Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ALEXANDRA VEIGA | ||
Descritores: | MEDIDAS DE COACÇÃO ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA HOMICÍDIO CRIMINALIDADE VIOLENTA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O que está em causa, no perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas não é a invocação de um alegado e genérico “alarme social” e a convicção de que certos tipos de crimes, pela sua violência e gravidade, podem em abstrato causar emoção ou perturbação pública. O que se pretende prevenir é antes a ocorrência de situações em que o arguido, pela sua conduta ou personalidade, em razão de circunstâncias particulares do caso concreto, com alto grau de probabilidade e de forma grave, possa pôr em causa a ordem e a tranquilidade públicas. II - Tudo indica, pela prova indiciariamente colhida, que os tiros disparados pelo arguido, ainda que no âmbito de uma querela entre indivíduos pertencentes a grupos distintos e visando determinada pessoa, o foram junto de um restaurante onde se encontravam várias pessoas a jantar que se refugiaram debaixo das mesas. III – Não se inibindo o arguido de disparar da forma como o fez num espaço público onde, para além do visado, estariam pessoas completamente alheias à contenda que, certamente como qualquer cidadão comum que está descontraidamente a jantar, ficaram aterrorizadas com os acontecimentos, resulta evidenciado que, independentemente do lapso temporal já decorrido desde a prática dos factos, a conduta do arguido gerou alarme e intranquilidade públicas. IV - A conduta do arguido, violenta, descontrolada e desproporcional, que não se inibe de pegar numa arma para decidir e resolver querelas entre grupos, ainda que na presença de cidadãos alheios, é também reveladora de uma personalidade violenta e de um profundo desrespeito pela vida humana, que evidencia o perigo de continuação da atividade criminosa. V – É ainda de antever, de forma objetiva, que a ser condenado, as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido possam ser a de pena de prisão efetiva, até porque o crime de homicídio integra a chamada criminalidade especialmente violenta referida no artigo 1º, al. j) do Código de Processo Penal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: No processo 1081/23.4PVLSB, do Tribunal Central Instrução Criminal TCIC - Juiz 7 - do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferido despacho, com o seguinte teor: «A detenção do Arguido é válida, porque embora fora de flagrante delito, foi efetuado em cumprimento do mandato emitido pelo Ministério Público, nos termos dos artigos 154 nº 1a e 157 nº 1a e 157 nº 1b do Código de Processo Penal. O Arguido foi apresentado no prazo de 48 horas, nos termos do preceituado nos artigos 28 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 141 nº 1 do Código de Processo Penal. Indiciam fortemente os autos os seguintes factos concretamente imputados ao AA. No dia ... de ... de 2023, o BB, juntamente com CC e DD, encontrava-se a jantar num restaurante ..., sito, na ..., explorado pela ..., quando ali entrou o AA. Nessa ocasião, apercebendo-se da presença no local de BB, o AA, envergando uma t-shirt branca, calções de cor preta e calçando então um par de chinelos, por razões ainda não apuradas, dirigiu-se à mesa onde aquele se encontrava e com ele iniciou uma discussão após o que se retirou para o exterior. Entretanto, chegaram ao local alguns amigos do AA e com este permaneceram no exterior do estabelecimento enquanto aguardavam por uma mesa. Nessa sequência, CC contactou o indivíduo ainda não identificado, pedindo-lhe que lhes levasse uma arma de fogo. Volvidos alguns minutos, EE e FF, fazendo uso do veículo automóvel … modelo …, de cor branca, com matrícula …, propriedade DD, chegaram ao local. Enquanto EE permaneceu no interior do veículo, FF dirigiu-se ao restaurante e uma vez ali, à casa de banho, onde entregou uma arma de fogo de marca e modelo não apurados de calibre 6.35 mm ao BB. Imediatamente a seguir, o BB dirigiu-se ao exterior do restaurante e empunhou a referida arma que retirou do interior da bolsa, que trazia a tiracolo, e com a mesma efetuou dois disparos na direção do AA, que, preparado para o confronto, trocara os chinelos que calçava por um par de ténis, bem como em direção aos amigos deste, regressando de imediato ao interior do estabelecimento. O BB e quem o acompanhava abandonaram o local no veículo automóvel com a matrícula …, conduzido por EE, que os aguardava no exterior. O AA não é titular de licença de uso e porte de arma. O AA vive com a esposa em união de facto. (4:19) Este Arguido tem uma filha com 4 anos de idade. Portanto, o AA é funcionário numa empresa de …, auferindo mensalmente a quantia de 3 mil euros. Como habilitações literárias, o AA possui 12 anos de escolaridade e um curso de .... Do certificado de registro criminal do AA não consta averbada qualquer condenação. Não resultam, no entender do tribunal indiciados, sequer fortemente indiciados, os seguintes factos imputados ao AA: Que este Arguido reagindo aos disparos tenha feito uso de uma arma de marca modelo desconhecido calibre .22 e efetuado pelo menos 5 disparos na direção de BB, enquanto este regressava ao interior do restaurante. Que um dos disparos efetuados pelo AA tenha impactado na porta em vidro temperada de acesso ao restaurante no valor declarado 2.925,75 euros, fragmentando-a por completo. Que após os disparos o AA e seus amigos tenham abandonado o local num veículo automóvel de marca …, modelo que livre de matrícula ainda não apurada. Que o AA tenha agido com o propósito de disparar contra o BB, admitindo sempre a possibilidade de lhe tirar a vida, bem como, a qualquer um dos indivíduos que se encontrasse no interior do restaurante, possibilidade com que se conformou e que só não alcançou por razões alheias à sua vontade. Que ao efetuar os disparos que efetuou o AA tenha previsto a possibilidade de atingir a porta do estabelecimento e, em consequência, o tenha estilhaçado, possibilidade com que se conformou. Que o AA conhecesse a natureza e as características da arma que usou e ainda assim não se tenha coibido de a utilizar efetuando o disparo que efetuou. E que, em todas as suas condutas, o AA tenha agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais. A forte indiciação dos factos supra analisados, no que respeita aos factos fortemente indiciados, resulta dos elementos constantes dos autos, designadamente o auto de notícia, de folhas 34 a 55, o auto de inspeção judiciária, de folhas 41 a 51, o auto de comunicação de notícia de crime, de folhas 52 a 53, os autos de apreensão, de folhas 59 e 61, os autos de inquirição, de folhas 67 a 69, 70 a 73, os autos de visionamento, de folhas 74 a 101 e 102 a 119, o relatório de exame pericial, de folhas 123 a 141, o auto de visionamento, de folhas 147 a 148, as inquirições, de folhas 151 a 153, 164 a 166, 167 a 169, 170 a 172, 182 a 185, a cota, de folhas 202 a 203, inquirição, de folhas 204 a 206, relatório de exame, de folhas 215 a 236, print de folhas 253 e os demais elementos constantes dos autos no que se reportam aos factos fortemente indiciados e que constam do despacho da apresentação do Ministério Público e que nesta parte entendemos que tais elementos probatórios conjugados também entre si e com as regras de experiência e comunidade social permitem dar como fortemente indiciada a factualidade supra referida. No que concerne aos factos relativos às condições pessoais, situação pessoal e condição económica do arguido AA, o Tribunal valorou as declarações prestadas por este arguido perante o Tribunal. E no que se reporta à matéria respeitando aos antecedentes criminais, a convicção do Tribunal fundou-se no teor do certificado de registro criminal constante dos autos. No que se reporta aos factos remetidos para a factualidade não indiciada e que foram supra elencados. O Tribunal fundou a sua convicção no que se reporta à factualidade não indiciada nas declarações do arguido AA que negou de forma perentória a autoria dos factos que lhes são imputados pelo Ministério Público e tal versão dos factos não foi frontalmente contrariada pelos elementos probatórios que constam dos autos. Efetivamente, compulsados os autos, verificamos que o co-arguido BB … ouvido perante o Tribunal em sede primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo prestado declarações em momento algum e imputou ao arguido AA a autoria de quaisquer disparos dirigidos contra si. Por outro lado, analisados os elementos probatórios indicados pelo Ministério Público verificamos, além de mais o seguinte, em momento algum no auto notícia de Folhas III é identificado o arguido AA como sendo o autor de disparos nos termos que vêm descritos no despacho de apresentação do Ministério Público. Por outro lado, no aditamento ao Auto de notícia constante de Folhas IV consta que a testemunha GG afirmou suspeitar que os envolvidos no tiroteio em apreço eram de aparência romani. Acresce dos autos de apreensão de Folhas VII e VIII e de Folhas XVII de… qualquer alusão ao arguido AA. Por outro lado, a Folhas XLVIII, na parte relativa à informação policial do auto de inspeção judiciária consta que a troca de disparos de arma de fogo ocorreu com o grupo de indivíduos que se encontravam no exterior do restaurante amigos do indivíduo com quem o indivíduo vestido com a t-shirt do ... teve o bate-boca inicial, portanto, amigos aqui do arguido AA. Acresce que a testemunha HH, ouvida a Folhas 67 a 69 referiu não ter presenciado os disparos de armas de fogo vindos do exterior nem a porta do restaurante a partir e, portanto, revelou não ter qualquer conhecimento direto dos factos que vêm importados ao arguido AA. Por outro lado, a testemunha II, ouvida a Folhas 70 a 73 referiu apenas que os indivíduos que estavam no exterior dispararam dois tiros para o interior do restaurante na direção da porta, à altura em que esta se parte sem ter em momento algum identificado o arguido AA tendo afirmado esta testemunha que posteriormente ouviu ainda um terceiro disparo vindo do exterior, tendo visto o indivíduo da t-shirt da ... a ser atingido admitindo que tal … disparo tenha sido efetuado por alguém do grupo rival que estivesse no exterior, mas sem nunca aludir em concreto ao arguido AA. Do auto de visionamento de registro de imagens de Folhas 74 a 102 consta que do lado exterior do restaurante onde se encontravam os indivíduos rivais do indivíduo da t-shirt do ... também dispararam tendo atingido a porta de vidro, sem concretizar nunca a identidade dos indivíduos autores de tais disparos. O mesmo se diga do auto de visionamento de registro de imagens de Folhas 113 a 119 (onde em momento algum se evidenciam os factos importados pelo Ministério Público ao arguido AA. Também nada resulta a este propósito dos relatórios de exame pericial de Folhas 123, 140 e 143 a 145. Os autos-de visionamento de registro de imagens constantes de Folhas 147 e 148 e também das Folhas indicadas no despacho do Ministério Público não revestem credulidade suficiente para permitir imputar indiciariamente a autoria de disparos ao arguido AA por um lado porque este arguido refuta totalmente o teor destes autos-de visionamento de registro de imagens, por outro lado dos mesmos não resulta inequívoca a identidade deste arguido acresce que os mesmos não são inequivocamente confirmados por qualquer outro meio de prova constante dos autos. O indivíduo legal representante da sociedade megastore a Folhas 151 a 153 o mesmo revelou não ter qualquer conhecimento direto dos factos em apreço tendo apenas confirmado o dano verificado e o valor do dano. A testemunha JJ, ouvido a Folhas 164 a 166 revelou não ter qualquer conhecimento acerca dos factos imputados ao arguido AA imputados pelo Ministério Público a este arguido tendo referido que só quando viu a porta do vidro a partir-se é que se percebeu que efetivamente o som que a ouvira se tratava de disparos de arma de fogo esclarecendo que do lugar onde se encontrava sentado a jantar não tinha ângulo de visão para quem estaria no exterior do restaurante motivo pelo qual não viu os indivíduos rivais do indivíduo da t-shirt do .... A testemunha KK, ouvido a Folhas 167 não logrou identificar cabalmente o arguido dando uma versão dos factos em nada coincidente com a versão dos factos agora apresentada pelo Ministério Público e a qual também não foi confirmada pelos demais elementos de prova afigurando-se também discrepante com os depoimentos das testemunhas ouvidas designadamente a testemunha LL. Efetivamente esta testemunha, ouvida a Folhas 182 não confirmou a versão dos factos apresentada pelo Ministério Público tendo referido ter observado do lado de fora do restaurante o indivíduo avançar para junto do vidro da entrada do restaurante e afastar-se portanto este indivíduo de raça negra e t-shirt branca afirmou ter observado avançar para junto do vidro da entrada do restaurante e afastar-se mas não tendo observado que o mesmo tivesse na sua posse qualquer arma de fogo nem tendo presenciado qualquer disparo efetuado por este indivíduo. Também a testemunha MM ouvida a Folhas 170 revelou não ter qualquer conhecimento dos factos imputados pelo Ministério Público a este arguido AA tendo referido que não conseguiu ver quais os indivíduos que se encontravam no exterior rivais do indivíduo da t-shirt do .... Por último a testemunha GG ouvida a Folhas 204 não logrou confirmar também os fatos que estão aqui imputados pelo Ministério Público ao arguido AA não tendo conseguido identificar este arguido como sendo o autor dos disparos nem tendo sequer conseguido reconhecer nenhum dos indivíduos envolvidos. Posto isto, perante tal ausência de prova consistente e credível que permita imputar de forma inequívoca e livre de qualquer dúvida a autoria dos factos em apreço ao arguido AA outra solução não resta ao tribunal senão a remeter para a factualidade não indiciada estes fatos concretos. E neste sentido entende o tribunal que não é possível imputar ao arguido AA a prática em autoria material dos crimes a que alude o despacho de apresentação do Ministério Público, designadamente o crime de homicídio na forma tentada previsto e punível pelos artigos 23, 73 e 131 nº 3 do Código Penal, agravado pelo nº 3 do artigo 86 do regime jurídico das armas e munições nem o crime de detenção e uso de arma proibida previsto e punível pelo artigo 86 nº 1 linha C do regime jurídico das armas e munições nem o crime de dano com violência previsto e punível pelo artigo 214 nº 1 alinha a) do Código Penal, agravado pelo nº 3 do artigo 86 do regime jurídico das armas e munições. A aplicação das medidas de coação obedece aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade em referência do princípio constitucional da presunção da inocência consagrada no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa. De acordo com o artigo 191 nº 1 do Código Penal, a liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em função de exigências processuais de natureza cautelar pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei. O artigo 193 do Código Penal estabelece no seu nº 1 que as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências calculais do caso requerido e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Nos termos do artigo 193 nº 2 do Código Penal, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, sendo certo que, de acordo com o artigo 204 do Código Penal, nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida, os perigos a que alude este preceito legal, designadamente perigo de fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do curso do inquérito ou da instrução do processo, e nomeadamente perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova, e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas. No caso em apreço, o Tribunal considerou que efetivamente não resultaram indiciados, nem sequer fortemente indiciados, os factos que vêm apontados ao arguido, suscetíveis de consubstanciar a prática de crime, e, portanto, nesse sentido, existem exigências calculadas que imponham a aplicação de outra medida de coação, para além do termo de identidade e residência já prestado nos anos. Em todo caso, sempre se diga que não se vislumbra a existência de qualquer dos crimes a que alude, do artigo 204 do código número 1 do Código de Processo Penal, na medida em que o arguido se encontra inserido, profissional e socialmente, e portanto, inexistindo nessa medida qualquer fuga ou perigo de fuga que cumprisse acautelar, também qualquer perigo de perturbação do curso de inquérito ou da instrução do processo, ou de continuação da atividade criminosa, sendo certo que, portanto, o conflito latente existente entre o arguido AA e BB, encontrar-se-á, enfim, terminado ou pelo menos atenuado com a circunstância do arguido BB, se encontrar-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva, e portanto, nesse sentido, a probabilidade de estes arguidos contactarem, enfim, de surgir algum foco de conflito entre eles, é muito ténue e mesmo quase inexistente, e portanto, não se vislumbra a existência, enfim, de perigos que permitissem, ainda assim, aplicar a outra medida de coação, além do termo de atividade e residência. Portanto, face ao exposto nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191, 192, 193, 195 e 196 do Código de Processo Penal, em conjugação com o artigo também 204 do Código de Processo Penal, ao contrário, determino que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo em liberdade, sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência. Restitua o arguido de imediato à liberdade, notifique-o após remeta ao Ministério Público, e é tudo – transcrição com uso da aplicação Turbo Scribe» * Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1. Contrariamente ao que entendeu a MM. ª JIC, são fortes os indícios da prática pelo arguido AA da factualidade que lhe foi imputada pelo Ministério Público no despacho de apresentação a primeiro interrogatório judicial. 2. Sustenta o Ministério Público a sua posição, na prova testemunhal nomeadamente nas declarações prestadas pela testemunha KK (fls. 167 a 166), 3. O relato trazido por esta testemunha deveria ter sido considerado pela MM. ª JIC e conjugado com os fotogramas de fls. 8, 14, 18, 23, 24, 26, 27, 28, 30 e 33 do auto de visionamento das imagens do restaurante "...", sito na Av. .... 4. Bem como, com o auto de visionamento de fls. 703 a 708, nomeadamente com os fotogramas numerados de fls. 8. 5. Com o relatório de inspeção judiciária de fls. 123 a 141, porquanto dali resulta evidente que, pelo menos, os invólucros de calibre .22 numerados como vestígios 3 e 4 retratados nas fotos 11, correspondem às capsulas expelida na sequência de dois disparos que a referida testemunha disse ter acontecido em momento imediatamente anterior à destruição da porta de vidro, e que é de todo compatível com a posição que este arguido ocupava no terreno, conforme resulta dos fotogramas 7 e 8, antes referidos. 6. Resulta dos fotogramas 7 e 8 que o arguido AA está próximo da porta, descaído para o lado direito e nesse momento, efetua um último disparo, com a arma que retirou das mãos de um indivíduo que consigo se encontrava. 7. E, consequentemente, que os invólucros de calibre .22 numerados de 1 a 5 retratados nas fotos a 11 de fls. 130, correspondem a disparos efetuados pelo AA. 8. Todos estes elementos foram indicados pelo Ministério Público no despacho de apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial, que até fez questão de colocar os fotogramas 7 e 8 do auto de visionamento em evidência, quando remeteu a sua visualização para o auto de visionamento de imagens de fls. 703 a 708 informação de serviço de fls. 709 a 710". 9. Não colhe a justificação do arguido, quando refere que os disparos produzidos pela arma de calibre .22 terão sido efetuados pelos amigos do arguido BB, que segundo o mesmo se encontravam do outro lado da estrada, uma vez que, como referimos, os vestígios de tais disparos foram localizados precisamente no local onde o mesmo se encontrava e não em outro lado qualquer. 10. Deve, pois, o douto despacho ser substituído por outro que considere fortemente indiciada toda a factualidade imputada pelo Ministério Público ao arguido AA e em consequência aplicar ao arguido a medida de coação requerida pelo Ministério Público. * Notificado para tanto, o arguido não respondeu – cfr. conclusão de 27-01-2025 com a informação a V. Exa de que, quanto ao recurso de fls.742, refª 223903, admitido pelo douto despacho de fls. 748, refª 8945135, e notificado a fls. 749, não foi apresentada qualquer resposta. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido douto parecer nos seguintes termos: «(…) analisados os fundamentos do recurso, bem como os fundamentos do despacho recorrido, acompanhamos o recurso apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância, aderindo-se à argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita. Com efeito, consideramos que o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, cumpriu o formalismo legal, identificou corretamente o objeto do recurso, argumentou com clareza e correção jurídica, o que merece o nosso acolhimento. Os factos imputados, e que se indiciam fortemente, são suscetíveis de integrar, prima facie, a prática pelo AA de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23.º, 73.º e 131.º, n.º 3 do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º, do RJAM, de um crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c) do RJAM e de um crime de dano com violência p. e p. pelo art.º 214.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º do RJAM. Nos termos do art.º 202.º do Código de Processo Penal, a aplicação da prisão preventiva depende da existência de «fortes indícios» da prática de determinado tipo de crime doloso. É sabido que na fase de inquérito, quando para a fixação da medida de coação da prisão preventiva se alude a fortes indícios, o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado (cfr. Simas Santos e LeaI-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 3ª ed. p. 1270) e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por provas sérias, provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objetivadas a partir dos elementos recolhidos. E sendo obviamente diferente o momento da aplicação da medida de coacção e o momento da acusação – no que ao contexto probatório diz respeito – poderá ainda assim afirmar-se que, não sendo conceitos semelhantes, o conceito de fortes indícios usado no art.º 202.º do Código de Processo Penal se equivale ao de indícios suficientes referido no art.º 283.º, nº 2 do mesmo Código, ambos pressupondo a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, e devendo os indícios em causa terem idoneidade bastante para tal (cfr. Código de Processo Penal Comentado de Henriques Gaspar, 2ª ed. p. 817). Da análise dos autos verifica-se que os factos descritos no despacho de apresentação, para o qual remete o despacho recorrido, estão fortemente indiciados com base, desde logo, nos elementos probatórios indicados nesse mesmo despacho, bem como, nas conclusões da motivação de recurso. Por outro lado, não há dúvida de que os factos fortemente indiciados integram a prática dos mencionados crimes e que se verificam, em concreto, o perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito e perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de continuação da actividade criminosa. A ser assim, e verificando-se tais perigos a que alude o art.º 204.º do Código de Processo Penal, é evidente que o quadro coativo mínimo aplicado mostra-se insuficiente e desadequado. Porém, não se pode deixar de atender também ao lapso de tempo decorrido desde o momento em que ocorreu o primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Apesar de tal lapso de tempo decorrido, são elevados os perigos que ficaram enunciados e que exigem a aplicação de medida de coacção que os acautele, além da prestação de TIR. Assim, e por ora, as obrigações decorrentes da prestação de TIR, cumuladas com apresentações diárias (art.º 198.º do Código de Processo Penal) e proibição de contactos por qualquer meio com o ofendido (art.º 200.º do Código de Processo Penal), parecem-nos suficientes e adequadas para obviar a tais perigos, respeitando ainda o princípio da proporcionalidade, pois é proporcional à gravidade dos crimes e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada (destacado nosso)». * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. * Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO: Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: Se ao arguido, de acordo com os elementos carreados para os autos, aquando do interrogatório judicial de arguido detido, deveria ter sido aplicada outra medida de coação mais gravosa, para além do termo de identidade e residência. * 2. Fundamentação: Para uma melhor compreensão devemos, neste momento em que somos convocados a decidir atender à cronologia dos atos processuais: - Em 2/07/2024, Referência: 43686734 foi proferido o seguinte despacho pelo Ministério Público: Nos termos do disposto no art.º 141.º nº 4 do Código de Processo Penal, o Magistrado do Ministério Público vem apresentar, para sujeição a primeiro interrogatório judicial de arguido detido: AA Porquanto No dia ... de ... de 2023, o arguido BB, juntamente com CC e DD encontravam-se a jantar no restaurante “...”, sito na Av. ..., explorado pela “...”, quando ali entrou o arguido AA. Nessa ocasião, apercebendo-se da presença no local de BB, o arguido AA, envergando uma t-shirt branca, calções de cor preta e calçando então um par de chineles, por razões ainda não apuradas, dirigiu-se à mesa onde aquele se encontrava e com ele encetou uma discussão, após o que se retirou para o exterior. Entretanto, chegaram ao local alguns amigos do arguido AA e com este permaneceram no exterior do estabelecimento, enquanto aguardavam por uma mesa. Nessa sequência, CC contatou indivíduo ainda não identificado pedindo-lhe que lhes levasse uma arma de fogo. Volvidos alguns minutos EE e FF, fazendo uso do veículo automóvel .., modelo …, de cor …, com a matrícula ..-NL-.., propriedade de DD chegaram ao local. Enquanto EE permaneceu no interior do veículo, FF dirigiu-se ao restaurante e uma vez ali, à casa de banho, onde entregou uma arma de fogo de marca e modelo não apurados, de calibre 6,35mm, ao arguido BB. Imediatamente a seguir, o arguido BB dirigiu-se ao exterior do restaurante, empunhou a referida arma que retirou do interior da bolsa que trazia a tiracolo e com a mesma efetuou dois disparos na direção do arguido AA que, preparado para o confronto, trocara os chinelos que calçava por um par de ténis, bem como de seus amigos, regressando de imediato ao interior do estabelecimento. Reagindo aos disparos, o arguido AA fazendo uso de uma arma de marca, modelo desconhecidos, calibre .22, efetuou pelo menos cinco disparos na direção de BB, enquanto este regressava ao interior do restaurante. Um dos disparos efetuados pelo arguido AA impactou na porta em vidro temperada de acesso ao restaurante, no valor declarado de 2.925,75€, fragmentando-a por completo. Após os disparos, o arguido AA e seus amigos abandonaram o local num veículo automóvel de marca …, modelo …, de matrícula ainda não apurada. Já o arguido BB e quem o acompanhava abandonaram o local, no veículo automóvel de marca …, modelo …, de cor …, com a matrícula ..-NL-.., conduzido por EE, que os aguardava no exterior. O arguido AA não é titular de licença de uso e porte de arma. O arguido AA agiu com o propósito de disparar contra o arguido BB admitindo sempre a possibilidade de lhe tirar, bem como a qualquer um dos indivíduos que se encontrasse no interior do restaurante, possibilidade com que se conformou e que só não alcançou por razões alheias á sua vontade. Ao efetuar os disparos que efetuou o arguido previu a possibilidade de atingir a porta em do estabelecimento e em consequência, estilhaçá-lo, como estilhaçou, possibilidade com que que conformou O arguido AA conhecia a natureza e as caraterísticas da arma que usou e ainda assim não coibiu de a utilizar, efetuando o disparo que efetuou. Em todas as condutas o arguido AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais. Pelo exposto, constituiu-se o arguido AA como: Autor de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23.º, 73.º e 131.º, nº 3 do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º, do RJAM Autor de um crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, nº 1 al. c) do RAJAM; Autor de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214.º, nº 1 al. a) do Código Penal, gravado pelo nº 3 do art.º 86.º do RJAM. *** Da Prova. • Auto de Notícia de fls. 34 a 35 • Auto de Inspeção Judiciária de fls. 41 a 51 • Auto de Comunicação de Notícia de Crime de fls. 52 a 53 • Auto de Apreensão de fls. 59 Referência: ... • Auto de Apreensão de fls. 61 • Inquirição de fls. 67 a 69 • Inquirição de fls. 70 a 73 • Auto de Visionamento de fls. 74 a 101 • Auto de Visionamento de fls. 102 a 119 • Relatório de Exame Pericial de fls. 123 a 141 • Auto de Visionamento de fls. 147 a 148 • Inquirição de fls. 151 a 153 • Inquirição de fls. 164 a 166 • Inquirição de fls. 167 a 169 • Inquirição de fls. 170 a 172 • Inquirição de fls. 182 a 185 • Cota de fls. 202 a 203 • Inquirição de fls. 204 a 206 • Relatório de Exame de fls. 214 a 236 • • CRC de fls. 496 a 506 Auto de Visionamento de imagens de fls. 703 a 708 Informação de serviço de fls. 709 a 710 *** - No dia de 2 de julho de 2024 teve lugar o interrogatório judicial do arguido - Referência: 8933084 - Por despacho Referência: 8933084 proferido na mesma data foi aplicada ao arguido MEDIDA DE COAÇÃO: • TIR, já prestado nos autos, tudo cfr. artºs 191º, 192º, 193º, 195º e 204º a contrario do Código de Processo Penal. Foi Determinado: Restitua o arguido à liberdade. - O Ministério Público recorreu deste despacho em 9/07/2024. - Por despacho Referência: 8945135 de 9/07/2024 foi admitido o recurso. - Não foi apresentada resposta pelo arguido. - Em 19 de novembro de 2024 foi proferido despacho final pelo Ministério Público, designadamente de acusação, Referência: 440338470, no qual e quanto ao arguido AA: Relativamente ao crime de dano com violência, p. e p. pelos 212.º e 213.º do Código Penal, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Penal, considerando que o crime de dano apenas é punível, no nosso ordenamento jurídico, a título de dolo, e não de negligência: E foi o mesmo arguido AA acusado: Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 5, alínea e), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma de fogo com munições de calibre .22); e Em co-autoria material com o arguido NN, de um crime de homicídio, na forma tentada, ilícito previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º, todos do Código Penal, agravado pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (praticado contra o arguido BB). - Em 30/01/2025 foi proferido despacho Referência: 9200272 com o seguinte teor: Assim, uma vez que até ao momento não foi instruído o apenso de recurso nem ordenada a sua subida, instrua com o auto de primeiro interrogatório e gravação, despacho de apresentação do Ministério Público; elementos de prova no mesmo mencionados, nomeadamente os mencionados pelo Ministério Público na última página do recurso; recurso e despacho de admissão. Autoriza-se o acesso eletrónico aos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para os efeitos que se entenderem por convenientes. Subam os autos imediatamente ao Tribunal da Relação de Lisboa, atento o lapso temporal já decorrido. Notifique. Os autos encontram-se, agora em fase de instrução – Despacho Referência: 9193573. * Conforme se enunciou a questão a decidir reside na aplicação de medida de coação ao arguido, AA, para além do TIR já prestado, atentos os indícios que na data do primeiro interrogatório judicial já constavam dos autos. Conforme bem nota o Digno Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, não se pode deixar de atender ao lapso de tempo decorrido desde o momento em que ocorreu o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tanto mais que o inquérito, entretanto findou e o arguido foi acusado, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 5, alínea e), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma de fogo com munições de calibre .22); e em coautoria material com o arguido NN, de um crime de homicídio, na forma tentada, ilícito previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º, todos do Código Penal, agravado pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (praticado contra o arguido BB). Vejamos os elementos referido Pelo Digno Procurador junto da primeira instância: Na data da submissão do arguido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, constavam dos autos os seguintes elementos probatórios indiciários: Depoimento da testemunha KK – referência 743904. Esta testemunha é agente da P.S.P. e encontrava-se a jantar no restaurante onde os factos ocorreram. Resulta do seu depoimento que se apercebeu de uma troca de olhares entre o indivíduo de raça negra que envergava a camisola do ... e outro indivíduo de raça negra que envergava uma t-shirt branca que se encontrava na antecâmara e que aqui se manteve a falar ao telemóvel. Assim que houve uma troca de olhares o indivíduo de t-shirt do ... manteve-se tenso e a trocar mensagens ao telemóvel. Algum tempo após apercebeu-se da entrada de três indivíduos de raça negra. Observou o arguido do lado exterior com quem inicialmente tinha havido troca de olhares com o individuo da camisola do ... a apontar uma arma e viu-o a efetuar um disparo, depois de ter efetuado previamente dois disparos que estilhaçaram a porta de entrada do restaurante. O arguido entrou numa viatura Clio de cor branca e identificou o arguido na fotografia 8 como o autor dos disparos. Nada liga esta testemunha aos dois indivíduos, sendo, em virtude das suas funções, uma testemunha com conhecimentos de técnica policial. Por outro lado, não estava em exercício de funções relacionados com este caso ou outro. Conforme sustenta o Ministério Público, o relato trazido por esta testemunha deveria ter sido considerado pela MM. ª JIC e conjugado com os fotogramas de fls. 8, 14, 18, 23, 24, 26, 27, 28, 30 e 33 do auto de visionamento das imagens do restaurante "...", sito na Av. .... A testemunha não teve qualquer dúvida ao identificar o indivíduo da fotografia de fls. 8 como sendo o que efetuou os disparos em causa. Do relatório de inspeção judiciária – certidão - ao resulta evidente que, pelo menos, os invólucros de calibre .22 numerados como vestígios 3 e 4 retratados nas fotos 11, correspondem às capsulas expelida na sequência de dois disparos que a referida testemunha disse ter acontecido em momento imediatamente anterior à destruição da porta de vidro, e que é de todo compatível com a posição que este arguido ocupava no terreno, conforme resulta dos fotogramas 7 e 8, antes referidos. E, consequentemente, que os invólucros de calibre .22 numerados de 1 a 5 retratados nas fotos a 11 de fls. 130, correspondem a disparos efetuados pelo AA. Este indivíduo- retratado na fotografia de fls.8 - veio a ser identificado como sendo o arguido AA. Assim, dúvidas não restam que na data da sujeição do arguido AA a primeiro interrogatório Judicial já existiam elementos probatórios indiciários bastantes. Acresce que no mesmo processo - e não de somenos importância - o ora ofendido BB foi sujeito a primeiro interrogatório judicial por factos contemporâneos e similares e foi-lhe aplicada a medida de coação prisão preventiva em 21 de maio de 2024 por despacho referencia 8878604 que veio a ser substituída posteriormente por medida de permanência na habitação com vigilância eletrónica – cf. autos principais (processo relacionado). Posto isto: A aplicação ou a imposição de medidas de coação (exceto o termo de identidade e residência, que pode ser aplicado por qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal) são determinadas por um juiz (o juiz de instrução, nas fases de inquérito e instrução, e o juiz do processo, nas fases posteriores), com intervenção do Ministério Público (MP) (a requerimento do MP, na fase de inquérito, ou ouvido o MP, nas fases posteriores) e mediante prévia audição do arguido (exceto em casos de impossibilidade devidamente fundamentada) – artigo 194.º do CPP. A aplicação ou a imposição de medidas de coação (bem como a sua manutenção) está dependente da verificação de condições gerais ou pressupostos (artigos 192.º e segs. do CPP): a) Prévia constituição de arguido e existência de um processo criminal já instaurado; b) Juízo de indiciação da prática de um crime (o chamado fumus comissi deliti); c) Particulares exigências cautelares (o chamado pericula libertatis) – artigo 204.º do CPP: i) Fuga ou perigo de fuga do arguido; ii) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo; ou iii) Perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa. d) Princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade: como se refere no artigo 193.º, n.º 1 do CPP, as medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Juízo de indiciação da prática de um crime (o chamado fumus comissi deliti); Dos elementos probatórios indiciários colhidos e referidos supra, existem fortes indícios da prática pelo arguido de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23.º, 73.º e 131.º, nº 3 do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º, do RJAM Autor de um crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, nº 1 al. c) do RAJAM; c) Particulares exigências cautelares (o chamado pericula libertatis) – artigo 204.º do CPP: Perigo de perturbação do decurso da investigação, igualmente, na sua vertente elevada, nomeadamente para a aquisição e conservação da prova tendo em consideração que se encontra em liberdade, podendo criar obstáculos e condicionar depoimentos a produzir em audiência de julgamento. Perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, atenta a violência manifestada dos atos em questão, o receio que causam na comunidade e o alarme social que envolvem. Com efeito, os tiros foram disparados junto de um restaurante onde se encontravam várias pessoas a jantar que se refugiaram debaixo das mesas, como consta dos depoimentos prestados – cfr certidão junta. O que está aqui em causa não é a invocação de um alegado e genérico “alarme social” e a convicção de que certos tipos de crimes, pela sua violência e gravidade, podem em abstrato causar emoção ou perturbação pública. O que se pretende prevenir é antes a ocorrência de situações em que o arguido, pela sua conduta ou personalidade, em razão de circunstâncias particulares do caso concreto, com alto grau de probabilidade e de forma grave, possa pôr em causa a ordem e a tranquilidade públicas, tal como o fez nos moldes descritos. Tudo indica, pela prova indiciariamente colhida que se tratou de uma querela entre indivíduos pertencentes a grupos distintos, mas que o arguido não se inibiu de disparar da forma como o fez em espaços públicos, onde para além do visado, estarão pessoas completamente alheias à contenda que certamente, como qualquer cidadão comum que está descontraidamente a jantar, ficaram aterrorizadas com os acontecimentos. O que torna bem patente a violência do arguido manifestada nos atos em questão pondo em causa bens jurídicos essenciais à sociedade, como a vida humana, sendo que, independentemente do lapso temporal que já decorreu desde a prática dos factos neste processo, são sempre geradores de alarme e intranquilidade públicas. A conduta do arguido, violenta, descontrolada e desproporcional atentos os motivos que o determinaram à prática dos crimes, é reveladora de uma personalidade violenta e de um profundo desrespeito pela vida humana. É ainda de antever, de forma objetiva, que se for condenado, as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido serão, além do mais, a sua condenação em pena de prisão efetiva, até porque o crime de homicídio integra a chamada criminalidade especialmente violenta referência ao artigo 1º, al. j) do mesmo diploma legal. Acresce, igualmente o perigo de continuação da atividade criminosa, uma vez que denota uma personalidade que não se inibe de pegar numa arma para decidir e resolver querelas entre grupos, ainda que na presença de cidadãos alheios a tais querelas. Princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade: (…)A conciliação do princípio de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória com a necessidade da sua sujeição a medidas de coacção antes da condenação, pressupõe que o recurso aos meios de coacção em processo penal tem que respeitar os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da intervenção mínima. Segundo Castro e Sousa, estes princípios «nada mais são do que emanação do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que impõe que qualquer limitação à liberdade do arguido anterior à condenação com trânsito em julgado deva não só ser socialmente necessária mas também suportável» (in, “Os meios de coacção no novo código de processo penal”, Jornadas de direito processual penal. O novo código de processo penal, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, Livraria Almedina, 1995, pág. 150). Os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade encontram-se consagrados no art.º 193º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, onde se estabelece que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias, adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso. Já o princípio da adequação exige que a medida seja apta e idónea para satisfazer as exigências cautelares do caso, devendo ser escolhida de acordo com estas exigências. Como ensina Germano Marques da Silva, uma medida é adequada «se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares» (in “Curso de Processo Penal”, II, 4.ª edição, Verbo, Lisboa, 2008, pág. 303). Este princípio afere-se por um critério de eficiência, através da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade desta para o neutralizar ou conter. A adequação é, assim, qualitativa (aptidão da medida, pela sua natureza, para realizar os fins cautelares pretendidos) e quantitativa (no que toca à sua duração ou intensidade). O princípio da adequação é ainda integrado pelo princípio da proporcionalidade, que impõe que a medida seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada. O princípio da proporcionalidade assenta, pois, num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida. O art.º 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pelo que, em matéria de aplicação das medidas de coação, o princípio da proporcionalidade também terá de ser decomposto «em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação; o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito» (Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, pág. 264). Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, exige-se que, em cada fase do processo, exista uma relação de idoneidade entre a medida de privação da liberdade individual aplicada, a gravidade do crime praticado e a natureza e medida da pena em que, previsivelmente, o arguido virá a ser condenado. Tal gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devam ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena. Estes princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade são uma emanação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência, constante no art.º 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Em estreita ligação a estes princípios está o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, consagrado no art.º 193º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, em conformidade com o art.º 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, mediante o qual a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção previstas na lei. Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 19/06/2019, no processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, em que foi relator João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt), onde se pode ler que: «Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso (…). Para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coação escolhida deverá manter uma relação direta com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos. O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.» (…) A aplicação de qualquer uma das medidas de coação, com exceção do termo de identidade e residência, pressupõe também a verificação, cumulativa ou não, dos perigos enunciados no art.º 204º do Cód. Proc. Penal. No caso dos autos, o arguido põe em causa a existência de indícios da prática dos crimes que lhe são imputados, embora sem concretizar factualmente o porquê da inexistência de tais indícios. Ora, a ocorrência de «fortes indícios» da prática de um crime é uma condição sine qua non da aplicação da prisão preventiva. Os «fortes indícios» devem ter-se por verificados, quando, com base nos mesmos, a probabilidade de condenação é maior do que a de absolvição, reportada à fase da audiência de discussão e julgamento (cf. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 261). Assim sendo, os indícios só serão fortes quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência do contraditório, da imediação e da oralidade, característicos da fase do julgamento da causa (…) Acórdão da Relação de Lisboa de 20/12/2022, processo 106/21.2 PILRS-A.L1-5, de 20/12, relatado Por Carla Francisco- IGFEJ- bases jurídico-documentais. Todavia, como assinala o Digno Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Lisboa não se pode deixar de atender ao lapso de tempo decorrido desde o momento em que ocorreu o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tando mais que o inquérito, entretanto, findou e o arguido foi acusado, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 5, alínea e), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma de fogo com munições de calibre .22); e Em coautoria material com o arguido NN, de um crime de homicídio, na forma tentada, ilícito previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 131.º, todos do Código Penal, agravado pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (praticado contra o arguido BB). Não se mostra, pois, suficiente, atento o expendido, a medida de coação Termo de identidade e residência, devendo, pois, o despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro mais adequado as necessidades cautelares que o caso demanda. Nesta conformidade o arguido AA deve ser sujeito, para além do TIR já prestado, às medidas de obrigação de apresentação periódica diária no posto policial da sua residência – art.º 198º do C.P.P. e de proibição de contatos por qualquer meio (art.º 200º, al. d) com BB. * 3. Decisão: Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido e determinar que AA fique sujeito, para além do TIR já prestado às medidas de obrigação de apresentação periódica diária no posto policial da sua residência – art.º 198º do C.P.P. e de proibição de contatos por qualquer meio (art.º 200º, al. d) com BB. Notifique e remeta, desde já, cópia desta decisão à primeira instância, sendo esta que, por seu turno, deverá proceder às legais comunicações - autoridade policial da área de residência do arguido para elaboração do mapa de presenças, devendo comunicar de imediato ao processo qualquer falta do arguido e a BB e sua Ilustre Mandatária – identificados nos autos principais (processo relacionado). Sem custas. Lisboa, 11 de março de 2025. Alexandra Veiga Ana Cristina Cardoso Rui Poças |