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a pena pretendida pelo recorrente (a redução da pena a um quantum compreendido entre 1 ano e 3 anos de prisão, suspensa na sua execução).
15º- Em face do exposto falecem todos os fundamentos invocados no recurso interposto, nesta parte, pelo que deve o mesmo improceder, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra, não ocorrendo violação e/ou má interpretação dos art.º 40.º/1 e 2, 50.º, 70.º e 71.º e 109.º do CP.
16º- Como quarto argumento recursivo, o recorrente defende que foi violado o art.º 53.º do CP e 410.º/2 al. b) do CPP, mas sem razão na nossa opinião.
17º- Em primeiro lugar, não existe qualquer contradição entre a fundamentação do acórdão, para justificar a suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova, nos termos do previsto no art.º 410.º/2, al. b) do CPP, nas partes transcritas pelo recorrente, pois tal não resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
18º-Na verdade, aquilo que o recorrente aponta como contradição insanável, é apenas a referência ao resultado do relatório social do arguido e a enunciação das exigências de prevenção especial positiva (reintegração) que existem na determinação da medida concreta da pena, o que não constitui contradição insanável, pelo que deve improceder esta questão.
19º- O Recorrente entende que a simples suspensão da execução da pena (art.º 50.º do CP) é suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial, mas sem qualquer razão como se passa a explicar.
20º- O Tribunal “a quo” aplicou (e bem) ao recorrente a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pois, ponderando a conduta posterior do recorrente, que se dedica ao trabalho, concluiu que a simples ameaça da pena de prisão afastará o arguido da prática de novos crimes, porém, porque o juízo de prognose favorável efectuado comporta um inevitável risco, entendeu ser necessário às finalidades da punição, a sujeição da referida suspensão da execução da pena a regime de prova, por ser mais conveniente e adequado à reintegração do condenado na sociedade (art.º 53.º/1, do CP) e assim, esse risco será mitigado, pelo que deve improceder esta questão, mantendo-se a pena aplicada.
21º- Não existe, pois, qualquer motivo atendível para alterar a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 53.º, 70.º, 71.º e 109.º do CP e ainda art.º 410.º/2 al. b) do CPP.
*
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
13.6. Em resposta ao recurso do arguido SS, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º- O Recorrente, não se conformando com o Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, interpõe o presente recurso, invocando que a pena é excessiva, por não ter considerado a confissão integral e sem reservas, o arrependimento, a ausência de antecedentes criminais, a reparação efectuada ao Estado e foram violados os art.º 70.º, 71.º e 72.º do Código Penal, pugnando pela redução da pena aplicada, por entender que a mesma deve ser especialmente atenuada. O recorrente entende ainda que, foram violados os arts. 53.º e 54.º do Código Penal, uma vez que não existem circunstâncias que exijam a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova.
2º- Quanto à “confissão” do recorrente, como questão prévia, cumpre referir que da factualidade provada e praticada pelo recorrente, constante dos factos 157 a 161 (pág.58 e 59 do acórdão), não consta como facto provado a confissão integral e sem reserva da factualidade que lhe era imputada.
3º- O Tribunal “a quo” na motivação da matéria de facto (pág.125 do acórdão, § 2º) referiu que o arguido SS, na essência, reconheceu os factos imputados, salvo quanto ao crime de falsificação; isto é, reconhecer é o mesmo que admitir, aceitar que é diferente do conceito penal de confessar.
4º- Assim, o recorrente pretende que a pena seja alterada e reduzida por força da confissão do crime de peculato, só que, para tanto, deveria ter impugnado a prova nos termos do art.º 412.º/3 do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (no sentido de se dever ter considerado provados a confissão e o arrependimento), fazendo-o por referência ao consignado na acta, com indicação das passagens em que fundava a impugnação (art.º 412.º/3 e 4 do CPP), o que não fez.
5º- E não revelando o acórdão qualquer vício do art.º 410.º/2 do CPP, não poderá haver lugar à eventual modificação da decisão quanto à matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente, pelo que deve improceder o recurso, nesta parte.
6º- Como primeira questão, no que se refere aos critérios de determinação da medida da pena e respectivo quantum, o acórdão recorrido teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do C.P.
7º- Assim, na medida concreta da pena o Tribunal “a quo” teve em conta que: o grau de ilicitude dos factos elevadíssimo, dadas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo em conta o hiato temporal da execução dos factos, compreendido entre ../../2018 e ../../2020; o dolo é directo e com intensidade elevada; a frequência da prática deste tipo de crimes na actualidade; quanto as exigências de prevenção especial são prementes, apesar do recorrente ter estruturação e apoio familiar, mostrar-se integrado social e laboralmente, beneficiando de uma imagem de boa reputação no meio onde vive; a ausência de antecedentes criminais; a admissão parcial e fragmentada dos factos, tendo um discurso alicerçado num alijar de responsabilidades, revelador de fraca capacidade autocrítica; a verbalização do arrependimento e depósito à ordem dos autos do valor correspondente ao valor atribuído aos objectos que admitiu, espontaneamente, ter retirado da Alfandega do Aeroporto ..., no montante de €495,00 (fls.7585 e 7586), sendo que retirou objectos no valor de €625,00, o que foi entendido como uma demonstração efectiva de interiorização do desvalor da sua conduta e da capacidade de avaliar as consequências da sua conduta, quer para terceiros, quer para o Estado; as exigências de prevenção geral foram consideradas extremamente elevadas, dada a forte danosidade social que a violação do bem jurídico protegido pelo crime de peculato acarreta, a que acrescem os efeitos “colaterais” em termos de imagem do Estado e de quem o representa e exerce funções em nome e no interesse público; a motivação do recorrente na execução do crime (interesse mercantilista).
8º- O Tribunal “a quo” ponderou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o agente e, acresce que, in casu, não se verifica a atenuante da confissão livre, integral e sem reservas do recorrente, que permitria a aplicação de uma atenuação especial da pena, uma vez que, o mesmo efectuou, apenas, declarações parcialmente confessórias, que não são livres, integrais e sem reservas e não podem funcionar como circunstâncias atenuativas especiais, por não se verificar os pressupostos que pudessem levar à atenuação especial da pena, previstos no art.º 72.ºe 73.º, do CP.
9º- Em concreto, não há diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação especial da pena, sem uma confissão dos factos de forma livre, integral e sem reservas.
10º- Acresce que, o arguido agiu com dolo directo e são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, pelo que se impõe que a pena concreta se situe acima do patamar mínimo da moldura penal, que tem como moldura penal abstracta do ilícito, o limite mínimo de 1 ano e o limite máximo de 8 anos de prisão (art.º 375.º/1 do CP), sendo justa, adequada e proporcional a pena aplicada de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, que fica mais próxima do limite mínimo do que do seu limite médio.
11º- O Ministério Público entende que o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e procedeu a uma aplicação de uma pena que no seu quantum dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, diga-se desde, já, deve ser negado provimento ao recurso, pois as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a atenuação especial da medida da pena.
12º- Em face do exposto falecem todos os fundamentos invocados no recurso interposto, nesta parte, pelo que deve o mesmo improceder, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra, não ocorrendo violação e/ou má interpretação dos art.º 40.º/1 e 2, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal.
13º- Como segunda questão suscitada, o recorrente defende que foram violados os arts. 53.º e 54.º do Código Penal, uma vez que não existem circunstancias que exijam a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova, mas sem qualquer razão como se passa a explicar.
14º- O Tribunal “a quo” entendeu que no caso concreto que a pena aplicada de 1 ano e 7 meses de prisão deveria ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, pois, ponderando a conduta posterior do recorrente, que se dedica ao trabalho, quo” concluiu que a simples ameaça da pena de prisão afastará o arguido da prática de novos crimes.
15º- In casu, o Tribunal “a quo” ao efectuar o juízo de prognose favorável do recorrente -que comporta um inevitável risco - entendeu ser necessário às finalidades da punição, a sujeição da referida suspensão da execução da pena a regime de prova, por ser mais conveniente e adequado à reintegração do condenado na sociedade (art.º 53.º/1, do CP) e assim, esse risco será mitigado, pelo que deve improceder esta questão, mantendo-se a pena aplicada.
16º- Não existe, pois, qualquer motivo atendível para alterar a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal.
*
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
13.7. Em resposta ao recurso do arguido JJ, o MºPº pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
“1º- O Recorrente, não se conformando com o Acórdão de fls.7741 a 7923, que o condenou pela prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do CP e um crime de descaminho, p. e p. no art.º 355.º do CP, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, interpõe o presente recurso, discordando da medida concreta da pena; invocando que existe Contradição na fundamentação da sua sujeição ao regime de prova (art.º 410.º/2 al. b) do CPP) e que não se verificam os pressupostos para a suspensão da execução da pena ser sujeita a regime de prova, pelo que ocorre a violação dos arts.º 53.º e 54.º do CP; entende que a simples suspensão da execução da pena é suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição (art.º40.º e 50.º do CP); defende que, não há lugar à Declaração de perda de três artigos apreendidos por não terem sido instrumentos do crime e não existir prova da sua proveniência da Alfandega, não se verificando os pressupostos do art.º 109.º do CP, pugnando a restituição dos bens; por fim, alega que não tinha consciência da ilicitude e da gravidade dos factos que lhe foram imputados.
2º- Tendo em conta o PRIMEIRO argumento recursivo, consigna-se que, a pena não é excessiva e o Tribunal “a quo” teve em consideração as atenuantes do recorrente – o reconhecimento dos f[a]ctos, a ausência de antecedentes criminais e a inserção social, familiar e laboral- pelo que não há motivo para a mesma ser reduzida, atenuada ou especialmente atenuada, não ocorrendo qualquer violação dos arts.º 71, 72.º e 377.º-A do CP.
3º- Resulta do acórdão recorrido que, por referência ao recorrente, foram dados como provados os factos constantes dos pontos 1 a 43, 201 a 209 e desta factualidade, apura-se que, a sua actuação causou um prejuízo ao Estado que ascende a valor superior a €3.250,00.
4º- Assim, tendo em conta a referida factualidade e o teor do relatório social do recorrente, o Tribunal “a quo” teve em consideração os factores contra e a seu favor na medida concreta da pena e, acresce que, in casu, não se verifica a atenuante da reparação do prejuízo causado, o que não permite a diminuição da ilicitude ou da culpa, que fundamente uma atenuação especial da pena.
5º- O Tribunal “a quo”, tendo em conta as molduras penais abstractas dos crimes imputados ao recorrente considerou (e bem) ser adequada e proporcional a aplicação ao Recorrente da pena parcelar de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de peculato, p. e p. no art.º 375.º/1 CP e a pena parcelar de 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de descaminho, p. e p. pelo art.º 355.º do CP, que ficam mais próximas do limite mínimo do que do seu limite médio.
6º-Em cúmulo jurídico, o recorrente foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, uma vez que o Tribunal “a quo” teve em conta a gravidade dos factos e a personalidade do arguido neles reflectida, bem como todos os critérios previstos no art.º 71.º do CP, em face da ausência de reparação do prejuízo causado e perante a constatação de que as exigências de prevenção geral e especial serem muito elevadas.
7º- Aliás, é nosso entendimento que, o Tribunal “a quo” formulou um juízo valorativo ajustado, sustentável, correcto e, procedeu a uma aplicação de penas parcelares e única, fixando um quantum que dá resposta cabal aos fins da punição e respeitam os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso.
8º- Na verdade, perante a imagem global que a situação fornece, cujas exigências de prevenção geral e especial, são manifestamente bem elevadas e em que inexistem factores de ordem excepcional que as desvalorizem e de forma importante, as finalidades punitivas não ficariam devidamente salvaguardadas com a redução da pena com apenas aplicação da simples suspensa na sua execução (sem sujeição a regime de prova) nos termos do previsto no art.º 50.º/1 do CP.
9º-In casu, o recorrente apenas reconheceu os factos imputados, o que não assumiu especial relevo, face à abundante prova documental e testemunhal dos autos, daí que se entenda que, o comportamento do mesmo não se traduziu em relevante contribuição para a descoberta da verdade, nem evidência arrependimento, nem a interiorização do desvalor da conduta, nem as consequências dos ilícitos, em ordem a justificar a atenuação especial da pena.
10º-Não obstante a ausência de antecedentes crinais do recorrente, a pena única fixada não excede a necessária à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial, mostrando-se justa e adequada à realização das mesmas, não havendo qualquer justificação para a sua pretendida redução atenuação ou atenuação especial, não ocorrendo violação do previsto nos art.º 72.º, 73.º e 377.º-A do Código Penal, pelo que deve improceder o recurso, nesta parte.
11º- O Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestarem justas, proporcionais e adequadas à gravidade das condutas do(a) recorrente e à medida da sua culpa, não merecendo, assim, qualquer reparo ou censura, não ocorrendo por isso qualquer violação do previsto nos arts.º 40.º, 50.º, 53.º, 70.º, 71.º e 109.º do CP e ainda art.º 410.º/2 al. b) do CPP.
12º- Quanto ao SEGUNDO argumento recursivo, o Ministério Público entende que não existe à invocada contradição da fundamentação relativamente à sujeição da suspensão da execução da pena, por não resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
13º-Assim, o facto de se verificar uma qualquer contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja perante o vício decisório do art.º 410.º/2, al. b) do CPP, pois aquilo que o recorrente aponta como contradição insanável, é apenas a referência ao resultado do relatório social do arguido e a enunciação das exigências de prevenção especial positiva (reintegração) que existem na determinação da medida concreta da pena
14º- A impugnação da matéria de facto que o recorrente pretende ver apreciada, nos termos invocados só pode ser usado pelo recorrente como erro de julgamento e não como contradição insanável (ou mesmo erro notório), pelo que deve improceder esta questão.
15º- Quanto ao TERCEIRO argumento recursivo também, não assiste razão ao recorrente, pois, a simples suspensão da execução da pena (art.º 50.º do CP) não é suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial e por ser conveniente e adequado à reintegração do condenado na sociedade.
16º- O Tribunal “a quo” aplicou (e bem) ao recorrente a pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pois, ponderando a conduta posterior do recorrente, que se dedica ao trabalho, concluiu que a simples ameaça da pena de prisão afastará o arguido da prática de novos crimes, porém, porque o juízo de prognose favorável efectuado comporta um inevitável risco, entendeu ser necessário às finalidades da punição, a sujeição da referida suspensão da execução da pena a regime de prova, por ser mais conveniente e adequado à reintegração do condenado na sociedade (art.º 53.º/1, do CP) e assim, esse risco será mitigado, pelo que deve improceder esta questão, mantendo-se a pena aplicada.
17º- O recorrente entende que não foi feita prova que permita concluir que os objectos apreendidos- um telemóvel da marca e modelo “Apple Iphone 7” (IMEI ...55); outro da marca VODAFONE, cor preto, modelo VF795 (IMEI ...94) e uma bols DE Nylon preta, da marca VANGUARD, contendo máquina fotográfica, da marca NIKON, modelo D5100, com nº/S: ...73, com 3 lentes e respectivo carregador- tivessem como proveniência o Aeroporto ..., não concordando com a fundamentação vertida no acórdão recorrido, solicitando a devolução dos objectos identificados, por não se verificarem os requisitos previstos no art.º 109.º do CP.
18º- Quanto ao QUARTO argumento (1º questão) recursivo, o acórdão recorrido deu como provado que os objectos apreendidos ao recorrente são instrumentos dos crimes de peculato e descaminho, sendo que os fundamentos da sua discórdia constituem a impugnação quanto à matéria de facto, por entender que não foi feita prova da factualidade enunciada nos pontos 204 [na sala de jantar (mala VANGUARD E MÁQUINA FOTOGRÁFICA nikon) e no escritório (TLM Vodafone)] e 205 e 206 (Apple Iphone) dos factos provados.
19º- O Tribunal “a quo” na motivação da matéria de facto (fls.7865, § 2º) referiu que a prova da factualidade referente ao arguido JJ teve por base a análise dos aparelhos electrónicos, que foi tido consideração, o teor constante dos autos de exame directos aos telemóveis e aos equipamentos electrónicos, bem como as respostas do protocolo “Apple”, espelhados nos respectivos apensos, cujo detalhe, rigor e observação minuciosa não suscita qualquer dúvida, nem reserva, tudo concatenada com os depoimentos dos agentes da PSP (fls.7871, § último e 7872 § 1º e 5º), dos autos de apreensão dos objectos na residência do recorrente e o relatório social.
20º- No exame crítico de toda a prova produzida (fls.2643 a 2644, 2649 a 2654, 2660 a 2675, 4034, 4271 a 4319, 5443 a 5444, 6964 verso a 6974 verso, 7610 a 7615), com relevo para esta factualidade, considerou que o recorrente exercia funções públicas, enquanto funcionário público, na Autoridade Tributária e Aduaneira (na Alfândega do Aeroporto ...) em cujas funções tinha especial acesso aos bens que se encontravam à guarda da Autoridade Tributária, independentemente da proveniência dos mesmos, e aos quais tinha livre acessibilidade por força dessas funções públicas que exerciam.
21º- Mais se provou que, o recorrente levou para casa os objectos descritos no acórdão, subtracção não consentida, nem autorizada, dando-lhes o destino que bem lhes aprouve e em seu benefício, prazer e interesse, estando plenamente cientes da reprovabilidade e do carácter ilícito dessas suas condutas, agindo com dolo directo.
22º- O Tribunal “a quo” entendeu que não existia qualquer explicação lógica e razoável para a posse de tais artigos, pela sua quantidade, valor e heterogeneidade de origens, para depois concluir que o denominador comum a todos os artigos era o facto da sua proveniência ser a Alfândega do Aeroporto ..., local onde o recorrente exercia funções e tinha acessos a esses objectos por força das mesmas.
23º- Ademais, a forma como o recorrente apresentou a questão, o que ele pretende é que se julgue não provado um facto provado- isto é, que seja dado como não provado que os artigos apreendidos na residência do recorrente - um telemóvel da marca e modelo “Apple Iphone 7” (IMEI ...55); outro da marca VODAFONE, cor preto, modelo VF795 (IMEI ...94) e uma bols DE Nylon preta, da marca VANGUARD, contendo máquina fotográfica, da marca NIKON, modelo D5100, com nº/S: ...73, com 3 lentes e respectivo carregador- (pontos 204, 205 e 206) provinham da Alfândega do Aeroporto ...- porém, o mesmo deveria ter impugnado a prova nos termos do art.º 412.º/3 do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (no sentido de se dever ter por não provado os factos dos pontos 204 a 206 impugnados), fazendo-o por referência ao consignado na acta, com indicação das passagens em que fundava a impugnação (art.º 412.º/3 e 4 do CPP), o que não fez.
24º- Acresce que, o acórdão não revela qualquer vício do art.º 410.º/2 do CPP, pelo que não poderá haver lugar à eventual modificação da decisão quanto à matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente, mostrando-se provados os crimes de peculato e descaminho, pelo que, deve improceder o recurso, nesta parte.
25º- Quanto ao QUARTO argumento (2º questão) recursivo entende-se que se mostram preenchidos os requisitos do art.º 109.º do CP, conforme fundamentação do acórdão recorrido, a fls. 7893 a 7895, onde se provou que o recorrente levou para casa os objectos descritos nos pontos 204 a 206, sabendo que os mesmos não eram seus, nem lhe pertenciam, apoderando-se dos mesmos, sabendo que pertenciam a terceiros.
26º- O Tribunal “a quo” considerou (e bem) que os objectos apreendidos, foram subtraídos da Alfândega e estavam directamente relacionados com a prática dos crimes, pelos quais o recorrente foi condenado, tendo-os declarados perdidos, a favor do Estado, tendo cumpridos os pressupostos – formal e material -previsto no art.º 109.º do CP.
27º- Quanto ao QUINTO argumento recursivo, ante a factualidade provada e a motivação do acórdão recorrido, consideramos que o recorrente tinha consciência da ilicitude e da gravidade dos factos (elemento subjectivo dos crimes de peculato e de descaminho- pois, foi dado como provado que sabia que os objectos não lhe pertenciam, tendo-os retirados do armazém de perdidos e achados do Aeroporto ... (pontos 201 a 209), tendo admitido os factos.
28º- Mais se provou que, o recorrente -ciente da apreensão do telemóvel em causa – deu ordem para que o mesmo fosse totalmente limpo, logo impossibilitando a análise do seu conteúdo, inutilizando-o totalmente, subtraindo-o ao poder público, sendo a sua conduta manifestamente dolosa e intencional, visto que o arguido ordenou que todos os dados do telemóvel em causa fossem apagados, ao que acedeu através de uma funcionalidade remota.
29º- O recorrente, entre ../../2018 e ../../2020 (4 anos), foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de técnico verificador, integrado no sector de controlo de bagagens e conhecia os procedimentos referidos nos pontos 1 a 43 dos factos provados, bem como a ilicitude e a gravidade dos factos constantes dos pontos 201 a 209, tendo actuado em todas as circunstância com dolo directo, pelo que, não existe qualquer motivo atendível para alterar a matéria de facto impugnada, nem haver lugar à devolução dos objectos requerida
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Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!”.
14. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não existirem os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP e de ser negado provimento ao recurso interlocutório interposto pela arguida RR, bem como ser negado provimento aos recursos do acórdão interpostos pelos arguidos KK, LL, NN, OO, QQ, RR, GG, SS, II e JJ.
15. Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o arguido KK apresentou resposta, referindo que requereu a realização de audiência para discussão dos pontos da motivação que identificou, não havendo assim lugar a parecer do MºPº junto da Relação, não deixando, no entanto, de tomar posição quanto a tal parecer, reiterando tudo o que já havia deixado firmado no recurso, devendo ser dado provimento ao mesmo.
16. Foi realizado o exame preliminar, determinando-se que os autos fossem conclusos à Exma. Presidente da Secção para marcação da audiência (art. 421º, nº 1, do CPP), cuja realização foi requerida pelos arguidos / recorrente KK e LL.
17. A Exma. Presidente da Secção procedeu à marcação da audiência, tendo sido colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos.
18. Foi realizada a audiência, com o formalismo legal, e foi marcada data para a publicitação do acórdão.
19. Nada obsta ao conhecimento dos recursos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto dos recursos.
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal superior (art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (sendo certo que os recursos servem para apreciar questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova), excetuadas as questões de conhecimento oficioso.
As questões de conhecimento oficioso prendem-se com (i) a detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10- 95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”) e (ii) a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP.
No caso dos autos, considerando as conclusões de cada um dos recursos interpostos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1. Recurso do arguido KK:
A) Nulidade da decisão (por falta de fundamentação)
B) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 48, 49, 54, 55, 59, 68, 70, 71, 73 e 74)
C) Recurso de Direito
- Aplicação de pena de multa ao crime de detenção de arma proibida
- Atenuação especial da pena do crime de peculato
2. Recurso da arguida LL:
A) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
B) Contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão
C) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236, quanto à arguida/recorrente)
D) Nulidade da decisão (por falta de fundamentação) (factos provados nºs 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236, quanto à arguida/recorrente)
3. Recurso do arguido NN:
A) Nulidade da decisão (por omissão de pronúncia)
B) Nulidade da decisão (por omissão de pronúncia)
C) Nulidade da decisão (por falta de fundamentação)
D) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
E) Contradição insanável da decisão
F) Erro notório na apreciação da prova
G) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 88, 89, 90 e 91)
H) Recurso de Direito
- Alteração da qualificação jurídica (art. 375º, nº 2, do Código Penal)
- Aplicação de pena de multa
4. Recurso da arguida OO:
A) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 94, 95 e 99)
B) Alteração da qualificação jurídica (art. 375º, nº 2, do Código Penal) e aplicação de pena de multa
C) Medida da Pena (redução).
D) Revogação do regime de prova aplicado ao arguido.
5. Recurso da arguida QQ:
A) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 29, 36, 42, 108, 111 e 112)
B) Impugnação da matéria de facto (falta de consideração, nos factos provados, dos factos alegados nos pontos 11º, 19º, 21º, 22º, 23º, 29º, 30º, 60º, 61º, 62º, 31º, 48º, 51º, 54º, 63º, 71º, 72º, 73º, 75º, 82º e 87º da contestação da Recorrente)
C) Impugnação da matéria de facto (consideração de confissão parcial da Recorrente, que esta apresenta comportamento autocentrado e prestou declarações de carácter desculpante, que existiu apropriação do equipamento fotográfico pela Recorrente e que esta não possui juízo crítico)
D) Medida da Pena (redução).
E) Revogação do regime de prova aplicado à arguida.
F) Restituição de objectos apreendidos.
6. Recursos da arguida RR:
6.1. Recurso interlocutório:
Violação do disposto no art. 340º do CPP (por indeferimento de diligências de prova).
6.2. Recurso do Acórdão:
A) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
B) Erro notório na apreciação da prova
C) Impugnação da matéria de facto (factos provados nºs 121, 3, 12, 14, 15, 16, 19, 25, 27, 30, 31, 35, 13, 38, 41, 223).
D) Recurso de Direito:
- Falta de preenchimento de todos os elementos objectivos e sublectivo do crime de peculato
- Contradição entre os factos provados nºs 224 e 225
7. Recurso do arguido GG:
A) Medida da Pena.
B) Restituição de objectos apreendidos (onde se inclui a impugnação da matéria de facto).
C) Revogação do regime de prova aplicado ao arguido.
8. Recurso do arguido SS:
A) Medida da Pena (redução / atenuação especial).
B) Revogação do regime de prova aplicado ao arguido.
9. Recurso do arguido II:
A) Recurso quanto à matéria de facto (factos provados nºs 195, 223, 224, 225 e 229)
- valor dos objectos (data da avaliação /data da apropriação; método da avaliação; princípio in dubio pro reo)
- acessibilidade aos objectos e destino dos objectos
- inexistência de benefício económico para o arguido de valor superior a € 102,00
- ausência de empobrecimento para o Estado
- proveniência dos objectos e respectiva titularidade
- falta de consciência da ilicitude da conduta
B) Recurso de Direito
- Ausência de preenchimento dos elementos objectivos do tipo (acessibilidade e titularidade dos bens)
- Ausência de consciência da ilicitude da conduta
C) Alteração da qualificação jurídica (art. 375º, nº 2, do Código Penal) e aplicação de pena de multa
D) Medida da Pena.
E) Revogação do regime de prova aplicado ao arguido.
10. Recurso do arguido JJ:
A) Recurso quanto à matéria de facto (e a vontade do arguido de abdicar desta questão caso ponha em causa a confissão integral e sem reservas dos factos).
B) Medida da Pena (atenuação / redução ou atenuação especial).
C) Revogação do regime de prova aplicado ao arguido.
D) Declaração de perda de objecto a favor do Estado.
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2. Apreciação do mérito do recurso interlocutório.
O recurso interlocutório tem por objecto o despacho do Tribunal (colectivo) a quo de 10/05/2023 (refª 425578182), que indeferiu a realização de diligências probatórias requeridas pela arguida RR.
2.1. Este recurso foi admitido (despacho de 14/07/2023) e o Ministério Público apresentou resposta na qual, a título de questão prévia, invocou a impossibilidade de conhecimento deste recurso, alegando, para tanto, que a Recorrente, nas conclusões do recurso que interpôs do acórdão, não indicou expressamente a manutenção do interesse do recurso intercalar, conforme impunha o disposto no art. 412º, nº 5, do CPP, verificando-se a perda de interesse da Recorrente na apreciação do recurso intercalar.
Importa, assim, apreciar a referida questão prévia.
Nos termos do disposto no art. 412º, nº 5, do CPP, “havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse”.
O recurso interlocutório com subida a final, em análise, foi admitido em data anterior à apresentação pela arguida /recorrente da motivação e conclusões do recurso interposto do acórdão proferido nos autos.
Analisadas as conclusões do recurso do acórdão, é manifesto que a arguida/recorrente faz referência ao recurso interlocutório que interpôs (cfr. Conclusões XXVII, XXXIV e XXXVIII), sendo ainda certo que tal referência ocorre igualmente na parte final da motivação do recurso (deve ser determinada a realização de novo julgamento “após a realização da prova requerida pela Recorrente e objecto de recurso de Apelação”).
Entende-se, assim, que a arguida/recorrente manifestou manter interesse no recurso interlocutório retido, agora em análise, sem que se mostre necessário dirigir-lhe convite nesse sentido, ao abrigo do disposto no art. 417º, nº 3, do CPP.
Em suma, improcede a questão prévia invocada pelo Ministério Público.
2.2. O despacho do Tribunal (colectivo) a quo de 10/05/2023 (refª 425578182), objecto do recurso interlocutório em análise, indeferiu um requerimento de realização de diligências probatórias apresentado pela arguida/recorrente RR em sede de audiência de julgamento (requerimento datado de 04/04/2023 – refª 35582071).
A Recorrente invoca como fundamento de recurso a “errada aplicação do artigo 340.º do CPP”.
Para melhor enquadramento e compreensão do recurso cumpre salientar o seguinte:
a) No requerimento de 04/04/2023, a Recorrente peticionou que o tribunal a quo determinasse a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira para prestar os seguintes esclarecimentos, por reporte aos bens que identificou (telemóveis (9), tablet, relógios (2), casaco, mala de viagem, e tapete de ginástica):
1) Data de registo em que o bem foi encontrado; qual o local onde o mesmo foi encontrado.
2) Data prevista para a destruição dos bens (alguns ou todos dos que vão abaixo descritos); meio utilizado para proceder a essa destruição; empresa responsável pela destruição desses bens; periodicidade de destruição de bens; registo dos bens (ou alguns dos bens) cujo destino era a inutilização; se alguns dos mesmos se destinavam ao lixo vulgar e a quem cabia essa decisão.
3) Se de entre os bens abaixo melhor identificados, alguns se destinavam a ser doados ou leiloados e o registo que comprove tal facto.
Considerava a Recorrente que a diligência probatória requerida era absolutamente necessária para o apuramento da verdade material e a boa decisão da causa, estando em causa a infirmação ou confirmação do preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato.
A Recorrente referiu, a propósito, que: (i) os bens guardados nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira têm duas origens – bens apreendidos por violação das normas impostas no Código Aduaneiro da União ou bens perdidos em aeronaves ou deixados involuntária ou voluntariamente no Aeroporto ... –, (ii) a colação / guarda dos bens perdidos ou abandonados nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira parece não resultar de qualquer norma legal (não resulta de qualquer lei vigente em território nacional ou europeu), (iii) não existe uma lei que estabeleça ser a Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade competente para guardar tais bens, atentas as suas atribuições/competências legais, (iv) não existe uma lei que defina o destino a dar aos bens considerados perdidos ou abandonados nos aeroportos, (v) não cabe às Autoridades Aduaneiras a definição do destino dos objectos perdidos ou abandonados nos aeroportos, atentas as suas atribuições/competências legais (à excepção daqueles objectos cuja entrada legítima em território nacional implica o pagamento de um imposto aduaneiro), ainda que exista um Manual de Procedimentos da Autoridade Tributária e Aduaneira que verse sobre o destino de tais bens, (vi) os três destinos possíveis dos bens considerados perdidos ou abandonados no Aeroporto ... são a doação, a venda em leilões ou a inutilização/lixo, (vii) todos os bens que eram guardados nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira eram devidamente registados, independentemente do seu destino final, mostrando-se possível identificar cada um dos bens apreendidos nos autos por referência a tais registos obrigatórios, (viii) mostra-se necessário que a Autoridade Tributária e Aduaneira junte aos autos tais registos obrigatórios, onde constem os bens apreendidos, e (ix) sem que haja esta relação directa entre os bens efectivamente encontrados na posse dos arguidos e os bens descritos nos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira, é impossível estabelecer o preenchimento objectivo do crime de peculato.
b) Aberta vista ao MºPº, foi promovido o indeferimento do requerimento probatório, por extemporaneidade (pois nada obstava à elaboração do requerimento de prova em sede própria, a contestação) e por impertinência (não estando em causa o destino do objecto, mas a apropriação do objecto e respectiva legitimidade).
c) O Tribunal a quo indeferiu o requerimento probatório da Recorrente (despacho de 10/05/2023 – refª 425578182 e fls.7435 a 7443 dos autos) pelos fundamentos seguintes:
Fls. 7435 a 7443 e […] (requerimentos apresentados pelos arguidos RR e […], entrados em juízo a 04.04.2023 […]):
Considerando os elementos objectivos subjacentes ao tipo de crime pelo qual a arguida RR se encontra pronunciada, não se afigura ser uma diligência absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material, nem para a boa decisão da causa, oficiar a Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a data de registo em que o bem foi encontrado, qual o local onde o mesmo foi encontrado, a data prevista para a destruição dos bens (alguns ou todos dos que vão abaixo descritos), o meio utilizado para proceder a essa destruição; empresa responsável pela destruição desses bens; periodicidade de destruição de bens; registo dos bens (ou alguns dos bens) cujo destino era a inutilização; se alguns dos mesmos se destinavam ao lixo vulgar e a quem cabia essa decisão e se de entre os bens abaixo melhor identificados, alguns se destinavam a ser doados ou leiloados e o registo que comprove tal facto.
Na verdade, prevê o Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal que: “O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel ou imóvel ou animal, públicos ou particulares, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Pelo que, não se afigura que a indagação das diligências pretendidas seja objectivamente idónea para infirmar, nem para confirmar, a resposta positiva, ou negativa, aos elementos objectos do tipo de crime em causa, sem olvidar que, os objectos em causa, elencados pela arguida, são, na sua quase totalidade, aparelhos electrónicos (telemóveis, tablet e relógios) com endereços de correio electrónico associados a pessoas distintas da identidade da arguida.
Ou seja, as diligências requeridas não são adequadas, nem necessárias para o efeito pretendido pela arguida, nem, aliás, em sentido antagónico, sendo certo que, as questões suscitadas são de índole jurídica, na verdade são questões de direito, cuja dirimir, naturalmente, se impõe em sede de prolação de Acórdão.
[…]
Pelo que, se indefere a realização das diligências requeridas, visto não serem as mesmas nem necessárias, nem relevantes para a boa decisão da causa, nem para a descoberta da verdade material (cfr. Art.º 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). […]”.
2.3. Como referido, a Recorrente invoca como fundamento de recurso a “errada aplicação do artigo 340.º do CPP”.
O art. 340º do CPP regula a admissão de prova na audiência de julgamento, estabelecendo o seu nº 1 que “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
A par da possibilidade de actuação oficiosa do tribunal (em decorrência do princípio da investigação judicial), a norma citada reconhece aos demais sujeitos processuais (MºPº, assistente, arguido e partes civis) a faculdade de requererem provas na própria audiência de julgamento.
Em ambos os casos, contudo, tal possibilidade / faculdade reveste carácter residual ou subsidiário ou mesmo excepcional, porquanto o legislador estabeleceu momentos próprios para a apresentação dos requerimentos probatórios pelos sujeitos processuais (acusação, pedido cível e contestação), não devendo a prova ser requerida para além desses momentos a menos que alguma circunstância especial o justifique.
Assim, o tribunal pode / deve ordenar a produção da prova requerida em audiência de julgamento se o seu conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
São admitidos os meios de prova não proibidos por lei cuja indispensabilidade e utilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa se confirmem em função do objecto do processo (sendo que a prova para a descoberta da verdade está relacionada com o objecto do processo e a prova para a boa decisão da causa está relacionada com questões e incidentes que se suscitam na pendência do processo).
É este o critério, simultaneamente, justificativo e delimitador da admissibilidade das provas.
Os nºs 3 e 4 do artigo 340º do CPP estabelecem os limites à admissibilidade da actividade probatória na audiência de julgamento, atribuindo ao tribunal o poder / dever de indeferir prova com base na sua inadmissibilidade legal ou no seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou, ainda, na sua finalidade meramente dilatória.
Um dos critérios fundamentais da admissibilidade da prova é o da sua relevância.
Assim, os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que as provas requeridas são irrelevantes (al. a) do nº 4 do art. 340º do CPP).
A prova deve ser considerada irrelevante quando é indiferente, sem importância ou interesse para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. Os meios de prova são irrelevantes quando não sejam úteis à descoberta da verdade, seja em abstracto (pertinência), seja em concreto (não superfluidade).
No caso em apreciação, está em causa a análise da relevância ou irrelevância das diligências probatórias solicitadas pela Recorrente.
Relevância ou irrelevância que não se coloca em abstracto, mas em função do objecto do processo dos autos, concretamente, em função da infirmação ou confirmação do preenchimento dos elementos objectivos do crime aqui em causa, que é o crime de peculato.
2.4. A Recorrente entende que as diligências de prova requeridas são absolutamente imprescindíveis para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, porque necessárias para infirmar ou confirmar o preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato, invocando, como referido, a “errada aplicação do artigo 340.º do CPP” pelo tribunal a quo.
Porém, para fundamentar a errada aplicação do artigo 340º do CPP, a Recorrente não se limita, no recurso, a debater os fundamentos que invocou para o deferimento do requerimento probatório e que foram apreciados na decisão recorrida, aduzindo novos fundamentos para tal deferimento, sem que legitimamente o pudesse fazer e, em consequência, sem que este tribunal deles possa conhecer.
É esta a questão que, antes de mais, importa analisar.
Conforme entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões (de direito ou de facto) que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.
No sistema do recurso de reponderação vigente, não se admitem nem novos factos, nem novos fundamentos de impugnação, nem novas provas. A decisão impugnada é reavaliada no quadro do seu próprio objecto e em razão dos seus vícios específicos, pelo que o objecto do pedido recursivo é, na parte da revogação, a própria decisão e, na substituição, a matéria que fora objecto da decisão revogada, tal e qual fora conhecida pelo tribunal a quo.
No caso em apreciação, os fundamentos que a Recorrente invocou para o deferimento do requerimento probatório reconduzem-se a duas questões:
1) Questão da competência para guardar e dar destino aos bens perdidos ou abandonados no Aeroporto ...: aceitando que tais bens eram guardados nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira no Aeroporto ... e que esta entidade dava destino a tais bens, a Recorrente entende que não existe qualquer lei que atribua competência para tal àquela entidade, inexistindo, assim, fundamento para afirmar o preenchimento do elemento objectivo do crime de peculato (segundo cremos, pois a Recorrente não expressa cabalmente esta ideia, a junção aos autos dos registos obrigatórios da Autoridade Tributária e Aduaneira [e aquilo que tais registos poderiam demonstrar], diligência probatória requerida pela Recorrente, serviria para averiguar quais os bens, dos apreendidos nos autos, cuja entrada legítima em território nacional implicava o pagamento de um imposto aduaneiro, sendo que apenas em relação a estes caberia à Autoridade Tributária e Aduaneira a definição do respectivo destino);
2) Questão da relação directa entre os bens apreendidos aos arguidos (encontrados na sua posse) e os bens descritos nos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira: a Recorrente alega que todos os bens guardados nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira eram sujeitos a registo, sendo tal registo obrigatório; assim, se os bens apreendidos aos arguidos (encontrados na sua posse) não constarem dos registos obrigatórios da Autoridade Tributária e Aduaneira (e a diligência probatória requerida pela Recorrente é constituída pela solicitação àquela entidade do envio aos autos daqueles registos obrigatórios), não pode haver condenação pelo crime de peculato (é impossível estabelecer o preenchimento objectivo do crime de peculato).
Ora, a decisão recorrida (despacho de 10/05/2023) apreciou as duas mencionadas questões, como veremos.
O Tribunal a quo concluiu que as diligências pedidas não são absolutamente imprescindíveis para a descoberta da verdade material, nem para a boa decisão da causa, na medida em que não são adequadas, nem necessárias, para infirmar ou confirmar o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime em causa, que é o crime de peculato.
Refere o Tribunal a quo que os objectos em causa, elencados pela arguida, são, na sua quase totalidade, aparelhos electrónicos (telemóveis, tablet e relógios) com endereços de correio electrónico associados a pessoas distintas da identidade da arguida. Refere, ainda, que as questões suscitadas são de índole jurídica, são questões de direito, a dirimir, naturalmente, em sede de prolação de Acórdão.
Concordamos com a decisão do tribunal a quo, não merecendo provimento o presente recurso (interlocutório).
Em primeiro lugar, está em causa a relevância ou irrelevância das diligências probatórias solicitadas em função do objecto do processo.
A referência ao objecto do processo relaciona-se, nesta sede, com a imposição legal da acusação e do despacho de pronúncia enquadrarem a factualidade num determinado tipo legal de crime (mas sem que o objecto esteja obrigatoriamente vinculado pela incriminação imputada ao arguido, pois o tribunal pode / deve suscitar a discussão sobre a qualificação jurídica, caso se mostre relevante, questão que não é suscitada pela Recorrente), estando em causa o crime de peculato e os factos (as condutas dos arguidos) que, na perspectiva da acusação / pronúncia, integram tal ilícito criminal.
Quer dizer, a relevância ou irrelevância das diligências probatórias solicitadas deve ser aferida em função da infirmação ou confirmação do preenchimento dos elementos objectivos do crime em causa, que é o crime de peculato.
É esta a razão pela qual o tribunal a quo refere, e bem, no despacho recorrido (de 10/05/2023), que “Considerando os elementos objectivos subjacentes ao tipo de crime pelo qual a arguida RR se encontra pronunciada, não se afigura …”.
Em segundo lugar, a infirmação ou confirmação do preenchimento dos elementos objectivos do crime em causa (peculato) obriga a uma densificação interpretativa de tais elementos típicos, o que aponta para a resolução de uma questão de direito (ou, no mínimo, de aplicação do direito aos factos).
É patente a dimensão jurídica da 1ª questão colocada pela Recorente – questão da competência para guardar e dar destino aos bens perdidos ou abandonados no Aeroporto ... –, pelo que bem andou o tribunal a quo ao indeferir o requerimento probatório da Recorrente invocando que “as questões suscitadas são de índole jurídica, na verdade são questões de direito, cuja dirimir, naturalmente, se impõe em sede de prolação de Acórdão”.
De resto, a perspectiva da acusação / pronúncia (que é aquela que tem de ser confirmada ou infirmada e que, neste caso, tem muito de interpretação jurídica, conforme já referido) é no sentido de que é a Autoridade Tributária e Aduaneira (através dos seus serviços alfandegários) a entidade competente para guardar e dar destino aos bens perdidos ou abandonados no Aeroporto ..., tornando irrelevante o requerimento probatório da Recorrente no sentido de ser solicitada informação à Autoridade Tributária e Aduaneira (com demonstração através dos respectivos registos à data efectuados) sobre a data em que os bens em causa foram encontrados, o local onde foram encontrados e o destino ou tratamento a dar a tais bens.
Em terceiro lugar, a Recorrente defende a necessidade de se estabelecer uma relação directa entre os bens encontrados na posse dos arguidos e os bens descritos nos registos (obrigatórios) da Autoridade Tributária e Aduaneira, para que se verifique o preenchimento objectivo do crime de peculato (no fundo, a Recorrente dá a entender que se os bens apreendidos aos arguidos não constarem dos referidos registos (obrigatórios) não é possível o preenchimento objectivo do crime de peculato).
É essa necessidade que, na perspectiva da Recorrente, revela a essencialidade de ser solicitada informação à Autoridade Tributária e Aduaneira – com demonstração através dos respectivos registos à data efectuados – sobre a data em que os bens em causa foram encontrados, o local onde foram encontrados e o destino ou tratamento a dar a tais bens.
A decisão recorrida não partilha da perspectiva da Recorrente, entendendo, e bem, que a relação (directa) entre os bens encontrados na posse dos arguidos e os bens que se encontravam à guarda da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem necessariamente de ser feita através dos mencionados registos (“não se afigura que a indagação das diligências pretendidas seja objectivamente idónea para infirmar, nem para confirmar, a resposta positiva, ou negativa, aos elementos [objectivos] do tipo de crime em causa”), admitindo até que a mencionada relação (directa) pode ser feita por outra via que não os registos (obrigatórios) de tal entidade.
Esta possibilidade da existência de outra via (é dizer, a existência de outras provas nos autos para demonstração dos factos) resulta clara na decisão recorrida quando afirma que “os objectos em causa, elencados pela arguida, são, na sua quase totalidade, aparelhos electrónicos (telemóveis, tablet e relógios) com endereços de correio electrónico associados a pessoas distintas da identidade da arguida”.
Acresce que o apuramento da origem e destino dos bens (a data em que os bens em causa foram encontrados, o local onde foram encontrados e o destino ou tratamento a dar a tais bens) através dos respectivos registos (obrigatórios) poderia redundar (ou redundaria mesmo) numa prova de obtenção impossível ou muito duvidosa (cfr. art. 340º, nº 4, al. c), do CPP).
É certo que a acusação/pronúncia refere a obrigatoriedade de registo dos bens “perdidos e achados”.
Contudo, também refere que diversos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... não procediam ao registo dos bens ou adulteravam tal registo para, desse modo, dificultar ou impedir o controlo dos “perdidos e achados” e dissimular a sua actuação e ocultar a apropriação que deles faziam.
De resto, os registos existentes (admitindo-se, sem certeza, que possam ser todos os registos existentes) foram juntos aos autos, constando da prova elencada na acusação/pronúncia (Apensos de «Autos de Apreensão de Mercadoria da Autoridade Tributária», de «Registos de Processos de Contraordenação da Autoridade Tributária», de «Achados e Achados das Companhias», de «Entrega AT» e de «Livros de Achados»).
Em quarto lugar, como já referido, não cabe (a este tribunal) apreciar a pertinência do requerimento probatório da Recorrente à luz de fundamentos inovatoriamente invocados em sede de recurso.
Como exemplo de novo fundamento invocado em recurso temos a questão da propriedade dos bens (aquilo que José António Barreiros, in “Crime de Peculato”, 2013, pags. 85 e ss., denomina como «alteridade», enquanto conceito operativo de densificação da «apropriação ilegítima», elemento objectivo do crime de peculato).
Para justificar o requerimento probatório apresentado, a Recorrente alega no recurso que, entre os bens que se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira do Aeroporto ... (e cuja subtracção é imputada à Recorrente e demais arguidos), podem existir bens que não têm proprietário, não pertencem a ninguém (são res nullius), não podem ser considerados coisa “alheia” e, em consequência, não podem ser objecto de apropriação ilegítima.
Caberia assim esclarecer “a quem pertencem os bens que se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira”, recorrendo, para tal, ao registo da origem dos bens (a data do registo de entrada dos bens, para averiguar se o prazo legal para que os bens fossem declarados abandonados / perdidos já decorreu ou não, e o local onde tais bens foram encontrados, para averiguar a quem cabe dar-lhes tratamento) e ao registo do destino dos bens (para confirmar se os mesmos foram declarados abandonados / perdidos), visto que tais bens, se forem considerados “abandonados / perdidos a favor do Estado”, constituirão res nullius e, como tal, insusceptíveis de apropriação ilegítima.
Ora, independentemente da pertinência da questão invocada pela Recorrente (a qual envolve, em boa medida, uma questão jurídica, sendo ainda certo que a acusação/pronúncia rejeita a possibilidade de existirem bens que devem ser considerados res nullius, i.e., sem dono), o certo é que tal questão apenas foi suscitada pela Recorrente nas alegações de recurso, não o tendo feito anteriormente (maxime no requerimento probatório de 04/04/2023), impossibilitando, assim, que o tribunal a quo se pronunciasse sobre tal questão e impossibilitando que este tribunal (de recurso) dela tome conhecimento, tanto mais que, na perspectiva da aplicação do art. 340º do CPP, não se trata de questão de conhecimento oficioso do tribunal.
Assim, quanto a esta questão, este tribunal está impossibilitado de tomar conhecimento do recurso.
Em suma, improcede o recurso interlocutório apresentado pelo Recorrente, respeitante ao despacho proferido em 18/09/2023.
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3. Apreciação do mérito dos recursos do Acórdão.
Cumpre agora conhecer as questões / pretensões recursivas suscitadas pelos Recorrentes, respeitantes ao Acórdão proferido nos autos, acima assinaladas (em II.1 deste Acórdão), observando-se uma ordem lógica de conhecimento e procedendo-se, quando tal se justifique, a uma análise conjunta de algumas dessas questões.

3.1. Enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação, tal como constam do Acórdão recorrido (transcrição parcial).
II. Fundamentação de Facto:
A) Na sequência do julgamento resultaram, com pertinência e relevância para a boa decisão da causa, os seguintes:
Factos Provados:
1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) é um serviço da administração directa do Estado dotado de autonomia administrativa, nos tamos do Artº 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro;
2. A AT dispõe de unidades orgânicas desconcentradas de âmbito regional, designadas por direcções de finanças e alfândegas.
3. A AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro para fins fiscais, económicos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia, nos termos do Art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n118/2011 de 15 de Dezembro.
4. Estão-lhe acometidas, além de outras, as seguintes atribuições, nos termos do Art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro:
- Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público;
- Exercer a acção de inspeção tributária e aduaneira; garantir a aplicação das normas a que se encontram sujeitas as mercadorias introduzidas no território da União Europeia e efectuar os controlos relativos à entrada, saída e circulação das mercadorias no território nacional, prevenindo, investigando e combatendo a fraude e evasão fiscais e aduaneiras e os tráficos ilícitos, no âmbito das suas atribuições;
5. A AT rege-se por um princípio da legalidade, que implica que a prossecução das suas atribuições deve pautar-se pela rigorosa observância das disposições legais e no respeito pelas garantias dos contribuintes, nos termos do Art.º 7.º n.º. l, alínea a), do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro;
6. A AT dispõe das receitas provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado e de receitas próprias, designadamente, o produto da venda de bens não duradouros e as receitas que, por lei, contrato ou outro título lhe sejam atribuídas, nos termos do Art. 8.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas n) e o), do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro;
7. A estrutura e competência territorial específica dos serviços desconcentrados da AT foi definida pela Portaria nº 320-A/2011, de 30 de Dezembro;
8. Na orgânica da AT os serviços desconcentrados são constituídos pelas direcções de finanças e alfândegas, nos temos do Art.º 1.º, al. b), da Portaria no 320-A/2011, de 30 de Dezembro;
9. Às alfândegas compete, além do mais, nos termos do Art.º 37.º da Portaria nº 320-A/2011, de 30 de Dezembro:
- Exercer acções de controlo sobre as mercadorias e os meios de transportes introduzidos no território aduaneiro da Comunidade e sobre os locais de armazenamento das mercadorias sob acção fiscal, bem como garantir o cumprimento das formalidades aduaneiras necessárias à apresentação das mercadorias à alfândega e no âmbito do processo de desalfandegamento das mercadorias;
- Atribuir, às mercadorias, um destino aduaneiro;
- Assegurar a liquidação e cobrança dos direitos aduaneiros, dos impostos especiais de consumo e demais imposições a cobrar pelas alfândegas;
- Assegurar a contabilização de receitas e tesouraria do Estado;
- Instruir os processos de venda, afectação e inutilização de mercadorias e solicitar o parecer técnico da unidade orgânica competente;
- Fiscalizar os meios de transporte e as mercadorias sujeitas a acção fiscal aduaneira, exercendo os controlos necessários à prevenção e repressão da fraude aduaneira e tributária, isoladamente ou em acções conjuntas. em articulação com as unidades orgânicas competentes, com outras entidades administrativas ou policiais;
- Manter permanentemente atualizada informação sobre os processos-crime e sobre os processos de contraordenação;
- Instruir os processos de contraordenação, no âmbito da sua competência;
10. A Alfândega do Aeroporto ... integra os serviços desconcentrados da AT, a nível regional, nos termos do Art.º 35.º, nº 1 e nº 3, alínea a), da Portaria nº 320-A/2011, de 30 de Dezembro;
11. À Alfândega do Aeroporto ... compete ainda efectuar os controlos e formalidades aduaneiras que devem ser aplicados às bagagens de mão e às bagagens de porão dos passageiros daquele aeroporto nos termos do disposto nos artigos 49.º e 50.º do Código Aduaneiro da União [Regulamento (UE) n.º 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09 de Outubro de 2013;
12. Nessa conformidade, as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ..., doravante também designados por "perdidos e achados", são encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ..., entidade a quem compete proceder ao respectivo tratamento, apreensão e gestão, designadamente ao “Sector de controlo de bagagens”, nos temos das Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... n.º 1, n.º 2 e n.º 7, de fls. 2 a 19, do Apenso “Manual de Procedimentos Autoridade Tributária'”;
13. O sector de controlo de bagagens da Alfândega do Aeroporto ..., que procede à gestão dos “perdidos e achados”, é composta por cinco equipas, num total de 10 verificadores auxiliares aduaneiros, dois técnicos verificadores, um secretaria e um coordenador;
14. De acordo com as normas que regulamentam a gestão dos “perdidos e achados”, as bagagens e os objectos abandonados devem ser distribuídos em lotes, acondicionadas nas malas abandonadas, classificadas pela pauta aduaneira e valor, e relacionadas em notas de verificação, a fim de, posteriormente, serem vendidas, isoladamente ou em lote, doadas a Instituições de Solidariedade Social, afectadas ao uso da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) ou destruídas, nos casos em que devam ser consideradas resíduos urbanos;
15. Os referidos bens encontram-se, pois, sujeitos a uma obrigatoriedade de registo, arrumação no armazém e elaboração de auto de entrega no caso de virem a ser reclamados pelos respectivos proprietários;
16. Sucede que, tratando-se de bagagens registadas ou de objectos abandonados no interior de aeronaves, esses objectos são encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ..., depois de permanecerem por um período variável (entre 1 e 30 dias) à guarda das empresas de handling ou das companhias aéreas;
17. Nesse caso, a entidade que procede à entrega desses objectos na Alfândega do Aeroporto ... entrega também uma lista descritiva das mesmas, que é conferida e arquivada em pasta pelo funcionário alfandegário que as recebe, e que, em contrapartida, emite um recibo a essa entidade com o número de bagagens/objectos recebidos;
18. Esses objectos não são sujeitos a qualquer registo próprio na Alfândega do Aeroporto ... e, tratando-se de malas fechadas, os objectos que se encontram no interior das mesmas não são sujeitos a qualquer registo individualizado;
19. Tratando-se de objectos abandonados nas instalações da zona internacional do aeroporto, esses objectos são entregues directamente na Alfândega do Aeroporto ... por quem os encontra, podendo tratar-se, designadamente, de passageiros, empregados de limpeza, funcionários dos estabelecimentos comerciais ou vigilantes;
20. Neste caso, esses objectos são registados, manualmente, no “Livro dos Achados”, por ordem cronológica, atribuindo-se a cada objecto um número sequencial, e fazendo-se o registo do local onde foi encontrado, data da entrega, a sua descrição e o local do seu depósito;
21. Cada registo é rubricado pelo funcionário alfandegário que o efectua, podendo qualquer um deles proceder a tais registos;
22. Tratando-se de malas, sacos ou mochilas a sua descrição é efectuada apenas pelo seu aspecto exterior no caso de se encontrarem fechadas a cadeado;
23. Sendo possível a sua abertura, a sua descrição é feita pelo seu aspecto exterior e com a menção a genérica a algum(ns) objectos que sejam considerados distintivos, como por exemplo: “saco plástico c/2volumes de tabaco e uma echarpe amarela”, “troley preto Ralph Lauren c/jóias, produts higiene, 1 livro The HolloCrown” e “mochila encarnada imitação de pele c/chinelos e medicamentos”;
24. Os objectos “perdidos e achados” encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... são ali guardados, em armazéns especialmente destinados a esse efeito, pelo período de 90 dias, contados a partir do momento da entrega à Alfândega;
25. Durante esse período os “perdidos e achados” suo susceptíveis de vir a ser reclamados e levantados pelo respectivo proprietário, caso em que é lavrado um temo de entrega;
26. A generalidade dos objectos é depositada numa sala/armazém do sector de controlo de bagagens, mas o tabaco, os medicamentos, as bebidas alcoólicas, os carrinhos de bebé e as malas vazias (depois de abertas e esvaziado o seu conteúdo) são guardados em salas separadas, junto aos tapetes de recolha de bagagem;
27. Os bens perecíveis são separados e colocados em arcas fornecidas pelo aeroporto pra efeitos de inutilização;
28. O acesso ao armazém dos achados situado no sector de controlo de bagagens estava inicialmente acessível ao elemento do secretariado, aos assistentes técnicos e à coordenadora do sector, tendo, no decurso da investigação passado a ser de acesso restrito ao elemento do secretariado e à coordenadora do sector;
29. O gabinete da coordenadora do sector não é local de depósito de quaisquer objectos, pese embora, os “perdidos e achados” entregues na Alfândega do Aeroporto ... fora do período normal de expediente sejam ali deixados até ao dia seguinte, ocasião em que, idealmente, lhes deverá ser dado o devido;
30. Findo aquele período de 90 dias, os objectos depositados são analisados, sendo nesse momento abertas as malas que se encontravam fechadas a cadeado, de modo a ser-lhe dado o devido destino:
- Os bens com valor comercial, designadamente equipamentos electrónicos devem ser vendidos, individualmente ou em lotes, através de leilão electrónico organizado pela Administração Tributária;
- Os equipamentos informáticos devem ser registados e comunicados aos serviços centrais que determinam ou não a sua afectação aos serviços;
- As roupas e o calçado que não devam ser vendidos devem ser doadas a instituições de solidariedade, bem como os produtos alimentares em prazo de validade;
31. Os bens sem valor comercial e aqueles que não puderem ser legalmente comercializados no nosso país são destruídos;
32. Para esse efeito, os volumes de tabaco provenientes do estrangeiro são cortados e colocados em vulgares sacos do lixo e armazenados numa sala exclusivamente destinada a esse efeito até ao momento da sua recolha pela empresa contratada para proceder à respectiva incineração, o que acontece sempre que o armazém se encontra cheio;
33. No que respeita às bebidas alcoólicas provenientes do estrangeiro e insusceptíveis de serem comercializadas em Portugal, as garrafas devem ser esvaziadas nos depósitos existentes para esse [para esse] efeito, os quais são depois encaminhados a uma empresa que à sua destruição;
34. Os funcionários da Alfândega do Aeroporto ... não possuem qualquer autorização que os habilite a escolher e a fazer seus quaisquer objectos ali entrados como “perdidos e achados” nem a proceder à sua destruição, para além do acima exposto;
35. Porém, conhecedores dos procedimentos de gestão dos “perdidos e achados”, das suas lacunas e da falta de controlo e fiscalização que sobre eles recai, diversos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... têm vindo, de modo sistemático e reiterado, a retirar dos armazéns dos “perdidos e achados” e a levar consigo, fazendo-os seus, os objectos que para ali são encaminhados e lhes interessam, sem procederem aos devidos registos ou adulterando-os, para, desse modo, dissimularem a sua actuação e ocultarem a apropriação que deles fazem;
36. Com efeito, conhecedora desta prática habitual, a arguida QQ, coordenadora do Sector de Passageiros da Alfândega do Aeroporto ..., não só nada fez para tomar medidas que lhe pusessem um fim, como ainda a fomentou, levando ela própri[a] objectos dos “perdidos e achados” para si, dando “autorização” para que os outros o fizessem e disponibilizando-os para consumo imediato nas instalações da AT;
37. Por outro lado, a arguida UU, elemento do secretariado que tem acesso irrestrito aos armazéns dos “perdidos e achados”, permitiu que os seus colegas e a sua coordenadora escolhessem e dali retirassem os objectos que lhes interessavam, designadamente, no momento em que, ultrapassado o prazo de depósito, as bagagens fechadas a cadeado eram abertas a fim de ser dado um destino aos objectos [que] nelas contidos, mas também, pontualmente, fazendo a separação de objectos a pedido de colegas;
38. Acresce que, para dificultar e impedir o controlo dos “perdidos e achados”, a entrada de alguns objectos não chega a ser registada ou é registada de modo genérico e vago, sem a descrição de quaisquer características individualizantes, de modo dificultar ou impossibilitar o estabelecimento de correspondência [entre] um concreto objecto e o seu registo, como por exemplo: “óculos sol”, “iphone”, “um anel”, “phones”, “dois relógios” “saco com 3 caixas chocolates”, “1 iphone e 1 pulseira”, “l telemóvel Nokia”, “um relógio” , “quatro anéis”, “1 par de brincos”, “saco c/diversos”, “óculos graduados”, “Iphone branco”, “Iphone branco”, “Iphone preto”, “Iphone preto” e “Iphone preto”;
39. Os objectos foram retirados dos armazéns dos perdidos e achados de forma não concretamente apurada;
40. Os funcionários da AT retiraram dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quatidiano, designadamente roupas, calçado, bens alimentares, bebidas, tabaco, cremes, perfumes, computadores, telemóveis, smartwatches e outros equipamentos electrónicos, os quais destinam ao seu uso pessoal, ao de familiares, amigos e conhecidos ou à venda a terceiros, o que os leva a referirem-se aos referidos armazéns como “el corte inglés”;
41. Os funcionários da AT conhecem a proveniência dos objectos ali entregues e depositados como “perdidos e achados”, conhecem o destino que lhes está fixado, sabem que os mesmos não lhes pertencem e que sobre eles não possuem qualquer direito, mas aproveitam-se da circunstância de esses bens lhes serem acessíveis por via das suas funções e da falta de controlo que sobre os mesmos é exercida, para deles se apropriarem;
42. Por via desse comportamento, entre os anos de 2018 e 2020, apenas uma parte dos equipamentos electrónicos e garrafas intactas de bebidas alcoólicas entrados na Alfândega do Aeroporto ... como “perdidos e achados” foram encaminhados para a Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, entidade responsável por receber e colocar em leilão tais objectos:

Ano de 2018
Livro de Registo de Achados - VendasObjetos recebidos pela DSGCT
200Telemóveis9Telemóveis
27Portáteis4Portáteis;
45Tablets13Tablets;
20Máquina Fotográfica18Máquina Fotográficas;
3Consola de Jogos3Consolas de Jogos;
17Auscultadores2Auscultadores;
5Leitor de livros eletrónicos15Leitor de livros eletrónicos;
0Hoverboards16Hoverboards;
79Garrafas de bebidas49Garrafas de bebidas;
96Relógios0Relógios.
1Coluna de Som
10Powerbank
5Leitor de MP3
3Disco rígido
Ano de 2019
Livro de Registo de Achados – VendasObjetos recebidos pela DSGCT
213Telemóveis0Telemóveis
36Portáteis0Portáteis
39Tablets0Tablets
8Máquinas fotográficas30Máquina Fotográfica
1Consola de Jogos15Consolas de Jogos
83Auscultadores0Auscultadores
2Leitor de livros eletrónicos13Leitor de livros eletrónicos
1Hoverboards21Hoverboards
118Garrafas de bebidas7Garrafas de bebidas
100Relógios146Relógios
2Coluna de Som0Coluna de Som
18Powerbank0Powerbank
0Leitor de MP3
0Disco rígido
55Jogos da Consola

Ano de 2020
Livro de Registo de Achados – VendasObjetos recebidos pela DSGCT
16Telemóveis0Telemóveis
7Portáteis0Portáteis
4Tablets0Tablets
3Máquinas fotográficas0Máquina Fotográfica
0Consolas de Jogos4Consola de Jogos
5Auscultadores4Auscultadores
2Leitor de livros eletrónicos3Leitor de livros eletrónicos
0Hoverboards7Hoverboards
8Garrafas de bebidas0Garrafas de bebidas
13Relógios0Relógios
0Coluna de Som0Coluna de Som
2Powerbank0Powerbank
0Leitor de MP3
0Disco rígido
0Jogos da Consola

43. Neste contexto, designadamente, entre ../../2018 e ../../2020, os funcionários da Alfândega do Aeroporto ..., que de seguida se indicam, praticaram os seguintes factos com o propósito conseguido de se apropriarem ou permitirem a apropriação, por outros, de bens guardados nos armazéns dos “perdidos e achados” da AT;
44. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido KK foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de Verificador Auxiliar Aduaneiro, integrado na Equipa 4 do Sector de controlo de bagagens;
45. Nesse período, o arguido KK abandonou regularmente o seu local de trabalho em direcção ao parque de estacionamento P6 do Aeroporto ..., levando consigo mochilas, sacos plásticos e malas;
46. No dia 14 de Junho de 2019, arguido KK ofereceu à sua amiga XX um trólei com diversos produtos que retirou do armazém, entre o dia ../../2019 e essa data, designadamente um relógio e cremes;
47. Nos dias 04 e 30 de Outubro de 2019, arguido KK informou a sua amiga XX que tinha “lá umas coisinhas” para lhe dar, que “encontrou há montes de tempo”, “um relogiozinho”;
48. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., na ..., XX tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu amigo, o arguido KK, em estado novo, de valor não concretamente apurado, e por este previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...:
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, marca «Nivea», com o dizer «Dry To very Dry Skin», de cor azul, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, marca «Nivea», com o dizer «Milk, de cor azul», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de protetor solar de marca «Ombia Sun», de cor branco com tampa amrarelo, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de máscara facial de marca «Estée Lauder», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, de marca «Body Philosophy», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme esfoliante, de marca «St. Ives», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, de marca «Johnson´s», de cor «amarelo, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo. marca «Eau Thermale», de cor rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, de marca «Aloe Verde», de cor branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de desmaquilhagem de marca «Clarins Paris», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem de marca «Isana Young», de cor castanho, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo de marca «The body shop», de cor creme, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Sabonete de marca «Cinthol», de cor amarelo, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem, de marca «it», de cor cinzento, em estado usado, sem valor atribuído;
- 02 (dois) Frascos de creme de corpo de marca «Jonson´s», de cor rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme protetor solar, de marca «To Go», de cor castanho, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo, marca «Soft & Smooth», de cor branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem de marca «G.M. Collin», de cor branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem, de marca «Naturally Radiant», de cor Castanho e branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem, de marca «Saemmul», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo de marca «Botanika», de cor preto, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme protetor solar de marca «Cliniderm», de cor branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de maquilhagem de marca «Jaera», de cor branco, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo de marca «Paixão», de cor roxo, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de creme de corpo de marca «Paixão», de cor rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de protetor solar de marca «Avéne», de cor laranja, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Zara», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume em forma de carteira, de marca «Hopping Time», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Indra», com tampa rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Missoni», de cor laranja, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Nuxe», com tampa prateada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Victoria´s Secret», com tampa dourada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Anima Nobiie», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Hinode», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfuma de marca «Roger&Gallet», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Lacoste», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Séve», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Colar de bijutaria, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Astusystem» com bracelete de várias cores, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Rolex», de cor cinzento, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Lexon», modelo «Tao», com bracelete de cor preto, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Quartz», modelo «Avon», de cor branco, com S/n ..., com o valor atribuído de € 5,00;
49. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2019, arguido KK ofereceu a uma sua amiga, apenas conhecida por “YY”, um casaco e um telemóvel que retirou do armazém dos “perdidos e achados”;
50. No dia 21 de Abril de 2019, o arguido KK foi alertado pela sua colega, a arguida LL para se deslocar à sala dos presos e para levar um objecto específico que ali estava reservado para si e para escolher o quisesse de entre os demais objectos deixados em cima do balcão na referida sala, provenientes dos “perdidos e achados”;
51. Nessa sequência, o arguido KK deslocou-se ao balneário dos funcionários da AT, onde se muniu de um saco azul, e dali encaminhou-se para o canal da AT, local onde se situa a referida sala, transportando, depois, no regresso ao balneário, os objectos que escolheu, dentro desse saco;
52. No mesmo dia, no final do seu turno, [o arguido KK] saiu do aeroporto levando escondido por baixo da mochila, um saco de desporto, onde transportou os objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
53. No dia 03 de Maio de 2019, o arguido KK pediu à arguida LL que lhe guardasse um telemóvel “dos finos” caso aparecesse algum no armazém, ao que esta acedeu;
54. No dia 16 de Junho de 2019, o arguido KK enviou à sua irmã ZZ, via CTT, uma mala de senhora e um perfume que havia retirado do armazém dos “perdidos e achados” e que mantinha na sua posse pelo menos desde o dia ../../2019;
55. No dia 24 de Dezembro de 2019, o arguido KK informou a sua irmã ZZ que tinha guardado um trólei pequenino de viagem para dar ao seu companheiro, o que este aceitou receber;
56. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., a irmã do arguido KK, ZZ tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu irmão, o arguido KK e por este previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 65,00:
- 1 (um) Trolley em tecido, de marca Free Raveler, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (uma) carteira de senhora, marca Valério, em plástico, que se encontrava na dispensa, avaliada no valor de € 25,00;
57. No dia 20 de Agosto de 2019, depois de ter sido informado pela arguida LL que tinha objectos dos “perdidos e achados” guardadas para si, o arguido KK dirigiu-se ao balcão da Alfândega e recolheu uma caixa de grandes dimensões, transportando-a, em seguida, para o balneário;
58. No dia 22 de Agosto de 2019, no final do seu turno, por volta das 07 horas e 18 minutos, o arguido KK saiu do balneário em direcção ao balcão da Alfândega transportando consigo a referida caixa que aí, colocou dentro de um trólei que não trazia consigo quando iniciou o turno, mas que levou à saída, para transportar os objectos retirados do armazém;
59. No dia 17 de Outubro de 2019, o arguido KK ofereceu ao seu irmão, o arguido AA três pares de ténis e um impermeável que havia previamente retirado do armazém dos “perdidos e achados”;
60. Na mesma ocasião, o arguido KK entregou também ao seu irmão, o arguido AA, um telemóvel, de marca e modelo “ Huawei CRR-L09”, com o IMEI ...24, de cor branca previamente retirado do armazém, para que este o desbloqueasse, o que ele, todavia não conseguiu;
61. O telemóvel supra referido, da marca “Huawei CRR-L09”, com o IMEI ...24, de cor branca é proveniente de França;
62. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., em ..., o arguido AA tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu irmão, o arguido KK e por este previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 700,00:
- 01 (um) Par de ténis da marca PUMA, tamanho 40.5, de cor branca e vermelha, sem valor atribuído;
- 01 (um) Par de ténis da marca “HFE TORP CANHF “tamanha 40, de cor verde e azul, sem valor atribuído;
- 01 (um) Computador Portátil da marca HP, modelo 3168NGW, com ..., avaliado no valor de € 250,00;
- 01 (um) Telemóvel da marca “Huawei G730-U251”, com o IMEI ...78, de cor preta, avaliado no valor de € 50,00; -
- 01 (um) Telemóvel da marca “Samsung SM-G928F”, com o IMEI ...22/3, de cor prateado, avaliado no valor de € 200,00;
- 01 (um) Telemóvel da marca “Huawei CRR-L09”, com o IMEI ...24, de cor branca, avaliado no valor de € 200,00;
63. O telemóvel supra descrito, de marca e modelo “Samsung SM-G928F”, com o IMEI ...22/3 é proveniente de França e esteve originalmente ligado à operadora francesa de comunicações SFR;
64. O computador apreendido tem o teclado alemão e foi entregue à cunhada XXX;
65. Em data não concretamente apurada, mas por volta do dia ../../2019, o arguido KK ofereceu à sua irmã AAA um casco impermeável, de cor azul, da marca “Pelle P.”;
66. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Praceta ..., ..., em ..., AAA tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu irmão, o arguido KK e por este previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...:
- 1 (um) casaco de cor azul, da marca Pelle P., avaliado no valor de € 50,00.
67. No dia 19 de Dezembro de 2019, o arguido KK enviou à sua colega, a arguida EE, via CTT, para os ..., uma garrafa de vinho francês, de marca “Mouton Cadet, Bordeuax”, de 1,5l;
68. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na ..., ..., em ..., a arguida EE tinha guardados os seguintes objectos, avaliados no valor global de € 100,00, que lhe haviam sido oferecidos pelo seu amigo o arguido KK e por este previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...:
- 1 (uma) Garrafa de vinho francês, marca “Mouton Cadet, Bordeuax”, de 1,5l, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Garrafa de Champanhes e Espumantes, “Moet & Chandon”, Champagne Rosé, avaliada no valor de € 50,00;
69. A arguida EE era (e é) funcionária da Alfândega do ...;
70. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Praceta ..., ..., em ..., o arguido KK tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 14.037,15:
No quarto de arrumos:
- 01 (uma) garrafa de água Requíssima avaliada no valor de € 1,50;
- 01 (uma) garrafa de Cointreau, avaliada no valor de € 30,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Blue Moon, avaliada no valor de € 1,50;
- 01 (uma) garrafa de água S. Pellegrino, avaliada no valor de € 1,50;
- 01 (uma) garrafa de Cachaça com Mel, avaliada no valor de € 20,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Praya Brasil, avaliada no valor de € 3,00;
No quarto:
- 01 (um) Perfume de marca Odissey, de valor não concretamente apurado;
- 01 (um) Saco contendo várias peças em metal (amarelo e prateado), sem valor comercial;
- 01 (um) Bracelete em metal de cor amarelo e pele de cor castanha, com desenho de um lagarto, sem valor comercial;
- 01 (um) Telemóvel, marca Apple, modelo Iphone, cor dourado, com o IMEI ...67, avaliado no valor de € 300,00, com as contas de e-mail ..........@..... e ..........@....., os números de telemóvel ...00 e ...93 e moradas na Alemanha associadas;
- 01 (um) Telemóvel, marca Samsung de cor azul, com os IMEI ...70 e ...78, avaliado no valor de € 100,00, proveniente dos Emirados Árabes Unidos;
- 01 (um) Telemóvel, de marca e modelo Sony Xperia, com o IMEI ...36;
- 01 (um) Ipod de 32 Gb, da marca Apple, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Disco externo Age Agestar, avaliado no valor de €50,00;
- 01 (um) Carteira Flik Flak, de valor não concretamente determiando;
- 01 (um) Telemóvel de marca Samsung SM G900F, com o IMEI ...07, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Telemóvel Samsung J1 ACE, com os IMEI ...96 e ...94, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Egipto;
- 01 (um) Telemóvel Huawei, modelo WAS-LS1A, com o IMEI ...50, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Telemóvel Samsung J2 de cor preta, com os IMEI ...85 e ...86, avaliado no valor de € 100,00, proveniente da Índia;
- 01 (um) Telemovel Huawei, de modelo Nova Plus, com o IMEI ...18, com autocolante coma inscrição manuscrita “desbloqueado”, avaliado no valor de € 100,00, proveniente de Espanha;
- 01 (um) Telemóvel Apple Iphone 7, com o IMEI ...44, avaliado no valor de € 300,00, com idioma inglês e bloqueio activo, associado à conta de e-mail;
- 01 (um) Telemóvel Xiaomi de cor preto, de IMEI desconhecido, com bloqueio remoto activado, idioma em inglês, avaliado no valor de € 80,00;
- 01 (um) Telemóvel Apple Iphone 6, com o IMEI ...63, avaliado no valor de € 300,00, associado à conta de e-mail ..........@....., pertencente a YYY, que o perdeu no interior de uma aeronave, num voo entre o ... e ..., em dia não concretamente apurado do mês de Março de 2016;
- 01 (um) Telemóvel Samsung J1 Ace com o IMEI ...83 e ...81, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Brasil, associado à operada Team;
- 01 (um) Telemóvel Samsung, de modelo Galaxy S2, com inscrição nas costas I900D, com o IMEI ...32, avaliado no valor de € 100,00, proveniente de França e com um cartão da operadora Lycamobile França inserido correspondente ao número de telemóvel ...89;
- 01 (um) Telemóvel Samsung A3, com uma capa com o desenho de um mocho, com o IMEI ...93, avaliado no valor de € 80,00, proveniente da Bélgica, e com um cartão da operadora Proximus Bélgica inserido;
- 01 (um) Telemóvel Apple Iphone 6S, com o IMEI ...01, avaliado no valor de € 300,00, anteriormente associado a um cartão SIM com o IMSI ...39 pertencente à operadora Choice Wireless LC dos Estados Unidos da América;
- 01 (um) Telemóvel Apple Iphone 6S Plus, com vidro partido e traseira dourada, com o IMEI ...37, proveniente dos Estados Unidos da América, associado à conta de e-mail ..........@....., ao numero de telemóvel ...19 e a uma morada naquele país;
- 01 (um) Telemóvel Samsung J2, com o IMEI ...85, avaliado no valor de €100,00, proveniente de Trinidad e Tobago e com um cartão SIM da operadora Tigo Paraguai inserido;
- 01 (um) Telemóvel Apple, Iphone 6 Plus, com o IMEI ...96, avaliado no valor de € 300,00, associado à conta de e-mail ..........@....., ao número de telemóvel ...95 e a uma morada na Noruega;
- 01 (um) Telemóvel Samsung Galaxy Grand Prime, com o IMEI ...56, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Canadá e associado à operadora Videotron Canadá;
- 01 (um) Telemóvel HTC modelo OP8B200, com o IMEI ...48, avaliado no valor de € 50,00;
- 01 (um) Telemóvel Blackberry classic, com o IMEI ...17, avaliado no valor de € 80,00;
- 01 (um) Telemóvel Apple, iphone 6S, com capa da marca Champion, com o IMEI ...06, avaliado no valor € 300,00, associado ao e-mail ..........@....., ao numero de telemóvel ...70 e a uma morada em França;
- 01 (um) Telemóvel Samsung S4, com o IMEI ...82, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Brasil, com um cartão SIM da operadora Vivo Brasil inserido;
- 01 (um) telemóvel Nokia, de cor azul, com o IMEI ...56, avaliado no valor de € 30,00;
- 01 (um) tablet Samsung Galaxy Tab A, com capa em pele castanha, com o número de série ......, avaliado no valor de € 350,00, associado ao e-mail ..........@.....;
- 01 (um) Ipad modelo A1584, com o número de série ......, com uma capa pele, de cor castanha, associado ao e-mail ..........@..... , pertencente a ZZZ, que o perdeu, no dia 15 de Maio de 2019, quando se encontrava em trânsito, no Aeroporto ..., vindo de ..., num voo da TAP;
Na sala de estar:
- 01 (um) Troley, de marca TopMovie, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Tablet Amazon Fire, com o número de série ..., avaliado no valor de € 350,00, associado aos e-mails ..........@..... e ..........@.....;
- 01 (um) Telemóvel Huawei P9, com os IMEI ...23 e ...38, avaliado no valor de € 300,00, proveniente das Filipinas;
- 01 (um) Telemóvel Samsung S7 Edge, com o IMEI ...01, avaliado no valor de € 300,00, proveniente de Portugal;
- 01 (um) Telemóvel Samsung S10 Exynos, de cor preta, com os IMEI ...36 e ...34, avaliado no valor de € 100,00, proveniente da Suíça, associado à operadora Swisscom;
- 01 (um) Telemóvel Apple, iphone 6 Plus, com o IMEI ...82, avaliado no valor de € 300,00, proveniente da Turquia, associado à conta de e-mail ..........@..... ao número de telemóvel ...76 e a uma morada na Turquia;
- 01 (um) Telemóvel Samsung J5, de cor dourada, com os IMEI ...82 e ...80, avaliado no valor de € 170,00, proveniente da Roménia;
- 01 (um) Portátil Microsoft Surface de 128 Gb, com o número de série ...53, avaliado no valor de € 1.000,00, com teclado francês;
- 01 (um) Portátil Microsoft Surface de 256 Gb, com o número de série ...53, avaliado no valor de € 1.200,00, com idioma e teclado alemão, vendido na Alemanha, pela empresa Also;
- 01 (um) Garrafa de cachaça Mata Velha, de 200 ml, avaliada no valor de € 20,00;
- 01 (um) Troley, de marca travelpro, de cor azul, avaliado mo valor de €100,00;
- 01 (um) Portátil de marca Lenovo Idealpad 310-15 ISK, com o número de série ...2..., associado ao e-mail ..........@....., pertencente a AAAA, que o perdeu, no dia 14 de Fevereiro de 2018, quando viajava de ... para ..., no voo da TAP ..., tendo-o deixado esquecido dentro da aeronave;
- 01 (um) Telemóvel Samsung Grand Prime, com o IMEI ...10, dourado, avaliado no valor de € 150,00, proveniente de Espanha, associado à operadora Movistar e com um cartão SIM dessa operadora inserido;
- 01 (um) Portátil Apple Macbook pro, com o número de série ......, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a BBBB, que o perdeu no dia 23 de Fevereiro de 2018, quando viajava no voo da TAP ..., entre ... e ..., tendo-o deixado esquecido no interior da aeronave;
- 01 (um) Estojo de marca Hama contendo máquina fotográfica Canon sem objectiva, avaliado no valor de € 450,00;
- 01 (um) Caixa contendo uma máquina fotográfica Fujifilm Firefix J38, avaliado no valor de € 200,00;
- 01 (um) Embalagem marca Samsung contendo uma camara de filmar daquela marca, avaliada no valor de € 180,00;
- 01 (uma) Mala em pele contendo um portátil Macbook air ;
- 01 (um) Macbook Pro 13, modelo A150L, de cor cinzenta, com o número de série ......, avaliado no valor de € 400,00, associado ao e-mail ..........@....., número de telemóvel ...10 e a uma morada em Hong Kong;
- 01 (um) Ipad A1567 cinzento, com capa rígida de cor azul, com o número de série ......, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a CCCC, que o perdeu na zona de restauração do Aeroporto ..., no mês de Maio de 2018, quando se preparava para viajar para ..., num voo da TAP;
- 01 (um) computador portátil Macbook 12, de cor cinza, com o número de série ...3, avaliado no valor de € 400,00, proveniente da Bélgica, associado ao e-mail ..........@.....;
- 01 (um)computador portátil Macbook air, com o número de série ...86, avaliado no valor de € 400,00, proveniente dos Estados Unidos da América;
- 01 computador portátil Macbook Air, com o número de série ......, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a DDDD, que o perdeu num voo da TAP, entre ... e ..., no dia 23 de Agosto de 2018, tendo-o deixado esquecido no interior da aeronave;
- 01 (um) computador portátil LG Gram, de cor branca, com o número de série ...13, com teclado coreano;
- 01 (um) Ipad com capa rígida de cor azul, com o número de série ...4, avaliado no valor de € 400,00;
- 01 (um) Ipad Mini 2, de cor cinzenta, com o número de série ..., avaliado no valor de € 300,00, proveniente do ..., com bloqueio remoto activado, idioma inglês, associado ao e-mail ..........@....., ao número de telemóvel ...74 e a uma morada em Inglaterra;
- 01 (um) Tablet de marca New Theory modelo Arrena Dual 9, com o número de série ..., avaliado no valor de € 400,00, com o idioma francês, que tinha inserido um cartão de memória MINI SD com documentos também redigidos em língua francesa e fotografias de indivíduos cuja identidade não foi possível apurar;
71. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido KK tinha guardados no interior das gavetas da comoda do seu quarto:
- Um revólver, de marca Sacual, modelo Pasper, de calibre .22, (curto), com o numero de série ...18, fabricado na Argentina, de precursão anelar/lateral, com um cano estriado, com o comprimento de 6 cm, e o comprimento total de 14,5 cm, não registado nem manifestado, o que bem sabia ser proibido por lei;
- 45 (quarenta e cinco) munições, da marca Fiocchi, de calibre .22 short, fabricadas em Itália, próprias para a arma mencionada;
- 13 (treze) munições de marca PMC, fabricadas nos EUA, de calibre .38 Special, de percussão central, com projéctil expansivo, ou seja, fabricado com o objectivo de expandir no impacte com um corpo sólido;
- 50 (cinquenta) munições de marca GFL, fabricadas na Itália, de calibre .38 Special, de percussão central, com projéctil expansivo, ou seja, fabricado com o objectivo de expandir no impacte com um corpo sólido;
- 2 (duas) munições. De marca CCI, fabricadas no EUA, de calibre .38 Special (shotshells) de percussão central, com projéctil expansivo, ou seja, fabricado com o objectivo de expandir no impacte com um corpo sólido;
72. As munições de calibre. 38 supra descritas, com projéctil expansivo, são munições de classe A, cuja detenção é absolutamente proibida;
73. O arguido KK sabia que a detenção de munições com projéctil expansivo é absolutamente proibida, mas, mas ainda assim quis e manteve tais munições na sua posse, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado por lei.
74. O arguido KK sabia que não podia ter na sua posse o revólver acima descrito e as munições do mesmo calibre porquanto o mesmo não se encontrava registado nem manifestado, mas ainda assim quis e manteve-o na sua posse, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado por lei;
75. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida LL foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ... com a categoria profissional de assistente administrativa, integrada na equipa 4 do sector de controlo de bagagens e Bagagens, e exerceu funções no balcão dos achados da AT, com acesso directo à generalidade dos objectos provenientes de toda a área reservada do aeroporto e interiores das aeronaves;
76. No dia 03 de Maio de 2019, pelas 14h47, a arguida LL levava consigo uma mala azul clara e uma mala azul escura;
77. No dia 09 de Junho de 2019, à saída do seu turno de serviço, pelas 07 horas e 18 minutos, a arguida LL levou consigo uma mochila que não trazia quando entrou ao serviço, na noite anterior;
78. No dia 24 de Junho de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 07 horas e 30 minutos, a arguida LL levava consigo, além da mala escura que trazia quando entrou ao serviço, uma mala de mão de cor branca;
79. No dia 16 de Agosto de 2019, por volta das 22 horas e 15, as arguidas LL e TT dividiram entre si o conteúdo de um trólei que fora entregue a esta última, por EEEE, funcionário das lojas francas, que o encontrara abandonado e que, no seu interior continha, além do mais, queijos e chocolates;
80. No dia 20 de Agosto de 2019, as arguidas LL e TT permitiram à testemunha CCC, funcionária da “EMP01...”, que se deslocasse ao armazém e dali retirasse e levasse consigo diversos carrinhos e outros acessórios de bebé:
- a) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Cosco, cor preta e amarela, com o número de séria ..., avaliado no valor de € 50,00;
- b) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico, modelo Lite Way, avaliado no valor de € 100,00;
- c) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico, avaliado no valor de € 110,00;
81. No mesmo dia, as arguidas LL e TT acordaram em retirar diversos bens do armazém dos “perdidos e achados” para si, incluindo uma mochila, entre sábado e domingo seguintes, dias em que o armazém estaria sem vigilância;
82. No dia 28 de Novembro de 2019, a arguida LL ofereceu ao seu cunhado, o arguido MM um trólei, de cor preta, contendo volumes de tabaco no seu interior, que retirou do armazém;
83. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., em ..., o arguido MM tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pela sua cunhada, a arguida LL e por esta previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 600,00:
- a) 1 (um) Trolley de cor preta, avalido no valor de € 100,00;
- b) 3 (três) Volumes de Tabaco de marca «PALL MALL», sem estampilha, avaliados no valor de € 120,00;
- c) 3 (três) Volumes de Tabaco de marca «RONSON», sem estampilha, avaliados no valor de € 120,00;
- d) 1 (um) Volume de Tabaco de marca ..., sem estampilha», avaliado no valor de € 40,00;
- e) 2 (dois) volumes de Tabaco de marca «PALL MALL», sem estampilha, avaliado no valor de € 80,00;
- f) 1 (um) Volume de Tabaco de marca ...», sem estampilha, avaliado no valor de € 40,00;
84. À luz da conversa mantida com a arguida LL a respeito da oferta que esta lhe fez, do modo como a mesma lhe foi apresentada e das cautelas que tomaram no decurso dessa conversa e da urgência com que o trólei devia ser levantado no aeroporto, o arguido MM sabia e não podia desconhecer que o mesmo continha tabaco e que era proveniente do armazém da Alfândega do Aeroporto ..., tendo dali sido retirado abusivamente pela sua cunhada, que sobre ele não possuía qualquer direito;
85. Ainda assim, o arguido MM aceitou o trólei e o tabaco nele contido, com o propósito concretizado de obter uma vantagem patrimonial;
86. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., na ..., em ..., a arguida LL tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 1.940,00:
Na sala, em cima da mesa;
- 1 (um) Tablet SAMSUNG, Modelo SM-T085 de cor dourada, com o IMEI3...39, avaliado no valor de € 60,00, associado ao e-mail ..........@....., contendo uma foto do passaporte dinamarquês com o nº ... a FFFF;
- 1 (um) iPad, modelo A1474 , de cor prateado, com o Número de Série ...2, avaliado no valor de € 100,00, com idioma inglês e código bloqueio activo;
No Quarto no interior do roupeiro:
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, modelo S10 de cor prisma com o IMEI ...04, com capa de protecção de cor cinzenta, avaliado no valor de € 450,00, proveniente da Coreia do Sul;
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, Galaxy Note 3, de cor branca, com o IMEI ...61, com capa de protecção de trás de cor branca com caracteres orientais, proveniente da Coreia do Sul, associado ao e-mail ..........@..... e à operadora LG UPlus, da Coreia do Sul;
- 1 (um) Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-T560, de cor branca com o número de série ......, avaliado no valor de € 100,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a GGGG, que o perdeu na zona do Raio-X do Aeroporto ..., no dia no dia 4 de Fevereiro de 2019, quando ali se encontrava em trânsito, vinda do ... e com destino ao .... O referido tablet foi registado no livro de achados onde se consignou também que o referido objecto tinha sido remetido para a entidade que procede à afectação dos equipamentos informáticos;
- 1 (um) Tablet de marca SAMSUNG, modelo Galaxy Tab S4, Tuned by AKG, de cor preta, com o IMEI ...15, avaliado no valor de € 200,00, proveniente da Rússia;
- 1 (um) Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-T350 de cor branca com o S/N: ..., avaliado no valor de € 150,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a HHHH, que o perdeu no 11 de Março de 2019, quando viajava entre ... e ..., no voo da TAP ..., tendo-o deixado no interior da aeronave;
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, J1 ACE, de cor branca, com os IMEI ...79 e ...77, avaliado no valor de € 30,00, proveniente do Quénia;
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, Galaxy A5, de cor preta, com o IMEI ...68, avaliado no valor de € 60,00, com idioma francês e proveniente de França;
- 1 (um) Computador portátil de marca LENOVO, modelo ThinKPad X1 Carbon, de cor preta, com o número de série PF-... e com o IMEI ...64, avaliado no valor de € 120,00, com idioma sueco e proveniente da Suécia, com um cartão SIM da operadora TeliaCompany Suécia inserido;
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, modelo Galaxy J4, de cor cinzenta com os IMEI ...26 e ...24, avaliado no valor de € 180,00, proveniente do Brasil;
- 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, modelo S9, de cor preta, com o IMEI ...12, avaliado no valor de € 220,00, proveniente dos Estados Unidos da América, associado à operadora norte-americana Verizon, com registo de duas chamadas não atendidas de “IIII” no dia 23 de Outubro de 2019, registado no livro de achados da AT de 2019, nessa data, sob o número ...34, sem destino especificado;
- 3 (três) Volumes de tabaco de marca RONSON de cor vermelha, sendo que cada volume é composto por dez maços o que perfaz o total de trinta maços de tabaco, avaliados no valor de € 60,00;
- 3 (três) Volumes de tabaco de marca MARLBORO de cor vermelha e branca, sendo que cada volume é composto por dez maços o que perfaz o total de trinta maços de tabaco, avaliados no valor de € 120,00;
- 3 (três) Volumes de tabaco de marca PALL MALL de cor vermelha, sendo que cada volume é composto por dez maços o que perfaz o total de trinta maços de tabaco, avaliados no valor de € 60,00;
87. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido NN foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, exercendo funções no sector de controlo de bagagem até ../../2019, integrado na equipa 4.
88. No dia 3 de Maio de 2019, o arguido NN retirou do armazém dos “perdidos e achados” uma mochila de marca da marca HPPPOWER, avaliada no valor de € 40,00, que, depois, ofereceu ao seu filho DDD;
89. No dia 25 de Maio de 2019, o arguido NN retirou do armazém dos “perdidos e achados” uma mala rígida, de tipo trólei, de marca DKNY, de cor azul, avaliado no valor de € 80,00 que, depois, ofereceu ao seu filho DDD;
90. No dia 25 de Maio de 2019, [o arguido] NN retirou do armazém dos “perdidos e achados” diversos objectos que, depois, transportou consigo para fora do aeroporto, num trólei que também dali retirou, tendo sido auxiliado no transporte desses objectos, até ao parque de estacionamento onde tinha estacionado o seu veículo, pela arguida LL;
91. No dia 03 de Setembro de 2019, o arguido NN com o conhecimento e acordo da arguida LL, da arguida TT e JJJJ quanto à partilha entre todos de garrafas de bebidas alcoólicas guardadas no armazém, dali retirou e levou para si, uma garrafa de conteúdo não concretamente apurado;
92. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida OO foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, exercendo funções no sector de controlo de bagagem, integrada na equipa 2;
93. Nesse período, no âmbito da equipa 2, era habitual proceder-se à distribuição equitativa de todos os achados de produtos alimentares pelos elementos da equipa;
94. No dia 27 de Abril de 2019, a arguida OO guardou uma garrafa de rum J Bally, retirada dos “perdidos e achados” para o seu colega, o arguido PP;
95. No mesmo dia, a arguida OO retirou do armazém uma garrafa de bebida espirituosa rara, tendo deixado uma garrafa diferente no seu lugar, de modo a ocultar a subtracção efectuada;
96. No dia 16 de Agosto de 2019, a arguida OO advertiu o arguido PP que o saco de bacalhau só poderia ser levado daí a três dias, depois das suas folgas, porque esse era o prazo de depósito dos perecíveis e, naquele caso em concreto, alguém poderia vir a reclamá-lo, uma vez que, uma vez que junto com o saco de bacalhau estava uma peça automóvel;
97. No dia 20 de Agosto de 2019, a arguida OO e o arguido PP levaram o referido bacalhau que previamente dividiram entre si;
98. No dia 19 de Novembro de 2019, a arguida OO com o conhecimento e autorização da arguida QQ, retirou do armazém um cachecol oficial do “Sport Lisboa e Benfica”, avaliado no valor de € 15,00;
99. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., na Urbanização ..., na ..., a arguida OO tinha guardados os seguintes objectos que retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 215,00:
No quarto utilizado pelo filho, EEE:
- 1 (um) Tablet de marca de marca SAMSUNG, modelo ANATEL, de cor preto, com o IMEI ...78, avaliado no valor de € 200,00, com a inscrição Anatel [Agência Reguladora das Telecomunicações do Brasil], proveniente do Brasil
No quarto utilizado pelo filho EEE:
- 1 (um) Cachecol desportivo do clube SPORT LISBOA E BENFICA, avaliado no valor de € 15,00;
100. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido PP foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, tendo exercido funções no balcão duty free;
101. No dia 27 de Abril de 2019, o arguido PP aceitou para si uma garrafa de rum J Bally, proveniente do “armazém dos perdidos e achados” que lhe fora guardada pela arguida OO.
102. No dia 27 de Maio de 2019, por volta das 15h10, à saída do seu turno, o arguido PP levava consigo um saco de plástico castanho volumoso, além da mochila que já trazia consigo à chegada, contendo objectos retirados do armazém “dos perdidos e achados”;
103. No dia 16 de Agosto de 2019, a arguida OO advertiu o arguido PP que o saco de bacalhau só poderia ser levado daí a três dias, depois das suas folgas, porque esse era o prazo de depósito dos perecíveis e, naquele caso em concreto, alguém poderia vir a reclamá-lo, uma vez que [, uma vez que] junto com o saco de bacalhau estava uma peça automóvel;
104. No dia 20 de Agosto de 2019, os arguidos OO e PP levaram o referido bacalhau que previamente dividiram entre si.
105. No dia 25 de Agosto de 2019, o arguido PP queixou-se à arguida OO porque os objectos entrados no armazém, designadamente, as latas de atum, não tinham sido divididos equitativamente entre todos os colegas;
106. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., .... direito, em ..., o arguido PP tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 95,39:
Na casa de banho:
- 1 (um) Desodorizante de marca Axe, sem valor atribuído;
- 1 (um) Desodorizante de marca Nivea Men, sem valor atribuído;
- 1 (um) Gel de barbear de marca Crêma, sem valor atribuído;
- 1 (um) Embalagem de leite corporal de marca Mixa, sem valor atribuído;
- 1 (um) Desodorizante de marca Fresh Fogger, sem valor atribuído;
- 1 (um) Embalagem de creme de corpo de marca Queen Elisabeth, sem valor atribuído;
Na gaveta de uma cómoda do quarto:
- 1 (uma) Power Bank de marca Insignia, modelo NS-MB 15600, avaliado no valor de € 10,00;
No armário do hall de entrada:
- 1 (uma) Garrafa de vinho de marca Mouton Cadet, avaliado no valor de € 16,00;
- 1 (uma) Garrafa de vinho de marca Merlot, Cavit Collection, avaliado no valor de € 2,50;
- 1 (uma) Garrafa de vinho de marca JP Chenet, Cabernet-Syrath, avaliado no valor de € 1,50;
- 1 (uma) Garrafa de Vodka de marca Tito's Handmade, avaliado no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Garrafa de licor de um litro, de marca Amarula, avaliado no valor de € 14,90;
- 1 (uma) Garrafa de licor de 50 ml, de marca Amarula, avaliado no valor de € 2,50;
- 1 (um) Sumo Aloe Vida, avaliado no valor de € 27,99;
No armário da cozinha:
- 1 (um) Frasco de patê de mel e chocolate de marca Manahil Souss, sem valor atribuído;
- 1 (um) frasco de mel de marca Honey Housse LLC, sem valor atribuído;
107. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida QQ foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de primeira verificadora superior e exerceu funções como coordenadora do sector de controlo de bagagens, competindo-lhe, além do mais, coordenar as equipas serviço, colmatar as suas necessidades, difundir os procedimentos e normas internas, e fazer a articulação com os superiores hierárquicos;
108. No dia 21 de Junho de 2019, [a arguida] QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” e levou consigo diversas garrafas de bebidas alcoólicas;
109. No dia 29 de Julho de 2019, a arguida QQ autorizou que no âmbito da festa de despedida de KKKK, que ali deixou de exercer funções, fosse consumido champanhe retirado do armazém dos “perdidos e achados”;
110. No dia 18 de Agosto de 2019, a arguida QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” e levou consigo um carrinho de bebé, tendo dado instruções à arguida UU para dar baixa do mesmo no livro dos achados;
111. No dia ../../2020, a arguida QQ retirou do armazém “dos perdidos e achados” e levou consigo, dentro de um saco, um quadro emoldurado, embalado numa pelicula em plástico;
112. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Praceta ..., ..., na ..., a arguida QQ tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 13.050,00:
No armário do hall de entrada:
- 1 (uma) Bolsa de cor preta e castanha da marca zlyc, contendo no seu interior uma máquina fotográfica de marca Panasonic, número de serie ...30, um carregador de bateria marca Nikon número de serie ...01... e duas baterias marca Nikon, avaliado no valor de € 500,00;
- 1 (uma) Lente marca Nikon, com o número de serie ...79, no interior da bolsa acima mencionada, avaliado no valor de € 200,00;
Dentro de um cofre de cor azul:
- 1 (um) Relógio marca Apple Watch, com mostrador preto e bracelete azul, com o número de série ...J8, de valor não concretamente apurado, associado ao e-mail ..........@....., numero de telemóvel ...27 e a uma morada nos Estados Unidos da América;
- 1 (um) Relógio marca Glashyitte, com mostrar de cor dourada bracelete preta, com o nº serie ...99, avaliado no valor de € 100,00;
Nas gavetas do armário do Hall de entrada:
- 1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 1.500,00;
Nas gavetas do referido móvel:
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Olympus modelo E-M10, de cor preta e prata, com o nº serie ...05, com duas baterias, carregador, tripé, acondicionado de cor bordô, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Olympus modelo Premium Pro 52mm de cor preta com o nº serie ...35, pertencente à máquina fotográfica, anterior, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon, modelo coolpix P900, com nº serie ...99 de cor preta, com duas baterias, um carregador e um carregador de baterias, acondicionados numa bolsa da Nikon de cor cinzenta, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Sony, modelo SLT-A37, de cor preta com o nº serie ...19, com 2 baterias, e um carregador de baterias, acondicionada numa mala da marca Case Logic de cor preta, avaliado no valor de € 250,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Sony modelo SAL55200-2 com o nº serie ...56, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Objectiva sem marca visível, modelo Sigma DG de cor preta com o nº serie ...97, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) Drone marca DJI Mavic Pro, modelo M1P, com o nº serie ...54, com 2 baterias, comando Joystick modelo GL200A, nº serie ...E8, 1 carregador, avaliado no valor de € 1.200,00, proveniente da Nova Zelândia, local onde foi activado em 10.06.2017;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo coolpix B700, de cor preta com o nº serie ...90, acondicionada numa bolsa preta marca Cyrk, avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Nikon modelo Dx de cor preta com o nº serie ...35, com respectiva bolsa de cor preta, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Leica modelo Q2, de cor preta, com o nº serie ...98, bateria, carregador de baterias, acondicionado numa bolsa de cor preta, proveniente de Xangai, de valor não inferior a € 5.000,00;
- 1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo D5100 de cor preta com o nº serie ...19, acondicionado numa bolsa de cor branca marca Manfrotto, avaliado no valor de € 400,00;
Na sala:
- 1 (uma) Serigrafia de Vincent Van Gogh 1853-1890 ?Wheatfield With crows, Auvers-sur-Oise, july 1890?, acondicionada em cartucho próprio com os dizeres Call4posters, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Carro de bebe, marca Uppababy modelo Cruz com o nº serie ...US, acondicionado na respectiva mala, avaliado no valor de € 100,00;
Nas gavetas do móvel da sala:
- 1 (um) Tablet marca Samsung, modelo SM-T800, de cor dourada, com o nº serie ...LO, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Brasil, com a inscrição ANATEL gravada na parte de trás;
- 1 (um) Tablet marca Apple, modelo Air 2, cor cinzento, com nº serie ...VJ, com respectiva capa de cor preta, avaliado no valor de €100,00, com idioma em francês, associado ao e-mail ..........@....., ao número de telemóvel ...88 e uma morada em França;
- 1 (um) Tablet, de marca Samsung, de modelo SM 310, de cor branca, com o nº serie ...7J, avaliado no valor de €100,00;
- 1 (um) Tablet marca Samsung modelo Tablet S3 de cor cinzenta com o nº serie ...AW, com caneta e teclado, avaliado no valor de €100,00, que tinha colado um papel manuscrito com os dizeres “Achado 299 de 23.01.2020” correspondente ao registo efectuado no respectivo Livro de Achados da AT;
- 1 (um) Telemóvel marca Alcatel modelo pixi de cor preta com o nº IMEI ...71 e respectiva bateria, em estado novo, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) Telemóvel marca Alcatel modelo pixi de cor preta com o nº IMEI ...51 e respectiva bateria, em estado novo, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) Telemóvel marca Samsung modelo Duos cor preta com o nº serie ...5..., com capa de cor preta, avaliado no valor de € 150,00, proveniente de Itália, com um cartão SIM pertencente à operadora de telecomunicações Vodafone Itália inserido e com uma fotografia de um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar como fundo de ecrã;
- 1 (um) Telemóvel marca Xgody, modelo X14, de cor azul, com o os IMEI ...51 e ...69 e respectiva bateria, avaliado no valor de € 100,00, com idioma inglês e código de bloqueio activo;
- 1 (um) Telemóvel marca Samsung A30 com de cor preta com o IMEI ...20 e ...28, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Brasil, com dois cartões SIM das operadoras de telecomunicações brasileiras TIM e Vivo inseridas;
- (um) Telemóvel marca Samsung modelo A50, com o IMEI ...60 e ...68, avaliado no valor de € 100,00, proveniente de França, associado à operadora Bouygues, com dois cartões SIM das operadoras francesas Orange e Bouygues inseridos;
- 1 (um) Telemóvel de marca Google, modelo Pixel 3A, com o IMEI ...02, avaliado no valor de € 50,00, com idioma inglês e um cartão da operadora grega BELL inserido;
- 1 (um) Telemóvel marca Samsung modelo J3 de cor preta com o IMEI ...82, com capa de cor preta, avaliado no valor de € 150,00, proveniente do Reino Unido;
- 1 (um) Telemóvel marca Samsung cor branco e azul com o IMEI ...23, com capa de cor preta, avaliado no valor de € 100,00, proveniente da Coreia do Sul, com etiquetas em língua coreana, associado à operadora sul-coreana SKTelecom, com a inscrição manuscrita “Holliday Ribamar”, correspondente aos nomes do alojamentos locais explorados à data pela arguida;
- 1 (um) Estojo contendo caneta e lapiseira de marca Mont Blanc com os dizeres “M. Schumacher”, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) Telemóvel LG, modelo G6, com o IMEI ...91, com respectiva capa de silicone de cor laranja, avaliado no valor de € 50,00, com idioma francês e um cartão SIM de uma operadora grega;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo Galaxy A7, com o IMEI ...28, com respectiva capa preta, flip-case, avaliado no valor de € 50,00, proveniente da Coreia da Sul associado à operadora KTcoperation;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo J7, com o IMEI ...00 e ...08, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Brasil, associado ao e-mail ..........@....., em nome de LLLL, contendo uma fotografia de um cartão de embarque no mesmo nome, no dia 14 de Fevereiro de 2018, no voo ...40, com partida de ... e destino ... e inscrito no Livro de Achados da AT 2017/2018 na mesma data, sem que lhe tenha sido dado destino;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo A 10, com o IMEI ...15, com respectiva caixa, carregador e fones, avaliado no valor de € 100,00, proveniente de França, com idioma Francês;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo Note 9, roxo, com o IMEI ...59, com respectiva capa, avaliado no valor de € 100,00, proveniente da Coreia do Sul, com idioma coreano, associado à operadora SKTelecom;
- 1 (um) Tablet, de marca SAMSUNG, modelo SM-T580, s/n. ......, com respectiva capa preta, avaliado no valor de € 300,00, com idioma inglês e código de bloqueio activo;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo A50, com o IMEI ...03 e ...05, com respectiva capa de silicone, avaliado no valor de € 100,00, proveniente da Suíça, com um cartão da operadora Swisscom inserido;
- 1 (um) Telemóvel Samsung, modelo J2, com o IMEI ...92 e ...90, com respectiva capa de silicone, carregador, tudo dentro da respectiva caixa do telemóvel, com selos/fita da AT, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Uzbequistão, com manual de instruções em língua russa;
- 1 (uma) Máquina fotográfica de marca Olympus, modelo Stylus Tg-870, de cor cinzenta, com o s/n. ...80..., com respectiva bolsa em pele preta, avaliado no valor de € 300,00;
113. No mesmo dia, no interior do seu gabinete, nas instalações da Autoridade Tributária, a arguida QQ tinha guardados os seguintes objectos:
- 1 (um) saco térmico em nylon castanho, de marca Lindt, contendo no interior diversos chocolates e bolachas de variadas marcas, avaliado no valor de € 60,00;
- 1 (um) saco de plástico amarelo, com a inscrição Schiphol, contendo no seu interior diversos doces (chocolates/bolachas e pastilhas), de variadas marcas, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (um) saco de plástico azul, com a inscrição Avinor, contendo no seu interior diversos chocolates e rebuçados/bolachas e pastilhas), de variadas marcas, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (um) saco de plástico branco e azul, com a inscrição Sprungli, contendo no seu interior diversos chocolates e rebuçados/bolachas e pastilhas), de variadas marcas, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) saco de chocolates de marca Carbury, Dairy Milk, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (uma) caixa de chocolates de marca Godiva, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) saco de café, marca Fama, Café Torrado, avaliado no valor de € 5,00;
- 1 (uma) garrafa de vinho tinto, Cotes du Rhone, Artesis de 2018, avaliado no valor de € 12,00;
- 1 (uma) garrafa de Whisky JB, 15 anos, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (um) saco de farmácia, contendo no seu interior vários cartões SD, sem valor atribuído;
- 1 (um) saco de plástico branco, contendo uma estátua de um Ónix, em madeira escura, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (um) saco de nylon, de cor preto, com a inscrição Maliparmi, contendo no seu interior vários produtos de cosmética de várias marcas, avaliado no valor de € 40,00;
- 3 (três) relógios ROLEX (imitação), de modelos diferentes, sem valor atribuído;
- 1 (um) relógio HUBLOT(imitação), com o nº ...88, sem valor atribuído;
- 1 (um) relógio de marca SEKONDA(imitação), de cor prateada, com a referência ...56, na respectiva caixa de cor verde, sem valor atribuído;
- 1 (um) estojo de óculos Louis Vuitton, de cor castanha, com um par de óculos de sol, de massa castanha com fantasia, com um papel com a inscrição Achado 360, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) par de óculos de sol, de marca PRADA, de cor preta, com a etiqueta com a inscrição Prada GT Sunglaces, com o preço de 400$, com o respectivo estojo de cor preta e um talão de compra na Duty Free em Toronto, avaliado no valor de € 260,00;
- 1 (um) anel Bulgary com brilhantes, prateado, no respectivo estojo e caixa, avaliado no valor de € 930,00;
- 1 (uma) caixa creme com:
- 1 (um) par de brincos de pérola, sem valor atribuído;
- 1 (um) brinco de brilhante no interior, sem valor atribuído;
- 1 (um) par de ténis de bebé de cor cinzenta, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (uma) câmara fotográfica marca Canon, modelo IXUS 160, s/n ...75 na respectiva caixa com o carregador de bateria, avaliado no valor de € 60,00;
- 1 (uma) câmara fotográfica marca Sony, modelo Cybershot, s/n ...74 no interior de um estojo preto, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) adaptador de tomadas com ficha USB da marca Swiss Gear embalado, avaliado no valor de € 2,00;
- 1 (um) saco cinzento com a inscrição Portfolio com uma caneca no seu interior, sem valor atribuído;
- 1 (um) Tablette marca Logicom, modelo La Tab 72 preto com o s/n ...81, na respectiva caixa, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (um) Soutien em silicone da marca intimissimi, modelo The Perfect Bra na respectiva caixa, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (uma) caixa de papelão fechada, contendo no seu interior vários produtos de cosmética, higiene e perfumes, alguns dos quais tem factura de compra junto, avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (um) Trolley preto marca Itluggage contendo no seu interior, os seguintes objectos, todos avaliados no valor de € 30,00:
- 4 (quatro) copos de vinho com fantasias em verde;  1 (um) bule;
- 1 (uma) bandeja em metal prateado;
- 1 (um) saco de plástico de cor preta contendo no seu interior variados chocolates, rebuçados e outros tipos de doçaria;
- 1 (um) saco térmico azul com a inscrição Tobleron contendo no seu interior vários tipos de chocolates;
- 1 (uma) caixa de cor preta com as inscrições “DINHEIRO ENCONTRADO NAS MALAS NÃO REGISTADO”, contendo no seu interior € 41,01.
- 1 (uma) caixa de cor roxa, com a inscrição TOUS, avaliada no valor de € 60,00, contendo no seu interior os seguintes objectos:
- 1(uma) pulseira prateada com um símbolo do infinito, sem valor atribuído;
- 1(uma) pulseira de malha metálica, batida, com três medalhas, sem valor atribuído;
- 1 (um) anel de ouro, de cor amarela, com uma pedra preta, avaliado no valor de € 278,00;
- 1 (uma) aliança de cor amarela, sem valor atribuído;
- 1 (uma) aliança prateada com dois brilhantes, sem valor atribuído;
- 1 (um) par de brincos prateados, sem valor atribuído;
- 1 (um) anel em metal de cor amarela, com brilhantes, acondicionado dentro e um saco de plástico com a inscrição 4314/2019, sem valor atribuído;
- 1 (uma) aliança prateada, com a respectiva caixa, com a inscrição AMOR, acondicionada num saco de plástico, com a inscrição 4345, sem valor atribuído;
114. Ainda no mesmo dia, a arguida QQ, tinha consigo:
- Um telemóvel de marca e modelo Samsung Galaxy Note 3 NEO, de cor preta, com o IMEI ...12, avaliado no valor de € 150,00, proveniente da Alemanha;
115. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida RR foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificadora auxiliar aduaneira, tendo integrado as equipas 3 e 4 do sector de controlo de bagagens;
116. No dia 5 de Setembro de 2019, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levava consigo, um trólei azul;
117. No dia 26 de Outubro de 2019, por volta das 07 horas e 12 minutos, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levava consigo, além da mochila que trouxera à chegada, uma caixa de cartão de grandes dimensões;
118. No dia 15 de Novembro de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levava consigo, além da mochila que trouxera à chegada, um saco preto de grandes dimensões;
119. No dia 20 de Novembro de 2019, a arguida RR, depois de experimentar dois casacos que o arguido GG lhe havia guardado, provenientes do armazém dos “perdidos e achados,” ofereceu-os à arguida VV, por não lhe servirem a si, tendo-os esta aceitado ir vê-los;
120. No dia 2 de Fevereiro de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levou consigo um trólei que havia retirado do armazém dos “perdidos e achados” e guardado debaixo da cama do quarto das verificadoras, depois de ter conseguido debloquear a sua fechadura com a ajuda do seu colega, o arguido KK, vindo, posteriormente a utilizá-lo para viajar em férias;
121. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na avenida ..., ..., na ..., a arguida RR tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 1.470,00:
- 1 (um) Telemóvel, OPPO, R15 PRO, n.º série: ...91, IMEI 2 - ...83, avaliado no valor de € 300,00, associado aos emails ..........@..... e ..........@....., pertencente a HHH, que o perdeu, no dia 14 de Outubro de 2019, no voo da TAP ..., entre ... e ..., deixando-o esquecido no interior da aeronave;
- 1 (um) Telemóvel, de marca e modelo Apple Iphone 6, com o IMEI ...56, avaliado no valor de € 100,00, associado ao e-mail ..........@..... e ao contacto ...66, pertencente a MMMM, que o perdeu no dia 23 de Dezembro de 2016, quando viajava em voo da TAP de ... para ..., ocasião em que o deixou cair e ficar preso entre os assentos da aeronave, tendo sido informada que o assento seria desmontado e o telemóvel lhe seria devolvido, o que não veio a suceder;
- 1 (um) Telemóvel, de marca e modelo Apple iphone 6, com o IMEI ...31, avaliado no valor de € 150,00, com um cartão SIM da operadora britânica Three, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a NNNN, filha menor de OOOO, que o perdeu no dia 17 de Novembro de 2017, quando viajava no voo da TAP ..., de ... para ..., tendo-o deixado esquecido no interior da aeronave, o qual foi entregue pela Groundforce e registado no livro de Achados da AT no dia 22 de Dezembro de 2017;
- 1 (um) Telemóvel de marca Apple Iphone 6, com o IMEI ...63, avaliado no valor de € 150,00, associado ao e-mail ..........@....., número de telemóvel ...98 e a uma morada na Suíça, com um cartão SIM da operadora suíça Swisscom inserido;
- 1 (um) Telemóvel de marca e modelo Apple Iphone 5, com o IMEI ...44, avaliado no valor de € 150,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a PPPP, funcionário do Aeroporto ..., da área da carga, que, no mês de Janeiro de 2017, se esqueceu do mesmo no interior do compartimento das bagagens de um avião da TAP, quando ali entrou no âmbito das suas funções;
- 1 (um) Telemóvel, Microsoft Lumia 550, com o IMEI ...37, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Telemóvel de marca e modelo Apple Iphone 4S, com o IMEI ...39, avaliado no valor de € 20,00, associado ao nome QQQQ;
- 1 (um) Telemóvel de marca QILIVE, com os IMEI ...68 e ...76, avaliado no valor de € 200,00, com idioma português de Cabo-Verde e nome de utilizador “RRRR”;
- 1 (um) Telemóvel, de marca e modelo Iphone 7, com o IMEI ...53, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) TABLET, de marca Apple IPAD, 16GB, com o número série: ..., avaliado no valor de € 100,00, associado ao e-mail ..........@....., número de telemóvel ...43 e uma morada em Espanha, activado com essa conta em 29 de Novembro de 2011 e com a conta da arguida em 13 de Fevereiro de 2020;
- 1 (um) Relógio, APPLE, IWATCH Serie 3, com o número de série ......, avaliado no valor de € 50,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a III, que o perdeu no dia 16 de Maio de 2019, na zona do Raio-X do Aeroporto ..., quando ali se encontrava em trânsito, entre ... e ..., o qual foi registado no Livro de Achados da AT;
- 1 (um) Relógio, APPLE, IWATCH Série 2, com o número de série ...36..., avaliado no valor de € 50,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a JJJ, que o perdeu no dia 29 de Agosto de 2019, à chegada ao Aeroporto ..., vindo de ..., o qual foi registado no Livro de Achados da AT;
122. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido GG foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de assistente técnico, integrado na equipa 3 do sector de controlo de bagagens, onde, além do mais, era responsável pelo tratamento dos achados no turno da sua equipa;
123. Na noite de 12 para 13 de Agosto de 2019, depois de ter entrado ao serviço, o arguido GG deslocou-se com o arguido SS ao armazém, levando consigo o trólei que dali retirara na noite de 10 para 11 de Agosto de 2019;
124. À saída, levaram consigo um trólei cor-de-laranja e um de cor escura que dali retiraram, dirigindo-se, em seguida, ao Balcão da Alfândega;
125. Por volta das 02 horas e 41 minutos, o arguido GG dirigiu-se ao parque de estacionamento P6 levando consigo o trólei cor de laranja e abandou o local no seu veículo, regressando cerca de duas horas depois, a fim de completar o seu turno de serviço;
126. No dia 1 de Novembro de 2019, por volta das 15 horas e 11 minutos o arguido GG deslocou-se à placa, e junto dos tapetes 9 e 12, pegou numa mala, colocando-a, em seguida, no tapete da bagagem perdida (“Chutex”);
127. Pouco depois, pelas 16 horas e 19 minutos, o arguido JJ dirigiu-se à Sala de Tratamento de Bagagem Perdida (“Lost and Found”) e pegou na referida mala, que ali se encontrava junto à parede, levando-a consigo para as instalações da AT;
128. No dia 5 de Novembro de 2019, o arguido GG lavrou o auto de apreensão de mercadoria 486/2019 relativo à referida mala, arrogando-se a qualidade de verificador auxiliar aduaneiro estagiário, fazendo nele constar que a bagagem continha 12800 cigarros de marca Pall Mall e pertencia a SSSS, passageiro do voo ...80, procedente de Casablanca, do qual não há qualquer registo de entrada em Portugal;
129. A referida mala ficou depositada no armazém, depois de lhe ter sido retirada a respectiva etiqueta de bagagem e os maços de tabaco referidos no auto de apreensão;
130. No dia 10 de Janeiro de 2020, o arguido GG informou o arguido SS que no armazém se encontrava um casaco a seu gosto, para que este o pudesse ir buscar “nas tardes”;
131. No dia 15 de Janeiro de 2020, o arguido GG deixou em casa da mãe, a arguida BB, uma mala contendo diversas roupas, incluindo da marca Lacoste e uma camisola do FC Real Madrid, perfumes, um smartwatch garmin e um tablet, que retirou do armazém, para lhe oferecer a ela, ao irmão TTTT e aos sobrinhos, designadamente ao filho de UUUU;
132. No dia 15 de Janeiro de 2020, por volta das 22 horas e 28 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levou consigo uma serigrafia retirada do armazém;
133. No dia 23 de Janeiro de 2020, o arguido GG retirou do armazém e levou consigo, para oferecer à namorada e para seu uso próprio, um modelador de cabelo de marca e modelo Philips BHH822 e duas cabeças de chuveiro;
134. Na noite de 22 para 23 de Janeiro de 2020, depois de ter entrado ao serviço, o arguido GG deslocou-se com o arguido SS ao armazém, de onde retiraram e levaram uma saco branco e dois tróleis, um azul escuro e outro preto;
135. Na posse de tais objectos, dirigiram-se ao Balcão da Alfândega;
136. Por volta das 00 horas e 49 minutos, o arguido GG dirigiu-se ao parque de estacionamento P6 levando consigo o trólei azul escuro e abandou o local no seu veículo, regressando cerca de três horas depois, a fim de completar o seu turno de serviço;
137. Em data não concretamente apurada, mas por volta do dia ../../2020, o arguido GG ofereceu ao seu irmão TTTT, um telemóvel de marca Samsung, modelo SM960/ds, que previamente retirou do armazém dos “perdidos e achados” para o efeito;
138. No dia 17 de Fevereiro de 2020, o arguido GG ofereceu à sua namorada, a arguida CC um leitor de e-books da marca Kobo, que retirou do armazém dos “perdidos e achados”;
139. No dia 29 de Fevereiro de 2020, o arguido GG informou o sobrinho VVVV, através de terceiro, que só tinha o casaco em tamanho M mas que quando tivesse no tamanho L, lho traria para si;
140. Em data não concretamente apurada, mas por volta do dia ../../2020, o arguido GG ofereceu um par de sapatos à sua mãe, a arguida BB, e outro à sua irmã WWWW, os quais havia retirado do armazém;
141. No 15 de Março de 2020, o arguido GG retirou do armazém e levou consigo uma garrafa térmica, de cor amarela, com um autocolante;
142. Em data não concretamente apurada, mas por volta do dia ../../2020, o arguido GG ofereceu aos seus sobrinhos, o arguido DD e “XXXX”, irmãos entre si, uma consola de jogos, de marca e modelo Playstation 4, com o número de série ...22 que retirou do armazém;
143. No dia 20 de Março de 2020, o arguido GG entregou ao seu sobrinho, o arguido DD diversos computadores, telemóveis e um relógio (smartwatch) da marca Apple, que previamente retirara do armazém, para que este os formatasse, desbloqueasse e instalasse novo software, tendo, em seguida, oferecido o computador portátil, de marca ASUS, de cor preta, com o número de serie nº ...63 e respectivo carregador com uma tomada eléctrica com 3 pinos à sua irmã WWWW e o relógio ao referido sobrinho;
144. No dia 23 de Março de 2020, por volta das 07 horas, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levou consigo um tapete de ginástica/yoga que retirou do armazém;
145. No dia 29 de Março de 2020, por volta das 22 horas e 14 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levou consigo um fato de treino e um tapete de ioga com o respectivo saco amarelo, que retirou do armazém;
146. No dia 30 de Março de 2020, pelas 21 horas e 06 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levou um guarda-chuva tricolor que retirou do armazém;
147. Entre os dias 14 e 17 de Abril de 2020, o arguido GG vendeu a VVV, via OLX, o computador de marca Microsoft Surface Book 13.5, Intel Core.i5, com o número de série ...54, avaliado no valor de € 1.000,00, proveniente dos Estados Unidos da América onde foi vendido pela empresa Ingram Micro US, que previamente retirara do armazém e pedira ao seu sobrinho para formatar, o que este não conseguiu fazer, permanecendo nele registos do anterior proprietário que levaram o novo comprador a efectuar diversas reclamações;
148. No dia 19 de Maio de 2020, [o arguido GG] retirou do armazém umas sapatilhas de marca Adidas, de cor vermelha que levou consigo, calçadas nos seus pés;
149. No dia 24 de Maio de 2020, pelas 06 horas e 31 minutos, à saída do seu turno, o arguido GG levou consigo um trólei que previamente retirara do armazém, no dia 22 de Maio de 2020;
150. No dia .../.../2020, à saída do seu turno, o arguido GG levou consigo um saco em padrão camuflado que previamente retirara do armazém;
151. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Praceta ..., ..., em ..., o arguido GG tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 5.804,50:
- 1 (uma) Garrafa Run, Zakapa, Sistema 23 Solera, avaliada no valor de € 56,00;
- 1 (uma) Garrafa Vinho Tinto, Campo Viejo, avaliada no valor de € 6,50;
- 1 (uma) Garrafa de Cachaça, Brisa, avaliada no valor de € 19,00;
- 1 (uma) Garrafa Whisky, Cardhu, 15 Anos, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Garrafa de Cachaça, Yaguara, avaliada no valor de € 37,00;
- 1 (uma) Garrafa de Vinho Tinto, Marques Casa Concha, avaliada no valor de € 8,00;
- 1 (uma) Garrafa de Gyn, Tanqueray, avaliada no valor de € 29,00;
- 1 (uma) Garrafa Vinho Tinto, Pata Negra, avaliada no valor de € 7,00;
- 1 (uma) Garrafa de Conhaque, Courvoisier, avaliada no valor de € 28,00;
- 1 (uma) Garrafa de Vodka, Absolut, Raspberri, avaliada no valor de € 19,00;
- 1 (uma) Garrafa de Run, Cacique, avaliada no valor de € 17,00;
- 1 (uma) Garrafa de Cachaca, Velho Barreiro, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Caixa de Whisky, Jonhie Whalker, Double Black, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Caixa champanhe, Moet & Chandon, a respetiva caixa contem duas garrafas, avaliada no valor de € 90,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, Bric'2, Mala de cabine "Troley", avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, Caterpillar, mala de viagem "Trolley, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, Porsche, mala de viagem "Trolley", avaliada no valor de € 800,00;
- 1 (um) Tapete de ioga, Cor verde e roxo, avaliado no valor de € 8,00;
- 1 (um) Saco transporte tapete ioga, contem um tapete de ioga de cor, preto e castanho, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Celine, Bolsa de transporte de cor preta da mesma marca dos óculos, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Ray Ban, com a respectiva bolsa de transporte de cor preta e da marca, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Par de Bolsa porta-óculos, Gucci, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Gucci, bolsa de transporte com padrão floral de cor roxo e azul, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Bolsa porta-óculos, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) Armação de óculos de sol, Burberry, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (uma) Armação óculos de sol, Marc Jacob, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (uma) Armação óculos de sol, Givenchy, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica digital, Fujifilme, Com a respetiva caixa de compra, avaliada no valor de € 200,00;
- 1 (um) Tablet, Huawei, modelo CMR-W09, com o número de série ...94, avaliado no valor de € 200,00, com um código de bloqueio activo;
- 1 (um) Tripé, FotoPro, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Headphones, Sennheiger, avaliado no valor de € 120,00;
- 1 (um) Disco externo/interno, Wd Elements, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (um) Headphones, JBL, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) Headphones, Dt 900 Pro, avaliado no valor de € 120,00;
- 1 (um) Headphones, Bose, avaliado no valor de € 250,00;
- 1 (um) Cantil, Hidro Flask, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Telemóvel, de marca Huawei, ,modelo Mate 10 Pro, Leica, com o IMEI ...60, avaliado no valor de € 160,00, proveniente do Reino Unido, associado à operadora Three do Reino Unido;
- 1 (um) Computador portátil, Dell PP29L, com o número de série ...9, com o respectivo cabo, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) Computador portátil, Lenovo, Think pad X1 Carbon, com o IMEI ...02, avaliado no valor de € 400,00, com conta de utilizador desconhecido;
- 1 (um) Computador portátil, Asus, A541U, Sonicmaster, com o número de série ...24, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) telemóvel de marca e modelo Samsung S8, com o IMEI ...79, avaliado no valor de € 5,00, proveniente do Reino Unido e associado à operado Three daquele país;
- 1 (um) Cantil, Hidro Flask, Azul, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Casaco, Moncler, avaliado no valor de € 70,00;
- 1 (uma) Mala, Louis Vuitton, avaliada no valor de € 70,00;
- 1 (uma) Carteira, Louis Vuitton, avaliada no valor de € 45,00;
- 1 (uma) Carteira, Guess, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala, Channel, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (um) Saco, Rock & Roll, avaliado no valor de
- 1 (uma) Mochila, Quechua, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (uma) Bolsa, Nike, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Bolsa, Ray-Ban, com armação de óculos, avaliada no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Bolsa, Dolce & Gabana, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (uma) Bolsa, Ray-Ban, com óculos escuros, avaliada no valor de € 120,00;
- 1 (uma) Bolsa, Gentle Monsters, com óculos escuros, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (uma) Bolsa, Michael Kors, com óculos castanhos, avaliada no valor de € 140,00;
- 1 (uma) Caixa de Óculos, Cor azul e branca com uns óculos escuros sem marca, avaliada no valor de € 35,00;
- 1 (uma) Caixa de Óculos, Verde e vermelha com uns óculos escuros de marca Versage, avaliada no valor de € 150,00;
- 1 (uma) Par de Óculos, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Par Óculos, Channel, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (umas) Lentes de óculos, Ray-Ban, avaliada no valor de € 80,00;
- 1 (uma) Bolsa, Persol, com óculos castanhos, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (um) Tubo em cartão, contém 3 posters de pinturas (serigrafias), avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (um) Saco, Louis Vuitton, avaliado no valor de € 90,00;
- 1 (uma) Bolsa, Ray-Ban, avaliada no valor de € 5,00;
152. No mesmo dia, tinha na sua posse o telemóvel de marca e modelo Samsung S9 Plus, com o IMEI ...48, avaliado no valor de € 400,00, proveniente de Singapura;
153. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Travessa ..., ..., em ..., a arguida BB tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu filho, o arguido GG e por este previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 2.490,00:
- 1 (um) Mala tira colo de cor castanha, de marca Mendonza, em mau estado de conservação, sem valor atribuído;
- 1 (um) Rato para computador, da marca DELL, de cor preta, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Computador Portátil, de marca ASUS, modelo E403N com carregador, com o número de série ...74, avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (um) Saco de óculos ATD, sem valor atribuído;
- 1 (um) Relógio Garmin mais carregador, avaliado no valor de € 20,00;
- 1 (um) Bracelete multicolor, sem valor atribuído;
- 1 (um) Telemóvel marca Sony, modelo Xperia, de cor branca, com os IMEI ...43 e ...43, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) Telemóvel Huawei, modelo P8, de cor preta, com o IMEI ...78, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Relógio senhora de cor azul/dourado, sem valor atribuído;
- 1 (um) Relógio castanho de homem, da marca GUESS, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio senhora marca LINE STYLE, sem valor atribuído;
- 1 (um) perfume J´adore, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) perfume Women secret, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) perfume 5 th Avenue, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) perfume la Vie est Belle, usado, sem valor atribuído;
- 1 (uma) mala azul de marca desconhecida, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) mala preta, de marca Benzi, cor azul escuro, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Mala Paco Martinez, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Mala Flight Knight, avaliada no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Trotinete de cor cinza de marca OXELO, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Mala de cor roxa de marca TSA 002, avaliada no valor de € 80,00;
- 1 (um) Par de Ténis de marca ADIDAS, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) Par de ténis de marca NIKE de cor preta, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) Par de ténis de marca ADIDAS de cor vermelho, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Caixa de óculos de sol de marca Zara com óculos da marca Lacoste, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol de marca Bulget, avaliado no valor de € 20,00;
- 1 (um) Par de óculos graduados de marca SYLAC, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Caixa de óculos da marca Prada, com óculos de sol de marca desconhecida, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (uma) Caixa de óculos de cor cinza da marca preconceito, com óculos da marca energe, sem valor atribuído;
- 1 (um) Casaco da marca mango de cor verde, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Camisa de cor camuflado, da marca Ralph Lauren, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (um) Casaco de cor cinza da marca 4053, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (um) Casaco de homem KUVENZ de cor azul, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (um) Casaco de homem de cor preta da marca Ruilaiou, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (um) Casaco da marca pull & bear, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Perfume de mulher de marca CK, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) Casaco de homem de cor azul de marca Super Dry, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (uma) T-shirt desportiva da marca adidas, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Camisola de futebol branca e verde com a inscrição RudYnº5, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Pochete de cosmética contendo 3 artigos de maquilhagem, usados sem valor atribuído;
- 1 (um) Par de ténis adidas com a referencia ..., avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Mala vermelha de marca Village, avaliada no valor de € 80,00;
- 1 (uma) Mala castanha de marca LEADER, avaliada no valor de € 80,00;
- 1 (uma) Mala castanha de marca PALACE, avaliada no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Mala cinza de marca Timsoon, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Mala azul de marca NANYANG, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala preta sem marca, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Mala preta POLO KING, avaliada no valor de € 70,00;
- 1 (uma) Mala preta New feel, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Mala preta sem marca, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Mala preta sem marca, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala preta de marca mingba, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala de senhora castanha da marca HARRODS, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Mala de tira colo amarela da marca cavalinho, avaliada no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Mala de senhora de cor preta da marca MSK, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Mala de cor amarela da marca coveri collection, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Mala de cor castanha sem marca, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Mala de cor preta, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Água de colonia da marca TABAC, usada, sem valor atribuído;
- 1 (uma) After shave da marca Old Spice, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) Perfume da marca Invictus, usado, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Água de Toilet marca Chanel Eguist, usado, sem valor atribuído;
- 1 (uma) Perfume Armani Code, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) Perfume intenso Dolce Gabana, usado, sem valor atribuído;
- 1 (um) Perfume CK Obsession, sem valor atribuído;
154. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., na Quinta ..., o arguido DD tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo arguido GG e por este previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 2.540,00:
- 1 (um) Telemóvel, Samsung, J6 PLUS, de cor preta, com os IMEI ...30 e ...38, avaliado no valor de € 140,00, proveniente de França;
- 1 (um) Computador portátil, Microsoft, Surface book2, com o número de série ...54, avaliado no valor de € 2.000,00, proveniente do Reino unido, onde foi vendido pela empresa Ingram Micro;
- 1 (um) Auricular/Microfone, Logitech, J231, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Auricular/Microfone, Apple, Airpods, avaliado no valor de € 150,00;
Sala de estar:
- 1 (uma) Consola, Sony, Ps4, com dois comandos, avaliada no valor de € 150,00;
Quarto do XXXX:
- 1 (um) Casaco, da marca Tommy Hilfiger, avaliado no valor de € 25,00;
- 1 (um) Casaco, da marca Adidas, avaliado no valor de € 25,00;
155. No dia .../.../2020, no interior da sua residência, sita na Avenida ..., ..., em ..., a arguida CC tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos pelo seu namorado, o arguido GG e por este previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 2.230,00:
- 1 (uma) Mala de viagem, da marca Parfois, com padrões de fotografias de janelas, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, da marca Benzi, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, da marca Travels Club, avaliada no valor de € 70,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, da marca Samsonite, avaliada no valor de € 130,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, da marca L.Lambertazzi, avaliada no valor de € 90,00;
- 1 (um) Auscultadores Música, da marca Marshall, avaliada no valor de € 95,00;
- 1 (uma) Mala, da marca Burberry, avaliada no valor de € 200,00;
- 1 (um) Telemóvel, Samsung, Galaxy S9, com o IMEI ...71, avaliado no valor de € 400,00, proveniente do Canadá;
- 1 (um) Relógio, da marca Fossil, n.º série: ...60, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio, da marca Guess, n.º série: ..., avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, da marca Prada, n.º série: ...9, e respectiva bolsa avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Dolce Gabana, n.º série: ...0, avaliada no valor de € 200,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Burberry, n.º série: ...1, avaliada no valor de € 115,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Vera Wang, n.º série: ...40, avaliada no valor de € 200,00;
- 1 (um) Par de óculos de sol, Ray Ban, 58/14, avaliada no valor de € 95,00;
- 1 (um) E Book, Kobo, Aura H2O N-867, com respectiva capa cor-de-rosa, de marca Gecko, avaliada no valor de € 230,00;
- 1 (um) Tablet, BQ, Aquaris M-10, com o número de série ...43, Ccom respectiva capa de marca BQ, avaliado no valor de € 105,00;
156. No dia .../.../2020, tendo tido conhecimento da realização de buscas no âmbito do presente inquérito, UUUU deslocou-se à Esquadra ... e ali entregou os seguintes objectos, avaliados no valor global de € 215,00, que lhe haviam sido oferecidos pelo arguido GG, irmão da mãe do filho de WWW, e por este previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...:
- 1 (uma) Mochila, avaliada no valor de €5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Ellesse, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) Casaco, Nike, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (um) Calças, Nike, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, London Olimpics, sem valor atribuído;
- 1 (um) Calças, Dsquared2, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Par de calças, Cuff Cargo, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Casaco, Storm Tech, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (uma) T-shirt, View Team, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Nike, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Perfume, Lacoste, avaliado no valor de € 5,00;
- 1 (um) Relógio, Casio, G Shock, avaliada no valor de € 15,00;
- 1 (um) Casaco, Ralph Lauren, avaliada no valor de € 10,00;
- 1 (uma) Sweat-shirt, Zara, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Calções, Moncler, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Calções, Saint Barth, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Sol, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Gucci, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Lacoste, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Adidas, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Pólo, Tommy Hilfiger, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Real Madrid, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Adidas, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Lacoste, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Afk, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Zara, sem valor atribuído;
- 1 (uma) T-shirt, Adidas, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Gucci, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Calções, Polo sport, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Casaco, Element, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Casaco, Lacoste, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Casaco, Carhartt, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Tommy, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Nike, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Outro, Nabajji, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Lacoste, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Senegal, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Burnquist, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (uma) T-shirt, Puma, avaliada no valor de € 5,00.
157. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido SS foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador técnico, integrado na equipa 3 do sector de controlo de bagagem;
158. No dia 26 de Agosto de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 06 horas e 59 minutos, o arguido SS levou consigo, além da mochila que trazia quando entrou ao serviço, um trólei de cor preta, da marca Primark Travel – Divinity Collection, que previamente retirou do armazém dos “perdidos e achados”, avaliado no valor de € 15,00;
159. No dia 30 de Janeiro de 2020, à saída do seu turno de serviço, por volta das 22 horas e 58 minutos, o arguido SS levou consigo, além da mochila que trazia quando entrou ao serviço, uma mala de viagem de cor azul turquesa, da marca America Tourister, que previamente retirou do armazém dos “perdidos e achados”, avaliada no valor de € 100,00;
160. No dia 02 de Março de 2020, o arguido SS pediu ao arguido GG para lhe arranjar um cartão micro SD, ao que este acedeu, tendo-lhe dado o cartão Sandisk, SmartBuy MicroSD, 16Gb, avaliado no valor de € 15,00, que previamente retirara do armazém, contendo fotos e documentos de YYYY, que esteve em viagem, em ..., no período compreendido entre 8 e 13 de Setembro de 2019;
161. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., o arguido SS tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 495,00:
- 1 (uma) Garrafa de Rum de marca Ron Antiguo Bodega 1800 com respectiva caixa de cor azul, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Garrafa de Cachaça de marca Mata Velha Prata, com respectiva caixa de cor verde e cinza, avaliado no valor de € 30,00;
Na sala de estar em cima de um guarda-vestidos:
- 1 (um) Trolley de marca PRIMARK TRAVEL, modelo Divinity Collection de cor preto, avaliado no valor de € 15,00;
No chão da sala de estar junto ao guarda-vestidos:
- 1 (um) Trolley de marca PACCO MARTINEZ de cor lilás, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Trolley de marca AMERICAN TOURISTER de cor azul turquesa, avaliado no valor de € 100,00;
No interior de um móvel castanho situado na sala:
- 1 (um) disco externo de marca SEAGATE de cor preto, com número de série ...3..., avaliado no valor de € 40,00, contendo um CV de ZZZZ, natural do ... e residente em ...;
- 1 (um) Telemóvel de marca XIAOMI, REDMI 5, de cor dourado e branco, de IMEI desconhecido, avaliado no valor de € 80,00;
Na prateleira de um móvel castanho situado na sala:
- 1 (uma) carteira em pele castanha de marca BAGAGIO, avaliada no valor de € 5,00, contendo no seu interior os seguintes artigos:
- 1 (um) cartão de aluno em nome de AAAAA;
- 1 (uma) carta de condução Brasileira com o nº ...50 em nome AAAAA;
- 1 (um) cartão de crédito do banco ITAÙ em nome de AAAAA, com o nº ...12;
No interior de uma móvel castanho claro situado na sala:
- 1 (um) Tablet de marca HUAWEY, modelo AGS2-L03 de cor preto, IMEI ...72, avaliado no valor de € 100,00, proveniente do Canadá, com um cartão SIM de uma operadora grega inserido;
No interior da dispensa situada no escritório:
- 1 (um) Trolley de marca Dunlop de cor preto, avaliado no valor de € 20,00;
162. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido HH foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, integrado na equipa 3 do sector de controlo de bagagens;
163. No dia 3 de Setembro de 2019, pelas 22 horas e 42 minutos, no parque de estacionamento P6 do Aeroporto ..., o arguido HH, em conversa com os seus colegas, os arguidos GG e SS, referindo-se à distribuição dos bens do armazém, disse: “Trabalhamos todos para o mesmo, tudo chega a todos, olha a situação da mala branca”;
164. No dia 01 de Outubro de 2019, por volta das 21 horas e 13 minutos, quando se encontrava de serviço, o arguido HH dirigiu-se ao armazém a fim de se apropriar de bens que ali estivessem e lhe interessassem.
165. Nessa ocasião, tendo-se deparado com um sapato, da marca Aldo, que não lhe servia, o arguido HH contactou o seu colega, o arguido II dando-lhe conta do achado e, perante o interesse deste, disse-lhe que ia procurar o par;
166. No dia 02 de Outubro de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 22 horas e 31 minutos, o arguido HH levava consigo uma mochila bastante volumosa que não trazia quando entrou ao serviço;
167. No dia 5 de Outubro de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 15 horas e 15 minutos, o arguido HH levava consigo um trólei que que não trazia quando entrou ao serviço, tendo informado a mãe que iria levá-lo a casa dela e aproveitaria para trazer a mochila;
168. No dia 06 de Outubro de 2019, por volta das 07 horas e 34 minutos, os arguidos HH e GG dirigiram-se à placa do aeroporto e, junto do tapete 13, pegaram em quatro tróleis que, de seguida, colocaram no “chutex”, de onde viriam a ser recuperados pelo arguido JJ;
169. Pouco depois, pelas 08 horas e 20 minutos, os arguidos HH, GG e JJ encontraram-se na zona de Lost and Found, dali levando consigo os referidos tróleis;
170. Nessa sequência, o arguido GG elaborou um auto de apreensão, atribuindo-lhe o número 420, mencionado genericamente a apreensão de 44.000 cigarros de marca Pall Mall, registadas em nome de BBBBB, proveniente de Luanda no voo ... da TAAG;
171. BBBBB viajou no referido voo e, à chegada ao aeroporto, contactou telefonicamente com um grupo de quatro indivíduos que aguardavam à sua chegada e que, logo após o seu contacto, entraram no aeroporto e dirigiram-se ao tapete 13, a fim de proceder à recolha das 4 malas transportadas por BBBBB;
172. Depois de esperarem algum tempo, abandonaram o local, sem malas e sem apresentar qualquer reclamação;
173. BBBBB regressou a Luanda no próprio dia;
174. Por seu turno, o arguido HH elaborou um auto de apreensão, mencionado a apreensão de duas malas, contendo 28.000 cigarros de marca Pall Mall, registadas em nome de CCCCC, proveniente de Luanda no voo ... da TAAG;
175. A esse auto de apreensão, o arguido HH atribuiu o número 411, número esse que já fora atribuído previamente a outro auto de apreensão, pelo seu colega DDDDD, no dia 4 de Outubro de 2019;
176. CCCCC não viajou no referido voo;
177. No dia 21 de Outubro de 2019, depois do arguido HH ter levado para casa de sua mãe, a arguida FF diversos bens retirados do armazém, esta disse-lhe para ir buscar os sacos porque ia voltar a precisar deles para encher;
178. No dia 20 de Novembro de 2019, por volta das 09 horas e 20 minutos, o arguido HH dirigiu-se ao armazém, onde já se encontrava o arguido GG e, poucos minutos depois, saíram ambos do seu interior, levando com eles um trólei de cor cinzenta, em direcção ao canal da AT;
179. No dia 19 de Dezembro de 2019, por volta das 11 horas e 49 minutos, o arguido HH dirigiu-se à placa do aeroporto, a fim de verificar as bagagens do voo nº ... – .../..., no tapete 5;
180. Aí, pegou numa mochila de cor azul e, depois de ter verificado o seu conteúdo com a ajuda de um objecto não concretamente apurado, o arguido HH telefonou ao arguido GG;
181. Então, o arguido HH colocou a referida mochila no tapete 5, de onde veio a ser recolhida alguns minutos depois pelo arguido GG que, em seguida, a levou para o canal da AT;
182. Nos dias 31 de Janeiro de 2020 e 1 de Fevereiro de 2020, o arguido HH foi informado pelo colega o arguido JJ da chegada de passageiros que transportavam tabaco mas não foi registada qualquer apreensão;
183. No dia 14 de Fevereiro de 2020, o arguido HH conversou com o arguido GG, a respeito de uma eventual troca entre ambos de cremes e perfumes que haviam retirado previamente do armazém dos pedidos e achados, de modo a obterem prendas de S. Valentim para as respectivas namoradas;
184. No dia 29 de Março de 2020, pelas 22 horas e 14 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido HH levava um saco azul, do “IKEA”;
185. No dia 30 de Março de 2020, pelas 21 horas e 06 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido HH levava um saco azul, do IKEA;
186. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., o arguido HH tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 550,00:
- 1 (um) telemóvel de marca e modelo Samsung S8, de cor preta, com o IMEI ...19, avaliado no valor de € 350,00, proveniente do Canadá;
- 1 (um) telemóvel de marca e modelo Samsung M20, de cor azul, com os IMEI ...47 e ...45, avaliado no valor de € 200,00, proveniente dos Emirados Árabes Unidos;
187. No mesmo dia, no interior das instalações da Autoridade Tributária, no interior do seu cacifo, o arguido HH tinha guardados dois Sacos do Ikea azuis, avaliados no valor de € 1,00;
188. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Avenida ..., ..., ..., em ..., a arguida FF tinha guardados os seguintes objectos que lhe haviam sido oferecidos [pel]o arguido HH[,] avaliados no valor global de € 525,00:
- 1 (uma) Garrafa de whisky, The Famous Grouse, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Ypioca, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Prince de Polignac, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Garrafa de creme de Whisky, Carolans, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Mim Cashew Brandy, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Crowm Royal, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Disaronno, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Ron Barceló, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (uma) Garrafa de Vodka, Absolut Pears, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Aguadiente Nectar, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Garrafa de Gim, Tanqueray Gin, avaliada no valor de € 45,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Cointreau, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Captain Morgan, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Manta Velha, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Baobab, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Garrafa de bebida espirituosa, Grogue, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Mala de viagem, Aventura, avaliada no valor de € 50,00;
- 1 (uma) Mochila, da marca Adidas, modelo F50, avaliada no valor de € 30,00.
189. A arguida FF foi funcionária da alfandegária.
190. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido II foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro especialista, integrado na equipa 3 do sector de controlo de bagagens;
191. No dia 2 de Outubro de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 22 horas e 32 minutos, o arguido II levava consigo uma pasta preta e um trólei de cor cinzenta que não tinha consigo quando entrara ao serviço nessa tarde;
192. No dia 11 de Dezembro de 2019, por volta das 06 horas e 14 minutos, os arguidos II, HH e GG dirigiram-se à placa do aeroporto e, pelas 06:35, recolheram duas malas do carrinho que transportava a bagagem do voo ..., colocando-as, em seguida, no Carrocel Chutex (tapete destinado ao transporte de bagagem perdida), de onde viriam a ser recolhidas pelo arguido JJ e EEEEE que as levaram para o canal da AT;
193. No dia 15 de Dezembro de 2019, o arguido II elaborou um auto de apreensão com o n.º 585/2017, descrevendo a apreensão de 25.600 cigarros da marca Pall Mall, transportados pela passageira FFFFF, procedente de Luanda do voo ..., no dia 11 de Novembro de 2019;
194. Entre os dias 02 e 04 de Janeiro de 2020, o arguido II retirou do armazém duas malas de viagem que levou para casa, fazendo-as suas;
195. No dia .../.../2020, o arguido II tinha guardados no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., avaliados no valor global de € 682,00:
No quarto:
- 1 (um) Relógio sem marca com bracelete preta, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio, FLUORA LISA, Relógio com bracelete preta, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio, PARFOIS, Relógio com bracelete metalizada, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio, CERTUS, Relógio com bracelete preta, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) Relógio, GENEUA, Relógio com bracelete preta, avaliado no valor de € 20,00;
- 1 (um) Relógio, MICHEALL KORS, Relógio com bracelete plástica, avaliado no valor de € 15,00;
- 1 (um) par de sapatos da marca ALDO, avaliado no valor de € 35,00;
- 1 (um) Telemóvel, SAMSUNG, GALAXY S9, com o IMEI ...33, avaliado no valor de € 300,00, proveniente da Rússia;
No escritório quarto:
- 1 (um) TROLLEY, CHARPER IMAGE, de cor azul e preto, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (um) TROLLEY, GOLD EMINENT, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) TROLLEY, SWISS GEAR, avaliado no valor de € 60,00;
Na Sala:
- 1 (um) Garrafa de whisky da marca CLAN CAMPBELL, avaliada no valor de € 35,00;
- 1 (um) Garrafa de whisky da marca CROWN ROYAL, avaliada no valor de € 40,00;
- 1 (um) Garrafa de whisky da marca BLACK & WHITE, avaliada no valor de € 22,00;
Na cozinha:
- 6 (Seis) latas de atum de marca LADÓRIO, de 300 gramas;
- 1 (um) Garrafa de whisky da marca FAMOUS GROUSE, avaliada no valor de € 20,00;
- 2 (dois) copos de champanhe da marca CHANDON;
196. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida TT foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria de verificador auxiliar aduaneira, integrada na equipa 4 do sector de controlo de bagagens;
197. No dia 16 de Agosto de 2019, por volta das 22 horas e 15 minutos, as arguidas LL e TT dividiram entre si o conteúdo de um trólei que fora entregue a esta última, por EEEE, funcionário das lojas francas, que o encontrara abandonado e que, no seu interior continha, além do mais, queijos e chocolates;
198. No dia 20 de Agosto de 2019, as arguidas LL e TT permitiram a CCC, funcionária da “EMP01...”, que se deslocasse ao armazém e dali retirasse e levasse consigo diversos carrinhos e outros acessórios de bebé, designadamente:
- 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Cosco, cor preta e amarela, com o número de séria ...;
- 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico, modelo Lite Way;
- 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico;
199. No mesmo dia, as arguidas LL e TT acordaram em retirar diversos bens do armazém para si, incluindo uma mochila, entre sábado e domingo seguintes, dias em que o armazém estaria sem vigilância;
200. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Avenida ..., ...., em ..., a arguida TT tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 900,00:
No quarto:
- 1 (um) troley da marca «G & P» de cor rosa, avaliado no valor de € 40,00;
- 1 (uma) bolsa de cor preta da marca «400Fan», avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) par de óculos de sol de marca «Gucci» com a respectiva caixa de cor verde, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (um) par de óculos de sol de marca «Metrocity) com a respectiva caixa de cor preta, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) par de óculos graduados da marca «Silver-Blk» com uma caixa de cor preta, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (um) estojo com uma caneta e duas recargas, ambos da marca «Cristian Dior», avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (um) relógio da marca «Fossil» de cor prateado e dourado com cristais incrustados no visor, avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) creme de marca «Huilariome Savon Novir», avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) creme de marca « Aloe verde», avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) óleo corporal de morca «Monoi De tahiti», avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) spray água termal de marca «La Poche-Posay», avaliado no valor de € 10,00;
- 1 (um) champô de marca «Bonissimo Bath», avaliado no valor de € 10,00;
No quarto do companheiro:
- 10 (dez) guarda-chuvas de cores diversas sem marca, avaliados no valor de € 30,00;
Na sala:
- 1 (um) frasco de doce da marca «Baobad syrup», avaliado no valor de € 8,00;
- 1 (um) frasco de doce da marca «Frutos da Amazonia, avaliado no valor de € 8,00;
- 1 (um) frasco de doce da marca «Aicha», avaliado no valor de € 8,00;
- 1 (um) frasco de doce da marca «Chunky Banana Jam», avaliado no valor de € 8,00;
No hall de entrada:
- 1 (um) troley de marca «IT» de cor azul, avaliado no valor de € 100,00;
Na mala pessoal da visada:
- 1 (um) telemóvel de marca «BQ», modelo «Aquaris Xpro» de cor branco, com os IMEI ...78 e ...77, avaliado no valor de € 80,00;
201. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido JJ foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de técnico verificador, integrado na equipa 3 do sector de controlo de bagagens;
202. No dia 14 de Maio de 2020, o arguido JJ contactou a sua colega, a arguida UU, que estava de serviço, dizendo-lhe que precisava de um carregador Acer, de uma bateria Asus e de um telemóvel Huawei ou Samsung com 16 Gb, tendo esta ficado de averiguar se existiam bens no armazém com estas características;
203. No dia 18 de Maio de 2020, na sequência de tal pedido, a arguida UU retirou do armazém e guardou no seu cacifo, para entregar ao arguido JJ, um computador de marca Asus, C223N, com o número de série ...53, avaliado no valor de € 100,00, uma vez que não encontrara ali nenhum dos objectos por ele pretendidos em bom de estado;
204. No dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., o arguido JJ tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 3.150,00:
Na sala de jantar:
- 1 (uma) Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respectivo carregador, avaliada no valor de € 500,00;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung, de cor preto, modelo ...15..., com os IMEI ...59 e ...57, avaliado no valor de € 100,00, proveniente de França;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung J7 Duos, dourado, modelo SM-J730F/DS, com os IMEI ...12 e ...19, avaliado no valor de € 120,00, proveniente de Espanha, com uma etiqueta manuscrita com a data 11.02.2020 e informação para limpar software;
- 1 (uma) mochila de nylon, de cor preta com riscas verdes e vermelhas, de marca PL POWER, avaliada no valor de € 50,00;
No quarto de casal:
- 1 (um) Notebook de marca ASUS, de cor cinza, modelo C223N, com o número de série ...53, avaliado no valor de € 100,00;
- 3 (três) Relógios de marca Breitling, de cor preta, com bracelete preta e mostrador cinzento, réplicas, sem valor atribuído;
- 1 (um) Relógio de marca Sempre, com bracelete castanha, sem N/S, sem valor atribuído;
No escritório:
- 1 (uma) Mala de computador, de marca ASUS, em nylon, de cor preto, avaliada no valor de € 25,00;
- 1 (um) Computador portátil de marca ASUS, de cor preta, modelo X556U, com o N/S: ...5A, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) IPad, marca Apple, de cor cinza, modelo A11599, com o número de série ..., com uma capa de protecção de cor verde, sem marca, avaliado no valor de € 120,00, proveniente dos Estados Unidos da América, associado ao e-mail ..........@....., numero de telemóvel ...41 e a uma morada naquele país;
- 1 (um) IPad, marca Apple, de cor preto, modelo A1432, com o número de série ...93, com uma capa de protecção de cor cinza, sem marca, avaliado no valor de € 120,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a GGGGG, filho menor de HHHHH, que o perdeu, no dia 24 de Julho de 2016, na zona do Raio-X do Aeroporto ..., quando se preparava para viajar para ... no voo da TAP ...;
- 1 (um) IPad, marca Apple, de cor preto, modelo A1432, com o número de série ...94, com uma capa de protecção de cor azul, de marca APPLE, avaliado no valor de € 120,00, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a IIIII, que o perdeu na zona do Raio-X do Aeroporto ..., no dia 7 de Maio de 2013, quando ali estava em trânsito, vinda de ... no voo da TAP ..., com destino a ...;
- 1 (um) IPad, marca Apple, de cor cinza, modelo A1430, com o IMEI ...68, com uma capa de protecção de cor preta, sem marca, avaliado no valor de € 140,00, associado ao e-mail ..........@....., numero de telemóvel ...63 e uma morada no Brasil;
- 1 (um) Tablet de marca Samsung, de cor preto, modelo SM-T535, com o IMEI ...89, com capa de protecção de cor roxa, de marca ..., proveniente da Alemanha;
- 1 (um) IPad, marca Apple, de cor cinza, modelo A1337, com o IMEI ...21, com uma capa de protecção de cor preta, de marca Port Designs, avaliado no valor de € 120,00, associado a um cartão SIM da operadora Orange Mali SA;
- 1 (um) IPhone, marca Apple, de cor cinza, modelo A1161, com o IMEI ...50, com cartão SIM da operadora norte-amerciana Verizon , sem capa, avaliado no valor de € 120,00, proveniente dos Estados Unidos da América, associado ao e-mail ..........@....., numero de telemóvel ...93 e a uma morada nos Estados Unidos da América;
- 1 (uma) réplica de um IPhone XS Max, de cor preto, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung, modelo J7 (2016), com o IMEI ...18, avaliado no valor de € 130,00, proveniente de França;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung, modelo Grand NEO Duos, de cor preto, com o IMEI ...53, com capa de protecção preta e azul com a etiqueta numerada, avaliado em € 80,00, proveniente de Itália;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy Grand Prime, ...2, com o IMEI: ...77, avaliado no valor de € 80,00, proveniente dos Estados Unidos da América;
- 1 (um) Telemóvel de marca Samsung, modelo SM-6386T, com o IMEI ...37, com capa preta, de marca Body GloK, avaliado no valor de € 80,00, proveniente dos Estados Unidos da América e associado à operadora daquele país T-Mobile;
- 1 (um) IPod, marca Apple, de cor preto, modelo A1199, com o S/N: ...25..., avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94, com etiqueta numerada, avaliado no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Bolsa em tecido de cor preta, contendo um Aparelho Wireless 4G, de cor branca e dourado, proveniente da China, com IMEI: ...98, com cabo USB de cor rosa, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (um) Carregador de computador portátil, de cor preta, de marca ASUS, com adaptador universal, de cor laranja, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Relógio de marca Dolce & Gabbana, de cor preta, supostamente réplica, avaliada no valor de € 5,00;
- 1 (um) Carregador de telemóvel, sem marca, avaliada no valor de € 5,00;
Na garagem:
- 1 (uma) Mala de marca DELSEY, de cor castanha, avaliada no valor de € 30,00;
- 2 (duas) Malas de marca AMERICAN TOURISTER, de cor preta, avaliada no valor de € 80,00;
- 1 (uma) Mala de marca NATIONAL TRAVELER, de cor verde e pormenores em vermelho, avaliada no valor de € 60,00;
- 1 (uma) Mala de marca LEADER, de cor preta, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Mala de marca CARLTON, de cor azul turquesa, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) Mala sem marca, cor-de-rosa, avaliada no valor de € 20,00;
- 1 (uma) Mala de marca CARLTON, de cor preta, avaliada no valor de € 30,00.
205. No mesmo dia, o arguido JJ tinha consigo um telemóvel de marca e modelo “Apple Iphone 7, com o IMEI ...55, associado ao e-mail ..........@....., numero de telemóvel ...93 e uma morada na Alemanha;
206. Entre a data desta apreensão e o dia 09 de ../../2020, através da funcionalidade de acesso remoto ao dispositivo disponibilizada pela Apple para situações de extravio/roubo de equipamentos, o arguido JJ ordenou que todos os dados do telemóvel de marca e modelo Apple Iphone 7, com o IMEI ...55, fossem apagados;
207. Essa ordem foi executada dia 09 de ../../2020, por volta das 19 horas e 40 minutos, poucos minutos depois de o Agente da Polícia de Segurança Pública ter iniciado o exame ao conteúdo do telemóvel e efectuado a ligação do dispositivo à Internet;
208. O arguido sabia que o seu telemóvel se encontrava apreendido pelas autoridades no regular exercício das suas funções de investigação criminal e que os dados nele contidos estavam, do mesmo modo, apreendidos e submetidos ao poder público;
209. Apesar disso, com o objectivo de evitar que os mesmos fossem analisados e utilizados como prova nestes autos, o arguido quis e conseguiu destruí-los, bem sabendo que tal comportamento era proibido e punido por lei.
210. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida UU foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ..., com a categoria profissional de secretária aduaneira especialista, tendo como função, fazer a gestão e controlo dos “perdidos e achados”, na dependência directa da arguida QQ, coordenadora do Sector de Controlo de Bagagem de Mão do Aeroporto ...;
211. No dia 18 de Agosto de 2019, depois da arguida QQ ter retirado do armazém e levado consigo um carrinho de bebé, a arguida UU deu baixa do referido carrinho no livro de registo de achados, a fim de esconder o seu verdadeiro destino;
212. No dia 18 de Maio de 2020, na sequência de pedido efectuado pelo arguido JJ, a arguida UU retirou do armazém e guardou no seu cacifo, para lhe entregar um computador de marca Asus;
213. No dia 29 de ../../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., a arguida UU tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 50,00:
Na Sala:
- 1 (um) Portátil da Marca Toshiba, modelo satélite NB10T-A-103, ..., com o respectivo carregador, avaliado no valor de € 50,00;
214. Entre ../../2018 e ../../2020, a arguida VV foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ... com a categoria profissional de verificadora auxiliar aduaneira, integrada na equipa 3 do sector de controlo de bagagens;
215. No dia 22 de Novembro de 2019, pelas 05 horas e 56 minutos, no final do seu turno de serviço, a arguida VV levou consigo um casaco, retirado do armazém dos perdidos e achados, que lhe foi guardado pela arguida RR;
216. Nos dias 15 de Janeiro de 2020, 02 de Fevereiro de 2020, 08 de Março de 2020 e 24 de Março de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida VV levava consigo sacos volumosos que não trazia à sua chegada ao serviço e que continham no seu interior objectos retirados do armazém dos perdidos e achados;
217. No dia 29 de ../../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ...., em ..., a arguida VV tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 230,00:
No quarto:
- 1 (um) casaco de cor roxa, da marca IZGANA (origem Turca), (entregue de forma voluntária), avaliado no valor de € 80,00;
Na arrecadação:
- 1 (uma) mala de viagem de cor preta da marca CAVALET - Scandinavian Quality Luggage (origem sueca), avaliada no valor de € 150,00;
218. Entre ../../2018 e ../../2020, o arguido WW foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ... com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro especialista, integrado na equipa 3 do sector do controlo de bagagens;
219. Nos dias 12, 13, 14 e 21 de ../../2020, à saída do seu turno de serviço, o arguido WW levava a mochila que trazia quando entrara ao serviço visivelmente mais volumosa, contendo no seu interior objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
220. No dia 29 de ../../2020, no interior da sua residência sita na Terreiro ..., ..., em ..., o arguido WW tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 225,00:
No quarto do filho:
- 1 (um) telemóvel de marca Huawei, IMEI n.º ...25, avaliado no valor de € 100,00;
Na arrecadação:
- 1 (uma) mala de viagem (tipo trolley) de cor azul, de marca AM BAISHENG, avaliada no valor de € 30,00;
- 1 (uma) mala de viagem (tipo trolley) de cor preta, de marca EAGLE, avaliada no valor de € 60,00;
221. No mesmo dia, no interior do seu cacifo nas instalações da Autoridade Tributária sitas no Aeroporto ..., o arguido WW tinha guardados os seguintes objectos:
222. No cacifo pessoal: - 1 (uma) Lata de Atum Melva, de cor vermelha, com a inscrição " Sociedade Ultramarina de Conservas, LDA.", avaliada no valor de € 5,00;

223. Do modo descrito, os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, UU, VV e WW agiram com o propósito concretizado de se apropriarem de objectos depositados no armazém dos perdidos e achados, que lhes estavam acessíveis e foram entregues em razão das suas funções.
224. Os arguidos KK, LL, NN, OO, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, VV e WW quiseram e conseguiram obter para si um benefício económico, de valor superior a € 102,00, os arguidos PP e UU inferior a tal valor, a que sabiam não ter direito, tendo logrado causar, através da sua conduta, um empobrecimento injustificado ao Estado.
225. Os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, UU, VV e WW sabiam que os objectos subtraídos dos “perdidos e achados” não lhes pertenciam, nem lhes eram devidos a qualquer título, mas que pertenciam ao Estado ou estavam sobre o seu poder e guarda, e que, como tal, não os podiam fazer seus, pois que outro destino lhes estava legalmente fixado;
226. Os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, UU, VV e WW actuaram de modo repetido e continuado no tempo, aproveitando-se das funções que exerciam e da ausência de um controlo eficaz das suas actuações por parte dos seus superiores;
227. O arguido MM sabia que os bens que recebeu lhe[s] foram oferecidos por funcionário da Alfândega do Aeroporto ..., tendo sido por este obtidos por via do exercício dessas funções, sem que, todavia, tivesse sobre os mesmos quaisquer direitos e sem que os mesmos lhe[s] fossem devidos a qualquer título o que era susceptível de causar prejuízo ao Estado;
228. Ainda assim, aproveitando a relação próxima que o unia e a disponibilidade da arguida LL, o arguido MM aceitou receber esses bens, ciente da sua proveniência ilícita, com o propósito concretizado de assim obter uma vantagem patrimonial;
229. Todos os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
230. Mais se provou que:
231. Os arguidos KK, LL, NN, OO, PP, QQ, RR, GG, SS, HH, II, TT, JJ, UU, VV e WW beneficiam de uma adequada imagem social e laboral, sendo reputados como trabalhadores, sérios e dedicados.
232. Do certificado de registo criminal do arguido KK nada consta;
233. O arguido KK confessou os factos acima descritos e pelos quais se encontra pronunciado, embora de forma parcial, com reservas, assumindo um discurso autocentrado, desculpabilizante e de autovitimização, revelando falta de sentido autocrítico, denotativo de ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, embora verbalizando arrependimento;
234. Do relatório social do arguido KK, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- “o percurso de desenvolvimento psicossocial do arguido KK decorreu no país de origem (...) até aos dezanove anos de idade. Nessa altura, o agregado regressou para Portugal e veio a fixar a residência em .... Há sensivelmente dez anos, o arguido estabeleceu a morada em ..., num meio habitacional com o qual, contudo, não se identifica devido à insegurança patente. Antepenúltimo de oito descendentes, o arguido foi criado com condições económicas modestas, porém, sem privações significativas na supressão das necessidades mais imediatas. A subsistência foi providenciada, particularmente, com os rendimentos que o pai auferia do exercício de funções públicas (inspector marítimo). A mãe assumia as fumções domésticas e o acompanhamento dos filhos. O arguido cresceu numa dinâmica familiar assente na união e no espírito de entreajuda entre todos os elementos, valorizando as mensagens pró-soctais veiculadas pelos pais, entretanto falecidos. No país de origem, o arguido terminou um curso industrial de electricidade, que o habilitou com o décimo primeiro ano de escolaridade. Após, já em Portugal, o arguido concluiu o ensino secundário, através de um processo de reconhecimento, validação e certficação de competências. O arguido trabalhou como electricista na terra natal, durante sensivelmente dois anos. Foi neste ramo que, pelos vinte anos de idade, encetou o trajecto profissional em Portugal. Volvidos oito anos desta actividade, exercida num navio, o arguido ingressou na função pública, como auxiliar da ação educativa. Na demanda de melhorias remuneratórias, prosseguiu concorrendo a outros serviços públicos, tendo sido neste contexto que passou a exercer funções na Autoridade Tributária e

Aduaneira.
- no período que reporta o processo judicial em apeço, o arguido desempenhava a função de verificador auxiliar aduaneiro, no Aeroporto .... Auferia a remuneração base de € 1.240,25 (mil duzentos e quarenta euros e vinte e cinco cêntimos), com variações cumulativas consoante os turnos de trabalho. Pn•a além da ligação laboral com co-arguidos que integravam a sua equipa na alfândega, o arguido tem um vínculo consanguíneo com outros dois coarguidos. A situação profissional do arguido apresenta alterações, foi afastado das funções que exercia no Aeroporto ... e, há dois anos, passou a exercer a actividade inspetiva num outro departmento da Autoridade Tributária (Avenida ...). O presente pocesso judicial não teve impacto negativo na imagem que os actuais colegas e chafias têm do arguido, quer pelas características pessoais, quer pela qualidade do trabalho;
- o arguido apresenta um enquadramento económico estável, não se apurando a existência de créditos ou dívidas. O arguido continua a beneficiar do mesmo ordenado. Os seus encargos regulares contemplam a prestação do imóvel (€ 267,29), o condomínio (€ 35,00), consumíveis domésticos, seguros anuais e dispêndios para hobbies (na ordem dos € 100,00);
- na esfera da saúde assinala-se que o arguido sofreu um episódio transitório de hemianopsia (perda parcial ou completa no campo visual), no pretérito dia 11.01.2023. Actualmente está em fase de realização de exames para avaliação complementar e diagnóstico de eventual concorrêcia de acidente vascular cerebral. O arguido efectua terapêutica medicamentosa para hipertensão arterial. Também é acompanhado na consulta de urologia. A apreensão com o quadro clínico tem impulsionado o arguido a ponderar o pedido de reforma, antes de perfazer os setenta anos de idade. Em termos ocupacionais, privilegia a dedicação aos hobbies (colecção de objetos e elaboração de peças artesanais – terços árabes e islâmicos). Para além do contacto e bom relacionamento com todos os irmãos, o arguido não tem uma rede amical de referência. O arguido passou a apresentar sinais depessivos, nomeadamente tendência para o isolamento e evitamento de interacções sociofamlliares. Em termos de características individuais, o arguido revelou aptidão para reflectir criticamente sobre circunstâncias hipotéticas que colidam com os normativos sociojuridícos vigentes;
- o arguido assinala repercussões no domínio profissional, mormente o afastamento do contexto operacional que apreciava. No campo familiar menciona sentimentos de vergonha perante todos os irmãos. No plano da saúde refere dificuldades acentuadas no ciclo vigilia-sono e o evento clínico aludldo anteriormente, condições que associa aos estados de ansiedade; tensão e preocupação que vivencia com a situçao juridico-pnal. Em abstracto, denota consciencialização sobre o valor do bem jurídico e da necessidade de reparação. Face ao processo judicial, pese embora não se desresponsabilize das circunstâncias que deram origem ao presente processo, o arguido adopta uma postura de desculpabilização que remete pra dficuldade em conceptualizar a existência efectiva de lesados;
- ao longo do processo de desenvolvimento psicossocial, o argutdo conviveu com modelos de educação pró-sociais transmitidos no seio fmlliar, que se afiguraram estruturantes na sua trajectória de vida. O arguido efectuou um percurso linear focado no domínio académico e profissional, não se apurando um modus vivendt pró-criminal, vindo o arguido a obter estabilidade laboral, que, entretanto, ficou cunhada pela associação a actos ilícitos no contexto do exercício de funções;
- como factor de risco surge a dificuldade que o arguido patenteia na conceptualização da existência efectiva de lesados, ainda que denote reconhecer desvalor das condutas, das quais não se desresponsabiliza. O actual enquadramento vivencial do arguido surge harmonizado com a assunção de um estilo de vida em observância das nomas sociojurídicas vigentes. O arguido continua a desempenhar funções no mesmo organismo, beneficia de uma imagem favorável junto dos novos colegas e hierarquias, bem como de uma rede afectivo-familiar consistente";
235. Do certificado de registo criminal da arguida LL nada consta;
236. Do relatório social da arguida LL, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- "o processo de desenvolvimento e de socialização da arguida LL decorreu na terra natal (...) até aos dezoito/dezanove anos de idade, altura que emigrou pau Portugal e, inicialmente, viveu na zona do .... Mais tarde, a arguida migrou para a capital e, há sensivelmente quatro décadas, estabeleceu a morada na ..., num meio residencial pacato. Mais nova de três descendentes, a arguida foi criada num seio familiar que viveu sem privações de relevo. A subsistência foi assegurada com os proveitos laborais dos pais, o pai era mecânico de veículos automóveis e a mãe confeccionava refeições para exterior. A arguida cresceu num ambiente harmonioso e afectivo, cuja educação foi pautada pela transmissão de princípios socialmente valorizados. Aquando da vinda para Portugal, a família de origem permaneceu no país de origem. Não obstante a distância geográfica, a arguida manteve a ligação com os irmãos e os pais, os últimos já falecidos. No país de origem, a arguida estudou até ao oitavo ano de escolaridade. Mais tarde, concluiu o ensino secundário, em regime nocturno. Na fase estudantil, auferiu proveitos da ministração de explicações e, mais tarde, como empregada num supermercado. Após, começou a trabalhar no Hospital .... Foi neste contexto que a arguida ingressou na função pública, aquando do ingresso num procedimento concursal na categoria de administrativa. Mais tarde, motivada pelo acréscimo remuneratório, a arguida encetou o exercício de funções na Autoridade Tributária e Aduaneira;
- no domínio íntimo-afectivo, a arguida tem três filhos (os dois primogénitos, entretanto, autonomizados), fruto do matrimónio que contraiu há qtarenta e três anos;
- no hiato temporal do processo judicial em referência, a arguida exercia funções na carreira aduaneira, exercendo a função de verificadora auxiliar, no Aeroporto .... Auferia o ordenado líquido na ordem dos € 800,00 (oitocentos euros), com os devidos acréscimos associados aos turnos de trabalho. A sua relação com alguns dos coarguidos, mormente os que pertenciam à mesma equipa, era circunscrita ao ambiente laboral. O contexto laboral apresenta alterações. Desde que foi retirada das funções que executava no Aeroporto ..., há dois anos, a arguida passou a desempenhar a actividade na área dos créditos tributários – no presente em teletrabalho, sendo-lhe reconhecida postura profissional dedicada e íntegra;
- a arguida apresenta um enquadramento económico estável, não se apurando a existência de situações devedoras. A arguida continua a beneficiar [d]o mesmo vencimento. Os seus encargos são respeitantes às despesas domésticas e as demais associadas à manutenção da habitação própria, entretanto liquidada, bem como dispêndios com o neto – estudante. Ao orçamento acresce a reforma do cônjuge, no valor de € 1.040,00 (mil e quarenta euros);
- o agregado da arguida integra o cônjuge e o neto (quinze anos de idade), estando patente uma dinâmica de companheirismo entre o casal, mantendo o apoio incondicional à arguida, salientando-se a dimensão afectiva e cuidadora da arguida com os filhos e o neto. Em termos ocupacionais, a arguida privilegia a realização diária de caminhadas, acompanhada pelo cônjuge, ainda que, desde o espoletar do presente processo, tenha diminuído a motivação para tal. A arguida demonstrou valorizar a organização e boa imagem nos contextos de interacção profissional e pessoal, tendo revelado competências para reflectir critticamente sobre cenários hipotéticos que colidam com preceitos sociais e jurídicos;
- assinala-se repercussões na esfera profissional, em concreto o afastamento do contexto onde operava e o processo disciplinar que tem curso. A arguida manifesta sentimentos de vergonha ante o juízo velado de antigos colegas de trabalho, angústia por estar referenciada no sistema de justiça penal, bem como o impacto traumático das buscas no domicílio e posterior detenção. Em abstrato, denota valorização do bem juridico e da necessidade de reparação em situações congéneres;
- ao longo do processo de desenvolvimento psicossocial, a arguida conviveu com modelos de educação pró-sociais que se afiguraram estruturantes. A arguida efectuou um percurso linear focado no domínio académico e profissional, não se qurando um modus vivendi pró-criminal. O processo de socialização da arguida veio a ficar cunhado pela associação a actividades ilícitas no contexto do exercício das funções públicas que exercia aquando do espoletar do processo judicial em aprço;
- o actual enquadramento vivencial da arguida está em harmonia com a assunção de um estilo de vida em observância das normas sociojurídicas vigentes. A arguida continua a desempenhar funções no mesmo organismo e beneficia de um consiste[nte] suporte afectivo-familiar";
237. (…)
(…)
239. Do certificado de registo criminal do arguido NN nada consta.
240. Do relatório social do arguido NN além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- o arguido NN é natural de ..., tendo o seu crescimento se processado no seio de um agregado familiar de condição socioeconómica estável, constituído pelos pais e uma irmã mais nova oito anos. Aos pais foi atribuído um papel fundamental na transmissão de valores e regras socialmente adequadas. No plano relacional, foi descrita uma dinâmica familiar assente em laços afectivos coesos e de proximidade. O arguido tem um outro irmão mais novo, apenas do pai, que reside em ..., fruto de uma relação extraconjugal;
- relativamente ao seu percurso escolar, iniciou os estudos em idade regular, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade sem problemáticas. Ingressou na Universidade ..., na licenciatura em Direito, contudo, apenas concluiu o primeiro ano, tendo optado por começar a trabalhar, a fim de ter a sua independência financeira. No seu período da juventude, integrava um grupo de amigos com condutas normativas, sendo a prática desportiva regular. Praticou basquete federado durante doze anos. Foi também jogador federado de rugby oito anos, actividade onde chegou a ser treinador aproximadamente seis anos. Em 1999, começou a trabalhar nos serviços municipalizados de .... Inicialmente, desempenhou funções como operário semiqualificado, passando mais tarde para as funções de administrativo, na gestão do parque automóvel. Há cerca de vinte anos que obteve o vínculo à função pública. Posteriomente, sujeitou-se a concurso público para a Alfândega, onde veio a entrar em finais de 2006. Entre 2005 e 2006, na sequência de um outro concurso público, entrou para a Inspecção Geral das Actividades Culturais. No que se refere ao seu percurso na Alfândega, tem exercido as funções de verificador auxiliar aduaneiro, finções que no período entre 2006 e 2012 exerceu em .... Em 2012 mudou de local de trabalho para ... e em 2016 mudou-se para a sala de bagagem do Aeroporto ..., onde permaneceu até 2020;
- no plano afectivo, contraiu matrimónio em 2000, tendo deste relacionamento nascido um filho (DDD, 22 anos) e uma filha (JJJJJ, 17 anos). Em 2008, por desgaste da relação, decidiram pôr temo ao casamento, tendo se mantido uma relação cordial entre os dois. Com os filhos o arguido manteve sempre uma relação próxima. Há cerca de doze anos iniciou uma relação de namoro com KKKKK, que se mantém até ao presente;
- na data dos factos que levaram ao presente processo, encontrava-se a trabalhar na Àlfândega, na sala de bagagens do aeroporto, em .... Em Outubro de 2019, na sequência da eclosão do presente processo, o arguido viu o seu local de trabalho ser alterado para a alfândega no aeroporto, onde penmaneceu até 2020. Desde então, encontra-se afecto aos serviços da direcção da Autoridade Tributária Aduaneira, em .... Em termos familiares, o arguido mantém a relação de namoro com KKKKK, tendo a mesma sido descrita como positiva. Pese embora mantenha a sua residência em ..., acaba por passar grande parte do seu tempo em casa da namorada, em ..., dada a proximidade ao seu local de frabaho. O arguido mantém uma boa relação familiar com os pais e com a imã, assim como com os filhos com quem está com regularidade;
- no que concerne ao enquadramento económico, regista uma situação estável, o vencimento que recebe com as funções que tem desempenhado na alfândega tem sido suficiente para fazer face aos seus gastos. Actualmente, o seu vencimento ronda os € 1.200,00 (mil e duzentos euros), sendo que no lado das despesas surge a renda da casa no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e a pensão de alimentos que paga à filha no valor de € 160,00 (cento e sessenta euros), (não paga pensão ao filho porquanto o mesmo já não se encontra a estudar;
- no plano pessoal, evidencia aptidão ao nível do pensamento consequencial e da capacidade de discernimento na abordagem dos assuntos no geral. Relativamente aos coargutdos, tratam-se apenas de colegas de trabalho. Perante uma abordagem abstracta de factos semelhantes ao que conduziram ao presenta processo, apresenta capacidade para elaborar um juízo crítico, reconhecendo a ilicitude dos mesmos. O facto de ter sido constituído arguido, no presente processo, tem acarretado algum desgaste emocional, verbalizando preocupação com as repercussões que o mesmo possa vir a ter, nomeadanente, na esfera profissional e económica e, consequentemente, familiar;
- o processo de socialização do arguido decorreu num contexto familiar estável e facilitador ao nível da assunção de condutas pró-sociais. Em termos de percurso escolar, frequentou o primeiro ano do ensino universitário, vindo a desistir, por opção própria, para integrar o mercado de trabalho. Na vertente profissional, em 1999 entrou na função pública, sendo que em 2006 iniciou funções na alfândega, local de trabalho que mantém até ao presente. Salienta-se o suporte familtar de que dispõe da namorada e dos restantesfamiliares";
241. Do certificado de registo criminal da arguida OO nada consta;
242. Do relatório social da arguida OO, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- a arguida OO tem cinquenta e cinco anos de idade e é natural de .... Na sequência da Guerra Colonial Portuguesa e da luta de ... pela independência, a arguida tinha nove anos de idade quando veio com a família definitivamente para Portugal. Na data dos factos subjacentes a este processo, a arguida residia com o cônjuge e os seus dois filhos, numa relação de boa convivência entre todos, na morada constante nos autos, situação que mantém. É filha única de um casal, no qual o pai foi enfermeiro em zona de guerra e. posteriormente, guarda fiscal e funcionário de alfândega, actualmente aposentado. A mãe, empregada numa loja de noivas, foi reformada incapacidade, vindo a falecer em 2015. A relação com os pais foi descrita de entreajuda e gratificante. A arguida estudou até ao 12.º ano de escolaridade, embora não tenha concluído, tendo o 9.º ano de escolaridade como habilitações literárias;
- no plano afectivo, a arguida está casada há vinte e cinco anos com o cônjuge, numa relação descrita como gratificante de entreajuda. Desta união nasceram dois filhos, com vinte e três e dezoito anos de idade, estudantes. No seu trajecto profissional, ingressou na Administração Pública em ../../1988, na carreira de verificadora aduaneira, actualmente com a categoria de verificadora aduneira especialista, na Autoridade Tributária e Aduaneira. Aufere um vencimento base de € 1.511,23, a que acresce outros subsídios, incluindo o Fundo de Estabilização Tributária (FET). Mantém-se na carreira, tendo sido afastada das suas funções na Alfândega (sala de bagagem), aquando da instauração do processo em apreço. Foi, entretanto, colocada na Divisão de Recrutamento e Mobilidade, no Departamento de Recursos Humanos. Tendo atingido o topo da sua carreira, decidiu candidatar-se a concurso para a carreira de Gestora Tributária Aduaneira, aguardando decisão;
- o agregado familiar reside num apartamento, na morada constante nos autos, arrendado pelo valor de € 500,00. O cônjuge é funcionário dos CIT, auferindo um vencimento base de € 1.200,00. Para além das necessidades básicas de todos, os encargos inerentes à habitação, assim como os encargos relativos aos estudos dos filhos, que são assegurados pelo casal, regista-se uma situação económica equilibrada. Em termos de saúde, não se assinalam problemas ou dependências. No dia-a-dia da arguida predomina a sua actividade laboral, a par com o apoio que presta à família.
- face ao bem jurídico em causa, reconhece e valoriza os danos em eventuais vítimas, revelando constrangimento e sentido crítico;
243. - do percurso de vida da arguida, destaca-se um processo de socialização que decorreu no seio de um agregado familiar nuclear com uma dinâmica funcional e coesa, um contexto sócio económico mediano e a imposição de regras e condutas socialmente adequada."
244. Do certificado de registo criminal do arguido PP nada consta;
245. Do relatório social do arguido PP, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- o arguido PP vive sozinho, num apartamento, com boas condições de habitabilidade, em zona central, em habitação própria, localizada na zona dos ..., em .... Mantendo-se esta situação;
- tem quatro irmãos, com os quais sempre teve boa relação, embora no presente o relacionamento tenha sofrido alguma alteração, na sequência de situações não especificadas. Mantém um bom relacionamento com os sobrinhos, não existindo atritos entre e com os irmãos, apenas o facto de, por vezes, estes se aproveitarem da sua generosidade;
- tem o 12.º ano de escolaridade como habilitações literárias;
- o arguido, de sessenta e quatro anos de idade, é funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira há cerca de trinta e cinco anos, e encontrava-se, na data dos factos subjacentes aos presentes autos, colocado no balcão "Tax Free”. No presente, encontra-se a desempenhar funções na Divisão de Contratação e Logística, tendo a alteração do local de trabalho sido deteminada na sequência deste processo. O arguido revela satisfação pelas funções que ora desempenha, encontrando-se em teletrabalho. O seu superior hierárquico tem conhecimento da sua situação processual, e revela solidariedade/atenção para com a sua pessoa;
- tem como valor líquido de rendimentos a quantia mensal de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), e suporta o valor de € 700,00 (setecentos euros) mensais com encargos fixos e ainda cerca de € 85, 00 (oitenta e cinco euros), referente aopagamento do condomínio;
- na data dos factos subjacentes aos presentes autos, o arguido trabalhava em regime de turnos rotativos, e beneficiava do subsídio de turno de 23%, que incidia sobre o vencimento base, o que sofreu uma alteração;
- o arguido não mantém actividade estruturada de ocupação de tempos livres, revelmdo gosto por caminhadas. Sendo descrito como uma pessoa calma, discreta e educada, que se relaciona bem com os outros, nomeadamente com os vizinhos e com os familiares. É visto como discreto e desapegado materialmente, e, por ser uma pessoa bondosa, por vezes, há a tendência por parte de terceiros, incluindo familiares, para se aproveitarem. Não se registam problemáticas de saúde;
- foi aberto um processo disciplinar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, encontrando-se o mesmo suspenso, aguardando o desfecho dos presentes autos;
- o arguido apresenta enquadramento familiar estável, denotando dispor de apoio consistente por parte dos sobrinhos e da amiga/vizinha, o que se apresenta como factor positivo na sua vida. A alteração de local de trabalho ocorrida na sequência dos presentes autos foi vivenciada pelo arguido de forma positiva. Não se revendo na situação processual, a existência do presente processo e a constituição como arguido e o sentimento de tristeza que evidencia, constituem-se como dissuasores de adopção de eventuais condutas associais fiuuras”;
246. Do certificado de registo criminal da arguida QQ nada consta;
247. Do relatório social da arguida QQ, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- o processo de desenvolvimento psicossocial da arguida QQ decorreu junto dos progenitores e de uma irmã mais nova, num meio residencial sem conotação com problemáticas de exclusão social. A dinâmica relacional foi referenciada a vinculações afectivas significativas e à ausência de conflitualidade, tendo o modelo educativo consistido na transmissão de valores socialmente orientados. A situação económica vivenciada no núcleo familiar de origem fot descrita como estável, assegurada pelos rendimentos do progenitor, como marmorista e da progenitora, como assistente de consultório médico. O percurso escolar da arguida revestiu-se de carácter normalizado, tendo concluído o ensino secundário, com obtenção de bons resultados, tendo interrompido este percurso para dar início a actividade laboral. Passado[s] uns anos, já casada e com dois filhos, ingressou no ensino superior onde concluiu com sucesso o curso de Direito. Do trajecto profissional iniciado aos dezanove anos de idade na qualidade de escriturária datilógrafa, na faculdade de Ciências Médicas, enfatiza-se o empenho e motivação que a levou a ir concorrendo para outros ministérios, fazendo várias formações para ir progredindo profissionalmente. Assim, através de concurso, ingressou na Autoridade Tributária e Aduaneira em 1988;
- na data dos factos subjacentes ao presente processo, tal como no presente, a arguida dispõe de um ambiente familiar estruturado, residindo com o marido e a mãe, que se encontra dependente, na habitação da família, uma vez que a filha de quarenta anos da idade e o filho de trinta e nove anos de idade já se tinham autonomizado. O clima familiar surge caracterizado como estável e isento de dificuldades relacionais;
- a situação económica do agregado permanecia equilibrada, sem registo de privações, atendendo à existência de rendimentos resultantes da actividade profissional da arguida, e do marido como sócio-gerente de uma empresa de material elétrico, situação que se mantém na actualidade. A arguida exercia as funções de verificadora aduaneira superior (actualmente designado inspector tributário e aduaneiro) na Autoridade Tributária e Aduaneira, como coordenadora do sector de passageiros na alfândega do Aeroporto ..., serviços que integrou até 2020. Na sequência da instauração do processo judicial em causa foi-lhe instaurado um processo disciplinar/de averiguações que actualmente aguarda o defecho do processo em causa para ser concluído. Verbaliza que ao longo do seu percurso profissional, obteve elevados níveis de realização pessoal que se sedimentaram em progressão na carreira efetuada, indicando ter apresentando um perfil individual adequado ao exercício das inerentes atribuições funcionais. Do mesmo modo, menciona que as suas competências têm sido devidamente reconhecidas pelos superiores hieráquicos, tendo sido possivel confirmar tal avaliação junto da sua actual chefia, uma vez que em termos profissionais, a arguida é descrita como uma profissional organizada, competente, disponível para o serviço e colegas. Presentemente, mantém-se integrada na Autoridade Tributária e Aduaneira nos serviços centrais da Direção de Serviços e Regulação Aduaneira, exercendo as funções de inspeção em regime de teletrabalho, com a categoria de Inspetor Tributário e Aduaneiro e auferindo mensalmente cerca de € 2.100,00 líqutdos. Cumulativamente, explora três habitações, em regime de alojamento local, das quais usufrui de um rendimento mensal no valor € 1.500,00 mensais. Encontra-se aposentada desde de março de 2023, com o valor de pensão de € 2.574,45 mensais;
- a arguida privilegia a vivência familiar, nomedamente com a mãe, filhos e netos. Assim, a organização do seu quotidiano surge em larga medida associada a cuidar da mãe que se encontra aos seus cuidados e ao universo profissional, bem como a zelar pela manutenção/exploração dos alojamentos locais de que é proprietária. Ocupa os seus tempos livres em atividades de lazer, nomeadamente aulas de dança, na .... Relativamente a problemáticas de saúde, padece de fibromialgia efetuando terapêutica numa base diária;
- no que diz respeito às suas características pessoais, a arguida evidencia um temperamento calmo e ponderado, facilitador do aumento das suas capcidades de tolerância à frustração e de controlo de impulsos. Por outro lado, considera-se pessoa dinâmica, empreendedora e resiliente, características que lhe são reconhecidas. Não elenca na actualidade repercussões específicas nas suas circunstâncias vivenciais, surge apenas o efeito desestabilizador que aquele, à data, suscitou em si e nos familiares próximos. Quanto ao seu posicionamento face ao processo em causa distancia-se das circunstâncias que lhe deram origem ainda que perante a acusação, assevera ter agido sem intenção criminal ou obtenção de provento próprio, verbalize reconhecer a existência de eventuais lesados e o bem jurídico em apreço, mostrando-se, no entanto, receosa quanto às consequências de uma eventual condenação;
- do trajecto de vida da arguida, destaca-se a apendizagem de valores sociais normativos e socialmente ajustados, o investimento na aquisição de competências académicas e profissionais especializadas, que lhe pemitiram uma carreira profissional ascendente nomeadamente na Autoridade Tributária e Aduaneira. O seu quotidiano pauta-se também pelo envolvimento em actividades empresariais por conta própria e em actividades estruturadas de cariz pró-social;
- no contexto vivencial actual da arguida perduram diversos fatores de estabilidade pessoal, porquanto beneficia de apoio por parte do núcleo familiar, dispõe de uma situação económica favorável e profissional que considera gratificante e na qual lhe são reconhecidas competências por parte das hierarquias. Relativamente às circunstâncias que deram origem ao presente processo, mantém uma posição de distanciamento, ainda que reconheça a existência de eventuais lesados e do bem jurídico em causa”;
248. Do certificado de registo criminal da arguida RR nada consta;
249. Do relatório social da arguida RR, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integalmente por reproduzido:
- a arguida RR tem cinquenta e oito anos de idade e é natural de ..., vindo para Portugal ainda jovem, na sequência da guerra pela independência espoletada naquele país. Na [data] dos factos subjacentes ao presente processo, a arguida residia com a filha, numa relação salutar entre ambas, na morada constante nos autos, situação que mantém. É a mais velha de duas irmãs, descrevendo uma relaçao de enfreajuda e gratificante na família de origem. O pai foi funcionário de alfândega, aposentado actualmente e a mãe, doméstica, faleceu há cerca de quatro anos. A arguida e a imã revezam-se nos cuidados de que o pai padece, devido à sua condição de saúde, residindo sozinho na ... e, com um diagnóstico do foro oncológico, necessita desses cuidados, contando também com o apoio domiciliário, prestado pela Santa Casa da Misericórdia .... Tendo na sua base a ajuda e os cuidados que presta ao pai, a arguida beneficia do regime de teletrabalho, desde ../../2022 e horário reduzido;
- estudou até concluir o 12.º ano de escolaridade e no seu trajecto profissional, iniciado na área da infância, como auxiliar numa creche, a arguida concorreu para a mesma carreira do seu pai. Ingressou na Administração Pública em ../../1985, na carreira de verificadora auxiliar aduaneira, actualmente com a categoria de verificadora auxiliar aduaneira principal, na Autoridade Tributária e Aduaneira. Aufere um vencimento base de € 1.268,04, a que acresce outros subsídios, incluindo o Fundo de Estabilização Tributária (FET). Mantém-se na carreira, tendo sido afastada das suas funções na Alfândega (sala de bagagem), aquando da instauração do processo em apreço. Foi, entretanto, colocada na Divisão de Serviços de Apoio ao Cumprimento, no Centro de Atendimento Telefónico da AT;
- no plano afectivo, foi casada com o pai da sua filha, durante cerca de nove anos. O divórcio surgiu na sequência de consumos de álcool, vício de jogo e numa fase final, agressões infligidas pelo mesmo. Em termos de saúde, não há quaisquer problemas ou dependências a assinalar;
- a arguida é proprietária do apartamento onde reside com a filha, com vinte e sete anos de idade, fotojornalista de profissão. Apoia a filha em algumas das suas despesas, atendendo a que a mesma aufere o salário mínimo. Está ainda em fase de liquidação de um empréstimo bancário, com um valor de € 253,33/mês, registando uma situação económica equilibrada;
- no dia-a-dia da arguida predomina a sua actividade laboral, a par com os cuidados que presta, em conjunto com a irmã, ao pai, assim como o apoio à filha;
- face ao bem jurídico em causa, reconhece e valoriza os danos em eventuais vítimas, reveundo constrangimento e sentido crítico;
- do percurso de vida da aguida, destaca-se um processo de socialização que decorreu no seio de um agregado familiar nuclear, com uma dinâmica funcional e coesa, um contexto sócio económico mediano e a imposição de regras e condutas socialmente adequadas, factores que, associados a uma atitude crítica face aos comportamentos ilícitos e ao respeito pelo bem jurídico em causa. Estando inserida sócio e familiarmente no meio em que vive, assim como profissionalmente, com objectivos pessoais definidos”;
250. Do certificado de registo criminal do arguido GG nada consta;
251. Do relatório social do arguido GG, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- o arguido GG tem quarenta e oito anos de idade, é verificador aduaneiro, reside com a companheira, professora, e um filho menor do casal recém-nascido. O arguido estabeleceu relação de namoro com CC (coarguida) há cerca de oito anos, tendo o casal constituído união marital em meados de 2020, residindo em habitação com boas condições de habitabilidade. Revelou valorizar a união que mantém com CC e, desta união, o casal tem um filho com um mês de idade. O relacionamento conjugal foi descrito como gratificante e de interajuda entre o casal. Na data dos factos subjacentes ao presente [processo] já mantinha relação de namoro com CC, no entanto, sem coabitação permanente, ainda que o arguido pernoitasse, regularmente, na habitação onde a mesma residia. O agregado familiar reside num apartamento que foi adquirido em 1999 pelo arguido, (aravés de empréstimo bancário), trata-se de uma habitação constituída por três divisões assoalhadas, que assegura condições adequadas ao nível do conforto e da privacidade e quefica localizado num bairro limítrofe da cidade ...;
- tem o 12.º ano de escolaridade como habilitações literárias. Encontra-se a trabalhar desde o mês de ../../2020 em funções administrativas, na Direcção de Serviços Técnicos de Análises e Laboratório (D.S.T.A.L.) da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo responsável pela receção e registo de amostras recolhidas para análise laboratorial. O arguido tem revelado capacidade de adaptação às funções que lhe foram distribuídas e facilidade de integração nessa equipa de trabalho, sendo reconhecido e valorizado o contributo que tem prestado no serviço que integrou;
- na data dos factos subjacentes a este processo, o arguido encontrava-se a trabalhar (desde 2018) como verificador auxiliar aduaneiro na Delegação Aduaneira do Aeroporto ... em ..., desempenho que manteve até ter sido suspenso do exercício das referidas funções, aquando da aplicação das medidas de coacção à ordem do presente processo judicial. O arguido apreciava as funções que desempenhou na Delegação Aduaneira do Aeroporto ... em ..., no entanto, considera que não beneficiou de fomação específica para o exercício dessas funções e que a aprendizagem que realizou decorreu em exercício da referida actividade, por modelagem, através de colegas mais experientes. O arguido iniciou o seu percurso profissional na função pública em Junho do ano 2000, no Instituto de Segurança Social I.P., Centro Distrital Segurança Social ..., tendo começado por desempenhar a actividade como assistente administrativo na secção de aprovisionamento e património, passando posteriormente, (entre 2004 e 2006) a exercer funções de assistente técnico em serviço de atendimento directo ao público e através da linha da Segurança Social Directa até solicitar, em meados de 2018, mobilidade para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo-se consolidado a sua integração no referido serviço seis meses depois do ingresso;
- tem como valor dos rendimentos líquidos € 822,00 mensais, o valor dos rendimentos líquidos do agregado é de € 1.200,00 mensais e valor total das despesas/encargos fixos do agregado é € 450.00, sendo € 180,00 com despesas e a amortização com empréstimos bancários no valor € 270,00. O arguido aufere actualmente um vencimento líquido na ordem dos € 820,00 mensais, e a companheira, professora do ensino básico, aufere cerca de € 1.200,00 mensais, sendo que o agregado familiar dispõe, actualmente, de uma condição económica equilibrada, que lhes pemite fazer face aos encargos assumidos. Na data dos factos constantes nos autos, a condição económica do arguido foi descrita como equilibrada, mas mais modesta, na medida em que ainda não partilhava com a companheira as despesas de manutenção inerentes à habitação;
- o arguido mantém há vários anos, um modo de vida centrado no desempenho profissional e na prática de algumas actividades desportivas de manutenção fisica em ginásio, não tendo revelado estabelecer relação de proximidade com a comunidade do meio de residência. Não existindo problemáticas de saúde. Evidenciou alguma tendência para a atribuição causal externa em relação às circunstâncias que determinaram o presente processo judicial, ainda que se mostre, em abstrato, consciente do desvalor da conduta criminal em causa;
- o arguido denota ter mantido um modo [um modo] de vida genericamente normativo. A nível pessoal/familiar mantém há cerca de dois anos uma união marital que demonstrou valorizar e que ganhou maior coesão e cumplicidade com o recente nascimento do filho do casal. O aguido revelou ter centrado uma grande parte do seu percurso de vida no desempenho profissional e embora se tenha mostrado crítico em relação à forma como decorreu o seu processo de integração na Autoridade Tributária e Aduanetra, revelou ter apreciado desenvolver as funções que lhe foram distibuídas até à instauração deste processo judicial, desenvolvendo, desde ../../2020, funções distintas por conta do mesmo serviço, desempenho que foi reconhecido e valorizado pela chefia directa actual”;
252. Do certificado de registo criminal do arguido SS nada consta;
253. Do relatório social do arguido SS, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- o arguido SS, presentemente, encontra-se a viver sozinho, na zona de ... em ..., num apartamento, numa zona central em habitação pertencente aos tios avós maternos, não tendo encargos financeiros com a habitação, sendo que mantém um bom relacionamento com os tios, a quem presta assistência. Na data dos factos subjacentes aos presentes autos, o arguido vivia com o cônjuge e o filho menor do casal;
- o casal separou-se após a data dos factos subjacentes ao presente processo, tendo o ex-cônjuge regressado à ..., de onde é natural, juntamente com o filho de oito anos de idade, mantendo o arguido uma boa relação, com contactos permanentes através das plataformas sociais, e que ambos vêm a Portugal, assim como o arguido se desloca àquele país frequentemente, tendo viagem marcada para início de Março, período coincidente com o decurso das audiências de julgamento. Com os pais e o imão mais novo, LLLLL, o arguido mantém um relacionamento salutar;
- como habilitações literárias tem licenciatura em gestão. Aufere a quantia mensal líquida de € 1.566,00 (mil e quinhentos e sessenta e seis euros), tendo como encargos fixos o valor mensal de € 200,00 (duzentos euros). Com a separação, o arguido manteve-se a residir na habitação, sozinho, e assumindo as despesas;
- o arguido, de cinquenta anos de Idade, desempenha funções de inspector aduaneiro superior, tendo ingressado na então Autoridade Tributária em 2000 e, em 2006, com a fusão destes com a Autoridade Aduanelra, passando a desempenhar funções nesta área. Mantém-se nas mesmas funções, mas, desde ../../2020 que se encontra colocado na Direcção de Serviço Antifraude;
- como forma de ocupação de tempos livres, pratica natação e frequenta ginásio, revelando especial gosto pela cozinha/confecção de alimentos, leitura e convívio com os amigos;
- vive na morada dos autos desde 2014, para onde foi viver com a familia constituída, tendo permanecido na habitação após a separação conjugal. Está bem inserido na zona onde reside, sendo uma pessoa que relaciona bem com os outros, e muito calmo. O arguido não regista problemáticas de saúde;
- como repercussão imediata decorrente deste processo, regista-se o facto de a mãe, que padece de problemas do foro cardíaco, ter visto a sua situação de saúde agravada, tendo sido sujeita a intervenção cirúrgica. Também que teve impacto ao nível da sua família constituída, considerando que o cônjuge, confrontado com as buscas à habitação, ficou abalada emocionalmente, uma vez que ela e o filho estavam presentes na data da execução do mandado. Em termos pessoais, considera ser uma situação desagradável/desconfortável e que, profissionalmente, embora não seja ostensivo, considera que na relação com os colegas a sua situação jurídico-penal está sempre subjacente. O agregado familiar de origem, mediante a tomada de conhecimento da existência dos presentes autos, reagiu com incredulidade, uma vez que tais actos vão contra os valores que lhes foram inculcados pelos seus ascendentes. Por outro lado, e como a morada oficial do arguido se mantinha na residência dos progenitores, foram efectuadas buscas na habitação destes e, ainda que no momento das buscas a mãe não estivesse presente, tomou conhecimento do ocorrido, tendo-se constituído num forte impacto para ela, com repercussões ao nível da sua saúde e estabilidade;
- regista-se a abertura de um processo disciplinar por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, entretanto suspenso, aguardando o desfecho dos presentes autos;
- não obstante a separação conjugal ocorrida após a sua constituição como arguido no âmbito dos presentes agros, e o consequente regesso da ex-cônjuge e do filho menor à ..., país de origem daquela, denota dispor de enquadramento familiar estável e de apoio por parte dos familiares, o que se constitui em factor positivo. A existência dos presentes autos, e os seus impactos na vida pessoal e profissional do arguido, constituem-se como factor inibidor da adopção de eventuais futuros comportamentos da mesma tipologia dos que sustentam os presentes autos”;
254. (…)
(…)
256. Do certificado de registo criminal do arguido II nada consta;
257. Do relatório social do arguido II, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- o arguido II vive com o cônjuge, advogada, encontrando-se a filha mais nova, médica de profissão, a trabalhar em .... O relacionamento intrafamiliar é descrito pelo casal como sendo bom e harmonioso, sendo o arguido visto como sendo um bom pai de família. Na data dos fatos subjacentes aos presentes autos, integrava o agregado familiar duas das três filhas do casal, sendo que a mais velha já se encontrava autonomizada. O arguido é o mais novo de quatro irmãos, sendo que um deles vive no ... e outro na ..., existindo de uma boa relação entre eles, mantendo contactos;
- o arguido, de sessenta e um anos de idade, antes de iniciar funções como funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, há cerca de trinta e cinco anos, deu aulas durante dois anos lectivos, e trabalhou para a TAP durante cerca de três anos. Tem o 12.º ano de escolaridde como habilitações literárias. Na data dos factos subjacentes aos presentes autos, desempenhava funções de verificador auxiliar aduaneiro especialista, no sector de controlo das bagagens do Aeroporto ..., trabalhava em regime de turnos rotativos, auferindo o respectivo subsídio de turno de 23 ou 24% sobre o salário base. Na sequência dos presentes autos foi colocado na área tributária, jd se encontrava no topo da carreira. Manfesta insatisfação na realização profissional que ora desempenha, sendo descrito como muito trabalhador e dedicado, que sempre se pautou pela integridade:
- o valor dos rendimentos líquidos do arguido é de € 1.300,00 euros líquidos e o valor total das despesas/encargos do agregado é de € 500,00 mensais, excluindo despesas a alimentação;
- o arguido não mantém atividade estruturada de ocupação de tempos livres, sempre que possível faz caminhadas. Vive na mesma morada desde 1989, altura que que contraiu matrimónio, encontrando-se bem inserido na área de residência, mantendo relacionamento cordial com os vizinhos, embora seja uma pessoa muito reserva[da] e introvertida, sendo considerado como respeitador e disponível para os outros. Os problemas de saúde agravaram-se após a sua constituição como arguido, encontrando-se medicado, com problemas de ansidde, embora não tenha recorrido a apoio psicológico. A sua situação jurídico-penal tem tido impacto a vários níveis, com repercussões ao nível da sua saúde e no estado emocional. Não obstante beneficiar do apoio da família, evitam falar sobre a sua situação processual, ainda que o seu cônjuge e uma das suas filhas sejam advogadas, porque constitui uma mágoa profunda. Verbaliza sentimentas de vergonha, inclusivamente para com os seus familiares, referindo que, à data das buscas à sua residência, a filha mais nova encontrava-se presente;
- no plano profissional, a mudança de funções da área alfandegária para a tributária provocou na sua pessoa sentim[entos] de insatisfação na realização profissional, embora esteja no topo da carreira, mas, não voltava para as funções anteriormente exercidas;
- o arguido dispõe de enquadramento sociofamlliar estável, beneficiando de apoio consistente por parte da família, principalmente do cônjuge e das filhas”;
258. (…)
(…)
260. Do certificado de registo criminal do arguido JJ nada consta;
261. Do relatório social do arguido JJ, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
“- o agregado do arguido JJ é composto por MMMMM, cônjuge, com quarenta e oito anos de idade e farmacêutica e as três filhas menores, estudantes, com dezanove, dezasseis e onze anos de idade, habitando em residência com boas condições. No plano familiar, o aguido é casado, desde os vinte e seis anos de idade, sendo que a relação conjugal e a paternidade constituem-se como sólidos factores de gratficação pessoal e de bem-estar afectivo. No plano familiar, o suporte do arguido, é essencialmente constituído pelo seu actual agregado, que se baseia em relações sólidas de entreajuda e compreensão. O arguido tem como habilitações literárias licenciatura em Economia;
- actualmente, exerce o cargo de Inspector Tributário e Aduaneiro. Após instauração do presente processo judicial e, na sequência de procedimento disciplinar interno (que aguarda o desfecho do processo em causa para ser concluído), o arguido passou a exercer funções na Divisão do Imposto Sobre os Tabacos, mantendo a mesma categoria e posicionamento remuneratório. O arguido valoriza muito a sua carreira profissional, uma vez que o seu modo de vida assenta nos proveitos financeiros obtidos através da mesma. No mesmo sentido, o seu desempenho é reconhecido e valorizado pela sua superiora hierárquica, sendo visto como responsável e motivado para se adaptar às novas tarefas. O arguido exerceu funções adequadas à sua formação académica em duas entidades bancárias, até 2001, altura em que ingressou, por concurso, na Autoridade Tributária e Aduaneira, como Técnico Verificador, funções que exerceu até 2020. Entre 2001 e 2020 exerceu paralelamente a actividade de árbitro de futebol, tendo sido nomeado para jogos de todos os escalões e níveis competitivos nacionais, o último jogo em que foi interveniente ocorreu em Março de 2020;
- o valor dos rendimentos líquidos do arguido é de € 1.922,60, o valor dos rendimentos líquidos do restante agregado (cônjuge) é de € 2.700,00, o valor total das despesas/encargar fixos do agregado no valor de € 977,44, sendo a habitação € 217,44 e € 760,00 referente à mensalidade do estabelecimento de ensino das filhas;
- atendendo ao regime de trabalho em turnos rotativos, à data dos factos subjacentes aos presentes autos, o arguido auferia um subsídio que, em termos líquidos, lhe valorizava o rendimento mensal líquido em cerca de € 100/00;
- fora da actividade profissional, é orientado para a gestão das rotinas familiares, sendo pontuais os momentos de convívio e lazer;
- o arguido é um indivíduo com quarenta e oito anos de idade, cujo percurso de vida foi, globalmente, orientado para o cumprimento da lei e o ajustamento social. Após ter concluído a sua formaçdo universitária, iniciou o seu percurso profissional, vindo a integrar a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2001, onde progrediu até à actual categoria de Inspector Trtbutário e Aduaneiro, função que exerce na actualidade e que valoriza, tendo em conta que o seu modo de vida familiar assenta essencialmente nos proventos daí decorrentes. A sua hierarquia profissional actual descreve-o com[o] um trabalhador motivado e com capacidade de adaptação a novas realidades laborais;”
262. (…)
(…)”.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
A) Que a arguida QQ tivesse dado instruções para que os respectivos registos fossem adulterados;
B) Que os objectos retirados dos armazéns dos perdidos e achados fossem habitualmente guardados nos vestiários e nos cacifos dos funcionários, antes de serem por eles levados para fora do aeroporto, em mochilas, sacos e malas que traziam previamente preparados para o efeito;
C) Que o arguido KK retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” que, depois, usou ou ofereceu a familiares e amigos, os seguintes objectos: 1 (um) Perfume da marca Davidoff, para senhora, com 100 ml, avaliado no valor de € 35,00; 1 (um) Perfume da marca Moschino, modelo Love, com 50 ml, avaliado no valor de € 30,00; 1 (um) Creme de rosto, Uniqueskin, Tónico, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Creme de rosto, Uniqueskin, Gel Limpeza, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Creme de rosto, Uniqueskin, Creme anti-idade, avaliado no valor de € 30,00; 01 (uma) mochila de marca Adidas, cor cinzenta, avaliada no valor de € 25,00; 01 (uma) garrafa de Licor Arroz Doce, avaliada no valor de € 18,00; 01 (uma) garrafa de Azeite Quinta da Lagoalva, avaliada no valor de € 3,50; 01 (um) Troley de marca Rimowa, de cor dourada, avaliado no valor de € 100,00; 01 (um) Embalagem da Apple contendo um Pencil daquela marca, em estado novo, avaliado em € 150,00; 01 (um) Garrafa de conhaque Remy Martin, de 35 cl, avaliada no valor de € 60,00; 01 (um) Embalagem da Apple, contendo um teclado wireless daquela marca, avaliado no valor de € 150,00; 01 (um) Leitor de marca Amazon Kindle, avaliado no valor de € 300,00; 01 (um) Leitor de DVD, da marca LG, avaliado no valor de € 80,00; 01 (um) Estojo de marca Case Logic contendo máquina fotográfica Sony, avaliado no valor de € 350,00; 01 (um) Troley, preto, de marca Calpak, avaliado no valor de € 100,00; 01 (um) computador portátil Acer Ferrari one, de cor vermelha, com o número de série ...25, avaliado no valor de € 350,00; 01 (um) Ipad de 32 Gb, com o número de série ...9, avaliado no valor de € 400,00; 01 (um) Troley de marca Delsey, de cor preto, avaliado no valor de € 100,00; 01 (um) Eau de toilette Issey Miyake, avaliado no valor de € 35,00; 01 (um) Telemóvel marca LG, modelo G4, com o IMEI ...86, avaliado no valor de € 80,00, associado à operadora norte-americana Verizon; 01 (um) Power Bank de marca Zikko, avaliado no valor de € 5,00; 01 (um) Powerbank, de cor cinzenta e branca, avaliado no valor de € 5,00; 01 (um) Head Phones com caixa própria inserido noutra em cabedal, avaliado no valor de € 20,00; 01 (um) leitor de MP3, Apple Ipod 32 Gb, dentro de uma bolsa de pano com inscrição Silver Crest, avaliado no valor de € 80,00; 01 (um) Telemóvel, de marca “Samsung”, modelo “Galaxy J5 Pro”, com o IMEI ...37, avaliado no valor de € 200,00, proveniente do Reino Unido e 01 (um) Telemóvel Blackberry, com o IMEI ...01, avaliado no valor de € 80,00, associado à operadora norte-americana Verizon;
D) Que à luz das conversas mantidas com o arguido KK a respeito das ofertas que este lhe fez e do modo como as mesmas lhe foram apresentadas, o arguido AA sabia e não podia desconhecer que os presentes que recebeu eram provenientes dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e que haviam sido dali retirados abusivamente pelo seu irmão, que sobre os mesmos não possuía qualquer direito.
E) Que ainda assim, o arguido AA aceitou receber tais presentes, com o propósito concretizado de obter uma vantagem patrimonial;
F) Que à luz das conversas mantidas com o arguido KK a respeito das ofertas que este lhe fez, do modo como as mesmas lhe foram apresentadas e dos conhecimentos adquiridos no exercício das suas funções profissionais, a arguida EE sabia e não podia desconhecer que os presentes que recebeu eram provenientes dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e que haviam sido dali retirados abusivamente por aquele, que sobre os mesmos não possuía qualquer direito;
G) Que ainda assim, a arguida EE aceitou receber tais presentes, com o propósito concretizado de obter uma vantagem patrimonial;
H) Que no dia 03 de Maio de 2019, à saída, pelas 22 horas e 19 minutos, a mala azul clara era usada, pela arguida LL, para transportar objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
I) Que no dia 09 de Junho de 2019, à saída do seu turno de serviço, pelas 07 horas e 18 minutos, a mochila que a arguida LL levava continha no seu interior objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
J) Que no dia 24 de Junho de 2019 à saída do seu turno de serviço, por volta das 07 horas e 30 minutos, a mala de mão de cor branca que a arguida LL levava fora retirada dos “perdidos e achados”;
K) Que a arguida LL retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (um) Telemóvel de marca QUATUM GO, modelo Q19, de cor preta, com os IMEI ...24 e ...32, avaliado no valor de € 20,00, com código de bloqueio activo; 1 (um) Telemóvel de marca NOKIA, modelo Lumia 930, de cor preta, com o IMEI ...36, avaliado no valor de € 70,00 e 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, Galaxy J3, de cor preta com o IMEI ...86, proveniente de Portugal, no valor de € 60,00;
L) Que no dia 16 de Maio de 2019, o arguido NN retirou do armazém dos “perdidos e achados” uma pequena mala rígida, de cor azul, de marca “Bags For You”;
M) Que no dia 23 de Agosto de 2019, pelas 07 horas e 04 minutos, à saída do seu turno, o arguido NN levava objectos que retirara do armazém dos “perdidos e achados”, dentro de um saco, escondido sob um trólei;
N) Que no dia .../.../2020, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., o arguido NN tinha guardados os seguintes objectos que, ao longo do tempo fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., no valor global de € 935,90: 1 (uma) Mala rígida, tipo necessaire, em cor azul, de marca BAG FOR YOU, avaliado no valor de € 30,00; 1 (uma) Garrafa de VODKA, de marca SMIRNOFF, 1 Litro, rótulo vermelho, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa de RUN, de marca ZACAPA, 750 ml, letras douradas, avaliado no valor de € 91,00; 1 (uma) Garrafa de ÁGUA TÓNICA, de marca LE TRIBUTE, 200 ml, avaliado no valor de € 2,90; 1 (uma) Garrafa de GIN, de marca TANQUERAY, 1 litro, avaliado no valor de € 18,00; 3 (três) Garrafas CACHAÇA, de marca MATA VELHA, 700 ml, avaliado no valor de € 105,00; 3 (três) Garrafas de CACHAÇA, de marca YPIÓCA, envolvidas em palha, reserva especial OURO 965 ml, avaliado no valor de € 69,00; 3 (três) Garrafas de CACHAÇA, de marca YPIÓCA, envolvida em palha, reserva especial PRATA, 965 ml, avaliado no valor de € 69,00; 1 (uma) Garrafa de CACHAÇA, de marca VALE VERDE – Prata, 700 ml, avaliado no valor de € 24,00; 2 (duas) Garrafas de RON, de marca SANTA TERESA 1796, 700 ml, em caixa própria, avaliado no valor de € 108,00; 1 (uma) Garrafa de CACHAÇA, de marca PITÚ GOLD, 1 litro, em caixa própria, avaliado no valor de € 8,00; 1 (uma) Garrafa de Whiskey, de marca Jack Daniel, 1 litro, avaliado no valor de € 22,00; 1 (uma) Garrafa de AGUARDENTE VELHA, de marca ALCANE, 700ml, avaliado no valor de € 8,00; 1 (uma) Garrafa CACHAÇA, de marca MATA VELHA, 700 ml, em caixa própria, avaliado no valor de € 21,00; 1 (uma) Garrafa de COGNAC, de marca COURVOISIER, 700 ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa de CACHAÇA, de marca SANTO GRAU – Paraty – Rio de Janeiro, 750 ml, avaliado no valor de € 11,00; 1 (uma) Garrafa de CACHAÇA, de marca SANTO GRAU – ITIRAPUÃ – São Pulo, 750 ml, avaliado no valor de € 11,00; 1 (uma) Garrafa de VODKA, de marca ABSOLUT APPLE, 1 litro – cor vermelha, avaliado no valor de € 19,00; 1 (uma) Garrafa de VODKA, de marca ABSOLUT RIO, 1 litro – cor amarela, avaliado no valor de € 19,00; 1 (uma) Garrafa de MARTINI, de marca MARTINI ROSATO, 1 litro, avaliado no valor de € 9,00; 1 (uma) Garrafa TEQUILA, de marca SILVER PATRÓN, 700 ml, avaliado no valor de € 11,00; 3 (três) Garrafas de RON, de marca SANTA TERESA, 750 ml, sendo 1 garrafa de RON AÑEJO, avaliada no valor de € 39,00 e 2 garrafas de RON EXTRA AÑEJO, avaliadas no valor de € 78,00;
O) Que a arguida OO retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 2 (duas) Caixas contendo duas garrafas de 100cl de licor RICARD, avaliadas no valor de € 28,00; 1 (uma) Garrafa de 700ml de licor TAKAI, avaliada no valor de € 6,27; 1 (uma) Garrafa de 50cl de whisky BALLANTINES, avaliada no valor de € 2,79; 1 (uma) Garrafa de 50cl de licor AALCORG TAFEFL AKVAVIT, avaliada no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa de 70cl de licor DAMOISEAU, avaliada no valor de € 29,91; 1 (uma) Garrafa de 25cl de licor MICOCO, avaliada no valor de € 2,30; 1 (uma) Garrafa de 190ml de licor LEONES, avaliada no valor de € 1,59; 3 (três) Garrafas de 275ml de cachaça MAX CANA, avaliada no valor de € 9.00; 3 (três) Garrafas de 750ml de aguardente ANTIOQUENO, avaliadas no valor de € 33,00; 1 (uma) Garrafa de 700ml de cachaça MINHA DEUSA, avaliada no valor de € 7,50; 1 (uma) Garrafa de 2,25l de whisky JB, avaliada no valor de € 40,70; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça LEBLON, avaliada no valor de € 47,50; 2 (duas) Garrafas de 100cl de licor CAMPARI, avaliada no valor de € 31,60; 2 (duas) Garrafas de 750ml de cachaça SANTU GRAU, avaliada no valor de € 27,98; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça VALE VERDE, avaliada no valor de € 37,95; 2 (duas) Garrafas de 750ml de aguardente VELHA ALCANE, avaliada no valor de € 3970; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça RIBEIRO DA SILVA, avaliada no valor de € 21,99; 1 (uma) Garrafa de 1l de rum CARIBANA SOL, avaliada no valor de € 10,83; 3 (três) Garrafas de 700ml de cachaça MATA VELHA PRATA, avaliadas no valor de € 69,09; 2 (duas) Garrafas de 700ml de cachaça VALE VERDE PRATA, avaliada no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa de 700ml de cachaça MATA VELHA OURO, avaliada no valor de € 24,82; 1 (uma) Garrafa de 750ml de aguardente velha SANTO ANTÃO, avaliada no valor de € 11,34; 2 (duas) Garrafas de 1l de cachaça PITU, avaliadas no valor de € 28,60; 1 (uma) Garrafa de 76cl de licor MONTEMORENSE, avaliada no valor de € 9,90; 1 (uma) Garrafa de 100cl de licor RICARD, avaliada no valor de € 3,89; 1 (uma) Garrafa de 700cl de licor PONCHE ALCANE, 16,49; 1 (uma) Garrafa de 1l de gin TANQUERAY, avaliada no valor de € 15,50; 1 (uma) Garrafa de 70cl de aguardente velha RIBEIRA GRANDE, avaliada no valor de € 12,17; 1 (uma) Garrafa de 70cl de licor ISRAEL, avaliada no valor de € 28,00; 1 (uma) Garrafa de 75cl de vinho branco SODADE, avaliada no valor de € 13,50; 1 (uma) Garrafa de 100cl de licor LAMB’S, avaliada no valor de € 2,76; 1 (uma) Garrafa de 750ml de aguardente ESPIRITO DE MINAS, avaliada no valor de € 12,66; 2 (duas) Garrafas de 1l de licor PASTIS DE MARSELLE, avaliadas no valor de € 22,98; 1 (uma) Garrafa de 500ml de licor PALINKA, avaliada no valor de € 7,33; 1 (uma) Garrafa de 700ml de whisky TORYS, avaliada no valor de € 45,5; 1 (uma) Garrafa de 1l de whisky BALLANTINES, avaliada no valor de € 30,90; 1 (uma) Garrafa de 1l de rum SECO HERRANO avaliada no valor de € 7,12; 1 (uma) Garrafa de 1,5l de whisky WILLIAM PEEL, avaliada no valor de € 31,94; 1 (uma) Garrafa de 0,7l de vodka BELUGA, avaliada no valor de € 34,90; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça CASA REAL, avaliada no valor de € 41,65; 1 (uma) Garrafa de 750ml de licor ORIGEN BITTERS, avaliada no valor de € 6,30: 2 (duas) Garrafas de 1l de cachaça BRASILIANA, avaliada no valor de € 16,22; 1 (uma) Garrafa de 100cl de licor TROIS RIVIERES, avaliada no valor de € 2,70; 2 (duas) Garrafas de 75cl de licor PONCHE CREMA, avaliada no valor de € 22,40; 4 (quatro) Garrafas de 75cl de licor PAMPERO ANIVERSÁRIO, avaliadas no valor de € 119,60; 1 (uma) Garrafa de 75cl de licor ARAKU, avaliada no valor de € 25,50; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça ARAXA, avaliada no valor de € 12,33; 1 (uma) Garrafa de 50cl de vodka RUSSIAN STANDARD, avaliada no valor de € 13,95; 1 (uma) Garrafa de 1l de vodka CIROC, avaliada no valor de € 30,35; 1 (uma) Garrafa de 100cl de gin BOMBAY, avaliada no valor de € 24,95; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça VITORIOSA, avaliada no valor de € 54,81; 1 (uma) Garrafa de 50cl de licor YENI RAKI, avaliada no valor de € 15,38; 1 (uma) Garrafa de 100cl de licor SAINT JAMES RUN, avaliada no valor de € 26,49; 1 (uma) Garrafa de 70cl de licor CALAZAN RUN, avaliada no valor de € 32,76; 2 (duas) Garrafas de 75cl de licor SANTA TERESA RUN 75CL, avaliada no valor de € 31,20; 1 (uma) Garrafa de 75cl de licor CRAVINHO, de valor não concretamente apurado; 1 (uma) Garrafa de 1l de licor BELUGA CELEBRATION, avaliada no valor de € 52,00; 1 (uma) Garrafa de 1,75l de licor NEMIROFF, avaliada no valor de € 8,32; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça YAGUARA, avaliada no valor de € 13,49; 1 (uma) Garrafa de 750ml de cachaça YAGUARA OURO, avaliada no valor de € 19,16; 1 (uma) Garrafa de 500ml de vodka WHITE GOLD, avaliada no valor de € 9,74; 2 (duas) Garrafas de 275ml de cachaça JAMBÚ, avaliada no valor de € 7,16; 1 (uma) Garrafa de 1l de vodka RED BERRY, avaliada no valor de € 34,17; 1 (uma) Garrafa de 1l de rum FLOR DE LANA, avaliada no valor de € 21,49; 1 (uma) Garrafa de 70cl de rum SANTA TERESA, avaliada no valor de € 44,95; 2 (duas) Garrafas de 1l de vodka KHORTYTSA, avaliada no valor de € 12,76; 1 (uma) Garrafa de 1l de vodka BLUE BERRY, avaliada no valor de € 26,34; 2 (duas) Garrafas de 0,75l de rum LINAJE SANTA TERESA, avaliadas no valor de € 50,42; 1 (uma) Garrafa de 750ml de aguardente velha SANTO ANTÃO, avaliada no valor de € 17,06; 1 (uma) Garrafa de 100cl de rum SAINT-JAMES, avaliada no valor de € 41,90; 1 (uma) Garrafa de 1l de vodka NEMIROFF, avaliada no valor de € 17,60; 1 (uma) Caixa, contendo 1 (um) maço de 20 (vinte) cigarros de tabaco cubano, de marca PARTAGAS MINI, avaliada no valor de € 15,80; 1 (uma) Caixa, contendo 4 (quatro) maços de 20 (vinte) cigarros de tabaco cubano, de marca PARTAGAS MINI, avaliada no valor de € 63,20; 1 (uma) Caixa, contendo 5 (cinco) maços de 20 (vinte) cigarros de tabaco cubano, de marca PARTAGAS CLUB, avaliada no valor de € 89,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca PINENG, modelo PN-952, de cor preta, avaliado no valor de € 25,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca desconhecida, modelo BATCH 11073, de cor dourada, avaliado no valor de € 20,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca BLACKWEB, modelo BWA18WI049, de cor preta, avaliado no valor de € 17,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca ROMOSS, modelo PB10, de cor branca, avaliado no valor de € 28,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca LEXMEN, modelo PS676, de cor branca, avaliado no valor de € 24,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca MI.COM, modelo NDY-02-AL, de cor prateada, avaliado no valor de € 23,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca SAMSUNG, modelo T2, de cor branca, avaliado no valor de € 20,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca GEONAV, modelo PB-6200GR, de cor cinza, avaliado no valor de € 17,00; - 1 (um) Carregador de baterias portátil tipo POWERBANK, de marca AUKEY, modelo PB-N36, de cor preta, com respectiva bolsa preta e cabo USB, avaliado no valor de € 35,00; - 1 (um) Carregador e respectivo cabo USB, de marca desconhecida, modelo A1265, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Dispositivo electrónico de leitura, de marca KINDLE AMAZON, modelo D01100-ZEG-0725, de cor preta, avaliada no valor de € 152,48; 1 (um) Dispositivo electrónico de leitura, de marca KINDLE AMAZON, modelo S5K-0725, de cor preta, com respectiva capa de cor castanha, avaliada no valor de € 95,00; 1 (um) Saco em tecido de cor vermelho, com asas de cor castanhas, de marca LONGCHAMP PARIS, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Mala de viagem média, de estrutura rígida, em material plástico de cor preta e marca desconhecida, avaliada no valor de € 50,00; 1 (uma) Mala de viagem pequena, de estrutura rígida, em material plástico de cor preta e marca KARABAR, avaliada no valor de € 30,00; 1 (uma) Mala de viagem grande, de estrutura rígida, em material plástico de cor preta e marca SAMSONITE, avaliada no valor de € 150,00; 1 (uma) Mala de viagem grande, de estrutura rígida, em material plástico de cor azul e marca SAMSONITE, avaliada no valor de € 200,00 e 1 (uma) Mala de viagem grande, de estrutura rígida, em material plástico de cor azul e marca DIALLE, avaliada no valor de € 50,00;
[ ] Que a arguida QQ retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (um) Relógio marca Hugo Boss, com mostrador azul e bracelete prateada, com o nº serie ....53, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Tissot de cor prateada com o nº serie ...10..., avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio marca Citizen com mostrador preto e bracelete prateada, com o nº serie ...87, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio marca Jacques limans, com mostrador branco, com bracelete dourada e prateada, com o nº serie 1-...52, avaliado no valor de € 35,00; 1 (um) Relógio marca Tissot com mostrador castanho, nº serie ...6, avaliado no valor de € 25,00; 1 (um) Relógio marca Jacques Limans, com mostrador de cor preta, com o nº serie 1-...83, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) relógio marca Christian Jacques, com mostrador de cor branca e bracelete castanha, com o nº serie ...72, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio de marca Citizen com mostrador de cor preta e bracelete prateado, nº serie ...48, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Relógio Tissot com mostrador preto de cor prateada, com o nº serie ...14, avaliado no valor de € 35,00; 1 (um) Relógio marca Yves Camanti, mostrador de cor azul e bracelete prateada, com o nº serie ...60-H, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Festina, de cor prata, com o nº serie ...26, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio marca Seiko com mostrador preto e bracelete prata, com o nº serie ...09, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Relógio marca Seiko com mostrador preto e bracelete prata, com o nº serie ...98, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Relógio marca Seiko, com mostrador preto e bracelete prata, com o nº serie ...49, avaliado no valor de € 30,00; 1 (um) Relógio marca Guess, com mostrador e bracelete castanha, com o nº serie ...G2, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Michael Kors, mostrador de cor castanha e bracelete dourado e castanha, com o nº serie ...58, avaliado no valor de € 25,00; 1 (um) Relógio marca Belmor, com mostrador de cor cinzenta e bracelete cinzenta sem nº serie visível, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Amara, com mostrador e bracelete dourada, com o nº serie ...70, avaliado no valor de € 750,00; 1 (um) Relógio marca Jaz, com mostrado e bracelete verde, sem nº serie visível, sem valor atribuído; 1 (um) Saco de desporto marca Tommy Hilfiger, de cor preto, 1 (uma) Mala de viagem de grandes dimensões marca Samsonite de cor azul, avaliado no valor de € 60,00; 1 (uma) Mala de viagem de médias dimensões marca Polo de cor castanha, avaliado no valor de € 100,00; 1 (um) Relógio marca Swatch, com mostrador prateado e bracelete prateada, sem nº serie visível, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio marca Casio, mostrador de cor preta e bracelete castanha, com o nº serie ...01, avaliado no valor de € 25,00; 1 (um) Relógio marca Pulsar, mostrador de cor branca e bracelete prata, com o nº serie ...02, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Swatch, mostrador e bracelete cor prata, sem nº serie visível, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Relógio marca Croton, com mostrador e bracelete dourada, com o nº serie ......FT, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Avalon, com mostrador dourado e bracelete preta, sem nº de serie, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Victoria Hyde London, com o mostrador branco e bracelete laranja, com o nº serie ...53, com a etiqueta do preço no valor de 69£ e acondicionado na respectiva caixa de cor rosa, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Caixa própria para acondicionar relógios de cor castanha, contendo os seguintes relógios: 1 (um) Relógio marca Emporio Armani, com mostrador de cor preta, bracelete castanha, com o nº serie ...11, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Movato, com mostrador de cor dourado e bracelete castanha, sem nº serie visível, avaliado no valor de € 150,00; 1 (um) Relógio marca Pierre cardin, com mostrador branco e bracelete castanha, com o nº serie ...05, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Zoty, com mostrador dourado e bracelete castanha, sem nº de serie visível, avaliado no valor de € 100,00; 1 (um) Relógio marca Vulcain, com mostrador dourado e bracelete castanha, sem nº serie visível, avaliado no valor de € 75,00; 1 (um) Relógio marca Technos, com mostrador prateado e bracelete preta, sem o nº serie visível, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Relógio marca Roamar, com mostrador cinzento escuro e bracelete preta, com o nº serie ...17, avaliado no valor de € 40,00; 1 (um) relógio marca Oris, com mostrador dourado e bracelete preta, sem nº serie visível, avaliado no valor de € 150,00; 1 (um) Leitor de DVD portátil da marca LG, modelo LGDVP7772, de cor branca, com o nº serie ...63, com respectiva bateria, carregador, carregador e comando, acondicionado numa bolsa de cor preta, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Relógio marca Guess, com mostrador azul e dourado com bracelete azul, com o nº de serie ...L3, acondicionado na respectiva caixa de cor preta, avaliado no valor de € 10,00; 2 (dois) Botões de punho da marca ... de cor prateada acondicionados na respectiva caixa de cor preta, avaliado no valor de € 40,00; 1 (um) Porta-chaves da marca Pandora de cor rosa acondicionado na respectiva caixa de cor rosa, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Caixa própria para acondicionamento de relógios de cor castanha, encontrava-se: 1 (um) relógio marca Gant, com mostrador beje e bracelete cor preta, com o nº serie ...23, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio marca Seiko, com mostrador branco e bracelete preta, com o nº serie ...17, avaliado no valor de € 75,00; 1 (um) Relógio marca U.S. Polo, com mostrador branco e bracelete dourada e prata, com o nº serie ...84, avaliado no valor de € 35,00; 1 (uma) Relógio marca Movado, com mostrador beje e bracelete castanha, sem nº de serie, avaliado no valor de € 250,00; 1 (um) Relógio marca Longines com mostrador cinza e bracelete preta sem nº serie, avaliado no valor de € 150,00; 1 (um) Relógio marca Dinamo com mostrador branco com bracelete prateada com o nº serie ...71, avaliado no valor de € 35,00; 1 (um) Relógio marca Cortebert com mostrador cinza e bracelete castanha, nº serie ...02, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Relógio Longines com mostrador cinza e bracelete preta sem nº de serie visível, avaliado no valor de € 1.000,00; 1 (um) Relógio de bolso de marca Lov com mostrador branco sem corrente e sem nº de serie, sem valor atribuído; 1 (um) Relógio de bolso de marca Triunfo com mostrador branco sem corrente e sem nº de serie, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) coluna de som Beats modelo A1680 de cor preta, com nº serie .../0 com saco de cor preta, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) afinador de instrumentos, Diamond SelectorII marca Culti de cor e bolsa preta, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uns) Headfones de marca Bose de cor branca com caixa carregadora de cor cinza e bolsa de transporte de cor preta, avaliado no valor de € 100,00; 1 (uns) Head-fones de marca Kamtron pretos e vermelhos com bolsa de transporte de cor preta, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) Mp3 de marca Zen com bolsa e fones de cor preta, avaliado no valor de € 10,00; 5 (cinco) Capas pretas próprias para telemóvel, FLiP-case, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Caixa com 10 recargas de caneta, marca Lamy, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) GPS de marca TOM TOM, modelo 4EH51, s/n. ...46, avaliado no valor de € 30,00; 1 (um) GPS de marca GARMIN, modelo NUVI 1410, s/n. ...03, avaliado no valor de € 150,00; 1 (um) Pocket WI-FI, marca JETFI, modelo G3, com o IMEI ...98, com respectiva capa nylon preta, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Powerbank, marca Pineng, modelo PN-951, de cor branca, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Caneta de tinta permanente, marca Lamy, modelo Joy, com 4 recargas, tudo na respectiva embalagem (com adesivo com a inscrição LIS247 593), avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Powerbank, marca PLANET, modelo OSNEL - item 4745, de cor branca, com respectiva caixa e cabo de alimentação, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Caneta Parker, de cor prata, com o s/n. ...40, no respectivo estojo e caixa, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Conjunto de uma caneta e uma lapiseira, de marca Pelikan, de cor preto e prata, dentro de um estojo de plástico de cor azul, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) I-POD, de cor azul, de marca Apple, modelo A1320, com o s/n. ...26, avaliado no valor de € 200,00; 1 (um) Saco em tecido, com motivos coloridos, contendo no seu interior, 5 (cinco) Pen drives de várias marcas e 19 (dezanove) cartões SD de várias marcas e 5 (cinco) cartões micro SD, avaliado no valor de € 2,00; 1 (um) Trolley de cor cinzenta, de marca Gian Marco Ventur (GMV), avaliado no valor de € 200,00;
P) Que os objectos que estavam no gabinete da arguida QQ, ao longo do tempo, a arguida os fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e que se tivesse apropriado do telemóvel de marca e modelo Samsung Duos J5, com o IMEI ...99, cor de rosa, avaliado no valor de € 100,00, proveniente dos Emirados Árabes Unidos;

Q) Que no dia 05 de Setembro de 2019, à saída do seu turno de serviço, o trólei azul que a arguida RR levava consigo estava visivelmente cheio com objecto[s] retirados do armazém dos “perdidos e achados”, que trouxera vazio, à sua chegada ao serviço;
R) Que no dia 26 de Outubro de 2019, por volta das 07 horas e 12 minutos, à saída do seu turno de serviço, a caixa de cartão de grandes dimensões que a arguida RR levava consigo vinha com objecto[s] retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
S) Que no dia 15 de Novembro de 2020, à saída do seu turno de serviço, o saco preto de grandes dimensões que a arguida RR [levava consigo] tinha objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
T) Que no dia 15 de Janeiro de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levou consigo um casaco cinzento previamente retirado do armazém dos “perdidos e achados”;
U) Que no dia 07 de Março de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levou consigo um trólei de viagem, cor-de-rosa, previamente retirado do armazém dos “perdidos e achados”;
V) Que no dia 23 de Março de 2020, à saída do seu turno de serviço, a arguida RR levou consigo um tapete de ioga/ginástica, previamente retirado do armazém dos “perdidos e achados”;
W) Que a arguida RR retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (um) Casaco, ZARA WOMAN, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uma) Mala de viagem, avaliada no valor de € 35,00; 1 (um) TAPETE, OXYLANE, 73058, Tapete de Ginástica da FITNESS MAT CLUB, sem valor atribuído;
X) Que no período descrito nos autos, em diversas ocasiões, o arguido GG comportou-se como um verificador auxiliar aduaneiro, trajando à civil, para de forma discreta controlar e proceder à abordagem de passageiros sinalizados nas rotas de contrabando de tabaco e realizando apreensões, bem sabendo que tais funções extravasavam a sua categoria profissional.
Y) Que nesse período, o arguido GG retirou diversos bens do armazém que transportou numa mochila que levou especialmente destinada a esse efeito ou em sacos e malas que também retirou do armazém, sendo conhecido entre os colegas “por ter o seu próprio armazém”;
Z) Que na noite de 10 para 11 de Agosto de 2019, depois de ter entrado ao serviço, o arguido GG deslocou-se ao armazém e dali retirou e levou consigo, para o balcão da alfândega, um trólei de cor escura;
AA) Que mais tarde, nessa noite, por volta das 00 horas e 46 minutos, o arguido GG dirigiu-se ao parque de estacionamento P6, levando consigo a sua mochila, visivelmente mais cheia do que se encontrava aquando da sua entrada ao serviço e dali deslocou-se, no seu veículo, ao Motel ..., de onde regressou, passadas cerca de 3 horas, a fim de completar o seu turno de serviço;
BB) Que pela manhã, à saída do turno, o arguido GG não levou qualquer mochila consigo;
CC) Que no dia 2 de Outubro de 2019, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levava consigo a mochila que trouxera quando entrara ao serviço, agora, visivelmente cheia com objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”, designadamente, um tripé;
DD) Que no dia 30 de Novembro de 2019, por volta das 22 horas e 30 minutos, o arguido GG saiu do aeroporto depois do seu turno de serviço e deslocou-se para casa da sua namorada, sita na Avenida ..., ..., em ..., levando consigo dois volumes de tabaco, previamente retirados dos “perdidos e achados”, guardados num saco de plástico branco;
EE) Que no dia 02 de Dezembro de 2019, por volta das 22 horas e 15 minutos, o arguido GG saiu do aeroporto depois do seu turno de serviço e deslocou-se para casa da sua namorada, a arguida CC, sita na Avenida ..., ..., em ..., levando consigo diversos volumes de tabaco, previamente retirados dos “perdidos e achados”, guardados num saco em tecido branco;
FF) Que no dia 24 de Dezembro de 2019, quando se encontrava de serviço, por volta das 23 horas e 15 minutos, o arguido GG dirigiu-se ao armazém do tabaco e dali retirou alguns volumes de tabaco que levou consigo envoltos no casaco que antes vestia e despiu para o efeito;
GG) Que no dia 25 de Dezembro de 2019, por volta das 06 horas e 58 minutos, à saída do seu turno de serviço, o arguido GG levou consigo os volumes de tabaco que retirara do armazém, no interior da sua mochila;
HH) Que no dia 7 de Março de 2020, o arguido GG levou consigo para o serviço um trólei que previamente prepara com o intuito de retirar do armazém e levar consigo diversos objectos, como efectivamente veio a suceder;
II) Que à luz das conversas mantidas com o filho a respeito das ofertas que este lhe fez a si e a outros familiares, dos códigos usados no decurso dessas conversas, a arguida BB sabia e não podia desconhecer que os bens em que consistiam tais ofertas eram provenientes do armazém da Alfândega do Aeroporto ..., tendo dali sido retirados abusivamente pelo seu filho, o arguido GG,, que sobre eles não possuía qualquer direito;
JJ) Que ainda assim, a arguida BB aceitou receber na sua posse todos os bens supra discriminados, com o propósito concretizado de, assim, obter uma vantagem patrimonial;
KK) Que à luz das conversas mantidas com o tio a respeito das ofertas que este lhe fez a si e a outros familiares e dos códigos usados no decurso dessas conversas, o arguido DD sabia e não podia desconhecer que os bens em que consistiam tais ofertas eram provenientes do armazém da Alfândega do Aeroporto ..., tendo dali sido retirados abusivamente pelo seu tio, o arguido GG, que sobre eles não possuía qualquer direito;
LL) Que ainda assim, o arguido DD aceitou receber na sua posse todos os bens supra discriminados, com o propósito concretizado de, assim, obter uma vantagem patrimonial;
MM) Que à luz das conversas mantidas com o namorado a respeito das ofertas que este lhe fez a si e a outros familiares e dos códigos usados no decurso dessas conversas, a arguida CC e não podia desconhecer que os bens em que consistiam tais ofertas eram provenientes do armazém da Alfândega do Aeroporto ..., tendo dali sido retirados abusivamente pelo seu namorado, o arguido GG, que sobre eles não possuía qualquer direito;
NN) Que ainda assim, a arguida CC aceitou receber na sua posse todos os bens supra discriminados, com o propósito concretizado de, assim, obter uma vantagem patrimonial;
OO) Que no período descrito nos autos, o arguido SS retirou diversos bens do armazém que transportou numa mochila que levou especialmente destinada a esse efeito;
PP) Que no dia 08 de Fevereiro de 2020, o arguido SS ofereceu à sua mãe, NNNNN, uma mala contendo diversos objectos, que previamente retirou do armazém dos “perdidos e achados”;
QQ) Que o arguido SS retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (uma) Garrafa de Rum de marca Diplomático Reserva com respectiva caixa de cor laranja e cinza, avaliado no valor de € 40,00; 1 (uma) Garrafa de Aguardente Velha de Santo Antão, com respectiva caixa de cor preta e dourada, avaliado no valor de € 22,00; 1 (um) Trolley de marca DELSEY cor preta, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Trolley de marca TUMI de cor preto, avaliado no valor de € 60,00; 1 (um) DVD Portátil de marca Philips, modelo PD7000B/12 de cor preto, com o número de série ...74, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Headphones de marca SENNHEISER de cor preto e com respectiva bolsa de cor preta, avaliado no valor de € 85,00; 1 (um) Headphones de marca SENNHEISER de cor preto e cinza, avaliado no valor de € 90,00; 1 (um) Casaco de marca SÈRGIO TACCHINI de cor azul, avaliado no valor de € 45,00; 1 (uma) Mala de marca MICHAEL KORS de cor castanha, avaliado no valor de € 250,00; 2 (dois) Frascos de produtos de Higiene de marca ALOE, avaliado no valor de € 15,00; 1 (um) Telemóvel de marca Sony, modelo Xperia de cor preto, com o IMEI ...50, contendo respectivo cabo de carregamento, avaliado no valor de € 15,00; 1 (um) Telemóvel de marca SAMSUNG, modelo S3 Neo, de cor azul, com IMEI ...84, avaliado no valor de € 35,00, proveniente de Itália, com um cartão SIM de uma operadora TELCEL México inserido e um cartão de memória com fotografias do arguido naquele país;
RR) Que no período relevante, o arguido HH retirou diversos bens dos armazéns dos “perdidos e achados”, transportando-os numa mochila que levou especialmente destinada a esse efeito;
SS) Que os arguidos HH, GG e JJ actuaram concertadamente, em comunhão de esforços e execução de plano previamente traçado, com o intuito de se apropriarem e dividirem entre si, 28.000 cigarros que se encontravam nas malas registadas em nome de BBBBB;
TT) Que a elaboração de um auto de apreensão com um número duplicado destinou-se a formalizar a entrada do tabaco no armazém e a ocultar a sua verdadeira proveniência de modo, a permitir-lhes depois, retirá-lo dali e fazer desaparecer o rasto;
UU) Que os arguidos GG, HH e JJ acordaram em forjar e lavraram documentos que bem sabiam não ter correspondência com a realidade, com o propósito de executar e encobrir tais apropriações, bem sabendo que, assim, atentavam contra a verdade intrínseca daqueles, em detrimento da sua segurança e credibilidade no tráfico jurídico;
VV) Que mais tarde nesse dia, no final do seu turno de serviço, por volta das 15 horas e 13 minutos, o arguido HH levou consigo objectos que retirou do armazém dos “perdidos e achados” numa mochila que não trazia quando entrou ao serviço;
WW) Que dizendo-lhe que tinha encontrado uma mochila azul com tabaco igual às que ele e o II tinham levado, que a ia mandar para cima e que esta era para ele, ao que o arguido GG assentiu;
XX) Que nesse dia, à saída do seu turno de serviço, o arguido HH levou diversos volumes de tabaco na sua mochila, que estava visivelmente mais volumosa que quando a trouxera, à chegada ao serviço;
YY) Que a apreensão da mochila com tabaco não foi registada sob qualquer forma;
ZZ) Que nos dias 29 e 30 de Março de 2020, o saco do IKEA contivesse objectos retirados do armazém e que fossem utilizados para transportar artigos retirados do interior do armazém dos perdidos e achados para a sua viatura;
AAA) Que o arguido HH retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (uma) Mochila, Nike, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Mala, New Kollection, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Mochila, DC, avaliado no valor de € 30,00; 1 (uma) Mochila, Star Dragon, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Mochila, Executive, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Saco, Armani Jeans, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Pasta, Nmasl, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Mochila, Naf, avaliado no valor de €15,00; 1 (uma) Mochila, Ecgo, avaliado no valor de €15,00; 1 (uma) Mochila, ASINAIDI, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uma) Mochila, Reverse, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Mochila, WAWJ, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Pasta, ACEN, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Bolsa, Sony, avaliado no valor de € 5,00; 1 (uma) Bolsa, LOWEPRO, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Bolsa, Panasonic, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Bolsa, Hama, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Máquina fotográfica digital, Nikon, avaliado no valor de € 50,00; 1 (um) Tablet, Acen, avaliado no valor de € 100,00; 1 (um) Tablet, Takana, avaliado no valor de € 60,00; 1 (um) Tablet, Treaky, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Relógio, Michael Kors, avaliado no valor de € 75,00; 1 (um) Relógio, Patek Philippe, avaliado no valor de € 500,00; 1 (um) Relógio, Patek Philippe, avaliado no valor de € 500,00; 1 (umas) Colunas de som, Bose, avaliado no valor de € 300,00; 1 (um) HeadPhones, Parrot, com Bolsa de cor preta da marca Bose, avaliado no valor de € 150,00; 1 (um) HeadPhones, Bose, Com Bolsa de cor preta da marca Bose, avaliado no valor de € 200,00; 1 (um) Tripé, foto pro s3 lite, com saco de transporte da mesma marca, avaliado no valor de € 50,00; 1 (uma) Haste de câmera, com bolsa de transporte, avaliado no valor de € 30,00; 1 (uma) Garrafa, Amaretto, Licor Di Saronno, 700ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa, Baileys, 1L, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa, Amarula, Licor, 375ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa, Smirnoff, Vodka, 1L, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Garrafa, Vinagre, Fazenda do Cré, Vinagre de Mel e Oregão - 200ml, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Garrafa, Baileys, 700ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa, Eristoff, Vodka Preta, 700ml, avaliado no valor de € 14,00; 1 (uma) Garrafa, Dómúz, Licor de Café, 700ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa, Frangélico, Licor Italiano, 700ml, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Garrafa, Limoncino, Licor Italiano, 500ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa de vinhos licorosos e de Aperitivos, Justino´s, Vinho Madeira 5 anos, 750ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa de aperitivos, Malvazia 1989, Vinho da Madeira, 750ml, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Garrafa campari, Licor Italiano, 1L, avaliado no valor de € 13,00; 1 (uma) Garrafa, Famouse Grouse, Whiskey, 700ml, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Garrafa de vinhos licorosos e de Aperitivos, Kopke, Vinho Porto 10 anos, 750ml, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa Ballantine´s Finest, Whiskey, 1L, avaliado no valor de € 17,00; 1 (uma) Garrafa, Baileys, 700ml, avaliado no valor de € 13,00; 1 (uma) Garrafa Roble Vieja, Ron, avaliado no valor de € 13,00; 1 (uma) Garrafa Kavalan, Whiskey, 500ml, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uma) Garrafa Pitú, Cachaça Golg 12, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa de Bar Royal, Espumante Melon, 750ml, avaliado no valor de € 5,00; 1 (um) Frasco de perfumes, La Biosthetique Pari, avaliado no valor de € 60,00; 1 (um) Frasco de perfumes Christian Dior, Eau Savage, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Frasco de perfumes Chanel, Chanel Allur "Homme Sport, avaliado no valor de € 70,00; 1 (um) Frasco de perfumes Montblanc, avaliado no valor de € 120,00; 1 (um) Frasco de perfumes Narciso Rodriguez, avaliado no valor de € 60,00; 1 (um) Frasco de perfumes Acqua de Dio, avaliado no valor de € 35,00; 1 (um) Frasco de perfumes La Cost, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Frasco de perfumes Davidof, avaliado no valor de € 60,00; 1 (um) Frasco de perfumes Calvin Klein, avaliado no valor de € 70,00; 1 (um) Frasco de perfumes Terr D'Hermès, avaliado no valor de € 70,00; 1 (um) Frasco de perfumes Hugo Boss, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Frasco de perfumes Paco Rabanne, avaliado no valor de € 80,00; 1 (um) Frasco de perfumes Scuderia Ferrari, avaliado no valor de € 75,00; 1 (um) Frasco de creme de corpo, Victorias Secret, avaliado no valor de € 5,00; 1 (um) Frasco de creme de corpo, THANN, avaliado no valor de € 40,00; 1 (um) Frasco de desodorizantes, O Boticário, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Frasco de cremes de corpo, Vitoria's Secret, avaliado no valor de € 45,00; 1 (um) Gel de banho e Sabonetes, Yves Rocher, avaliado no valor de € 40,00; 1 (um) Creme de corpo, Nativa SPA, --- Creme Esfoliante, avaliado no valor de € 15,00; 1 (um) Creme de corpo, VICHY, sem valor atribuído; 1 (uma) Garrafa de vinho do porto, Dona Antónia, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Garrafa Jack Daniel's, avaliado no valor de € 30,00; 1 (uma) Garrafa Murano, --- Cachaça Murano 500ml, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Garrafa, Pitú Vitoriosa, --- Cachaça Pitú Vitoriosa 700ml, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa, Old Parr, 12 anos, avaliado no valor de € 70,00; 1 (uma) Garrafa, Ron Viejo de Caldas - 375ml, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa Champanhes e Espumantes, Veuve Cliequot, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uma) Garrafa Champanhes e Espumantes, Rom Viego de Caldas, avaliado no valor de € 25,00; 1 (uma) Garrafa MR, Água ardente de cana MR - 700ml, sem valor atribuído; 1 (uma) Garrafa Chivas Regal 18 anos - 200ml, avaliado no valor de € 75,00; 1 (uma) Garrafa de vinho Adega Mayor, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Garrafa J. Faria & Filhos, --- Vinho da madeira J. Faria & Filhos Lda., avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa Brazilian Spirit, --- Cachaça Brazilian Spirit - 700ml., avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa Glenfiddich, --- Whiskey Glenfiddich - 1l, avaliado no valor de € 60,00; 1 (uma) Garrafa Raposeira, "Perrless Super Reserva, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa Graham's, 10 anos - 750ml, avaliado no valor de € 12,00; 1 (uma) Garrafa Drambuie, Whiskey Drambuie - 1l, avaliado no valor de € 35,00; 1 (uma) Garrafa Champanhes e Espumantes, Spumante, 750ml, avaliado no valor de € 18,00; 1 (uma) Garrafa Bebidas espirituosas, Barcardi - 1l, avaliado no valor de € 15,00; 1 (uma) Garrafa Cervejas, Budweiser, edição limitada, avaliado no valor de € 5,00; 1 (uma) Garrafa Coloma, --- Licor de café Coloma - 750ml, avaliado no valor de € 20,00; 1 (uma) Garrafa Real 1493, Aguardente, 750ml, avaliado no valor de € 30,00; 1 (uma) Garrafa Jack Daniel's , --- Whiskey Jack Daniel's - 1l, avaliado no valor de € 20,00;
BBB) Que os objectos apreendidos na casa da arguida FF proviessem da Alfândega e tivessem sido previamente retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...;
CCC) Que à luz das conversas mantidas com o seu filho [a] respeito das ofertas que este lhe fez e dos conhecimentos adquiridos no exercício das suas funções profissionais, a arguida FF sabia e não podia desconhecer que os presentes que recebeu eram provenientes dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e que haviam sido dali retirados abusivamente por aquele, seu filho, o arguido HH, que sobre os mesmos não possuía qualquer direito;
DDD) Que ainda assim, a arguida FF aceitou receber tais presentes, com o propósito concretizado de obter uma vantagem patrimonial;
EEE) Que no período dos autos, o arguido II retirou diversos bens do armazém que transportou em sacos e mochilas previamente preparados para esse efeito;
FFF) Que no dia 13 de Agosto de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 07 horas e 09 minutos, o arguido II levou consigo um trólei de cor cinzenta, que não tinha consigo quando entrara ao serviço na noite anterior, contendo no seu interior diversos objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
GGG) Que o trólei continha no seu interior diversos objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
HHH) Que no dia 9 de Outubro de 2019, à saída do seu turno de serviço, por volta das 07 horas e 09 minutos, o arguido II levava consigo um saco de papel volumoso que não tinha consigo quando entrara ao serviço nessa tarde, contendo no seu interior diversos objectos retirados do armazém dos “perdidos e achados”;
III) Que os arguidos HH, GG e II actuaram do modo descrito, com o intuito de se apropriarem e dividirem entre si, 28.000 cigarros que se encontravam nas malas registadas em nome de BBBBB;
JJJ) Que os arguidos GG, HH e II acordaram em forjar e lavraram documentos que bem sabiam não ter correspondência com a realidade, com o propósito de executar e encobrir tais apropriações, bem sabendo que, assim, atentavam contra a verdade intrínseca daqueles, em detrimento da sua segurança e credibilidade no tráfico jurídico;
KKK) Que a elaboração de um auto de apreensão com um número duplicado, do ano de 2017, destinou-se a formalizar a entrada do tabaco no armazém e a ocultar a sua verdadeira proveniência de modo, a permitir-lhes depois, retirá-lo dali e fazer desaparecer o rasto;
LLL) Que o arguido JJ retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” 1 (um) Hoverboard, de cor preta, de marca ACBK, com o S/N: ...97, avaliada no valor de € 100,00;
MMM) Que a arguida UU retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” os seguintes objectos: 1 (uma) garrafa de Whiskey da marca Western Gold, com um selo azul da Autoridade Tributária, avaliada no valor de € 12,00; 1 (uma) garrafa de rum Captain Morgan de litro, avaliada no valor de € 28,00; 1 (uma) garrafa de rum Captain Morgan de vinte centilitros, avaliada no valor de € 5,00; 1 (uma) garrafa de licor de café da marca Dómúz, com um selo azul da Autoridade Tributária, avaliada no valor de € 13,00; 1 (uma) garrafa de Anis dos Açores, avaliada no valor de € 11,00; 1 (uma) garrafa de Moet & Chandon, de 375ml, avaliada no valor de € 25,00; 1 (um) coffret dourado, contendo uma mala preta, com 4 amostras de perfume, avaliada no valor de € 30,00; 1 (uma) caixa cinzenta em triângulo, com os dizeres da “Parker Frontier”, contendo no interior um estojo próprio para caneta, uma caneta parker de aparo dourado, e 5 recargas de tinta permanente, avaliada no valor de € 60,00; 1 (uma) capa de protecção para um Nokia7260, ainda na embalagem, avaliada no valor de € 5,00; 1 (um) cartão microSd de 2GB, da marca Kingston, com dois adaptadores, ainda selados, avaliada no valor de € 5,00; 1 (um) Leitor de cartões HMC, ainda embalado na caixa, avaliada no valor de € 10,00; 1 (um) par de óculos cor-de-rosa, da marca HM, com a respectiva bolsa, avaliado no valor de € 10,00 e 1 (um) par de óculos azuis da marca havaiana, no interior de uma bolsa cinzenta da marca Empório Armani, avaliado no valor de € 10,00;
NNN) Que [no] mesmo dia, no seu local de trabalho nas instalações da Autoridade Tributária sitas no Aeroporto ..., a arguida UU tinha guardados os seguintes objectos que previamente separa[ra] para si e retirara do armazém dos “perdidos e achados” [os seguintes objectos]: 1 (um) Telemóvel de marca Samsung modelo Sm-J530F, IMEI ...37 e capa de protecção azul, avaliado no valor de € 160,00, proveniente de Itália, com um cartão SIM da operadora Vodafone Itália inserido; 1 (um) Guarda-chuva com as inscrições “Solmux, Para OOOOO”, avaliado no valor de € 5,00; 1 (uma) Carteira da marca MSK, de cor bordo, avaliada no valor de € 20,00; 1 (uma) Carteira da marca LIU-JO, de cor azul, avaliada no valor de € 20,00; 1 (uma) Carteira da marca Primark de cor rosa, avaliada no valor de € 10,00; 1 (um) Par de óculos graduados com uma etiqueta do proprietário PPPPP, sem valor atribuído; 1 (um) Porta-moedas em cortiça, avaliado no valor de € 10,00; 1 (um) porta-moedas da marca Wallet Fashion, contendo: 50 (cinquenta) escudos de Cabo verde, 20 (vinte) centavos do Brasil e 5 (cinco) centavos dos Estados Unidos da América, avaliado no valor de € 10,00; 1 (uma) Caixa em cartão, com os dizeres “cofre verde, 2019-12-13, contrastaria”, contendo um porta-moedas colorida, com um papel a dizer contrastaria. No seu interior continha um saco plástico com 3 (três) anéis e 1 (um) brinco em metal amarelo, 1 (uma) caixa azul, em plástico, com os dizeres “Pala Jóias”, com 1 (um) Par de brincos, com pérolas azuis, 1 (um) fio prateado com um pendente com uma perola branca e 2 (duas) caixas em plástico cor-de-rosa, com o dizer “RILHO”, cada uma contendo um par de brincos em metal amarelo, tudo avaliado no valor de € 296,50; no cacifo: 1 (um) Perfume Empório Armani, avaliado no valor de € 50,00; - 1 (um) Perfume A Thousand, avaliado no valor de € 20,00; 1 (um) Perfume Dpleasures, avaliado no valor de € 20,00 e 1 (uma) Mala em pele de cor preta e castanha, avaliada no valor de € 40,00;
OOO) Que os arguidos AA, EE, BB, CC, DD, FF sabiam que os bens que receberam lhes foram oferecidos por funcionários da Alfândega do Aeroporto ..., tendo sido por estes obtidos por via do exercício dessas funções, sem que, todavia, tivessem sobre os mesmos quaisquer direitos e sem que os mesmos lhes fossem devidos a qualquer título o que era susceptível de causar prejuízo ao Estado;
PPP) Ainda assim, aproveitando a relação próxima que os unia e a disponibilidade dos demais, os arguidos AA, EE, BB, CC, DD, FF aceitaram receber esses bens, cientes da sua proveniência ilícita, com o propósito concretizado de assim obterem uma vantagem patrimonial.
QQQ)
RRR)”.

Inexistem quaisquer outros factos provados, ou por provar, com relevância para a decisão de mérito, sendo o demais alegado, invocado e aduzido de natureza jurídica, conclusiva e normativa, logo insusceptível de resposta quanto à matéria de facto.
*
C) Motivaçlo da decisão de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada, e não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonnizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Arto 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, baseando-se:
Em relação aos factos acima descritos referentes ao arguido KK teve-se em consideração, e desde logo, em parte das suas declarações, dado que, o arguido, em parte, admitiu ter retirado objectos da AIfândega, onde exercia funções públicas, admitindo que alguns ofereceu a familiares e amigos e outros ficaram na sua posse.
Mais se teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453.
Não merecem qualquer credibilidade as declarações do arguido no que tange à circunstância de não estar ciente da ilicitude da detenção do revólver e das munições em causa, desde logo, porquanto o arguido tinha uma outra arma manifestada, logo perfeitamente consciente da ilicitude da detenção do revólver em causa, nem justifica minimamente essa posse o ter-lhe sido oferecido em tempos, quer o revólver, quer as munições.
Igualmente não justifica o comportanento do arguido, o facto de dizer que alguns objectos eram lixo, pois não só não estavam no lixo, visto que a sua inutilizaçao não era ser colocado num caixote do lixo à mercê da mão alheia, dado que, havia não só locais próprios para depósito e empresa específica para recolha dos objectos cujo destino não é o lixo, mas sim a sua inutilização, ou seja, o que se pretende é que não sejam utilizados, e alguém levar para casa ou oferecer objectos está a desvirtuar tal fim, pois está a dar-lhes utilização.
Por outro lado, há um valor intrínseco inerente aos objectos, e no [que] caso deste arguido é patente que excede uma unidade de conta.
E o mesmo se diga quanto à arguida QQ, cujas declarações, parcialmente confessórias, consubstanciam uma narrativa autocentrada, autocomplacente e desculpabilizante, numa manifesta postura de desvalorização do seu comportamento, particularmente censurável, desde logo, por exercer funções de coordenadora da Alfândega e por ser licenciada em Direito.
Nas declarações do arguido NN que negou categoricamente os factos, frisando que os objectos ou foram por si adquiridos ou lhe foram oferecidos.
No entanto, no que tange à mochila e à mala de viagem apreendidas na casa do seu filho DDD, ao invés dos demais objectos – cuja negação do arguido não foi contrariada por qualquer outro meio de prova e do mero exarne dos objectos não se consegue concluir de forma inequívoca, no sentido que os mesmos provieram da Alfândega – resultou indubitavelmente provado que os mesmos foram retirados pelo arguido NN da Alfândega – e assim os subtraindo – levando-os consigo e oferecendo-os a terceiro – dos mesmos se apropriando ilegitimamente – pois, veja-se que dos fotogramas do sistema de videovigilância (cfr. fls. 72 a 76 do apenso 2 dos autos de visionamento, dia 03.05.2019, com saída às 22 horas e 20 minutos) é notório que se trata quer da mochila, quer da mala de viagem, como claramente se observa do auto de apreensão e dos fotogramas – cfr. fls. 2741 e 2746 a 2749 – que o acompanham, e concomitantemente das intercepções telefónicas que contemporaneamente com essas imagens, o arguido NN contacta o filho (e a filha) dizendo-lhes que tem uma mala mochila grande para oferecer (cfr. fls. 3 a 5 do apenso de transcrições 3, dia 03.05.2019 às 22 horas e 36 minutos).
Ora, inexiste qualquer outra explicação lógica para que no dia em que o arguido é visto a sair com a mochila, apreendida na casa onde o filho reside, contacte, nesse mesmo dia, o filho para lhe oferecer uma mochila grande, que não seja, a apropriaçlo da mochila que veio (patentemente como se infere da observação dos fotogramas extraídos do sistema de videovigilância do Aeroporto ...) da Alfândega.
O mesmo sucede com a mala da "DKNY" que se vê a sair na posse do arguido e depois há o contacto telefónico com a filha, primeiro, e depois com o filho, vindo essa mesma mala a ser apreendida na casa deste (cfr. fls. 85 a 90 do auto de visionunento, dia 25.05.2019, 2 e fls. 7 a 9 do apenso de transcrições 3, dia 28.05.2019, “o pai tem uma mala para o mano”).
Quanto à arguida OO apenas resultou provado que efectivamente quer o cachecol (para além das postas de bacalhau), quer o tablet foram retirados ilegitimamente da Alfândega, sendo que a "autorização" da arguida QQ nao exclui a ilicitude da conduta e do teor de fls. 213 a 216 do apenso dos autos de exames aos equipamentos electrónico[s] 2 resulta claramente estarem associados dois endereços de correio electrónico em nada relacionados com a pessoa da arguida e associados a uma operadora do Brasil.
Os arguidos GG e HH remeteram-se legitimamente ao silêncio no que tange aos factos subsumíveis ao crime de peculato, negando os factos no que tange aos crimes de falsificação, esclarecendo que não forjaram, nem adulteraram qualquer documento.
Por sua vez, o arguido II negou categoricamente os factos subsumíveis à falsificação de documentos, renovando o que declarou em sede de primeiro interrogatório, em que síntese, reconhece que os objectos que lhe foram apreendidos foram retirados da Alfândega, conjugado com o teor do apenso 8 de transcrições e as imagens de videovigilancia de fls. 230, 234 e 236 do apenso 2 dos autos de visionamento, concatenado com o teor do auto de apreensão na sua residência a fls. 2371 a 2371 e fls. 39 a 42 dos autos de exame directo aos telemóveis e apenso 6 de transcrição fls. 40 a 43.
Os arguidos SS e JJ, na sua essência, reconhecem os factos imputados – salvo quanto ao crime de falsificação que é tarnbém imputado ao arguido JJ, sendo que, os factos dados como não provados advêm da sua não demonstração, sendo certo que, quanto aos aparelhos electrónicos, teve o Tribunal em consideração, e se analisou, o teor constante dos autos de exame directo aos telemóveis e aos equipamentos electrónicos, bem como as resposta do protocolo "Apple", espelhados nos respectivos apensos, cujo detalhe, rigor e observação minuciosa não suscita qualquer dúvida, nem reserva.
Quanto à arguida TT teve-se em consideração o teor de fls. 47 a 48 do apenso dos autos de exame directo a telemóveis apenso 4 de transcrições, fls. 16 a 22 bem com as características específicas dos objectos, cuja heterogeneidade de proveniências estrangeiras, só é justificável à luz das regras da lógica e da experiência como tendo sido retirados da Alfândega.
Em relação ao arguido GG para além da análise conjugada dos autos de visionamento e das transcrições com os objectos apreendidos – os na sua residência e nas casas dos familiares –, e a sua situação económica (cfr. relatório social e apenso de documentação bancária) inexiste qualquer explicação lógica e razoável para a posse de tais artigos, pela sua quantidade e valor e heterogeneidade de origens que não seja o denominador comum a Alfândega onde o arguido trabalha e onde tinha acesso aos bens por força dessas funções públicas.
Por sua vez, os arguidos AA, LL, MM, OO, PP, RR, TT, UU, BB, CC, DD, EE e FF não prestaram declarações, remetendo-se legitimamente ao silêncio.
No que tange à factualidade acima dada como provada quanto à arguida RR, pese embora o silêncio, a que legitimamente a arguida se remeteu, a verdade é que, resultou inequivocamente demonstrado que os artigos encontrados e apreendidos na sua residência, no que aos aparelhos electrónicos se reporta, no dia 22.06.2020 (cfr. auto de apreensão de fls. 2544 a 2545) – e que somente por acto decorrente da sua vontade podem ter sido ali colocados, guardados e mantidos, visto tratar-se da sua residência – foram subtraídos da esfera de domínio e de disponibilidade da Alfândega do Aeroporto ... – veja-se as reclamações por parte dos passageiros – e aos quais a arguida acedeu por força do exercício das suas fimções enquanto funcionária na Autoridade Tributária e Aduaneira, consubstanciando um acto indubitável de apropriação, a circunstância de arguida levado os objectos para a sua residência.
Veja-se que a arguida tinha na sua residência:
- um telem6vel “OPPO”, associado aos endereços electrónicos "..........@....." e ..........@....., tendo-se demonstrado que o mesmo pertencia a HHH (cfr. auto de exarne directo de fls. 86 a 91, do apenso de autos de exames directo aos equipamentos electrónicos 2, factura seu nome, datada de 13.08.2019, a fls. 4186 a 4187 e temo de entrega a fls. 4221), tendo reclamado a sua perda, no dia 14.10.2019 (cfr. fls. 4188 a 4190);
- um telemóvel, de marca e modelo “Appte Iphone 6”, associado ao e-mail ..........@..... e ao contacto ...66, demonstrando-se ser de propriedade da testemunha MMMM (cfr. fls. 84 a 85 do apenso de autos de exames directos aos equipamentos electrónicos 2 e reclamação de as. 4079 a 4083), conjugado com o depoimento isento, seguro e coerente prestado pela referida testemunha precisamente que o perdeu no dia 23.12.2016, quando viajava em voo da TAP de ... para ..., ocasião em que o deixou cair e ficar preso entre os assentos da aeronave, tendo sido informada que o assento seria desmontado e o telemóvel lhe seria devolvido.
Aliás, veja-se a troca de mensagens ente a “TAP” e a testemunha MMMM, com início a 29.12.2016, comunicando a perda do telemóvel a 23.12.2016, ou seja, a testemunha reclamou atempadamente o seu telemóvel, não lhe tendo sido entregue e vindo a ser localizado na casa da arguida RR;
- um telemóvel, de marca e modelo “Apple Iphone 6”, com um cartgo “SIM” da operadora britanica “Three”, associado ao e-mail ..........@....., pertencente a NNNN, filha menor da testemunha OOOO, a qual, com segurança e de forrna espontânea referiu que o telemóvel foi perdido no dia 17 de Novembro de 2017, quando viajava no voo da TAP ...7, de ... para ..., tendo-o deixado esquecido no interior da aeronave, o qual foi entregue pela Groundforce e registado no livro de Achados da AT no dia 22 de Dezembro de 2017 (cfr. fls. 8 a 23 do apenso respostas protocolo "Apple", cópia de cartão de embarque de fls. 4415 e apenso l, Livro de Achados da Autoridade Tributária);
- um telemóvel de marca e modelo “Apple Iphone 6”, associado ao e-mail ..........@....., número de telemóvel ...98 e a uma morada na Suíça, com um cartão SIM da operadora suíça Swisscom inserido cfr. fls. 72 a 73 do apenso autos de exames directos aos equipamentos electrónicos 2 e fls. 13 do apenso respostas protocolo Apple);
- um telemóvel de marca e modelo "Apple Ipbone 5", associado ao e-mail ..........@....., pertencente à testemunha PPPP, de cujo depoimento franco, simples e escorreito resultou ser funcionário do Aeroporto ..., da área da carga, que, no mês de Janeiro de 2017, se esqueceu do mesmo no interior do compartimento das bagagens de um avião da TAP, quando ali entrou no âmbito das suas funções, conjugado com o teor de fls. 29 do Apenso respostas protocolo Apple e infirmação de fls. 4037;
- um telemóvel, Microsoft Lumia 550, com o IMEI ...37, cfr. fls. 92 a 94 do apenso autos de exames directos aos equipamentos electrónicos;
- um telemóvel de marca e modelo "Apple Iphone 4S" com o IMEI ...39, avaliado no associado ao nome QQQQ (cfr. fls. 70 a 71 do apenso autos de exames directos aos equipamentos electrónicos 2 e fls. 34 e 57 do apenso respostas protocolo Apple, sendo certo que a factura, datada de 27.03.2012, emitida pela "Vodafone", junta a fls. 3234 tem o nome aposto de QQQQQ e reporta-se a um "lphone 4 Preto 8GB");
- um telemóvel de marca "QILIVE", com os IMEI ...68 e ...76, com idioma português de Cabo-Verde e nome de utilizador "RRRR" (cfr. fls. 74 a 75 do apenso autos de exames directos aos equipamentos electónicos 2);
- um telemóvel, de marca e modelo " Iphone 7", com o IMEI ...53, cfr. fls. 56 do apenso autos de exames directos aos telemóveis e fls. 15 e 53 do apenso respostas protocolo Apple;
- um tablet, de marca e modelo "Apple IPAD, 16GB", com o número série: ... associado ao e-mail ..........@....., número de telemóvel ...43 e uma morada em Espanha, activado com essa conta em 29 de Novembro de 2011 e com a conta da arguida em 13 de Fevereiro de 2020 (cfr. fls. 65 a 66 do apenso autos de exames directos aos equipamentos electrónicos 2 e fls. 18 do apenso respostas protocolo Apple), sendo que a factura a fls. 3232/3233, reportada a um IPAD 2 16GB Whit se mostra datada de 11.11.2011, emitida pela “Worten” de ..., em nome de RRRRR, não resultando tratar-se do mesmo aparelho;
- um relógio, da marca e modelo "Apple, IWATCH Serie 3", com o número de série ......, associado ao e-mail ..........@....., pertencente à testemunha III, resultando cristalinamente do seu depoimento franco e espontâneo que o perdeu no dia 16 de Maio de 2019, na zona do Raio-X do Aeroporto ..., quando ali se encontrava em trânsito, entre ... e ..., o qual foi registado no Livro de Achados da AT (cfr. fls. 33 do apenso de protocolo Apple, informação, cópia de reclamação de fls. 4050 a 4051 e cópia do livro de achados de fls. 4055);
- um relógio, da marca e modelo "Apple, IWATCH Série 2", com o número de sáie ..., associado ao e-mail ..........@....., pertencente a JJJ que o perdeu no dia 29 de Agosto de 2019, à chegada ao Aeroporto ..., vindo de ..., o qual foi registado no Livro de Achados da AT, cfr. fls. 33 do Apenso respostas protocolo Apple, informação e cópia de reserva de fls. 4044 a 4048 e cópia do livro de achados de fls. 4049 de volume 14;
O mesmo já não sucede quanto ao casaco, da marca 'Zara", nem quanto à mala de viagem e ao tapete de ginástica, pois que, por um lado não se provou que a arguida tivesse entrado na posse dos mesmos de forma ilícita, e, por outro lado, que aos mesmos tivesse acedido por força das suas funções públicas na Alfândega do Aeroporto, ao invés dos doze aparelhos electrónicos, acima devidamente discriminados, pois que, se provou que os mesmos pertenciam a terceiros, provou-se que os perderam e comunicaram o seu extravio, não lhes foram entregues e surgiram na casa da arguida, inexistindo qualquer justificaçlo lícita para a arguida coligir na sua residência doze aparelhos electrónicos declarados perdidos por passageiros ou da “TAP” ou do Aeroporto ....
Quanto à arguida UU os factos não provados resultam efectivamente de não se ter demonstrado que tais objectos provieram da Alfândega, nem se retira tal ilação das características dos objectos, nem existe suporte documental, nem testemunhal que o sustente.
O mesmo já não sucede quanto à sua actuação em permitir que os arguidos QQ e JJ se apropriassem do carrinho de bebé e do computador, respectivamente, nem quanto à detenção na sua casa do acima identificado computador “Toshiba”.
Vejamos a fls. 5325, foi junta a factura em nome de SSSSS, de 29.01.2014, a T'OS NB10T-A-1 (novamente junta a fs. 6898 verso), visando a arguida UU demonstrar a aquisição (lícita) do computador portátil que lhe foi apreendido, todavia, tal factura não só demonstra a aquisição por pessoa distinta, como não reflecte a correspondência com o computador apreendido, como comparando com o teor de fls. 207 a 210 do auto de exame directo a equipamentos electrónicos 2 constata-se inequivocamente que não se trata do mesmo número de série, para além de a factura ser de 29.01.2014, o computador foi formatado em 2015, mas tem ficheiros no histórico que remontam a 2013, ou seja, anteriores quer à formatação, quer à suposta aquisição documentada na factua de fls. 5325, logo não é sequer o mesmo computador, para além dos ficheiros anteriores à forma[ta]ção se prendem com inúmeras companhias aéreas, não tendo assim o Tribunal qualquer dúvida, no sentido que tal artigo foi retirado pela arguida, dado que estava em sua casa, da Alfândega do Aeroporto ....
Nas declaraçdes prestadas pela arguida VV a qual, de forma genuína e franca, reconheceu a integralidade dos factos pelos quais foi pronunciada, verbalizando arrependimento e vergonha pelos actos que cometeu, admitindo ter levado consigo o casaco – que voluntariamente entregou aos elementos da Polícia de Segurança Pública aquando da realização das buscas –, esclarecendo que a mala (trolley) foi igualmente por si trazida do Aeroporto, todavia, neste caso, pediu a autorização à coarguida QQ, do que presentemente se arrepende, consubstanciando as suas declarações uma confissão integral e sem reservas dos factos, denotativo de interiorização do desvalor da conduta e de sentido critico.
Mais se concatenou as suas declaraçdes, integralmente confessórias, com o exame do teor de fls. 3446 a 3450, de onde se infere a descrição, e subsequente avaliação, dos objectos apreendidos na residência da arguida VV.
Nas declarações prestadas pelo arguido WW, de cujo teor resultou a demonstração objectiva dos factos pelos quais foi pronunciado, admitindo que retirou o telemóvel – que se encontrava num caixote, juntamente com cerca de outros quarenta telemóveis, sito no corredor adstrito aos serviços da Alfândega do Aeroporto ..., cuja destinação era para destruição –, bem como levou consigo as malas – que estavam num dos armazéns da Alfândega – e a lata de atum foi igualmente retirada da Alfândega, precisando que quanto às malas pediu autorização para as levar à coarguida QQ, tendo escolhido estas malas, porquanto as rodas estavarn operacionais, tendo assim tais objectos utilidade para si.
No entanto, alega o arguido a ausência de consciência da gravidade da sua conduta, frisando que só presentemente adquiriu noção da gravidade dos actos que praticou, o que se afigura objectivamente incompatível com as próprias declarações do arguido, quando afirma que quanto às malas foi pedir autorização à coarguida QQ (coordenadora) para as poder levar para a sua casa. o que manifestamente revela a nítida consciência que aqueles objectos, neste caso, as duas malas, não estavam na sua livre disponibilidade para lhes dar o destino que bem aprouvesse. E mais admite o arguido que sabia que o telemóvel, que decidiu levar consigo para casa, reparando-o e comprando um carregador, oferecendo ao filho – tudo actos inequivocamente demonstrativos de posse e sentimento de pertença – estava num caixote, cujo destino era ser destruído, logo o arguido não podia deixar de saber que não podia levar consigo objectos que estavam confiados à guarda do Estado, aos quais o arguido acedeu pelo exercício das suas funções, enquanto funcionário público a exercer funções na Alfândega do Aeroporto ....
Na verdade, procura o arguido alijar a sua responsabilidade com a justificação da quantidade imensa de objectos que se encontravam depositados na Alfândega do Aeroporto (havia centenas de malas, havia dezenas de telemóveis), o que não consubstancia qualquer causa de exclusão nem da ilicitude, nem da culpa, não sendo crível que o arguido, atenta a sua idade e as suas funções profissionais, não tivesse consciência do desvalor da sua conduta de levar consigo, para a sua casa e fazê-los seus objectos que lhe foram acessíveis em razão das suas funções.
Para além de revelar um discurso autocentrado e denotativo de falta de pensamento consequencial, pois, o arguido, apesar de admitir ter levado consigo os objectos acima elencados, que retirou da Alfândega do Aeroporto ..., centra a tónica das suas declarações nas consequências que pessoalmente vivenciou – o seu estado de saúde e o bem-estar da sua família – como se tal circunstancialismo não resultasse das decisões que voluntariamente tomou, ou seja, não revela o arguido juízo crítico, nem capacidade reflexiva, no sentido que a vergonha que presentemente vivencia advém da sua conduta, não se trata de algo exógeno e fortuito que inopinadamente lhe aconteceu, nem denota o arguido capacidade de interiorização do desvalor da conduta, nem reconhece as repercussões que o seu comportamento comporta para o Estado, para as instituições públicas e para a imagem dos funcionários públicos.
Do depoimento prestado pela testemunha BBB, directora da Alfândega do Aeroporto ..., desde ../../2010 até ../../2020, pouco substrato probatório se extraiu quer para confirrnar, quer infirmar o factos concretamente imputados aos arguidos, pois, ou não tinha conhecimento nem directo, nem presencial quanto aos mesmos, ou a sua postura esquiva e comprometida minavam a isenção e coerência subjacentes a um depoimento digno de credibilidade.
Sendo que os procedimentos resultam cabalmente esclarecidos com base nas declarações prestadas pela arguida QQ, salientando que não compreende que os arguidos carecessem de uma norma escrita para ficarem cientes de que não podiam levar para casa objectos que estavan na AIfândega, pelo que, é absolutamente irrelevante se havia, ou não, um manual de procedimentos escritos, ou se as chefias sabiam e nada faziam, ou se havia falta de espaço ou se os artigos eram para ser inutilizados ou não tinhan valor, a verdade é que os arguidos acederam a estes objectos pr força das funções públicas que lhes estavam acometidas.
As testemunhas KKK, OOO, MMM, RRR, TTTTT, UUUUU funcionários aduaneiros, não obstante o registo credível, igualmente pouco contribuíram para demonstrar que os objectos foram retirados pelos arguidos, pese embora, tenha resultado patente que não existia permissão para os objectos que estavam na Alfândega poderem ser levados para casa pelos funcionários.
E o mesmo se aplica aos depoimentos prestados pelas testemunhas VVVVV, JJJJ, WWWWW e LLL.
A testemunha KKKK confirmou o que, nesta sede, quanto à garrafa para a festa se reporta, a própria arguida QQ já havia admitido.
A testemunha XXXXX, coordenador da sala de bagagem do Aeroporto ... até ../../2010, foi manifestamente contundente em esclarecer que nenhum objecto podia ser levado para casa por um funcionário, revelando-se seguro, claro e rigoroso.
A testemunha EEEE confirmou a entrega da mala, resultando conjugado com as imagens de fls. 168 a 174 do apmso 2 dos autos de visionamento de fls. 13 a14 do apenso de trancrições 4, sendo entregue à arguida TT, resultando cristalina divisão com a arguida LL.
A testemunha CCC confirmou novamente as condutas quantos aos três carrinhos de bébé envolvendo as arguidas TT e LL (cfr. fls. 183 a 189 do apenso 2 dos autos de visionamento e fls. 15 a 22 do apenso de transcrições 4, sendo a consciência da ilicitude “agadeço que fique entre nós”).
As testemunhas ZZZ, GGGG, AAAA, YYY, IIIII, MMMM, DDDD, OOOO, BBBB, PPPP, JJJ, III e HHHHH de forma clara, isenta e rigorosa esclareceram as circunstâncias em que perderam os objectos em causa, não havendo outra explicação para o terem sido encontrados nas casas dos arguidos que não seja a apropriação de objectos aos quais acedemn pelas suas funções profissionais na Alfândega, sendo notório o prejuízo pessoal, profissional e patrimonial vivenciado por estas testemunhas por conta do terem perdido tais artigos, os terem reclamado e não lhes foram entregues, sendo apreendidos nas casas dos arguidos, nos moldes acima aludidos.
A testemunha VVV confirmou de forma segura e credível a venda do computador por parte do arguido GG, não subsistindo qualquer dúvida que o mesmo adveio da Alfândega.
A testenunha UUUU, pai de YYYYY, cuja mãe é ZZZZZ, irmã do arguido GG, sendo a arguida BB avó materna do seu filho e o arguido DD é primo confirmou que todos estes objectos lhe foram entregues pelo arguido GG, não sendo minimamente compatível nem com os rendimentos deste arguido (ver apenso de documentação bancária) a oferta de tais artigos, sendo certo que, nada resulta que sejam contrafeitos, como esta testemunha afirmou.
As testemunhas AAAAAA, BBBBBB, CCCCCC, DDDDDD, EEEEEE, FFFFFF, PPP, GGGGGG, Agentes da Polícia de Segurança Pública confirmaram as apreensões em que participaram, sendo cristalinas quanto ao modo de apuramento do valor dos objectos – um valor médio nas plataformas de venda de objectos em segunda mão online, sendo certo que, resultou também ser esse o método a que os funcionários alfândegários recorrem para fazerem as notas de verificação – nada resultando de forrna objectiva e sustentada que tenha posto em crise os valores atribuídos, atendendo ao método usado.
As testemunhas HHHHHH, IIIIII e JJJJJJ, amigas do arguido NN, confirmaram as ofertas das garrafas, em contexto de convívios diversos e intemacionais, o que, perante a ausência de outra prova, e a negação do arguido, forarn assim dados como não provados. Sendo que quanto à mala “Baga for You” não resulta indubitável que tenha sido retirada da Alfândega, ao invés da mochila e da mala rígida, pois embora de fls. 80 a 82 dos de visionamento apenso 2 se veja o arguido a sair na posse da mesma, a verdade é que inexiste uma conversação transcrita que o sustente, dado que a sessão n.º 1338 bla de uma mala cinzenta e preta – esta é azul – e da sessão 1398 nada resulta em concreto (cfr. fls. 5 e 6 do apenso 3 de transcrições).
As testemunhas KKKKKK, LLLLLL, FFF, MMMMMM e NNNNNN, corroboram a adequada imagem da arguida QQ e o sentimento de vergonha, por ser seus amigos ou familiares, sendo que do depoimento prestado pela testemunha GGG, conjugado com os depoimentos destas duas últimas testemunhas, se retira, por um lado, o gosto pela colecção de relógios, afigurando-se crível e verosímil o seu relato, e por outro lado, não se extrai a mesma ilação quanto aos aparelhos de fotografia, dado que são aparelhos recentes, particularmente valiosos, ao contrário dos relógios.
As testemunhas NNN, OOOOOO, PPPPPP e QQQQQQ confirmam a imagem de adequada inserção social de que o arguido SS beneficia e o mesmo por banda da testemunha RRRRRR quanto ao arguido II e da testemunha SSSSSS quanto à arguida VV.
A testemunha TTTTTT abonou em benefício do arguido JJ, e por sua vez, do depoimento da testemunha SSS retirou-se, por credível, a oferta do hoverboard à neta.
Por sua vez, do depoimento prestado pela testemunha EEE, filho da arguida OO, que se revelou credível e seguro, motivo pelo qual, tais factos foram dados como não provados e o mesmo quanto às [testemunhas] UUUUUU e VVVVVV em relação aos objectos apreendidos na casa da arguida FF.
Relativamente aos factos dados como não provados referentes à imputação do crime de receptação, entende-se não ter sido demonstrado, com o inequívoco e seguro rigor que o direito penal exige, que os arguidos AA, BB, DD, CC, EE e FF soubessem – ou sequer disso com razoabilidade desconfiassem – que os artigos em causa tinham sido obtidos de forma ilícita por parte dos seus familiares.
Vejamos.
O arguido AA é irmão do arguido KK, logo manifestamente existe uma relação familiar e de proximidade efectiva, sendo objectivamente plausível que aquele confiasse que os artigos oferecidos pelo arguido tivessem uma proveniência legítima, não sendo condizente com as regras da lógica e da experiência comum que se tratando de irmãos houvesse essa suspeição ou essa obrigação de desconfiar da origem.
Ora, o arguido AA legitimamente remeteu-se ao silêncio, no entanto, sendo irmão do arguido KK não se afigura que o facto deste arguido lhe dizer que tem três pares de ténis e um impermeável seja suficiente para fundadamente se concluir que o arguido AA sabia da proveniência ilícita de tais objectos.
Veja-se a diferença nas conversações do arguido KK com a “ZZ” e a “...” onde notoriamente resulta que o arguido KK "arranja" tais artigos no serviço, por anteposição nas conversações com o arguido AA onde inexiste qualquer alusão da origem.
Não sendo suficiente para a demonstração do tipo de crime em causa, o teor da conversação constante do apenso de tanscrições das intercepções telefónicas (apenso l), fls. 31 a 34, sessões 14066, 14093, 14150 e 14181, para se demonstrar o conhecimento da ilicitude da proveniência dos artigos que foram de facto apreendidos na casa do arguido AA.
E o mesmo se aplica quanto à arguida EE, pois, não obstante as apreensões de tais objectos na sua residência e que foram efectivamente, como se provou, oferecidos pelo arguido KK, nada se provou que demonstrasse que esta arguida, apesar de ser funcionária alfandegária, sabia que essas ofertas por parte do seu amigo, o arguido KK, advinham de factos ilícitos contra o património, pois, dissecando o teor das sessões 15561, 15565, 15569, 15570 e 15585 (cfr. fls. 37 a 39) do apenso 1 de tanscrições nada pemite essa sustentação.
Quanto à arguida FF, sendo a mesma mãe do arguido HH, não obstante a profissão anterior que teve, não se compreende como é somente com base nesta ligação familiar se pretende provar que a arguida FF sabia que os artigos em causa tinham proveniência ilícita, não sendo a análise das sessões 1001 e 1588 (cfr. fls. 4 e 5) do apenso de transcrições 7.
Quanto aos arguidos BB, CC e DD, que se remeteram ao silêncio, mesmo analisando o apenso de transcrições 6, e as sessões de conversações com o arguido GG, respectivamente mãe, namorada e sobrinho deste arguido, não resulta que estes arguidos soubessem que os artigos em causa.
O mesmo já não sucede quanto ao arguido MM, cuja presunção de inocência foi cabal e inequivocamente elidida, com a produção e exame de prova demonstrativa que este arguido sabia da origem ilícita do trolley, que continha volumes de maços de tabaco, mantendo-o e detendo-o na sua posse (foi-lhe apreendido na sua residência), com vista manifestamente à obtenção de vantagem patrimonial, como o é o ter acesso a tabaco (bem particulannente oneroso).
Pois, não obstante este arguido se ter remetido (legitimamente) ao silêncio, a verdade é que, resulta da análise conjugada da observação dos fotogramas extraídos do sistema de videovigilância do Aeroporto ... (com captação em tempo real da imagem), cfr. fls. 2 a 4 do apenso 3 autos de visionamento e do exame do apenso de transcrições 4, que o arguido se dirige à Alfândega do Aeroporto ... sem nada levar consigo nas mãos (visível) e aí recebe um trolley (o mesmo que lhe foi apreendido na sua residência), levando-o consigo, não havendo qualquer justificação legítima para o arguido, guarda prisional de profissão, se deslocar à zona da Alfândega e receber um trolley e ir-se embora na sua posse.
Note-se que caso fosse uma mala de sua pertença, extraviada e que lhe estava a ser restituída, o arguido chega ao Aeroporto e na posse do trolley sem ter assinado qualquer termo de entrega, sem falar com ninguém, a não ser ao telefone com a arguida LL (cunhada daquele, veja-se sessão 15765, fls. 24/25 do apenso de transcrições 4).
Sendo manifestamente coincidentes o dia e hora das intercepções telefónicas e das imagens captadas pelo sistema de videovigilância, havendo igualmente total sincronia entre o que é inequivocamente observado nas imagens e nas intercepções telefónicas (“a camisa de fora, o estar na rampa”).
Ou seja, da concatenação crítica de tais imagens e do teor das sessões n.º 15770, 15772 e 15790, de 28.11.2019, fls. 26 a 28, a arguida LL pergunta ao arguido MM “queres um, um trolley”, este responde “Quero cunhada” e aquela diz-lhe “então vem buscar”, com o teor do auto de apreensão na residência do arguido MM resulta indubitavelmente demonstrado que o arguido sabia da origem ilícita de tal trolley e o que o mesmo continha, não sendo crível que o arguido desconhecia essa origem porquanto a chefe da cunhada tinha autorizado levar a mala, pois o arguido apercebe-se que a mesma não está vazia e não era susceptível de autorização levar da Alfândega do Aeroporto volumes de tabaco sem estampilha fiscal, especialmente sendo o arguido Guarda Prisional (cfr. fls. 2708 a 2710, auto de busca e apreensão na residência do arguido MM, trolley preto "Libri" e 10 (dez) volumes de tabaco sem estampilha fiscal).
Mais se analisou e examinou, conjugando-se criticamente com a demais prova testemunhal e declarações igualmente produzidas em audiência de julgamento, o teor constante de:
Dos autos principais:
- fls. 12 a 26, consta a listagem nominativa e identificativa dos funcionários da Autoridade Tributária, incluindo os arguidos aí mencionados, oom a indicação expressa das funções desempenhadas;
- fls. 29 a 37, 144 a 146, 775 a 789, elementos de identificação dos arguidos, extraídas das bases de dados do cartão de cidadão;
- fls. 64 a 66 e 70, informação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade da viatura, com a matrícula ..-JL-.., inscrita a favor do arguido PP (cfr. fls. 69, apólice de seguro de responsabilidade civil), cfr. relatório de diligência externa, a fls. 71 a 72, (viatura estacionada no local da residência);
- fls. 56 a 57 e 74 a 75, informação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade das viaturas, com as matrículas ..-..-VZ e QA-..-.., inscritas a favor do arguido KK (cfr. fls. 73, apólices de seguro de responsabilidade civil), cfr. relatório de diligência externa, a fls. 76 a 78, (viatura com a matrícula ..-..-VZ estacionada no local junto da sua residência);
- fls. 51 a 53 e 80 a 81, informação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade das viaturas, com as matrículas ..-ID-.. e ..-DJ-.., inscritas a favor da arguida RR (cfr. fls. 79, apólices de seguro de responsabilidade civil), cfr. relatório de diligência extema, a fls. 82 a 83, (viatura com a matrícula ..-DJ-.. estacionada nas imediações do seu local da residência);
- fls. 58 a 61 e 74 a 75, informação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade das viaturas, com as matrículas ..-AB-.. e ..-..-QX, inscritas a favor do arguido NN (cfr. fls. 84, apólice de seguro de responsabilidade civil), cfr. relatórios de vigilância externa às residências (do agregado familiar de origem e a actual) deste arguido, fls, 177 a 179 e fls. 182 a 184, tendo sido localizada a viatura com a matrícula ..-AB-.. (cfr. fls. 183);
- fls. 63 e 87 a 88, informação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade da viatura, com a matrícula ..-ST-.., inscrita a favor da arguida OO (cfr. fls. 87, apólice de seguro de responsabilidade civil);
- (cfr. despachos judiciais de fls. 48, fls. 96, fls. 139, fls. 170, fls. 194, fls. 225 a 227, fls. 269 a 271, fls. 351, fls. 421, fls. 467 a 468, 480 a 481, fls. 542 a 544, fls. 595 a 597, fls. 651 a 653, fls. 681, fls. 746 a 748, fls. 757, fls. 868, fls. 877, fls. 931, fls. 980, fls. 983, fls. 1041, fls. 1049, fls. 1135, fls. 1207, fls. 1215, fls. 1289, fls. 1363, fls. 1502 a 1503, fls. 1558, fls. 1631, fls. 1674, fls. 1711, fls. 1752, fls. 1793, fls. 1836, fls. 1893, 1939, fls. 1999, fls. 2194, fls. 2256 a 2257
- fls. 103, quanto ao arguido NN um único registo de venda, em 2014, numa loja de compra/revenda "Cash Convetters", referente a um carregador de uma câmara de marca "Sony", em 11.01.2014;
- fls. 110 e 803, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente à arguida OO;
- fls. 111, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido PP;
- fls. 112 a 113 e 123, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido KK;
- fls. 114 a 115 e 124, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente à arguida RR;
- fls. 116, listagem dos veículos associados aos arguidos OO, PP, RR, KK e NN (cfr. fls. 121, listagem dos cartões de acessos entradas/saídas dos cartões e respectivos titulares, os arguidos ora mencionados;
- fls. 147 a 149, relatório de diligência externa à residência da arguida QQ, bem como à casa de férias/fins-de-semana (...) e viatura com a matrícula ..-..-VT;
- fls. 150 a 154, inforrnação identificativa extraída do registo automóvel, propriedade da viatura, com a matrícula ..-..-VT, inscrita a favor da arguida QQ (cfr. fls. 87, apólice de seguro de responsabilidade civil), e outros quatro veículos registados a favor da testemunha GGG (marido daquela);
- fls. 156 a 157, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente à avença n.º 25098, associada à arguida QQ;
- fls. 252, identificação da arguida LL, como funcionária da Autoridade Tributária;
- fls. 792 a 794, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido GG;
- fls. 797 a 799, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido II;
- fls. 800 a 802, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido HH;
- fls. 804 a 806, registo de saídas e entradas no Aeroporto ..., extraído do sistema da "ANA", referente ao arguido SS;
- fls. 904 a 907, anúncio de venda no sítio "OLX", referente ao arguido GG (mala de viagem, vintage) e a fls. 1803 a 1087, anúncio no sítio "OLX", pelo arguido GG publicitando a venda de um computador portátil, por € 750;
- fls. 1056 a 1057, fls. 1094 a 1095, fls. 1232 a 1234, fls. 1442, fotogramas referentes a malas contendo tabaco apreendido e do armazém, sendo visíveis os sacos de plástico pretos;
- fls. 1058, cópia do auto de apreensão/inutilização n.º 411/2019, datado de 06.10.2019, pelas 09 horas, preenchido pelo arguido HH, 2 (duas) malas de tabaco, 28.000 cigarros da marca "Pall Mall", transportadas pela passageira ..., voo ..., procedente de Luanda;
- fls. 1039, auto de apreensão de mercadoria n.º 411/2019, datado de 04.10.2019, preenchido por DDDDD, 17 volumes de "Marlboro", 3.400 unidades, ao passageiro WWWWWW, voo ..., proveniente de Dakar;
- fls. 1060, auto de apreensão/inutilização n.º 417/2019, datado de 05.10.2019, pelas 10 horas, preenchido pelo arguido GG, 83.400 unidades de tabaco "Rouson", passageiro "desconhecido";
- fls. 1061, auto de apreensão/inutilização n.º 418/2019, datado de 05.10.2019, pelas 10 horas, preenchido pelo arguido II, 11.200 unidades de tabaco “Marlboro”, passageiro "desconhecido";
- fls. 1062, auto de apreensão/inutilização n.º 420/2019, de 06.10.2019, pelas 09 horas, preenchido pelo arguido GG, 3 (três) malas, 44.000 unidades de tabaco "Pall Mall", passageiro BBBBB, voo ..., proveniente de Luanda (cfr. infonnação extraída da base de dados do SEF, consulta do passageiro, a fls. 1098/1094);
- fls. 1573 a 1574, sítio "kuantokusta", a 28.01.2020, referente ao arguido GG, modelador de cabelo da mama "Philips", valor de € 52,30;
- fls. 1580 a 1583, registo de bens;
- fls. 2152 a 2153 e 2155, base de dados "passe consultas" do SEF, relativo aos passageiros XXXXXX e YYYYYY;
- fls. 2318 a 2321, auto de notícia por detenção, no que tange à hora, data e local aí devidamente identificados;
- fls. 2332 a 2341 , auto de busca e apreensão, realizada na residência do arguido KK, tendo sido aí encontrados os objectos devidamente identificados (no quarto de arrumos e no quarto do arguido), bem como foram localizadas e apreendidas uma arma de fogo, revólver, no interior de uma caixa própria, 50 (cinquenta) munições de calibre .38, 15 (quinze) munições do mesmo calibre denominadas "shotshell", um revólver de calibre .22 e 45 (quarenta e cinco) munições de calibre .22 próprias para este revólver, concatenado com os fotogramas (reportagem fotográfica) que o acompanha a fls. 2344-D a 2347 (sem descurar que quanto ao revólver da marca "Taurus", de calibre.38, livrete n.º ...12, foi determinado o levantamento da sua apreensão e a sua restituição arguido KK, cfr. fls. 4889).
Veja-se que os telemóveis se encontravarn debaixo da cama (cfr. segundo fotograma de fls. 2344-F e o tablet da Samsung e um Ipad da Apple estavam guardados entre o estrado e o colchão da cama, cfr. fls. 2344-G, segundo fotograma), não sendo manifestamente locais de fácil e visível acesso, não são objectivamente condizentes com o guardar de objectos como telemóveis e tablets;
- fls. 2342 a 2344-C, auto de exame e de avaliação;
- fls. 2355 a 2364, auto de exame e avaliação às armas e munições apreendidas, concluindo-se que o revólver .38, arma da classe B1 (com os calibres denominados .38 S&W, .38 S&W Long e .38 H&R Magnum), se encontrava em bom estado de conservação e funcionamento, as munições .38 S&W e as .38 shotshells são para arma de fogo curta, tipo revólver e encontravam-se em razoável estado de conservação e prontas a deflagrar (destinadas a arma de classe B1), o revólver .22 estava igualmente em razoável estado de conservação e funcionamento (arma de cluse B1), bem como o estavam munições .22, e prontas a deflagrar, para arma de fogo curta tipo revólver (arma de classe B1), cfr. igualmente a exames periciais a fls. 4321 a 4323 e fls. 4382 a 4386 verso (cfr. munições de Classe A, de calibre .38 com projéctil expansivo);
- fls. 2370 a 2373, auto de busca e apreensão, na residência do arguido II, constando devidamente identificados os objectos apreendidos, cfr. fls. 2374 a 2375 auto de exame e de avaliação e fotogramas a fls. 2376 a 2379;
- fls. 2385, fotogramas da sala de cacifos dos funcionários da AT (cfr. igualmente fotogarnas de fls. 2509, fls. 2536 a 2538, fls. 2557 e 2613, sendo notório que os cacifos são de grandes dimensões, encontram-se em bom estado de conservação e portanto perfeitamente aptos a cumprir a sua função);
- fls. 2391 a 2395, auto de busca e apreensão na residência da arguida OO e auto de exame e avaliação a fls. 2396 a 2399, e fotograma a fls. 2400;
- fls. 2408 a 2409, auto de apreensão de dois telemóveis na pessoa da arguida QQ;
- fls. 2410 a 2423, auto de busca e apreensão na residência da arguida QQ e auto de exame a fls. 2424 a 2427;
- fls. 2431 a 2433, auto de busca e apreensão no gabinete e fls. 2434 a 2435 auto de exame;
- fls. 2444 a 2447, auto de busca e apreensão na residência da arguida LL e a fls. 2448 a 2450, consta o subsequente auto de exame e de avaliação e a fls. 2451 a 2460 a reportagem fotogáfica dos objectos visados pela apreensão (cfr. fotograma de fls. 2452, apostos nos volumes de maço de tabaco da marca "Marlboro" constam os dizeres em língua inglesa "Smoking Kills", o que não é compatível com a aquisição em território nacional, mesmo na zona franca aeroportuária) ;
- fls. 2470 a 2478, auto de busca e apreensão na residência do arguido HH, a fls. 2479 a 2484 consta o auto de exame e avaliação e a fls. 2485 a 2487, consta a reportagem fotográfica;
- fls. 2491 a 2492, auto de busca e de apreensão de dois sacos azuis "Ikea", apreendidos no cacifo do arguido HH, sito nas instalações do Aeroporto ... (cfr. fotograma do cacifo a fls. 2493);
- fls. 2499 a 2502, auto de busca e de apreensão relativo aos objectos encontrados na residência do arguido PP e a fls. 2503 a 2504, consta o respectivo auto de exame e avaliação e a fls. 2505 a 2506 consta a reportagem fotogáfica, sendo nítido que os dizeres constantes do frasco de mel são em alfabeto cirílico (cfr. primeiro fotograma de fls. 2506), logo não compatíveis com a venda em território nacional, nem no espaço comunitário, não sendo minimamente condizente com as regras da lógica e da experiência comum que o arguido o tenha adquirido na Rússia, e veja-se a diversidade geogáfica das bebidas espirituosas, provenientes de França, Itália, Estados Unidos da América (Texas), África do Sul e o paté é de origem Marroquina, à semelhança, aliás, também dos produtos de higiene apreendidos constatando-se igualmente serem de origem estrangeira, sendo certo que, não é condizente com as regras da lógica e da experiência comum que produtos tão vulgares, comuns e de uso diário, como o são os desodorizantes, o creme de barbear e cremes corporais, tenham proveniência estrangeira e de diversos países, sendo totalmente desprovido de qualquer plausibilidade que o arguido adquira – ou muito menos que lhe tenham sido oferecidos desodorizantes e creme de barbear, pois atenta a sua natureza íntima e pessoal não são objectivamente consentâneos com ofertas de terceiros - desodorizantes, cremes corporais e creme de barbear em distintos países ou com recurso a comércio electrónico, pois que se tratam de singelos produtos de higiene diária pessoal – veja-se que os rótulos estão em línguas, nomeadamente, inglesa e francesa;
- fls. 2514 a 2516, auto de busca e de apreensão referentes aos artigos apreendidos na residência da arguida TT e de fls. 2517 a 2519, consta o auto de exame de avaliação e reportagem fotográfica a fls. 2520 a 2533, constatando-se a existência de produtos de higiene cujos dizeres e marcas são estrangeiras, ou seja, não se afigura ser minimamente crível que a arguida adquirisse (ainda para mais naquela quantidade, quinze produtos distintos) sprays antitranspirantes, champô, cremes corporais no estrangeiro, o[u] que lhe oferecessem – frisa-se nestas quantidades – produtos de higiene pessoal e íntima (não é consentâneo com as regras da experiência comum a oferta de desodorizantes ou sprays antitranspirantes) e igualmente a diversidade geográfica das proveniências dos frascos de doce não é coadunável com aquisições no estrangeiro, quando o denominador comum é a concentração na Alfândega no Aeroporto ..., onde precisamente convergem passageiros de nacionalidades tão díspares como as dos artigos de higiene pessoal e de géneros alimentares que a arguida tinha na sua residência;
- fls. 2544 a 2545, auto de busca e apreensão na residência da arguida RR, constando de fls. 2546 a 2547 o respectivo auto de exame e avaliação e reportagem fotográfica a fls. 2548 a 2551, afigurando-se ser totalmente antagónico com as regras da lógica e da experiência comum a detenção simultânea de dez tetemóvels “Smart phone”, ou seja, recentes e todos eles em bom estado de conservação (à excepção de um telemóvel Iphone 4), não se compreendendo qualquer justificação lógica quer para a aquisição, quer para a oferta por terceiro de dez telemóveis similares e da mesma geração (veja-se que dois são Iphone S, dois são Iphone 4).
Igualmente se ponderou as facturas de fls. 3232 a 3234, pretendendo a arguida demonstrar que o “Ipad”, 16GB é de sua legítima aquisição, sendo que para tanto, juntou a factura/recibo constante de a fls. 3232/3233, a qual não se encontra em nome da arguida, pois o pagamento foi feito por “RRRRR” e reporta-se à aquisição, em 11.11.2011, na "Worten", sita em ... de um “IPAD 2 16GB Whit”, no valor de € 479,00, nada demonstrando quanto à aquisição por parte da arguida, dado que o documento se mostra em nome de um terceiro, cuja eventual ligação à arguida se desconhece, e o mesmo sucede quanto à factura de fls. 3234, em nome de terceiro, (contra na “Vodafone”, em 27.03.2012) e em ambos os documentos não existe devida identificação no sentido que esse tablet e esse telemóvel correspondern aos artigos apreendidos nos autos, e não invalida minimamente o facto de o tablet estar associado ao endereço de correio electrónico ..........@....., número de telemóvel ...43 e uma morada an Espanha, activado com essa conta em 29 de Novembro de 2011 e com a conta da arguida em 13 de Fevereiro de 2020 e o facto de o telemóvel “Iphone 4” estar associado ao nome “QQQQ”;
- fls. 2562 a 2563, auto de apreensão do telemóvel da marca “Samsung”, modelo “S9 Plus”, na pessoa do arguido GG e a fls. 2564 consta o respectivo auto de exame e avaliação;
- fls. 2569 a 2574, auto de busca e apreensão na residência do arguido GG, constando o respectivo de auto de exame e avaliação a fls. 2575 a 2579 e reportagem fotográfica a fls. 2580 a 2591;
- fls. 2600 a 2604, auto de busca e de apreensão na residencia do arguido SS, e auto de exame e de avaliação a fls. 2605 a 2606 e a fls. 2615 a 2618 reportagem fotográfica, sendo que no que tange às quatro garrafas de bebidas alcoólicas inexiste qualque objectivo que permita a demonstração no sentido que as mesmas foram retiradas da Alfândega;
- fls. 2611 a 2612, auto de busca e apreensão no veículo automóvel com a matrícula ..-..-BH, onde foi encontrado e apreendido um cartão memória (cfr, reportagem fotográfica a fls. 2614);
- fls. 2625 a 2628, auto de busca e apreensão na residência do arguido NN e a fls. 2629 a 2631 consta o respectivo auto de exame e avaliação e auto de apreensão a fls. 2632 a 2633 da mala de viagem "Bag for you" e a fls. 2634, auto de exame e avaliação, fls. 2635 consta a reportagem fotográfica, constatando-se que as vinte e sete garrafas de bebidas não ostentam selos/estarnpilhas, nem vestígios da sua anterior existência (cola ou resíduos), sendo que muitas se encontram por abrir (ou seja a rolha não foi rodada, o que comporta a quebra do selo/estampilha) e inexiste qualquer vestígio da aposição dos selos/estampilhas.
Teve-se em consideração o teor de fls. 3245 não consta qualquer descritivo a que se transacção, a não ser que foi no dia 20-07.2019, no valor de € 36,50, de fls. 3246 a 3249 reporta-se a um “Iphone 4G”, fls. 3247
Sendo certo que o conteúdo das declarações constantes de fls. 3244 nenhuma virtualidade probatória detém, pois que se trata de escrito particular, não tendo sido sequer ouvida como prova testemunhal a tal identificada subscritora. Fls. 3250 subscrita por ZZZZZZ e 3251 por AAAAAAA e fls. 3252 HHHHHH, fls. 3253 por BBBBBBB;
- fls. 2643 a 2644, auto de apreensão do telemóvel "Iphone 7", na pessoa do arguido JJ;
- fls. 2649 a 2651, consta o auto de busca e apreensão na residência do arguido JJ e o respectivo auto de exame e avaliação a fls. 2652 a 2654, da reportagem fotográfica de fls. 2660 a 2675;
- fls. 2682 a 2688, auto de busca e apreensão na residência da arguida BB (mãe do arguido GG) e de fls. 2689 a 2693, consta o respectivo auto de exame e avaliação (cfr. reportagem fotográfica a fls. 2694);
- fs. 2696 a 2698, consta o auto de busca e apreensão na residência de WWWW, irmã do arguido GG, do computador da marca "Asus", aí devidamente identificado n.º 15G29N005501 (cfr. auto de exame e avaliação a fls. 2698, em razoável estado de conservação e reportagem fotográfica a fls. 2699);
- fls. 2701 a 2702, auto de busca e apreensão na residência de CCCCCCC – filha de AAA, por seu tumo, irmã do arguido KK, cfr. mesma filiação a fls. 2705, no TIR que esta prestou nos autos – do casaco comprido azul (cfr. auto de exame e avaliação a fls. 2706);
- fls. 2708 a 2710, auto de busca e apreensão na residência do arguido MM, trolley preto “Libri”, e 10 (dez) volumes de tabaco sem estampilha fiscal e arma de ar comprimido de recreio. A fls. 2711 consta o respectivo auto de avaliação;
- fls. 2717 a 2719, auto de busca e apreensão na residência de ZZ (irmã do arguido KK, sendo idêntica a filiação aí plasmada), tendo sido apreendido duas embalagens de perfume, uma mala de viagem e uma carteira (cfr. auto de exame e avaliação a fls. 2720, encontrando-se as embalagens de perfume abertas e em estado de usado, cfr. reportagem fotográfica a fls. 2722 a 2724), cfr. igualmente fls. 3257 a 3260 e fls. 3266 a 3269;
- fls. 2731 a 2733, auto de busca e apreensão na residência do arguido DD (sobrinho do arguido GG), tendo sido apreendidos dois casacos das marcas “Tommy Hilfiger”' e “Adidas”, um telemóvel "Samsung J6 Plus", um computador portátil, uma consola e dois auriculares (Airpods da "Apple" e da "Logitech"), tudo em estado de usado (cfr. auto de exame e avaliação a fls. 2734);
- fls. 2741 a 2742, auto de busca e apreensão na residência de DDD, filho do arguido NN, tendo-lhe sido apreendidos um trolley, da marca "DKNY" e uma mochila "HPPPOWER", ambos em bom estado de conservação (cfr. auto de exame e avaliação a fls. 2742 e fotogramas a fls. 2746 a 2749);
- fls. 2751 a 2753, auto de busca e apreensão na residência da testemunha CCC, onde foram encontrados e apreendidos os 3 (três) carrinhos de bebé, os quais, como cristalina e inequivocamente resultou do seu depoimento retirados da Alfândega do Aeroporto ... (cfr. auto de exame e avaliação e reportagem fotográfica a fls. 2754 a 2755);
- fls. 2762 a 2764, auto de busca e apreensão na residência da arguida CC, companheira do arguido GG, a fls. 2765 a 2766 consta o auto exame avaliação e a fls. 2767 consta a reportagem fotográfica;
- fls. 2774 a 2776, auto de busca e apreensão da residência de XX, fls. 2777 consta o auto de exame e avaliação e a reportagem fotográfica dos objectos, sendo que (e novamente) os artigos de higiene têm rotulagem apenas em línguas estrangeiras;
- fls. 2784 a 2788, autos de busca e apreensão, de exame e avaliação e reportagem fotográfica referente aos objectos encontrados na residência do arguido AA, irmão do arguido KK (dois pares de ténis, computador portátil e três telemóveis, sendo o IMEI do telemóvel da marca "Huawei", de cor branca ...24);
- fls. 2794 a 2800, autos de busca e apreensão e auto de exame e avaliação, com reportagem fotográfica, na residência da arguida EE, sendo aí encontrados e apreendidas duas garrafas (um vinho francês e champagne da marca "Moet & Chandon" e três embalagens de creme de rosto, todos por abrir e em estado de novo), cfr. fls. 3374 a 3378;
- fls. 2811 a 2828, autos de busca e apreensão e auto de exame, com reportagem fotográfica dos objectos apreendidos na residência da arguida FF;
- fls. 2822 a 2823, auto de apreensão e respectivo auto de exame e avaliação do computador portátil, na pessoa da testemunha VVV;
- fls. 2825 a 2831, autos de apreensão e exame e avaliação dos objectos apreendidos na pessoa da testemunha UUUU, pai de um dos sobrinhos do arguido GG;
- fls. 2838 a 2839, auto de apreensão dos livros de registo dos achados, de declarações de abandono de mercadorias e de entregas de achados;
- fls. 2841 [a] 2843, fotogramas do tabaco apreendido e o local onde são annazenados;
- fls. 2844 a 2847, fotogramas do armazém dos carrinhos de bebé;
- fls. 2848 a 2849, fotogramas referentes ao local de inutilização de bebidas alcoólicas (observando-se os bidons e os caixotes de recolha especffica);
- fls. 2850 a 2852, fotogramas do armazém dos artigos com destino a leilão (veja-se a nota de verificação a fls. 2851);
- fls. 2952 a 2956, documentação referente ao acidente em serviço do arguido NN 22.01.2018), cfr. também fls. 2975 a 2987;
- fls. 3369 a 3371, constam as declarações por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, de cujo teor inequivocarnente se infere que os arguidos aí devidamente identificados são funcionários públicos, constando ainda a categoria profissional e o local onde prestam funções;
- fls. 3446 a 3450, autos de busca e apreensão e de exame e avaliação referentes aos artigos apreendidos na residência da arguida VV (constando como tendo sido entregues pela arguida, o que as suas declarações prestadas em audiência de julgamento o sustentam, um casaco da marca "Izgana", de origem turca e uma mala de viagem, de cor preta, da marca “Impreza”);
- fls. 3465 a 3470, auto de busca e apreensão, com reportagem fotográfica e auto de exame, relativos aos objectos localizados e apreendidos na residêncla do arguido WW e a fls. 3472 a 3474 consta o auto de busca e apreensão no respectivo cacifo, sito nas instalações da Autoridade Tributária no Aeroporto ... (cfr. fls. 3481 o subsequente auto de exame e avaliação e a fls. consta a reportagem fotográfica a fls. 3482 a 3484); (cfr. participação quanto à ama de natureza obsoleta, a fls. 3488 a 3489);
- fls. 3492 a 3496, auto de busca e apreensão e subsequente auto de exame e avaliação, referente aos objectos encontrados e apreendidos na residência da arguida UU e de fls. 3498 a 3502 consta o respectivo auto de busca e apreensão e auto de exame e de avaliação, referentes aos objectos encontados e apreendidos nas gavetas fechadas na secretária adstrita à arguida UU nas instalações da Autoridade Tributária no Aeroporto, bem como num armário fechado e no cacifo, como aí devidamente discriminado (cfr. reportagem fotográfica a fls. 3509 a 3517);
- fls. 3592 a 3593, consta a participação por parte da testemunha GGGG, referente ao extravio de um tablet, da marca "Samsung", no dia 04.02.2019, quando passava no controlo da alfândega, conjugado com teor de fls. 3594 a 3602 e a fls. 4352 a 4360, resultando de forma cristalina que a testemunha reclamou a perda do referido objecto, oom a descrição rigorosa do mesmo, tendo sido a primeira reclamação efectuada a 06.02.2019 e a 15.02.2019 é dada a resposta no sentido que o artigo não foi encontrado, constatando-se que esta tablet foi localizado e apreendido na residência da arguida LL, e veja-se que logo aquando da primeira reclamação, além de ter sido logo indicado tratar-se de um tablet, branco, da marca "Samsung", e com[o] tendo sido “perdido” no controlo de segurança no dia 04.02.2019, foi igualmente indicado o número de série ...... (cfr. fls. 3599).
Com efeito, inexiste qualquer explicação para o tablet da testemunha GGGG surgir na residência da arguida LL, tendo desaparecido da esfera de domínio da testemunha no dia 04.02.2019 (efectivamelte uma segunda-feira, como dita o respectivo calendário) e é apreendido na casa desta arguida no dia 22.06.2020. aquando da realização da busca (cfr. fls. 2444 a 2447), certo que, logo no dia 06.02.2019 foi feita a comunicação da perda do tablet, e, assim, o foi sendo reiteradamente efectuado durante o mês de Fevereiro de 2019;
- fls. 3821, listagem referente à instauraçlo de processos disciplinares aos arguidos aí identificados;
- fls. 4016, consta a cópia de declaração de bagagen de mão perdida, referente a “caixa de cartão com quadros e tablet Samsung” referente à passageira HHHH, e fls. 4017 a 4018. consta a toca de mensagem com a “TAP”, inferindo-se a reclamação de perda de objectos ser reportada ao dia 11.03.2019 (início da troca de mensagens escritas a 25.03.2019), sendo que o tablet foi encontrado e apreendido no interior da residência da arguida LL, aquando da realização da busca, no dia 22.06.2020, inexistindo qualquer justificação – que não a apropriação ilegítima de um objecto de terceiro ao qual a arguida teve acesso por força do exercício das suas funções na Alfândega do Aeroporto ... – para a arguida ter na sua casa o tablet reclamado, como bagagem de mão perdida, pela passageira HHHH em 11.03.2019 (cfr. auto de busca e apreensão a fls. 2444 a 2447);
- fls. 4027 a 4029, troca de mensagens (reclamação, logo a 20.02.2018 do computador da marca "Lenovo", bilhetes electrónicos (cfr. escala em ... no dia 14.02.2018, em nome da testemunha DDDDDDD) e registo na listagem nos perdidos e achados de objectos entregues à Alfândega do Aeroporto (cfr. registo ...31, a 14.02.2018, computador Lenovo") não havendo outra explicação, que não a subtracção não consentida da Alfândega, para este computador ser localizado e apreendido, aquando da busca, na residência do arguido KK (cfr. auto de apreensão a fls. 2332 a 2341);
- fls. 4034, bilhete referente aos passageiros HHHHH e GGGGG (..., 08.07.2016), "Ipad" declarado perdido foi encontrado e apreendido na residência do arguido JJ, aquando da busca realizada a 22.06.2020 (cfr. fls. 2649 a 2651);
- fls. 4044 a 4048, passagem por ... 29.08.2019, referente ao passageiro JJJ, constatando-se ter sido registado – embora sem mais detalhes – um "smartwatch", no dia 29.08.2019, no livro de registo dos perdidos e achados da Alfândega (cfr. fls. 4049), tendo sido encontrado e apreendido na residência da arguida RR, aquando da busca realizada no dia 22.06.2020 (cfr. auto de apreensão a fls. 2544 a 2545);
- fls. 4051, reclamação por parte da passageira III, da perda de um "smartwatch", perdido na zona de controlo de bagagens, a 16.05.2019, encontrado e apreendido na residência da arguida RR, aquando da busca a 22.06.20220 (cfr. auto de apreensão a fls. 2544 a 2545, auto de busca e apreensão na residência da arguida RR) e a fls. 4055 no registo do livro de perdidos e achados, reportado ao dia 16.05.2019, consta como registado um “smartwatch Apple”;
- fls. 4056 a 4057, bilhete referente à passageira EEEEEEE (..., 07.05.2013), cujo "Ipad" declarado perdido foi encontrado e apreendido na residência do arguido JJ, aquando da busca realizada a 22.06.2020 (cfr. fis. 2649 a 2651);
- fls. 4065, passagem em nome da testemunha FFFFFFF (... 14.05.2019), cujo "Ipad" perdido no Aeroporto foi apreendido na casa do arguido KK;
- fls. 4079 a 4083, troca de mensagens entre a "TAP" e a testenunha MMMM, com início a 29.12.2016, comunicando a perda do telemóvel a 23.12.2016, encontado e apreendido na residência da arguida RR, aquando da busca a 22.06.20220 (cfr. auto de apreensão a fls. 2544 a 2545, auto de busca e apreensão na residência da arguida RR);
- fls. 4107 a 4120, avaliação levada a cabo por perito avaliador oficial pela Unidade de Contrastarias da Imprensa Nacional da Casa da Moeda, não suscitando a sua análise qualquer dúvida quanto ao seu acerto e rigor (cfr. igualmente fls. 4361);
- fls. 4125, passagem aérea 17.11.2017, referente à testemunha OOOO, tendo o telemóvel da sua filha sido encontado e apreendido na residência da arguida RR, aquando da busca a 22.06.2020 (cfr. auto de apreensão a fls. 2544 a 2545, auto de busca e apreensão na residência da arguida RR);
- fls. 4182, bilhete electrónico referente à testemunha BBBB (... 23.02.2018);
- fls. 4186 a 4187, factura em nome do passageiro HHH (em 13.08.2019) de um telemóvel “OPPO”, devidamente identificado e que foi encontrado e apreendido na residência da arguida RR, aquando da busca a 22.06.20220 (cfr. auto de apreensão a fls. 2544 a 2545, auto de busca e apreensão na residência da arguida RR), conjugado com a denúncia de perda no mesmo no dia 14.10.2019 num voo da “TAP” (cft. fls. 4188 a 4190);
- fls. 4268, consta a reclamação do passageiro FFFF (20.09.2018), do desaparecimento de um tablet "Samsung", o qual foi localizado e apreendido, aquando da busca de 22.06.2020, na residência da arguida LL (cfr. auto de apreensão a fls. 2444 a 2447);
- fls. 4271 a 4319, relatório de peritagem digital, relativamente a dois computadores, apreendidos na residência do arguido JJ, concluindo-se que o histórico de navegação do "Asus X556U" se inicia a 14.03.2020 (o que é compativel com o reconhecido pelo arguido no que tange ao motivo pelo qual levou para casa tal computador, as filhas tivessem acesso ao ensino à distância), para além de conter software de pirataria e que o "Asus C223N" tem uma disposição das teclas usada no Reino Unido e Irlanda;
- fls. 5228 a 5229, quanto aos tablet Samsung Galaxy Tab A e Amazon Fire, como tendo sido adquiridos pelo arguido KK e fls. 5230 a 5236, extracto da conta bancária titulada por este arguido junto do "Montepio" constatando-se efectivamente diversos pagamentos, em 2018, 2019 e 2020, nas “Lojas de Portugal” (LFP Quiosque Arrival);
- fls. 5252, factura referente à compa de malas de viagem em nome da arguida OO, embora não se infira ser a mala da marca “Tumi”, de padrão floral apreendida nos autos, a verdade é que reflecte a compra de uma mala de viagem;
- fls. 5253 a 5257, consta a factura, em nome do marido da arguida referente ao computador portátil HP”, em 25.09.2010, CZ0222H63;
- fls. 5325, factura em nome de SSSSS, de 29.01.2014, referente a TOS NB10T-A-1 (novarnente junta a fls. 6898 verso), ou seja, pretende a arguida UU demonstrar a aquisição do computador portátil que lhe foi apreendido, todavia, tal factura não só demonstra a aquisição por pessoa distinta, como não reflecte a correspondência com o computador apreendido, como comparando com o teor de fls. 207 a 210 do auto de exame a equipamentos electrónicos 2 constata-se inequivocamente que não se trata do mesmo número de série, para além de a factura ser de 29.01.2014, o computador foi formatado em 2015, mas tem ficheiros no histórico que remontam a 2013, ou seja, anteriores quer à formatação, quer à suposta aquisição documentada na factura de fls. 5325;
- fls. 5391 a 5397, mensagens de correio electrónico, de Maio e Dezembro de 2018, onde consta expressamente referido o nome, como destinatário ou como conhecimento (cc), da arguida QQ e, se por um lado, resulta da sua leitum, o volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ..., bem como as dificuldades sentidas quer em fazer face à gestão do espaço disponível, quer qual o adequado destino a dar a tais objectos, a verdade é que, e por outro lado, retira-se, cristalinamente, a nítida consciência que os objectos em causa estavam “à guarda do Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens” (cfr. fls. 5393, email de 08.05.2018) e que perante a não reclamação do proprietário tais bens são considerados abandonados a favor da Fazenda Pública (cfr. fls. 5394, email de 03.04.2018), ou seja, ao invés do discurso de (aparente) candura e ingenuidade que caracterizou transversalmente as declarações prestadas pela arguida QQ, o que se extrai do teor de mensagens de correio electrónico é a plena consciência que os bens em causa estão à guarda da Autoridade Tributária e perante a falta de reclamação do proprietário revertem a favor do Estado.
Não se ignora que tais mensagens também espelham dificuldades de armazenamento (cfr. fotos a fls. 5395 e 5396 e a fls. 5404 a 5405 e mensagem electrónica de fls. 5407 a 5408) e de destino a dar a tais artigos, no entanto, tais dificuldades de logística não justificarn minimamente que a arguida QQ pudesse dispor de tais bens a seu bel prazer ou ofertando-os a terceiros.
Veja-se o teor de fls. 5403 (mail elaborado pela arguida QQ, de 27.06.2018) de onde inequivocarnente se extraiu a manifesta noção sobre o destino a dar a esses objectos (inutilização, venda ou doação) e a nítida consciência que os bens se encontram à guarda da Alfândega, o que contrasta flagrantemente com o alegado desconhecimento da censurabilidade da sua conduta ou a ausência de consciência da ilicitude, o que, é, aliás, desmentido pelo domínio jurídico subjacente e o enquadramento legal aplicável, além do mais, desta mensagem, como a própria arguida é licenciada em Direito, o que torna inverosímil que a arguida, na altura, entre ../../2018 a ../../2020, não estivesse ciente do desvalor da sua conduta, apesar de a própria escrever o teor de tais mensagens (cfr. fls. 5413/5414, email de 21-01.2020).
E convenhamos o número significativo de artigos e a falta de espaço não justifica minimamente que os arguidos, funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, deliberada e intencionalmente decidissem levar consigo, para as suas casas, os objectos, nos moldes acima dados como provados, não subsistindo qualquer dúvida que levar tais artigos para as suas residêncis consubstancia um comportarnento exterior patentemente concludente com apossamento e de livre domínio sobre tais objectos.
Nem o teor positivo das avaliações de desempenho (cfr. fls. 5397 a 5402) desta arguida invalidam o facto de a mesma [ter] ilegitimamente se ter apoderado, levando-os consigo para casa ou dos mesmos dispondo, comportando-se como legítima detentora/proprietária de tais artigos fosse, de bens que estavam sob a guarda da Alfândega e aos quais teve acesso por força (e somente por esse motivo) do exercício das suas funções públicas e da sua qualidade de funcionária pública.
- fls. 5406, email da arguida QQ, de 24.05.2019, onde mais uma vez é manifesta a percepção da “responsabilização pela guarda”;
- fls. 5409 e 5410, recibos de farmácia, em nome da arguida QQ, ambos de 09.06.2020, com cerca de dez minutos de intervalo entre cada compra e a fls. 5411/5412 recibos da "Geox" do Aeroporto, não tendo sido apreendido qualquer objecto relacionado com estes estabelecimentos comercial, nem se alcança como é que tais compras justificam que a arguida tivesse em casa bens ilegitimamente retirados da Alfândega;
- fls. 5415 a 5419, resulta que o método usado na elaboração das notas de verificação (o valor atribuído ao objecto apto para ser vendido em leilão) foi precisamente o mesmo em que se alicerçaram os elementos da Polícia de Segurança Pública que levaram a cabo a apreensão e o exame e a validação dos objectos apreendidos, o recurso a sítios da intemet de venda de objectos usados e uma mediania entre os preços mais barato e mais caro (é o mesmo raciocínio subjacente ao apurar de um valor);
- fls. 5419 a 5422 e 5431, fotografias onde se observa a pessoa da arguida ostentando um relógio no pulso, desconhecendo-se mais características distintivas e a fls. 5423 a 5425 e 5429, 5430, 5432 a 5433, 5435 e 5437 a 5439 reporta-se a trocas de mensagens referentes a compras de relógios (cfr. fotografias da testemunha GGG – marido da arguida QQ, cfr. certidão do assento de casamento a fls. 6055 – a fls. 5426 a 5428 e 5434, sendo observado relógio no pulso, sem qualquer visibilidade de qualquer detalhe significativo). A fls. 5436 factura “Worten”, 17.06.2011, “Garmin”, em nome da sociedade “Mate Lec, Lda” e o certificado de garantia a fls. 5440 e fls. 5441 a 5442 declaração da alfândega 17 relógios para reparação (cfr. igualmente fls. 6053 a 6054 verso);
- fls. 5443 a 5444, email de 22.10.2015, elaborado pela arguida QQ, enviado para os arguidos JJ, SS, OO, LL, PP, II, WW, KK, RR, HH, onde se infere novamente a existência de regras de procedimento quanto ao destino a dar aos objectos, encontrando-se os mesmos à guarda da Alfândega;
- fls. 5718 a 5719, consta pesquisas na intemet relativamente ao preço de casacos da marca "Izgana", sem qualquer data e estando o valor em moeda turca (e sem alusão temporal em face das flutuações de câmbio), o que não perrnite o afastamento do valor atribuído aquando da realização do auto de exame e de avaliação, sem olvidar que, a arguida, aquando das suas declarações prestadas em audiência de julgamento, confessou os factos integalmente e sem quaisquer reservas;
- fls. 6541 a 6542, auto de exame directo ao "Ipod 32 GB", apreendido ao arguido KK, estando associado um endereço de correio electrónico sem qualquer similitude com o nome do arguido e sem quaisquer ficheiros;
- fls. 6543 a 6546, auto de exame directo ao telemóvel "LG G4” apreendido ao arguido KK, sem qualquer contacto pessoal e sem registos;
- fls. 6851 e 6852, constam apólice de garantia do telemóvel da marca "Samsung", modelo S8 (Silver), que remonta a 29.07.2018, em nome do arguido PP, bem como cópia da factura de aquisição, o que corrobora a convicção do Tribunal no sentido que não resultou demonstrado que a posse do arguido deste telemóvel adviesse de uma subtracção da Alfândega, e por esse motivo foi dado como não provado tal facto, com reflexo no valor global patrimonial em causa (cfr. fls. 6855/6856);
- fls. 6909 a 6910 verso, constam os resultados de pesquisas na plataforma de venda online "EBAY", pretendendo por essa via, o arguido KK impugnar os valores atribuídos aos telemóveis que lhe foram apreendidos, no entanto, tal pesquisa, e respectivos valores indicados, reportam-se ao dia 22.10.2022 (como consta explicitamente de tais documentos), sendo que os objectos foram apreendidos no dia 22.06.2020 (cfr. fls. 2784 a 2788), ou seja, o arguido pretende que sejarn desvalorizados os valores atribuídos, aquando da apreensão e subsequente exame e avaliação, com pesquisas de valor aferidas dois anos e quatro meses depois, o que naturalmente, a mera passagem do tempo, comporta uma depreciação dos objectos em causa, especialmente no que aos telemóveis (e demais aparelhos tecnológicos) diz respeito, o que decorre das mais basilares regras da lógica e da experiência comum, desde logo perante os sucessivos modelos novos que vão sendo lançados, o que obviamente desvaloriza o equipamento anterior, logo tais pesquisas são manifesta e objectivamente inidóneas para minar a avaliação contemporânea vertida nos respectivos autos de exame e de avaliação, sendo certo que, para o efeito processual relevante o valor é fixado no momento da data da prática do facto, e não um apurado dois anos e quatro meses depois, especialmente perante objectos (telemóveis) de rápida desvalorização comercial;
- fls. 6925 a 6932 (cfr. fotogramas a fls. 6933 a 6935 verso), correspondência electrónica atinente às dificuldades no escoar dos artigos existentes na Alfândega e a recolha dos mesmos dos armazéns;
- fls. 6936 a 6938, correspondência referente à aquisição de relógios por parte da testenunha [GGG], marido da arguida QQ;
- fls. 6938 verso, consta o pedido de aposentação da arguida QQ e a fls. 7273 consta a atribuição da pensão definitiva por aposentação;
- fls. 6948 a 6949, reporta à situação de incapacidade do arguido NN;
- fls. 6950, factura referente à aquisição do trolley, relativo ao arguido NN;
- fls. 6964 verso a 6974 verso, troca de mensagens referentes à aquisição de um "lphone 7 128 GB", relativo ao arguido JJ;
- fls. 7018 a 7019, consta o registo de suspensões provisórias, nada constando em nome da arguida QQ;
- fls. 7035, consta o auto de visualização dos objectos apreendidos ao arguido SS;
- fls. 7312 a 7313, emails de 12.07.2018 e 12.06.2019, de se extrai que as arguidas QQ e UU retiraram, de forma articulada, objectos da Alfândega “Se preferir podemos guardar a mala até que a venha buscar. Articule com a UU pf”, sendo certo que, a circunstância de ser dado conhecimento à testemunha BBB não isenta as arguidas de culpa;
- fls. 7459 a 7470 e fls. 7539 verso a 7543 verso, correspondência electrónica relativamente ao uso do "xutex" e práticas atinentes à apreensão do tabaco;
- fls. 7585 a 7586, consta o depósito autónomo por parte do arguido SS;
- fls. 7592 a 7593, teve-se em consideração para efeitos de ponderaçao da adequada inserção profissional e social da arguida OO;
- fls. 7598 a 7599, factura da arguida OO de compras no duty free e a fls. 7600 a 7609 constam extractos bancários referentes a movimentos bancários por parte da testemunha EEE, filho da arguida OO (cfr. igualmente fls. 7633);
- fls. 7610 a 7615, relativo ao Iphone 7 do arguido JJ, sendo certo que, o mesmo foi instrumento da execução no crime de descaminho, conjugado com o depoimento prestado pela testenunha GGGGGGG, que não bule com a utilização do telemóvel, e crucial, nos factos subsumíveis ao crime de descaminho.
- fls.7621 a 7628, consultas de psicologia da arguida QQ que só reforçam a convicção do Tribunal no sentido de arguida manter uma postura totalmente autocentrada e o teor de fls. 7629 a 7631 (depósito de € 50,00, por conta da garrafa, revela a ausência de juízo autocrítico;
- fls. 7637, reforça a adequada imagem de que a arguida VV goza.
Veja-se, além do mais, o que é exigido pelo Art.º 26.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01, e já o era no domínio do Decreto-Lei n.º 238/86, de 19/08 (cfr. Art.º 1.º) Todas as informações sobre a natureza, características e garantias de bens ou serviços, oferecidos ao público no mercado nacional, quer os constantes de rótulos, embalagens, prospetos, catálogos ou livros de instruções ou outros meios infomativos, quer as facultadas nos locais de venda ou divulgadas por qualquer meio publicitário têm de ser redigidas em língua portuguesa, nos termos do Decreto-Lei n.º 238/86, de 19 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 42/88, de 6 de fevereiro”.
No que tange à situação social, profissional, familiar e pessoal e percursos e enquadramentos vivenciais, socorreu-se o Tribunal do conteúdo constante dos respectivos relatórios sociais, a fls. 7127 a 7130 (arguido II), fls. 7131 a 7134 (arguido PP), fls. 7135 a 7138 (arguido SS), fls. 7139 a 7142 (arguida TT), fls. 7143 a 7145 (arguido NN), fls. 7146 a 7150 (arguida FF), fls. 7154 a 7156 (arguida OO), fls. 7157 a 7159 (arguida RR), fls. 7167 a 7170 (arguido GG), fls. 7241 a 7243 (arguida QQ), fls. 7317 a 7319 (arguida UU), fls. 7320 a 7323 (arguido JJ), fls. 7395 a 7397 (arguida LL), fls. 7423 a 7425 verso (arguido HH), fls. 7426 a 7428 verso (arguida VV), fls. 7429 a 7431 verso (arguido WW), fls. 7432 a 7434 verso (arguido KK) e a fls. 7659 a 7662 (arguido MM).
Em relação à ausência de condenações registadas, teve-se em consideração o teor dos certificados de registo criminal a fls. 7495 a 7496, fls. 7497 a 7500 verso, fls. 7501 a 7502, fls. 7503 a 7504, fls. 7505 a 7506, fls. 7506 verso a 7507, fls. 7508 a 7508 verso, fls. 7509 a 7509 verso, fls. 7510 a 7510 verso, fls. 7512 a 7512 verso, fls. 7514 a 7514 verso, fls. 7515 a 7517, fls. 7518 a 7518 verso, fls. 7519 a 7519 verso, fls. 7520 a 7520 verso, fls. 7521 a 7521 verso, fls. 7522 a 7522 verso, fls. 7523 a 7523 verso, fls. 7524 a 7525, fls. 7526 a 7526 verso, fls. 7527 a 7527 verso, fls. 7528 a 7528 verso e fls. 7529 a 7530.
- apenso A-12, documentação bancária quanto ao arguido GG, reportados aos anos de 2018, 2019 e 2020, não tem saldos bancários médios minimamente compatíveis com a quantidade e as marcas dos objectos que lhe foram apreendidos, nem o é o valor do salário (média de € 1.000,00) (e cfr. fls. 48, transferência da testemunha VVV a 14.04.2020 € 300,00);
- apenso A- 11, documentação bancária quanto ao arguido II;
- apenso A-10, consta a documentação bancária quanto ao arguido HH;
- apenso A-9, documentação bancária referente ao arguido SS;
- apenso A- 6, documentação bancária quanto à arguida LL;
- apenso A-5, documentação bancária referente ao arguido PP;
- apenso A-4, consta a documentação bancária referente à arguida QQ;
- apenso A-3, da análise da documentação bancária referente ao arguido NN nada se extai que permita a sustentação dos factos subjacentes ao tipo de crime pelo qual se encontra pronunciado;
- apenso A-2, reporta-se à documentação bancária relativa à arguida RR;
- apenso A-8, documentação bancária relativa ao arguido KK;
- apenso A-1, documentação bancária relativa à arguida OO;
- apenso de registo de processo contraordenações da AT 2019, nada se extrai que permita a demonstração dos factos alusivos aos crimes de falsificação imputados aos arguidos GG, HH, II e JJ;
- apenso de transcrições – relativamente ao arguido KK, nomeadamente:
- é inequívoco do teor da sessão n.º 5590, de 13.04.2019 (cfr. fls. 4) que o casaco para a "..." proveio da Alfândega do Aeroporto, pois o arguido não é comerciante na área do vestuário, não se compreendendo que afirme que lhe arranjou um casaco igual àquele que lhe deu da outra vez, e que tem ali outro;
- assim como é manifesta a retirada de objectos da Alfândega na conversa com a arguida LL, sessão n.º 8671 (cfr. fls. 5), que esta lhe diz “E outras coisas tira o que quiseres” e o mesmo claramente resulta do teor da SMS a fls. 9 (sessão 9682);
- fls. 12, sessões n.º 11029 e 11030, resulta claro que mala veio da Alfândega, “Isso arranjei lá, lá no meu serviço”;
- sessões a fls. 27, o arranjar cremes, só pode ser da Alfândega;
Igualmente se teve em consideração a análise dos autos de exames directos aos equipamentos electrónicos 1 e 2, autos de resposta de protocolo Apple, os autos de exame directo aos telemóveis, conjugados com os autos de visionamento apensos 2 e 3 autos de transcrições.
Os factos não provados quanto aos crimes de falsificação advêm da ausência absoluta da sua demonstração, tendo os arguidos negado o cometimento dos mesmos e nenhuma prova se produziu que demonstrasse que os arguidos tivessem adulterado ou forjado qualquer documento. tendo-se ainda analisado o apenso dos autos de contraordenação.”.
*
3.2. Nulidade do Acórdão.
Os arguidos / recorrentes KK, LL e NN suscitaram a questão da nulidade do acórdão recorrido, invocando, para tal, a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia.
Quanto à arguida / recorrente QQ, a conclusão 1 do seu recurso menciona que o acórdão recorrido contém “irregularidades, falta de fundamentação e contradições na fundamentação aí expendida”. Como refere o Recorrido (Ministério Público) na resposta ao recurso, trata-se de “uma afirmação generalista, sem concretizar especificadamente onde se verificam tais vicissitudes / invalidades”. De resto, quando a Recorrente passa à concretização das questões recursivas que genericamente enunciou, invoca apenas a errónea apreciação da prova e a deficiente aplicação das normas jurídicas aplicadas ao caso (mesmo quando a Recorrente, no final do ponto 6º do corpo da motivação, refere que o acórdão recorrido não fundamenta de forma minimamente satisfatória os factos provados que indica, está a relacionar essa falta de fundamentação com a apreciação que faz dos meios de prova ao dispor do tribunal, o que redunda numa questão de impugnação da matéria de facto). Assim, por se considerar que a Recorrente não invocou autonomamente a questão da nulidade do acórdão, não será a mesma analisada nesta sede (nem se afigura haver lugar, por ora, a tal análise de forma oficiosa), sem prejuízo de tal questão poder ser analisada aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto suscitada pela Recorrente.
Após um sucinto enquadramento jurídico, a questão da nulidade do acórdão será analisada em relação a cada um dos arguidos que a invocou.
O art. 379º do CPP estabelece um regime especial de nulidades, com aplicação exclusiva a sentenças (e acórdãos), não se confundindo com o regime de nulidades (processuais) previsto nos arts. 118º a 122º do CPP (no primeiro regime estão em causa nulidades da própria decisão, i.e., relativas ao conteúdo da decisão ou tomando em consideração a decisão como acto [errores in iudicando]; no segundo regime, estão em causa vícios relativos aos trâmites processuais [errores in procedendo]), embora exista semelhança quanto às consequências nos dois regimes (mas divergindo, por exemplo, quanto ao modo de conhecimento, visto que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso – art. 379º, nº 2, do CPP).
O regime especial de nulidades da sentença (e acórdão) também não se confunde com o regime de recursos, quando está em causa a invocação de erros de julgamento (nomeadamente, quando se invoca os vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP ou quando se impugna a matéria de facto fixada na decisão recorrida nos termos do art. 412º do CPP), sendo certo que a verificação dos apontados erros não determina a nulidade da sentença (ou acórdão).
A previsão de um regime especial de nulidades da sentença (e acórdão) relaciona-se directamente com a gravidade da violação do dever de fundamentação imposto pela Constituição e pela Lei, impondo tal dever que os actos decisórios sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão (art. 205º, nº 1, da CRP e art. 97º, nº 5, do CPP).
De acordo com o art. 379º, nº 1, al. a), em articulação com o art. 374º, nºs 2 e 3, al. b), ambos do CPP, são causas de nulidade da sentença: a omissão da enumeração dos factos provados e não provados; a falta de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão; a falta de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal; e a falta de decisão condenatória ou absolutória.
De acordo com o art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, são causas de nulidade da sentença: a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, sem prévio cumprimento do disposto nos arts. 358º e 359º do CPP.
De acordo com o art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, são causas de nulidade da sentença: a omissão de pronúncia e o excesso de pronúncia.
A nulidade acarreta a invalidade do acto em que se verifica, bem como a de todos aqueles que pela mesma possam ser afectados, tendo, por isso mesmo, que ser repetidos.
3.2.1. Recurso do arguido KK:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente KK inclui a invocação da nulidade do acórdão recorrido, prevista no art. 379º, nº 1, al. a), do CPP, traduzida na falta de fundamentação, em violação do disposto no art. 374º, nº 2, do CPP (conclusões 11 a 23).
Entende o Recorrente, em síntese, que o Tribunal recorrido não explicitou, no que concerne a ter dado como provado que o Recorrente tirou determinados objectos e como não provado que retirou outros objectos, o percurso lógico e racional que traçou para formar tal convicção. Dito doutro modo, entende o Recorrente que o Tribunal recorrido não deixou claro que influência tiveram os meios probatórios na formação da sua convicção, com tradução na decisão que foi proferida.
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pelo recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
Está em causa a matéria dos objectos que foram (ou não) retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., entendendo o Recorrente que o Tribunal recorrido não apresenta fundamentação (falta de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal).
A imposição legal (art. 374º, nº 2, do CPP) da indicação e exame crítico das provas, directamente ligada ao dever de fundamentação dos actos decisórios imposto pela Constituição da República Portuguesa e pela lei ordinária, decorre da necessidade de potenciar a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao teor da decisão criminal e de garantir a observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção, servindo de garante a um processo equitativo.
O exame crítico da prova reveste especial relevo já que é aí que o tribunal explica a convicção adquirida e qual o caminho percorrido para a atingir.
Com efeito, a citada previsão legal impõe ao dominus do processo que individualize as razões objectivas e a base racional que levou à convicção exprimida na factualidade provada e/ou não provada e bem assim os motivos que subjazem à valoração e credibilidade atribuída aos meios de prova disponíveis.
Como é bom de ver, o exame crítico só será suficiente quando exteriorize cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com a simples enumeração dos meios probatórios ou sequer com a descrição – mais ou menos alargada – do seu conteúdo.
Mas, para tanto, o julgador não necessita de realizar exposições doutrinárias, citações jurisprudenciais ou sequer descrever (por súmula ou desenvolvidamente) o teor de cada uma das provas produzidas (i.e., a fundamentação decisória não tem de preencher uma extensão épica).
Basta que exprima com clareza e rigor as circunstâncias que determinaram a opção efectuada, tornando perceptível aos intervenientes processuais (destinatários directos) e aos cidadãos em geral (que sobre o julgado exercem um controlo indirecto) as razões da sua íntima convicção e as provas que a sustentam, seja por si só ou em conjugação com as regras de experiência e normalidade de acontecer, devendo neste caso explicitar-se o respectivo âmbito de actuação.
Como bem se compreende, essa tarefa comporta diferentes graus de complexidade, conforme as circunstâncias do caso, a amplitude e a unanimidade ou divergência da prova produzida.
Deste modo, haverá nulidade quando perante as circunstâncias do caso, a fundamentação da convicção do tribunal for insuficiente para efectuar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado, ou seja, para se perceber as razões que sustentam tal decisão. E não haverá nulidade quando a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (cfr. Ac. RP, de 14/06/2023; relatora: Maria Deolinda Dionísio; e Ac. STJ, de 27/05/2009; relator: Pires da Graça; ambos em www.dgsi.pt).
Salienta-se, no entanto, a distinção, há muito sedimentada na doutrina e na jurisprudência, entre a falta de fundamentação e a insuficiência de fundamentação.
A falta de fundamentação da decisão de facto determina, sem mais, a nulidade da sentença (ou acórdão).
A insuficiência da motivação da decisão de facto representará uma deficiência que, não recaindo num qualquer erro notório na apreciação da prova, ou não assumindo uma gravidade tal que possa ser equiparável a uma autêntica falta de fundamentação (como seria o caso de a motivação da decisão de facto ser puramente genérica e abstracta, sem qualquer referência concreta aos meios de prova, nem produzindo sobre eles qualquer exame crítico concreto), só poderá, em princípio, ser atacada por via da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
De facto, a nulidade decorrente da não observância do preceituado no art. 374º do CPP só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que, através dele, o tribunal a quo chegou (cfr. Ac. RG, de 23/03/2015; relator: Fernando Monterroso; in www.dgsi.pt).
Voltando ao caso dos autos.
A insuficiência da fundamentação, na vertente da falta de indicação e exame crítico das provas, que o Recorrente imputa à decisão recorrida, surge reportada, na alegação recursiva, a uma questão factual que se revela decisiva no contexto do objecto do processo: quais os objectos que foram (ou não) retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ....
Para melhor enquadrar a análise da referida questão, cumpre apreciar sucintamente a forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto.
O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
No caso do arguido / recorrente KK, o tribunal a quo declarou valorar (“em relação aos factos acima descritos”) as suas declarações (“teve-se em consideração, e desde logo, em parte das suas declarações, dado que, o arguido, em parte, admitiu ter retirado objectos da Alfândega, onde exercia funções públicas, admitindo que alguns ofereceu a familiares e amigos e outros ficaram na sua posse”). E declarou valorar também o teor de fls. 7451 a 7453.
Fica a ideia de que são estas as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal a quo (e que estas provas mereceram credibilidade).
Assim colocada a questão, a solução para a matéria factual em apreciação revela-se simples: há que ouvir as declarações do arguido e analisar o documento de fls. 7451 a 7453 e temos os objectos / bens que foram retirados pelo arguido / recorrente KK (e se os factos provados e não provados não espelharem o resultado probatório inerente aos mencionados meios de prova, haverá um erro de julgamento e não uma nulidade da decisão).
Acontece, porém, que a motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas ao arguido / recorrente KK e/ou a meios de prova relacionados com este arguido (fls. 131, 133, 135, 136, 137, 138, 141, 142, 144, 145, 146, 149, 151 e 152 do acórdão).
Vejamos.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 130 a 132 do Acórdão) com uma análise probatória dos depoimentos de várias testemunhas (mencionando, por vezes, outros meios de prova). Sem que seja mencionado o nome do arguido / recorrente KK, são aí referidas (fl. 131) as testemunhas ZZZ, AAAA, YYY, DDDD e BBBB, relativamente às quais a análise dos autos permite concluir que estão relacionadas com objectos apreendidos ao arguido / recorrente KK (mas sem que o nome deste seja referido nesta parte da motivação).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 133 a 135 do Acórdão) com uma análise probatória relativa aos factos não provados referentes à imputação do crime de receptação. São várias as referências ao arguido / recorrente KK, concretamente, à conduta criminosa que lhe é imputada nos autos (subtracção de bens do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ...), com menção a meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal a quo.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 135 a 150 do Acórdão) com uma análise, em grande medida descritiva, embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).
A par de menções que não assumem relevância probatória (por ex., a menção a fl. 135 de inúmeras páginas do processo que contêm despachos judiciais), surgem várias menções ao arguido / recorrente KK (fls. 135, 136, 137, 138, 141, 142, 144, 145, 146, 149), sem grande esforço de sistematização, numa análise, em grande medida, meramente descritiva, como já foi referido.
Salienta-se, no entanto, a referência (fls. 137/138), aquando da análise ao auto de busca e apreensão realizada na residência do arguido / recorrente KK, a uma questão probatória: “Veja-se que os telemóveis se encontravam debaixo da cama (cfr. segundo fotograma de fls. 2344-F) e o tablet da Samsung e um Ipad da Apple estavam guardados entre o estrado e o colchão da cama (cfr. fls. 2344-G, segundo fotograma), não sendo manifestamente locais de fácil e visível acesso, não são objectivamente condizentes com o guardar de objectos como telemóveis e tablets;” (numa alusão a prova de natureza indiciária).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 151 do Acórdão) com uma menção aos relatórios sociais dos arguidos (referindo que serviram como prova no que tange à situação social, profissional, familiar e pessoal e percursos e enquadramentos vivenciais) e aos certificados de registo criminal dos arguidos (para demonstração da ausência de condenações registadas).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 151 e 152 do Acórdão) com uma análise dos vários apensos que integram do processo.
Trata-se de uma análise de natureza descritiva, com excepção da menção ao «apenso de transcrições» e relativamente ao arguido / recorrente KK, pois constam aí algumas considerações de natureza probatória.
Finalmente, o tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 152 do Acórdão) com uma análise probatória relativa aos factos não provados referentes à imputação dos crimes de falsificação.
Perante a precedente exposição, somos levados a concluir que a motivação do Acórdão recorrido não é exemplar no cumprimento do preceituado no art. 374º do CPP.
A motivação exposta no Acórdão recorrido, como resulta da sua leitura, assume, em grande medida, natureza expositiva, sem aprofundar em certos aspectos, como devia, as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que deu como provado e não provado.
É patente a falta de uma adequada sistematização do exame crítico da prova, i.e., o caminho que conduziu à convicção adquirida pelo tribunal a quo foi trilhado de modo disperso, misturando pura descrição de meios de prova, sem análise crítica dessas provas, com considerações, mais ou menos esparsas e pouco sistematizadas, de natureza probatória.
Contudo, será excessivo qualificá-la como uma motivação puramente genérica e abstracta, sem qualquer referência concreta aos meios de prova, nem produzindo sobre eles qualquer exame crítico concreto (caso em que tal motivação seria equiparável a uma autêntica falta de fundamentação).
Em suma, entende-se não existir falta de fundamentação que provoque a nulidade do acórdão recorrido, mas tão só insuficiência da fundamentação, a valorar, como se verá, em sede de averiguação de erro de julgamento e inerente impugnação da decisão sobre a matéria de facto (plano onde, de resto, o Recorrente KK também coloca a questão).
Assim, nesta parte, improcede o recurso do Recorrente KK.
3.2.2. Recurso da arguida LL:
Na Conclusão IV do recurso, a arguida / recorrente LL afirma que “o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, relativamente à matéria assente sob os pontos 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados, existindo mesmo contradição insanável na fundamentação expendida da subsunção da matéria de facto à alegada intervenção/participação da arguida nos factos descritos na acusação”.
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pela recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
Lida a motivação de recurso, não se vislumbra que tenha havido um mínimo de alegação quanto à matéria em análise, limitando-se a Recorrente a enunciar a questão, sem qualquer fundamentação para a mesma.
De resto, lido o acórdão recorrido, não se vislumbra que o mesmo padeça de falta de fundamentação e/ou de contradição insanável na fundamentação (quanto à Recorrente).
Assim, nesta parte, improcede o recurso da Recorrente LL.
3.2.3. Recurso do arguido NN:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente NN inclui a invocação da nulidade do acórdão recorrido, numa tripla vertente.
Por um lado (conclusões 4 a 10), o Recorrente invoca que apresentou um requerimento nos autos, em 26/04/2023, no qual, ao abrigo do disposto no art. 340º do CPP, peticionou a realização de várias diligências probatórias, sendo que a decisão (de 10/05/2023) que recaiu sobre tal requerimento refere que “não só as questões suscitadas pelo arguido dão questões de direito, logo a sua apreciação é diferida para momento oportuno, a prolação de acórdão”, o que significa que as referidas questões de direito suscitadas são prévias à subsunção do direito aos factos (em concreto quanto ao preenchimento objectivo do crime de peculato), mas o Acórdão proferido nos autos não contém qualquer apreciação de tais questões de direito (que são o axioma do processo), existindo a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP.
Por outro lado (conclusões 51 a 55), o Recorrente invoca que apresentou um requerimento nos autos, em 20/07/2023, no qual, ao abrigo do disposto no art. 380º do CPP, peticionou a “correcção da sentença, para ordenar a restituição da mala, garrafa de água e garrafas de bebidas que atrás se identificaram e foram indevidamente apreendidas”. Foi proferida decisão (de 08/09/2023) sobre tal requerimento, onde se refere que “relativamente à restituição requerida, aguarde-se o oportuno trânsito em julgado, não carecendo a decisão proferida, neste sede, de qualquer rectificação, atento o disposto no Art.º 374.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal”. O Recorrente declara que “desde já (…) impugna” este despacho, requerendo a reforma do acórdão recorrido, por violação do art. 374º, nº 3, al. c), do CPP, e consequente nulidade nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do CPP.
Por fim, o Recorrente invocou no corpo da motivação a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, mas, nas conclusões, tal questão tem uma fugaz referência (na conclusão 11 o Recorrente refere que a “decisão proferida (…) é nula por falta de fundamentação”) e igualmente deslocada, na medida em que na conclusão 11 e nas seguintes está em causa a invocação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. No entanto, este tribunal não deixará de analisar, ainda que sucintamente, a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação, certo que o conhecimento de tal questão assume carácter oficioso (art. 379º, nº 2, do CPP).
Cumpre salientar, a bem da clarificação das questões a analisar, que a referência ao artigo 379º do CPP (e ao art. 374º do CPP) em várias conclusões do recurso (conclusões 16, 19, 22 e 41) surge claramente deslocada, porquanto, se está em causa, nas questões onde se enquadram as referidas conclusões, a impugnação restrita da matéria de facto, i.e., a invocação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP) ou a impugnação ampla da matéria de facto (i.e., nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP), traduzidos em vícios do julgamento, não faz sentido chamar à colação o regime da nulidade da sentença / acórdão, previsto no art. 379º do CPP, onde estão em causa vícios de construção, de formação, de actividade ou de elaboração, que não já propriamente vícios de julgamento.
Em suma, a análise que este tribunal fará à invocada questão da nulidade do acórdão recorrido está limitada à tripla vertente acima identificada.
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, não ocorrer qualquer nulidade da decisão recorrida.
A) No que respeita à nulidade, prevista no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, traduzida na falta de apreciação, no acórdão proferido nos autos, das questões de direito suscitadas, prévias à subsunção do direito aos factos (preenchimento objectivo do crime de peculato; o “axioma do processo”; no entender do Recorrente “a Alfândega não tem previsto na sua lei orgânica a competência legal para criar e gerir um serviço de perdidos e achados”), é manifesta a improcedência da pretensão recursiva.
Em primeiro lugar, o requerimento probatório que o Recorrente apresentou em 26/04/2023 foi indeferido pelo despacho de 10/05/2023, não se limitando este despacho a referir que “as questões suscitadas pelo arguido são questões de direito, logo a sua apreciação é diferida para momento oportuno, a prolação do Acórdão”, pois aí também é referido que “as diligências requeridas não são nem adequadas, nem idóneas para a eventual demonstração (ou a sua não demonstração) dos elementos típicos objectivos do crime pelo qual o arguido foi pronunciado”.
O Recorrente não apresentou recurso deste despacho, ocorrendo, assim, caso julgado. Daí ser incompreensível a referência do Recorrente, na conclusão 26 do recurso, a que “não abdica do seu requerimento, como prova a produzir nos termos do artigo 340.º, n.º 2, “in fine, à contrário””.
Quer dizer, as questões cuja apreciação foi relegada para momento oportuno (prolação de acórdão) são questões de direito, não o próprio requerimento, pois este foi indeferido e não foi objecto de recurso. E tais questões nem sequer tinham de ser analisadas, no acórdão recorrido, a título de “nulidades, excepções ou questões prévias”, pois, como questões de direito relacionadas com o preenchimento objectivo do crime de peculato, seriam analisadas aquando da apreciação jurídica da causa, concretamente, no enquadramento dos factos no mencionado tipo legal de crime.
Em segundo lugar, relativamente às “questões de direito” (o “axioma do processo”) cuja apreciação foi relegada para momento oportuno (prolação de acórdão), traduzidas, no entender do Recorrente, em “a Alfândega não tem previsto na sua lei orgânica a competência legal para criar e gerir um serviço de perdidos e achados”, não se pode afirmar que o acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre a temática em causa.
A doutrina e a jurisprudência distinguem, há muito tempo, entre questões e razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. A falta de apreciação das primeiras (questões) consubstancia a verificação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. O não conhecimento dos segundos (razões ou argumentos) será irrelevante.
O que importa é que o tribunal decida a questão colocada (o thema decidendum) e não que tenha de apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocadas para suporte dessa pretensão.
A questão colocada prende-se, in casu, com a verificação dos elementos típicos objectivos do crime de peculato.
O tribunal a quo, na análise que fez ao enquadramento dos factos no crime de peculato, concluiu que os bens se encontravam “à guarda da Autoridade Tributária, independentemente da proveniência dos mesmos”, que “os arguidos levaram para casa os objectos (…), subtracção não consentida, nem autorizada, (…) estando cientes que qualquer bem que se encontrasse nos armazéns ou em qualquer espaço adstrito à Alfândega não lhes pertencia, nem aos mesmos tinham qualquer direito” e que “se afigura ociosa a discussão se o objecto foi encontrado no interior de uma aeronave, no banco do aeroporto, se entregue na Polícia, se encontrado por um qualquer passageiro que o encontrou na área internacional, pois, independentemente da origem, o destino dos objectos foi manifesta e inequivocamente a Alfândega do Aeroporto ...”.
Quer dizer, o tribunal a quo entendeu que os bens se encontravam à guarda da Autoridade Tributária e Aduaneira, independentemente da proveniência dos mesmos, e os arguidos que os levaram para as suas casas praticaram actos que integram o elemento objectivo típico do crime de peculato consubstanciado na “apropriação ilegítima”.
Ora, afirmar que os bens se encontravam à guarda da Autoridade Tributária e Aduaneira e que tanto basta para ocorrer o crime de peculato é dar entender ser irrelevante a existência ou inexistência de uma lei que expressamente atribua competência legal àquela entidade (aos seus serviços alfandegários) para “criar e gerir um serviço de perdidos e achados”.
É patente a inexistência de nulidade da decisão recorrida (acórdão) por omissão de pronúncia, concorde-se ou não com o sentido da decisão (o que é questão diversa).
Em suma, improcede o segmento recursivo em análise.
B) No que respeita à nulidade, prevista no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, traduzida na falta de apreciação, no acórdão proferido nos autos, da questão da restituição de alguns bens indevidamente apreendidos nos autos (art. 374º, nº 3, al. c), do CPP), é igualmente manifesta a improcedência da pretensão recursiva.
O requerimento que o Recorrente apresentou em 20/07/2023 foi indeferido pelo despacho de 08/09/2023, aí sendo expressamente referido “(…) não carecendo a decisão proferida, nesta sede, de qualquer rectificação, atento o disposto no Art.º 374.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal”.
O Recorrente não apresentou recurso deste despacho (admitindo-se não ser líquida a possibilidade de recurso da decisão que indefere o pedido de correcção da sentença nos termos do art. 380º do CPP, por aplicação do art. 617º, nº 1, do CPC, ex vi art. 4º do CPP), ocorrendo, assim, caso julgado. Daí ser incompreensível que o Recorrente, na conclusão 53 do recurso, referia, em relação à decisão de 08/09/2023, o seguinte: “Despacho este, que desde já se impugna e se requer que seja proferida a competente decisão por reforma do Acórdão Recorrido, …”.
Quer dizer, o Recorrente reitera no recurso do acórdão uma questão que anteriormente havia submetido à apreciação do tribunal e que este indeferiu (mencionando ainda que “relativamente à restituição requerida, aguarde-se o oportuno trânsito em julgado”), mostrando-se o Recorrente impossibilitado de colocar novamente a questão em sede de recurso e mostrando-se este tribunal impossibilitado de conhecer da mesma.
Sempre se dirá, conforme referido pelo Ministério Público na resposta ao recurso, que o tribunal a quo expressamente se pronunciou sobre a devolução dos bens/objectos constantes das alíneas L), M) e N) dos factos não provados, não praticando qualquer omissão de pronúncia.
Em suma, improcede o segmento recursivo em análise.
C) Por fim, temos a invocação da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), do CPP, traduzida na falta de fundamentação (violação do disposto no art. 374º, nº 2, do CPP).
Entende o Recorrente (conforme se extrai do corpo da motivação, com referência fugaz na conclusão 11, como já referido) que não existe no acórdão recorrido uma exposição, ainda que concisa, dos motivos, de facto, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, no que se refere aos factos dados como provados sob os nºs 88 a 91, concretamente, no que se refere à subtracção, imputada ao arguido, de uma mochila e de uma mala do armazém dos ”perdidos e achados” do Aeroporto ....
Não obstante grande parte da argumentação do Recorrente estar deslocada da questão agora em análise (de facto, o Recorrente aborda mais a questão da ausência de prova ou erro de julgamento na apreciação da prova do que a questão da falta de fundamentação), há que reverter para esta sede boa parte das considerações acima expostas aquando da apreciação da pretensão recursiva do arguido / recorrente KK.
Assim, revertem para o caso do arguido / recorrente NN as críticas, aí expostas, relativas à forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto.
O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
Nesta análise e com enfoque no caso do arguido / recorrente NN, o tribunal a quo rebateu a negação categórica dos factos que aquele levou a cabo na audiência de julgamento.
A motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas ao arguido / recorrente NN e/ou a meios de prova relacionados com este arguido (fls. 132, 135, 136, 141, 142, 143, 149 e 151 e do acórdão).
Salienta-se, aqui a parte da motivação em que é feita uma análise, em grande medida descritiva (sem grande esforço de sistematização), embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).
A referência aos factos não provados (fl. 132 do acórdão) serve para o tribunal a quo, numa consideração de natureza probatória, dar a entender que serviu de suporte probatório aos factos provados a análise conjugada das imagens (que constam dos autos de visionamento) e das conversas telefónicas (que constam dos apensos de transcrições de escutas telefónicas).
Encurtando razões, também aqui se conclui que a motivação do Acórdão recorrido não é exemplar no cumprimento do preceituado no art. 374º do CPP.
A motivação exposta no Acórdão recorrido, como resulta da sua leitura, assume, em grande medida, natureza expositiva, sem aprofundar em certos aspectos, como devia, as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que deu como provado e não provado.
É patente a falta de uma adequada sistematização do exame crítico da prova, i.e., o caminho que conduziu à convicção adquirida pelo tribunal a quo foi trilhado de modo disperso, misturando pura descrição de meios de prova, sem análise crítica dessas provas, com considerações, mais ou menos esparsas e pouco sistematizadas, de natureza probatória.
Contudo, será excessivo qualificá-la como uma motivação puramente genérica e abstracta, sem qualquer referência concreta aos meios de prova, nem produzindo sobre eles qualquer exame crítico concreto (caso em que tal motivação seria equiparável a uma autêntica falta de fundamentação).
Em suma, entende-se não existir falta de fundamentação que provoque a nulidade do acórdão recorrido, mas tão só insuficiência da fundamentação, a valorar, como se verá, em sede de averiguação de erro de julgamento e inerente impugnação da decisão sobre a matéria de facto (plano onde, de resto, o Recorrente NN também coloca a questão).
Pelo exposto, improcede o segmento recursivo em análise.
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3.3. Impugnação da matéria de facto.
Os arguidos / recorrentes KK, LL, NN, OO, QQ, RR, II e JJ insurgem-se contra a decisão da matéria de facto nas respectivas motivações do recurso.
Cumpre, ainda, analisar a pretensão recursiva do arguido GG, porquanto este arguido / recorrente, apesar de indicar como objecto do recurso a «Medida da pena», a «Apreensão objectos» e o «Regime de prova» (em princípio, típicas questões de direito), inclui no seu recurso uma componente de impugnação da matéria de facto.
Os poderes de cognição deste Tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do Código Processo Penal (CPP).
Como se sabe, a forma e a extensão com que a impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso assume duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto.
Na primeira modalidade (revista alargada ou impugnação restrita), está em causa a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, fazendo-se o escrutínio da decisão recorrida sem extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios (traduzidos em falha, erro, omissão ou contradição) somente podem ser verificados em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum», posto que não é admissível a valoração de elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação das provas produzidas em audiência de julgamento).
Neste caso, o recorrente não tem mais que invocar a existência dos mencionados vícios (se o recurso apenas tiver como objecto tais vícios, os mesmos têm de ser invocados, sob pena de ausência de objecto; se o recurso tiver como objecto outro fundamento, tal invocação nem sequer é essencial), impondo-se ao tribunal, por dever de ofício, deles conhecer (pois que são os vícios extremos, em absoluto não tolerados pela ordem jurídica), desde que os mesmos sejam patentes e resultem da simples leitura da decisão recorrida.
Na segunda modalidade (impugnação ampla), prevista no art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, está em causa uma reapreciação da decisão recorrida não restringida ao texto da decisão, mas através das provas que esta também apreciou e, consequentemente, a formulação de um juízo crítico autónomo pelo tribunal de recurso sobre a factualidade que deve ser dada como provada e não provada.
Cabem aqui todos os casos de erro (não notório) na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Entram neste campo o error in judicando (erro de julgamento), no qual se inclui o erro na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de prova documental, erros que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica.
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP. Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Em consonância, o art. 431º, al. b), do CPP estabelece que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º.
O recorrente tem, assim, o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio (jurídico) para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Quer dizer, não obstante as mudanças que o sistema de recursos foi sofrendo nas sucessivas alterações legislativas (em cumprimento da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto), o princípio estruturante do Código de Processo Penal permanece intocado: o verdadeiro julgamento é o da primeira instância e a apreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação é limitada (servindo a imposição de impugnação especificada como contrapartida da ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância).
No cumprimento da imposição de impugnação especificada, a censura quanto ao modo de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção. Doutra forma ocorreria uma inversão de posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (cfr. Acs. STJ, de 05/06/2008, proc. 06P3649, de 14-05-2009, proc. 1182/06.3PAALM.S1, de 29-10-2008, proc. 07P1016, e de 20-11-2008, proc. 08P3269; Ac. RC, de 24/02/2010, proc. 138/06.0GBSTR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; Cfr. Ac. TC nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, II S, de 01/06/2004; Cfr. Paulo Pinto Albuquerque, «Comentário do Código de Processo Penal», Vol. II, 2023, anotações ao art. 412º, pags. 676 e ss., e ao art. 428º, pags. 713 e ss.; cfr. João Pedro Baptista / Sérgio Maia Tavares Marques, “O recurso do arguido sobre a matéria de facto no processo penal português e o critério da imposição de decisão diversa da recorrida. Estudo à luz dos princípios in dúbio pro reo e da culpa provada, na Constituição e no Direito da União Europeia.”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade», Volume I, 2023, pags. 1001 e ss.).
Nos recursos dos presentes autos, as várias impugnações da matéria de facto incluem as duas formas acima referidas (impugnação restrita e impugnação ampla), impondo-se, assim, a respectiva apreciação, o que se fará de seguida e de modo autónomo.
3.3.1. Da impugnação restrita da matéria de facto.
Os arguidos / recorrentes LL, NN e RR insurgem-se contra a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, arguindo os vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto não pode extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios (traduzidos em falha, erro, omissão ou contradição) somente podem ser verificados em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum», posto que não é admissível a valoração de elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação das provas produzidas em audiência de julgamento).
Quer dizer, não há aqui uma reapreciação da decisão de facto pelas provas (típica da impugnação ampla), mas uma (mera) sindicância da fundamentação da decisão recorrida, pedindo-se ao tribunal de recurso que sindique a convicção do tribunal a quo, para aferir se ela existiu (se observou as regras de construção do silogismo judiciário) ou, dito doutro modo, se não padece dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3.3.1.1. Recurso da arguida LL:
A) Da «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».
Na Conclusão I do recurso, a arguida / recorrente LL afirma “haver insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação da recorrente – al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P.”.
Na Conclusão V do recurso, a arguida / recorrente LL reafirma que “o acórdão em crise enferma ainda do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada sob os pontos 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados quanto à alegada participação do recorrente nos factos descritos na acusação (…) devendo, para o efeito ser ordenado o reenvio do processo para julgamento.”.
Tendo por base a factualidade descrita nos factos provados 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (no que diz respeito à arguida / recorrente) e nos factos não provados A) a RRR), a Recorrente sustenta que o tribunal recorrido construiu um raciocínio com base em presunções, suposições que serviram para criar uma tese de verificação de uma alegada prova indirecta a qual, contudo, foi contraditada pela prova produzida em tribunal e que, manifestamente, impunha a absolvição pela prática do crime de que a arguida vinha acusada e pronunciada.
Em síntese, a Recorrente entende que o tribunal a quo avaliou mal a prova produzida em tribunal (prova testemunhal, prova documental e prova pericial), sendo que esta impunha, caso tal má avaliação não existisse, a absolvição da Recorrente pela prática do crime de que vinha acusada e pronunciada.
A avaliação dos fundamentos apresentados pela Recorrente para o vício agora em análise conduz a que esta parte da pretensão recursiva esteja votada ao insucesso.
Desde logo, a Recorrente pretende sindicar a decisão de facto com recurso a elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação de provas existentes nos autos, como é o caso dos depoimentos testemunhais, a prova documental e a prova pericial), mas, como já foi referido, tal sindicância, no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto em que agora nos movemos, não pode extravasar o texto decisório em si mesmo («por si só ou conjugada com as regras de experiência comum»).
Depois, em rigor, a Recorrente não afirma que não foram indagados e apreciados pelo tribunal a quo os factos referentes ao objecto do processo. O que diz é que a decisão recorrida avaliou mal a prova existente nos autos.
“Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69 – cit. no ac. RC de 12-06-2019, proc. n.º 1/19.5GDCBR.C1, www.dgsi.pt).
Há que averiguar se o tribunal investigou cabalmente, “(…) sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no respeito pelo objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo.” (cfr. Sérgio Poças, “Quando o recurso incide sobre a matéria de facto”, Revista Julgar, nº 10., 2010).
Como refere Francisco Mota Ribeiro (“Vícios das Sentenças e Vícios do Julgamento”, in Colecção Formação Contínua – Processo e Decisão Penal – Textos, www.cej.justica.gov.pt):“Pressuposto do que seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é desde logo uma noção minimamente exata do que seja o objeto do processo: conjunto de factos ou de questões, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, peças processuais a partir das quais se vai estabelecer a vinculação temática do tribunal, mas também pela contestação ou pela defesa, ou ainda pela discussão da causa. Determinando-se desse modo os poderes de cognição do juiz, para assim também se poder afirmar que aquilo que o tribunal investigou ou os factos sobre os quais fez incidir o seu poder/dever de decisão eram, no fundo, os que constituíam ou formavam o objeto do seu julgamento, ou da audiência de julgamento, nos termos do artigo 339.º, n.º 4, do CPP, e que fora deste não ficou nenhum facto que importasse conhecer, dando-os como provados ou não provados, tanto faz.
Só se existir algum desses factos, que não tenha sido objeto de apreciação pelo tribunal, é que poderemos concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada (ou não provada) e com ela de violação do princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, porquanto o tribunal não investigou, como lhe competia, toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa. Em suma, existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340.º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição.”.
A análise dos autos revela que os factos referentes ao objecto do processo, tal como traçado na acusação / pronúncia (não havendo referência, na alegação da Recorrente, a factos alegados em contestação ou que tenham resultado da discussão da causa), foram indagados e apreciados pelo tribunal a quo, impedindo que se possa concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada.
Quer dizer, não existe qualquer falha do tribunal de julgamento na investigação de toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, dentro do objecto do processo.
A questão da correcta ou incorrecta avaliação da prova, com reflexo na matéria de facto dada como provada e não provada, é algo completamente estranho ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Em suma, improcede a pretensão recursiva no sentido da existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
B) Da «contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão».
Na Conclusão II do recurso, a arguida / recorrente LL afirma “haver contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente), por um lado, e os pontos A) a RRR) dos factos não provados – al. b) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P.”.
O vício de «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» existe sempre que do texto da decisão recorrida resulte que um mesmo facto seja julgado provado e não provado, quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si e que mutuamente se excluem, ou quando do conteúdo da decisão recorrida seja de concluir que a fundamentação nela exposta determina necessariamente conclusão oposta àquela que aí foi acolhida. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão (cfr., entre outros, o Ac. RP, de 24/04/2013; relator: Alves Duarte; in www.dgsi.pt).
A Recorrente começa por realçar o requerimento apresentado pela coarguida RR, afirmando que a matéria aí referida é relevante para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de peculato (trata-se do requerimento [probatório] que foi indeferido pelo tribunal a quo, tendo esta decisão sido objecto de recurso interlocutório, acima já apreciado). Depois, a “título exemplificativo”, a Recorrente salienta a contradição vertida no facto provado nº 64, porquanto o tribunal considerou que a arguida apropriou-se indevidamente de um objecto que já integrava a esfera jurídica do Estado Português, em razão do tempo decorrido, para posteriormente entregar o referido objecto ao legítimo proprietário (“conforme auto de entrega de fls…”).
A avaliação dos fundamentos apresentados pelo Recorrente para o vício agora em análise conduz a que esta parte da pretensão recursiva esteja votada ao insucesso.
Desde logo, a referência que a Recorrente faz ao requerimento (probatório) apresentado por uma coarguida surge deslocada da matéria agora em análise, não sendo aí apontada qualquer concreta contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão e que se evidencie em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum».
Depois, a Recorrente aponta uma contradição entre um facto provado (nº 64) e uma decisão (que não identifica, podendo ser uma decisão avulsa) que ordenou a entrega de um objecto (não identificando o respectivo auto de entrega), obstando a que este tribunal se pronuncie sobre tal questão, sendo certo que o facto provado nº 64 (“64. O computador apreendido tem o teclado alemão e foi entregue à cunhada XXX;”) não tem qualquer relação com a Recorrente e não é aí referido que o objecto em causa já integrava a esfera jurídica do Estado Português.
Em suma, improcede a pretensão recursiva no sentido da existência do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão.
3.3.1.2. Recurso do arguido NN:
A) Da «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».
Nas Conclusões 11 a 16 do recurso (não relevando as menções à nulidade por falta de fundamentação e aos arts. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. c), do CPP, conforme já referido), o arguido / recorrente NN invoca o vício em agora em análise (qualificando-o como «Do erro da Decisão»), afirmando, em síntese, que os factos provados nºs 88 a 90 são claramente insuficientes, não existindo qualquer facto que prove ou faça sequer a conexão do que é dito “… retirou do armazém dos “perdidos e achados””) e que os fotogramas e as transcrições das intercepções telefónicas não evidenciam que o Recorrente retirou do referido armazém a mochila e a mala identificadas nos factos provados.
A avaliação dos fundamentos apresentados pelo Recorrente para o vício agora em análise conduz a que esta parte da pretensão recursiva esteja votada ao insucesso.
Desde logo, o Recorrente não afirma claramente que não foram indagados e apreciados pelo tribunal a quo os factos referentes ao objecto do processo. O que diz é que, em termos probatórios, os factos provados são insuficientes para se afirmar que retirou objectos do armazém.
Como já referido, “existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69 – cit. no ac. RC de 12-06-2019, proc. n.º 1/19.5GDCBR.C1, www.dgsi.pt).
Ora, analisados os factos provados, resulta evidente que os mesmos permitem fundamentar a solução de direito adoptada (os factos referentes ao objecto do processo, tal como traçado na acusação / pronúncia foram indagados e apreciados pelo tribunal a quo), sendo diversa a questão de saber se tais factos resultaram ou não de uma correcta apreciação da prova (questão que extravasa a análise do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Depois, o Recorrente pretende sindicar a decisão de facto com recurso a elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação de provas existentes nos autos, como é o caso dos fotogramas e das transcrições das intercepções telefónicas), mas, como já foi referido, tal sindicância, no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto em que agora nos movemos, não pode extravasar o texto decisório em si mesmo («por si só ou conjugada com as regras de experiência comum»).
Em suma, improcede a pretensão recursiva em análise.
B) Da «contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão».
Nas Conclusões 17 a 19 do recurso (não relevando as menções aos arts. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. c), do CPP, conforme já referido), o arguido / recorrente NN invoca o vício em agora em análise (qualificando-o como «Da contradição insanável da decisão»), afirmando, em síntese, que a motivação da decisão de facto (fl. 124) afirma não se poder concluir de forma inequívoca que os bens provieram da Alfândega e afirma que resultou indubitavelmente provado que os bens foram retirados pelo Recorrente da Alfândega.
Como já referido, o vício de «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» (art. 410º, nº 2, al. b), do CPP) existe sempre que do texto da decisão recorrida resulte que um mesmo facto seja julgado provado e não provado, quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si e que mutuamente se excluem, ou quando do conteúdo da decisão recorrida seja de concluir que a fundamentação nela exposta determina necessariamente conclusão oposta àquela que aí foi acolhida.
Do que se trata é de uma incompatibilidade lógica que se percepcione existir logo a partir do texto da decisão, considerada esta em si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora, no caso em apreciação, é patente a inexistência da apontada contradição.
Na motivação da decisão de facto (fl. 124) é feita uma distinção entre dois grupos de objectos: quanto à mochila e à mala de viagem (apreendidas na casa do seu filho DDD), “resultou indubitavelmente provado que os mesmos foram retirados pelo arguido NN da Alfândega”; quanto aos demais objectos (“ao invés”), a “negação do arguido não foi contrariada por qualquer outro meio de prova e do mero exame dos objectos não se consegue concluir de forma inequívoca, no sentido que os mesmos provieram da Alfândega”.
Em suma, improcede a pretensão recursiva em análise.
C) Do «erro notório na apreciação da prova».
Nas Conclusões 20 a 23 do recurso (não relevando as menções aos arts. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. c), do CPP, conforme já referido), o arguido / recorrente NN invoca o vício em agora em análise, afirmando, em síntese, que o tribunal a quo estribou-se em prova indirecta, não conclusiva, vaga e imprecisa, que geraram presunções retiradas do contexto real dos factos, afirmando ainda que o tribunal a quo, colocado em situação de dúvida irremovível na livre apreciação das provas dos factos, deveria optar pelo princípio in dubio pro reo, o que não aconteceu.
A avaliação dos fundamentos apresentados pelo Recorrente para o vício agora em análise conduz a que esta parte da pretensão recursiva esteja votada ao insucesso.
Desde logo, o Recorrente deveria especificar na alegação recursiva em que se consubstancia o erro notório invocado, não se bastando tal especificação, como é evidente, com a mera afirmação de que o tribunal a quo se estribou em prova indirecta, não conclusiva, vaga e imprecisa, que geraram presunções retiradas do contexto real dos factos e com a mera afirmação de que o tribunal a quo, colocado em situação de dúvida irremovível na livre apreciação das provas dos factos, deveria optar pelo princípio in dubio pro reo, o que não aconteceu.
Depois, dizer-se que a apreciação da prova é manifestamente errada não se confunde com o erro notório na apreciação da prova, sendo certo que a sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto, em que agora nos movemos, não pode extravasar o texto decisório em si mesmo («por si só ou conjugada com as regras de experiência comum»).
Em suma, improcede a pretensão recursiva em análise.
3.3.1.3. Recurso da arguida RR:
A arguida / recorrente RR, na Conclusão CXVIII do seu recurso, refere o seguinte: “O acórdão de que se recorre viola, no modesto entendimento da Recorrente, o disposto no artigo 410º, nºs 1 [e 2], alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.”.
Esta referência poderia, em tese, significar a invocação de vícios autónomos do acórdão recorrido (concretamente, os vícios previstos nas citadas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP [insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova], não havendo referência ao vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do CPP [contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão]).
Sucede, porém, que a Recorrente não explicita qualquer argumentação relativa a tais supostos vícios (das alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP). De facto, a Recorrente centra o seu inconformismo face à decisão na existência de erro de julgamento, seja pela errónea apreciação da prova, seja pela deficiente aplicação das normas jurídicas ao caso, questões que, à frente, este tribunal não deixará de apreciar.
Assim, por se considerar que a Recorrente não invocou autonomamente a impugnação restrita da matéria de facto (com base nos vícios previstos nas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP), não será a mesma analisada nesta sede (nem se afigura haver lugar, por ora, a tal análise de forma oficiosa, uma vez que se entende não padecer o acórdão recorrido dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, als. a) e c), do CPP).
O mesmo não sucede no que respeita ao vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do CPP (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão).
Embora incluída na parte da motivação recursiva qualificada como «Do Recurso da Matéria de Direito», a Recorrente invocou a existência de uma contradição evidente entre o facto provado nº 224 e o facto provado nº 225 (cfr. também a Conclusão CXV), questão susceptível de integração no vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do CPP, e que agora importa apreciar (sem prejuízo de tal questão poder ser igualmente analisada na sua vertente estritamente jurídica, i.e., em sede do recurso da matéria de direito).
Sucintamente, a Recorrente alega que no facto provado nº 224 é referido o empobrecimento do Estado pelo facto de os arguidos (e, nomeadamente, a Recorrente) terem-se apropriado dos bens e no facto provado nº 225 é feita uma distinção entre os bens do Estado e os bens que estavam à sua guarda.
A contradição entre factos provados (ou entre um facto provado e um facto não provado) constitui um vício de sentença / acórdão que se integra no art. 410º, nº 2, al. b), do CPP.
Do que se trata é de uma incompatibilidade lógica que se percepcione existir logo a partir do texto da decisão, considerada esta em si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora, no caso em apreciação, a apontada contradição é meramente aparente e não efectiva.
Quando se refere, no facto provado nº 224, que os arguidos causaram, através da sua conduta, o empobrecimento injustificado ao Estado, pode e deve ser entendido que tal empobrecimento se verifica em relação aos bens pertencentes ao Estado (e não àqueles que não lhe pertencem e relativamente aos quais apenas tem a posse e guarda), sendo que, no facto provado nº 225, tal distinção entre os bens é expressamente referida.
Admite-se que o facto provado nº 224 poderia conter a distinção referida no facto provado nº 225, mas já não se admite que a falta de expressa referência a tal distinção configure a “contradição evidente” apontada pela Recorrente, é dizer, a contradição insanável da fundamentação a que se refere a alínea b) do nº 2 do art. 410º do CPP.
Em suma, improcede a pretensão recursiva em análise.
3.3.2. Da impugnação ampla da matéria de facto.
Os arguidos / recorrentes KK, LL, NN, OO, QQ, RR, II e JJ pretendem a revisão da matéria de facto fixada no acórdão recorrido (ainda que o arguido JJ o faça a título condicional, como se verá), invocando, para tal, o erro de julgamento quanto às questões factuais que identificaram nas respectivas motivações de recurso.
Cumpre, assim, apreciar a impugnação ampla da matéria de facto impetrada pelos mencionados arguidos / recorrentes.
Cumpre, ainda, analisar a pretensão recursiva do arguido GG, porquanto este arguido / recorrente, apesar de indicar como objecto do recurso a «Medida da pena», a «Apreensão objectos» e o «Regime de prova» (em princípio, típicas questões de direito), inclui no seu recurso uma componente de impugnação da matéria de facto.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
A sindicância de um juízo sobre a prova – ou seja, a sindicância de uma convicção alheia, do juiz de julgamento – só se concretiza reapreciando a mesma prova, pois só esta desempenha as funções de mediação entre o facto e o juiz (cfr. Ana Barata Brito, “Os poderes de cognição das Relações em matéria de facto em processo penal”, in www.tre.tribunais.org.pt).
Assim, a reapreciação da decisão de facto pelas provas envolve necessariamente uma nova apreciação das provas produzidas e a emissão de um novo juízo em matéria de facto (pedindo-se ao tribunal de recurso que sindique a convicção alheia, para perceber se, perante as provas produzidas, essa era a convicção probatória correcta e que se impunha existir, não constituindo óbice relevante para alcançar tal desiderato a circunstância de o tribunal de recurso não ter podido intervir no processo de produção de algumas das provas), embora rigorosamente restrito aos pontos questionados pelo recorrente.
Neste caso, como já referido, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Este ónus cumpre, assim, a dupla função de definição da extensão da dissidência do recorrente relativamente à decisão recorrida e de delimitação dos poderes cognitivos do tribunal de recurso.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Como é referido no Ac. STJ, de 30/11/2006 (relator: Pereira Madeira; in www.dgsi.pt), “em sede de conhecimento do recurso da matéria de facto, impõe-se que a Relação se posicione como tribunal efectivamente interveniente no processo de formação da convicção, assumindo um reclamado «exercício crítico substitutivo», que implica a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrente, da convicção adquirida pela 1.ª instância pela do tribunal de recurso, sobre todos e cada um daqueles factos impugnados, individualmente considerados, em vez de se ficar por uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento.
*
1. Recurso do arguido KK:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente KK inclui uma vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 24 a 80).
Pretende a Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, o Recorrente impugna os factos provados nºs 48, 49, 54, 55, 59, 68, 70, 73 e 74, pretendendo que seja considerada não provada a totalidade ou parte da alegação factual constante dos mesmos, porquanto tal alegação factual não tem apoio na prova existente nos autos (ou, dito doutro modo, a prova existente nos autos impõe o estabelecimento de versão factual diversa).
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pelo Recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Foram observados pelo Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição.
Previamente à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pelo Recorrente, importa tecer algumas considerações sobre o caminho trilhado pelo tribunal a quo, exposto na motivação, para alcançar a versão factual que considerou provada (e não provada).
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
Aquando da análise da questão da nulidade do acórdão recorrido (por falta de fundamentação – art. 379º, nº 1, al. a), do CPP), também invocada pelo Recorrente, foi feita uma apreciação crítica sobre a forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto.
O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
No caso do arguido / recorrente KK, o tribunal a quo declarou valorar (“em relação aos factos acima descritos”) as suas declarações (“teve-se em consideração, e desde logo, em parte das suas declarações, dado que, o arguido, em parte, admitiu ter retirado objectos da Alfândega, onde exercia funções públicas, admitindo que alguns ofereceu a familiares e amigos e outros ficaram na sua posse”). E declarou valorar também o teor de fls. 7451 a 7453.
Fica a ideia de que são estas as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal a quo (e que estas provas mereceram credibilidade).
Assim colocada a questão, a solução para a matéria factual em apreciação revela-se simples: há que ouvir as declarações do arguido e analisar o documento de fls. 7451 a 7453 e temos os objectos / bens que foram retirados pelo arguido / recorrente KK (e se os factos provados e não provados não espelharem o resultado probatório inerente aos mencionados meios de prova, haverá um erro de julgamento [e não uma nulidade da decisão]).
Acontece, porém, que a motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas ao arguido / recorrente KK e/ou a meios de prova relacionados com este arguido (fls. 131, 133, 135, 136, 137, 138, 141, 142, 144, 145, 146, 149, 151 e 152 do acórdão).
Vejamos.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 130 a 132 do Acórdão) com uma análise probatória dos depoimentos de várias testemunhas (mencionando, por vezes, outros meios de prova). Sem que seja mencionado o nome do arguido / recorrente KK, são aí referidas (fl. 131) as testemunhas ZZZ, AAAA, YYY, DDDD e BBBB, relativamente às quais a análise dos autos permite concluir que estão relacionadas com objectos apreendidos ao arguido / recorrente KK (mas sem que o nome deste seja referido nesta parte da motivação).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 133 a 135 do Acórdão) com uma análise probatória relativa aos factos não provados referentes à imputação do crime de receptação. São várias as referências ao arguido / recorrente KK, concretamente, à conduta criminosa que lhe é imputada nos autos (subtracção de bens do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ...), com menção a meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal a quo.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 135 a 150 do Acórdão) com uma análise, em grande medida descritiva, embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).
A par de menções que não assumem relevância probatória (por ex., a menção a fl. 135 de inúmeras páginas do processo que contêm despachos judiciais), surgem várias menções ao arguido / recorrente KK (fls. 135, 136, 137, 138, 141, 142, 144, 145, 146, 149), sem grande esforço de sistematização, numa análise, em grande medida, meramente descritiva, como já foi referido.
Salienta-se, no entanto, a referência (fls. 137/138), aquando da análise ao auto de busca e apreensão realizada na residência do arguido / recorrente KK, a uma questão probatória: “Veja-se que os telemóveis se encontravam debaixo da cama (cfr. segundo fotograma de fls. 2344-F) e o tablet da Samsung e um Ipad da Apple estavam guardados entre o estrado e o colchão da cama (cfr. fls. 2344-G, segundo fotograma), não sendo manifestamente locais de fácil e visível acesso, não são objectivamente condizentes com o guardar de objectos como telemóveis e tablets;” (numa alusão a prova de natureza indiciária).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 151 do Acórdão) com uma menção aos relatórios sociais dos arguidos (referindo que serviram como prova no que tange à situação social, profissional, familiar e pessoal e percursos e enquadramentos vivenciais) e aos certificados de registo criminal dos arguidos (para demonstração da ausência de condenações registadas).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 151 e 152 do Acórdão) com uma análise dos vários apensos que integram do processo.
Trata-se de uma análise de natureza descritiva, com excepção da menção ao «apenso de transcrições» e relativamente ao arguido / recorrente KK, pois constam aí algumas considerações de natureza probatória.
Finalmente, o tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 152 do Acórdão) com uma análise probatória relativa aos factos não provados referentes à imputação dos crimes de falsificação.
Passando à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pelo Recorrente.
A) Facto provado nº 48.
O Recorrente pretende que sejam expurgados do facto provado agora em análise os perfumes e os relógios “Rolex”, “Lexon” e “Quartz” (apreendidos na busca à residência de XX, amiga do Recorrente, relativamente aos quais foi dado como provado que haviam sido retirados pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...).
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento e a ausência de qualquer outra prova sobre a proveniência dos bens em causa (nomeadamente prova donde se pudesse retirar o contrário daquilo que o Recorrente declarou sobre a matéria ora em apreço), acrescentando ainda o Recorrente que não basta dar como provado (ainda que apenas com base na sua confissão) que alguns dos objectos que ofereceu a XX foram por si retirados do Aeroporto ... para ser legítimo concluir que todos os objectos que lhe ofereceu tenham tido a mesma proveniência.
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou de forma cabal, como se impunha, as razões que determinaram a inclusão daqueles objectos no facto provado em análise.
De resto, as poucas referências ou inferências extraídas da motivação vão no sentido da pretensão recursiva do Recorrente.
Por um lado, o tribunal a quo refere (fl. 123 do acórdão recorrido) que teve em consideração as declarações do Recorrente, que, em parte, admitiu ter retirado objectos da Alfândega (a consideração do teor de fls. 7451 a 7453 – requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que sabe terem sido por si adquiridos legitimamente – não assume aqui relevância, pois nada é aí referido quanto aos bens apreendidos na busca à residência de XX). Contudo, tais declarações não podem servir para a demonstração dos factos em análise, uma vez que o Recorrente, em tais declarações, negou a prática da subtracção de tais bens da Alfândega.
Por outro lado, o tribunal a quo (fl. 142 do acórdão recorrido) faz uma única referência a XX na motivação do acórdão, a propósito do auto de busca e apreensão na sua residência (fls. 2774 a 2776) e do auto de exame e avaliação e reportagem fotográfica dos objectos (fl. 2777), acrescentando uma consideração probatória do seguinte teor “sendo que (e novamente) os artigos de higiene têm rotulagem apenas em línguas estrangeiras”.
Ora, nem os relógios, seguramente, nem os perfumes, são artigos de higiene, referindo-se tal menção aos cremes que aí foram apreendidos.
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 48:
“- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Zara», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume em forma de carteira, de marca «Hopping Time», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Indra», com tampa rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Missoni», de cor laranja, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Nuxe», com tampa prateada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Victoria´s Secret», com tampa dourada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Anima Nobiie», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Hinode», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfuma de marca «Roger&Gallet», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Lacoste», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Séve», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Rolex», de cor cinzento, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Lexon», modelo «Tao», com bracelete de cor preto, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Quartz», modelo «Avon», de cor branco, com S/n ..., com o valor atribuído de € 5,00;”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C1), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 48):
“C1) Que os seguintes objectos, guardados no interior da residência de XX, tinham sido retirados pelo arguido KK dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...:
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Zara», de cor verde, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume em forma de carteira, de marca «Hopping Time», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Indra», com tampa rosa, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume, de marca «Missoni», de cor laranja, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Nuxe», com tampa prateada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Victoria´s Secret», com tampa dourada, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Anima Nobiie», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Hinode», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfuma de marca «Roger&Gallet», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Lacoste», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Frasco de perfume de marca «Séve», em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Rolex», de cor cinzento, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Lexon», modelo «Tao», com bracelete de cor preto, em estado usado, sem valor atribuído;
- 01 (um) Relógio de marca «Quartz», modelo «Avon», de cor branco, com S/n ..., com o valor atribuído de € 5,00;”.
[Na conclusão 24 o Recorrente declara impugnar o facto provado nº 49, mas depois não concretiza (nem no corpo da motivação nem nas conclusões) tal impugnação, impossibilitando o conhecimento de tal questão por este tribunal.].
B) Facto provado nº 54.
O Recorrente pretende que seja expurgado do facto provado agora em análise a referência a “um perfume”, relativamente ao qual foi dado como provado que havia sido retirado pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e depois oferecido e enviado por aquele à sua irmã ZZ.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento e as conversas telefónicas transcritas nos autos, que identifica na motivação do recurso que apresentou.
Analisando a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e as provas indicadas pelo Recorrente, resulta evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 54: “e um perfume”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C2), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 54):
“C2) Que o perfume que o arguido KK enviou à sua irmã ZZ foi retirado do armazém dos “perdidos e achados”.”.
[Na conclusão 24 o Recorrente declara impugnar o facto provado nº 55, mas depois não concretiza (nem no corpo da motivação nem nas conclusões) tal impugnação, impossibilitando o conhecimento de tal questão por este tribunal.].
C) Facto provado nº 59.
O Recorrente pretende que sejam expurgados do facto provado agora em análise as referências a “um impermeável” e a “três pares de ténis”, passando a constar apenas “dois pares de ténis”, bens relativamente aos quais foi dado como provado que haviam sido retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... e depois oferecidos por aquele ao seu irmão AA.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento e o teor dos autos de busca e apreensão, de exame e avaliação e reportagem fotográfica, referente aos objectos encontrados na residência do arguido AA, irmão do Recorrente, desconsiderando-se, em face destas provas, no entender do Recorrente, a conversação telefónica transcrita nos autos, que o Recorrente identifica na motivação do recurso que apresentou.
Analisando a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e as provas indicadas pelo Recorrente, resulta evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A alteração do seguinte segmento factual do facto provado nº 59: onde consta “três pares de ténis” passa a constar “dois pares de ténis”;
(ii) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 59: “e um impermeável”;
(iii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C3), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 59):
“C3) Que o arguido KK ofereceu ao seu irmão um terceiro par de ténis e um impermeável que havia previamente retirado do armazém dos “perdidos e achados”.”.
D) Facto provado nº 68.
O Recorrente pretende que o facto provado agora em análise transite para os factos não provados.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento.
Analisando a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, sublinhando-se, aqui, a referência feita na motivação do acórdão recorrido [fl. 133] à circunstância de as conversas telefónicas, transcritas nos autos, não permitirem inferir que a arguida EE soubesse que os bens oferecidos pelo Recorrente, encontrados na busca à sua residência, advinham de factos ilícitos contra o património ) e a prova indicada pelo Recorrente, resulta evidente o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 68: “e por este previamente retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C4), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 68):
“C4) Que as garrafas de vinho francês e de champanhe que o arguido KK ofereceu à arguida EE tinham sido previamente retirados por aquele dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....”.
E) Facto provado nº 70.
O Recorrente pretende que sejam expurgados do facto provado agora em análise vários (a esmagadora maioria) dos objectos que aí constam, de modo a aí passarem a figurar, enquanto subtraídos do seu local de trabalho, apenas seis objectos (um telemóvel iphone, três computadores portáteis e dois ipad).
Quanto a todos os demais objectos, entende o Recorrente não se poder concluir que os mesmos tenham sido por si retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento (a confissão do Recorrente e a justificação avançada para a posse de um número elevado de coisas electrónicas, nomeadamente, a compra no Ebay, o que também justifica que os equipamentos electrónicos estejam associados a contas de email que não as do Recorrente ou que estejam associados a operadoras que não são portuguesas) e a ausência de qualquer outra prova sobre a proveniência dos bens em causa (as intercepções telefónicas não versam sobre aqueles objectos, as imagens de videovigilância não provam ou indiciam quais os específicos objectos que o Recorrente retirou do Aeroporto ..., os documentos remetidos pela Apple e as perícias efectuadas nos autos a alguns equipamentos electrónicos não demonstram para lá da dúvida razoável que os objectos em apreço foram retirados do Aeroporto ...).
Analisando a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo), retira-se que a convicção do tribunal a quo, quanto ao facto em questão, não resultou apenas das declarações do arguido (que, em parte, admitiu ter retirado objectos da Alfândega) e do teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que sabe terem sido por si adquiridos legitimamente). Quer dizer, no que agora está em causa, a convicção do tribunal a quo estriba-se em outras provas ou inferências, para além da confissão parcial e da negação da prática de factos que emergem das declarações do Recorrente e do requerimento que este apresentou nos autos, nomeadamente, em prova indiciária, ainda que, como já referido, seja patente na motivação do acórdão recorrido a falta de uma adequada sistematização do exame crítico da prova, misturando pura descrição de meios de prova, sem análise crítica dessas provas, com considerações, mais ou menos esparsas e pouco sistematizadas de natureza probatória, não havendo da parte do tribunal recorrido uma explicitação de forma cabal, como se impunha, das razões que determinaram a inclusão de vários objectos no facto provado em análise.
Acresce que a análise da prova carreada para os autos (nomeadamente, da que foi referida pelo Recorrente), que este tribunal revisitou, demonstra a existência de erro de julgamento do tribunal a quo, na vertente de considerar provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova (pelo que deveria ter sido considerado não provado), em relação a vários dos objectos que foram incluídos no facto provado em análise, com consequente imposição de uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida.
Vejamos.
E.1) No que respeita às garrafas de bebidas, o Recorrente admitiu nas suas declarações (conforme resulta da transcrição que consta da motivação de recurso) que só tirou do Aeroporto as garrafas de água.
Da motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e da prova carreada para os autos não se vislumbra que possa ser dado como provado que o Recorrente retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... as restantes garrafas mencionadas no facto provado nº 70, havendo erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 70:
“[No quarto de arrumos:]
- 01 (uma) garrafa de Cointreau, avaliada no valor de € 30,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Blue Moon, avaliada no valor de € 1,50;
- 01 (uma) garrafa de Cachaça com Mel, avaliada no valor de € 20,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Praya Brasil, avaliada no valor de € 3,00;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Garrafa de cachaça Mata Velha, de 200 ml, avaliada no valor de € 20,00;”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C5), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 70):
“C5) Que o arguido KK fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os seguintes bens (encontrados no interior da sua residência):
[No quarto de arrumos:]
- 01 (uma) garrafa de Cointreau, avaliada no valor de € 30,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Blue Moon, avaliada no valor de € 1,50;
- 01 (uma) garrafa de Cachaça com Mel, avaliada no valor de € 20,00;
- 01 (uma) garrafa de Cerveja Praya Brasil, avaliada no valor de € 3,00;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Garrafa de cachaça Mata Velha, de 200 ml, avaliada no valor de € 20,00;”.
E.2) No que respeita ao perfume, o Recorrente afirmou nas suas declarações (conforme resulta da transcrição que consta da motivação de recurso, no que respeita ao facto provado nº 48) que os perfumes foram todos comprados.
No que respeita ao saco contendo várias peças em metal, à bracelete e à carteira Flik Flak, o Recorrente nada disse.
Da motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e da prova carreada para os autos não se vislumbra que possa ser dado como provado que o Recorrente retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os objectos atrás mencionados, havendo erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 70:
“[No quarto de arrumos:]
- 01 (um) Perfume de marca Odissey, de valor não concretamente apurado;
- 01 (um) Saco contendo várias peças em metal (amarelo e prateado), sem valor comercial;
- 01 (um) Bracelete em metal de cor amarelo e pele de cor castanha, com desenho de um lagarto, sem valor comercial;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Carteira Flik Flak, de valor não concretamente determiando;”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C6), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 70):
“C5) Que o arguido KK fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os seguintes bens (encontrados no interior da sua residência):
[No quarto de arrumos:]
- 01 (um) Perfume de marca Odissey, de valor não concretamente apurado;
- 01 (um) Saco contendo várias peças em metal (amarelo e prateado), sem valor comercial;
- 01 (um) Bracelete em metal de cor amarelo e pele de cor castanha, com desenho de um lagarto, sem valor comercial;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Carteira Flik Flak, de valor não concretamente determiando;”.
E.3) No que respeita aos dois troleys (marcas TopMovie e travelpro), que constam do facto provado nº 70, o Recorrente nada disse (os dois troleys / malas, marcas Rimowa e Delsey, que o Recorrente fez constar do requerimento de 12/04/2023 [fls. 7451 a 7453] já constam dos factos não provados [alínea C)).
Da motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e da prova carreada para os autos não se vislumbra que possa ser dado como provado que o Recorrente retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os objectos atrás mencionados, havendo erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 70:
“[Na sala de estar:]
- 01 (um) Troley, de marca TopMovie, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Troley, de marca travelpro, de cor azul, avaliado mo valor de €100,00;”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C7), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 70):
“C7) Que o arguido KK fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os seguintes bens (encontrados no interior da sua residência):
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Troley, de marca TopMovie, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Troley, de marca travelpro, de cor azul, avaliado mo valor de €100,00;”.
E.4) Analisemos agora a questão dos equipamentos electrónicos.
No facto provado nº 70 é referido que o Recorrente retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., ao longo do tempo, os seguintes objectos que se podem qualificar como equipamentos electrónicos: 30 telemóveis, 3 tablets, 4 ipads, 10 computadores portáteis, 1 ipod, 1 disco externo, 2 máquinas fotográficas e 1 câmara de filmar.
De todos estes objectos, o Recorrente declarou na motivação recursiva que apenas seis deles foram subtraídos do seu local de trabalho (um telemóvel iphone, três computadores portáteis e dois ipad), declarando, quanto aos demais, não se poder concluir no mesmo sentido, por não existir prova para tal.
Dir-se-á, para começar, que não é normal um comum cidadão ter aquela quantidade de bens (equipamentos electrónicos) em sua casa, mesmo que procure justificar tal posse com o facto de ser “meio viciado em compras”.
Também não é normal que, aquando da busca à residência do Recorrente, vários desses bens tenham sido encontrados debaixo da cama (telemóveis) e entre o estrado e o colchão da cama (tablet da Samsung e um Ipad da Apple), “não sendo manifestamente locais de fácil e visível acesso, não são condizentes com o guardar de objectos como telemóveis e tablets” (cfr. pag. 138 do acórdão recorrido).
Também não é normal a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras que caracteriza vários dos bens agora em análise (Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Egipto, Índia, Espanha, Brasil, Bélgica, Estados Unidos da América, Trinidad e Tobago, Noruega, Canadá, Filipinas, Suíça, Turquia, Roménia, Hong Kong, Coreia, Reino Unido / Inglaterra), de pouco valendo, em termos de convencimento probatório, a declaração do Recorrente, em julgamento, no sentido de que fazia compras no Ebay (para assim justificar que os equipamentos electrónicos estejam associados a contas de email que não as do Recorrente ou que estejam associados a operadoras que não são portuguesas).
E não é normal que o Recorrente comece por afirmar que pediu aos seus colegas que lhe trouxessem ipads dos Estados Unidos e depois, confrontado com o facto de ter sido encontrado em sua casa um ipad que pertence a um email de uma pessoa (ZZZ) que o perdeu no Aeroporto, acabe por assumir que tirou dois ipads do Aeroporto.
O que é normal e justificável, à luz das regras da lógica e da experiência, é que vários desses bens tenham sido retirados pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
No fundo, importa salientar ser possível o recurso à prova indiciária para a demonstração dos factos em apreciação, o que ocorreu no caso em análise.
São frequentes as situações de ausência de prova directa quanto aos factos, havendo que recorrer, caso se mostre possível, à prova indirecta ou indiciária.
Aceita-se sem dificuldade que a ausência de prova directa não implica, necessariamente, o fracasso da acusação.
Aceita-se também que o recurso à prova por presunções naturais, de facto, simples ou de experiência não equivale à condenação com base em simples conjecturas, meras suspeitas ou equívocas aparências.
É que pode dar-se o caso de ocorrência de vários indícios numa mesma direcção, possuindo tais indícios uma elevada carga de persuasividade, permitindo, pois, que se alcance a certeza jurídica que legitima a condenação do arguido.
Como é referido no Ac. STJ, de 07/04/2011 (relator: Santos Cabral; in www.dgsi.pt), para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória.
Importa salientar, portanto, as especiais exigências a ter na apreciação da prova indirecta ou indiciária, impondo-se pacificamente que os indícios recolhidos apenas permitem fundamentar uma condenação quando os mesmos sejam graves, precisos e concordantes.
São graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão.
São precisos os indícios que não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada.
São concordantes quando os indícios convergem todos para a mesma direcção (cfr. Ac. RG, de 19/01/2009; relator: Cruz Bucho; in www.dgsi.pt).
O primeiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que inúmeros objectos electrónicos qualificados como “perdidos e achados” eram encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... e aí guardados em armazéns, estando igualmente adquirido para os autos, de forma pacífica, que funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, a desempenhar funções na Alfândega do Aeroporto ..., retiraram objectos electrónicos (e outro tipo de bens) de tais armazéns, levando-os para as suas casas.
O segundo conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que o Recorrente foi funcionário da Alfândega do Aeroporto ... (com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, integrado na Equipa 4 do Sector de Controlo de Bagagens) e de estar igualmente adquirido para os autos que o Recorrente retirou objectos (incluindo equipamentos electrónicos) do mencionado armazém do Aeroporto ....
O terceiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita às “anormalidades” acima elencadas e que serão apreciadas a propósito das várias categorias de bens apreendidos, agora em análise.
Acresce a estes indícios o teor das declarações prestadas pelo Recorrente em julgamento, porquanto, ao contrário do que é afirmado na motivação recursiva, o Recorrente não se limitou, em tais declarações, a reconhecer que apenas subtraiu seis dos objectos referidos no facto provado nº 70, tendo ao invés reconhecido que subtraiu outros objectos.
Vejamos.
a) Quanto aos três tablets, há que fazer distinções:
- Quanto aos tablets Samsung Galaxy Tab A e Amazon Fire, é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal). O tribunal a quo referiu que teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que aquele afirma saber que foram por si adquiridos legitimamente) e aí consta o tablet Samsung Galaxy Tab A. Depois, na motivação do acórdão recorrido (fl. 146), o tribunal recorrido declara que valorou o teor de fls. 5228 a 5229 dos autos, “quanto aos tablet Samsung Galaxy Tab A e Amazon Fire, como tendo sido adquiridos pelo arguido KK” (sendo aqui desvalorizado, em face das mencionadas provas, o indício consubstanciado em o tablet Samsung ter sido encontrado entre o estrado e o colchão da cama).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
- Quanto ao tablet New Theory, resulta dos autos que “[tinha] idioma francês, que tinha inserido um cartão de memória MINI SD com documentos também redigidos em língua francesa e fotografias de indivíduos cuja identidade não foi possível apurar”.
Perante esta circunstância indiciária, a juntar aos indícios acima já mencionados, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese do Recorrente no sentido de que tal objecto não foi retirado do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., inexistindo, portanto, qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Em conformidade, improcede o recurso na parte agora em análise.
b) Quanto ao ipod e ao disco externo é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal). O tribunal a quo referiu que teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que aquele afirma saber que foram por si adquiridos legitimamente) e aí constam o ipod e o disco externo (não afastando o valor probatório que o tribunal recorrido atribuiu ao teor de fls. 7451 a 7453 a circunstância de o acórdão recorrido também referir, a fl. 149, que o auto de exame directo ao “ipod 32 GB” revelar que estava associado a este equipamento um endereço de correio electrónico sem qualquer similitude com o nome do arguido e sem quaisquer ficheiros).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
c) Quanto às duas máquinas fotográficas e à câmara de filmar é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal). O tribunal a quo referiu que teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que aquele afirma saber que foram por si adquiridos legitimamente) e aí constam a máquina fotográfica Fujifilm Firefix J38 e a máquina de filmar Samsung. No que respeita à máquina fotográfica Canon, não existe qualquer referência a tal objecto na motivação do acórdão recorrido ou nas provas que serviram de convicção ao tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
d) Quanto aos quatro ipads, há que fazer distinções:
- Quanto aos ipads modelos A1584 e A1567, o Recorrente aceita que os retirou do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., pelo que não há alteração a fazer, nesta parte, à matéria factual dada como provada.
- Quanto ao ipad Mini 2, de cor cinzenta, com o número de série ..., resulta dos autos que é “proveniente do Reino Unido, com bloqueio remoto activado, idioma inglês, associado ao e-mail ..........@....., ao número de telemóvel ...74 e a uma morada em Inglaterra”.
Perante esta circunstância indiciária, a juntar aos indícios acima já mencionados, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese do Recorrente no sentido de que tal objecto não foi retirado do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., inexistindo, portanto, qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Em conformidade, improcede o recurso na parte agora em análise.
- Quanto ao ipad com capa rígida de cor azul, com o número de série ...4 é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal). O tribunal a quo referiu que teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que aquele afirma saber que foram por si adquiridos legitimamente) e aí constam dois ipads. Por outro lado, não existe qualquer referência a tal objecto na motivação do acórdão recorrido (a referência ao ipad a fl. 138 do acórdão recorrido pode não dizer respeito ao objecto agora em análise) ou nas provas que serviram de convicção ao tribunal a quo (de resto, o Recorrente referiu nas suas declarações em julgamento que apenas retirou dois ipads do armazém dos “perdidos e achados”; é certo que tal não corresponde à verdade, como decorre do atrás exposto, mas isso não significa que se possa dar como provado que o ipad em análise foi retirado daquele local pelo Recorrente).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
e) Quanto aos dez computadores portáteis, há que fazer distinções:
- Quanto aos computadores portáteis Macbook Air, com o número de série ......, Lenovo Idealpad 310-15k e Apple Macbook pro, com o número de série ......, o Recorrente aceita que os retirou do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., pelo que não há alteração a fazer, nesta parte, à matéria factual dada como provada.
- Quanto aos computadores portáteis Macbook 12, de cor cinza, Macbook air, LG Gram, de cor branca, Microsoft Surface de 128 Gb, Microsoft Surface de 256 Gb e Macbook Pro 13, modelo A150L, de cor cinzenta, resulta dos autos a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras que caracteriza todos estes bens.
Perante esta circunstância indiciária, a juntar aos indícios acima já mencionados, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese do Recorrente no sentido de que tais objectos não foram retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., inexistindo, portanto, qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Em conformidade, improcede o recurso na parte agora em análise.
- Quanto ao computador portátil Macbook Air (com mala em pele), é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal). O tribunal a quo referiu que teve em consideração o teor de fls. 7451 a 7453 (requerimento do Recorrente de 12/04/2023 onde consta uma lista de objectos que aquele afirma saber que foram por si adquiridos legitimamente) e aí consta um Apple Macbook Air 11. Por outro lado, não existe qualquer referência a tal objecto na motivação do acórdão recorrido ou nas provas que serviram de convicção ao tribunal a quo (de resto, o Recorrente referiu nas suas declarações em julgamento que apenas retirou dois ou três computadores portáteis do armazém dos “perdidos e achados”; é certo que tal não corresponde à verdade, como decorre do atrás exposto, mas isso não significa que se possa dar como provado que o computador portátil em análise foi retirado daquele local pelo Recorrente).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
f) Quanto aos trinta telemóveis, há que fazer distinções:
- Quanto aos telemóveis (8) marca Apple, modelo Iphone (cor dourado, Iphone 7, Iphone 6, Iphone 6S, Iphone 6S Plus, Iphone 6 Plus, Iphone 6S e Iphone 6 Plus), o Recorrente, nas declarações prestadas em julgamento (conforme resulta da transcrição vertida na motivação de recurso), reconheceu que os retirou do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., sendo ainda certo que, quanto ao Iphone 6, o Recorente igualmente reconheceu tal retirada na alegação de recurso. Repare-se que resulta dos autos a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras que caracteriza todos estes Iphones.
Em suma, não há alteração a fazer, nesta parte, à matéria factual dada como provada (i.e., verifica-se a improcedência do recurso na parte agora em análise).
- Quanto aos telemóveis (16) Samsung, de cor azul, Samsung SM G900F, Samsung J1 ACE, Samsung J2, Huawei Nova Plus, Xiaomi de cor preto, Samsung J1 Ace, Samsung Galaxy S2, Samsung A3, Samsung J2, Samsung Galaxy Grand Prime, Samsung S4, Huawei P9, Samsung S10 Exynos, Samsung J5 e Samsung Grand Prime, resulta dos autos a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras que caracteriza todos estes bens.
Perante esta circunstância indiciária, a juntar aos indícios acima já mencionados, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese do Recorrente no sentido de que tais objectos não foram retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., inexistindo, portanto, qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Em conformidade, improcede o recurso na parte agora em análise.
- Quanto aos telemóveis (6) Sony Xperia, Huawei WAS-LS1A, HTC OP8B200, Blackberry classic, Nokia de cor azul e Samsung S7 Edge, é manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (traduzido na consideração como provado de um facto sem que dele tivesse sido feita prova cabal), porquanto não existe qualquer referência a tais objectos na motivação do acórdão recorrido ou nas provas que serviram de convicção ao tribunal a quo (de resto, o Recorrente referiu nas suas declarações em julgamento que ia acumulando telemóveis em casa e que comprou telemóveis blackberry directamente dos Estados Unidos da América).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, na parte agora analisada, o que será concretizado mais à frente.
*
Concluída a análise à questão dos equipamentos electrónicos, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência (parcial) da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 70:
[No quarto:]
- 01 (um) Telemóvel, de marca e modelo Sony Xperia, com o IMEI ...36;
- 01 (um) Ipod de 32 Gb, da marca Apple, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Disco externo Age Agestar, avaliado no valor de €50,00;
- 01 (um) Telemóvel Huawei, modelo WAS-LS1A, com o IMEI ...50, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Telemóvel HTC modelo OP8B200, com o IMEI ...48, avaliado no valor de € 50,00;
- 01 (um) Telemóvel Blackberry classic, com o IMEI ...17, avaliado no valor de € 80,00;
- 01 (um) telemóvel Nokia, de cor azul, com o IMEI ...56, avaliado no valor de € 30,00;
- 01 (um) tablet Samsung Galaxy Tab A, com capa em pele castanha, com o número de série ......, avaliado no valor de € 350,00, associado ao e-mail ..........@.....;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Tablet Amazon Fire, com o número de série ..., avaliado no valor de € 350,00, associado aos e-mails ..........@..... e ..........@.....;
- 01 (um) Telemóvel Samsung S7 Edge, com o IMEI ...01, avaliado no valor de € 300,00, proveniente de Portugal;
- 01 (um) Estojo de marca Hama contendo máquina fotográfica Canon sem objectiva, avaliado no valor de € 450,00;
- 01 (um) Caixa contendo uma máquina fotográfica Fujifilm Firefix J38, avaliado no valor de € 200,00;
- 01 (um) Embalagem marca Samsung contendo uma camara de filmar daquela marca, avaliada no valor de € 180,00;
- 01 (uma) Mala em pele contendo um portátil Macbook air ;
- 01 (um) Ipad com capa rígida de cor azul, com o número de série ...4, avaliado no valor de € 400,00;”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C8), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 70):
“C8) Que o arguido KK fora retirando dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... os seguintes bens (encontrados no interior da sua residência):
[No quarto:]
- 01 (um) Telemóvel, de marca e modelo Sony Xperia, com o IMEI ...36;
- 01 (um) Ipod de 32 Gb, da marca Apple, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Disco externo Age Agestar, avaliado no valor de €50,00;
- 01 (um) Telemóvel Huawei, modelo WAS-LS1A, com o IMEI ...50, avaliado no valor de € 100,00;
- 01 (um) Telemóvel HTC modelo OP8B200, com o IMEI ...48, avaliado no valor de € 50,00;
- 01 (um) Telemóvel Blackberry classic, com o IMEI ...17, avaliado no valor de € 80,00;
- 01 (um) telemóvel Nokia, de cor azul, com o IMEI ...56, avaliado no valor de € 30,00;
- 01 (um) tablet Samsung Galaxy Tab A, com capa em pele castanha, com o número de série ......, avaliado no valor de € 350,00, associado ao e-mail ..........@.....;
[Na sala de estar:]
- 01 (um) Tablet Amazon Fire, com o número de série ..., avaliado no valor de € 350,00, associado aos e-mails ..........@..... e ..........@.....;
- 01 (um) Telemóvel Samsung S7 Edge, com o IMEI ...01, avaliado no valor de € 300,00, proveniente de Portugal;
- 01 (um) Estojo de marca Hama contendo máquina fotográfica Canon sem objectiva, avaliado no valor de € 450,00;
- 01 (um) Caixa contendo uma máquina fotográfica Fujifilm Firefix J38, avaliado no valor de € 200,00;
- 01 (um) Embalagem marca Samsung contendo uma camara de filmar daquela marca, avaliada no valor de € 180,00;
- 01 (uma) Mala em pele contendo um portátil Macbook air ;
- 01 (um) Ipad com capa rígida de cor azul, com o número de série ...4, avaliado no valor de € 400,00;”.
E.5) Concluída a análise da impugnação do Recorrente ao facto provado nº 70, levando-se em consideração o que foi descrito nos pontos E.1), E.2), E.3) e E.4), impõe-se a alteração do corpo desse facto provado (nº 70), no que respeita ao valor global dos objectos (aí constando o valor de € 14.037,15), em conformidade com a eliminação de vários objectos (e respectivos valores) desse mesmo facto provado, imposta pela procedência (parcial) da pretensão recursiva, passando assim a constar do facto provado nº 70 o seguinte: “no valor global de € 11.122,65”.
F) Factos provados nºs 71, (72), 73 e 74.
Estes factos provados, bem como o facto provado nº 72, estão relacionados com a arma (revólver) e várias munições (45 + 13 + 50 + 2), que foram apreendidas no interior da residência do Recorrente aquando da busca aí realizada no dia .../.../2020.
O Recorrente pretende alterações factuais (e jurídica) numa dupla vertente:
Por um lado, pretende que passe para a matéria de facto não provada que “todas as munições de calibre .38 encontradas na sua habitação são munições de classe A”.
Por outro lado, pretende que passe para a matéria de facto não provada que “sabia que não podia ter na sua posse o revólver e as munições em questão”.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, o Recorrente invoca as declarações que prestou em julgamento, concatenadas com as regras da experiência comum, e o teor da perícia realizada nos autos (valorando positivamente a perícia na parte em que refere que o revólver estava em mau estado de conservação e valorando negativamente a perícia, por ter sido incorrectamente realizada e por ter sido incorrectamente interpretada pelo tribunal a quo, na parte em que classificou todas as munições de calibre .38 encontradas na sua habitação como munições de classe A).
Vejamos.
a) No que respeita ao revólver calibre .22, não manifestado nem registado, e às munições do mesmo calibre, próprias para aquela arma (factos provados nºs 71 e 74), não está em causa a circunstância de, em geral, o Recorrente saber que é proibido possuir aquela arma sem estar manifestada ou registada. De facto, o Recorrente refere na motivação recursiva que “sabia que não podia deter arma que não estivesse manifestada”.
O que está em causa na pretensão recursiva é a firmação, no acórdão recorrido, de o Recorrente “ter plena consciência da ilicitude da detenção desse revólver”, em face das circunstâncias em que acedeu e manteve a posse de tal objecto (“esqueceu-se completamente que tinha aquele revólver na sua posse”), invocadas pelo Recorrente nas suas declarações (e que entende corroboradas, em parte, com o teor da perícia, como já foi referido, e com as regras da experiência comum).
Contudo, não foi esse o caminho trilhado pelo tribunal a quo.
E não se diga, como o faz o Recorrente, que o tribunal a quo, na fundamentação, deixa transparecer que o Recorrente não apresentou qualquer justificação para a detenção do revólver e munições.
É patente, na fundamentação do acórdão recorrido, que o tribunal a quo ponderou, em termos probatórios, o teor das declarações prestadas pelo Recorrente, sucedendo, porém, que lhes atribuiu valor probatório diferente do que era pretendido por este:
“Não merece qualquer credibilidade as declarações do arguido no que tange à circunstância de não estar ciente da ilicitude da detenção do revólver e das munições em causa, desde logo, porquanto o arguido tinha uma outra arma manifestada, logo perfeitamente consciente da ilicitude da detenção do revólver em causa, nem justifica minimamente essa posse o ter-lhe sido oferecido em tempos, quer o revólver, quer as munições.”.
Quer dizer, a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e a análise da prova carreada para os autos (nomeadamente, da que foi referida pelo Recorrente), que este tribunal revisitou, afasta a existência de erro de julgamento do tribunal a quo, na vertente de considerar provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova (pelo que deveria ter sido considerado não provado). Dito doutro modo, as provas indicadas pelo Recorrente não impõem decisão diversa da recorrida, quanto à factualidade agora em análise.
Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo.
Em suma, improcede, nesta parte, o recurso.
b) Vejamos agora a questão das munições de calibre .38 Special, com projéctil expansivo (factos provados nºs 71, 72 e 73).
Está em causa, em primeiro lugar, que sejam munições de classe A, tal como é afirmado no acórdão recorrido, entendendo o Recorrente que tais munições são de classe B e, como tal, não se coloca em causa a validade da sua detenção, aludindo à incorrecção da perícia efectuada e à incorrecção da interpretação de tal perícia pelo tribunal a quo.
A motivação da decisão recorrida é clara quanto às provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, no que respeita à questão da natureza das munições de calibre .38 Special:
“- fls. 2355 a 2364, auto de exame e avaliação às armas e munições apreendidas, (…) as munições .38 S&W e as .38 shotshells são para arma de fogo curta, tipo revólver e encontravam-se em razoável estado de conservação e prontas a deflagrar (destinadas a arma de classe B1), (…) cfr. igualmente a exames periciais a fls. (…) e fls. 4382 a 4386 verso (cfr. munições de Classe A, de calibre .38 com projéctil expansivo);”.
Assim, no que respeita às 13 munições, de marca PMC, de calibre .38 Special de percussão central, com projéctil expansivo, e às 50 munições, de marca GFL, de calibre .38 Special de percussão central, com projéctil expansivo, os respectivos exames (perícias) realizados nos autos (Exame nº 56/2021, fl. 4384 dos autos, e Exame nº 57/2021; fl. 4385 dos autos) classificam tais munições como sendo de Classe A (e, seguramente, se fossem munições JHP tal constaria do exame / perícia e não consta).
Quer dizer, as provas indicadas pelo Recorrente não impõem decisão diversa da recorrida, quanto à factualidade agora em análise.
Em suma, improcede, nesta parte, o recurso.
Já no que respeita às 2 munições, de marca CCI, de calibre .38 Special (shotshells) de percussão central, com projéctil expansivo, o exame (perícia) realizado nos autos (Exame nº 61/2021, fl. 4386 dos autos) classifica tais munições como sendo de Classe B, resultando evidente o erro de julgamento do tribunal a quo (e que já resultava de erro da acusação/pronúncia).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A alteração do facto provado nº 72, passando a ter a seguinte redacção:
“72. As 13 e 50 munições de calibre .38 supra descritas, com projéctil expansivo, são munições de classe A, cuja detenção é absolutamente proibida;”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea C9), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 72):
“C9) Que as 2 munições de calibre .38 (shotshells) supra descritas, com projéctil expansivo, são munições de classe A, cuja detenção é absolutamente proibida;”.
Está em causa, em segundo lugar, o Recorrente saber que a detenção de tais munições era absolutamente proibida, tal como é afirmado no acórdão recorrido (facto provado nº 73), afirmando o Recorrente que, em face das circunstâncias em que acedeu à posse de tais munições, estava convicto de que tal posse era legal.
Contudo, não foi esse o caminho trilhado pelo tribunal a quo.
E não se diga, como o faz o Recorrente, que o tribunal a quo, na fundamentação, deixa transparecer que o Recorrente não apresentou qualquer justificação para a detenção das referidas munições (e do revólver revólver calibre .22, não manifestado nem registado).
É patente, na fundamentação do acórdão recorrido, que o tribunal a quo ponderou, em termos probatórios, o teor das declarações prestadas pelo Recorrente, sucedendo, porém, que lhes atribuiu valor probatório diferente do que era pretendido por este:
“Não merece qualquer credibilidade as declarações do arguido no que tange à circunstância de não estar ciente da ilicitude da detenção do revólver e das munições em causa, desde logo, porquanto o arguido tinha uma outra arma manifestada, logo perfeitamente consciente da ilicitude da detenção do revólver em causa, nem justifica minimamente essa posse o ter-lhe sido oferecido em tempos, quer o revólver, quer as munições.”.
Quer dizer, a motivação da decisão recorrida (nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo) e a análise da prova carreada para os autos (nomeadamente, da que foi referida pelo Recorrente), que este tribunal revisitou, afasta a existência de erro de julgamento do tribunal a quo, na vertente de considerar provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova (pelo que deveria ter sido considerado não provado). Dito doutro modo, as provas indicadas pelo Recorrente não impõem decisão diversa da recorrida, quanto à factualidade agora em análise.
Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo.
Em suma, improcede, nesta parte, o recurso.
Não obstante, em coerência com a alteração do facto provado nº 72, acima decidida, importa alterar o facto provado nº 73, passando a ter a seguinte redacção:
“73. O arguido KK sabia que a detenção das 13 e 50 munições de calibre .38 supra descritas, com projéctil expansivo, é absolutamente proibida, mas, ainda assim, quis e manteve tais munições na sua posse, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado por lei;”.
*
2. Recurso da arguida LL:
Na Conclusão III do recurso, a arguida / recorrente LL afirma que “o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente tenha participado nos factos descritos na acusação mostrando-se erradamente julgados a propósito os factos 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados.”.
Na Conclusão V do recurso, a arguida / recorrente LL reafirma que existe “erro de julgamento quanto àqueles factos [pontos 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente) dos factos dados como provados]”.
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pela Recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
A Recorrente pretende a revisão da matéria de facto fixada nos factos provados nºs 1 a 43, 50 a 64, 75 a 86, 224 a 231 e 235 a 236 (quanto à arguida ora recorrente).
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Ora, não obstante a motivação recursiva conter extensas considerações teóricas sobre o “erro de julgamento em matéria de facto a que se reporta o art. 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal” e ser aí enunciada uma impugnação massiva dos concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados (praticamente a totalidade dos factos dados como provados no acórdão recorrido), o certo é que não foram aí minimamente observados os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, impossibilitando que este tribunal conheça da pretensão recursiva na vertente da impugnação ampla da matéria de facto.
A única excepção é a que respeita à revisão da matéria de facto fixada no facto provado nº 80:
80. No dia 20 de Agosto de 2019, as arguidas LL e TT permitiram à testemunha CCC, funcionária da “EMP01...”, que se deslocasse ao armazém e dali retirasse e levasse consigo diversos carrinhos e outros acessórios de bebé:
- a) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Cosco, cor preta e amarela, com o número de séria ..., avaliado no valor de € 50,00;
- b) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico, modelo Lite Way, avaliado no valor de € 100,00;
- c) 1 (um) Carrinho de bebé, da marca Chico, avaliado no valor de € 110,00;
Para sustentar o erro de julgamento respeitante a este facto, a Recorrente aponta “as declarações da directora da Alfândega, superior hierárquica da recorrente” e “as declarações prestadas pela testemunha CCC”, defendendo, em síntese, que se estas testemunhas não foram acusadas/pronunciadas, o mesmo deveria suceder com a Recorrente, em face da semelhança de situações.
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Ora, na alegação recursiva da Recorrente não está propriamente em causa a consideração como provado de um facto (facto provado nº 80) sem que dele tivesse sido feita prova.
O que a Recorrente critica é a opção do titular do inquérito (Ministério Público) em não acusar determinadas pessoas (que foram ouvidas como testemunhas: BBB e CCC), resultando evidente que tal opção não impõe que a Recorrente seja ilibada da conduta criminosa que lhe é imputada.
De resto, como é salientado no excerto do despacho de encerramento do inquérito citado pela Recorrente, a opção pela não acusação da testemunha CCC está relacionada com o crime de receptação e não com o crime de peculato.
Subsiste a questão da relevância do erro (art. 16º, nº 1, do Código Penal), questão invocada pela Recorrente, por referência à testemunha CCC, mas, também aqui, sem razão, dada a evidente falta de equiparação do caso desta testemunha com o caso da Recorrente.
O erro debatido no caso da testemunha CCC é o erro sobre a proveniência ilegítima da coisa obtida por crime contra o património (que afasta o dolo nos termos do art. 16º, nº 1, do Código Penal), i.e., é um erro relativo ao crime de receptação.
No caso da Recorrente, a imputação é respeitante ao crime de peculato e tal possibilidade de erro resulta claramente afastada na motivação do acórdão recorrido:
- A fl. 131 do acórdão recorrido é referido:
A testemunha CCC confirmou novamente as condutas quanto[s] aos três carrinhos de bebé envolvendo as arguidas TT e LL (cfr. fls. 183 a 189 do apenso 2 dos autos de visionamento e fls. 15 a 22 do apenso de transcrições 4, sendo evidente a consciência da ilicitude “agradeço que fique entre nós””;
- A fl. 130 do acórdão recorrido é referido:
As testemunhas KKK, OOO, MMM, RRR, TTTTT, UUUUU funcionários aduaneiros, não obstante o registo credível, igualmente pouco contribuíram para demonstrar que os objectos foram retirados pelos arguidos, pese embora, tenha resultado patente que não existia pennissão para os objectos que estavam na Alfândega poderem ser levados para casa pelos funcionários.
(…)
A testemunha XXXXX, coordenador da sala de bagagem do Aeroporto ... até ../../2010, foi manifestamente contundente em esclarecer que nenhum objecto podia ser levado para cassa por um funcionário, revelando-se seguro, claro e rigoroso.”.
Por fim, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador.
Assim, nesta parte, improcede o recurso da Recorrente LL.
*
3. Recurso do arguido NN:
3.1. A pretensão recursiva do arguido / recorrente NN inclui uma primeira vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 24 a 41) (surgindo claramente deslocada, nesta sede, a menção aos artigos 374º, nº 2, 410º, nº 2, al. a), e 379º, nº 1, al. c), todos do CPP, na conclusão 41, conforme já referido).
Pretende o Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, o Recorrente impugna os factos provados nºs 88, 89, 90 e 91, pretendendo que os mesmos transitem para os factos não provados, afirmando, em síntese, não ter sido feita qualquer prova de que tenha retirado dos armazéns de “perdidos e achados” do Aeroporto ... os bens que se encontram mencionados nos referidos factos provados.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Admite-se que foram minimamente observados pelo Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição.
Surpreendentemente, o Recorrente inclui no elenco das provas (que “impõem uma decisão contrária da recorrida”) o “Requerimento do Arguido datado de 26 de Abril de 2023, um requerimento que foi registado sob a referência do sistema “CITIUS” 35787597, a fls.7587 a 7589, dos autos;” (cfr. conclusão 25), afirmando depois que “(…) o recorrente, não abdica do seu requerimento, como prova a produzir nos termos do artigo 340º, nº 2, “in fine, à contrario”” (conclusão 26).
Como é evidente, tal requerimento não constitui uma concreta prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412º, nº 3, do CPP e, por outro lado, tal requerimento foi indeferido pelo despacho de 10/05/2023 e o Recorrente não apresentou recurso deste despacho (ocorrendo o trânsito em julgado), conforme já analisado no âmbito da questão da nulidade do acórdão recorrido invocada pelo Recorrente.
Descontada a “prova” atrás referida, as concretas provas (que “impõem uma decisão contrária da recorrida”) são:
“- As declarações prestadas pelo Arguido na nona audiência de discussão e julgamento ocorrida em 10 de Maio de 2023, após as dezasseis horas, gravada através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal conforme Ata do mesmo dia, (áudio da Diligência_3476-18.6T9LSB_2023.05.10_12-15-10);
- Auto de busca e apreensão e dos fotogramas – cfr. fls. 2741 e 2746 a 2749, ao seu filho DDD;
- Fotogramas do sistema de vídeo vigilância do Aeroporto ... (cfr. fls. 72 a 76 e 85 a 89 do apenso 2 dos autos de visionamento das mesmas datas);
- As transcrições do apenso 3, (dia 03.05.2019, às 22 h 36 m 44s, a fls 3) sessão n.º 566, Alvo 106322040;”.
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
Olhando para a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido formou a sua convicção, no que agora releva, com base na ponderação das mesmas concretas provas, acima referidas, que o Recorrente utiliza para a sua pretensão recursiva (as quais, no entender deste, “impõem uma decisão contrária da recorrida”).
Aquando da análise da questão da nulidade do acórdão recorrido (por falta de fundamentação – art. 379º, nº 1, al. a), do CPP), também invocada pelo Recorrente, foi feita uma apreciação crítica sobre a forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto:
“O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
Nesta análise e com enfoque no caso do arguido / recorrente NN, o tribunal a quo rebateu a negação categórica dos factos que aquele levou a cabo na audiência de julgamento.
A motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas ao arguido / recorrente NN e/ou a meios de prova relacionados com este arguido (fls. 132, 135, 136, 141, 142, 143, 149 e 151 e do acórdão).
Salienta-se, aqui a parte da motivação em que é feita uma análise, em grande medida descritiva (sem grande esforço de sistematização), embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).
A referência aos factos não provados (fl. 132 do acórdão) serve para o tribunal a quo, numa consideração de natureza probatória, dar a entender que serviu de suporte probatório aos factos provados a análise conjugada das imagens (que constam dos autos de visionamento) e das conversas telefónicas (que constam dos apensos de transcrições de escutas telefónicas).
(…)
Em suma, entende-se não existir falta de fundamentação que provoque a nulidade do acórdão recorrido, mas tão só insuficiência da fundamentação, a valorar, como se verá, em sede de averiguação de erro de julgamento e inerente impugnação da decisão sobre a matéria de facto (plano onde, de resto, o Recorrente NN também coloca a questão).”.
Ora, confrontando a pretensão recursiva do Recorrente (acima exposta) com a motivação consignada no acórdão recorrido (atrás exposta) e com a análise da prova disponível nos autos (que este tribunal revisitou), importa, em nosso entender, fazer uma distinção na apreciação dos vários factos impugnados:
A) Factos provados nºs 88 e 89:
O Recorrente afirma não ter sido feita qualquer prova de que tenha retirado dos armazéns de “perdidos e achados” do Aeroporto ... os bens agora em análise («mochila HPPPOWER» e «mala de viagem DKNY») (a questão do valor dos bens será à frente analisada).
O tribunal a quo fundamentou de forma suficiente a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto (com recurso à prova indiciária, o que se mostra legalmente possível).
A reapreciação da prova produzida e carreada para os autos, avaliada de modo global e complexivo, leva a concluir pela inexistência de qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório), existindo sim uma diferente valoração da prova por parte do Recorrente.
Ora, a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador.
Acresce que o tribunal a quo, perante a negação categórica dos factos pelo Recorrente em julgamento, tinha de fazer uma opção probatória, o que fez, com explicitação, sobre a matéria factual agora em análise, das razões de tal opção, sendo certo que tal explicitação tem respaldo na prova existente nos autos.
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise (factos provados nºs 88 e 89).
B) Factos provados nºs 90 e 91:
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido, após ter mencionado a negação categórica dos factos pelo Recorrente e ter analisado a prova existente nos autos, produzindo sobre a mesma exame crítico concreto, no que respeita à «mochila HPPPOWER» e «mala de viagem DKNY» (factos provados nºs 88 e 89), nos termos atrás analisados, fez consignar que, quanto aos demais objectos (os que constam dos factos provados nºs 90 e 91), a “negação do arguido não foi contrariada por qualquer outro meio de prova e do mero exame dos objectos não se consegue concluir de forma inequívoca, no sentido de que os mesmos provieram da Alfândega” (cfr. pag. 124 do acórdão recorrido).
Mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação dos factos provados nºs 90 e 91;
(ii) A fixação de dois novos factos não provados com as alíneas L1) e M1), com o seguinte teor (correspondente ao que constava dos factos provados nºs 90 e 91):
“L1) Que no dia 25 de Maio de 2019, [o arguido] NN retirou do armazém dos “perdidos e achados” diversos objectos que, depois, transportou consigo para fora do aeroporto, num trólei que também dali retirou, tendo sido auxiliado no transporte desses objectos, até ao parque de estacionamento onde tinha estacionado o seu veículo, pela arguida LL;
M1) Que no dia 03 de Setembro de 2019, o arguido NN com o conhecimento e acordo da arguida LL, da arguida TT e JJJJ quanto à partilha entre todos de garrafas de bebidas alcoólicas guardadas no armazém, dali retirou e levou para si, uma garrafa de conteúdo não concretamente apurado;”.
*
3.2. A pretensão recursiva do arguido / recorrente NN inclui uma segunda vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 42 a 50), ainda que esta impugnação seja feita a pretexto do debate sobre a análise jurídica da causa («Do Direito») (e sem conceder quanto à impugnação da matéria de facto, atrás decidida).
Nas referidas conclusões recursivas, o Recorrente insurge-se contra a qualificação jurídica dos factos constante da decisão recorrida, defendendo que apenas poderia estar em causa o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), com consequente reflexo na pena a aplicar.
Sucede que, para sustentar tal pretensão, o Recorrente argumenta que o valor dos bens fixado nos factos provados do acórdão recorrido e pelos quais foi condenado (€ 80,00 a mala e € 40,00 a mochila) não corresponde ao seu valor real, sendo este valor real inferior a € 102,00, e, por outro lado, foi considerado para a condenação um valor dos bens estabelecido em .../.../2020 (momento da apreensão dos bens), quando deveria ter sido considerado um valor dos bens estabelecido no momento da prática dos factos (../../2019 e ../../2019).
Está em causa, antes de mais, uma impugnação da matéria de facto, criticando o Recorrente a valoração da prova feita pelo tribunal a quo e pretendendo que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinado ponto da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, o Recorrente pretende a alteração dos factos provados nºs 88 e 89, passando a constar do facto provado nº 88 o valor de cerca de € 18,57 (€ 37,15:2) e do facto provado nº 89 o valor de cerca de € 34,32 (€ 68,65:2), o que perfaz um valor global inferior a 1 UC (€ 102,00).
Sendo manifesto que se trata de uma impugnação (ampla) da matéria de facto, será a mesma analisada neste momento, sem prejuízo de em momento ulterior (análise das questões de direito suscitadas nos recursos) ser analisada a pretensão de alteração da qualificação jurídica e, consequentemente, da pena.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Analisada a alegação recursiva, constata-se que o Recorrente não observou os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição.
Atacar, em sede de recurso, a avaliação feita nos autos aos objectos apreendidos (que consta do Auto de Exame e Avaliação nº 1, de .../.../2020, fls. 2741 dos autos), quando tal avaliação não foi impugnada em sede de julgamento, constitui pretensão recursiva votada ao insucesso.
O mesmo sucede, como é evidente, com a chamada à colação de prova que não consta dos autos (informação constante de “sites da especialidade para bens novos desta natureza”) e com a referência a uma peritagem requerida e que não foi efectuada nos autos.
De resto, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto: a fls. 131 e 132 do acórdão recorrido («Motivação da decisão de facto»), é mencionado que “As testemunhas (…), Agentes da Polícia de Segurança Pública, confirmaram as apreensões em que participaram, sendo cristalinas quanto ao modo de apuramento do valor dos objectos – um valor médio nas plataformas de venda de objectos em segunda mão online, sendo certo que, resultou também ser esse o método a que os funcionários alfandegários recorrem para fazerem as notas de verificação – nada resultando de forma objectiva e sustentada que tenha posto em crise os valores atribuídos, atendendo ao método usado.”.
Quer dizer, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a questão do método / modo de apuramento do valor dos objectos, não procedendo a argumentação do Recorrente.
Contudo, resta a questão da relevância (ou irrelevância) da data da avaliação dos bens agora em causa (i.e., tal avaliação ter sido feita em .../.../2020), sabendo-se que a data relevante para a consumação do crime de peculato é a data da apropriação dos bens (in casu, ../../2019 e ../../2019).
Neste ponto, afigura-se ser igualmente de improceder a argumentação do Recorrente.
Os valores fixados nos factos provados nºs 88 e 89 são valores reportados às datas aí mencionadas, que correspondem às datas de apropriação de tais bens.
A circunstância da avaliação dos bens ter sido realizada em .../.../2020 não assume aqui relevância, no sentido de impor valores diferentes dos que foram fixados no acórdão recorrido (concretamente, valores inferiores), quer devido à natureza dos bens (mochila e mala) em causa (a questão da desvalorização não se coloca nos mesmos termos em que se coloca, por exemplo, para os aparelhos electrónicos), quer devido à proximidade entre as datas de apropriação e a data da avaliação (caso a desvalorização fosse relevante, os bens valeriam mais nas datas de apropriação).
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise (valor dos bens constantes dos factos provados nºs 88 e 89) (relegando-se para momento ulterior (análise das questões de direito suscitadas nos recursos) a apreciação da pretensão de alteração da qualificação jurídica e, consequentemente, da pena).
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4. Recurso da arguida OO:
A pretensão recursiva da arguida / recorrente OO inclui uma componente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 1 a 19).
Pretende a Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, a Recorrente impugna os factos provados nºs 94, 95 e 99 (quanto a este último apenas na parte respeitante ao tablet), pretendendo que os mesmos transitem para os factos não provados, afirmando, em síntese, não ter sido feita qualquer prova (ou prova que minimamente indicie) de que tenha retirado dos “perdidos e achados” do Aeroporto ... os bens que se encontram mencionados nos referidos factos provados.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Foram observados pela Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas (ou a sua ausência) que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição, importando distinguir, na análise a levar a cabo, o caso dos factos provados nºs 94 e 95 do caso do facto provado nº 99.
A) Factos provados nºs 94 e 95:
A Recorrente alega que o tribunal a quo, na fundamentação, refere expressamente os bens que a Recorrente retirou da Alfândega do Aeroporto ... e não inclui nessa referência expressa os bens que constam os factos provados nºs 94 e 95.
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
Aquando da análise da questão da nulidade do acórdão recorrido (por falta de fundamentação – art. 379º, nº 1, al. a), do CPP), invocada por outros Recorrentes, foi feita uma apreciação crítica sobre a forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto, apreciação que tem igualmente aplicação no caso da Recorrente:
“O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
Nesta análise e com enfoque no caso da arguida / recorrente OO, o tribunal a quo, sem referir que a Recorrente não prestou declarações (só o afirma a fl. 125 do acórdão), faz uma apreciação sucinta da prova existente nos autos no que respeita à Recorrente:
“Quanto à arguida OO apenas resultou provado que efectivamente quer o cachecol (para além das postas de bacalhau), quer o tablet foram retirados ilegitimamente da Alfândega, sendo que a "autorização" da arguida QQ não exclui a ilicitude da conduta e do teor de fls. 213 a 216 do apenso dos autos de exames directos aos equipamentos electrónico[s] 2 resulta claramente estarem associados dois endereços de correio electrónico em nada relacionados com a pessoa da arguida e associados a uma operadora do Brasil.”.
A motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas à arguida / recorrente OO e/ou a meios de prova relacionados com esta arguida (fls. 125, 132, 135, 136, 138, 146, 150 e 151 do acórdão).
Salienta-se, aqui a parte da motivação em que é feita uma análise, em grande medida descritiva (sem grande esforço de sistematização), embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).”.
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido, após ter mencionado que “apenas resultou provado que efectivamente quer o cachecol (para além das postas de bacalhau), quer o tablet foram retirados ilegitimamente da Alfândega”, vem a dar como provado que a Recorrente também retirou ilegitimamente da Alfândega duas garrafas (de rum e de uma bebida espirituosa rara) (bens que constam dos factos provados nºs 94 e 95).
Mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo (de resto, na análise jurídica da causa, concretamente, aquando da fixação da pena para o crime de peculato, é feita referência a dois objectos – cachecol e tablet –, nada sendo dito quanto às garrafas).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação dos factos provados nºs 94 e 95;
(ii) A fixação de dois novos factos não provados com as alíneas O1) e O2), com o seguinte teor (correspondente ao que constava dos factos provados nºs 94 e 95):
“O1) Que no dia 25 de Abril de 2019, a arguida OO guardou uma garrafa de rum J Baly, retirada dos “perdidos e achados” para o seu colega, o arguido PP;
O2) Que no mesmo dia, a arguida OO retirou do armazém uma garrafa de bebida espirituosa rara, tendo deixado uma garrafa diferente no seu lugar, de modo a ocultar a subtracção efectuada;”.
B) Facto provado nº 99:
Como já referido, está em causa a Recorrente ter retirado (ilegitimamente) (ou não) o tablet da Alfândega.
A Recorrente, não questionando que tal objecto foi encontrado no quarto do seu filho, entende não existir prova de que o mesmo foi (por si) retirado dos “perdidos e achados”, invocando, para tal, o depoimento prestado em julgamento pelo seu filho (testemunha EEE), sendo este um meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, e, por outro lado, invocando o erro de apreciação da prova pelo tribunal recorrido (com violação do art. 127º do CPP e do princípio in dubio pro reo), na medida em que não se mostra possível inferir, do mero facto de ser encontrado em casa da Recorrente um aparelho proveniente do Brasil (em face das relações históricas, extensas e constantes entre Portugal e Brasil e entre cidadãos portugueses e brasileiros e perante a globalização em que vivemos), que se trata de um aparelho retirado dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
Olhando para a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido formou a sua convicção, para concluir que a Recorrente retirou tal objecto dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., com base no teor de fls. 213 a 216 do apenso dos autos de exames aos equipamentos electrónico[s] 2, porquanto, de tal teor, resulta claramente estarem associados dois endereços de correio electrónico em nada relacionados com a pessoa da arguida e associados a uma operadora do Brasil.
É manifesto o recurso à prova indiciária pelo tribunal a quo, para dar como provado o que consta do facto provado nº 99 (em relação ao tablet).
São frequentes as situações de ausência de prova directa quanto aos factos, havendo que recorrer, caso se mostre possível, à prova indirecta ou indiciária.
Aceita-se sem dificuldade que a ausência de prova directa não implica, necessariamente, o fracasso da acusação.
Aceita-se também que o recurso à prova por presunções naturais, de facto, simples ou de experiência não equivale à condenação com base em simples conjecturas, meras suspeitas ou equívocas aparências.
É que pode dar-se o caso de ocorrência de vários indícios numa mesma direcção, possuindo tais indícios uma elevada carga de persuasividade, permitindo, pois, que se alcance a certeza jurídica que legitima a condenação do arguido.
Como é referido no Ac. STJ, de 07/04/2011 (relator: Santos Cabral; in www.dgsi.pt), para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória.
Importa salientar, portanto, as especiais exigências a ter na apreciação da prova indirecta ou indiciária, impondo-se pacificamente que os indícios recolhidos apenas permitem fundamentar uma condenação quando os mesmos sejam graves, precisos e concordantes.
São graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão.
São precisos os indícios que não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada.
São concordantes quando os indícios convergem todos para a mesma direcção (cfr. Ac. RG, de 19/01/2009; relator: Cruz Bucho; in www.dgsi.pt).
O primeiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que inúmeros objectos electrónicos (nomeadamente tablets e outros) qualificados como “perdidos e achados” eram encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... e aí guardados em armazéns, estando igualmente adquirido para os autos, de forma pacífica, que funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, a desempenhar funções na Alfândega do Aeroporto ..., retiraram objectos electrónicos (e outro tipo de bens) de tais armazéns, levando-os para as suas casas.
O segundo conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que a Recorrente foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ... (com a categoria profissional de verificador auxiliar aduaneiro, exercendo funções no sector de controlo de bagagem, integrada na equipa 2) e de estar igualmente adquirido para os autos que a Recorrente retirou objectos (bacalhau e cachecol desportivo) do mencionado armazém do Aeroporto ....
O terceiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que o objecto em causa (tablet) é proveniente do Brasil e a ele estarem associados dois endereços de correio electrónico em nada relacionados com a pessoa da arguida e associados a uma operadora do Brasil.
Em suma, perante os indícios atrás elencados, onde sobressaem as funções desempenhadas pela arguida, a sua actuação face a outros bens, as características próprias do objecto em causa, a sua proveniência estrangeira e a associação a endereços de correio electrónico, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese da Recorrente assente na globalização e nas históricas, extensas e constantes relações entre Portugal e Brasil (e ainda no depoimento do seu filho, sendo certo que, quanto a factos não provados, o tribunal deu relevância probatória a tal depoimento, conforme se alcança do teor de fl. 132, in fine, do acórdão recorrido).
Conclui-se, portanto, que o tribunal a quo fundamentou de forma suficiente a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto (com recurso à prova indiciária, o que se mostra legalmente possível).
Dito de outra forma, este tribunal (de recurso), no delicado exercício de (re)avaliação probatória (percorrendo o iter epistémico traçado pelo tribunal recorrido na sua decisão e valorando por si as provas indicadas pelo recorrente), conclui pela inexistência de qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório), existindo sim uma diferente valoração da prova por parte do Recorrente.
Ora, a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo, o mesmo sucedendo com o princípio in dubio pro reo.
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise (facto provado nº 99).
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5. Recurso da arguida QQ:
5.1. A pretensão recursiva da arguida / recorrente QQ inclui uma primeira vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 2 a 14).
Pretende a Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, a Recorrente impugna os factos provados nºs 29, 36, 42, 108, 111 e 112, pretendendo que seja considerada não provada a totalidade ou parte da alegação factual constante dos mesmos, porquanto tal alegação factual não tem apoio na prova existente nos autos (ou, dito doutro modo, a prova existente nos autos impõe o estabelecimento de versão factual diversa).
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Foram observados pela Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição.
Previamente à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pela Recorrente, importa tecer algumas considerações sobre o caminho trilhado pelo tribunal a quo, exposto na motivação, para alcançar a versão factual que considerou provada (e não provada).
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
No corpo da sua motivação (pontos 6º e 17º), a Recorrente refere que o tribunal a quo não fundamentou de forma minimamente satisfatória o facto de ter considerado provados os factos da pronúncia de forma diferente da por si defendida no presente recurso.
No contexto da motivação recursiva, esta referência da Recorrente aponta claramente para a invocação de um erro de julgamento, sendo um vício relacionado com a apreciação probatória feita pela Recorrente (e não um vício autónomo, recordando-se que a falta de fundamentação não se confunde com a insuficiência da fundamentação e que os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, não se confundem com a insuficiência da prova para a decisão de facto) e será nessa vertente apreciado por este tribunal, mas não afasta a necessidade de se apreciar sucintamente a forma como o tribunal a quo expôs a motivação da decisão de facto (com enfoque no caso da Recorrente QQ).
O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
No caso da arguida / recorrente QQ, o tribunal a quo menciona que as suas declarações são “parcialmente confessórias” e “consubstanciam uma narrativa autocentrada, autocomplacente e desculpabilizante, numa manifesta postura de desvalorização do seu comportamento, particularmente censurável, desde logo, por exercer funções de coordenadora da Alfândega e por ser licenciada em Direito”.
Ainda no âmbito das declarações dos arguidos, a arguida / recorrente QQ é mencionada, com relevância, a propósito das declarações dos arguidos UU, VV e WW (fls. 128 e 129 do acórdão), sobressaindo o facto de os arguidos VV e WW terem declarado que pediram autorização à arguida / recorrente QQ para levar objectos (malas) do armazém da Alfândega do Aeroporto ....
Seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas à arguida / recorrente QQ e/ou a meios de prova relacionados com esta arguida (fls. 130, 132, 135, 136, 138, 146, 147, 148, 149, 150 e 151 do acórdão).
Vejamos.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 130 a 132 do Acórdão) com uma análise probatória dos depoimentos de várias testemunhas (mencionando, por vezes, outros meios de prova).
Salienta-se que, a propósito do depoimento da testemunha BBB (directora da Alfândega do Aeroporto ..., desde ../../2010 até ../../2020), o tribunal a quo volta a analisar as declarações da arguida / recorrente QQ, referindo que esta esclareceu cabalmente os procedimentos (da Alfândega do Aeroporto ...), “salientando que não compreende que os arguidos carecessem de uma norma escrita para ficarem cientes de que não podiam levar para casa objectos que estavan na AIfândega, pelo que, é absolutamente irrelevante se havia, ou não, um manual de procedimentos escritos, ou se as chefias sabiam e nada faziam, ou se havia falta de espaço ou se os artigos eram para ser inutilizados ou não tinhan valor, a verdade é que os arguidos acederam a estes objectos pr força das funções públicas que lhes estavam acometidas”.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 135 a 150 do Acórdão) com uma análise, em grande medida descritiva, embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637) (sendo genericamente mencionado, a fl. 135 do acórdão que “mais se analisou e examinou, conjugando-se criticamente com a demais prova testemunhal e declarações igualmente produzidas em audiência de julgamento, o teor constante de”):
A par de menções que não assumem relevância probatória (por ex., a menção a fl. 135 de inúmeras páginas do processo que contêm despachos judiciais), surgem várias menções à arguida / recorrente QQ (fls. 136, 138, 146, 147, 148, 149 e 150), sem grande esforço de sistematização, numa análise, em grande medida, meramente descritiva, como já foi referido.
Salienta-se, no entanto, a fls. 146 a 148, a existência de considerações de natureza probatória do tribunal a quo relativas às mensagens de correio electrónico juntas aos autos (com renovada apreciação das declarações prestadas pela arguida / recorrente QQ), donde se extrai, essencialmente, o volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ... e as dificuldades de gestão do espaço disponível e do destino a dar aos objectos, mas também a plena consciência de que os bens em causa estão à guarda da Alfândega / Autoridade Tributária, revertem a favor do Estado perante a ausência de reclamação dos proprietários e têm destino definido (inutilização, venda ou doação), “o que torna inverosímil que a arguida, na altura, entre ../../2018 a ../../2020, não estivesse ciente do desvalor da sua conduta”.
Salienta-se, ainda, a fl. 150, a existência de considerações de natureza probatória do tribunal a quo relativas às mensagens de correio electrónico juntas aos autos, donde se extrai que “as arguidas QQ e UU retiraram, de forma articulada, objectos da Alfândega (…) sendo certo que, a circunstância de ser dado conhecimento à testemunha BBB não isenta as arguidas de culpa”.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 151 do Acórdão) com uma menção aos relatórios sociais dos arguidos (referindo que serviram como prova no que tange à situação social, profissional, familiar e pessoal e percursos e enquadramentos vivenciais) e aos certificados de registo criminal dos arguidos (para demonstração da ausência de condenações registadas).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 151 e 152 do Acórdão) com uma análise (de natureza descritiva) dos vários apensos que integram do processo.
Passando à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pela Recorrente.
A) Facto provado nº 29.
A Recorrente pretende que o facto provado agora em análise transite para os factos não provados.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao facto provado em análise, a Recorrente invoca os depoimentos das testemunhas BBB, GGG, OOO, RRR, TTTTT, UUUUU, JJJJ, KKKK e WWWWW.
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou de forma cabal, como se impunha, as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise.
As poucas referências ou inferências extraídas da motivação vão no sentido da versão factual apontada pela Recorrente.
De facto, o tribunal a quo deu como não provado que os objectos encontrados no interior do gabinete da Recorrente tinham sido por esta retirados, ao longo do tempo, do armazém dos “perdidos e achados”, sinal de que tais bens estariam naquele gabinete por outra razão que não a subtracção de tais bens pela Recorrente.
Por outro lado, o tribunal a quo, na apreciação dos depoimentos da maioria das testemunhas identificadas pela Recorrente (GGG, OOO, RRR, TTTTT, UUUUU, JJJJ e WWWWW), funcionários aduaneiros, referiu o registo credível de tais depoimentos.
É certo que o depoimento da testemunha BBB, no excerto citado pela Recorrente, permite a inferir que o gabinete da Recorrente não seria um local de depósito permanente de objectos (“era inaceitável que ficassem meses, admito que ficassem dias”), mas tal não significa que o gabinete “não é local de depósito de quaisquer objectos”. Acresce que o tribunal a quo apôs muitas reservas à valoração positiva do depoimento desta testemunha (“a sua postura esquiva e comprometida minavam a isenção e coerência subjacentes a um depoimento digno de credibilidade”).
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) Alteração da redacção do facto provado nº 29, passando a aí constar o seguinte: “Os objectos “perdidos e achados” entregues na Alfândega do Aeroporto ... fora do período normal de expediente eram deixados no gabinete da coordenadora do sector.”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea A1), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 29):
“A1) Que o gabinete da coordenadora do sector não é local de depósito de quaisquer objectos;”.
B) Facto provado nº 36.
A Recorrente pretende que o facto provado agora em análise seja expurgado do seguinte segmento factual: “não só nada fez para tomar medidas que lhe pusessem um fim, como ainda o fomentou”.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao facto provado em análise, a Recorrente invoca a prova documental junto com o RAI e com a contestação e os depoimentos das testemunhas BBB, GGG e OOO.
A pretensão recursiva agora em análise revela-se, em nosso entender, manifestamente improcedente.
O que está em causa no facto provado em apreciação (nº 36) é uma actuação da Recorrente de nada fazer (tomar medidas) para pôr fim a uma “prática habitual” e para parar de fomentar uma “prática habitual”, sendo que a Recorrente era conhecedora de tal “prática habitual”.
Ora, tal “prática habitual” está descrita no facto provado nº 35: “diversos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... têm vindo, de modo sistemático e reiterado, a retirar dos armazéns dos “perdidos e achados” e a levar consigo, fazendo-os seus, os objectos que para ali são encaminhados e lhes interessam”.
Verifica-se, assim, não estar em causa a questão do volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ... e das dificuldades de gestão do espaço disponível e do destino a dar aos objectos (questão que o acórdão recorrido também analisa na motivação – cfr. fls. 146 a 148 do acórdão), mas a actuação da Recorrente perante a “prática habitual” de retirada de bens da Alfândega do Aeroporto ..., levada a cabo por diversos funcionários que aí desempenhavam funções (e que a Recorrente não põe em causa).
Ora, se a Recorrente não põe em causa que “levou ela própria objectos dos “perdidos e achados” para si, dando “autorização” para que os outros o fizessem e disponibilizando-os para consumo imediato nas instalações da AT”, resulta evidente que a Recorrente nada fez, e até fomentou, a apontada “prática habitual”.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
C) Facto provado nº 42.
A Recorrente pretende que o facto provado agora em análise seja expurgado do seguinte segmento factual: “Por via desse comportamento”.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao facto provado em análise, a Recorrente invoca a prova documental junto com o RAI e com a contestação, a fundamentação do acórdão recorrido e os depoimentos das testemunhas BBB, OOO e VVVVV.
A pretensão recursiva agora em análise revela-se, em nosso entender, manifestamente improcedente.
O que está em causa no facto provado em apreciação (nº 42) é uma actuação dos funcionários da AT (incluindo a Recorrente): “retiraram dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quotidiano” (cfr. factos provados nºs 40 e 41).
Ora, tal actuação dos funcionários da AT (incluindo a Recorrente), na sua objectividade (i.e., independentemente de se saber se trata ou não de condutas que configuram a prática do crime de peculato), resultou cabalmente demonstrada nos autos, não sendo posta em causa pela Recorrente, não sendo igualmente posto em causa pela Recorrente que, entre os anos de 2018 e 2020, apenas uma pequena parte dos equipamentos electrónicos e garrafas intactas de bebidas alcoólicas entradas na Alfândega do Aeroporto ... como “perdidos e achados” foram encaminhados à Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários. É evidente a ligação entre a referida actuação dos funcionários e a referida falta de encaminhamento dos bens.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
D) Facto provado nº 108.
A Recorrente pretende que o facto provado agora em análise transite para os factos não provados.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao facto provado em análise, a Recorrente invoca a ausência de prova nos autos (a insuficiência da prova que consta do despacho de pronúncia e a ausência de apreensão de bebidas na busca à sua residência), as declarações da Recorrente prestadas em julgamento (nomeadamente, a credibilidade da negação de apropriação dos bens em causa) e o depoimento da testemunha PPP, agente da PSP (no que respeita ao conteúdo do saco que a Recorrente levava consigo e que consta do auto de visionamento de imagens de videovigilância).
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou de forma cabal, como se impunha, as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise.
O tribunal recorrido refere as declarações parcialmente confessórias da Recorrente, mas esta, conforme resulta do excerto das declarações mencionadas no ponto 4º do recurso, negou que tivesse trazido quaisquer garrafas da Alfândega do Aeroporto ....
O tribunal recorrido refere (genericamente) o conteúdo dos autos de transcrição de escutas telefónicas que constam dos respectivos apensos de transcrições e o conteúdo dos autos de visionamento de imagens de videovigilância que constam dos respectivos autos de visionamento, mas, conforme refere a Recorrente, tais meios de prova não se mostram capazes de sustentar a demonstração de que a Recorrente tenha trazido garrafas de bebidas da Alfândega do Aeroporto ....
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do facto provado nº 108;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea Pb), com o seguinte teor (correspondente ao que constava do facto provado nº 108):
“Pb) Que no dia 21 de Junho de 2019, QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” e levou consigo diversas garrafas de bebidas alcoólicas;”.
E) Facto provado nº 111.
A Recorrente pretende que o facto provado agora em análise seja expurgado do seguinte segmento factual: “retirou do armazém dos “perdidos e achados”e”.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao facto provado em análise, a Recorrente invoca a ausência de prova nos autos (a insuficiência da prova que consta do despacho de pronúncia), as declarações da Recorrente prestadas em julgamento (nomeadamente, a credibilidade da negação de apropriação do bem em causa), o depoimento da testemunha FFF (que declarou ter oferecido um quadro à Recorrente e que este esteve pendurado na Alfândega), o depoimento da testemunha PPP, agente da PSP (no que respeita ao objecto que a Recorrente levava consigo e que consta do auto de visionamento de imagens de videovigilância).
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou de forma cabal, como se impunha, as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise.
O tribunal recorrido refere as declarações parcialmente confessórias da Recorrente, mas esta, conforme resulta do excerto das declarações mencionadas no ponto 5º do recurso, negou que tivesse retirado qualquer quadro do armazém dos “perdidos e achados”.
O tribunal recorrido refere (genericamente) o conteúdo dos autos de visionamento de imagens de videovigilância que constam dos respectivos autos de visionamento, mas, conforme refere a Recorrente, tal meio de prova (ainda que conjugado com o depoimento da testemunha PPP) não se mostra capaz de sustentar a demonstração de que a Recorrente tenha retirado o quadro em questão da Alfândega do Aeroporto ....
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) Alteração da redacção do facto provado nº 111, passando a aí constar o seguinte: “No dia ../../2020, a arguida QQ levou consigo, dentro de um saco, um quadro emoldurado, embalado numa película em plástico.”.
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea Pc), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 111):
“Pc) Que a arguida QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” um quadro emoldurado”.
F) Facto provado nº 112.
A Recorrente pretende a alteração da matéria de facto constante do facto provado agora em análise, numa tripla vertente:
a) Em primeiro lugar, a Recorrente pretende que sejam expurgados do facto provado agora em análise os seguintes bens:
- 1 (uma) Bolsa de cor preta e castanha da marca zlyc, contendo no seu interior uma máquina fotográfica de marca Panasonic, número de serie ...30, um carregador de bateria marca Nikon número de serie ...01... e duas baterias marca Nikon, avaliado no valor de € 500,00;
- 1 (uma) Lente marca Nikon, com o número de serie ...79, no interior da bolsa acima mencionada, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Olympus modelo E-M10, de cor preta e prata, com o nº serie ...05, com duas baterias, carregador, tripé, acondicionado de cor bordô, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Olympus modelo Premium Pro 52mm de cor preta com o nº serie ...35, pertencente à máquina fotográfica, anterior, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon, modelo coolpix P900, com nº serie ...99 de cor preta, com duas baterias, um carregador e um carregador de baterias, acondicionados numa bolsa da Nikon de cor cinzenta, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Sony, modelo SLT-A37, de cor preta com o nº serie ...19, com 2 baterias, e um carregador de baterias, acondicionada numa mala da marca Case Logic de cor preta, avaliado no valor de € 250,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Sony modelo SAL55200-2 com o nº serie ...56, avaliado no valor de € 100,00;
- 1 (uma) Objectiva sem marca visível, modelo Sigma DG de cor preta com o nº serie ...97, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo coolpix B700, de cor preta com o nº serie ...90, acondicionada numa bolsa preta marca Cyrk, avaliado no valor de € 300,00;
- 1 (uma) Objectiva marca Nikon modelo Dx de cor preta com o nº serie ...35, com respectiva bolsa de cor preta, avaliado no valor de € 150,00;
- 1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica marca Nikon modelo D5100 de cor preta com o nº serie ...19, acondicionado numa bolsa de cor branca marca Manfrotto, avaliado no valor de € 400,00;
- 1 (uma) Máquina fotográfica de marca Olympus, modelo Stylus Tg-870, de cor cinzenta, com o s/n. ...80..., com respectiva bolsa em pele preta, avaliado no valor de € 300,00; recurso.
Alega, para tanto, que confessou em sede de julgamento a tentativa de apropriação de grande parte dos objectos apreendidos na sua residência (mostra-se incompreensível a constante referência da Recorrente à “tentativa” de apropriação, quando é evidente que está em causa nos autos uma apropriação de bens), o que não aconteceu com os bens atrás identificados porque os mesmos são da sua propriedade e do seu marido.
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao segmento factual do facto provado em análise, a Recorrente invoca a ausência de prova nos autos (que ligue tais bens à Alfândega do Aeroporto ...), as declarações da Recorrente prestadas em julgamento, os depoimentos das testemunhas PPP, FFFFFF e CCCCCC (agentes da PSP), MMMMMM, NNNNNN e GGG, para além da prova documental constante dos autos (nos termos explicitados na motivação recursiva) e daquilo que é afirmado pelo tribunal a quo na motivação como suporte da formação da sua convicção.
Vejamos.
a.1) Começando pelo equipamento fotográfico (máquinas fotográficas, lente, objectivas, carregadores, baterias e respectivas bolsas de acondicionamento), a referência do tribunal recorrido às declarações parcialmente confessórias da Recorrente não tem relevância, porquanto a apropriação do equipamento fotográfico, imputada à Recorrente, foi por esta negada.
Contudo, o tribunal recorrido explicitou, minimamente, as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise (a subtracção do equipamento fotográfico).
O tribunal recorrido refere, no que agora releva, que, do depoimento da testemunha GGG (marido da Recorrente), conjugado com os depoimentos das testemunhas MMMMMM e NNNNNN, “se retira, por um lado, o gosto pela colecção de relógios, afigurando-se crível e verosímil o seu relato, e por outro lado, não se extrai a mesma ilação quanto aos aparelhos de fotografia, dado que são aparelhos recentes, particularmente valiosos, ao contrário dos relógios” (cfr. fl. 132 do acórdão recorrido).
É manifesto o recurso à prova indiciária pelo tribunal a quo, para dar como provado o facto provado em análise (a subtracção do equipamento fotográfico), remetendo-se para as considerações teóricas referentes ao uso deste tipo de prova levadas a cabo na apreciação da pretensão recursiva da Recorrente OO.
O primeiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que inúmeros objectos qualificados como “perdidos e achados” eram encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... e aí guardados em armazéns, estando igualmente adquirido para os autos, de forma pacífica, que funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, a desempenhar funções na Alfândega do Aeroporto ..., retiraram objectos de tais armazéns, levando-os para as suas casas.
O segundo conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que a Recorrente foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ... (com a categoria profissional de primeira verificadora superior e exerceu funções como coordenadora do sector de controlo de bagagens) e de estar igualmente adquirido para os autos que a Recorrente retirou objectos do mencionado armazém do Aeroporto ....
O terceiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que a Recorrente retirou uma máquina fotográfica, marca Leica modelo Q2, do mencionado armazém do Aeroporto ....
O quarto conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar em causa um elevado número de equipamentos fotográficos (sete máquinas fotográficas, uma lente, quatro objectivas, carregadores, baterias e respectivas bolsas de acondicionamento), não bastando a Recorrente afirmar, nas suas declarações (como o faz na motivação de recurso), que o seu marido tem um gosto especial no que toca a máquinas fotográficas. De resto, a afirmação constante do acórdão recorrido, no sentido de os aparelhos de fotografia serem recentes e particularmente valiosos, não foi cabalmente contraditada pela Recorrente (nem nas suas declarações, nem nos depoimentos das testemunhas que identifica na motivação de recurso).
Em suma, perante os indícios atrás elencados, onde sobressaem as funções desempenhadas pela arguida, a sua actuação face a outros bens (onde se inclui um bem de idêntivca natureza aos que agora estão em causa), o número e as características próprias dos bens agora em causa, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese da Recorrente assente na (mera) afirmação da propriedade de tais bens (sem que seja aportada prova suficiente, ao menos em termos contra-indiciários, para contrariar os indícios acima referidos).
Assim, este tribunal (de recurso), no delicado exercício de (re)avaliação probatória (percorrendo o iter epistémico traçado pelo tribunal recorrido na sua decisão e valorando por si as provas indicadas pelo recorrente), conclui pela inexistência de qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Acresce que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo, o mesmo sucedendo com o princípio in dubio pro reo.
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise (subtracção de equipamento fotográfico: máquinas fotográficas, lente, objectivas, carregadores, baterias e respectivas bolsas de acondicionamento).
a.2) Passando à câmara de filmar (1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;), a referência do tribunal recorrido às declarações parcialmente confessórias da Recorrente não tem relevância, porquanto a apropriação deste objecto, imputada à Recorrente, foi por esta negada.
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou de forma cabal, como se impunha, as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise (subtracção da câmara de filmar). De resto, o tribunal recorrido não faz sequer referência a este objecto na motivação do acórdão.
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 112: “- 1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea Pd), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 112):
“Pd) Que a arguida QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” 1 (uma) Câmara de filmar marca Utech modelo Cmos, de cor preta sem nº de serie, 2 baterias, acondicionado na respectiva bolsa, avaliado no valor de € 200,00;”.
a.3) Passando ao relógio (1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 1.500,00;), a referência do tribunal recorrido às declarações parcialmente confessórias da Recorrente não tem relevância porquanto a apropriação deste objecto, imputada à Recorrente, foi por esta negada.
Analisando a motivação da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido não explicitou as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise (subtracção do relógio). Pelo contrário, como afirma a Recorrente, o tribunal recorrido reconhece o gosto do marido da Recorrente pela colecção de relógios, afigurando-se crível e verosímil o depoimento do mesmo (ouvido como testemunha) e de outras testemunhas, o que determinou que a subtracção de vários relógios imputada à Recorrente fosse dada como não provada.
De igual modo, o valor de tal relógio constante do facto provado em análise é contrariado pelo valor (€ 150,00) que consta do auto de exame e avaliação de fls. 2424 a 2427 dos autos.
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 112: “- 1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 1.500,00;”;
(ii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea Pe), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 112):
“Pe) Que a arguida QQ retirou do armazém dos “perdidos e achados” 1 (um) Relógio marca Latino, com mostrador dourado e bracelete castanha, com o nº serie ...86, avaliado no valor de € 1.500,00;”.
b) Em segundo lugar, a Recorrente pretende que seja alterado o valor atribuído no facto provado agora em análise à máquina fotográfica Leica (1 (uma) Máquina fotográfica marca Leica modelo Q2, de cor preta, com o nº serie ...98, bateria, carregador de baterias, acondicionado numa bolsa de cor preta, proveniente de Xangai, de valor não inferior a € 5.000,00), passando a constar o valor de € 200,00.
A Recorrente invoca, para tanto, o auto de exame e avaliação efectuado aos objectos apreendidos na sua residência (fls. 2424 a 2427 dos autos), onde é atribuído o valor de € 200,00 a tal objecto, referindo nada mais existir nos autos que permita concluir que tal máquina fotográfica tinha um valor superior.
Contudo, a Recorrente olvida que o valor de € 5.000,00 já constava da acusação e da pronúncia porque existe um documento nos autos que lhe atribui tal valor. Trata-se de uma informação prestada nos autos pela Leica Portugal (fls. 4261 a 4262 dos autos), entidade cuja credibilidade não se questiona, desde logo porque também informa o local onde tal objecto foi vendido (Leica Store Xangai), e que aponta como valor de tal objecto um “valor superior a 5.000,00€”.
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise (valor da máquina fotográfica Leica).
c) Em terceiro lugar, a Recorrente pretende que o valor dos bens apreendidos na sua residência, com proveniência da Alfândega do Aeroporto ..., seja fixado em € 3.950,00 (e não € 13.050,00).
Esta alteração factual, pretendida pela Recorrente, está dependente da procedência das anteriores pretensões de alteração factual.
Assim, levando em consideração as alterações factuais acima decididas importa subtrair ao valor global de € 13.050,00 os valores parciais de € 1.500,00 e € 200,00.
Em suma, procede parcialmente o recurso na parte relativa ao valor global dos bens apreendidos na residência da Recorrente, passando a constar do corpo do facto provado nº 112 o seguinte: “no valor global de € 11.350,00”.
*
5.2. A pretensão recursiva da arguida / recorrente QQ inclui, na sua perspectiva, uma segunda vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 15 a 34).
A Recorrente entende que o tribunal a quo devia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 11º, 19º, 21º, 22º, 23º, 29º, 30º, 60º, 61º, 62º, 31º, 48º, 51º, 54º, 63º, 71º, 72º, 73º, 75º, 82º e 87º da sua contestação, tratando esta questão como uma questão de impugnação da matéria de facto (uma questão de natureza probatória), discorrendo sobre a prova carreada para os autos que leva a concluir pela demonstração do factualismo constantes dos referidos pontos da sua contestação.
Contudo, a questão agora em análise deve ser vista, em primeira linha, numa diferente perspectiva, que é a perspectiva da possível existência de uma nulidade por omissão de pronúncia (art. 379º, nº 1, al. c), do CPP), sendo que esta questão tem precedência lógica e legal sobre a averiguação dos vícios da apreciação da prova.
Quando o tribunal não dá como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação, ocorre o vício da nulidade por omissão de pronúncia (art. 379º, nº 1, al. c), do CPP), o qual é de conhecimento oficioso (cfr., entre outros, o Ac. RL, de 10/01/2013; relator: João Abrunhosa; in www.dgsi.pt).
Como é sabido, a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
A doutrina e a jurisprudência distinguem, há muito tempo, entre questões e razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. A falta de apreciação das primeiras (questões) consubstancia a verificação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. O não conhecimento dos segundos (razões ou argumentos) será irrelevante.
Esta distinção tem igualmente lugar no caso dos factos alegados nas peças processuais, onde avulta o conceito de «relevância (ou essencialidade) dos factos para a boa decisão da causa (para a decisão de mérito)», com referência ao thema probandum delineado pelo objecto do processo.
Assim, importa averiguar se os factos da contestação que no entender da Recorrente deviam ser dados como provados são factos relevantes e se o tribunal recorrido teve tais factos em consideração, dando-os como provados ou não provados.
Cumpre referir que o tribunal recorrido, após elencar os factos provados (nºs 1 a 267) e os factos não provados (alíneas a) a PPP)), fez consignar que “inexistem quaisquer outros factos provados, ou por provar, com relevância para a decisão de mérito, sendo o demais alegado, invocado e aduzido de natureza jurídica, conclusiva ou normativa, logo insusceptível de resposta quanto à matéria de facto”.
Quer dizer, o tribunal a quo considerou irrelevantes ou não essenciais, para a decisão de mérito, boa parte dos factos que a Recorrente agora entende que deviam ser dados como provados (a outra parte dos factos que a Recorrente entende que deviam ser dados como provados reconduz-se a uma questão puramente probatória e, nessa medida, será apreciada).
Vejamos.
A) No que respeita ao factualismo constante dos pontos 11º, 19º, 21º, 22º e 23º da contestação, cumpre referir que este factualismo serve de impugnação motivada do facto alegado no artigo 29º da acusação/pronúncia e que transitou para o facto provado nº 29.
Está em causa a utilização do gabinete da Recorrente (gabinete da coordenadora do sector), questão que, de resto, já foi abordada em sede de impugnação ampla da matéria de facto (tendo, nesta sede, sido julgada parcialmente procedente a pretensão recursiva), mas que agora se coloca a um outro nível, que é o de saber se aquele factualismo deveria ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado).
A resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser negativa.
O facto (base) alegado no art. 29º da acusação/pronúncia é suficiente para o thema probandum delineado pelo objecto do processo, pelo que o factualismo agora em análise, por ser meramente complementar, se insere claramente na categoria dos factos que o tribunal a quo qualifica como irrelevantes para a decisão de mérito (“inexistem quaisquer outros factos provados, ou por provar, com relevância para a decisão de mérito”).
Sendo tal factualismo irrelevante para a decisão de mérito, fica prejudicada a pretensão recursiva alicerçada na impugnação da matéria de facto, com respeito a tal factualismo.
Em suma, improcede o recurso na parte agora analisada.
B) No que respeita ao factualismo constante dos pontos 29º, 30º, 60º, 61º e 62º da contestação, está em causa a preocupação da Recorrente, manifestada aos seus superiores hierárquicos e aos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao elevado número de bens (o excesso de bagagem) existentes na Alfândega do Aeroporto ..., à falta de instalações que permitisse acomodar e guardar devidamente tais bens e à falta de pessoal a exercer funções naquele espaço.
Este factualismo está relacionado com o facto alegado no artigo 36º da acusação/pronúncia e que transitou para o facto provado nº 36, discutindo-se aqui uma actuação da Recorrente de nada fazer (tomar medidas) para pôr fim a uma “prática habitual” e para parar de fomentar uma “prática habitual”, sendo que a Recorrente era conhecedora de tal “prática habitual”.
Esta matéria já foi abordada em sede de impugnação ampla da matéria de facto (tendo, nesta sede, sido julgada improcedente a pretensão recursiva), mas que agora se coloca a um outro nível, que é o de saber se aquele factualismo deveria ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado).
A resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser negativa.
Como já referido, o que importa é que o tribunal decida a questão colocada (o thema decidendum) e não que tenha de apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocadas para suporte dessa pretensão ou que tenha de apreciar todos os factos alegados pelos sujeitos processuais.
A questão colocada prende-se, in casu, com a verificação dos elementos típicos objectivos do crime de peculato.
Ora, a questão da preocupação da Recorrente, manifestada aos seus superiores hierárquicos e aos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao elevado número de bens (o excesso de bagagem) existentes na Alfândega do Aeroporto ..., à falta de instalações que permitisse acomodar e guardar devidamente tais bens e à falta de pessoal a exercer funções naquele espaço, mostra-se irrelevante quando está em causa uma “prática habitual” descrita no facto provado nº 35: “diversos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... têm vindo, de modo sistemático e reiterado, a retirar dos armazéns dos “perdidos e achados” e a levar consigo, fazendo-os seus, os objectos que para ali são encaminhados e lhes interessam”.
Verifica-se, assim, não estar em causa a questão do volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ... e das dificuldades de gestão do espaço disponível e do destino a dar aos objectos (questão que o acórdão recorrido também analisa na motivação – cfr. fls. 146 a 148 do acórdão), e da preocupação da Recorrente quanto a tais questões (e a comunicação da sua preocupação aos seus superiores hierárquicos e aos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira), mas a actuação da Recorrente perante a “prática habitual” de retirada de bens da Alfândega do Aeroporto ..., levada a cabo por diversos funcionários que aí desempenhavam funções (e que a Recorrente não põe em causa).
Ora, se a Recorrente não põe em causa que “levou ela própria objectos dos “perdidos e achados” para si, dando “autorização” para que os outros o fizessem e disponibilizando-os para consumo imediato nas instalações da AT”, resulta evidente que a Recorrente nada fez, e até fomentou, a apontada “prática habitual”. E é a tal “prática habitual”, depois traduzida na concreta actuação de cada um dos arguidos, que configura, no entender da acusação/pronúncia, a prática do crime de peculato.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
C) No que respeita ao factualismo constante do ponto 31º da contestação, está em causa a actuação da Recorrente traduzida em repetidas vezes tentar que os serviços competentes procedessem ao levantamento das bagagens existentes, com o objectivo de serem encaminhadas para leilões.
Este factualismo está também relacionado com o facto alegado no artigo 36º da acusação/pronúncia e que transitou para o facto provado nº 36, discutindo-se aqui uma actuação da Recorrente de nada fazer (tomar medidas) para pôr fim a uma “prática habitual” e para parar de fomentar uma “prática habitual”, sendo que a Recorrente era conhecedora de tal “prática habitual”.
Convocando para esta sede as considerações atrás expostas a propósito do factualismo constante dos pontos 29º, 30º, 60º, 61º e 62º da contestação, resulta evidente que o factualismo agora em análise não tinha de ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado), por não se mostrar relevante para o thema probandum delineado pelo objecto do processo, é dizer, por não se mostrar relevante para a boa decisão da causa (sendo relevante o factualismo que ficou a constar do facto provado nº 36).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
D) No que respeita ao factualismo constante do ponto 48º da contestação, está em causa o facto de a Recorrente ter sido presenteada com um quadro por uma colega de trabalho.
Este factualismo está relacionado com a imputação à Recorrente da conduta de ter retirado do armazém dos “perdidos e achados” e levar consigo um quadro emoldurado (facto alegado no artigo 117º da acusação/pronúncia e que transitou para o facto provado nº 111), matéria que foi abordada em sede de impugnação ampla da matéria de facto (tendo, nesta sede, sido julgada procedente a pretensão recursiva).
De qualquer modo, resulta evidente que o factualismo agora em análise não tinha de ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado), por não se mostrar relevante para o thema probandum delineado pelo objecto do processo, é dizer, por não se mostrar relevante para a boa decisão da causa (sublinhando-se que a Recorrente pretendia até que fosse aditado um facto provado que contem matéria factual que não constava da sua contestação – “que manteve no seu gabinete até ao dia ../../2020”).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
E) No que respeita ao factualismo constante do ponto 51º da contestação, não está em causa a relevância ou irrelevância de tal factualismo para a decisão de mérito, mas uma questão puramente probatória, entendendo a Recorrente que tais factos deviam ter sido dados como provados no acórdão recorrido.
Tal factualismo é respeitante aos bens que foram apreendidos na residência da Recorrente, concretamente saber se os mesmos foram ou não por esta retirados do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ....
A Recorrente propõe uma versão factual para tal matéria, assente em provas que indica, oposta (ao menos parcialmente) à versão factual que consta da acusação / pronúncia.
Ora, tal questão (existência de versões factual opostas, desvalorizando-se a já referida recorrente menção da Recorrente à “tentativa de apropriação”) já foi analisada em sede de impugnação ampla da matéria de facto (tendo, nesta sede, sido julgada parcialmente procedente a pretensão recursiva), ficando aí esgotado o objecto da apreciação deste tribunal de recurso.
Em suma, não há que apreciar novamente o factualismo constante do ponto 51º da contestação, o que se decide.
F) No que respeita ao factualismo constante do ponto 54º da contestação, está em causa a justificação apresentada pela Recorrente para ter em seu poder o telemóvel Samsung Duos J5, que é a afectação de tal objecto ao serviço da Recorrente, por ordem do seu superior hierárquico.
Este factualismo está relacionado com o factualismo constante do artigo 120º da acusação/pronúncia e que, nesta parte, transitou para os factos não provados (alínea P): “[não provado] que se tivesse apropriado do telemóvel de marca e modelo Samsung Duos J5 (…)”).
Independentemente de se entender que o artigo 120º da acusação/pronúncia (talvez por lapso de quem elaborou a acusação) não contém qualquer imputação de apropriação de tal objecto, tal como do outro objecto aí mencionado, por parte da Recorrente, o certo é que sempre seria essa apropriação (ou a tentativa de apropriação, na perspectiva da Recorrente) o facto relevante (e que ficou a constar dos factos não provados, agora talvez por lapso do tribunal recorrido), a dar como provado ou não provado, mostrando-se irrelevante fazer constar dos factos provados ou não provados a afectação de tal objecto ao serviço da Recorrente.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
G) No que respeita ao factualismo constante do ponto 63º da contestação, está em causa a justificação apresentada pela Recorrente para que “tivesse tentado apropriar-se” dos bens que estavam na Alfândega do Aeroporto ... e que foram apreendidos na busca à sua residência (identificados no ponto 51º da contestação), sendo que essa justificação consiste em existir um elevado número de objectos na Alfândega do Aeroporto ... e em haver falta de instalações e pessoal.
Desde logo, a Recorrente não tentou apropriar-se de bens que estavam na Alfândega, pois resultou provado (e a arguida em parte o reconheceu) que a apropriação foi consumada e não tentada, tanto bastando para improceder a pretensão recursiva em análise.
Sempre se dirá que a relevância do factualismo em causa, caso estivesse em causa a apropriação efectiva e não tentada, foi ponderada pelo tribunal a quo.
A questão do volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ... e das dificuldades de gestão do espaço disponível e do destino a dar aos objectos foi abordada na motivação do acórdão recorrido (cfr. fls. 146 a 148 do acórdão) e, não obstante tal ponderação, o tribunal a quo concluiu (cfr. facto provado nº 36) que a Recorrente nada fez para pôr fim a uma “prática habitual” e para parar de fomentar uma “prática habitual”, sendo que a Recorrente era conhecedora de tal “prática habitual”.
A “prática habitual” está descrita no facto provado nº 35: “diversos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... têm vindo, de modo sistemático e reiterado, a retirar dos armazéns dos “perdidos e achados” e a levar consigo, fazendo-os seus, os objectos que para ali são encaminhados e lhes interessam”.
Mais, a Recorrente não põe em causa que “levou ela própria objectos dos “perdidos e achados” para si, dando “autorização” para que os outros o fizessem e disponibilizando-os para consumo imediato nas instalações da AT”, conforme resulta da análise acima efectuada a propósito do factualismo constante dos pontos 29º, 30º, 60º, 61º e 62º da contestação.
É nesta linha de raciocínio que o tribunal a quo entendeu, e bem, em nosso entender, não atender, enquanto facto relevante para o mérito da causa, à justificação apresentada pela Recorrente para que “tivesse tentado apropriar-se” dos bens que estavam na Alfândega do Aeroporto ....
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
H) No que respeita ao factualismo constante dos pontos 71º, 72º e 73º da contestação, importa fazer uma distinção.
Quanto aos pontos 72º, segunda parte, e 73º da contestação, está em causa a relevância ou irrelevância de tal factualismo para a decisão de mérito.
Ora, a invocação das consequências que a Recorrente pessoalmente vivenciou – evitar algum contacto social, dormir e alimentar-se mal e recordar-se permanentemente da prática dos factos –, como se tal circunstancialismo não resultasse das decisões que a Recorrente voluntariamente tomou, constitui, em nosso entender, uma invocação de factos manifestamente irrelevantes para a decisão de mérito, improcedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
Quanto aos pontos 71º e 72º, primeira parte, da contestação, está em causa, quer a relevância ou irrelevância de tal factualismo para a decisão de mérito, quer uma questão probatória.
É certo que o arrependimento da Recorrente (“profundamente arrependida”, “sente vergonha” e “tomou verdadeira consciência da sua ilicitude”), a verificar-se, constitui um factor a valorar positivamente na pena, com repercussão num juízo atenuante das exigências de prevenção, particularmente (mas não exclusivamente) a especial, devendo, para efeito da referida valoração positiva, constar dos factos provados.
Contudo, tal como na confissão, a relevância probatória do arrependimento não depende necessariamente da consignação do mesmo em acta ou mesmo nos factos provados, aceitando-se que seja considerado facto inelutavelmente provado se tal resultar de uma referência expressa feita na sentença / acórdão, no sentido de ter sido como tal considerado na decisão do mérito da causa (cfr. Ac. RP, de 31/05/2023; relator: Francisco Mota Ribeiro; e Ac. RC, de 26/04/2023; relatora: Cristina Branco, ambos in www.dgsi.pt).
Coisa diferente sucede com a ausência de confissão ou de arrependimento.
Como é referido no Ac. STJ, de 15/02/2023 (relatora: Ana Barata Brito; in www.dgsi.pt), a ausência de confissão ou de arrependimento não pode funcionar como circunstância agravante e, assim, nunca será um facto a tratar como tal na sentença, não sendo correcto incluir nos factos provados a ausência de confissão ou a ausência de arrependimento.
No caso em apreciação, temos, por um lado, a Recorrente a entender que existe arrependimento da sua parte, pretendendo que tal facto seja dado como provado, e, por outro lado, temos o tribunal a quo a entender que não existe arrependimento da Recorrente e, nessa medida, nada fez constar dos factos provados.
Estamos, assim, perante uma questão probatória, sendo que a Recorrente propõe uma versão factual, assente em provas que indica, oposta ao entendimento do tribunal a quo.
Foram observados pela Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem que o tribunal a quo tivesse dado como provada a existência de arrependimento (a Recorrente “encontra-se profundamente arrependida da prática dos factos (…) e tomou verdadeira consciência da sua ilicitude”).
Ora, confrontando a pretensão recursiva do Recorrente (acima exposta) com a motivação consignada no acórdão recorrido e com a análise da prova disponível nos autos (que este tribunal revisitou), importa, em nosso entender, concluir pela inexistência de arrependimento da Recorrente, inexistindo, assim, erro de julgamento do tribunal a quo que obrigue este tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto –a proferir decisão modificativa da decisão recorrida.
Aquando da análise das declarações prestadas pela Recorrente, o Tribunal a quo referiu que tais declarações “consubstanciam uma narrativa autocentrada, autocomplacente e desculpabilizante, numa manifesta postura de desvalorização do seu comportamento, particularmente censurável, desde logo, por exercer funções de coordenadora da Alfândega e por ser licenciada em Direito”.
Esta apreciação do tribunal a quo encontra apoio no teor das declarações da Recorrente, analisadas de modo global e complexivo.
Tanto basta para considerar não demonstrado o arrependimento da Recorrente.
Acresce que o tribunal a quo fez consignar na motivação (fls. 146 a 148 do acórdão) considerações de natureza probatória relativas às mensagens de correio electrónico juntas aos autos (com renovada apreciação das declarações prestadas pela arguida / recorrente QQ), donde se extrai, essencialmente, o volume significativo de objectos existentes na Alfândega do Aeroporto ... e as dificuldades de gestão do espaço disponível e do destino a dar aos objectos, mas também a plena consciência de que os bens em causa estão à guarda da Alfândega / Autoridade Tributária, revertem a favor do Estado perante a ausência de reclamação dos proprietários e têm destino definido (inutilização, venda ou doação), “o que torna inverosímil que a arguida, na altura, entre ../../2018 a ../../2020, não estivesse ciente do desvalor da sua conduta”.
Por fim, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador.
Assim, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
I) No que respeita ao factualismo constante do ponto 75º da contestação, está em causa a alegação da Recorrente no sentido de nunca ter corrido, nem antes, nem depois da prática dos factos em causa nos autos, quaisquer outros processos de natureza penal contra si.
Resulta evidente que o factualismo agora em análise não tinha de ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado), por não se mostrar relevante para a boa decisão da causa.
Revisitando o Ac. STJ, de 15/02/2023 (já citado), é o registo criminal que dá a conhecer o passado judiciário do condenado.
No caso dos autos, foi dado como provado (facto provado nº 246) que nada consta do CRC da Recorrente (e até consta de fls. 7018 a 7019 dos autos, conforme referido na motivação do acórdão recorrido, um registo de suspensões provisórias, “nada constando em nome da arguida QQ”).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
J) No que respeita ao factualismo constante dos pontos 82º e 87º da contestação, cumpre referir que este factualismo serve de impugnação motivada do facto alegado no artigo 118º da acusação/pronúncia e que transitou (em parte) para o facto provado nº 112.
Está em causa a apropriação pela Recorrente de relógios e equipamento fotográfico que se encontrava no armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
Ora, esta questão já foi abordada em sede de impugnação ampla da matéria de facto (tendo, nesta sede, sido julgada parcialmente procedente a pretensão recursiva), mas que agora se coloca a um outro nível, que é o de saber se aquele factualismo deveria ser considerado na decisão da matéria de facto (como provado ou não provado).
A resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser negativa.
O facto (base) alegado no art. 118º da acusação/pronúncia é suficiente para o thema probandum delineado pelo objecto do processo, pelo que o factualismo agora em análise, por ser meramente complementar, se insere claramente na categoria dos factos que o tribunal a quo qualifica como irrelevantes para a decisão de mérito (“inexistem quaisquer outros factos provados, ou por provar, com relevância para a decisão de mérito”).
Sendo tal factualismo irrelevante para a decisão de mérito, fica prejudicada a pretensão recursiva alicerçada na impugnação da matéria de facto, com respeito a tal factualismo.
Em suma, improcede o recurso na parte agora analisada.
*
5.3. A pretensão recursiva da arguida / recorrente QQ inclui, na sua perspectiva, uma terceira vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões 35 a 39).
A Recorrente entende que o tribunal a quo não fundamentou o porquê de ter considerados provados os factos constantes da pronúncia de forma diferente da por si defendida no recurso que interpôs, concretizando que o tribunal a quo (i) não podia ter referido na motivação que a Recorrente apenas efectuou uma confissão parcial, apresentou um comportamento autocentrado e prestou declarações de carácter desculpante, (ii) não podia ter referido na motivação o que referiu a propósito da apropriação do equipamento fotográfico pela Recorrente e (iii) não podia ter referido na motivação a verificação de ausência de juízo crítico por parte da Recorrente.
Como já referido, a sindicância da fundamentação da decisão recorrida é típica da impugnação restrita da matéria de facto. Contudo, porque a Recorrente invoca meios de prova para sustentar a pretensão recursiva agora em análise, será em sede de impugnação ampla da matéria de facto que tal pretensão será analisada.
Começando pela questão da consignação na motivação do acórdão recorrida da existência de “declarações parcialmente confessórias” da Recorrente, é evidente que tal corresponde à realidade processual.
Que a confissão da Recorrente é apenas parcial resulta, desde logo, da circunstância de terem sido fixados factos não provados (alíneas Pa) e P) dos Factos Provados).
Por outro lado, se bem percebemos a posição da Recorrente (que retoma na conclusão 40), caso se prove a versão factual da Recorrente temos uma confissão integral e sem reservas, ainda que tal versão não corresponda à versão factual que constava da acusação/pronúncia. Se assim fosse, e não é, não haveria confissões parciais.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
No que respeita à questão do comportamento autocentrado, das declarações de carácter desculpante e da ausência de juízo crítico, por parte da Recorrente, trata-se de questão que já foi atrás analisada, a propósito da existência ou ausência de arrependimento (factualismo constante dos pontos 71º e 72º, primeira parte, da contestação).
Em suma, não há que apreciar novamente este factualismo, o que se decide.
No que respeita à apropriação do equipamento fotográfico pela Recorrente, trata-se de questão que já foi atrás analisada (impugnação ampla da matéria de facto [facto provado nº 112] e ponderação do factualismo constante dos pontos 82º e 87º da contestação).
Em suma, não há que apreciar novamente este factualismo, o que se decide.
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6. Recurso da arguida RR:
A pretensão recursiva da arguida / recorrente RR inclui uma componente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões IV a LXXVIII).
Pretende a Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, a Recorrente impugna os factos provados nºs 121, 3, 12, 14, 15, 16, 19, 25, 27, 30, 31, 35, 13, 38, 41 e 223, pretendendo que seja considerada não provada a totalidade ou parte da alegação factual constante dos mesmos, porquanto tal alegação factual não tem apoio na prova existente nos autos (ou, dito doutro modo, a prova existente nos autos impõe o estabelecimento de versão factual diversa).
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pela Recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Admite-se que foram minimamente observados pela Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição (ainda que, diga-se, a pretensão recursiva se fundamente em aspectos de natureza jurídica, fora do âmbito da impugnação ampla da matéria de facto em que agora nos movemos).
Passando à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pelo Recorrente.
A) Facto provado nº 121.
A Recorrente pretende a alteração deste facto provado nos seguintes segmentos: período temporal, objectos subtraídos e valor dos objectos.
A.1) No que respeita ao período temporal, a Recorrente pretende a alteração do facto provado em análise, substituindo-se a menção “ao longo do tempo” pela menção “em momento não concretamente apurado”.
É certo, como afirma a Recorrente, que o despacho de pronúncia circunscreve a conduta criminosa imputada à Recorrente ao período temporal compreendido entre ../../2018 e ../../2020, o que significa que a condenação também a ele se deve circunscrever (a menos que exista uma alteração de factos comunicada aos sujeitos processuais, o que não sucedeu no caso dos autos).
Trata-se, no entanto, de questão jurídica, a analisar em momento próprio (análise jurídica da causa), que consiste em analisar a conduta da Recorrente por referência, e apenas por referência, ao mencionado período temporal.
Em termos factuais, em cujo âmbito agora nos movemos (impugnação ampla da matéria de facto), não vemos qualquer razão que justifique a alteração de redacção do facto provado proposta pela Recorrente, nem esta sequer avança com qualquer justificação factual ou probatória para tal alteração.
De resto, a menção “ao longo do tempo” permitirá que, em conjugação com os restantes factos provados, possa vir a ser fixado um momento temporal concretamente apurado de subtracção de objectos, nomeadamente, dentro do período temporal juridicamente relevante, i.e., permitirá que a questão jurídica da causa possa ser discutida com maior amplitude.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
A.2) No que respeita aos objectos subtraídos, a Recorrente pretende a alteração do facto provado em análise, sendo daí retirados alguns dos objectos, com invocação de um duplo fundamento.
A.2.1) Como primeiro fundamento, quanto aos telemóveis Apple Iphone 6 (IMEI ...56), Apple Iphone 6 (IMEI ...31), Apple Iphone 6 (IMEI ...63), Apple Iphone 5 (IMEI ...44), Microsoft Lumia 550 (IMEI ...37), Apple Iphone 4S (IMEI ...39), QILIVE (IMEI ...68 e ...76), Apple Iphone 7 (IMEI ...53) e ao tablet Apple Ipad 16 GB (número série: ...), a Recorrente invoca, em ligação com a questão do período temporal atrás analisada, que não é permitido ao tribunal recorrido concluir que estes telemóveis e tablet terão sido retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” (instalações da Autoridade Tributária) entre ../../2018 e ../../2020. E não se podendo concluir que a subtracção tenha ocorrido no mencionado período temporal, entende a Recorrente que a factualidade relativa a tais objectos deve ser expurgada da factualidade provada.
É evidente que não assiste razão à Recorrente.
Em primeiro lugar, o tribunal recorrido não fez constar do facto provado nº 121 que os objectos atrás identificados foram retirados entre ../../2018 e ../../2020. O que fez constar de tal facto provado, em linha com aquilo que vinha alegado na acusação / pronúncia, foi que tais objectos foram retirados “ao longo do tempo”.
Em segundo lugar, a circunstância de ficar provado que tais objectos foram subtraídos “ao longo do tempo” (e, por isso, tal subtracção poder ter ocorrido dentro ou fora do período temporal juridicamente relevante no âmbito do objecto do processo dos presentes autos) não justifica a exclusão de tal factualidade (a subtracção) dos factos provados.
Como já referido, a menção “ao longo do tempo” permitirá que, em conjugação com os restantes factos provados, possa vir a ser fixado um momento temporal concretamente apurado de subtracção de objectos, nomeadamente, dentro do período temporal juridicamente relevante, i.e., permitirá que a questão jurídica da causa possa ser discutida com maior amplitude.
Por outro lado, a menção à subtracção de tais objectos (ainda que reportada à menção “ao longo do tempo”) pode ter relevância (para além da ponderação da integração da conduta no crime de peculato) para uma possível declaração de perda ou determinação de restituição dos objectos.
A.2.2) Como segundo fundamento, quanto aos telemóveis Apple Iphone 6 (IMEI ...56), Apple Iphone 6 (IMEI ...63), Apple Iphone 5 (IMEI ...44), Microsoft Lumia 550 (IMEI ...37), Apple Iphone 4S (IMEI ...39), QILIVE (IMEI ...68 e ...76), Apple Iphone 7 (IMEI ...53) e ao tablet Apple Ipad 16 GB (número série: ...), a Recorrente coloca em causa que os mesmos tenham sido por si retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” (ou melhor, alega não existir prova que permita atribuir à sua pessoa a autoria de tal subtracção), pondo em dúvida que tais objectos tenham sido perdidos em alguma aeronave e/ou tenham dado entrada nos referidos armazéns [quanto ao telemóvel Apple Iphone 6 (IMEI ...31), a Recorrente apenas refuta que o tenha retirado dos armazéns dos “perdidos e achados” entre ../../2018 a ../../2020].
Como prova que impõe decisão diversa da recorrida, no que respeita ao segmento factual do facto provado em análise, a Recorrente invoca os depoimentos das testemunhas MMMM e PPPP e a ausência de outra prova para além da prova pericial, a qual não prova que os objectos deram entrada nos armazéns dos “perdidos e achados” e daí foram subtraídos pela Recorrente.
Analisando a motivação da decisão recorrida, nomeadamente na parte em que descreve as provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, verifica-se que foram minimamente explicitadas as razões que determinaram a consagração do facto provado em análise (a subtracção dos objectos atrás referidos).
O tribunal a quo, na motivação do acórdão recorrido (cfr. fls. 125 a 128, 131 e 140), após mencionar que a Recorrente não prestou declarações em julgamento (exercendo o direito ao silêncio), refere ter resultado inequivocamente demonstrado que os artigos electrónicos encontrados e apreendidos na sua residência (os quais somente por acto decorrente da sua vontade podem ter sido aí colocados, guardados e mantidos, visto tratar-se da sua residência) foram subtraídos da esfera de domínio e de disponibilidade da Alfândega do Aeroporto ..., consubstanciando um acto indubitável de apropriação a circunstância da arguida ter levado os objectos para a sua residência (aos quais acedeu por força do exercício das suas funções enquanto funcionária na Autoridade Tributária e Aduaneira).
De seguida, o tribunal a quo analisa o caso de cada um dos objectos encontrados na residência da Recorrente, com referência a meios de prova que considerou relevantes.
De seguida, o tribunal a quo refere, quanto aos doze aparelhos electrónicos, que se provou que os mesmos pertenciam a terceiros, que os perderam e comunicaram o seu extravio, não lhes foram entregues e surgiram na casa da Recorrente, inexistindo qualquer justificação lícita para a Recorrente coligir na sua residência doze aparelhos electrónicos declarados perdidos por passageiros ou da “TAP” ou do Aeroporto ....
De seguida, o tribunal a quo analisa os depoimentos de várias testemunhas relacionadas com os factos imputados à Recorrente (MMMM, OOOO, PPPP, JJJ e III), referindo que estes, de forma clara, isenta e rigorosa esclareceram as circunstâncias em que perderam os objectos em causa, não havendo outra explicação para terem sido encontrados na casa da Recorrente que não seja a apropriação dos objectos aos quais acedeu pelas suas funções profissionais na Alfândega.
Por fim, a propósito do auto de busca e apreensão na residência da Recorrente e do auto de exame e avaliação de objectos e reportagem fotográfica, o tribunal a quo refere ser totalmente antagónico com as regras da lógica e da experiência comum a detenção simultânea de dez telemóveis “Smart phones”, ou seja, recentes e todos eles em bom estado de conservação (à excepção de um telemóvel Iphone 4), não se compreendendo qualquer justificação lógica quer para a aquisição, quer para a oferta por terceiro de dez telemóveis similares e da mesma geração (veja-se que dois são Iphones S, dois são Iphone 4).
Quer dizer, a convicção do tribunal a quo, no que agora está em causa, estriba-se em várias provas ou inferências, nomeadamente, em prova indiciária, ainda que, como já referido, seja patente na motivação do acórdão recorrido a falta de uma adequada sistematização do exame crítico da prova, ainda que, quanto à Recorrente RR, o tribunal a quo tenha explicitado de forma mais pormenorizada (e até mais sistematizada), face a outros arguidos, das razões que determinaram a inclusão de vários objectos no facto provado em análise.
Ainda assim, como se verá, a análise da prova carreada para os autos, que este tribunal revisitou, concatenada com a análise crítica da prova efectuada pelo tribunal a quo na motivação, demonstra a existência de erro de julgamento do tribunal a quo, na vertente de considerar provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova (pelo que deveria ter sido considerado não provado), em relação a alguns dos objectos que foram incluídos no facto provado em análise, com consequente imposição de uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida.
Vejamos.
a) Quanto aos telemóveis Apple Iphone 6 (IMEI ...56), Apple Iphone 6 (IMEI ...63), Apple Iphone 5 (IMEI ...44), Apple Iphone 4S (IMEI ...39), QILIVE (IMEI ...68 e ...76) e pelo tablet Apple Ipad 16 GB (número série: ...), o tribunal recorrido explicitou, minimamente, como já referido, as razões que determinaram a inclusão dos mencionados telemóveis e do tablet no facto provado em análise (contrariando as dúvidas, invocadas pela Recorrente, de que tais objectos tenham sido perdidos em alguma aeronave e/ou tenham dado entrada nos armazéns dos “perdidos e achados”).
É manifesto o recurso à prova indiciária pelo tribunal a quo, para dar como provada a subtracção pela Recorrente dos mencionados objectos dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., remetendo-se para as considerações teóricas referentes ao uso deste tipo de prova levadas a cabo na apreciação da pretensão recursiva do Recorrente KK.
O primeiro indício com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que os objectos atrás mencionados foram encontrados e apreendidos na busca à residência da Recorrente.
O segundo indício com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que inúmeros objectos qualificados como “perdidos e achados” eram encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... e aí guardados em armazéns, estando igualmente adquirido para os autos, de forma pacífica, que funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira, a desempenhar funções na Alfândega do Aeroporto ..., retiraram objectos de tais armazéns, levando-os para as suas casas.
O terceiro indício com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação) que a Recorrente foi funcionária da Alfândega do Aeroporto ... (com a categoria profissional de verificadora auxiliar aduaneira, tendo integrado as equipas 3 e 4 do sector de controlo de bagagens) e de estar igualmente adquirido para os autos que a Recorrente retirou objectos do mencionado armazém do Aeroporto ....
O quarto indício com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar pacificamente adquirido para os autos (em face dos factos dados como provados que não foram objecto de impugnação, havendo, de resto, reconhecimento de tais factos pela Recorrente) que a Recorrente retirou dois telemóveis (OPPO R15 e Apple Iphone 6) e dois relógios Apple Iwatch) do mencionado armazém do Aeroporto ....
O quinto indício com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de estar em causa, no que agora releva, um elevado número de equipamentos electrónicos (cinco telemóveis e 1 tablet) (acrescendo os dois telemóveis e os dois relógios Apple Iwatch que a Recorrente reconheceu ter retirado dos armazéns), sendo até referido na motivação do acórdão recorrido que tais telemóveis são recentes e estavam em bom estado de conservação (à excepção do telemóvel Iphone 4S), revelando-se antagónico com as regras da lógica e da experiência comum a detenção simultânea de tais telemóveis.
O sexto indício com muita relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de resultar dos autos a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras que caracteriza todos os mencionados objectos (cinco telemóveis e 1 tablet) (acrescendo os dois telemóveis e os dois relógios Apple Iwatch que a Recorrente reconheceu ter retirado dos armazéns) – Brasil, Moçambique, Reino Unido, Suíça, Alemanha, nome QQQQ, Cabo Verde, Espanha e Estados Unidos da América.
O sétimo indício com muita relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à circunstância de várias testemunhas (MMMM, OOOO, PPPP, JJJ e III), cujos depoimentos foram analisados na motivação do acórdão recorrido, nos termos acima referidos, terem esclarecido as circunstâncias em que perderam os objectos em causa ( referindo o acórdão recorrido não haver outra explicação para terem sido encontrados na casa da Recorrente que não seja a apropriação dos objectos aos quais acedeu pelas suas funções profissionais na Alfândega). No que respeita aos objectos agora em análise, relevaram os depoimentos das testemunhas MMMM (salientando-se que o depoimento desta testemunha não tem o sentido que a Recorrente pretende fazer crer na motivação de recurso) e PPPP.
Perante os indícios atrás elencados, mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à tese da Recorrente assente na (mera) afirmação de que não existe prova de os mencionados objectos terem sido perdidos em alguma aeronave e/ou terem dado entrada nos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (sem que seja aportada prova suficiente, ao menos em termos contra-indiciários, para contrariar os indícios acima referidos).
Assim, este tribunal (de recurso), no delicado exercício de (re)avaliação probatória (percorrendo o iter epistémico traçado pelo tribunal recorrido na sua decisão e valorando por si as provas indicadas pelo recorrente), conclui pela inexistência de qualquer erro de julgamento do tribunal a quo (incorrecta valoração da prova e/ou fixação factual sem sustentáculo probatório).
Acresce que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo, o mesmo sucedendo com o princípio in dubio pro reo.
Em suma, improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto agora em análise.
b) Quanto aos telemóveis Microsoft Lumia 550 (IMEI ...37) e Apple Iphone 7 (IMEI ...53), cumpre referir que não se verificam os mais importantes indícios com relevância probatória no caso dos autos, acima referidos, concretamente, a heterogeneidade de proveniências ou ligações estrangeiras dos telemóveis e o depoimento de testemunhas a esclarecer as circunstâncias em que perderam os objectos em causa.
Em suma, mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 121:
“- 1 (um) Telemóvel, Microsoft Lumia 550, com o IMEI ...37, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Telemóvel, de marca e modelo Iphone 7, com o IMEI ...53, avaliado no valor de € 150,00;”;
(ii) A subtracção dos valores de “€ 50,00” e “€ 150,00” ao valor global (de € 1.470,00) que consta do facto provado nº 121;
(iii) A fixação de um novo facto não provado com a alínea Wa), com o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do facto provado nº 121):
“Wa) Que a arguida RR retirou do armazém dos “perdidos e achados”:
- 1 (um) Telemóvel, Microsoft Lumia 550, com o IMEI ...37, avaliado no valor de € 50,00;
- 1 (um) Telemóvel, de marca e modelo Iphone 7, com o IMEI ...53, avaliado no valor de € 150,00;”.
A.3) No que respeita ao valor dos objectos, a Recorrente pretende pôr em causa o valor que consta do facto provado em análise (nº 121), alegando que tal valor foi atribuído com base num critério informal e pouco profissional (sendo certo que o valor é um factor decisivo para, pelo menos, a aplicação da moldura penal) e nem sequer foram verificados todos os equipamentos apreendidos e, consequentemente, o seu funcionamento.
A Recorrente põe em causa o critério utilizado na avaliação dos objectos aludindo ao exercício do contraditório atempadamente requerido ao tribunal a quo e que não foi admitido.
Contudo, se o aludido exercício do contraditório (i.e., a impugnação da avaliação dos objectos, no que respeita ao valor e ao método de avaliação) foi indeferido pelo tribunal a quo e a Recorrente não apresentou recurso de tal indeferimento, é evidente que não pode ter sucesso no ataque que, em sede de recurso, faz à avaliação dos objectos (valor e método de avaliação).
A Recorrente afirma que “em nenhum momento foi dito (ou poderia ter sido dito) por qualquer testemunha ouvida em tribunal que os valores dos bens que são indicados nas notas de verificação são atribuídos, aleatoriamente, através da consulta de sites da internet”, discorrendo de seguida sobre o que são notas de verificação.
Sucede, porém, que a própria Recorrente cita o depoimento de uma testemunha (RRR) que afirmou constar das notas de verificação, além do mais, a sua avaliação e que esta “é feita com recurso a sites”.
Ora, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto: a fls. 131 e 132 do acórdão recorrido («Motivação da decisão de facto»), é mencionado que “As testemunhas (…), Agentes da Polícia de Segurança Pública, confirmaram as apreensões em que participaram, sendo cristalinas quanto ao modo de apuramento do valor dos objectos – um valor médio nas plataformas de venda de objectos em segunda mão online, sendo certo que, resultou também ser esse o método a que os funcionários alfandegários recorrem para fazerem as notas de verificação – nada resultando de forma objectiva e sustentada que tenha posto em crise os valores atribuídos, atendendo ao método usado.”. Também a fl. 148 do acórdão recorrido («Motivação da decisão de facto»), é mencionado que “fls. 5415 a 5419, resulta que o método usado na elaboração das notas de verificação (o valor atribuído ao objecto apto para ser vendido em leilão) foi precisamente o mesmo em que se alicerçaram os elementos da Polícia de Segurança Pública que levaram a cabo a apreensão e o exame e a validação dos objectos apreendidos; o recurso a sítios da internet de venda de objectos usados e uma mediania entre os preços mais barato e mais caro (é o mesmo raciocínio subjacente ao apurar de um valor);”.
Quer dizer, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a questão do método / modo de apuramento do valor dos objectos (dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador, regras que não foram violadas pelo tribunal a quo,), não procedendo a argumentação da Recorrente, na medida em que as provas que indicou estão longe de impor decisão diversa da recorrida, no que respeita ao segmento factual do facto provado em análise.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
Não obstante, em face da procedência parcial da pretensão recursiva, acima analisada no ponto A.2.2), b), e da improcedência da pretensão recursiva acabada de analisar, importa fixar o valor global dos bens a que alude o facto provado nº 121, passando a í constar o seguinte: “No dia .../.../2020, (…), avaliados no valor global de € 1.270,00;”.
B) Facto provado nº 3.
A Recorrente pretende a alteração deste facto provado, passando a constar do mesmo o teor integral do artigo 2º do DL nº 118/2011, de 15-12 (e não apenas o seu número 1), por ser “absolutamente essencial nos presentes autos determinar no âmbito de que competência em concreto a Autoridade Tributária guardava determinados bens móveis”.
O artigo 2º do DL nº 118/2011, de 15-12 (diploma que criou a Autoridade Tributária e Aduaneira, abreviadamente designada por AT), estabelece a missão (nº 1) e as atribuições (nº 2) da AT.
O facto provado nº 3 transcreve o nº 1 do referido artigo (missão da AT) e a Recorrente pretende que seja transcrito igualmente o nº 2 (atribuições da AT).
A pretensão recursiva em análise depara-se, desde logo, com uma perplexidade, porquanto o facto provado nº 4 transcreve parcialmente o nº 2 do mencionado artigo 2º (ainda que aí exista um lapso manifesto quando refere o nº 1 do artigo, pois deveria ser o nº 2), concretamente, as alíenas a) e b) do referido número.
Por outro lado, por razões materiais, não se vê qualquer necessidade de transcrição integral do mencionado nº 2 do artigo 2º. A competência da AT para “guardar determinados bens móveis”, na sua componente factual (em cujo âmbito agora nos movemos – impugnação ampla da matéria de facto) será matéria a tratar nos factos provados seguintes (os quais, de resto, foram igualmente impugnados pela Recorrente).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
C) Factos provados nºs 12, 14, 15, 16, 19, 25, 27, 30, 31 e 35.
A Recorrente pretende a alteração destes factos provados, pedindo que transitem, na sua maioria, para os factos não provados.
As razões de discordância da Recorrente assentam, para além da argumentação jurídica invocada, numa diferente valoração da prova, indicando como provas que impõem decisão diversa da recorrida os depoimentos de várias testemunhas.
Assim, em primeiro lugar, a Recorrente afirma que o tribunal a quo fundamentou a redacção dos mencionados factos provados com base no Manual de Procedimentos (fls. 12 a 19 do apenso com o mesmo nome), referindo que a testemunha BBB foi única testemunha que confirmou ter sido a autora desses procedimentos e de os ter comunicado a todos os seus subalternos, mas invocando a desvalorização deste depoimento por parte do tribunal recorrido e invocando ainda os depoimentos das restantes testemunhas quanto a esta matéria (OOO, MMM e PPP).
Está em causa, em síntese, a competência da Alfândega do Aeroporto ..., através do seu Sector de Controlo de Bagagens, para proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados” (as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ...), fundando-se tal competência “nos termos das Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... n.º 1, n.º 2 e n.º 7, de fls. 2 a 19 do Apenso “Manual de Procedimentos Autoridade Tributária” (cfr. facto provado nº 12).
Está também em causa o conteúdo de tais Circulares Internas, condensadas no Manual de Procedimentos (i.e., os procedimentos a observar no tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados”), e, muito importante, o conhecimento das mesmas (dos procedimentos) pelos funcionários da Alfândega do Aeroporto ... (os vários arguidos que aí desempenhavam funções) (cfr. factos provados nºs 14, 15, 16, 19, 25, 27, 30, 31 e 35).
Ora, sem centrar a análise da questão em apreciação no depoimento da testemunha BBB (directora da Alfândega do Aeroporto ... entre ../../2010 e ../../2020), atendendo ao que foi referido pela Recorrente e resulta da motivação do acórdão recorrido (sendo certo que a sua postura esquiva e comprometida, referida na motivação, não significa que não tenha falado da existência de um manual de procedimentos que se foi construindo, aludindo a despachos que iam sendo feitos e divulgados aos funcionários, por email, e mencionando a existência de uma arca frigorífica para depósito de mercadorias perecíveis apreendidas [que, em regra, seriam inutilizadas], sendo que esta solução teve de ser alterada, em face do elevado volume de bens perecíveis, passando a Alfândega do Aeroporto a dispor de um armazém frigorífico para o efeito), basta atentar nas declarações prestadas pela arguida QQ (coordenadora do Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens da Alfândega do Aeroporto ...), que serviram de fundamento para a opção probatória levada a cabo pelo tribunal a quo (conforme resulta de fl. 130 do acórdão recorrido), para se concluir (como conclui este tribunal, após audição de tais declarações) pela ausência de fundamento para a pretensão recursiva agora em análise.
Está pacificamente adquirido para os autos que as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ... (doravante designados por “perdidos e achados”), são encaminhados para a Alfândega do Aeroporto .... Tal resulta, além do mais, do que consta do facto provado nº 12 que, nesta parte, não foi impugnado pela Recorrente.
Está pacificamente adquirido para os autos que os objectos “perdidos e achados” encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... são ali guardados, em armazéns especialmente destinados a esse efeito. Tal resulta do facto provado nº 24, que não foi impugnado pela Recorrente.
[Está pacificamente adquirido para os autos que os funcionários da AT retiraram dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quotidiano, designadamente roupas, calçado, bens alimentares, bebidas, tabaco, cremes, perfumes, computadores, telemóveis, smartwatches e outros equipamentos electrónicos. Tal resulta do facto provado nº 40, que não foi impugnado pela Recorrente.]
As declarações da arguida QQ acrescentam a estes factos (pacificamente adquiridos para os autos) o esclarecimento cabal dos procedimentos relativos ao tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados” (as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ...) que eram observados na Alfândega do Aeroporto ... e o esclarecimento cabal de que tais procedimentos tinham respaldo nas circulares internas da Alfândega do Aeroporto ... (Manual de Procedimentos).
É patente nas declarações da arguida QQ a descrição, encarada com total normalidade, dos procedimentos que eram observados no tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados”, confirmando os factos provados em análise.
Na descrição pormenorizada dos procedimentos que a arguida QQ fez na 1ª parte das suas declarações (sendo aí abordadas, entre outras, as temáticas da entrega dos objectos no Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens da Alfândega do Aeroporto ..., da existência de armazéns e quem acedia aos mesmos, do uso do seu gabinete para recolha de objectos, do destino a dar aos vários objectos, do elevado número de objectos, da falta de funcionários e da facilidade com que eram retirados objectos da Alfândega do Aeroporto e levados pelos funcionários), não existe referência expressa a qualquer norma legal ou documento escrito interno (apesar de no início das suas declarações logo referir que difundia as instruções que eram dadas pela Directora da Alfândega).
Contudo, nos esclarecimentos prestados a pedido das defesas, a arguida QQ foi directamente questionada sobre quem definia os procedimentos em concreto implementados no Aeroporto e como eram transmitidos aos funcionários, tendo respondido o seguinte:
Eu fiz as circulares. Não havia circulares [anteriormente].
As circulares eram submetidas à nossa Directora (Dra. BBB), que as assinava e todos os procedimentos eram transmitidos por escrito, através de email.
O Sector funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, por conseguinte, muitos procedimentos, muitas chamadas de atenção, muitas passagens de informação eram passadas por email.
Os procedimentos em concreto eram formalizados em circulares internas, estavam numa pasta física disponível no Sector, com as circulares arquivadas. Não obstante, eram sempre enviadas por email para todos.”.
A arguida QQ mencionou ainda os procedimentos que eram adoptados para os bens perecíveis, para os objectos sem valor, para os objectos em ouro e prata e para os objectos electrónicos.
De resto, se a arguida QQ demonstrava preocupação (junto da Direcção da AT, por exemplo) com a falta de espaço para acondicionar os objectos e com a falta pessoal para dar apoio ao destino dos bens é porque assumidamente entendia que a Alfândega (enquanto serviço da AT) tinha competência para fazer a gestão dos objectos e para lhes dar destino.
Concluindo, a motivação do acórdão recorrido, na parte em que afirma que “os procedimentos resultam cabalmente esclarecidos com base nas declarações prestadas pela arguida QQ”, está em conformidade com o conteúdo destas declarações (a opção probatória do tribunal a quo, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras da experiência e da livre convicção do julgador, tem respaldo na prova existente nos autos).
O que significa que a prova indicada pela Recorrente está longe de impor decisão diversa da recorrida quanto à questão em análise.
Sublinhe-se, uma vez mais, que a questão em análise (competência da Alfândega do Aeroporto ..., através do seu Sector de Controlo de Bagagens, para proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados”, fundada nas Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... / Manual de Procedimentos Autoridade Tributária; existência de tais Circulares Internas e conhecimento das mesmas pelos funcionários) está a ser apreciada na sua componente factual (em cujo âmbito agora nos movemos – impugnação ampla da matéria de facto), sem prejuízo da sua componente jurídica (força legal ou legalidade das Circulares Internas), questão a analisar em momento próprio (análise jurídica da causa).
Em segundo lugar, a Recorrente retoma a questão já invocada no recurso interlocutório que apresentou nos autos e que já foi decidido por este tribunal, concretamente, a questão da legislação aplicável aos objectos perdidos e achados, a questão da necessidade de apuramento da natureza e origem dos bens e a questão da competência de cada uma das entidades envolvidas na gestão do Aeroporto ....
Importa, nesta sede, remeter para o que já foi decidido em apreciação do mencionado recurso interlocutório e reafirmar que as questões jurídicas agora enunciadas serão analisadas em momento próprio (análise jurídica da causa).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
D) Facto provado nº 13.
A Recorrente pretende a alteração deste facto provado, transitando o mesmo para os factos não provados ou passando a constar do mesmo que o sector de controlo de bagagens procede à gestão dos “bens apreendidos ou retidos no âmbito das suas competências” e não à gestão dos “perdidos e achados”.
A pretensão recursiva agora em análise coloca uma questão de cariz inegavelmente jurídico (a Recorrente reafirma que não cabe nas competências da Autoridade Tributária proceder à gestão dos perdidos e achados), como acima já foi assinalado, mas também possuidora de dimensão fáctica.
Ora, no que respeita à dimensão fáctica da questão, agora em análise, a pretensão recursiva está votada ao insucesso.
O facto provado em análise versa sobre a composição do Sector de Controlo de Bagagens da Alfândega do Aeroporto ... e reafirma (em decorrência do facto provado nº 12) que este sector procede à gestão dos “perdidos e achados”.
É factual que o referido Sector procede à gestão dos “perdidos e achados”, conforme acima analisado.
A questão da competência da Alfândega do Aeroporto ..., através do seu Sector de Controlo de Bagagens, para proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados” (as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ...), fundando-se tal competência “nos termos das Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... n.º 1, n.º 2 e n.º 7, de fls. 2 a 19 do Apenso “Manual de Procedimentos Autoridade Tributária” (cfr. facto provado nº 12), já foi objecto de análise, nada mais havendo a acrescentar do que remeter para a exposição aí plasmada.
Como também já referido, a componente jurídica desta questão (força legal ou legalidade das Circulares Internas e legislação aplicável) será analisada em momento próprio (análise jurídica da causa).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
E) Facto provado nº 38.
A Recorrente pretende a alteração deste facto provado, transitando o mesmo para os factos não provados ou passando a ter uma redacção diferente.
Reafirmando a importância da destrinça entre bens abandonados, perdidos, sujeitos a direitos aduaneiros ou fiscais, a Recorrente afirma não haver prova da factualidade que consta do facto provado em análise, invocando vários depoimentos testemunhais com relevância para os bens e respectivo registo.
A pretensão recursiva agora em análise não pode proceder.
Os depoimentos das testemunhas identificadas pela Recorrente (nos concretos excertos por esta sublinhados) não contrariam a afirmação, constante do facto provado em análise, no sentido da entrada de alguns objectos não chegar a ser registada ou ser registada de modo genérico. As mencionadas testemunhas apenas se pronunciaram quanto a alguns dos bens (por exemplo, bens retidos pela Alfândega por carecerem de autorização de uma terceira entidade ou bens que serão vendidos) e até admitiram não saber se alguns dos bens eram registados (por ex., malas e carrinhos de bebé).
A arguida QQ, nas suas declarações, referiu, por exemplo, que o conteúdo das malas encontradas no Aeroporto não era objecto de registo no Sector de Controlo de Bagagens, podendo existir uma listagem de objectos elaborada pela TAP. Referiu também que os objectos que estavam no seu gabinete não tinham registo e que depois de ser dado destino aos objectos já não havia registo (“isto tudo parece uma facilidade”, disse a referida arguida). Referiu que não havia registo no caso das malas em que vinha tabaco que era apreendido. Referiu que não havia notas de verificação no caso dos objectos electrónicos.
A própria pronúncia contém elementos de prova que corroboram o facto provado em análise (entradas 860, 881, 934, 951, 1047, 2081, 2230, 2265, 2396, 2422, 2428, 2549, 2589, 2641, 2853, 3014, 3042 e 3110 do Apenso 3 Livro de Achados anos 2017/2018).
Concluindo, a prova indicada pela Recorrente não impõe decisão diversa da recorrida.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
F) Factos provados nºs 41 e 223.
No que respeita ao facto provado nº 41, a Recorrente pretende que seja considerado não provado.
No que respeita ao facto provado nº 223, a Recorrente pretende que seja considerado não provado ou passe a ter uma redacção diferente.
Reafirmando a importância da questão da natureza dos objectos e da sua proveniência, bem como a importância da questão da competência da Alfândega do Aeroporto ..., através do seu Sector de Controlo de Bagagens, para proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos “perdidos e achados”, questões já acima analisadas (na sua vertente fáctica, com remissão para a análise jurídica da causa a respectiva vertente jurídica, aqui se reproduzindo a exposição aí plasmada), a Recorrente invoca agora a questão do conteúdo das suas funções profissionais (e dos demais arguidos) e o depoimento de algumas testemunhas, tendo em vista colocar em causa que os objectos lhe estariam acessíveis (e aos demais arguidos) por causa ou em razão das suas funções.
A pretensão recursiva agora em análise coloca uma questão de cariz inegavelmente jurídico (o conceito de acessibilidade, enquanto conceito operativo de densificação do elemento típico do crime de peculato constituído pela apropriação ilegítima), a analisar em momento próprio, mas também possuidora de dimensão fáctica.
Ora, no que respeita à dimensão fáctica da questão, agora em análise, a pretensão recursiva está votada ao insucesso.
Aquilo que é afirmado nos factos provados nºs 41 e 223, no que respeita à Recorrente (e demais arguidos), é que, enquanto funcionária da AT, retirou dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quotidiano (cfr. facto provado nº 40, não impugnado pela Recorrente), aproveitando-se da circunstância de esses bens lhe serem acessíveis por via das suas funções para deles se apropriar (facto provado nº 41) e actuando com o propósito concretizado de se apropriar de objectos depositados no armazém dos “perdidos e achados”, aproveitando-se da circunstância de, em virtude das funções que desempenhava, ter acesso a tais objectos (facto provado nº 223).
Que a Recorrente tinha acesso a tais objectos em virtude das funções que desempenhava, no sentido de tal acesso decorrer de ser funcionária da AT (o facto provado nº 41, bem como o facto provado nº 40, referem “os funcionários da AT”), é algo de inquestionável (conforme acima já ficou claro, não sendo contrariada esta conclusão pela prova testemunhal agora mencionada pela Recorrente) e é isso que resulta dos factos provados em análise.
De resto, ao contrário do que dá a entender a Recorrente, afirmar nos factos provados nºs 41 e 223 que a Recorrente (e demais arguidos) tinha acesso aos objectos depositados no armazém dos “perdidos e achados” em virtude das funções que desempenhava como funcionária da AT (seja esse acesso fortuito ou não, estando ou não os armazéns fechados à chave, sendo ou não os chefes de equipa os únicos que dispunham da chave [embora pudesse ser disponibilizada aos arguidos, de forma justificada e a pedido] e desempenhando ou não os arguidos as mesmas funções) não resolve de imediato a questão do preenchimento do conceito de acessibilidade, enquanto conceito operativo de densificação do elemento típico do crime de peculato constituído pela apropriação ilegítima).
Em suma, improcede o recurso da Recorrente no que respeita aos factos provados em análise.
*
7. Recurso do arguido GG:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente GG, apesar da referência na definição do seu objecto a típicas questões de direito, inclui uma componente de impugnação da matéria de facto.
A propósito da «Apreensão [de] objectos» (conclusões 15 a 23), o Recorrente pretende, por via do presente recurso, que lhe sejam restituídos os objectos apreendidos, que identifica no corpo da motivação de recurso, aludindo a uma violação do art. 109º do Código Penal.
Sucede que, para sustentar tal pretensão, o Recorrente argumenta não ter sido feita qualquer prova em sede de audiência de julgamento que permita concluir para além de qualquer dúvida razoável que os objectos apreendidos, no interior da sua residência, tenham como proveniência o Aeroporto ....
Não estando relacionados com a prática do crime pelo qual o Recorrente foi condenado, não podem tais objectos ser declarados perdidos a favor do Estado (por não estarem preenchidos os requisitos do art. 109º do CP), conclui o Recorrente.
Está em causa, antes de mais, uma impugnação da matéria de facto, criticando o Recorrente a valoração da prova feita pelo tribunal a quo e pretendendo que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinado ponto da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente (sem referir expressamente o ponto da matéria de facto em causa), o Recorrente pretende a alteração do facto provado nº 151, daí excluindo os 14 bens / objectos que identificou na motivação de recurso, passando tais bens a constar dos factos não provados (i.e., dando-se como não provado que tais bens foram retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...).
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Ora, como refere, e bem, o Recorrido (Ministério Público) na resposta ao recurso, o Recorrente não observou minimamente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (não bastando, para tal, alegar que não foi feita prova ou que a prova valorada pelo tribunal é insuficiente ou que existem factos susceptíveis de, no seu entender, contrariar a convicção do tribunal [os factos referidos pelo Recorrente na motivação de recurso constam factos provados e são provenientes do seu relatório social, ainda que a descrição que o Recorrente faz de tais factos não seja coincidente com aquilo que consta do relatório social, mormente quanto ao valor dos rendimentos auferidos]), impossibilitando que este tribunal conheça da pretensão recursiva na vertente da impugnação ampla da matéria de facto.
Por fim, como também refere, e bem, o Recorrido (Ministério Público) na resposta ao recurso, o tribunal a quo fundamentou de forma suficiente a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto (com recurso à prova indiciária, o que se mostra legalmente possível), sendo certo que a impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e da livre convicção do julgador.
Assim, improcede o recurso do Recorrente GG, na parte em que está em causa a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos acima analisados, relegando-se para momento ulterior (análise das questões de direito suscitadas nos recursos) a apreciação da pretensão de restituição dos objectos apreendidos.
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8. Recurso do arguido II:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente II inclui uma componente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões v a xlviii).
Pretende o Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, o Recorrente impugna os factos provados nºs 195, 223, 224, 225 e 229, pretendendo que seja considerada não provada a totalidade ou parte da alegação factual constante dos mesmos, porquanto tal alegação factual não tem apoio na prova existente nos autos (ou, dito doutro modo, a prova existente nos autos impõe o estabelecimento de versão factual diversa), afirmando, em síntese, não concordar com o valor atribuído aos objectos, não concordar que os objectos lhe estavam acessíveis e foram entregues em razão das suas funções, não concordar que quis e conseguiu obter para si um benefício económico de valor superior a € 102,00, não concordar que se tenha verificado um empobrecimento (injustificado) do Estado, não concordar que os objectos perdidos ou abandonados pertencessem ao Estado e não concordar que sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei (criminal).
O Recorrido (Ministério Público) alega, na resposta ao recurso, que o Acórdão colocado em crise pelo Recorrente vale por si só, mostrando-se acertado no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
Admite-se que foram minimamente observados pelo Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida e o porquê de tal imposição.
Previamente à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pelo Recorrente, importa tecer algumas considerações sobre o caminho trilhado pelo tribunal a quo, exposto na motivação, para alcançar a versão factual que considerou provada (e não provada).
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
O tribunal a quo inicia a motivação (fls. 123 a 130 do Acórdão) com uma análise probatória de cada um dos arguidos, com especial enfoque nas declarações prestadas em julgamento (ou no exercício do direito ao silêncio), mas mencionando outras provas valoradas, operando uma síntese do caminho percorrido para atingir a convicção adquirida.
No caso do arguido / recorrente II, o tribunal a quo refere que “negou categoricamente os factos subsumíveis à falsificação de documentos, renovando o que declarou em sede de primeiro interrogatório, em que, [em] síntese, reconhece que os objectos que lhe foram apreendidos foram retirados da Alfândega, conjugado com o teor do apenso 8 de transcrições e as imagens de videovigilância de fls. 230, 234 e 236 do apenso 2 dos autos de visionamento, concatenado com o teor do auto de apreensão na sua residência a fls. 2371 a 2371 e fls. 39 a 42 dos autos de exame directo aos telemóveis e apenso 6 de transcrição fls. 40 a 4”.
A motivação da decisão de facto não se quedou pela mencionada análise probatória de cada um dos arguidos.
De facto, seguem-se várias páginas de motivação, com várias referências esparsas ao arguido / recorrente II e/ou a meios de prova relacionados com este arguido (fls. 130, 132, 136, 137, 138, 148, 151 e 152 do acórdão).
Vejamos.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 130 a 132 do Acórdão) com uma análise probatória dos depoimentos de várias testemunhas (mencionando, por vezes, outros meios de prova).
É aí referido o depoimento da testemunha OOO, que o Recorrente cita na sua motivação recursiva. É também referido o depoimento da testemunha RRRRRR, por referência à imagem de adequada inserção social de que beneficia o Recorrente.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 135 a 150 do Acórdão) com uma análise, em grande medida descritiva, embora temperada com considerações de natureza probatória, dos elementos documentais que constam dos autos, fazendo um percurso pelas várias páginas do processo (com início a fl. 12 e termo a fl. 7637).
A par de menções que não assumem relevância probatória (por ex., a menção a fl. 135 de inúmeras páginas do processo que contêm despachos judiciais), surgem algumas menções ao arguido / recorrente II (fls. 136, 137, 138 e 148), sem grande esforço de sistematização, numa análise, em grande medida, meramente descritiva, como já foi referido.
Salienta-se, no entanto, a referência (fl. 148) a um email enviado pela coarguida QQ para o Recorrente e outros arguidos “onde se infere novamente a existência de regras de procedimento quanto ao destino a dar aos objectos, encontrando-se os mesmos à guarda da Alfândega”.
O tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 151 do Acórdão) com uma menção aos relatórios sociais dos arguidos (referindo que serviram como prova no que tange à situação social, profissional, familiar e pessoal e percursos e enquadramentos vivenciais) e aos certificados de registo criminal dos arguidos (para demonstração da ausência de condenações registadas).
O tribunal a quo prossegue a motivação (fls. 151 e 152 do Acórdão) com uma análise dos vários apensos que integram do processo.
Trata-se de uma análise de natureza descritiva (com excepção da menção ao «apenso de transcrições» e relativamente ao arguido KK, que aqui não releva).
Finalmente, o tribunal a quo prossegue a motivação (fl. 152 do Acórdão) com uma análise probatória relativa aos factos não provados referentes à imputação dos crimes de falsificação.
Passando à análise individualizada dos factos provados que foram impugnados pelo Recorrente.
A) Facto provado nº 195.
O Recorrente pretende a alteração deste facto provado no segmento relativo ao valor dos objectos, pedindo, em síntese, que fique aí consignado que não foi possível apurar o valor dos objectos à data da apropriação.
As razões da discordância do Recorrente assentam no método de avaliação, na legitimidade dos avaliadores, na contradição entre avaliações reportadas ao mesmo tipo de objectos, no depoimento das testemunhas que identifica e ainda na data a que se reportam as avaliações.
A pretensão recursiva agora em análise impõe que se proceda a uma dupla apreciação: critérios utilizados pelos avaliadores e data relevante para a fixação do valor dos bens.
No que respeita aos critérios utilizados pelos avaliadores, a pretensão recursiva está claramente votada ao insucesso.
Desde logo, se a diligência de prova requerida pelo Recorrente em sede de contestação, que pretendia impugnar a avaliação dos objectos (o valor, o método de avaliação e a conclusão decisória), foi indeferida pelo tribunal a quo e o Recorrente não apresentou recurso de tal despacho de indeferimento, é evidente que o Recorrente não pode ter sucesso no ataque que, em sede de recurso, faz à avaliação dos objectos (valor e método de avaliação).
Depois, a chamada à colação de prova que não consta dos autos (pesquisa em plataformas de vendas on-line, referidas pelo Recorrente, mas sem concretização) não pode igualmente servir de fundamento para, em sede de recurso, impugnar a avaliação dos objectos (valor e método de avaliação).
De igual modo, a invocação como elementos relevantes na avaliação dos objectos a sua utilidade “para quem se apropriou” dos mesmos e “o destino que a entidade supostamente desapropriada previa” para os mesmos, quando o que está em causa é a apropriação ou não apropriação dos bens (no quadro da prática de um crime de peculato), é pretensão que não pode proceder.
De resto, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a matéria factual em análise, com referência aos concretos meios de prova valorados e produzindo sobre eles exame crítico concreto: a fls. 131 e 132 do acórdão recorrido («Motivação da decisão de facto»), é mencionado que “As testemunhas (…), Agentes da Polícia de Segurança Pública, confirmaram as apreensões em que participaram, sendo cristalinas quanto ao modo de apuramento do valor dos objectos – um valor médio nas plataformas de venda de objectos em segunda mão online, sendo certo que, resultou também ser esse o método a que os funcionários alfandegários recorrem para fazerem as notas de verificação – nada resultando de forma objectiva e sustentada que tenha posto em crise os valores atribuídos, atendendo ao método usado.”. Também a fl. 148 do acórdão recorrido («Motivação da decisão de facto»), é mencionado que “fls. 5415 a 5419, resulta que o método usado na elaboração das notas de verificação (o valor atribuído ao objecto apto para ser vendido em leilão) foi precisamente o mesmo em que se alicerçaram os elementos da Polícia de Segurança Pública que levaram a cabo a apreensão e o exame e a validação dos objectos apreendidos; o recurso a sítios da internet de venda de objectos usados e uma mediania entre os preços mais barato e mais caro (é o mesmo raciocínio subjacente ao apurar de um valor);”.
Quer dizer, o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a questão do método / modo de apuramento do valor dos objectos, não procedendo a argumentação do Recorrente.
No que respeita à data relevante para a fixação do valor dos bens, a pretensão recursiva coloca uma questão de cariz inegavelmente jurídico (a analisar em momento próprio), mas também possuidora de dimensão fáctica.
É evidente, como afirma o Recorrente, como afirma o tribunal recorrido e como resulta da lei, que a data relevante para a consumação do crime de peculato é a data da apropriação dos bens.
É evidente também, como afirma o Recorrente, que o acórdão recorrido não indica as datas precisas em que os objectos apreendidos na casa do Recorrente foram retirados do aeroporto, afirmando apenas que o Recorrente tinha guardados no interior da sua residência objectos que “ao longo do tempo fora retirando do referido armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...”.
É ainda evidente que a avaliação dos bens efectuada nos autos surge reportada à data da apreensão dos bens (i.e., .../.../2020), apesar de tal não constar expressamente do facto provado nº 195 (“avaliados no valor global de € 682,00”).
A questão da relevância (ou irrelevância) da data da avaliação dos bens agora em causa (i.e., tal avaliação ter sido feita em .../.../2020 e por reporte a esta data) será tratada em sede da análise jurídica da causa (a par da questão da relevância (ou irrelevância) da falta de indicação das datas precisas em que objectos apreendidos na casa do Recorrente foram retirados da Alfândega do Aeroporto ...).
No âmbito que agora nos ocupa – impugnação (ampla) da matéria de facto –, importa deferir parcialmente a pretensão recursiva, clarificando-se, no facto provado nº 195, que o valor global dos objectos está reportado à data da apreensão dos mesmos (i.e., .../.../2020), sendo esta opção mais ajustada (não obstante o efeito jurídico poder ser o mesmo) do que a proposta pelo Recorrente (“consignando-se que não foi possível apurar o valor dos objectos à data da apropriação”).
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte:
(i) A alteração da redacção do facto provado nº 195, passando a aí constar o seguinte: “No dia .../.../2020, (…), avaliados, por referência ao dia atrás mencionado (.../.../2020), no valor global de € 682,00:”.
B) Facto provado nº 223.
O Recorrente pretende a alteração deste facto provado no segmento final, onde é referido que os objectos depositados no armazém dos perdidos e achados «estavam acessíveis [aos arguidos]» e «foram entregues [aos arguidos] em razão das suas funções», pedindo, em síntese, que fique aí consignado que “o Arguido II agiu com o propósito concretizado de ser apropriar de objectos depositados no armazém dos perdidos e achados que lhe eram fortuitamente acessíveis e que se destinavam a ser destruídos”.
A pretensão recursiva agora em análise coloca uma questão de cariz inegavelmente jurídico (o conceito de acessibilidade, enquanto conceito operativo de densificação do elemento típico do crime de peculato constituído pela apropriação ilegítima), a analisar em momento próprio, mas também possuidora de dimensão fáctica.
Ora, no que respeita à dimensão fáctica da questão, agora em análise, a pretensão recursiva está votada ao insucesso.
Aquilo que é afirmado no facto provado nº 223, no que respeita ao Recorrente, é que actuou com o propósito concretizado de se apropriar de objectos depositados no armazém dos “perdidos e achados”, aproveitando-se da circunstância de, em virtude das funções que desempenhava, ter acesso a tais objectos.
Que o Recorrente tinha acesso a tais objectos em virtude das funções que desempenhava, no sentido de tal acesso decorrer de ser funcionário da AT, é algo de inquestionável e é isso que resulta do facto provado em análise, em linha, sublinhe-se, com aquilo que consta do facto provado nº 41.
O facto provado nº 40 (não impugnado pelo Recorrente) afirma que “os funcionários da AT retiraram dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quotidiano” e o facto provado nº 41 (não impugnado pelo Recorrente nas conclusões recursivas) afirma que “os funcionários da AT conhecem a proveniência dos objectos ali entregues e depositados como “perdidos e achados”, conhecem o destino que lhes está fixado, sabem que os mesmos não lhes pertencem e que sobre eles não possuem qualquer direito, mas aproveitam-se da circunstância de esses bens lhes serem acessíveis por via das suas funções e da falta de controlo que sobre os mesmos é exercida, para deles se apropriarem”.
Quer dizer, o Recorrente não pode pretender uma alteração ao facto provado nº 223 e não impugnar o facto provado nº 41 (impossibilitando, assim, este tribunal de recurso de apreciar a pretensão recursiva).
Por outro lado, afirmar nos factos provados nºs 223 e 41 que o Recorrente tinha acesso aos objectos depositados no armazém dos “perdidos e achados” em virtude das funções que desempenhava como funcionário da AT (seja esse acesso fortuito ou não, estando ou não os armazéns, bem como o gabinete da coordenadora, fechados à chave e sendo ou não os técnicos verificadores (técnicos superiores), na sua qualidade de chefes de equipa os únicos que dispunham da chave) não resolve de imediato a questão do preenchimento do conceito de acessibilidade, enquanto conceito operativo de densificação do elemento típico do crime de peculato constituído pela apropriação ilegítima).
De resto, o Ac. RC, de 23/01/2013, citado pelo Recorrente na motivação recursiva, contém facto idêntico ao que agora o Recorrente pretende ver alterado no presente recurso (ainda que este argumento, a par da tese jurídica vertida em tal aresto, seja discutível).
Por fim, o Recorrente pretende que passe a constar do facto provado nº 223 que os objectos “se destinavam a ser destruídos”.
Sucede, porém, que, neste aspecto, a motivação recursiva não observa minimamente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, impossibilitando que este tribunal conheça da pretensão recursiva na vertente da impugnação ampla da matéria de facto.
Em suma, improcede o recurso do Recorrente no que respeita ao facto provado em análise.
C) Facto provado nº 224.
O Recorrente pretende a alteração deste facto provado no segmento relativo ao benefício económico ser de valor superior a € 102,00 e no segmento relativo a ter sido causado, através da sua conduta, um empobrecimento injustificado do Estado, pedindo, em síntese, que fique aí consignado que “o seu benefício económico foi inferior a 102,00€ (cento e dois euros) sem qualquer empobrecimento para o Estado”.
A pretensão recursiva agora em análise impõe que se proceda a uma dupla apreciação: benefício económico superior a € 102,00 e empobrecimento injustificado do Estado
No que respeita ao benefício económico superior a € 102,00, pretendendo o Recorrente que fique a constar do facto provado que tal benefício é inferior a € 102,00, a pretensão recursiva está claramente votada ao insucesso.
A questão do benefício económico está relacionada com a questão do apuramento do valor dos objectos apreendidos na residência do Recorrente, questão acima tratada a propósito do facto provado nº 195 (o Recorrente remete, a propósito do facto provado agora em análise [nº 224], para a alegação recursiva apresentada para aquele outro facto provado).
Já se concluiu, a propósito dos critérios utilizados pelos avaliadores, que o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a questão do método / modo de apuramento do valor dos objectos, não procedendo a argumentação do Recorrente.
Ora, a manutenção do valor dos bens (ainda que com a introdução da menção, no facto provado nº 195, de que os bens foram avaliados por referência ao dia .../.../2020), pelas razões atrás expostas, a par da demonstração de que tais bens foram retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., impossibilita qualquer alteração sobre o benefício económico, concretamente, a pretendida alteração do facto provado nº 224.
Questão diversa, a analisar em momento próprio (análise jurídica da causa), é a de saber se todos os bens apreendidos, respectivo valor e correspondente benefício económico, são relevantes (ou não) para a integração da conduta praticada pelo Recorrente no crime de peculato de que estava acusado/pronunciado e pelo qual foi condenado.
No que respeita ao empobrecimento injustificado do Estado, pretendendo o Recorrente que fique a constar do facto provado não ter existido qualquer empobrecimento para o Estado, a pretensão recursiva coloca uma questão de cariz inegavelmente jurídico (a analisar em momento próprio), mas também possuidora de dimensão fáctica.
O Recorrente faz assentar a ausência de empobrecimento para o Estado na circunstância de todos os bens que lhe foram apreendidos terem como destino a destruição (cfr. ponto 51 da motivação de recurso) ou, dito doutro modo, serem “para deitar fora” / “lixo” (cfr. conclusão xxxiv). Ou seja, o Estado não retiraria qualquer benefício de que se tenha visto privado com o destino previsto para os bens, pelo que não se verificou qualquer empobrecimento do Estado (cfr. conclusão xxxv).
É certo que o peculato só ocorre quanto a bens com valor, ou seja, em que a pecuniariedade ou patrimonialidade estejam presentes (está em causa o conceito de patrimonialidade, enquanto conceito operativo de densificação do elemento típico do crime de peculato constituído pela apropriação ilegítima).
Contudo, não podem considerar-se desprovidas de patrimonialidade, e assim de valor sem equivalente pecuniário, as «coisas destinadas à destruição», pois aquele seu destino não preclude a circunstância de serem valiosas e passíveis, por isso mesmo, de apropriação tendo em mente a obtenção do respectivo valor (cfr. José António Barreiros, “Crime de Peculato”, 2013, pags. 92 e 93).
Quer dizer, o eventual empobrecimento do Estado não se afere pelo destino dos bens, mas antes pela patrimonialidade que lhes está subjacente.
Ora, tendo sido fixado valor para os objectos apreendidos na residência do Recorrente e tendo tal valor sido mantido em sede de recurso (ainda que com a introdução da menção, no facto provado nº 195, de que os bens foram avaliados por referência ao dia .../.../2020), pelas razões atrás expostas, mostra-se patente a existência de patrimonialidade e, consequentemente, a existência de empobrecimento injustificado do Estado (nos termos que ficou a constar do facto provado nº 224).
Por outro lado, não vemos que o Recorrente tenha sequer apresentado prova que imponha a conclusão de que todos os bens que lhe foram apreendidos tinham como destino a destruição / lixo.
Basta confrontar o que consta dos factos provados nºs 12 a 41 (factos que não foram impugnados pelo Recorrente) com o facto provado nº 195 (e poder-se-ia invocar igualmente o facto provado nº 194) para se concluir que boa parte dos bens aqui descritos não teriam como destino a destruição / lixo, infirmando cabalmente a alegação do Recorrente no sentido de que todos os bens que lhe foram apreendidos tinham tal destino.
Questão diversa, a analisar em momento próprio (análise jurídica da causa), é a de saber se todos os bens apreendidos (respectivo valor, correspondente benefício económico e correspondente empobrecimento injustificado do Estado) podem relevar (ou não) para a integração da conduta praticada pelo Recorrente no crime de peculato de que estava acusado/pronunciado e pelo qual foi condenado.
Questão igualmente diversa, a analisar em momento próprio (análise jurídica da causa), é a de saber se todos os bens apreendidos (respectivo valor, correspondente benefício económico e correspondente empobrecimento injustificado do Estado) pertencem ao Estado ou estão apenas sobre o seu poder e guarda (certo que o empobrecimento do Estado só ocorre quanto aos primeiros).
Em suma, improcede o recurso do Recorrente no que respeita ao facto provado em análise.
D) Factos provados nºs 225 e 229.
No que respeita ao facto provado nº 225, o Recorrente alude à proveniência e titularidade dos objectos subtraídos dos “perdidos e achados” (“pertenciam ao Estado ou estavam em seu poder e guarda”), mas não propõe qualquer alteração factual (cfr. conclusões xxxvii a xli).
Quer dizer, a pretensão recursiva sobre o facto em análise não tem dimensão fáctica (e é neste domínio que agora nos movemos), pois o Recorrente apenas discute a questão (jurídica) da proveniência e da titularidade dos bens, não pondo em causa que os bens subtraídos dos “perdidos e achados” (que incluem os bens apreendidos sujeitos a impostos aduaneiros, relacionados com processos-crime ou contraordenacionais ou foram perdidos ou abandonados) “pertenciam ao Estado ou estavam em seu poder e guarda” (sublinhado nosso).
Sendo uma questão jurídica, a que é colocada pelo Recorrente, será a mesma analisada em momento próprio (discussão jurídica da causa).
Em suma, improcede o recurso do Recorrente no que respeita ao facto provado em análise.
No que respeita ao facto provado nº 229, o Recorrente pretende que se considere provado que não sabia que o seu comportamento era proibido ou punido por lei ou, no limite, que se considere como não provada, quanto a si, a factualidade vertida no referido facto provado, tendo em vista a conclusão, em sede de apreciação jurídica da pretensão recursiva, de que não se encontra preenchido o tipo subjectivo ou a dimensão emocional da culpa por falta de consciência da ilicitude não censurável, com consequente absolvição do Recorrente da prática do crime de peculato .
A oposição do Recorrente à conclusão assumida pelo tribunal recorrido no facto provado agora em análise (“todos os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”) assenta, sucintamente, nas seguintes circunstâncias (factuais): a natureza irrisória ou valor irrisório dos objectos apreendidos (diferente do que consta da acusação), o destino dos objectos apreendidos (todos os objectos apreendidos estavam destinados a ser destruídos, a ir para o lixo) e a consequente ausência de empobrecimento para o Estado, a carreira de 35 anos do Recorrente e as qualificações de excelente pelo seu empenho com o serviço, a falta de reprovação dos chefes e o incentivo dos superiores hierárquicos a que fossem levados os objectos para libertar espaço.
Estas circunstâncias excluem, no entender do Recorrente, a existência de uma verdadeira consciência da ilicitude da conduta maxime em sede criminal.
Não se questiona que a discussão sobre a existência de uma actuação em estado de erro sobre a ilicitude (falta de representação ou representação inexacta do sentido de desvalor de uma conduta) coloca uma questão-de-facto a decidir por meio da prova.
Sucede, porém, que os factos psicológicos como o conhecimento, a vontade, a intenção, a consciência (ou, em cada caso, a sua falta) não são apreensíveis pelos sentidos (i.e., o plano interno do agente permanece inacessível ao tribunal, a menos que exista confissão) e, nessa medida, tais factos pertencem ao domínio privilegiado de actuação da prova indirecta ou indiciária.
Quer dizer, o erro sobre a ilicitude poderá ser dado como provado pelo tribunal se os indícios disponíveis, apreciados de acordo com as máximas da experiência, sustentarem probatoriamente essa hipótese (provam-se os indícios e, a partir deles, infere-se o facto a provar) (cfr. Sandra Oliveira e Silva, “Longe da vista… ou a relevância da prova indirecta no âmbito do erro”, in RPCC, Ano 30, 2020, Nº 3, pags. 577 e ss.).
Ora, as circunstâncias (factuais) invocadas pelo Recorrente, acima referidas, são, afinal, os indícios que, no seu entender, permitem sustentar a existência de erro sobre a ilicitude.
Contudo, as mais relevantes de tais circunstâncias (i.e., aquelas cuja prova poderia sustentar o erro) não resultaram demonstradas, conforme resulta da análise acima efectuada a propósito de outros factos provados.
Assim, a natureza irrisória ou valor irrisório dos objectos apreendidos (diferente do que consta da acusação) foi questão abordada na impugnação do Recorrente ao facto provado nº 195, tendo-se concluído pela manutenção do valor dos bens e consequente improcedência, nessa parte, da pretensão recursiva.
No que respeita ao destino dos objectos apreendidos (todos os objectos apreendidos estavam destinados a ser destruídos, a ir para o lixo) e à consequente ausência de empobrecimento para o Estado, trata-se de questão abordada na impugnação do Recorrente ao facto provado nº 224, tendo-se concluído pela improcedência, nessa parte, da pretensão recursiva.
No que respeita à carreira de 35 anos do Recorrente e às qualificações de excelente pelo seu empenho com o serviço, à falta de reprovação dos chefes e ao incentivo dos superiores hierárquicos a que fossem levados os objectos para libertar espaço, cumpre referir que, por si só ou confrontados com outros indícios referidos no acórdão recorrido, não constituem indícios de valor suficiente para que seja permitido, a partir deles, inferir a existência de erro sobre a ilicitude por parte do Recorrente.
Efectivamente, no âmbito que agora nos ocupa – impugnação (ampla) da matéria de facto – o tribunal a quo fundamentou de forma adequada a matéria factual em análise, refutando de modo consistente os argumentos / indícios invocados por vários arguidos, nas suas declarações, para “justificar” a subtração dos objectos dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (cfr. pags. 123 e 129 do acórdão recorrido) e salientando de modo consistente os depoimentos de testemunhas que corroboram a ideia de que os arguidos / funcionários sabiam que não podiam levar para casa objectos que estavam na Alfândega (cfr. fl. 130 do acórdão recorrido).
Em suma, improcede o recurso do Recorrente no que respeita ao facto provado em análise.
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9. Recurso do arguido JJ:
A pretensão recursiva do arguido / recorrente JJ inclui uma vertente de impugnação ampla da matéria de facto (conclusões XIX a XXVI).
Pretende o Recorrente que o tribunal de recurso – no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto – constate a existência de erro de julgamento em relação a determinados pontos da matéria de facto dada como provada e, consequentemente, profira decisão modificativa da decisão recorrida, estabelecendo versão factual (e jurídica) diferente daquela que o tribunal a quo considerou provada.
Concretamente, o Recorrente pretende que: “5- seja dado como não provado que o Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94 e uma Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador foram retirados do referido armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ....”.
Contudo, a simplicidade da pretensão atrás referida é perturbada por uma condição que lhe é colocada pelo Recorrente: “6- Não obstante se V. Exas., entenderem que o pedido atrás efetuado em 5 pode por em causa a confissão integral e sem reserva do arguido desde já se abdica de tal pedido porque o mesmo é materialmente irrelevante e verdadeiramente justo.”.
Quer dizer, o Recorrente declara abdicar da impugnação (ampla) da matéria de facto caso se entenda que a mesma põe em causa a confissão integral e sem reservas dos factos.
Sem discutir a correcção ou incorrecção da opção recursiva levada a cabo pelo Recorrente (a colocação da questão a título condicional revela uma patente indefinição do que é pretendido), parece-nos evidente que a impugnação (ampla) da matéria de facto é incompatível com a existência de uma confissão integral e sem reservas dos factos.
Assim, a questão que, desde já, importa analisar é a de saber se existiu ou não nos autos confissão integral e sem reservas pelo Recorrente.
E a resposta não pode deixar de ser negativa (não obstante ser diverso o entendimento do Recorrente).
Consta da acta da sessão de julgamento de 02/03/2023: “Após o arguido JJ prestou declarações – tudo como se encontra gravado através do sistema “H@bilus Media Studio” com início pelas 16:51:24 e termo às 17:19:59 horas.
O arguido foi confrontado com o teor de fls. 86, 90 Apenso Autos de Apreensão de Mercadoria da AT em 2019.”.
Mostra-se evidente não ter ficado exarado em acta uma confissão integral e sem reservas dos factos pelo Recorrente (ao contrário do que sucedeu, por exemplo, com a arguida VV, que prestou declarações a seguir ao Recorrente).
Também não consta dos factos provados a existência de confissão integral e sem reservas dos factos pelo Recorrente.
É certo que a relevância probatória da confissão não depende necessariamente da consignação da mesma em acta ou mesmo nos factos provados, aceitando-se que seja considerado facto inelutavelmente provado se tal resultar de uma referência expressa feita na sentença / acórdão, no sentido de ter sido como tal considerada na decisão do mérito da causa (cfr. Ac. RP, de 31/05/2023; relator: Francisco Mota Ribeiro; e Ac. RC, de 26/04/2023; relatora: Cristina Branco, ambos in www.dgsi.pt).
Ora, no caso do Recorrente, consta da motivação do acórdão recorrido que “Os arguidos (…) e JJ, na sua essência, reconhecem os factos imputados – salvo quanto ao crime de falsificação que é também imputado ao arguido JJ (…).”.
De resto, demonstração de que não existe confissão integral, mas apenas parcial, é a circunstância de ter sido fixado um facto não provado (alínea LLL dos Factos Provados), acompanhada da menção, na motivação do acórdão recorrido (pag. 132), ao depoimento da testemunha SSS, do qual se retirou, por credível, a oferta do hoverboard à neta, sendo ainda certo que o Recorrente, nas declarações prestadas em julgamento, mencionou que o objecto em causa foi oferecido pela sua mãe à neta.
Em suma, salientando-se novamente a indefinição da pretensão recursiva do Recorrente (relembrando-se que a confissão integral e sem reservas dos factos deve ser feita em julgamento e não nas alegações de recurso), é patente que o tribunal recorrido não formou a sua convicção com base na confissão integral e sem reservas do arguido, mas com base no reconhecimento, na sua essência, dos factos imputados ao Recorrente.
A consequência da conclusão atrás alcançada, já se antevê, é a da possibilidade de impugnação da matéria de facto pelo Recorrente.
Analisemos então a impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo Recorrente.
Como já referido, o Recorrente pretende o seguinte:
- Que seja dada como não provado que o Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94 foi retirado do armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ... (ou que seja dado como provado que tal telemóvel é propriedade da mãe do Recorrente);
- Que seja dado como não provado que a Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador foi retirada do armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ....
Concretamente (sem referir expressamente o ponto da matéria de facto em causa), o Recorrente pretende a alteração do facto provado nº 204, daí excluindo os dois bens / objectos atrás identificados, passando tais bens a constar dos factos não provados, i.e., dando-se como não provado que tais bens foram retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (o pedido para que seja dado como provado que o telemóvel é propriedade da mãe do Recorrente será aqui desconsiderado, porquanto o que está em causa é saber se tal bem foi ou não retirado do mencionado armazém).
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Vejamos.
A) No que respeita ao Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94, o Recorrente afirma que juntou aos autos (com a contestação) a factura do referido telemóvel.
Admite-se que foram minimamente observados pelo Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando a concreta prova que impõe decisão diversa da recorrida (o documento [doc. 3] junto aos autos com a contestação, apresentada em 09/11/2022 [refª Citius 34127574 / 43826398], tratando-se de uma Factura-Recibo de venda a dinheiro de um serviço telefónico que inclui a disponibilização de um telemóvel Vodafone, verificando-se, através do IMEI aí mencionado [...94], que se trata do telemóvel apreendido nos autos, agora em análise).
Olhando para a motivação da decisão recorrida, verifica-se, como já referido, que o tribunal recorrido formou a sua convicção, no que agora releva, com base no reconhecimento, na sua essência, dos factos imputados ao Recorrente.
Ora, sejamos claros, ouvidas as declarações prestadas pelo Recorrente em julgamento (sessão de 02/03/2023), resulta clara a atitude confessória do arguido (i.e., o reconhecimento dos factos imputados) face à apropriação de tal telemóvel. De facto, o arguido referiu que “todos os telemóveis, com excepção do que estava a usar (que não é o que agora está em causa), vieram do Aeroporto”.
Temos, assim, uma oposição de meios de prova – factura-recibo junto pelo Recorrente em data anterior ao julgamento (i.e., um documento particular) e declaração confessória do Recorrente em julgamento –, havendo que dar prevalência à declaração confessória (livremente levada a cabo pelo Recorrente, conforme também referiu nas suas declarações) – a confissão é um meio de prova, que foi positivamente valorado pelo tribunal a quo –, sendo esta, provavelmente, a razão da já mencionada indefinição da pretensão recursiva do Recorrente.
Assim, improcede o recurso do Recorrente JJ, na parte em que está em causa a impugnação ampla da matéria de facto, quanto ao objecto atrás identificado, relegando-se para momento ulterior (análise das questões de direito suscitadas nos recursos) a apreciação da pretensão de restituição de tal objecto (apreendido).
B) No que respeita à Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador, o Recorrente refere ter declarado em julgamento que tal máquina fotográfica foi por si adquirida.
Admite-se que foram minimamente observados pelo Recorrente os requisitos previstos no art. 412º, nº s 3 e 4, do CPP, especificando a concreta prova que impõe decisão diversa da recorrida (a declaração prestada em julgamento no sentido de ter adquirido tal bem em ..., conforme resulta da audição de tal meio de prova).
Olhando para a motivação da decisão recorrida, verifica-se, como já referido, que o tribunal recorrido formou a sua convicção, no que agora releva, com base no reconhecimento, na sua essência, dos factos imputados ao Recorrente, admitindo, assim, que possam existir factos (como existiram, a ver pelo facto dado como não provado) que ficaram fora do reconhecimento, na sua essência, dos factos imputados.
Quer dizer, se o tribunal a quo formou a sua convicção, no que agora releva, nas declarações prestadas em julgamento pelo Recorrente (reconhecimento, na sua essência, dos factos imputados, não existindo, no contexto da motivação da decisão, a explicitação de outros meios de prova utilizados para fundamentar a convicção em relação à imputada apropriação do objecto em análise) e se o Recorrente, nessas declarações refutou ter retirado tal objecto do armazém dos "perdidos e achados" da Alfândega do Aeroporto ..., mostra-se evidente o erro de julgamento do tribunal a quo.
Em conformidade, impõe-se a modificação da decisão do tribunal a quo sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos analisados, determinando-se o seguinte (relegando-se para momento ulterior a apreciação da pretensão de restituição do objecto):
(i) A eliminação do seguinte segmento factual do facto provado nº 204: “- 1 (uma) Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador, avaliada no valor de € 500,00;”;
(ii) A alteração do corpo do facto provado nº 204, em conformidade com a eliminação atrás referida (o valor do objecto), passando a constar do facto provado nº 204 o seguinte: “no valor global de € 2.650,00”;
(iii) Fixar um novo facto não provado com a alínea LLL1), com o seguinte teor:
LLL1) Que o arguido JJ retirou do armazém dos “perdidos e achados” 1 (uma) Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador, avaliada no valor de € 500,00;”.
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3.4. Das questões de direito.
Os arguidos / recorrentes KK, LL, NN, OO, QQ, RR, GG, SS, II e JJ suscitaram nos respectivos recursos várias questões de direito, que agora importa conhecer, observando-se uma ordem lógica de conhecimento e procedendo-se, quando tal se justifique, a uma análise conjunta (por tema e/ou por arguido) de algumas dessas questões.
Os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do Código Processo Penal.
3.4.1. Do crime de detenção de arma proibida (art. 86º, nº 1, als. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23-02).
O arguido / recorrente KK foi condenado, no que agora releva (i.e., abstraindo da condenação, em concurso real e efectivo com o crime de peculato), pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86º, nº 1, als. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23-02, na pena de 1 (um) anos e 2 (dois) meses de prisão.
A pretensão recursiva do mencionado Recorrente, na parte «Do Direito», inclui o questionamento da sua condenação pelo crime agora em análise, concretamente, no que respeita à pena aplicada (conclusões 81 a 89).
Entende o Recorrente que este tribunal, caso entenda não haver lugar à alteração da matéria de facto dada como provada, mantendo-se a sua condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, deve constatar a existência de erro (clamoroso) do tribunal a quo na determinação da sanção, pois deveria ter sido aplicada ao Recorrente pena de multa (concretamente, a pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, no total de € 800,00) e não pena de prisão.
Sucintamente, o Recorrente impugna as necessidades de prevenção especial (positiva e negativa) invocadas pelo tribunal recorrido para a opção pela pena de prisão, alegando que tais necessidades não se verificam na medida exposta pelo tribunal a quo, mencionando ainda que a ilicitude do facto, bem como o dolo, são em medida muitíssimo reduzida.
Como já referido, a pretensão recursiva agora em análise tem carácter subsidiário, i.e., apenas releva caso seja improcedente a impugnação (ampla) da matéria de facto deduzida pelo Recorrente e, em consequência, se mantenha a condenação pelo crime de detenção de arma proibida.
Ora, a alteração factual pretendida pelo Recorrente (concretamente, a alteração dos factos provados nºs 71, 72, 73 e 74, relacionados com a arma (revólver) e várias munições (45 + 13 + 50 + 2) que foram apreendidas no interior da residência do Recorrente aquando da busca aí realizada no dia .../.../2020) não veio, em expressiva medida, a acontecer, conforme acima ficou decidido (a excepção diz respeito à alteração factual traduzida na alteração dos factos provados nºs 72 e 73, com consequente fixação de um facto não provado [C9], resultando não provado que as 2 munições de calibre .38 (shotshells), com projéctil expansivo, são munições de classe A, cuja detenção é absolutamente proibida).
Quer dizer, mantém-se a condenação do Recorrente pelo crime de detenção de arma proibida, tal como plasmado no acórdão recorrido (sendo que a alteração factual acima exposta, no contexto do crime em causa, é pouco mais do que irrelevante).
Analisemos então a questão de saber se devia (ou não) ser aplicada ao Recorrente uma pena de multa, ao invés de uma pena de prisão, pela prática do já mencionado crime de detenção de arma proibida.
O crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art. 86º, nº 1, als. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23-02) praticado pelo Recorrente e pelo qual foi condenado é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (tendo o tribunal a quo referido que se impunha a condenação do Recorrente apenas por uma das alíneas, i.e., a da pena mais gravosa).
O tribunal a quo aplicou ao Recorrente a pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
Quando a punição do crime prevê, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no artigo 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação.
E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.
Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.).
O acórdão recorrido fundamentou a opção pela aplicação ao Recorrente de uma pena de prisão em termos que merecem a nossa concordância:
“Em relação ao crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido KK vai também condenado, entende-se que as finalidades inerentes à punição não se bastam com uma pena de multa, considerando o número particularmente significativo de munições, de diferentes calibres e espécies, algumas de Classe A, para além da postura de absoluta desvalorização do seu comportamento, apesar do reconhecimento objectivo dos factos – ou seja o arguido admite o óbvio, a detenção de tais munições e revólver – a verdade é que o arguido centra o seu discurso num processo de vitimização e de total falta de sentido crítico, pelo que, se entende que os fins de prevenção especial, quer na sua vertente positiva, quer negativa não se compaginam com pena de multa, assim [s]e afastando a mesma, optando-se por uma pena de prisão.”.
As necessidades de prevenção especial, salientadas no acórdão recorrido, estão em sintonia com os factos provados nºs 223 e 224, improcedendo claramente a argumentação do Recorrente.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
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3.4.2. Do preenchimento (ou não) dos elementos típicos do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
Os arguidos / recorrentes KK, LL, NN, OO, QQ, RR, GG, SS, II e JJ foram condenados, pela prática, cada um deles, em autoria material, de um crime de peculato, previsto e punido pelo art. 375º, nº 1, do Código Penal.
Questão relevante invocada nas pretensões recursivas, com especial destaque para os recursos dos arguidos / recorrentes RR e II é a que se prende com o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo legal de crime de peculato (as pretensões recursivas dos demais Recorrentes centram a discussão da matéria de direito nas consequências que a impugnação da matéria de facto impõe ao nível da apreciação jurídica da causa, nomeadamente, na inexistência de crime de peculato e consequente absolvição da prática deste crime, ou na diferente qualificação jurídica dos factos, nomeadamente, na convolação para o crime de peculato de diminuto valor, questões a abordar em momento oportuno).
A arguida / recorrente RR entende que não se preencheram, quanto a si e quanto aos demais arguidos, todos os elementos objectivos e o elemento subjectivo do crime de peculato.
Sucintamente, esta Recorrente põe em causa a competência legal da Alfândega do Aeroporto ... (através do seu Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens), enquanto serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos objectos “perdidos e achados” (referindo que, não cabendo à AT gerir ou dar destino a mercadorias classificadas como perdidas ou abandonadas no Aeroporto ..., sempre teria de se concluir que tais bens não estão ou não eram acessíveis à Recorrente por causa e no exercício das suas funções), põe em causa a existência de um dano (proveito próprio ou de terceiro), uma vez que o destino dos bens era o lixo (e faltou esclarecer o destino de cada um dos bens apreendidos à Recorrente), põe em causa a natureza jurídica e a origem dos bens (questionando a quem pertencem os bens que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ..., se são de particulares ou do Estado, alegando ser juridicamente impossível o funcionário apropriar-se ilegitimamente de bens que não têm proprietário / res nullius e alegando não poder haver empobrecimento do Estado relativamente a bens que não são de sua propriedade, referidno, a propósito, a contradição entre os factos provados nºs 224 e 225) e, finalmente, põe em causa o preenchimento do elemento subjectivo do crime de peculato, alegando que não sabia (não sendo exigível que o soubesse) ou não tinha consciência que não podia apropriar-se de objectos destinados ao lixo.
O arguido / recorrente II, por seu turno, entende que não se encontram preenchidos os elementos do tipo objectivo e, em qualquer caso, não se encontra preenchido o tipo subjectivo ou a dimensão emocional da culpa por falta de consciência da ilicitude não censurável.
Sucintamente, este Recorrente põe em causa a verificação do elemento objectivo do tipo constituído pela acessibilidade (i.e., a coisa móvel ter sido entregue ao Recorrente, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, não bastando, para tal, a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação), põe em causa a titularidade dos bens, referindo ser de extrema relevância determinar a proveniência dos objectos e a respectiva titularidade (alegando que os bens perdidos ou abandonados que não são objecto de nota de verificação nunca chegam a ter um novo titular, sendo res nullius para a lei civil e coisa achada para a lei penal, não existindo crime de peculato) e põe em causa a existência de consciência de ilicitude, referindo que, em face das várias circunstâncias que rodearam a sua conduta, agiu sem consciência da ilicitude, em erro não censurável.
3.4.2.1. Elementos objectivos do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal) e seu preenchimento.
Dispõe o art. 375º, nº 1, do Código Penal:
1. O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel ou imóvel ou animal, públicos ou particulares, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”.
O bem jurídico protegido pelo crime de peculato tem dupla natureza: por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais, na medida em que se criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios; por outro lado, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e a imparcialidade da administração, ou, por outras palavras, a “intangibilidade da legalidade material da administração pública”, punindo abusos de cargo ou função.
O peculato integra dois elementos – o crime patrimonial e o abuso duma função pública (ou equiparada, nos termos do art. 386° do Código Penal) – e estes dois elementos terão de se relacionar entre si. Assim, há abuso de função pelo facto do agente se apropriar (ou onerar) de bens de que tem a posse ou que lhe estão acessíveis, em razão das funções que exerce, violando, com esse comportamento, a relação de fidelidade pré-existente (cfr. Conceição Ferreira da Cunha, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, 2001, pag. 688).
Passando à análise dos elementos objectivos do crime de peculato, com referência ao que foi convocado para discussão nas pretensões recursivas acima mencionadas, importa salientar que será aqui retomada a análise já encetada em sede de apreciação do mérito do recurso interlocutório interposto pela arguida / recorrente RR e em sede de apreciação das impugnações amplas da matéria de facto deduzidas por vários arguidos / recorrentes, sendo certo que em tal análise logo foi referido que algumas das questões tinham inegável dimensão jurídica e que seriam objecto de tratamento aquando da apreciação da matéria de direito dos recursos.
A materialização do crime de peculato ocorre com a apropriação (desconsiderando agora a modalidade de desvio de finalidade prevista no nº 3 do art. 375º do CP), sendo que, no caso dos autos, está imputada aos arguidos / recorrentes uma actuação de apropriação, por subtracção, dos bens que se encontravam nos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (que integra os serviços desconcentrados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – cfr. facto provado nº 10) (a acusação/pronúncia usa indistintamente as expressões “armazém” e “armazéns”).
Quer dizer, a conduta imputada aos arguidos / recorrentes não incide sobre bens que lhes foram entregues ou que estavam na sua posse (i.e., não lhes é imputada uma actuação consubstanciada na inversão do título de posse), mas sobre bens que lhes eram acessíveis em virtude das suas funções, com efectiva apreensão dos bens em si pelos arguidos a partir do local onde se encontravam (sendo, neste caso, a conduta imputada idêntica à do furto, ocorrendo a apropriação por subtracção), sendo certo que esta conclusão não é afastada pelo que consta do facto provado nº 223 (uma vez que a expressão “foram entregues” é aqui usada no seu sentido comum e não jurídico e não se reporta, segundo cremos, a uma entregue material aos arguidos / recorrentes, mas antes à colocação dos bens sob a alçada da Alfândega do Aeroporto ...).
A apropriação, por subtracção, em que se materializa o crime de peculato tem de ser, nas palavras da lei, uma apropriação ilegítima.
É nesta sede que relevam os conceitos de acessibilidade, patrimonialidade e alteridade, enquanto conceitos operativos de densificação da apropriação ilegítima (seguindo de muito perto a exposição de José António Barreiros in “Crime de Peculato”, 2013, pags. 85 e ss. e também a exposição de Conceição Ferreira da Cunha in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, 2001, pags. 687 e ss.).
A) Começando pelo conceito de alteridade, pretende aqui salientar-se que o peculato pressupõe que se trate da apropriação de bens que não pertencem ao agente do crime.
Esta alteridade do objecto não consta do enunciado típico, mas é requisito implícito ante a natureza apropriativa do crime.
O carácter «alheio» da coisa, subjacente ao crime de furto, é aqui aplicável.
Assim, por exemplo, não é alheia a coisa que não pertence a ninguém (res nullius) ou, tendo pertencido a alguém, foi por esta pessoa abandonada (res derelictae). Diferente é a situação da coisa perdida que foi achada (res depertidae), pois esta pertence ainda a alguém (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2022, pag. 885).
No crime de peculato (nº 1 do art. 375º do CP), os bens (dinheiro ou qualquer coisa móvel) objecto de apropriação ilegítima (em proveito próprio ou de outra pessoa) podem ser públicos ou particulares.
Quer dizer, o ente público, por causa do qual o sujeito activo adquire a sua natureza de funcionário, não tem de ser o titular do dinheiro ou da coisa móvel apropriada, pois esta pode pertencer a terceiro, ainda que privado.
No entanto, quer os bens sejam do Estado quer de particulares, está sempre em causa um direito patrimonial do Estado – a sua propriedade (tratando-se de bens estaduais) ou a sua posse legítima (tratando-se de bens de particulares) –, estando também neste segundo caso presente a tutela do direito de propriedade dos particulares.
É neste enquadramento que os Recorrentes RR e II invocam uma primeira questão de falta de preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato.
Entendem os Recorrentes não ser suficiente demonstrar que os bens que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... não pertencem aos arguidos, mostrando-se ainda necessário demonstrar que tais bens não são res nullius (ou coisa achada) ou, dito doutro modo, mostrando-se ainda necessário demonstrar que os bens retirados pelos Recorrentes pertenciam ao Estado ou a particulares.
Alegam os Recorrentes que, entre os bens que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... (e cuja subtracção foi imputada aos Recorrentes), podem existir bens que não têm proprietário, não pertencem a ninguém (são res nullius), não podem ser considerados coisa “alheia” e, em consequência, não podem ser objecto de apropriação ilegítima, inexistindo, por isso, crime de peculato.
Estariam nessas circunstâncias, segundo a Recorrente RR, aqueles bens que foram perdidos em aeronaves ou deixados involuntária ou voluntariamente no Aeroporto ... (e que se encontravam nas instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira), relativamente aos quais já tenha decorrido o prazo para reclamação pelos seus proprietários ou relativamente aos quais não tenha sido possível estabelecer relação com os seus proprietários.
No fundo, a Recorrente RR entende que os bens “considerados abandonados a favor do Estado”, nas circunstâncias acima descritas, e cujo destino possível é “a doação, a venda em leilão ou a inutilização/lixo”, não pertencem a ninguém (são res nullius).
O Recorrente II entende que os bens perdidos ou abandonados que não são objecto de nota de verificação nunca chegam a ter um novo titular, sendo res nullius para a lei civil e coisa achada para a lei penal, não existindo crime de peculato.
Nesta sequência, os Recorrentes aludem à (extrema) relevância de se determinar a natureza jurídica e a origem dos bens (ou a proveniência e a titularidade dos mesmos), o que até motivou a interposição de um recurso interlocutório por parte da Recorrente RR e que já foi atrás decidido (negando-se provimento ao mesmo).
É esta a questão jurídica que agora importa analisar.
Ora, em nosso entender, não assiste razão aos Recorrentes.
Na análise jurídica da causa (crime de peculato), o acórdão recorrido, em linha com a perspectiva da acusação / pronúncia, para além de enfatizar que os mencionados bens não pertencem aos arguidos / recorrentes e estes tinham perfeita consciência de tal facto, rejeita a possibilidade de tais bens serem considerados res nullius, i.e., sem dono, porquanto, para além de se encontrarem à guarda da Autoridade Tributária e Aduaneira (independentemente da proveniência dos mesmos), pertenciam aos passageiros que estiveram no Aeroporto ..., podendo estes reclamar a entrega dos mesmos (conforme sucedeu em várias situações) – portanto, bens de particulares, cuja posse / guarda cabia ao Estado (enquanto os mesmos não são declarados abandonados / perdidos a favor do Estado e lhes é dado destino), – ou pertenciam ao Estado – bens estaduais, por força de serem considerados abandonados / perdidos a favor do Estado (aguardando que lhes seja dado destino), sabendo igualmente os arguidos / recorrentes que o eventual destino dos mesmos era a venda, a doação e a inutilização (caso não fossem reclamados).
Afigura-se-nos que a posição jurídica do acórdão recorrido, rejeitando a possibilidade da existência de bens (dos que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... e cuja subtracção foi imputada aos Recorrentes) sem proprietário (res nullius, que não podem ser considerados coisa “alheia” e, em consequência, não podem ser objecto de apropriação ilegítima), está inteiramente correcta, quer juridicamente, quer porque encontra suporte factual nos factos provados nºs 12 a 41, 225 e 229 (sendo certo que a impugnação dos referidos factos provados já foi acima decidida).
Acresce que a posição jurídica do acórdão recorrido, agora sufragada, torna irrelevante, como já foi referido e decidido (nomeadamente, no recurso interlocutório), a invocada necessidade de se apurar a data em que os bens em causa foram encontrados, o local onde foram encontrados e o destino ou tratamento a dar a tais bens, por referência a registos elaborados pela Alfândega do Aeroporto ... (enquanto serviço da AT).
Ainda a propósito da questão em análise (conceito de alteridade), a Recorrente RR invoca a existência de uma contradição entre os factos provados nºs 224 e 225, pois se no primeiro é referido o empobrecimento do Estado pelo facto de os Recorrentes se terem apropriado dos bens, no segundo já se faz distinção entre os bens do Estado e os bens que estavam á sua guarda.
Também o Recorrente II invocou, em sede de impugnação (ampla) da matéria de facto, a incorrecção dos mencionados factos provados (que já foi objecto de decisão no âmbito da apreciação dos recursos sobre a matéria de facto) e aí levantou questões de natureza jurídica, cuja apreciação foi remetida para a sede onde agora nos movemos.
É evidente que não se verifica a contradição apontada pela Recorrente.
Já se concluiu que os bens subtraídos dos “perdidos e achados” (que incluem os bens apreendidos sujeitos a impostos aduaneiros, relacionados com processos-crime ou contraordenacionais ou foram perdidos ou abandonados) “pertenciam ao Estado ou estavam em seu poder e guarda”, tal como é afirmado no facto provado nº 225.
E o facto provado nº 224, quando afirma que os arguidos lograram causar, através da sua conduta, um empobrecimento injustificado ao Estado, está a referir-se apenas à apropriação dos bens que “pertenciam ao Estado”, daí excluindo, como é evidente, os bens que “estavam em seu poder e guarda”.
Em suma, improcedem, nesta parte, as pretensões recursivas.
B) Passando ao conceito de patrimonialidade, pretende aqui salientar-se que o peculato só ocorre quanto a bens com valor, ou seja, em que a pecuniariedade ou patrimonialidade estejam presentes.
Ainda que o enunciado típico do crime de peculato se refira a «coisa» (ou «animal»), sem menção a coisa (ou animal) com valor, resulta evidente que o valor patrimonial da coisa (ou animal) constitui elemento implícito do tipo (de resto, o nº 2 do art. 375º pune com pena mais benigna a subtracção de objectos de diminuto valor).
Quer dizer, o elemento coisa (ou animal) previsto no tipo de peculato tem de ter não só valor patrimonial como, para além disso, tem de ultrapassar um limiar mínimo de valor para que, dessa forma, a sua protecção enquanto coisa alheia, ascenda à discursividade penal.
Diferente da patrimonialidade por referência à existência de um valor (mínimo) da coisa (ou animal) alheia é a patrimonialidade por referência à existência de utilidade (mínima) da coisa (ou animal) alheia.
É neste enquadramento que os Recorrentes RR e II invocam uma segunda questão de falta de preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato.
Entendem os Recorrentes não ser suficiente demonstrar que os bens que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... não pertencem aos arguidos, mostrando-se ainda necessário demonstrar que tais bens não tinham como destino o lixo.
A Recorrente RR (conclusões XCVI a CIII, sendo certo que a Recorrente renova aqui a impugnação da matéria de facto, questão já decidida) entende que todos os bens cujo destino seja o lixo (e bens sem qualquer utilidade) não permitem o preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato, aludindo ainda à falta de prova do proveito próprio ou de terceiro na apropriação dos bens que lhe foram apreendidos.
O Recorrente II, ainda que a propósito da falta de preenchimento do elemento subjectivo do crime de peculato (e também a propósito da impugnação ampla da matéria de facto, concretamente, a impugnação do facto provado nº 224), entende que estando os bens que lhe foram apreendidos (todos eles) destinados à destruição ou, dito doutro modo, sendo tais bens para “deitar fora” / “lixo”, não se verifica o preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato, aludindo ainda à ausência de empobrecimento para o Estado.
É esta a questão jurídica que agora importa analisar.
Ora, em nosso entender, não assiste razão aos Recorrentes.
Na análise jurídica da causa (crime de peculato), o acórdão recorrido é peremptório na recusa da invocada ausência do requisito da patrimonialidade:
Aliás, ficou manifestamente [ ] provado que os arguidos sabiam que os objectos em causa não eram seus, nem lhes pertenciam, sabendo que o eventual destino dos mesmos era a venda, a doação e a inutilização, caso não fossem reclamados (…).
Nem colhe o argumento que os objectos eram “lixo”, pois, não se mostra minimamente compatível com as regras da lógica e da experiência comum que os arguidos levassem para casa objectos que reputassem como “lixo”, tinham interesse nos mesmos e viam nesses objectos genuína utilidade ou dos mesmos retiravam fruição, só assim se compreende que os retirassem da Alfândega e os levassem para casa.
E levar um objecto para casa (…) e aí o manter é inequivocamente um comportamento exterior objectivamente concludente com exercício da posse e de domínio, ou seja, há uma apropriação de objectos em proveito próprio ou de familiares/amigos.”.
Afigura-se-nos que a posição jurídica do acórdão recorrido, enfatizando que os mencionados bens não pertenciam aos arguidos / recorrentes e estes tinham perfeita consciência de tal facto, referindo que os arguidos / recorrentes conheciam o eventual destino dos bens (venda, doação e inutilização), referindo que os objectos não eram “lixo”, pois revestiam interesse e utilidade para os arguidos / recorrentes (caso contrário não os levavam para suas casas), existindo, por isso, proveito próprio ou de terceiro na apropriação de tais bens, está inteiramente correcta, sufragando-se a mesma.
Acresce que, mesmo considerando que um dos destinos dos bens perdidos ou abandonados que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... (serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira) era a inutilização/lixo (para além da doação e da venda em leilão), ainda assim não se verifica a falta de preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato.
Como já referido (na apreciação da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo Recorrente II), não podem considerar-se desprovidas de patrimonialidade, e assim de valor sem equivalente pecuniário, as «coisas destinadas à destruição», pois aquele seu destino não preclude a circunstância de serem valiosas e passíveis, por isso mesmo, de apropriação tendo em mente a obtenção do respectivo valor (cfr. José António Barreiros, “Crime de Peculato”, 2013, pags. 92 e 93, contrariando, com razão, em nosso entender, a posição de Conceição Ferreira da Cunha).
Acresce que a eventual utilidade para os arguidos / recorrentes e o eventual empobrecimento do Estado, não se aferem pelo destino dos bens, mas antes pela patrimonialidade que lhes está subjacente.
Ora, tendo sido fixado valor para os objectos apreendidos aos Recorrentes (aainda que tal atribuição não tenha abrangido a totalidade dos bens), mostra-se patente a existência de patrimonialidade.
Em suma, improcedem, nesta parte, as pretensões recursivas.
C) Passando ao conceito de acessibilidade, pretende aqui salientar-se que o peculato só ocorre quanto se trate de bem que seja «acessível» ao agente do crime «em razão das suas funções».
Como refere José António Barreiros, a interpretação da expressão «acessível em razão das suas funções» revela-se complexa, podendo entender-se, numa lógica literal, que abrange estritamente os bens que o agente manuseia profissionalmente, estando habilitado a fazê-lo, ou por autorização legal de alguém que o titule legitimamente a esse poder, mas podendo entender-se que também abrange os bens que estejam na sua esfera de alcance por causa do respectivo exercício funcional (ainda que não integrem o elenco daqueles que sejam de seu uso e manuseio), i.e., os bens a que, sem restrição legal que lho proíba, possa aceder como efeito de poderes de autoridade, de exercício funcional ou de qualquer motivo legítimo atinente ao cargo que desempenha.
Acrescenta ainda o referido Autor, a propósito da acessibilidade enquanto conceito típico do crime de peculato, que o tipo legal se basta com a acessibilidade enquanto mera possibilidade material de o agente entrar em contacto com os bens em causa em virtude das facilidades que para ele derivam da circunstância de desempenhar funções que lhe franqueiam entrada no local onde eles se encontram. Quer dizer, nem o enunciado típico nem o espírito da norma exigem que a relação entre o agente e o bem tenha de decorrer de uma especial relação funcional que permita mais do que a mera proximidade e, assim, o fácil acesso.
É manifesta a dissonância da posição do mencionado Autor com a posição de Conceição Ferreira da Cunha (ob. cit., pag. 695), quando esta Autora afirma que “tendo em conta que a acessibilidade deve derivar das funções do agente, parece que deverá haver uma efectiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objecto, não sendo suficiente, segundo cremos, a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação”.
É também manifesta a dissonância da posição do mencionado Autor com a posição vertida no Ac. RC, de 14/04/2010 (relator: Eduardo Martins; in www.dgsi.pt) e no Ac. RC, de 23/01/2013 (relator: Luís Coimbra; in www.dgsi.pt), porquanto estes arestos defendem que o segmento “acessível em razão das suas funções” exige uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo / supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções e que vem a postergar com abuso ou infidelidade das específicas funções, ao apropriar-se, para si ou para terceiro, dessa mesma coisa – não sendo suficiente apenas a simples acessibilidade física em relação à coisa de que se apropria.
É neste enquadramento que os Recorrentes RR (conclusões LXXXIII a XCV) e II (conclusões xlix a liv) invocam uma terceira questão de falta de preenchimento dos elementos objectivos do crime de peculato.
Entendem os Recorrentes não ser suficiente demonstrar que os bens que se encontravam nas instalações da Alfândega do Aeroporto ... não pertencem aos arguidos, mostrando-se ainda necessário demonstrar que (i) a Alfândega do Aeroporto ... (através do seu Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens), enquanto serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem competência legal para proceder ao tratamento, apreensão e gestão, bem como dar destino, dos objectos “perdidos e achados” e (ii) os objectos “perdidos e achados” foram entregues aos Recorrentes, estiveram na sua posse ou lhes eram acessíveis em razão das suas funções.
A Recorrente RR entende que não cabe à AT gerir ou dar destino a mercadorias classificadas como perdidas ou abandonadas no Aeroporto ..., pelo que se deve concluir que tais bens não estão ou não eram acessíveis à Recorrente por causa e no exercício das suas funções.
O Recorrente II entende que não tinha sequer acesso físico aos bens apreendidos, mas apenas acesso fortuito, os referidos bens não lhe estavam entregues ou confiados em função do exercício de funções e não tinha sobre os referidos bens qualquer relação de domínio ou poder, pelo que não se mostra verificado o elemento objectivo do tipo – a coisa móvel ter-lhe sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções.
São estas as questões jurídicas que agora importa analisar.
Quando se iniciou a análise do preenchimento (ou não) dos elementos objectivos do crime de peculato logo se referiu que, no caso dos autos, está imputada aos arguidos / recorrentes uma actuação de apropriação, por subtracção, dos bens que se encontravam nos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (que integra os serviços desconcentrados da Autoridade Tributária e Aduaneira), significando que a conduta imputada aos arguidos / recorrentes não incide sobre bens que lhes foram entregues ou que estavam na sua posse (i.e., não lhes é imputada uma actuação consubstanciada na inversão do título de posse), mas sobre bens que lhes eram acessíveis em virtude das suas funções, com efectiva apreensão dos bens em si pelos arguidos a partir do local onde se encontravam (sendo, neste caso, as condutas imputadas idênticas à do furto, ocorrendo a apropriação por subtracção).
Por outro lado, as duas questões acima enunciadas, cuja interligação resulta evidente, já foram analisadas, na sua vertente factual, em sede de apreciação das pretensões recursivas traduzidas na impugnação ampla da matéria de facto, onde, de resto, foi mencionada a inegável dimensão jurídica de tais questões, a par da sua dimensão fáctica, e se remeteu a apreciação da primeira das referidas dimensões para momento oportuno, i.e., a análise jurídica da causa agora levada a cabo.
Vejamos.
C.1) Começando pela questão da competência legal da Alfândega do Aeroporto ... (através do seu Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens), enquanto serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para proceder ao tratamento, apreensão e gestão, bem como dar destino, dos objectos “perdidos e achados” (as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do Aeroporto ..., ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ...), importa retomar a análise encetada aquando da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela Recorrente RR.
Assim, está pacificamente adquirido para os autos que as bagagens não reclamadas e todos os objectos abandonados ou perdidos na zona internacional do aeroporto ou no interior das aeronaves que chegam ao Aeroporto ... (doravante designados por “perdidos e achados”), são encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... (facto provado nº 12).
Está pacificamente adquirido para os autos que os objectos “perdidos e achados” encaminhados para a Alfândega do Aeroporto ... são ali guardados, em armazéns especialmente destinados a esse efeito. Tal resulta do facto provado nº 24, que não foi impugnado pela Recorrente (facto provado nº 24).
Está pacificamente adquirido para os autos que os funcionários da AT retiraram dos armazéns dos “perdidos e achados” todo o tipo de bens do uso quotidiano, designadamente roupas, calçado, bens alimentares, bebidas, tabaco, cremes, perfumes, computadores, telemóveis, smartwatches e outros equipamentos electrónicos (facto provado nº 40).
Por força da decisão proferida no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela Recorrente RR, passou a estar adquirido para os autos que a Alfândega do Aeroporto ... é a entidade a quem compete proceder ao tratamento, apreensão e gestão dos objectos “perdidos e achados”, incluindo dar destino aos mesmos, fundando-se tal competência nas Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... (constantes do Apenso Manual de Procedimentos da Autoridade Tributária) (factos provados nº 12, 13 a 27 e 30 a 34).
Perante a precedente exposição, resta a apreciação da componente jurídica da questão em análise (competência legal da Alfândega do Aeroporto ...), concretamente, averiguar da força legal ou legalidade das mencionadas Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... (que atribuem e regulam a competência desta Entidade para proceder ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”).
A Recorrente RR põe em causa a competência legal da Alfândega do Aeroporto ... (através do seu Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens), enquanto serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para proceder ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”, sustentando, para tal, que o espaço físico do Aeroporto ... é gerido, no essencial, por quatro entidades – ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., Polícia de Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR) e Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) –, e cada entidade exerce as suas funções de acordo com as competências legalmente atribuídas, sendo que as competências atribuídas à AT se circunscrevem a mercadorias ou meios de transporte introduzidos no território aduaneiro da Comunidade e sobre os locais de armazenamento das mercadorias sob a acção fiscal, daí resultando que todas as restantes mercadorias (os “perdidos e achados”) têm um tratamento diferenciado, cuja competência não cabe à AT, mas à PSP. Repare-se que a Recorrente, no requerimento apresentado nos autos em 04/04/2023 (refª 35582071), que deu origem ao despacho do tribunal a quo de 10/05/2023 (refª 425578182) e que foi objecto do recurso interlocutório (já decidido no presente acórdão), diz coisa diversa, porquanto afirma existir “um vazio legal relativamente aos bens que estão melhor descritos nos presentes autos, isto é, não existe uma lei que defina o destino a dar aos bens que são considerados perdidos ou abandonados nos aeroportos”, embora também refira não existir lei que estabeleça ser a AT a competente para guardar tais bens, atentas as suas atribuições legais.
Com relevância para a questão (jurídica) em apreciação, o tribunal a quo, na análise do crime de peculato, afirma que «os bens se encontravam à guarda da Autoridade Tributária, independentemente da proveniência dos mesmos», e que «se afigura ociosa a discussão se o objecto foi encontrado no interior de uma aeronave, no banco do aeroporto, se entregue na Polícia, se encontrado por um qualquer passageiro que o encontrou na área internacional, pois, independentemente da origem, o destino desses objectos foi manifesta e inequivocamente a Alfândega do Aeroporto ...».
Ora, se o espaço físico do Aeroporto ..., como afirma a Recorrente, é gerido por quatro entidades, aí se incluindo a AT, e se, como também afirma a Recorrente, não existe uma lei que defina o destino a dar aos bens que são considerados perdidos ou abandonados nos aeroportos, não vemos que se possa afirmar que as mencionadas Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... são ilegais ou não têm força vinculativa no que respeita à atribuição de competência àquela Entidade para proceder ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”.
Sejamos claros, a AT, na qualidade de participante na gestão do Aeroporto ... (e, concretamente, enquanto entidade a quem, sem qualquer dúvida, compete gerir e dar destino aos bens apreendidos por violação das normas impostas no Código Aduaneiro da União), definiu procedimentos a implementar no Aeroporto, no que respeita ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”, sendo que tais procedimentos foram observados, com total normalidade, ao longo de anos.
Neste contexto, entendemos não haver espaço para questionar a competência legal da Alfândega do Aeroporto ... (através do seu Sector de Controlo de Passageiros e Bagagens), enquanto serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para proceder ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”.
Tal competência resulta da conjugação de três factores: as atribuições legais da AT (e do seu serviço desconcentrado que é a Alfândega do Aeroporto ...), a sua qualidade de participante na gestão do Aeroporto e, nessa medida, a possibilidade de, sem violar qualquer lei, elaborar Circulares Internas da Alfândega do Aeroporto ... que lhe atribuem competência para proceder ao tratamento, apreensão, gestão e destino dos objectos “perdidos e achados”).
Em suma, improcede, a pretensão recursiva em análise.
C.2) Passando à questão da acessibilidade, na vertente de os objectos “perdidos e achados” serem acessíveis aos Recorrentes em razão das suas funções, importa igualmente retomar a análise encetada aquando da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela Recorrente RR e pelo Recorrente II.
Assim, no que respeita à dimensão fáctica da questão em análise, cumpre referir que a impugnação dos factos provados nºs 41 e 223, apresentada pela Recorrente RR, e a impugnação do facto provado nº 223, apresentada pelo Recorrente II, foram julgadas improcedentes, ficando adquirido para os autos que os Recorrentes (e demais arguidos / recorrentes) tinham acesso aos objectos depositados no armazém dos “perdidos e achados” em virtude das funções que desempenhavam como funcionários da AT.
Perante a precedente exposição, resta a apreciação da componente jurídica da questão em análise (acessibilidade aos objectos em razão das suas funções), concretamente, ponderar a opção por uma das teses jurídicas acima expostas a propósito desta questão.
Os Recorrentes RR e II optaram pela tese que interpreta a expressão «acessível em razão das suas funções» como exigindo uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo / supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções, não sendo suficiente a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação (é a posição defendida por Conceição Ferreira da Cunha e sufragada pelo Acs. RC, de 14/04/2010 e de 23/01/2013, nos termos atrás expostos).
O tribunal a quo, sem se debruçar detalhadamente sobre a questão, optou pela tese que interpreta a expressão «acessível em razão das suas funções» enquanto mera possibilidade material de o agente entrar em contacto com os bens em causa em virtude das facilidades que para ele derivam da circunstância de desempenhar funções que lhe franqueiam entrada no local onde eles se encontram. Quer dizer, nem o enunciado típico nem o espírito da norma exigem que a relação entre o agente e o bem tenha de decorrer de uma especial relação funcional que permita mais do que a mera proximidade e, assim, o fácil acesso (é a posição defendida por José António Barreiros, nos termos atrás expostos).
Pela nossa parte, não vemos motivo para dissentir da opção levada a cabo pelo tribunal a quo, visto que também sufragamos a segunda das teses jurídicas acima expostas.
Em suma, improcede, a pretensão recursiva em análise.
3.4.2.2. Elemento subjectivo do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal) e seu preenchimento.
O crime de peculato é um crime doloso, sendo que o tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo.
Na análise do elemento subjectivo do crime importa salientar, no que agora releva, a questão do erro sobre a ilicitude, que não exclui o dolo, mas apenas a culpa, se tal erro não for censurável ao agente (cfr. art. 17º, nº 1, do Código Penal).
A consciência da ilicitude consiste numa «valoração paralela na esfera do leigo» da proibição legal, isto é, numa apreensão do sentido social desvalioso da conduta e não num conhecimento do articulado da lei. O agente não tem sequer de possuir um conhecimento da punibilidade criminal da conduta, bastando que saiba que a sua conduta contraria a ordem jurídica (cfr. Paulo Pinto Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2022, pag. 185).
É neste enquadramento que os Recorrentes RR e II invocam a questão de falta de preenchimento do elemento subjectivo do crime de peculato (i.e., a exclusão da culpa, por falta de consciência da ilicitude não censurável).
A Recorrente RR, para fundamentar a ausência de consciência da ilicitude (não censurável), alega que não sabia (não sendo exigível que o soubesse) ou não tinha consciência que não podia apropriar-se de objectos destinados ao lixo.
O Recorrente II, para fundamentar a ausência de consciência da ilicitude (não censurável), alega que, em face das várias circunstâncias que rodearam a sua conduta, agiu sem consciência da ilicitude, em erro não censurável.
É esta a questão jurídica que agora importa analisar.
Cumpre ter presente que a questão agora em apreciação já foi analisada, na sua vertente factual, em sede de apreciação da pretensão recursiva traduzida na impugnação ampla da matéria de facto, deduzida pelo Recorrente II.
Este Recorrente impugnou o facto provado nº 229 (pretendendo que se considerasse provado que não sabia que o seu comportamento era proibido ou punido por lei ou, no limite, que se considerasse não provada, quanto a si, a factualidade vertida no referido facto provado), tendo em vista concluir-se, em sede de aprecição jurídica da pretensão recursiva, que não se encontra preenchido o tipo subjectivo ou a dimensão emocional da culpa por falta de consciência da ilicitude não censurável, com consequente absolvição do Recorrente da prática do crime de peculato.
Após se aceitar que a discussão sobre a existência de uma actuação em estado de erro sobre a ilicitude coloca uma questão-de-facto e se concluir que assume especial relevância na apreciação de tal questão a prova indirecta ou indiciária, este tribunal julgou improcedente a pretendida alteração do mencionado facto provado, sublinhando a ideia, já exposta no acórdão recorrido, de que os arguidos / funcionários sabiam que não podiam levar para casa objectos que estavam na Alfândega.
Ora, a procedência da pretensão recursiva agora em análise, de âmbito jurídico, traduzida, como já referido, na absolvição do Recorrente da prática do crime de peculato, por falta de consciência da ilicitude não censurável, pressupõe a alteração factual também pretendida pelo Recorrente, o que não aconteceu.
E não pode o Recorrente, sob a capa da discussão jurídica da questão, invocar as circunstâncias factuais que já havia invocado em sede de impugnação ampla da matéria de facto e sobre as quais não logrou obter ganho de causa.
No que respeita à Recorrente RR, cumpre salientar que não impugnou o facto provado nº 229 (“Todos os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”), a impugnação ampla da matéria de facto que deduziu nos autos, no que agora releva, foi julgada improcedente, e, em sede de recurso da matéria de direito, limitou-se a alegar que “também se poderia e deveria entender que não estava preenchido o elemento subjectivo do crime, porquanto a Recorrente, tal como os restantes mortais, não soubesse ou não tivesse consciência que não poderia apropriar-se de objectos destinados a lixo” (conclusão CVIII).
Em suma, improcedem, nesta parte, as pretensões recursivas.
3.4.2.3. A posição dos demais arguidos / recorrentes perante o preenchimento (ou não) dos elementos típicos do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
Para terminar a análise da questão do preenchimento (ou não) dos elementos típicos (objectivos e subjectivo) do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal), após apreciação das pretensões recursivas dos arguidos / recorrentes RR e II, cumpre averiguar se as pretensões recursivas dos demais arguidos / recorrentes convocam a apreciação de alguma outra matéria relacionada com a apontada questão.
Como já referido, as pretensões recursivas dos demais Recorrentes, no que respeita à questão em análise, centram a discussão da matéria de direito nas consequências que a impugnação da matéria de facto impõe ao nível da apreciação jurídica da causa, nomeadamente, na inexistência de crime de peculato e consequente absolvição da prática deste crime, ou na diferente qualificação jurídica dos factos, nomeadamente, na convolação para o crime de peculato de diminuto valor.
Assim, o arguido / recorrente KK, sem pugnar pela sua absolvição, centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na questão da atenuação especial da pena do crime de peculato, sem discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
A arguida / recorrente LL resume a sua pretensão recursiva em matéria de direito ao seguinte: fazendo-se uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, a Recorrente deve ser absolvida da prática do crime (de peculato) em que foi condenada.
Ora, conforme decorre do acima decidido, as pretensões recursivas da Recorrente, mormente em sede de impugnação (restrita e ampla) da matéria de facto, foram julgadas improcedentes.
Logo, em princípio, a pretensão recursiva em matéria de direito, traduzida na pretendida absolvição da Recorrente, será igualmente improcedente (em face da conclusão da verificação, na conduta da Recorrente, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato).
Contudo, esta conclusão só poderá ser alcançada em termos definitivos após apreciação de outras questões jurídicas relacionadas com o crime de peculato (e com a integração da conduta da Recorrente neste tipo legal de crime), o que se fará de seguida.
O arguido / recorrente NN peticiona igualmente a sua absolvição da prática do crime de peculato em que foi condenado, com base na procedência das pretensões recursivas relacionadas com as nulidades invocadas e a impugnação (restrita e ampla) da matéria de facto.
Conforme decorre do acima decidido, as pretensões recursivas do Recorrente, mormente em sede de impugnação (restrita e ampla) da matéria de facto, foram, em grande medida, julgadas improcedentes.
O Recorrente centra a pretensão recursiva em matéria de direito, apresentada a título subsidiário, na convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor e na aplicação de uma pena de multa, sem verdadeiramente discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
A arguida / recorrente OO, sem pugnar pela sua absolvição, centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (em decorrência da procedência da impugnação ampla da matéria de facto), na redução da pena e na revogação do regime de prova, sem discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
A arguida / recorrente QQ, sem pugnar pela sua absolvição, centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na redução da pena (em decorrência da procedência da impugnação ampla da matéria de facto) e na revogação do regime de prova, sem discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
O arguido / recorrente GG, sem pugnar pela sua absolvição, centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na redução da pena e na revogação do regime de prova, sem discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
O arguido / recorrente SS, sem pugnar pela sua absolvição, centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na atenuação especial / redução da pena e na revogação do regime de prova, sem discutir, em sede de direito, a falta de verificação, na sua conduta, dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato.
Finalmente, o arguido / recorrente JJ, sem pugnar pela sua absolvição (centra a sua pretensão recursiva em matéria de direito na atenuação especial / redução da pena, na manutenção da suspensão da pena e na revogação do regime de prova), não deixou de referir, na conclusão XXVII, que “não tinha a verdadeira noção / consciência da ilicitude e da gravidade dos factos que lhe são imputados”.
Aceita-se que a invocação da ausência de verdadeira noção / consciência da ilicitude dos factos é feita por referência à matéria da medida da pena (já a invocada ausência de noção da gravidade dos factos é matéria que claramente releva para a medida da pena).
Contudo, não deixa de ser uma questão de direito, relacionada com o preenchimento do elemento subjectivo do crime de peculato, que importa agora conhecer, sendo certo que, para proceder a pretensão recursiva em análise, terá de haver factos que a sustentem.
Ora, o Recorrente não impugnou o facto provado nº 229 (“Todos os arguidos agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”), muito menos em cumprimento do disposto no art. 412º do CPP, sendo ainda certo que tal impugnação iria contra a pretensão do Recorrente de reconhecimento da confissão integral e sem reservas, conforme já foi analisado em sede de apreciação da impugnação ampla da matéria de facto.
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva do Recorrente JJ.
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3.4.3. Da consumação do crime de peculato – da delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes.
Importa agora analisar a questão da consumação do crime de peculato, em ligação com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, tratando-se de questão jurídica relevante, que este tribunal deve conhecer oficiosamente (sendo certo que tal questão integrou algumas das pretensões recursivas, por exemplo dos Recorrentes RR e II, ainda que, por vezes, em ligação a outras questões jurídicas, como é o caso do valor dos bens), uma vez que tal questão pode ter – e terá, como se verá – influência directa na qualificação jurídica dos factos e/ou na determinação da medida da pena.
Como já referido, a materialização do crime de peculato ocorre com a apropriação (desconsiderando agora a modalidade de desvio de finalidade prevista no nº 3 do art. 375º do CP), sendo que, no caso dos autos, está imputada aos arguidos / recorrentes uma actuação de apropriação, por subtracção, dos bens que se encontravam nos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (que integra os serviços desconcentrados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Quer dizer, a conduta imputada aos arguidos / recorrentes não incide sobre bens que lhes foram entregues ou que estavam na sua posse (i.e., não lhes é imputada uma actuação consubstanciada na inversão do título de posse), mas sobre bens que lhes eram acessíveis em virtude das suas funções, com efectiva apreensão dos bens em si pelos arguidos a partir do local onde se encontravam (sendo, neste caso, a conduta imputada idêntica à do furto, ocorrendo a apropriação por subtracção).
Perante o exposto, resulta evidente que a consumação do crime de peculato imputado nos autos aos Recorrentes ocorreu no preciso momento em que os Recorrentes subtraíram os objectos dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
Ora, tendo por referência os objectos que os Recorrentes subtraíram dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... (i.e., estando adquirido para os autos quais os objectos que, de acordo com os factos provados, foram dali subtraídos pelos Recorrentes), mostra-se essencial averiguar quando é que tais objectos foram subtraídos.
Tal essencialidade é ainda mais evidente quando se constata que a conduta criminosa imputada nos autos aos Recorrentes surge reportada a um período temporal perfeitamente delimitado: «entre ../../2018 e ../../2020».
De facto, quer na acusação / pronúncia, quer nos factos provados, quer na motivação do acórdão recorrido, quer na análise jurídica levada a cabo no acórdão recorrido, é referido que o período temporal relevante para a integração da conduta dos Recorrentes no crime de peculato é o acima mencionado («entre ../../2018 e ../../2020»).
Sejamos claros, o tribunal a quo, em conformidade com o que vinha plasmado na acusação / pronúncia, foi colocado perante um determinado objecto processual (que foi mantido no acórdão recorrido, visto não ter havido comunicação de alteração de factos, o que significa que a condenação também a ele se deve circunscrever), o qual, no que agora releva, incluía a delimitação temporal das condutas imputadas aos arguidos / recorrentes nos termos acima assinalados.
E a questão que agora se coloca, já se adivinha, é a de saber se a factualidade dada como provada permite determinar o momento temporal em que os objectos foram subtraídos pelos Recorrentes, concretamente, se tais objectos foram subtraídos «entre ../../2018 e ../../2020».
A resposta a tal questão é, em grande medida, uma resposta negativa, i.e., o tribunal a quo não analisou as condutas dos Recorrentes, no âmbito do crime de peculato, por referência, e apenas por referência, ao mencionado período temporal.
Trata-se de um erro de julgamento do tribunal a quo, com eventuais consequências ao nível da qualificação jurídica dos factos e com evidentes consequências ao nível da determinação da medida da pena, que importa corrigir.
Vejamos.
Nos factos provados respeitantes a cada um dos Recorrentes, nomeadamente, nos factos provados relativos aos objectos que foram apreendidos nas suas residências e nas residências de familiares e amigos, não é descrita a data em que tais objectos foram subtraídos (por referência ao período temporal «entre ../../2018 e ../../2020»), sendo aí usadas, para definir o momento temporal em que os bens foram retirados pelos Recorrentes dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., expressões como “previamente [retirados]”, “em data não concretamente apurada” e “ao longo do tempo [fora retirando]”:
- Arguido / recorrente KK: factos provados nºs 48, 49, 56, 62 e 70;
- Arguida / recorrente LL: facto provado nº 86;
- Arguido / recorrente NN: ----- [não há objectos nestas condições];
- Arguida / recorrente OO: facto provado nº 99;
- Arguida / recorrente QQ: facto provado nº 112;
- Arguida / recorrente RR: facto provado nº 121;
- Arguido / recorrente GG: No que respeita a este Recorrente, resultou provado nos autos que, em meados de 2018, solicitou mobilidade para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo-se consolidado a sua integração no referido serviço seis meses depois do ingresso. Quer dizer, não obstante os factos provados nºs 131, 137, 138, 140, 142, 143, 147, 151, 153, 154, 155 e 156 não mencionarem as datas concretas em que os objectos aí referidos foram subtraídos, resulta evidente que tal só poderá ter ocorrido depois de ../../2018 (e até ../../2020), visto que só depois dessa data é que o Recorrente passou a ser funcionário da Alfândega do Aeroporto ....
- Arguido / recorrente SS: facto provado nº 161;
- Arguido / recorrente II: facto provado nº 195;
- Arguido / recorrente JJ: facto provado nº 204.
O uso das mencionadas expressões não permite fixar a data em que cada um dos objectos foi subtraído, podendo suceder que tal subtracção possa ter ocorrido fora, i.e., antes, do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020».
Excepcionam-se, no entanto, alguns objectos relativamente aos quais, apesar de incluídos nos mencionados factos provados, é possível determinar que foram subtraídos dentro do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020»:
- Arguido / recorrente KK: facto provado nº 56: Trolley em tecido; facto provado nº 70: ipad modelo A1584, ipad A1567 cinzento e portátil Macbook Air com o número de série ......;
- Arguida / recorrente LL: factos provados nºs 79, 82, 83, 84 e 85: da conjugação destes factos provados resulta evidente que o trólei de cor preta contendo volumes de tabaco foi retirado pela Recorrente do armazém no período temporal entre «entre ../../2018 e ../../2020»; facto provado nº 86: Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-7560, de cor branca; Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-T350, de cor branca; Telemóvel de marca SAMSUNG modelo S9, de cor preta;
- Arguido / recorrente NN: ----- [não há objectos nestas condições];
- Arguida / recorrente OO: facto provado nº 99: cachecol desportivo;
- Arguida / recorrente QQ: facto provado nº 112: Tablet marca Samsung modelo Tablet S3 de cor cinzenta;
- Arguida / recorrente RR: facto provado nº 121: Telemóvel OPPO, R15 PRO; Relógio APPLE, IWATCH Serie 3; Relógio APPLE, IWATCH Serie 2;
- Arguido / recorrente GG: todos os objectos foram subtraídos dentro do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020»;
- Arguido / recorrente SS: facto provado nº 161: Trolley de marca PRIMARK TRAVEL; Trolley de marca AMERICAN TOURISTER;
- Arguido / recorrente II: ----- [não há objectos nestas condições];
- Arguido / recorrente JJ: facto provado nº 204: Telemóvel de marca Samsung J7 Duos, dourado, modelo SM-J730F/DS (na medida em que este objecto tinha uma etiqueta manuscrita com a data 11.02.2020, o que significa que foi subtraído no período temporal «entre ../../2018 e ../../2020»).
Em suma, a esmagadora maioria dos objectos incluídos nos mencionados factos provados (ressalvadas as excepções já mencionadas), e são muitos objectos (nomeadamente, os que foram apreendidos nas buscas às residências dos Recorrentes e às residências de familiares e amigos) não podem relevar para a conduta dos Recorrentes que integra a prática do crime de peculato.
Esta é uma conclusão que este tribunal terá de ter em consideração quando, de seguida, analisar as pretensões recursivas relativas à alteração da qualificação jurídica (convolação (ou não) para o crime de peculato de diminuto valor) e as pretensões recursivas atinentes à alteração das penas aplicadas aos Recorrentes.
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3.4.4. Do valor dos objectos.
A) O arguido / recorrente II, a propósito da impugnação do facto provado nº 195, suscitou a questão da data relevante para a fixação do valor dos bens, que mantém estreita relação com a questão da consumação do crime de peculato, atrás analisada.
Sucintamente, o Recorrente invoca que a avaliação dos bens efectuada nos autos surge reportada à data da respectiva apreensão (i.e., .../.../2020), quando a data relevante, por ser a data da consumação do crime de peculato, é a data da apropriação dos bens, sendo certo que, conforme já analisado, o acórdão recorrido não indica as datas precisas em que vários dos objectos apreendidos na residência do Recorrente foram retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
Ora, independentemente da pertinência da questão em análise (a qual, de resto, determinou, em sede de apreciação da impugnação ampla da matéria de facto, a alteração da redacção do facto provado nº 195), o certo é que a mesma deixou de assumir relevância a partir do momento em que se concluiu, na análise acima levada a cabo, que os objectos mencionados no facto provado nº 195 não relevam para a integração da conduta do Recorrente no crime de peculato.
Em suma, mostra-se prejudicada a apreciação da questão em análise, o que se decide.
B) A arguida / recorrente RR, a propósito da impugnação do facto provado nº 121, suscitou a questão do valor dos objectos, pondo em causa o critério utilizado na sua avaliação, tendo sido julgada improcedente, nesta parte, a pretensão recursiva, pelo que nada mais há a decidir.
C) O arguido / recorrente NN, a propósito da impugnação dos factos provados nºs 88 e 89, suscitou a questão da data relevante para a fixação do valor dos bens.
Contudo, tal questão foi julgada improcedente por este tribunal, tendo-se concluído que os valores fixados nos factos provados nºs 88 e 89 são valores reportados às datas aí mencionadas, que correspondem às datas de apropriação de tais bens, pelo que nada mais há a decidir.
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3.4.5. Da alteração da qualificação jurídica (convolação (ou não) para o crime de peculato de diminuto valor – art. 375º, nº 2, do Código Penal).
Nas pretensões recursivas apresentadas nos autos, os arguidos / recorrentes NN, OO e II suscitaram a questão da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes do acórdão recorrido, entendendo que apenas poderia estar em causa o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), com consequente reflexo nas penas a aplicar.
De acordo com o disposto no art. 375º, nº 2, do CP: “Se os valores ou objectos referidos no número anterior forem de diminuto valor, nos termos da alínea c) do artigo 202.º, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.
Quer dizer, os casos de diminuto valor (aquele que não exceder uma unidade de conta [€ 102,00] avaliada no momento da prática do facto) ficam sujeitos a uma moldura legal mais suave, justificada pela circunstância de a gravidade do abuso do funcionário não ser totalmente independente do valor do bem em causa e de não ser estranha ao tipo legal a protecção de bens patrimoniais.
A) Recurso do arguido NN:
Nas conclusões 42 a 50 do recurso, o arguido / recorrente NN (sem conceder quanto à impugnação da matéria de facto, questão já decidida), insurge-se contra a qualificação jurídica dos factos constante da decisão recorrida, defendendo que apenas poderia estar em causa o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), com consequente reflexo na pena a aplicar, pretendendo que lhe seja aplicada uma pena de multa.
A pretensão do Recorrente no sentido da integração da sua conduta no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), pressupunha a alteração factual também pretendida pelo Recorrente (concretamente, o Recorrente argumentava que o valor dos bens fixado nos factos provados do acórdão recorrido e pelos quais foi condenado (€ 80,00 a mala e € 40,00 a mochila) não corresponde ao seu valor real, sendo este valor real inferior a € 102,00, a questão de ser considerado para a condenação um valor dos bens estabelecido em .../.../2020 (momento da apreensão dos bens), quando deveria ter sido considerado um valor dos bens estabelecido no momento da prática dos factos (../../2019 e ../../2019, foi também concretamente apreciada, tendo sido julgada improcedente), o que não veio a acontecer (a impugnação da matéria de facto relativa ao valor dos bens constantes dos factos provados nºs 88 e 89 foi julgada improcedente).
O que significa que o Recorrente subtraiu bens de valor superior a € 102,00, não sendo possível, portanto, a pretendida alteração da qualificação jurídica por convolação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do CP), nem sendo possível a pretendida aplicação de uma pena de multa, permanecendo a condenação do Recorrente pela prática de um crime de peculato (art. 375º, nº 1, do CP) (o qual não prevê a aplicação de pena de multa).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
B) Recurso da arguida OO:
Na conclusão 20 do recurso, a arguida / recorrente OO defende que a modificação da matéria de facto pela qual pugnou no recurso deverá determinar a subsunção dos factos dados como provados ao crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), com consequente reflexo na pena a aplicar (pretendendo que lhe seja aplicada uma pena de multa: 80 dias de multa à taxa diária de € 7,00).
A pretensão da Recorrente no sentido da integração da sua conduta no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), pressupunha a alteração factual também pretendida pela Recorrente (concretamente, a exclusão do facto provado nº 99 do tablet aí descrito, passando a constar dos factos não provados que a Recorrente retirou tal bem do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ...), o que não veio a acontecer (conforme acima ficou decidido).
A descrição factual constante da decisão recorrida (cfr. facto provado nº 99), mantida em sede de recurso, é demonstrativa da retirada, pela Recorrente, do tablet do armazém dos “perdidos e achados” do Aeroporto ..., tal como foi decidido pelo tribunal a quo.
Quer dizer, não procede o fundamento invocado pela Recorrente para a pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos por convolação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do CP).
Contudo, existe outro fundamento que impõe tal alteração da qualificação jurídica.
Conforme decorre da análise acima levada a cabo, dizer-se no facto provado nº 99 que os objectos aí referidos (tablet e cachecol) foram retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., sem mencionar, no que toca ao tablet, a data em que tal retirada / subtracção ocorreu (quanto ao cachecol, tal data resulta do facto provado nº 98), significa que tal acto pode ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020».
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção do bacalhau (factos provados nºs 96 e 97), sem que tenha sido atribuído valor a este bem, e o cachecol oficial do Sport Lisboa e Benfica, avaliado no valor de € 15,00 (facto provado nº 98)
O que significa que a Recorrente subtraiu bens de valor não superior a € 102,00, impondo-se, ainda que por fundamento diverso, a pretendida alteração da qualificação jurídica por convolação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do CP).
No que respeita à pretendida aplicação de uma pena de multa, será questão a analisar mais à frente.
Assim, nesta parte, ainda que por fundamento diverso, procede a pretensão recursiva.
C) Recurso do arguido II:
Na conclusão lxxix do recurso, o arguido / recorrente II defende que não se podendo fixar o valor dos bens no momento da apropriação (desde logo por se desconhecer quando teve lugar) e a considerar-se que existiu uma apropriação ilegítima que configura o crime de peculato, deve integrar-se a conduta do Recorrente, em obediência ao princípio in dubio pro reo, no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), com consequente aplicação de uma pena de multa.
A pretensão do Recorrente no sentido da integração da sua conduta no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) assenta, em primeiro lugar, na falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens.
Ora, conforme decorre da análise acima levada a cabo, dizer-se no facto provado nº 195 que os objectos aí referidos foram retirados dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ... “ao longo do tempo”, significa que tal acto (a subtracção) pode ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020».
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção de duas malas de viagem, ocorrida entre os dias 2 e 4 de Janeiro de 2020 (facto provado nº 194), mas sem que tenha sido atribuído valor a estes bens (nos factos provados nºs 191, 192 e 193 não é imputada ao Recorrente a subtracção de qualquer objecto).
O que significa que o Recorrente subtraiu bens de valor não superior a € 102,00, impondo-se a pretendida alteração da qualificação jurídica por convolação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do CP).
No que respeita à pretendida aplicação de uma pena de multa, será questão a analisar mais à frente.
Assim, nesta parte, procede a pretensão recursiva.
D) A posição dos restantes arguidos / recorrentes:
Tendo sido apreciadas e decididas as pretensões recursivas dos arguidos / recorrentes NN, OO e II no sentido da integração das suas condutas no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), importa agora apreciar tal questão por referência aos demais Recorrentes (ainda que não tenham apresentado pretensões recursivas com esse objecto).
Ora, não obstante a maioria dos objectos incluídos nos factos provados respeitantes aos arguidos / recorrentes KK, LL, QQ, RR, SS e JJ não poderem relevar para a conduta destes Recorrentes que integra a prática do crime de peculato, nos termos atrás analisados, resulta dos factos provados que estes arguidos subtraíram outros bens susceptíveis de relevar para esse mesmo efeito, sendo certo que o valor de tais bens, por referência aos bens apropriados por cada um dos identificados Recorrentes, é superior a € 102,00, afastando assim a possibilidade de integração das suas condutas no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal).
No que respeita ao arguido GG, não obstante os factos provados nºs 131, 137, 138, 140, 142, 143, 147, 151, 153, 154, 155 e 156 não mencionarem as datas concretas em que os objectos aí referidos foram subtraídos, resulta evidente que tal só poderá ter ocorrido depois de ../../2018 (e até ../../2020), visto que só depois dessa data é que o Recorrente passou a ser funcionário da Alfândega do Aeroporto .... Assim, todos os objectos referidos nos mencionados factos provados relevam para a conduta deste Recorrente que integra a prática do crime de peculato, sendo certo que o valor global de tais objectos é superior a € 102,00, afastando assim a possibilidade de integração da sua conduta no crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal).
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3.4.6. Da alteração (ou não) das penas aplicadas aos Recorrentes.
Nas pretensões recursivas apresentadas nos autos, no que toca às penas aplicadas, os arguidos / recorrentes KK, OO, QQ, GG, SS, II e JJ incluíram várias questões, que de seguida serão analisadas.
Os arguidos / recorrentes LL, NN e RR não apresentaram pretensões recursivas respeitantes às penas aplicadas. Contudo, tal matéria terá de ser apreciada por este tribunal em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, as que se prendem com a impugnação ampla da matéria de facto e, principalmente, com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, sem esquecer a alteração da qualificação jurídica, por convolação para o crime de peculato de diminuto valor (no que respeita aos arguidos OO e II).
Vejamos.
1. Recurso do arguido KK:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido KK:
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art 375.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo Art.º 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido KK pela prática, dos dois crimes acima descrito[s], na pena única de 3 (três) anos 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
No que respeita ao crime de detenção de arma proibida (art. 86º, nº 1, als. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23-02), a pretensão recursiva do Recorrente, na parte em que incluía o pedido de alteração da sanção imposta, aplicando-se uma pena de multa e não uma pena de prisão, já foi acima apreciada, tendo sido julgada improcedente, mantendo-se assim a condenação na pena (parcelar) de 1 ano e 2 meses de prisão.
Vejamos agora a pena do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
O Recorrente, considerando que o tribunal recorrido não valorou, como devia, a confissão observada, nomeadamente, as consequências da mesma (a sua essencialidade) para a factualidade que acabou sendo dada como provada e, por conseguinte, não aplicou, como devia, a atenuação especial da pena (por postura activa de colaboração com a descoberta da verdade, manifestada na confissão), entende que foi violado pelo tribunal recorrido o art. 377º-A do Código Penal.
Com a aplicação da atenuação especial da pena agora pretendida, o Recorrente entende que deve ser sancionado com a pena de 2 anos de prisão para o crime de peculato.
Entende ainda o Recorrente que, caso se mantenha, como se manteve por este tribunal, a pena de prisão para o crime de detenção de arma proibida, a inevitável reformulação da pena única deve conduzir à aplicação da pena única de 2 anos e 4 meses de prisão.
Está em causa, na pretensão recursiva agora em análise, a atenução especial da pena prevista no art. 377º-A do Código Penal:
Nos crimes de peculato e participação económica em negócio, a pena é especialmente atenuada se, até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, o agente colaborar ativamente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos.”.
O preceito em análise, introduzido pela Lei nº 94/2021, de 21-12, prevê uma atenuação especial obrigatória da pena, por razões de direito premial, quando ocorra uma «colaboração activa do agente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos».
A colaboração activa aqui é causa, idêntica à que está prevista no art. 374º-B, nº 5, do CP (distinta da colaboração decisiva a que alude o art. 374º-B, nº 2, do CP), reporta-se apenas à contribuição de forma relevante para a prova dos factos.
A colaboração activa traduz um contributo processual de natureza probatória prestado por um arguido visado por um processo criminal (in casu, fornecer provas, ou informações que permitam a obtenção de provas, susceptíveis de determinar a sua responsabilidade penal e/ou a de terceiros).
A colaboração activa aqui em causa exige que o contributo probatório tenha carácter relevante, no sentido da auto-responsabilização e/ou da hétero-responsabilização, devendo o tribunal avaliar, face à prova que sustentou a condenação, se tal se deveu fundamentalmente ao auxílio probatório do (co)arguido colaborador.
A colaboração activa aqui em causa exige ainda que o contributo probatório diga respeito aos factos.
A expressão «factos» usada no preceito legal em análise, segundo cremos, vai além da mera confissão dos factos imputados ao (co)arguido colaborador, quando existam outros factos imputados a outros arguidos, como sucede no caso dos autos.
O efeito útil que dá sentido às normas penais que instituem benefícios dirigidos ao arguido que presta uma colaboração processual, como é o caso do art. 377º-A do Código Penal, pressupõe que o colaborador, de modo a que possa beneficiar das vantagens previstas legalmente, dê ao processo um contributo probatório que abranja a totalidade dos «factos» de que seja conhecedor.
Quer dizer, da perspectiva da finalidade da descoberta da verdade material, a “mais-valia” que o colaborador poderá trazer para a realização da justiça criminal corresponderá à revelação de tudo o que sabe sobre os factos objecto do processo.
De resto, nos diversos ordenamentos onde se admite a concessão de prémios penais e processuais ao colaborador faz-se depender a concessão dessas vantagens de um contributo probatório também ele substancial: o colaborador deverá dar a conhecer, com precisão e com verdade, toda a realidade criminosa objecto do processo de que seja conhecedor (cfr. Nuno Brandão, “Colaboração Probatória no Sistema Penal Português: Prémios Penais e Processuais”, in Julgar, Nº 38, 2019, pags. 115 e ss., sublinhando-se que este Estudo, que seguimos de perto, mantém total actualidade, não obstante ter sido elaborado em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 94/2021, de 21-12).
O Recorrente KK refere que o Ministério Público de 1.ª instância, em face das declarações do Recorrente, até dispensou a inquirição de algumas testemunhas e que, se não fosse a confissão do Recorrente, o tribunal de 1ª Instância nunca lograria ter dado como provado que os objectos apreendidos às terceiras pessoas lhes tinham sido entregues pelo Recorrente e que este os havia retirado do seu local de trabalho.
Como resulta evidente, a colaboração activa invocada pelo Recorrente está longe de ser um contributo substancial, na medida em que não abrange a totalidade da realidade criminosa objecto do presente processo de que era conhecedor, afastando-se, assim, a pretendida atenuação especial da pena prevista no art. 377º-A do Código Penal.
Contudo, existe outro fundamento que impõe a redução da pena de prisão aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato, que agora será analisado.
Em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, as que se prendem com a procedência (parcial) da impugnação ampla da matéria de facto (alteração aos factos provados nºs 48, 54, 59, 68 e 70) e, principalmente, com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. factos provados nºs 48, 49, 56, 59, 60, 62, 65 e 66 e 70, com as expressões “previamente retirados”, “que retirou”, “havia retirado”, “previamente retirado”, previamente retirados” e “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020»), resulta evidente que a esmagadora maioria dos objectos incluídos nos mencionados factos provados (ressalvadas as excepções acima referidas e que de seguida vão ser analisadas), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta do Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pelo Recorrente KK, dos objectos referidos nos factos provados nºs 46, 51 e 52, 55 e 56 (trolley em tecido), 58, 59 (dois pares de ténis) e 70 (ipad modelo A1584; ipad A1567 cinzento e portátil Macbook Air com o número de série ......), sendo que estes bens, no seu conjunto, têm valor superior a € 102,00 (cfr. facto provado nº 224, aplicável ao Recorrente).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor global dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar ao Recorrente a pena de 2 anos de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Perante a nova pena (2 anos de prisão) aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal), importa agora reformular o cúmulo jurídico desta nova pena (parcelar) com a pena de prisão (1 ano e 2 meses de prisão) fixada para o crime de detenção de arma proibida (art. 86º, nº 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23-02).
Tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da pena única (aqui dados como reproduzidos), recordando-se que o cúmulo jurídico a realizar tem, agora, como limite mínimo 2 anos de prisão (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e como limite máximo 3 anos e 2 meses de prisão (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) – art. 77º, nº 2, do Código Penal –, julga-se adequada, justa e consentânea com os fins das penas e do instituto do cúmulo jurídico, aplicar ao Recorrente a pena única de 2 anos 4 meses de prisão.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena única de prisão aplicada ao Recorrente, por igual período de tempo (agora 2 anos e 4 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
Mantém-se igualmente a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso por parte do Recorrente.
2. Da arguida LL:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto à arguida LL:
- Condenar a arguida LL pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, a arguida / recorrente LL não apresentou pretensão recursiva respeitante à pena aplicada.
Em matéria de direito, a sua pretensão recursiva resumiu-se ao seguinte: fazendo-se uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, a Recorrente deve ser absolvida da prática do crime (de peculato) em que foi condenada.
Conforme decorre do atrás decidido, esta pretensão absolutória foi julgada improcedente, concluindo-se pela prática pela Recorrente de um crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
Não obstante a ausência de pretensão recursiva relativa à pena aplicada, tal matéria terá de ser apreciada por este tribunal, em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, a que se prende com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. facto provado nº 86, com a expressão “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020», ressalvadas as excepções a seguir referidas). Quer dizer, a esmagadora maioria dos objectos incluídos no mencionado facto provado (ressalvadas as excepções acima referidas e que de seguida vão ser analisadas), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pela Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta da Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pela Recorrente LL, dos objectos referidos nos factos provados nºs 79, 80, 82, 83, 84 e 85 e 86, com as seguintes precisões:
- No que respeita aos factos provados nºs 82, 83, 84 e 85: da conjugação destes factos provados resulta evidente que o trólei de cor preta contendo volumes de tabaco foi retirado pela Recorrente do armazém no período temporal entre «entre ../../2018 e ../../2020»
- No que respeita ao facto provado nº 86, foram retirados pela Recorrente do armazém no período temporal entre «entre ../../2018 e ../../2020» o Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-7560, de cor branca; o Tablet de marca SAMSUNG modelo SM-T350, de cor branca; e o Telemóvel de marca SAMSUNG modelo S9, de cor preta.
Estes bens, no seu conjunto, têm valor superior a € 102,00 (os valores dos bens que constam dos factos provados não foram impugnados pela Recorrente).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada à Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor global dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar à Recorrente a pena de 1 ano e 8 meses de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena de prisão aplicada à Recorrente, por igual período de tempo (agora 1 ano e 8 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
Mantém-se igualmente a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso por parte da Recorrente.
3. Do arguido NN:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido NN:
- Condenar o arguido NN pela prática, em autoria e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, o arguido / recorrente NN não apresentou pretensão recursiva respeitante à pena aplicada.
As suas pretensões recursivas resumiram-se a peticionar a sua absolvição da prática do crime de peculato em que foi condenado e, a título subsidiário, a peticionar a convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (com aplicação de uma pena de multa).
Conforme decorre do atrás decidido, as referidas pretensões recursivas foram julgadas improcedentes, concluindo-se que o Recorrente praticou um crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
Não obstante a ausência de pretensão recursiva relativa à pena aplicada, tal matéria terá de ser apreciada por este tribunal, em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, a que se prende com a procedência (parcial) da impugnação ampla da matéria de facto (eliminação dos factos provados nºs 90 e 91) (a questão da delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens, não tem aplicação a este Recorrente).
Quer dizer, apenas pode ser considerada a subtracção, pelo Recorrente NN, dos objectos referidos nos factos provados nºs 88 e 89 (sendo certo que tal subtracção ocorreu no período «entre ../../2018 e ../../2020»)
Estes bens, no seu conjunto, têm valor superior a € 102,00 (a impugnação dos valores destes bens foi julgada improcedente), concretamente, têm o valor global de € 120,00.
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor global dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, sendo certo que a quantidade de objectos que deixaram de ter relevância para o crime de peculato e o respectivo valor (que não constava sequer dos factos em causa) tem escassa importância, mostra-se proporcional e adequada aplicar ao Recorrente a pena de 1 ano e 4 meses de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena de prisão aplicada ao Recorrente, por igual período de tempo (agora 1 ano e 4 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
Mantém-se igualmente a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso por parte do Recorrente.
4. Recurso da arguida OO:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto à arguida OO:
- Condenar arguida OO pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º l, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, a Recorrente OO centrou a sua pretensão recursiva em matéria de direito na convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (em decorrência da procedência da impugnação ampla da matéria de facto), na redução da pena e na revogação do regime de prova.
Conforme decorre do atrás decidido, a pretensão recursiva relativa à convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) foi julgada procedente, concluindo-se que a Recorrente, no período «entre ../../2018 e ../../2020», subtraiu bens de valor não superior a € 102,00, concretamente, bacalhau (factos provados nºs 96 e 97), sem que tenha sido atribuído valor a este bem, e o cachecol oficial do Sport Lisboa e Benfica, avaliado em € 15,00 (facto provado nº 98).
Importa agora determinar a pena que deve ser aplicada ao crime praticado pela Recorrente, sendo certo que esta peticionou a aplicação de uma pena de multa (concretamente a pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 7,00).
O crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Quando a punição do crime prevê, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no artigo 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação.
E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.
Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.).
O acórdão recorrido aplicou penas de multa a outros arguidos (não recorrentes) que praticaram o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), ponderando a quantidade de bens subtraídos, o valor dos bens (dentro do quadro do crime em causa, que não pode ser superior a € 102,00), o estado de conservação dos bens, as necessidades de prevenção especial (referindo a ausência de demonstração de comportamentos exteriores concludentes com a interiorização do desvalor da conduta) e as funções exercidas.
Tendo presentes os vectores atrás descritos, com relevo no caso da Recorrente OO (subtraiu dois bens – o bacalhau (factos provados nºs 96 e 97), sem que tenha sido atribuído valor a este bem, e o cachecol oficial do Sport Lisboa e Benfica, avaliado em € 15,00 (facto provado nº 98), e é primária, não possuindo antecedentes criminais), pode concluir-se pela verificação de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimam a aplicação à Recorrente de uma pena de multa, o que se decide.
Considerando os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada à Recorrente no acórdão recorrido (aqui dados como reproduzidos), os quais têm igualmente relevância na ponderação da fixação da medida concreta da pena de multa, salientando-se que houve convolação para crime menos grave (peculato de diminuto valor), por força da diminuição dos factos que integram a conduta criminosa da Recorrente, e acrescentando-se a valoração das condições sócio económicas da Recorrente, que constam do facto provado nº 242, mostra-se proporcional e adequado aplicar à Recorrente a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 900,00.
Em suma, procede parcialmente a pretensão recursiva em análise, ficando prejudicada a apreciação das pretensões recursivas consubstanciadas na redução da pena de prisão aplicada e na revogação do regime de prova.
5. Recurso da arguida QQ:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto à arguida QQ:
- Condenar arguida QQ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º n.º 1 e n.º 5, do Código

Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, a Recorrente QQ centrou a sua pretensão recursiva em matéria de direito na redução da pena (em decorrência da procedência da impugnação ampla da matéria de facto), pugnando pela aplicação de uma pena de prisão em quantum não superior a 3 anos, e na revogação do regime de prova.
Conforme decorre do atrás decidido, a pretensão recursiva relativa à impugnação ampla da matéria de facto pela Recorrente (com relevância para a redução da pena) foi, em larga medida, julgada improcedente.
Contudo, existe outro fundamento que impõe a redução da pena de prisão aplicada à Recorrente, que agora será analisado.
Em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, as que se prendem com a procedência (parcial) da impugnação ampla da matéria de facto (alteração aos factos provados nºs 108, 111, 112, 113 e 114, aqui se incluindo a irrelevância de alguns desses factos para a integração da conduta do crime de peculato, nomeadamente, por não se mostrar descrita a subtracção) e, principalmente, com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. facto provado nº 112, com a expressão “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020», ressalvada a excepção a seguir referida), resulta evidente que a esmagadora maioria dos objectos incluídos no mencionado facto provado (ressalvada a excepção acima referida e que de seguida será analisada), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pela Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta da Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pela Recorrente QQ, dos objectos referidos nos factos provados nºs 109, 110 e 112 (deste facto provado apenas releva o Tablet marca Samsung modelo Tablet S3 de cor cinzenta, avaliado no valor de € 100,00), sendo que estes bens, no seu conjunto, têm valor superior a € 102,00 (cfr. facto provado nº 224, aplicável à Recorrente).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada à Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos, salientando-se as funções exercidas pela Recorrente, a permissividade complacente que demonstrou e, não obstante o reconhecimento parcial dos factos, mantém uma postura totalmente autocentrada, com falta de sentido crítico), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar à Recorrente a pena de 3 anos de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena de prisão aplicada à Recorrente, por igual período de tempo (agora 3 anos), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
A Recorrente contesta a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos arts. 53º e 54º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.), pretendendo a revogação da aplicação de tal regime.
A apreciação desta pretensão recursiva não fica prejudicada pela já decidida redução da pena de prisão aplicada à Recorrente.
O tribunal a quo fundamentou a sujeição dos arguidos / recorrentes ao regime de prova da seguinte forma:
Por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção activa e responsável no tecido comunitário envolvente, decide-se sujeitar a suspensão da execução das suas penas de prisão a regime de prova, nos termos e para os efeitos constantes no Art.º 53.º, do Código Penal.
Ora. no caso em apreço, bem como as demais circunstâncias descritas entende-se que a suspensão da pena aplicada a estes arguidos deve ser acompanhada por um regime de prova, devendo ser elaborado, pelos serviços de reinserção social competentes, um plano de reinserção social que permita aos arguidos consciencializarem-se da gravidade das suas condutas e da necessidade de os mesmos passarem a pautar os seus comportamentos de acordo com o direito e com as nomas sociais vigentes, sob a orientação e acompanhamento da D.G.R.S.P. (cfr. Arts.º 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º, todos do Código Penal).”.
Sucintamente, a Recorrente entende não haver motivo para a sujeitar a tal regime de prova, tanto mais que o tribunal a quo considera a Recorrente primária, social, económica e familiarmente integrada e tendo ainda relevado o facto de já se encontrar aposentada.
Vejamos.
O art. 53º, nº 1, do Código Penal (CP) estabelece que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”, estabelecendo o nº 2 do mesmo artigo que “o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.
Está em causa uma finalidade exclusiva de prevenção especial positiva (reintegração do condenado na sociedade, com um sentido marcadamente educativo e correctivo).
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas concepções pessoais acerca da vida e do mundo. Neste contexto, o regime de prova assume o papel de reforço dessa finalidade essencial de ressocialização, quando existam factores ligados à pessoa do delinquente que aconselham ou exigem a intervenção de ajuda profissional.
Para além dos casos de aplicação obrigatória (cfr. art. 53º, nºs 3 e 4, do CP), o regime de prova deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar o desvalor da sua conduta, tem um estilo de vida desviante ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades, adoptar um estilo de vida adequado ou combater estas tendências (cfr. Ac. RL, de 21/02/2014; relator: João Abrunhosa; in www.dgsi.pt).
A particularidade do regime de prova (enquanto modalidade da suspensão da execução da pena, diferente da simples suspensão da execução da pena) reside na elaboração de um plano de reinserção social, que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social (cfr. art. 494º, nº 1, do CPP), com a inerente “submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade” (cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, 2004, pag. 212).
Ora, concorda-se com a Recorrente quando entende não haver motivo para a sujeitar ao regime de prova, em face da sua situação pessoal, familiar, profissional, social e económica, que resulta dos factos provados, concretamente, não se mostra necessário submeter a Recorrente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada.
Assim, impõe-se a revogação do regime de prova aplicado à Recorrente, o que se decide, procedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
6. Da arguida RR:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto à arguida RR:
- Condenar a arguida RR, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Artº 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com a elaboração de plano de reinserção social, sob a supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, a arguida / recorrente LL não apresentou pretensão recursiva respeitante à pena aplicada.
Em matéria de direito, a sua pretensão recursiva resumiu-se à invocação da falta de preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do crime de peculato, com consequente absolvição da Recorrente da prática do crime (de peculato) em que foi condenada.
Conforme decorre do atrás decidido, esta pretensão absolutória foi julgada improcedente, concluindo-se pela prática pela Recorrente de um crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal).
Não obstante a ausência de pretensão recursiva relativa à pena aplicada, tal matéria terá de ser apreciada por este tribunal, em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, a que se prende com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. facto provado nº 121, com a expressão “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020», ressalvadas as excepções a seguir referidas). Quer dizer, a esmagadora maioria dos objectos incluídos no mencionado facto provado (ressalvadas as excepções acima referidas e que de seguida vão ser analisadas), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pela Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta da Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pela Recorrente RR, dos objectos referidos nos factos provados nºs 120 (um trólei, sem valor atribuído) e 121, com as seguintes precisões:
- No que respeita ao facto provado nº 121, foram retirados pela Recorrente do armazém, no período temporal entre «entre ../../2018 e ../../2020», o Telemóvel OPPO, R15 PRO; o Relógio APPLE, IWATCH Serie 3 e o Relógio APPLE, IWATCH Serie 2 (no valor global de € 400,00).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada à Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor global dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar à Recorrente a pena de 1 ano e 8 meses de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena de prisão aplicada à Recorrente, por igual período de tempo (agora 1 ano e 8 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
Mantém-se igualmente a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso por parte da Recorrente.
7. Recurso do arguido GG:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido GG:
- Condenar o arguido GG, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, o Recorrente GG centrou a sua pretensão recursiva (que apenas versa matéria de direito) na redução da pena e na revogação do regime de prova.
No que respeita à redução da pena, o Recorrente entende que a pena aplicada (4 anos e 6 meses de prisão) é excessiva, não tendo o tribunal a quo valorado todas as atenuantes que militam a seu favor, mas não mencionando quais são essas atenuantes, para além da referência à comparação com as penas aplicadas aos restantes arguidos, pedindo que lhe seja aplicada uma pena fixada entre 1 ano e 3 anos de prisão.
O tribunal a quo fundamentou a aplicação ao Recorrente da pena de 4 anos e 6 meses de prisão por duas vias.
Em primeiro lugar, ponderou as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuseram contra o agente e a favor dele, explicitando as que relevaram para todos os arguidos (pags. 163 a 165 do acórdão recorrido).
Em segundo lugar, ponderou as circunstâncias específicas do Recorrente, referindo o elevado número de artigos, a sua disseminação por diversas pessoas e incluindo a venda online na plataforma “OLX”, o que requer maior energia criminosa, sendo o valor de € 5.804,50, manifestamente expressivo, para além da total ausência de sentido crítico e postura de indiferença para com os bens jurídicos violados, o que agrava as necessidades de punição.
Cumpre salientar que, em relação ao Recorrente GG, não se coloca a questão da delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., a falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (questão colocada e analisada relativamente a outros Recorrentes), porquanto todos os factos provados respeitantes à conduta criminosa do Recorrente foram praticados no período temporal «entre ../../2018 e ../../2020». Por outro lado, em sede de apreciação do recurso do Recorrente por este tribunal, não ocorre qualquer alteração factual, i.e., mantiveram-se inalterados todos dados como factos provados pelo tribunal a quo.
O Supremo Tribunal de Justiça, em vasta jurisprudência sobre a intervenção do tribunal de recurso no âmbito da concretização da medida da pena, concretamente, sobre o controlo da adequação e proporcionalidade no que respeita à fixação concreta da pena (cujos fundamentos são aplicáveis ao recurso interposto para a Relação), tem salientado que tal intervenção deve ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, entendendo poder sindicar-se no recurso a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (cfr., entre muitos, Ac. STJ, de 21/03/2018, processo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª; relator: Raul Borges; in www.dgsi.pt).
Como é referido no Ac. STJ, de 28/04/2016 (processo nº 37/15.5GAELV.S1; relator: Sousa Fonte; in www.dgsi.pt), “a eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.
Observados os critérios de dosimetria concreta da pena previstos no art. 71º do CP (cuja aplicação a fundamentação da decisão deve evidenciar, permitindo assim o controlo da decisão), há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O tribunal de recurso apenas deverá intervir, alterando o quantum da pena concreta, quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar.
Analisada a decisão recorrida, aí surgem evidenciadas, de modo completo, as razões que orientaram a dosimetria da pena aplicada, conformando-se a pena de 4 anos e 6 meses de prisão com os parâmetros traçados nos arts. 40º e 71º do Código Penal.
Como já foi referido, a questão do período temporal da conduta, a quantidade e o valor dos bens, a comercialização pelo arguido dos bens subtraídos, a oferta de bens a familiares e a total ausência de sentido crítico e postura de indiferença para com os bens jurídicos violados, são factores que justificam a manutenção da pena de prisão fixada pelo tribunal a quo, não se justificando qualquer intervenção correctiva do tribunal de recurso, improcedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
No que respeita à revogação do regime de prova, o Recorrente contesta a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos arts. 53º e 54º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.), pretendendo a revogação da aplicação de tal regime.
O tribunal a quo fundamentou a sujeição dos arguidos / recorrentes ao regime de prova da seguinte forma:
Por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção activa e responsável no tecido comunitário envolvente, decide-se sujeitar a suspensão da execução das suas penas de prisão a regime de prova, nos termos e para os efeitos constantes no Art.º 53.º, do Código Penal.
Ora. no caso em apreço, bem como as demais circunstâncias descritas entende-se que a suspensão da pena aplicada a estes arguidos deve ser acompanhada por um regime de prova, devendo ser elaborado, pelos serviços de reinserção social competentes, um plano de reinserção social que permita aos arguidos consciencializarem-se da gravidade das suas condutas e da necessidade de os mesmos passarem a pautar os seus comportamentos de acordo com o direito e com as nomas sociais vigentes, sob a orientação e acompanhamento da D.G.R.S.P. (cfr. Arts.º 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º, todos do Código Penal).”.
Sucintamente, a Recorrente entende não haver motivo para a sujeitar a tal regime de prova, tanto mais que o tribunal a quo havia já referido que os arguidos denotam adequada integração social e profissional, bem como estruturação familiar, dando a entender existir uma contradição na fundamentação do acórdão recorrido.
Vejamos.
O art. 53º, nº 1, do Código Penal (CP) estabelece que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”, estabelecendo o nº 2 do mesmo artigo que “o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.
Está em causa uma finalidade exclusiva de prevenção especial positiva (reintegração do condenado na sociedade, com um sentido marcadamente educativo e correctivo).
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas concepções pessoais acerca da vida e do mundo. Neste contexto, o regime de prova assume o papel de reforço dessa finalidade essencial de ressocialização, quando existam factores ligados à pessoa do delinquente que aconselham ou exigem a intervenção de ajuda profissional.
Para além dos casos de aplicação obrigatória (cfr. art. 53º, nºs 3 e 4, do CP), o regime de prova deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar o desvalor da sua conduta, tem um estilo de vida desviante ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades, adoptar um estilo de vida adequado ou combater estas tendências (cfr. Ac. RL, de 21/02/2014; relator: João Abrunhosa; in www.dgsi.pt).
A particularidade do regime de prova (enquanto modalidade da suspensão da execução da pena, diferente da simples suspensão da execução da pena) reside na elaboração de um plano de reinserção social, que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social (cfr. art. 494º, nº 1, do CPP), com a inerente “submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade” (cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, 2004, pag. 212).
Ora, concorda-se com o Recorrente quando entende não haver motivo para o sujeitar ao regime de prova, em face da sua situação pessoal, familiar, profissional, social e económica, que resulta dos factos provados, concretamente, não se mostra necessário submeter o Recorrente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada.
Assim, impõe-se a revogação do regime de prova aplicado ao Recorrente, o que se decide, procedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
8. Recurso do arguido SS:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido SS:
- Condenar o arguido SS, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
O Recorrente SS centrou a sua pretensão recursiva (que apenas versa matéria de direito) na atenuação especial / redução da pena e na revogação do regime de prova.
No que respeita à redução da pena, o Recorrente entende que a pena aplicada (1 ano e 7 meses de prisão) é excessiva, devendo ser aplicada pena de medida inferior, referindo que o tribunal a quo deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento, a reparação, a ausência de antecedentes criminais e inserção social, profissional e familiar. O recorrente compara a pena que lhe foi aplicada com a pena aplicada a outros arguidos que não confessaram os factos.
O Recorrente alude ainda à atenuação especial da pena, referindo que reparou, até onde lhe era possível, os danos causados ao Estado, procedendo ao depósito da quantia de € 495,00, que corresponde ao valor que no âmbito do presente processo foi atribuído aos objectos que o mesmo confessou ter retirado do armazém dos “perdidos e achados” (cfr. art. 72º, nº 2, al. c), do Código Penal), tendo desta forma demonstrado o seu arrependimento sincero.
O tribunal a quo fundamentou a aplicação ao Recorrente da pena de 1 ano e 7 meses de prisão por duas vias.
Em primeiro lugar, ponderou as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuseram contra o agente e a favor dele, explicitando as que relevaram para todos os arguidos (pags. 163 a 165 do acórdão recorrido).
Em segundo lugar, ponderou as circunstâncias específicas do Recorrente, referindo o seguinte:
(…) impondo-se relevar, de forma distintiva, e em seu benefício, a circunstância de voluntariamente ter depositado à ordem dos presentes autos o montante correspondente à soma dos valores atribuídos aos objectos, relativamente aos quais reconheceu ter efectivamente retirado da zona da Alfândega do Aeroporto ... (€ 495,00), do que se arrepende e manifesta sentimentos de vergonha – sem condescender que concomitantemente surge uma postura de desvalorização da sua conduta, desculpabilizando-se o arguido com a circunstância de outros funcionários também assim agirem, denotando fraca capacidade de interiorização da gravidade do seu comportamento e de reconhecimento de prejuízo para o Estado e para a imagem proba e honrada por parte de quem exerce funções públicas, bem como o facto de o montante em causa não se revelar particularmente expressivo, embora não de diminuto valor, para além do reconhecimento dos factos imputados.”.
Começando pela pretendida atenuação especial da pena, dispõe o art. 72º do Código Penal o seguinte:
1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
(…)
c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até lhe onde era possível, dos danos causados;
(…)”.
A atenuação especial da pena é um instituto jurídico excecional e pode justificar-se por circunstâncias prévias e/ou posteriores à prática do crime (que se revelem por via das necessidades de prevenção) e/ou contemporâneas deste (que se revelem por via da culpa).
As circunstâncias relevantes estão exemplificadas no nº 2 da norma em causa.
Por via delas, ter-se-á de concluir que existe uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou de necessidade da pena, consoante os casos.
A aplicação deste instituto não é automática, pois não prescinde, em circunstância alguma, da ponderação casuística de que, por via de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime, se conclua que diminuíram de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O Recorrente invoca como circunstâncias para a atenuação especial da pena: a confissão, o arrependimento e a reparação dos prejuízos patrimoniais sofridos pelo Estado (vítima), integrando a sua conduta posterior ao crime na previsão legal do art. 72º, nº 2, al. c), do Código Penal (“Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados.”).
Entendemos, no entanto, não lhe assistir razão.
No excerto do acórdão recorrido acima transcrito, relativo à ponderação pelo tribunal a quo das circunstâncias específicas do Recorrente, retira-se, além do mais, que “surge uma postura de desvalorização da sua conduta, desculpabilizando-se o arguido com a circunstância de outros funcionários também assim agirem, denotando fraca capacidade de interiorização da gravidade do seu comportamento e de reconhecimento de prejuízo para o Estado e para a imagem proba e honrada por parte de quem exerce funções públicas”, o que significa que o tribunal a quo duvidou do sincero arrependimento do Recorrente e, em consequência, não se pode concluir que ocorre uma acentuada diminuição da necessidade da pena (que é o que verdadeiramente está em causa na al. c) do nº 2 do art. 72º do CP), apesar das circunstâncias apuradas poderem vir a ser valoradas para efeito da determinação concreta da pena (atenuação geral no quadro do art. 71º do Código Penal)..
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
Passando agora à pretendida redução da pena, cumpre chamar à colação as circunstâncias atrás referidas (que servem de atenuação geral), que foram valoradas pelo tribunal a quo, importando ainda invocar outro fundamento que impõe a redução da pena de prisão aplicada ao Recorrente.
Em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, a que se prende com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. facto provado nº 161, com a expressão “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020», ressalvadas as excepções a seguir referidas), resulta evidente que a esmagadora maioria dos objectos incluídos no mencionado facto provado (ressalvadas as excepções acima referidas e que de seguida serão analisadas), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta do Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pelo Recorrente SS, dos objectos referidos nos factos provados nºs 138, 139, 140 e 141, com a seguinte precisão (que são as excepções atrás mencionadas):
- do facto provado nº 141 apenas relevam o Trolley de marca PRIMARK TRAVEL (que é o objecto que consta do facto provado nº 158) e o Trolley de marca AMERICAN TOURISTER (que é o objecto que consta do facto provado nº 159).
Os bens referidos nos mencionados factos provados, nos termos analisados, têm, no seu conjunto, valor superior a € 102,00, mas não muito superior (€ 130,00).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, o factor, aí considerado, relativo ao valor dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos), com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar ao Recorrente a pena de 1 ano e 4 meses de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena de prisão aplicada ao Recorrente, por igual período de tempo (agora 1 ano e 4 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso.
O Recorrente contesta a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos arts. 53º e 54º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.), pretendendo a revogação da aplicação de tal regime.
O tribunal a quo fundamentou a sujeição dos arguidos / recorrentes ao regime de prova da seguinte forma:
Por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção activa e responsável no tecido comunitário envolvente, decide-se sujeitar a suspensão da execução das suas penas de prisão a regime de prova, nos termos e para os efeitos constantes no Art.º 53.º, do Código Penal.
Ora. no caso em apreço, bem como as demais circunstâncias descritas entende-se que a suspensão da pena aplicada a estes arguidos deve ser acompanhada por um regime de prova, devendo ser elaborado, pelos serviços de reinserção social competentes, um plano de reinserção social que permita aos arguidos consciencializarem-se da gravidade das suas condutas e da necessidade de os mesmos passarem a pautar os seus comportamentos de acordo com o direito e com as nomas sociais vigentes, sob a orientação e acompanhamento da D.G.R.S.P. (cfr. Arts.º 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º, todos do Código Penal).”.
Sucintamente, o Recorrente entende não haver motivo para o sujeitar a tal regime de prova, sendo bastante a singela suspensão da execução da pena para acautelar as necessidades de prevenção especial.
Vejamos.
O art. 53º, nº 1, do Código Penal (CP) estabelece que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”, estabelecendo o nº 2 do mesmo artigo que “o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.
Está em causa uma finalidade exclusiva de prevenção especial positiva (reintegração do condenado na sociedade, com um sentido marcadamente educativo e correctivo).
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas concepções pessoais acerca da vida e do mundo. Neste contexto, o regime de prova assume o papel de reforço dessa finalidade essencial de ressocialização, quando existam factores ligados à pessoa do delinquente que aconselham ou exigem a intervenção de ajuda profissional.
Para além dos casos de aplicação obrigatória (cfr. art. 53º, nºs 3 e 4, do CP), o regime de prova deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar o desvalor da sua conduta, tem um estilo de vida desviante ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades, adoptar um estilo de vida adequado ou combater estas tendências (cfr. Ac. RL, de 21/02/2014; relator: João Abrunhosa; in www.dgsi.pt).
A particularidade do regime de prova (enquanto modalidade da suspensão da execução da pena, diferente da simples suspensão da execução da pena) reside na elaboração de um plano de reinserção social, que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social (cfr. art. 494º, nº 1, do CPP), com a inerente “submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade” (cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, 2004, pag. 212).
Ora, concorda-se com o Recorrente quando entende não haver motivo para o sujeitar ao regime de prova, tendo em conta a sua situação pessoal, familiar, profissional, social e económica, que resulta dos factos provados, concretamente, não se mostra necessário submeter o Recorrente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada.
Assim, impõe-se a revogação do regime de prova aplicado ao Recorrente, o que se decide, procedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
9. Recurso do arguido II:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido II:
- Condenar o arguido II, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
Como já referido, o Recorrente II centrou a sua pretensão recursiva em matéria de direito, de modo subsidiário, na convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (em decorrência da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens), na atenuação especial da pena e na revogação do regime de prova.
Conforme decorre do atrás decidido, a pretensão recursiva relativa à convolação da condenação para o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) foi julgada procedente, concluindo-se que o Recorrente, no período «entre ../../2018 e ../../2020», subtraiu bens de valor não superior a € 102,00, concretamente, duas malas de viagem, entre os dias 2 e 4 de Janeiro de 2020 (facto provado nº 194), mas sem que tenha sido atribuído valor a estes bens (nos factos provados nºs 191, 192 e 193 não é imputada ao Recorrente a subtracção de qualquer objecto).
Importa agora determinar a pena que deve ser aplicada ao crime praticado pelo Recorrente, sendo certo que este peticionou a aplicação de uma pena de multa.
O crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal) é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Quando a punição do crime prevê, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no artigo 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação.
E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.
Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.).
O acórdão recorrido aplicou penas de multa a outros arguidos (não recorrentes) que praticaram o crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), ponderando a quantidade de bens subtraídos, o valor dos bens (dentro do quadro do crime em causa, que não pode ser superior a € 102,00), o estado de conservação dos bens, as necessidades de prevenção especial (referindo a ausência de demonstração de comportamentos exteriores concludentes com a interiorização do desvalor da conduta) e as funções exercidas.
Tendo presentes os vectores atrás descritos, com relevo no caso do Recorrente II (subtraiu dois bens – duas malas de viagem –, entre os dias 2 e 4 de Janeiro de 2020 (facto provado nº 194), sem que tenha sido atribuído valor a estes bens), pode concluir-se pela verificação de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimam a aplicação ao Recorrente de uma pena de multa, o que se decide.
Considerando os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente no acórdão recorrido (aqui dados como reproduzidos), os quais têm igualmente relevância na ponderação da fixação da medida concreta da pena de multa, salientando-se que houve convolação para crime menos grave (peculato de diminuto valor), por força da diminuição dos factos que integram a conduta criminosa do Recorrente, e acrescentando-se a valoração das condições sócio económicas do Recorrente, que constam do facto provado nº 257, mostra-se proporcional e adequado aplicar ao Recorrente a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 900,00.
Em suma, procede parcialmente a pretensão recursiva em análise, ficando prejudicada a apreciação das pretensões recursivas consubstanciadas na atenuação especial da pena de prisão aplicada e na revogação do regime de prova.
10. Recurso do arguido JJ:
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao arguido JJ:
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de descaminho, previsto e punido pelo Art.º 355.º do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido JJ pela prática dos dois crimes acima descritos, na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
O Recorrente JJ centrou a sua pretensão recursiva (que versa matéria de direito, com duas incursões no domínio da impugnação ampla da matéria de facto, i.e., a questão da falta de consciência da ilicitude, já decidida, tendo sido julgada improcedente por este tribunal e a questão da alteração do facto provado nº 204, daí excluindo dois bens / objectos [telemóvel e máquina fotográfica], colocando, no entanto, a condição de esta impugnação não colocar em causa a confissão integral e sem reservas dos factos, já decidida, tendo sido julgada parcialmente procedente por este tribunal) na atenuação especial / redução da pena, quanto ao crime de peculato, na manutenção da suspensão da pena única de prisão e na revogação do regime de prova.
No que respeita à redução da pena, o Recorrente entende que a pena aplicada (2 anos e 8 meses de prisão) para o crime de peculato é excessiva, devendo ser aplicada pena de medida inferior, referindo que o tribunal a quo não teve em conta a confissão integral e sem reservas do Recorrente, bem como o facto de ser primário, possuir estruturação familiar, integração social e laboral e beneficiar de uma boa imagem no meio em que vive.
No que respeita à atenuação especial da pena, aplicada ao crime de peculato, o Recorrente entende que sem a sua confissão, o tribunal não podia dar como provados todos os factos que lhe foram imputados, aludindo à violação dos arts. 70º, 71º, 72º e 377º-A do Código Penal.
O tribunal a quo fundamentou a aplicação ao Recorrente da pena de 2 anos e 8 meses de prisão, para o crime de peculato, por duas vias.
Em primeiro lugar, ponderou as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuseram contra o agente e a favor dele, explicitando as que relevaram para todos os arguidos (pags. 163 a 165 do acórdão recorrido).
Em segundo lugar, ponderou as circunstâncias específicas do Recorrente, referindo o seguinte (pag. 169 do acórdão recorrido):
(…) por um lado, o valor dos objectos (€ 3.150,00), bem como o número elevado de equipamentos electrónicos de passageiros, agrava a censurabilidade do seu comportamento, para além do discurso autocomplacente e de vitimização, denotativo de falta de sentido crítico.”.
Começando pela pretendida atenuação especial da pena, a questão colocada para decisão deve ser analisada numa dupla vertente: atenuação especial do art. 377º-A do CP e atenuação especial do art. 72º do CP.
a) Atenução especial da pena prevista no art. 377º-A do Código Penal:
Nos crimes de peculato e participação económica em negócio, a pena é especialmente atenuada se, até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, o agente colaborar ativamente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos.”.
O preceito em análise, introduzido pela Lei nº 94/2021, de 21-12, prevê uma atenuação especial obrigatória da pena, por razões de direito premial, quando ocorra uma «colaboração activa do agente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos».
A colaboração activa aqui é causa, idêntica à que está prevista no art. 374º-B, nº 5, do CP (distinta da colaboração decisiva a que alude o art. 374º-B, nº 2, do CP), reporta-se apenas à contribuição de forma relevante para a prova dos factos.
A colaboração activa traduz um contributo de processual de natureza probatória prestado por um arguido visado por um processo criminal (in casu, fornecer provas, ou informações que permitam a obtenção de provas, susceptíveis de determinar a sua responsabilidade penal e/ou a de terceiros).
A colaboração activa aqui em causa exige que o contributo probatório tenha carácter relevante, no sentido da auto-responsabilização e/ou da hétero-responsabilização, devendo o tribunal avaliar, face à prova que sustentou a condenação, se tal se deveu fundamentalmente ao auxílio probatório do (co)arguido colaborador.
A colaboração activa aqui em causa exige ainda que o contributo probatório diga respeito aos factos.
A expressão «factos» usada no preceito legal em análise, segundo cremos, vai além da mera confissão dos factos imputados ao (co)arguido colaborador, quando existam outros factos imputados a outros arguidos, como sucede no caso dos autos.
O efeito útil que dá sentido às normas penais que instituem benefícios dirigidos ao arguido que presta uma colaboração processual, como é o caso do art. 377º-A do Código Penal, pressupõe que o colaborador, de modo a que possa beneficiar das vantagens previstas legalmente, dê ao processo um contributo probatório que abranja a totalidade dos «factos» de que seja conhecedor.
Quer dizer, da perspectiva da finalidade da descoberta da verdade material, a “mais-valia” que o colaborador poderá trazer para a realização da justiça criminal corresponderá à revelação de tudo o que sabe sobre os factos objecto do processo.
De resto, nos diversos ordenamentos onde se admite a concessão de prémios penais e processuais ao colaborador faz-se depender a concessão dessas vantagens de um contributo probatório também ele substancial: o colaborador deverá dar a conhecer, com precisão e com verdade, toda a realidade criminosa objecto do processo de que seja conhecedor (cfr. Nuno Brandão, “Colaboração Probatória no Sistema Penal Português: Prémios Penais e Processuais”, in Julgar, Nº 38, 2019, pags. 115 e ss., sublinhando-se que este Estudo, que seguimos de perto, mantém total actualidade, não obstante ter sido elaborado em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 94/2021, de 21-12).
O Recorrente JJ refere que sem a sua confissão, o tribunal não podia dar como provados todos os factos que lhe foram imputados.
Como resulta evidente, a colaboração activa invocada pelo Recorrente está longe de ser um contributo substancial, na medida em que não abrange a totalidade da realidade criminosa objecto do presente processo de que era conhecedor, sendo ainda certo que a confissão do Recorrente não foi uma confissão integral e sem reservas, afastando-se, assim, a pretendida atenuação especial da pena prevista no art. 377º-A do Código Penal.
b) Atenuação especial da pena prevista no art. 72º do Código Penal.
Dispõe o art. 72º do Código Penal o seguinte:
1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: (…)”.
A atenuação especial da pena é um instituto jurídico excecional e pode justificar-se por circunstâncias prévias e/ou posteriores à prática do crime (que se revelem por via das necessidades de prevenção) e/ou contemporâneas deste (que se revelem por via da culpa).
As circunstâncias relevantes estão exemplificadas no nº 2 da norma em causa.
Por via delas, ter-se-á de concluir que existe uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou de necessidade da pena, consoante os casos.
A aplicação deste instituto não é automática, pois não prescinde, em circunstância alguma, da ponderação casuística de que, por via de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime, se conclua que diminuíram de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O Recorrente invoca como circunstâncias para a atenuação especial da pena: a confissão, ser primário, a estruturação familiar, a integração social e laboral e a boa imagem no meio em que vive.
Contudo, para além de tais circunstâncias não integrarem qualquer uma das alíneas do nº 2 do art. 72º do CP, não ocorreu a confissão integral e sem reservas do Recorrente e, por fim, o acórdão recorrido refere a presença de “discurso autocomplacente e de vitimização, denotativo de falta de sentido crítico”.
Quer dizer, não resultaram demonstradas, em nosso entender, circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apesar das circunstâncias apuradas poderem vir a ser valoradas para efeito da determinação concreta da pena (atenuação geral no quadro do art. 71º do Código Penal).
Em suma, improcede, nesta parte, a pretensão recursiva.
Passando agora à pretendida redução da pena, cumpre chamar à colação as circunstâncias atrás referidas (que servem de atenuação geral), que foram valoradas pelo tribunal a quo (as quais serão também analisadas) importando ainda invocar outro fundamento que impõe a redução da pena de prisão aplicada ao Recorrente.
Em face das decisões que foram sendo proferidas no presente acórdão, nomeadamente, a que se prende com a delimitação temporal da conduta dos arguidos / recorrentes, i.e., com a verificação da falta de apuramento da data em que ocorreu a apropriação dos bens (cfr. facto provado nº 204, com a expressão “ao longo do tempo fora retirando”, podendo, assim, a subtracção dos bens ter ocorrido antes do período temporal «entre ../../2018 e ../../2020», ressalvada a excepção a seguir referida), resulta evidente que a esmagadora maioria dos objectos incluídos no mencionado facto provado (ressalvada a excepção acima referida e que de seguida será analisada), não obstante ter resultado provado que foram subtraídos pelo Recorrente dos armazéns dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., não podem relevar para a conduta do Recorrente que integra a prática do crime de peculato.
Assim, no período «entre ../../2018 e ../../2020», apenas pode ser considerada a subtracção, pelo Recorrente JJ, de um dos objectos referido no facto provado nº 204: Telemóvel de marca Samsung J7 Duos, dourado, modelo SM-J730F/DS, avaliado no valor de € 120,00.
Este objecto tem valor superior a € 102,00, mas não muito superior (€ 120,00).
Em consequência, tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (aqui dados como reproduzidos), mas excluindo-se, neste momento, os factores, aí considerados, relativo ao valor dos objectos (e a quantidade de objectos subtraídos) e o número elevado de equipamentos electrónicos de passageiros, a que acresce a ausência de confissão integral e sem reservas, nos termos já assinalados, com relevância para a conduta integradora do referido crime, mostra-se proporcional e adequada aplicar ao Recorrente a pena de 1 ano e 4 meses de prisão, procedendo, ainda que por fundamento diverso, a pretensão recursiva.
Perante a nova pena (1 ano e 4 meses de prisão) aplicada ao Recorrente pela prática do crime de peculato (art. 375º, nº 1, do Código Penal), importa agora reformular o cúmulo jurídico desta nova pena (parcelar) com a pena de prisão (6 meses de prisão) fixada para o crime de descaminho (art. 355º do Código Penal).
Tendo em consideração todos os factores e circunstâncias tidos em conta pelo tribunal a quo para a fixação da pena única (aqui dados como reproduzidos), recordando-se que o cúmulo jurídico a realizar tem, agora, como limite mínimo 1 ano e 4 meses de prisão (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e como limite máximo 1 ano e 10 meses de prisão (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) – art. 77º, nº 2, do Código Penal –, julga-se adequada, justa e consentânea com os fins das penas e do instituto do cúmulo jurídico, aplicar ao Recorrente a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.
Mantém-se a decisão (do tribunal a quo) de suspensão da pena única de prisão aplicada ao Recorrente, por igual período de tempo (agora 1 ano e 6 meses), uma vez que esta questão não foi objecto de recurso (referindo o Recorrente, de passagem, ser de manter a suspensão da pena).
O Recorrente contesta a decisão (do tribunal a quo) de sujeição da suspensão da pena a regime de prova (ao abrigo do disposto nos arts. 53º e 54º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.), pretendendo a revogação da aplicação de tal regime.
O tribunal a quo fundamentou a sujeição dos arguidos / recorrentes ao regime de prova da seguinte forma:
Por se afigurar consentâneo, conveniente e adequado com as finalidades da punição, especialmente a fim de ser promovida a ressocialização dos arguidos e a sua inserção activa e responsável no tecido comunitário envolvente, decide-se sujeitar a suspensão da execução das suas penas de prisão a regime de prova, nos termos e para os efeitos constantes no Art.º 53.º, do Código Penal.
Ora. no caso em apreço, bem como as demais circunstâncias descritas entende-se que a suspensão da pena aplicada a estes arguidos deve ser acompanhada por um regime de prova, devendo ser elaborado, pelos serviços de reinserção social competentes, um plano de reinserção social que permita aos arguidos consciencializarem-se da gravidade das suas condutas e da necessidade de os mesmos passarem a pautar os seus comportamentos de acordo com o direito e com as nomas sociais vigentes, sob a orientação e acompanhamento da D.G.R.S.P. (cfr. Arts.º 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º, todos do Código Penal).”.
Sucintamente, o Recorrente entende não haver motivo para o sujeitar a tal regime de prova, sendo bastante a singela suspensão da execução da pena para realizar de forma adequada as finalidades da punição, aludindo até a uma contradição na fundamentação do acórdão recorrido.
Vejamos.
O art. 53º, nº 1, do Código Penal (CP) estabelece que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”, estabelecendo o nº 2 do mesmo artigo que “o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.
Está em causa uma finalidade exclusiva de prevenção especial positiva (reintegração do condenado na sociedade, com um sentido marcadamente educativo e correctivo).
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas concepções pessoais acerca da vida e do mundo. Neste contexto, o regime de prova assume o papel de reforço dessa finalidade essencial de ressocialização, quando existam factores ligados à pessoa do delinquente que aconselham ou exigem a intervenção de ajuda profissional.
Para além dos casos de aplicação obrigatória (cfr. art. 53º, nºs 3 e 4, do CP), o regime de prova deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar o desvalor da sua conduta, tem um estilo de vida desviante ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades, adoptar um estilo de vida adequado ou combater estas tendências (cfr. Ac. RL, de 21/02/2014; relator: João Abrunhosa; in www.dgsi.pt).
A particularidade do regime de prova (enquanto modalidade da suspensão da execução da pena, diferente da simples suspensão da execução da pena) reside na elaboração de um plano de reinserção social, que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social (cfr. art. 494º, nº 1, do CPP), com a inerente “submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade” (cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, 2004, pag. 212).
Ora, concorda-se com o Recorrente quando entende não haver motivo para o sujeitar ao regime de prova, tendo em conta a sua situação pessoal, familiar, profissional, social e económica, que resulta dos factos provados, concretamente, não se mostra necessário submeter o Recorrente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada.
Assim, impõe-se a revogação do regime de prova aplicado ao Recorrente, o que se decide, procedendo, nesta parte, a pretensão recursiva.
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3.5. Dos objectos apreendidos.
Os arguidos / recorrentes QQ, GG e JJ pretendem a revisão do acórdão recorrido na parte em que declarou perdidos a favor do Estado vários dos objectos apreendidos nos autos.
Vejamos.
1. Recurso da arguida QQ:
A Recorrente pretende, por via do presente recurso, que lhe sejam restituídos todos os bens apreendidos na sua residência, com excepção dos que comprovadamente provieram da Alfândega do Aeroporto ....
Alega, para tanto e em síntese, existir uma contradição no acórdão recorrido, porquanto o tribunal a quo devia ter feito aí constar, tão só, que se declaram perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos (à Recorrente) que comprovadamente foram subtraídos da Alfândega, determinando-se a restituição (à Recorrente), após trânsito, dos demais, dados como não provados.
A menção constante do acórdão recorrido que a Recorrente pretende que seja eliminada (“à arguida QQ objectos melhor descritos a fls. 5277 a 5291 e 5642 a 5649”) não consta do Dispositivo do acórdão recorrido, aí constando a menção que a Recorrente pretende que seja plasmada (“dd) Declarar perdidos a favor do Estado, todos os objetos apreendidos e acima dados como provados como tendo sido subtraídos da Alfândega (…)”), mas de forma incompleta, porquanto a Recorrente também pretende que fique aí constar a determinação de restituição, após trânsito, dos demais objectos, i.e., os objectos apreendidos relativamente aos quais não foi feita prova de que tenham sido subtraídos da Alfândega.
Entende-se, assim, ser de proceder a pretensão recursiva agora em análise, eliminando-se do texto do acórdão recorrido (pagina 176) a seguinte menção “à arguida QQ objectos melhor descritos a fls. 5277 a 5291 e 5642 a 5649” e passando a constar do Dispositivo do acórdão o seguinte texto:
dd) Declarar perdidos a favor do Estado todos os objectos apreendidos relativamente aos quais resultou provado que foram subtraídos da Alfândega do Aeroporto ... e determinar a restituição, após trânsito, dos demais objectos, i.e., os objectos apreendidos relativamente aos quais não foi feita prova de que tenham sido subtraídos da Alfândega.”.
2. Recurso do arguido GG:
A propósito da «Apreensão [de] objectos» (conclusões 15 a 23), o Recorrente pretende, por via do presente recurso, que lhe sejam restituídos os objectos apreendidos, que identifica no corpo da motivação de recurso, aludindo a uma violação do art. 109º do Código Penal.
Concretamente, o Recorrente pretende a restituição de 14 bens / objectos mencionados no facto provado nº 151.
Esta pretensão de restituição de objectos, deduzida pelo Recorrente, pressupõe uma alteração dos factos dados como provados (a exclusão do facto provado nº 151 dos mencionados 14 bens / objectos, transitando tal matéria factual para os factos não provados).
Quer dizer, só a procedência da alteração factual (no sentido de ficar a constar dos factos não provados que aqueles bens / objectos, apreendidos no interior da residência do Recorrente, foram por este retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...) conduziria a afastar qualquer relação daqueles bens / objectos com a prática do crime pelo qual o Recorrente foi condenado e, por conseguinte, a afastar o preenchimento dos requisitos do art. 109º do Código Penal.
A pretendida alteração dos factos provados foi atrás analisada, aquando da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo Recorrente, tendo-se concluído pela sua improcedência.
Tanto basta, como é evidente, para que seja igualmente improcedente a pretensão de restituição de objectos agora em análise, o que se decide.
3. Recurso do arguido JJ:
O Recorrente pretende, por via do presente recurso, que lhe sejam restituídos três objectos apreendidos, usando, para tal, dois fundamentos distintos:
A) Por um lado (conclusões XV a XVIII), o Recorrente pretende a restituição do seu telemóvel pessoal (Apple Iphone 7, com o IMEI ...55), que lhe foi apreendido e declarado perdido a favor do Estado, revogando-se, nesta parte, o acórdão recorrido, invocando a violação do art. 109º do Código Penal (mas sem concretizar em que consiste tal violação).
Não resulta da factualidade provada (nem tal estava alegado na acusação / pronúncia) que este telemóvel tenha sido retirado pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ....
O fundamento para a declaração de perda deste telemóvel a favor do Estado está relacionado com a prática pelo Recorrente de um crime de descaminho, p. e p. pelo art. 355º do Código Penal (cfr. factos provados nºs 205 a 209): “Ora, provou-se que o arguido, após estar ciente da apreensão do telemóvel em causa, deu ordem para que o mesmo fosse totalmente limpo, logo impossibilitando a análise do seu conteúdo, inutilizando-o totalmente, subtraindo-o ao poder público, sendo a sua conduta manifestamente dolosa e intencional, visto que o arguido ordenou que todos os dados do telemóvel em causa fossem apagados, ao que acedeu através de uma funcionalidade remota.”.
Assim sendo, está em causa uma questão de direito, traduzida na verificação (ou não) dos requisitos legais de perda de instrumentos, previstos no art. 109º do Código Penal.
De acordo com o disposto no art. 109º, nº 1, do CP, “são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática”.
É manifesta a verificação, in casu, do pressuposto formal da perda de instrumentos de facto ilícito típico, porquanto resultou provado que o referido telemóvel foi utilizado pelo Recorrente na prática de um crime de descaminho.
No que respeita ao pressuposto material da perda de instrumentos de facto ilícito típico (em face da sua natureza ou das circunstâncias do caso, os instrumentos puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos), traduzido numa ideia de perigosidade do objecto / instrumento, importa ter presente, desde logo, que se está a censurar especialmente a utilização criminosa daquele concreto bem, não podendo ser ordenada a perda sem a consideração, em concreto, quer da gravidade do ilícito e da culpa do agente, quer da perigosidade e do risco do instrumento para futuros crimes, quer mesmo da própria natureza (e valor) do objecto em questão.
O que nos remete para uma ideia de proporcionalidade (prevista no art. 18º da CRP) enquanto critério orientador na ponderação da declaração de perda (que não se resume a um critério de essencialidade): o que importa é determinar se, considerando todas as circunstâncias do caso concreto, maxime a gravidade do facto ilícito típico perpetrado, a culpa do agente, o valor do bem, a perda do instrumento é ou não proporcional.
Perante as considerações atrás expostas e vistos os factos provados e o crime em causa, e até a verificação do critério da essencialidade do uso do telemóvel para a prática do crime, aceita-se não ser desproporcionada a declaração de perda do bem em causa no acórdão recorrido.
Em suma, julga-se improcedente a pretensão do Recorrente de restituição do seu telemóvel pessoal (Apple Iphone 7, com o IMEI ...55), que lhe foi apreendido e declarado perdido a favor do Estado, mantendo-se, nesta parte, o acórdão recorrido.
B) Por outro lado (conclusões XIX a XXVI), o Recorrente pretende a restituição de um telemóvel «Vodafone, preto, modelo VF795, com o IMEI ...94» e de «uma bolsa de transporte em nylon, preta, marca Vanguard, contendo uma máquina fotográfica, de marca Nikon, modelo D5100, com o n/S: ...73, com três lentes e respectivo carregador», que foram apreendidos na busca à residência do Recorrente e declarados perdidos a favor do Estado sob o pretexto de que haviam sido retirados pelo Recorrente do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ..., facto que o Recorrente contesta.
Esta pretensão de restituição de objectos, deduzida pelo Recorrente, pressupõe uma alteração dos factos dados como provados (a exclusão dos mencionados objectos do facto provado nº 204, transitando tal matéria factual para os factos não provados).
Quer dizer, só a procedência da alteração factual (no sentido de ficar a constar dos factos não provados que aqueles objectos, apreendidos no interior da residência do Recorrente, foram por este retirados do armazém dos “perdidos e achados” da Alfândega do Aeroporto ...) conduziria a afastar qualquer relação daqueles objectos com a prática do crime pelo qual o Recorrente foi condenado (crime de peculato) e, por conseguinte, a afastar o preenchimento dos requisitos do art. 109º do Código Penal.
A pretendida alteração dos factos provados foi atrás analisada (incluindo a questão da sujeição da impugnação da matéria de facto a uma condição, abdicando o Recorrente de tal impugnação se a mesma pusesse em causa a confissão integral e sem reserva dos factos), aquando da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo Recorrente, tendo-se concluído o seguinte:
A) No que respeita ao Telemóvel de marca Vodafone, de cor preto, modelo VF795, com o IMEI ...94, foi julgada improcedente a pretendida alteração dos factos provados, pelo que se julga igualmente improcedente a pretensão de restituição de tal objecto.
B) No que respeita à Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador, foi julgada procedente a pretendida alteração dos factos provados, pelo que se julga igualmente procedente a pretensão de restituição de tal objecto, o que se decide.

III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, na apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos-recorrentes a seguir identificados, no seguinte:
1. Recurso do arguido KK:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido KK, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.1. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido KK, quanto à matéria de direito, e, em consequência:
B.1) Alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando o arguido na pena de 2 (dois) anos de prisão;
B.2) Reformulam o cúmulo jurídico da pena agora aplicada com a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão fixada para o crime de detenção de arma proibida (art. 86º, nº 1, als, c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23-02) (que foi mantida na presente decisão) e, em consequência, em cúmulo jurídico das duas penas, condenam o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
C) No mais, julgam improcedente o recurso do arguido KK.
2. Recurso da arguida LL:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida LL, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando a arguida na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
B) No mais, julgam improcedente o recurso da arguida LL.
3. Recurso do arguido NN:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido NN, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.3. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido NN, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando o arguido na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
C) No mais, julgam improcedente o recurso do arguido NN.
4. Recurso da arguida OO:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida OO, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.4. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida OO, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a condenação da arguida, convolando-a para a condenação pela prática de um crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), condenando a arguida na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 900,00;
C) No mais, julgam improcedente (ou consideram prejudicada a apreciação) o recurso da arguida OO.
5. Recurso da arguida QQ:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida QQ, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.5. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida QQ, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando a arguida na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, revogando o regime de prova aplicado à arguida no acórdão recorrido;
C) Julgam procedente o recurso da arguida QQ, quanto à matéria dos objectos apreendidos, e, em consequência:
C.1) Determinam eliminação do texto do acórdão recorrido (pagina 176) a seguinte menção “à arguida QQ objectos melhor descritos a fls. 5277 a 5291 e 5642 a 5649”;
C.2) Determinam que passe a constar do Dispositivo do acórdão o seguinte texto: “dd) Declarar perdidos a favor do Estado todos os objectos apreendidos relativamente aos quais resultou provado que foram subtraídos da Alfândega do Aeroporto ... e determinar a restituição, após trânsito, dos demais objectos, i.e., os objectos apreendidos relativamente aos quais não foi feita prova de que tenham sido subtraídos da Alfândega.”.
D) No mais, julgam improcedente o recurso da arguida QQ.
6. Recursos da arguida RR:
A) Julgam improcedente o recurso interlocutório interposto pela arguida RR e, consequentemente, decidem confirmar o despacho recorrido.
B) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida RR, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.6. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
C) Julgam parcialmente procedente o recurso da arguida RR, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando a arguida na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto nos Arts.º 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com elaboração de plano de reinserção social, sob supervisão e fiscalização da D.G.R.S.P.;
D) No mais, julgam improcedente o recurso da arguida RR.
7. Recurso do arguido GG:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido GG, quanto à matéria de direito, e, em consequência, revogam o regime de prova aplicado ao arguido no acórdão recorrido;
B) No mais, julgam improcedente o recurso do arguido GG.
8. Recurso do arguido SS:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido SS (matéria de direito) e, em consequência, alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando o arguido na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, revogando o regime de prova aplicado ao arguido no acórdão recorrido;
B) No mais, julgam improcedente o recurso do arguido SS.
9. Recurso do arguido II:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido II, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.8. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido II, quanto à matéria de direito, e, em consequência, alteram a condenação do arguido, convolando-a para a condenação pela prática de um crime de peculato de diminuto valor (art. 375º, nº 2, do Código Penal), condenando o arguido na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 900,00;
C) No mais, julgam improcedente (ou consideram prejudicada a apreciação) o recurso do arguido II.
10. Recurso do arguido JJ:
A) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido JJ, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2.9. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração / eliminação / fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
B) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido JJ, quanto à matéria de direito, e, em consequência:
B.1) Alteram a pena que lhe foi imposta no acórdão recorrido pela prática, em autoria material de um crime de peculato (art 375º, nº 1, do Código Penal), condenando o arguido na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
B.2) Reformulam o cúmulo jurídico da pena agora aplicada com a pena de 6 (seis) meses de prisão fixada para o crime de descaminho (art. 355º do Código Penal) (que não foi alterada na presente decisão) e, em consequência, em cúmulo jurídico das duas penas, condenam o arguido na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do Art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, revogando o regime de prova aplicado ao arguido no acórdão recorrido;
C) Julgam parcialmente procedente o recurso do arguido JJ, quanto à matéria dos objectos apreendidos, e, em consequência, determinam a restituição ao arguido do seguinte objecto: “Bolsa de transporte de nylon, de cor preta, de marca VANGUARD, contendo uma máquina fotográfica, de marca NIKON, modelo D5100, com n/S: ...73, com três lentes e respetivo carregador”.
D) No mais, julgam improcedente o recurso do arguido JJ.
*
Sem custas (art. 513º, nº 1, a contrario, do CPP).
Notifique.
Certifica-se que foi dado cumprimento ao disposto no art. 94º, nº 2, do CPP.

Lisboa, 26 de Junho de 2025
Nuno Matos
Jorge Rosas de Castro
Ana Marisa Arnedo
Simone Abrantes de Almeida Pereira (Presidente da Secção)