Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA OLIVEIRA PINTO | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ERRO DE JULGAMENTO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA IN DUBIO PRO REO MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | Sumário: I- O princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. II- Como expressamente resulta do disposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do Código de Processo Penal, quanto à impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, deve o recorrente indicar ainda as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. III- Esse desiderato não se alcança com a mera formulação de opiniões quanto à clareza ou precisão do que foi dito, na medida em que tais elementos possam permitir diferentes conclusões – só se atinge com a indicação das provas que impõem, que obrigam a decisão diversa. IV- A seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade. V- Atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, e, bem assim, as não insignificantes exigências de prevenção especial, bem como o grau de ilicitude e da culpa do arguido, numa moldura penal de 2 anos e 8 meses de prisão a 6 anos e 8 meses de prisão, não se mostra flagrantemente desproporcionada a pena de 4 anos de prisão fixada pelo Tribunal a quo, que, aliás, se situa abaixo do ponto médio da moldura abstratamente prevista. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * I. Relatório 1. O arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em ........1996, solteiro, empregado, cartão do cidadão com o n.º ..., residente na ..., foi julgado no processo comum coletivo nº 197/24.4PAALM do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 1), tendo sido condenado, após comunicação de alteração não substancial dos factos, por acórdão datado de 27.05.2025: a) pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, als. b) e c), n.º 2, al. a), e n.º 4, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 1, als. c), e n.º 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, als. c) e e), e n.º 2, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, na pena de 2 (dois) anos de prisão; c) em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, das penas de prisão supra referidas nas alíneas a) e b), na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão. O arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima DD, nos termos do artigo 152º, nº 4 e 5, do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância; e no pagamento de uma indemnização civil à vítima DD, nos termos do disposto no artigo 72º e 82ºA, nº 1, do Código de Processo Penal, pelo montante global de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, mediante depósito autónomo à ordem dos presentes autos. 2. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo que, pelo respetivo provimento, seja o mesmo absolvido do crime de violência doméstica, ou, a assim não se entender, que a pena aplicada seja reduzida. Extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: “1) O presente recurso versa sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto a alguns dos factos dados como provados e ainda sobre matéria de Direito, mais precisamente sobre a medida da pena; 2) - Nos presentes autos, o arguido foi condenado: a) pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, als. b) e c), n.º 2, al. a), e n.º 4, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 1, als. c), e n.º 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, als. c) e e), e n.º 2, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, na pena de 2 (dois) anos de prisão; c) em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, das penas de prisão supra referidas nas alíneas a) e b), na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão; d) na pena acessória de proibição de contacto com a vítima DD, nos termos do artigo 152º, nº 4 e 5, do Código Penal, pelo período de 3 (três) anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância; e) no pagamento de uma indemnização civil à vítima DD, nos termos do disposto no artigo 72º e 82ºA, nº 1, do Código de Processo Penal, pelo montante global de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, mediante depósito autónomo à ordem dos presentes autos; 3) - O tribunal a quo julgou incorretamente vários pontos de facto, pelo que vem o recorrente impugná-los; 4) - Existe assim uma incorreta apreciação dos factos, existem depoimentos contraditórios que impõem decisão diversa da que foi proferida, ou, pelo menos, sustentam a ideia de dúvida razoável na apreciação da prova e, consequentemente, sustentam também a aplicação do princípio in dubio pro reo; 5) - Efetivamente, o recorrente entende que os factos constantes dos pontos constantes dos pontos 4 a 28, inclusive e 34 do ponto II-A do Douto Acórdão não deveriam ter sido considerados como provados pelo Tribunal a quo; 6) - Com efeito, o Tribunal baseou, fundamentalmente, a sua decisão no depoimento da Ofendida DD (cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de 27-03-2025, com início a 15:48 e fim a 16:49). 7) - Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que a decisão recorrida valorou, de forma errónea, as declarações da Ofendida, em conjunto com a demais prova carreada nos autos, tendo desconsiderado o valor probatório dos depoimentos prestados pelo arguido e demais testemunhas cujo depoimento colocou em causa as declarações e credibilidade da Ofendida, senão vejamos: 8) - Em primeiro lugar, cumpre referir que os factos relatados pela Ofendida não foram relatados por mais ninguém, por mais nenhuma testemunha, nem em audiência de julgamento nem em mais nenhuma altura do processo. 9) - Em segundo lugar, para além de o depoimento da Ofendida se encontrar em contradição com as declarações do recorrente, o mesmo também apresenta contradições com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas na audiência de julgamento. 10) - Cumpre referir que o Arguido, aqui Recorrente (cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de 27-03-2025, com início a 15:11 e fim a 15:46), negou os factos referidos nos pontos 4 a 28, inclusive e 34 do ponto II-A do Douto Acórdão. 11) - Referiu que “(…) eu e a DD nunca tivemos agressões físicas, exceto uma última vez, que foi agora quando houve a separação de ambos (…) Depois, entretanto, eu vi que a situação não estava a ficar boa por causa do derivado também a ciúmes da parte dela e eu saí e ausentei-me de casa. E quando eu me ausentei de casa para ir viver numa outra residência com um amigo meu, ela entrou no computador que eu tinha, tinha as redes sociais nesse computador. E ela quando entrou nas redes sociais, eu estava só a ligar para ela, para ela tirar, para sair das minhas redes sociais, e ela não fez isso. Eu desloquei-me a casa, quando eu fui a casa, ela tentou-me agredir com o mesmo computador, que ele partiu-se no chão e também me puxou os cabelos. E foi só essa a única vez que eu puxei os cabelos dela também, e foi a única vez que houve tipo um confronto assim mais violento entre nós os dois.” E ainda “Nunca aconteceu situações de violência entre nós. Ela simplesmente, como estava numa dependência emocional muito grande, eu saí de casa e ela foi fazer isso tudo para se vingar de mim, para me prejudicar. Porque eu sempre tive uma vida bastante passiva com ela, por causa... Sempre estive presente na gravidez inteira, no nascimento da miúda, sempre estive presente em tudo. (…) Quando a nossa relação terminou, ela foi fazer tudo o máximo que conseguia para me prejudicar.” 12) - Quanto aos óculos da Ofendida, o Arguido explicou que se partiram em sua casa e não em ..., quando ela se sentou em cima deles. 13) - O Arguido negou ter agredido a Ofendida numa viagem de regresso do .... 14) - Relativamente à situação do dia ..., o Arguido de ..., o Arguido disse que a discussão que teve com a Ofendida foi durante o dia, da parte da tarde, e que foi a casa de sua mãe, a Ofendida estava no quarto, referindo: “Eu fui para simplesmente sair das minhas redes sociais do computador e ela começou-me a agredir com o computador. (…) Ela tinha o computador fechado, tentou mesmo me bater com ele. Tentou me acertar com ele na cabeça.” A Mma. Juiz perguntou: “Tentou bater com ele, mas não acertou, então?” O Arguido respondeu: “Eu defendi-me. Bateu-me no braço. E empurrei-a só, mas ela não caiu no chão nem nada.” A Mma. Juiz perguntou: “Mas empurrou-a como?” Ao que o Recorrente respondeu: “Numa forma defensiva. Sim, pelos braços, pelo peito e pelos braços. Mas foi de forma defensiva e depois ela puxou os cabelos e eu fiz exatamente a mesma coisa. Também puxei os cabelos, mas como o computador se danificou, como caiu no chão, Consegui-me livrar disso e sair de casa. E voltei para a casa onde eu estava.” 15) - O Arguido negou ter insultado a Ofendida, referindo que ela queria reatar a relação mas que ele não queria. 16) Questionado sobre a razão para a Ofendida ter ido fazer queixa três ou quatro dias depois, o Recorrente respondeu “Porque ela viu que nunca mesmo volta a dar na nossa situação do nosso relacionamento. Ela anexou fotografias que eu tinha com a arma que foi apreendida ao meu irmão no quarto dele. Foi anexar as fotografias e mostrar à polícia. E ela inventou, criou essa situação toda para me poder prejudicar da pior forma. Eu depois, entretanto, não tive mais contato com ela porque foi me estipulada a ordem de afastamento. Houve uma outra situação que ela entrou em contato comigo. Ela dizia que queria voltar para nós ficarmos bem e aproximação entre os dois. Entretanto, eu disse que não e pedi-lhe para ela passar o carro para o meu nome, o tal carro que foi apreendido, porque tinha sido eu a pagar o carro, e ela pegou só nas mensagens, o facto de eu ter dito que não, que não ia voltar para estar com ela, com a miúda, ela pegou nessas mensagens, visto que eu tinha ordem de afastamento, e foi expor em tribunal essas mensagens.” 17) - Já em sede de interrogatório judicial de arguido detido, o Arguido, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius no dia 1 de março de 2025, com início às 15:40 e fim às 16:21, referiu relativamente ao fim do relacionamento “Por uns dias, eu tinha lhe dito que ela poderia ficar o tempo que ela quisesse, mas que para a gente terminar a relação, porque não estava bom.” Questionado pelo Mmo. Juiz de Instrução: “Mas o senhor não queria continuar com a relação, é isso?” Tendo o recorrente dito: “Exato. Eu queria para ela resolver da melhor maneira, só que ela não queria terminar. Sempre eu tentei para a gente se afastar, se não estava a correr bem, mas ela sempre... Então, também, se calhar uma dependência, de certa parte, porque vivia comigo. Sempre fiz o melhor delas. Ela tem uma outra filha também, a qual ela já não havia há dois anos. Eu lhe aproximei da filha, ajudava a ir ao ... várias vezes para ela ver a menina. Reaproximei ela do pai também, que ela não tinha uma boa aproximação com o pai. Sempre tentei o melhor.” 18) - Para além do Arguido ter negado os factos supra mencionados, cumpre referir que quer a mãe quer o irmão do Arguido negaram ter presenciado qualquer comportamento agressivo por parte do Recorrente durante o período em que o mesmo residiu com a Ofendida em casa de sua mãe. 19) - A mãe do Recorrente, CC, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius, no dia 27/0/2025, com início às 17:06 e fim às 17:22, declarou que nunca assistiu a nenhuma discussão entre o Recorrente a Ofendida e também nunca ouviu o Recorrente chamar nomes à Ofendida. Disse, também, que nunca viu a Ofendida com nenhuma marca de agressão e que em ... de 2020 esteve sempre em casa durante as noites pois durante o dia trabalha e que nunca ouviu nenhuma discussão entre o Recorrente e a Ofendida. Esclareceu que acorda sempre às seis de manhã e que não ouviu gritos, não ouviu nada. Disse também que a Ofendida tinha ciúmes do Recorrente porque gostava muito dele, factos que a Ofendida chegou a admitir perante a referida testemunha. Referiu igualmente que o Recorrente é uma pessoa meiga e calma. 20) - A testemunha EE, irmão do Recorrente, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius, no dia 24/04/2025, com início às 9:56 e fim às 10:31, questionado, referiu que enquanto a Ofendida e o irmão viveram juntos na casa de sua mãe, nunca assistiu a nenhuma situação em que o Recorrente tivesse agredido física ou verbalmente a Ofendida. Disse que nunca os viu a discutir e que nunca viu a Ofendida com nenhuma marca, tendo referido “Não, eu não creio que o meu irmão bateu na DD. (…) Ele nunca bateu na DD.”, concluindo que o Recorrente não é uma pessoa violenta. 21) - Também FF, avó da Ofendida, inquirida no julgamento, e cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius no dia 3/04/2025, com início às 10:04 e fim às 10:17, questionada pela Exma. Procuradora do Ministério Público se alguma vez viu aqui o Recorrente, o ex-companheiro da sua neta, maltratá-la verbalmente ou agredi-la, respondeu que não. Acrescentou que o Recorrente era atencioso com a Ofendida, sua neta. 22) - Ora, atendendo aos factos acima referidos e aos depoimentos das referidas testemunhas, entendemos que as agressões físicas e verbais de que o Recorrente vinha acusado não resultaram provadas. 23) Pois como o Recorrente referiu, a Ofendida tinha um forte motivo para fazer queixa do Recorrente: o facto de não aceitar a separação do Recorrente, sendo esse um motivo plausível para se vingar do mesmo imputando-lhe as ofensas verbais e físicas que constam da Decisão recorrida. Note-se que o facto de a mesma, no final do relacionamento com o Recorrente, se relacionar com outras pessoas, em nada colide com o referido motivo. Efetivamente, a mesma podia ter relacionamentos com outras pessoais e ainda assim querer vingar-se do Recorrente e arruinar-lhe a vida por este não querer manter o relacionamento amoroso consigo. Com efeito, quem terminou o relacionamento foi o Recorrente, como ficou provado nos autos, sendo certo que a Ofendida só abandonou a residência uns dias depois do dia ... de ... de 2024. Se realmente fosse verdade que o Recorrente praticou as ofensas descritas na decisão recorrida, então, de acordo com as regras da experiência comum, o normal seria que a Ofendida tivesse abandonado a residência imediatamente ou nas horas seguintes, por recear o Recorrente e não uns dias depois. 24) - Assim, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter absolvido o Recorrente do crime de violência doméstica pois, como acima se disse, nenhuma testemunha assistiu a nenhuma agressão física ou verbal por parte do Recorrente à Ofendida. E as testemunhas inquiridas em julgamento, a Sra. CC e o Sr. EE residiam na mesma casa em que o Recorrente vivia com a Ofendida. Assim sendo, caso a versão da Ofendida correspondesse à verdade, certamente tais testemunhas teriam ouvido os gritos e as ofensas físicas alegadamente praticadas pelo Recorrente. Ainda para mais estando a casa toda em silêncio, já que a Ofendida alega ter sofrido ofensas físicas no dia ... de ... de 2024 cerca das 3h da madrugada, quando todas as pessoas da casa estavam a dormir. 25) - O Tribunal a quo refere no Douto Acórdão recorrido que o depoimento da testemunha FF sustenta o depoimento da Ofendida. Não podemos concordar, com todo o respeito devido ao Tribunal, que é muito, porquanto a referida testemunha prestou um depoimento indireto, declarando ao Tribunal aquilo que ouviu dizer à Ofendida, mas não tendo presenciado nenhuma situação de agressão física ou verbal, como a própria referiu, dizendo que não tinha visto nenhuma agressão, não sabendo se ele lhe tinha batido ou não. Acresce que a Ofendida não conseguiu identificar no tempo e espaço a maior parte das ofensas que imputou ao Recorrente, sendo que o Tribunal a quo, erroneamente no entender do Recorrente, desvalorizou esse facto. 26) - Ora, por tudo o acima exposto, não poderia o Tribunal ter dado como provados os pontos 4 a 28, inclusive e 34 do ponto II-A do Douto Acórdão, impondo-se que tivesse absolvido o Recorrente, de acordo com o princípio “In dúbio pro reu”. Com efeito, dos depoimentos acima melhor referidos e bem assim da demais prova carreada para os autos, de acordo com as regras da experiência comum, não se poderia simplesmente condenar o Recorrente, impondo-se a sua absolvição. 27) - Do exposto, resulta que no entendimento do recorrente mal andou o Tribunal ao considerar como provados os factos acima referidos. Quer as declarações do recorrente, quer o depoimento das testemunhas supra mencionadas impunham decisão em sentido contrário. E mais: não deveria o Tribunal ter valorado as declarações da Ofendida e não ter valorado as declarações do recorrente. Não existem razões para que se dê credibilidade às declarações da Ofendida e não se considerem as declarações do recorrente e das demais testemunhas supra mencionadas. 28) - Existe assim uma incorreta apreciação dos factos por parte do tribunal recorrido, que dispunha de elementos que eram capazes de sustentar a versão do Recorrente. 29) - Pelo exposto, impõe-se decisão de facto diversa da que foi proferida ou, pelo menos, pesa aqui o princípio “in dubio pro reo”, dado que poderá surgir no espírito do julgador dúvida razoável na apreciação da prova. 30) - Assim, o recorrente é do entendimento que tais factos não deveriam ter sido considerados provados, devendo o Arguido ser absolvido quer do crime de violência doméstica de que vinha acusado quer da fixação de indemnização à vítima. 31) - Assim, a Douta Sentença do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 127.º do CPP, e bem assim o princípio in dúbio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência, que está previsto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e bem assim os artigos 127.º do CPP e 410.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal. SEM CONCEDER: 32) - Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, e no que respeita à impugnação da matéria de Direito, a admitir-se a prática do crime de violência doméstica pelo recorrente, o que repita-se, não se concede, sempre se dirá que a aplicação da pena em causa se afigura demasiado gravosa. 33) - O crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, als. b) e c), n.º 2 al. a), e n.º 4 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 1, als. c), d) e e) e n.º 3, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, é punível com pena de prisão de 2 (dois) e 8 (oito) meses a 6 (seis) anos e 8 (oito) meses. 34) - O Tribunal a quo procedeu à aplicação ao arguido de uma pena de prisão de (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, als. b) e c), n.º 2 al. a), e n.º 4 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 1, al. c), e n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07. Pela prática do crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, als. c) e e), e n.º 2, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24/07 o Tribunal a quo condenou o Recorrente na pena de 2 (anos)a nos de prisão. Tendo procedido ao cúmulo das penas na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão. 35) - Ora, não pode o Arguido concordar com a pena aplicada pelo Tribunal a quo relativamente ao crime de violência doméstica pois considera que a mesma se afigura demasiado excessiva, tendo em conta as suas condições pessoais, bem como a sua conduta anterior ao facto e a posterior a este. 36) - Entendemos que deveria o Tribunal a quo ter fixado pena inferior no seu “quantum”. 37) - Efetivamente, do regime legal subjacente ao C.P. resulta que o critério da determinação da respectiva medida - cfr. art. 71º do C.P. -, se valida no princípio de que o legislador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Princípio este que significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar a cada crime concreto, ou seja, a culpa é o pressuposto de validade e o limite da pena em relação a cada crime. Nas palavras de Figueiredo Dias, “A culpa (…) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial.” 38) - Assim, e atendendo agora ao preceituado no art. 71.º do CP a determinação da medida da pena deverá fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de legal de crime, deponham a favor ou contra o agente. Neste sentido, Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113. 39) - Assim, dispõe o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal que, para efeitos de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta lícita. 40) - A este propósito consideramos que o grau de ilicitude do facto é diminuto. 41) - Acresce que o arguido é uma pessoa familiar e socialmente integrada, como o Tribunal a quo considerou provado. 42) - O Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais por crime de violência doméstica. 43) – Acresce que o Recorrente tem 29 anos, sendo relativamente jovem, pelo que a aplicação de uma pena de prisão de quatro anos de prisão afigura-se demasiado gravosa, sendo que atendendo às exigências de prevenção especial positiva que se fazem sentir no caso, e considerando as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido entendemos que deveria ter sido aplicada uma pena de prisão de duração inferior. Nestes termos, o Douto Acórdão do Tribunal a quo violou, assim, as normas dos artigos: - Da Constituição da República Portuguesa: artigo 32.º, n.º 2, que prevê o princípio da presunção de inocência, no qual se inclui o princípio in dúbio pro reo; - Do Código de Processo Penal: arts. 127.º e 410.º, n.º 2, alínea a); - Do Código Penal: art. 71.º. TERMOS EM QUE CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO... SE FARÁ A HABITUAL JUSTIÇA!” 3. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal. 4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela respetiva improcedência, sem formular conclusões. 5. Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal. 6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir. * II. Questões a decidir Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o acórdão condenatório proferido nos autos – as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte: - Erro de julgamento quanto aos factos provados 4 a 28 e 34; - Violação do princípio in dubio pro reo; - Medida da pena. * III. Da decisão recorrida Com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta da decisão recorrida: “A. Factos Provados: Apreciada a prova produzida e discutida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão de mérito: 1. Entre ... e ... de 2022, o arguido AA e DD mantiveram uma relação de namoro, após o que iniciaram uma relação análoga à dos cônjuges, com comunhão de leito, mesa e habitação, fixando a casa de morada de família na .... 2. Com o casal residiu a mãe e irmão do arguido, sendo aquela a proprietária do imóvel. 3. Deste relacionamento, nasceu GG, em .../.../2023. 4. Em datas e frequência não apuradas, situadas durante o relacionamento, o arguido apelidou DD de “parva” e, após o nascimento da filha, dirigiu-lhe ainda a expressão “não és boa mãe”. 5. Em datas e frequência não apuradas, durante o aludido relacionamento, o arguido desferiu murros nos braços de DD, empurrando-a, e apertou-lhe a face, mais precisamente o maxilar, dizendo-lhe “sai”. 6. Em data não concretamente apurada do mês de ... de 2023, de madrugada, encontrando-se no interior de um quarto de hotel, em ..., no decurso de uma discussão por a vítima não conseguir conter o choro da filha de ambos, o arguido disse a DD “não consegues fazer nada, não a consegues acalmar, eu quero dormir”. 7. Neste contexto, como a menor GG continuava a chorar, o arguido colocou uma das mãos no pescoço de DD e, projectando-a contra a parede do imóvel, apertou-lhe o pescoço. 8. Seguidamente, o arguido desferiu um empurrão no corpo de DD, projectando-a para a frente, tendo esta caído ao chão. 9. Acto contínuo, o arguido desferiu várias chapadas na face e pontapés pelo corpo de DD. 10. Em resultado destas condutas do arguido, os óculos envergados por DD caíram e uma das hastes foi pisada pela própria. 11. No dia ... de ... de 2023, no interior de veículo conduzido pelo arguido, no trajecto do ... para o ..., este desferiu empurrões a DD. 12. Seguidamente, o arguido manuseou com uma das mãos uma arma de fogo e tirou fotografias da mesma com o telemóvel de DD, as quais enviou através da rede social Instagram do perfil desta para outro perfil com a designação “…”. 13. De seguida, o arguido desferiu vários socos, cotoveladas e chapadas na face e membro superior esquerdo de DD. 14. Ainda neste contexto, o arguido empurrou a face de DD contra o vidro da porta lateral direita do veículo. 15. No dia ... de ... de 2024, pelas 3:00 horas da madrugada, ao chegar à residência descrita em 1º, o arguido dirigiu-se de imediato ao seu quarto e abordou DD, que ai se encontrava deitada com a filha menor GG, dizendo-lhe “foste dormir fora” e “voltaste”, questionando-a acerca de onde tinha dormido numa das noites anteriores, o que iniciou uma discussão entre ambos. 16. Neste contexto, o arguido e DD sentaram-se na cama, tendo esta a filha menor GG ao seu colo, por ter despertado em resultado da mencionada discussão. 17. Acto contínuo, o arguido puxou, por duas vezes, o cabelo de DD, que se encontrava preso com um elástico em “rabo de cavalo “, constrangendo-a a deitar-se na cama, após o que voltava a sentar-se na cama. 18. Seguidamente, o arguido apertou o maxilar de DD, dizendo-lhe “a partir de agora vais ser tratada assim”. 19. Posto isto, o arguido soltou DD, o que levou a que esta se levantasse de imediato da cama do casal, afirmando que iria dirigir-se à esquadra de órgão de polícia criminal por temer pela sua integridade física. 20. Prosseguindo, o arguido colocou uma das mãos no pescoço da vítima, encostando-a contra a parede do quarto, tendo esta aí embatido com a zona lombar, ao mesmo tempo que lhe dirigia as seguintes expressões “nem a polícia me pode parar”. 21. De imediato, o arguido muniu-se de uma arma de fogo, de cor preta, calibre 6,35 mm, a qual manuseou perante DD de modo intimidatório, dirigindo-lhe as seguintes expressões “nem ninguém me pode parar” e “vê lá se me queres conhecer de verdade”. 22. Ao ouvir estas expressões, DD temeu pela sua vida. 23. Neste contexto, o arguido ainda deferiu um soco na direcção de DD que a atingiu na zona entre a barriga e os genitais, ao mesmo tempo que lhe dizia “andas a vender”. 24. O arguido disse à vítima que iria sair de casa e só aí regressaria decorridos 4 dias, mas quando regressasse já não a queria ver lá em casa. 25. Em resultado destas condutas do arguido, DD sofreu lesões no membro superior direito, nomeadamente: equimose acastanhada com 2 cm de diâmetro, na face lateral do cotovelo do membro superior direito; equimose amarelada e arroxeada com 4 cm de diâmetro na face posterior do terço proximal do braço; e equimose acastanhada com 2 cm de diâmetro, na face anterior do terço proximal do braço. 26. Tais lesões determinaram para a vítima um período de doença de seis dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional. 27. Temendo pela sua vida e integridade física, em ... de ... de 2024, DD abandonou a residência do casal, levando consigo a filha menor de ambos, tendo sido integradas em casa abrigo. 28. O arguido mantem no interior da residência e do veículo por si utilizado armas de fogo e munições, o que leva a que esta tema pela sua vida, vivendo em constante sobressalto, muito fragilizada psicologicamente em resulto das condutas do companheiro. 29. No dia ... de ... de 2024, foi realizada busca domiciliária à residência, sita na ..., onde o arguido ocupa um dos quartos. 30. No decurso desta busca, no quarto do arguido, foram-lhe apreendidos os seguintes objectos de sua propriedade: i. - 2 (duas) munições de calibre 32 S&W; ii. - 10 (dez) munições de calibre 9 mm; iii. - 1 (uma) munição de calibre 12 mm. 31. Ainda no decurso desta busca, na varanda adjacente ao quarto do arguido, foi-lhe apreendida 1 (uma) espingarda de sua propriedade, tipo caçadeira, marca ..., modificada, onde foi utilizado um tubo a fazer de cano, bem como um ferro a funcionar como gatilho e foi utilizada uma coronha, onde foi inserida uma culatra e um percursor artesanal; 32. Também no decurso desta busca, na sala, foi apreendida 1 (uma) mira telescópica. 33. Foi ainda realizada busca ao veículo matrícula AT-..-BN, marca ..., modelo ..., utilizado pelo arguido, mas propriedade da ofendida, tendo sido encontrada no interior do porta luvas, uma caixa contendo 15 (quinze) munições de calibre 6,35 mm, ..., fabricante ..., propriedade do arguido. 34. O arguido agiu da forma supra descrita, bem sabendo que atingia o corpo e a saúde de DD, com quem mantinha um relacionamento análogo aos dos cônjuges, sendo mãe da sua filha, pelo que tem sobre a mesma especial dever de cuidado e respeito, dirigindo-lhe condutas e expressões humilhantes e atemorizadoras, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, utilizando para o efeito armas de fogo para aumentar o seu sofrimento, debilitando-a psicologicamente, cerceando a sua liberdade pessoal, prejudicando-a no seu bem-estar psicossocial, ofendendo-a na sua honra e dignidade humana e pondo em causa a sua paz e sossego. 35. O arguido conhecia as características da arma de fogo e munições que detinha, bem sabendo que esta posse era proibida, atentas as características das mesmas, sendo certo que não possui licença de uso e porte de arma e a supra descrita espingarda, tipo caçadeira, marca ..., por ter sido modificada, é insuscetível de qualquer licença. 36. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente em todas as suas acções, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se coibindo de agir como agiu. 37. O arguido foi condenado: a. proc. 49/14.6PEBRR, Central Criminal de Almada, J2, por acórdão transitado em julgado em 2015/07/13, pela prática em ...1.../06 e ...1.../06 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de cinco meses de prisão, três crimes de furto, na pena de três meses de prisão cada um, quatro crimes de roubo, na pena de um ano de prisão cada, e dois crime de roubo na forma tentada, na pena de seis meses de prisão cada, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e três meses de prisão, suspensa por igual período de quatro anos e três meses de prisão, sujeita a regime de prova; b. proc. 1321/15.3PBBRR, Local Criminal do ..., J2, por sentença transitada em julgado em 2021/10/25, pela prática em ...1.../08 de um crime de furto simples, na pena de 130 dias de multa, declarada extinta pelo pagamento. 38. O seu processo de desenvolvimento decorreu, junto dos progenitores, uma situação económica com dificuldades, até aos 12 anos no ..., altura em que estes se separaram ambos. Nesta sequência, os dois filhos do casal ficaram a viver com a progenitora que veio viver para o ..., onde tinha outros familiares. Ambos os progenitores têm filhos anteriores de outros relacionamentos, mantendo relações de proximidade com os mesmos. 39. O pai veio a falecer quando o arguido tinha 16 anos de idade vítima de doença. 40. Em termos escolares, concluiu o 9º ano de escolaridade através de um curso profissional de ..., tendo mantido alguma atividade não remunerada dentro desta área com exposições no estrangeiro. 41. Entre ... e 2019, emigrou para o ... onde refere ter trabalhado na ..., acabando por regressar a .... O seu percurso laboral tem decorrido de forma pouco consistente em áreas indiferenciadas, e com períodos de inatividade. À data dos factos, o arguido encontrava-se recentemente inativo profissionalmente, depois de ter trabalhado cerca de dois anos no ... com funções de ... e de .... Mantem um negócio online com o irmão na área do ... 42. AA e DD habitavam numa casa própria, pertença da progenitora, encontrando-se todos os seus elementos integrados laboralmente, contribuindo todos para despesas do agregado, pelo que a situação socioeconómica era satisfatória. A mãe, entretanto, reformou-se. 43. DD tem outra filha de 3 anos de idade e que se encontrava à guarda dos avós paternos. 44. O arguido manteve uma anterior relação afetiva do qual nasceu uma outra filha, hoje com 7 anos de idade, tendo a relação terminado em 2019. Tem a guarda partilhada, mantendo um bom relacionamento com a mãe da filha que habitam próximo da sua residência. 45. Presentemente, o arguido mantém uma outra relação afetiva, iniciada em ..., após o terminus da anterior relação com DD. 46. No decurso deste processo foi-lhe aplicada medida de coação de proibição de contatos, tendo sido registadas inúmeras anomalias, tendo esta vindo a terminar quando o arguido foi preso preventivamente em ........2025, à ordem do processo nº 4/24.8SMLSB. * B. Factos não provados: Da audiência de discussão e julgamento, não resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: a. Diariamente, o arguido dirigiu-lhe expressões como “estupida” e “metes-me nojo”. b. Nas circunstâncias descritas em 15., o arguido dirigia a DD a expressão “metes-me nojo”. c. Nesta ocasião, o arguido apertou com a mão esquerda o pescoço da companheira. d. Nas circunstâncias descritas em 21., o arguido dirigia a DD a expressão “andas-me a trair”. e. A mira telescópica pertence ao arguido e é para ser usada em arma de classe A. * A restante matéria alegada não foi considerada provada ou não provada, por não ter relevância ou interesse para a decisão da causa ou consubstanciar matéria de direito ou matéria conclusiva. * C. Motivação (…) Considerando os pressupostos supra enunciados e tendo presente as regras da experiência comum, o Tribunal analisou e examinou a prova produzida em audiência de julgamento e assentou a sua convicção: Nas declarações tomadas ao arguido, no primeiro interrogatório a que foi sujeito no dia .../.../2024 (cfr. auto de interrogatório de fls. 206 e ss.), tendo as mesmas sido reproduzidas em audiência de julgamento (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2023 de 09/06, publicado no Diário da República nº 111/2023, série I de 2023/06/09), e as por si prestadas também nesta sede, bem assim nos depoimentos das testemunhas inquiridas nesta sede, DD (na qualidade de ofendida), CC (mãe do arguido), FF (avó da ofendida) e HH (irmão do arguido), bem assim os agentes da Polícia de Segurança Pública, II e JJ (dispensa-se a reprodução do teor, por se encontrarem registados pelo sistema de gravação sonoro); No relatório de avaliação de dano corporal de fls. 272 e ss.; Nos autos de exame de fls. 187 e 188 (cópia), cujo original consta de fls. 246 e ss.; fls. 181 e 182 (cópia), por referência ao original de fls. 251 e 251v.; fls. 183 e 184 (cópia), por referência ao original de fls. 250 e 250v. e ss.; de fls. 185 e 186 (cópia), por referência ao original junto a fls. 248 e 248v.; de fls. 249 e 249v.; Na prova documental junta aos autos, designadamente o teor do assento de nascimento de GG, constante de fls. 95; as fotografias juntas a fls. 58 e ss., por referência ao conteúdo do cd junto a fls. 56, e fls. 412 e ss.; a informação de fls. 121, de onde se extrai que o arguido não possui LUPA; o auto de noticia por detenção de fls. 126 e ss., o auto de busca e apreensão de fls. 138 e ss., o auto de busca e apreensão de fls. 143 e o auto de apreensão de fls. 144; a planta do imóvel de fls. 145; a reportagem fotográfica de fls. 146 a 165; bem assim o relatório social de fls. 548 e ss., certificado de registo criminal de fls. 542v. e ss.. Concatenados estes elementos probatórios, entre os quais se destaca o depoimento de DD e as declarações tomadas ao arguido, temos por demonstrado que estes mantiveram inicialmente um relacionamento de namoro, que aquela precisou entre ... e ... de 2022, após o que iniciaram a vivência como marido e mulher, tendo fixado a residência comum na casa da mãe deste, CC e onde também vivia HH. Assim, além dos factos provados 1., 2. e 29., ficou igualmente demonstrado a factualidade vertida como provada em 3., que igualmente se extrai do teor do assento de nascimento de fls. 95. No que respeita a factualidade descrita de 4. a 28., temos que do depoimento prestado pela testemunha DD resulta de forma segura e clara o contexto em que o arguido lhe dirigia a expressão como “parva” durante o relacionamento e, após o nascimento da filha, também lhe dirigia a expressão “não és boa mãe”, bem assim as circunstâncias em que este a agrediu, durante o período em que se relacionaram. No que respeita às agressões físicas, a ofendida destacou três episódios e esclareceu que, noutras ocasiões, em datas e frequência que não logrou concretizar, situadas durante o aludido relacionamento, o arguido dirigiu-se a si e desferiu murros nos seus braços, empurrando-a, e apertou-lhe a face, mais precisamente o maxilar, dizendo-lhe “sai”. A ofendida não logrou datar com precisão cada uma das discussões e agressões físicas, o que se reputa como normal, considerando o lapso temporal em que ocorreram, mas logrou relatar pormenorizadamente as circunstâncias e dinâmica da actuação do arguido nas mencionadas três situações. Assim, esclareceu que o primeiro episódio ocorreu numa madrugada do mês de ..., quando a filha GG tinha dois meses de idade, no interior de um quarto de hotel, em ...; o segundo sucedeu no dia ... de ... de 2023, por referência à época festiva do Natal e à data de aniversário de sua mãe, no interior do veículo conduzido pelo arguido, no trajecto do ... para o ...; e o terceiro que situou, como sendo o último, na madrugada, cerca das 3:00 horas do dia ... de ... de 2024. Em síntese, DD relatou as circunstâncias em que, numa madrugada em que se encontrava com o arguido num quarto de hotel, em ..., este iniciou uma discussão consigo por não conseguir conter o choro da filha de ambos, dizendo-lhe “não consegues fazer nada, não a consegues acalmar, eu quero dormir”. Como a menor GG continuava a chorar, o arguido colocou uma das mãos no pescoço de DD e, projectando-a contra a parede do imóvel, apertou-lhe o pescoço, após o que desferiu-lhe um empurrão no corpo, projectando-a para a frente, o que a levou a cair ao chão, tendo aí desferido várias chapadas na face e pontapés pelo seu corpo. Relativamente àquele segundo episódio, DD mencionou os contornos em que, enquanto o casal fazia o trajecto de regresso do ... para o ..., no interior do veículo, que era conduzido pelo arguido, este desferiu-lhe inicialmente empurrões e, após munir-se do telemóvel daquela, manuseou com uma das mãos uma arma de fogo e tirou fotografias da mesma, as quais enviou através da rede social Instagram do perfil desta para outro perfil com a designação “…”. De seguida, o arguido desferiu ainda vários socos, cotoveladas e chapadas na face e membro superior esquerdo de DD e empurrou a sua face contra o vidro da porta lateral direita do veículo. Por último, DD relatou as circunstâncias em que ocorreu a última discussão do casal no interior do quarto e na presença da filha de ambos, na sequência do arguido a ter questionado acerca de onde tinha dormido numa das noites anteriores. Esclareceu as expressões proferidas e as agressões sucessivamente desferidas pelo arguido, pelo menos, dois puxões do cabelo de DD, que se encontrava preso com um elástico em “rabo de cavalo “, constrangendo-a a deitar-se na cama, voltando esta a sentar-se na cama, após o que apertou-lhe o maxilar, enquanto lhe dizia “a partir de agora vais ser tratada assim”. Por temer pela sua integridade física, como DD se levantou da cama do casal e afirmou que iria dirigir-se à esquadra de órgão de polícia criminal, o arguido colocou uma das mãos no pescoço daquela, encostando-a contra a parede do quarto, tendo esta aí embatido com a zona lombar, ao mesmo tempo que lhe dirigia as seguintes expressões “nem a polícia me pode parar”, após muniu-se de uma arma de fogo, de cor preta, calibre 6,35 mm, a qual manuseou perante a ofendida de modo intimidatório, dirigindo-lhe as seguintes expressões “nem ninguém me pode parar” e “vê lá se me queres conhecer de verdade”. Ainda nesta ocasião, o arguido deferiu um soco na direcção de DD que a atingiu na zona entre a barriga e os genitais, ao mesmo tempo que lhe dizia “andas a vender”. Neste contexto, o arguido avisou DD que iria sair de casa e só aí regressaria decorridos quatro dias, mas quando regressasse já não a queria ver lá em casa, o que aquela acatou. O relato da ofendida foi prestado de forma espontânea, circunstanciado e objectivo, demonstrando-se momentaneamente ansiosa e emocionada, o que se coaduna totalmente com o contexto de reevocar o relacionamento com o arguido e o desenvolvimento subsequente. Do depoimento da ofendida resulta inequívoco um crescendo de violência e agressividade na actuação do arguido, que lhe foi impondo e assim granjeando ascendente sobre si, tendo nos últimos dois episódios manuseado e apontado uma arma de fogo. Neste particular, atento o depoimento claro e pormenorizado de DD, temos que esta tem conhecimento das características das armas de fogo, que descreveu, tendo confirmado que o arguido lhe exibiu uma arma de fogo de calibre 6,35 mm (auto de denúncia de fls. 5v.), o que se coaduna com as munições posteriormente encontradas no interior do veículo utilizado pelo arguido, que ademais este admitiu pertencerem-lhe. Atendeu-se, ainda, neste particular às fotografias juntas aos autos a fls. 57 e ss. (cd de fls. 56), em conjugação com as declarações prestadas a este propósito pelo arguido, ao mencionar que idênticas fotografias tinham sido tiradas a DD, o que por esta foi confirmado, Assim, temos que quer o arguido, quer DD se encontram familiarizados com armas, cujas características têm conhecimento. Ponderado e examinado criticamente o depoimento de DD, na qualidade de ofendida, considera-se o mesmo objetivo e autêntico, apresentando diversos indícios de veracidade, em que, relativamente ao comportamento do arguido, respondeu negativamente a determinadas questões mais específicas ou respondeu que não se recordava (cfr. factos não provados). Ademais, o depoimento da ofendida foi pormenorizado e mostra-se sustentado pelo depoimento prestado pela testemunha FF, avó da ofendida, a quem esta se foi confiando. Esta testemunha confirmou as circunstâncias em que recebeu chamadas telefónicas de sua neta, o estado em que esta se encontrava e as fotografias que desta recebeu neste contexto. A credibilidade do depoimento prestado pela ofendida foi ainda reforçada pelo teor do relatório de avaliação de dano corporal de fls. 272 e ss., realizado no dia .../.../2024, de onde se extrai que apresentava, então, equimose acastanhada com 2 cm de diâmetro, na face lateral do cotovelo do membro superior direito; equimose amarelada e arroxeada com 4 cm de diâmetro na face posterior do terço proximal do braço; e equimose acastanhada com 2 cm de diâmetro, na face anterior do terço proximal do braço. Por sua vez, o arguido negou a prática dos factos imputados na acusação, esclarecendo os termos em que ocorreu a última discussão com DD, por esta ter entrado no seu computador pessoal, onde tinha acesso às suas redes sociais. Neste contexto, em sínteses, o arguido afirmou que DD tentou agredi-lo com o computador na sua cabeça, acertando-lhe no braço, face ao gesto defensivo que fez, após o que admitiu ter desferido um empurrão nos braços e no peito da ofendida e puxado os cabelos desta, por esta também lho ter feito previamente. Confrontadas estas declarações prestadas pelo arguido com os aludidos elementos probatórios, designadamente o teor do relatório de avaliação de dano corporal de fls. 272 e ss., temos que as lesões aí descritas são mais diversificadas e também mais extensas do que as zonas que o arguido admite ter atingido o corpo da companheira, ao desferir um empurrão, sendo mais compatíveis com a actuação do arguido, nos moldes relatados por DD. Ademais, o arguido alegou ainda que DD desenvolveu uma dependência emocional relativamente a si, pretendendo vingar-se de si e prejudica-lo, porquanto ele não quis reatar a relação, bem assim por ter permanecido na posse do veículo matrícula AT-..-BN, marca ..., modelo ... Ora, em face da prova produzida em julgamento, não foram demonstrados os motivos aduzidos pelo arguido, que levem a admitir ou vislumbrar que DD pudesse ter interesse ou retirar vantagens deste processo ou tivesse quaisquer motivos para inventar os factos narrados. Neste particular, atentas as próprias declarações do arguido e o depoimento de DD, temos por um lado que, no final do relacionamento, ambos se relacionavam com outras pessoas. Ademais, ficou demonstrado que o veículo é propriedade de DD, pelo que não se afigura plausível que esta utilizasse estes autos com o propósito de reaver o mesmo. Assim, concatenados os aludidos elementos probatórios entre si, temos que a versão apresentada pelo arguido não assumiu credibilidade e tão-pouco permitiu adquirir convicção diversa, nem explicação alternativa verosímil para o comportamento e imputações feitas pela ofendida DD. Assim, em face da globalidade do acervo probatório, nos termos supra expostos, fica demonstrada a factualidade descrita de 4. a 24., 27. e 28.. Nesta senda, os factos descritos como provados a 25. e 26. decorrem do depoimento prestado pela ofendida em conjugação com o teor do relatório de avaliação de dano corporal de fls. 272 e ss., realizado no dia .../.../2024. No que concerne à busca domiciliária realizada, no dia ... de ... de 2024, à residência, sita na ..., temos que a casa pertence à mãe do arguido, ocupando este um dos quartos e os restantes dois eram ocupados por aquela e pelo irmão HH, actualmente recluso. no decurso da diligência, estiveram presentes o arguido, que afirmou encontrar-se ali a dormir, o seu irmão EE e um menor, não se encontrando a testemunha CC (mãe do arguido). Relativamente às apreensões realizadas ao arguido AA, decorre das declarações prestadas pelo arguido e dos depoimentos prestados pela testemunha HH (irmão do arguido), bem assim pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, II e JJ, que deram cumprimento aos mandados de busca domiciliária realizada à residência, em conjugação com o teor do auto de notícia de fls. 143 e ss., com reportagem fotográfica, temos que no quarto onde estava a dormir o arguido, que o próprio admitiu ser dele, foram apreendidas 2 (duas) munições de calibre 32 S&W, classe B1, atenta a fotografia de fls. 148v. e 149; 10 (dez) munições de calibre 9 mm, conforme reportagem fotográfica de fls. 151 e fls. 153; 1 (uma) munição de calibre 12 mm, de acordo com a fotografia de fls. 153. Foi realizado exame a 2 (duas) munições de calibre 32 S&W (fls. 148v. e 149), conforme o auto de fls. 185 e 186 (cópia), por referência ao original junto a fls. 248 e 248v.; a 10 munições de calibre 9mm, sendo 7 munições, por referência ao auto de fls. 249 e 249v., e 3 munições, conforme o auto de fls. 183 e 184 (cópia), por referência ao origina de fls. 250 e 250v. e ss.; e 1 (uma) munição de calibre 12 mm (fls. 153), atento o auto de fls. 181 e 182 (cópia), por referência ao original de fls. 251 e 251v.. Também no decurso desta mesma busca, na varanda adjacente ao quarto do arguido, foi apreendida 1 (uma) espingarda, como decorre da fotografia de fls. 146 e ss.. Foi realizado exame à espingarda (fls. 148v. e 149), de onde se extrai que é do tipo caçadeira, marca ..., modificada, onde foi utilizado um tubo a fazer de cano, bem como um ferro a funcionar como gatilho e foi utilizada uma coronha, onde foi inserida uma culatra e um percursor artesanal, de acordo com o teor do auto de fls. 187 e 188 (cópia), cujo original consta de fls. 246 e ss.. Ainda no decurso da busca, na sala, foi apreendida 1 (uma) mira telescópica, atenta a fotografia de fls. 163 e 163v.). Realizada, ainda, busca ao veículo matrícula AT-..-BN, marca..., modelo ..., pertencente a DD, mas utilizado pelo arguido e na sua posse, foi encontrado no interior do porta luvas, uma caixa contendo 15 munições de calibre 6,35 mm, Browning, fabricante ..., atento o teor auto de noticia de fls. 143 e ss. com reportagem fotográfica, designadamente a fls. 164, 164v. e 165.. Atendeu-se, ainda, ao teor do auto de exame de fls. 179 e 180 (cópia), cujo original foi junto aos autos a fls. 252 e 252v.. Neste particular, o arguido AA admitiu pertencerem-lhe as 15 munições de calibre 6,35 mm. No que respeita aos demais objectos apreendidos, nos sobreditos moldes, o arguido negou que os mesmos lhe pertencessem. Neste contexto, o arguido declarou que a espingarda (fls. 146 e ss.) era de seu pai e alegou que todas as munições encontradas no interior da habitação, onde incluiu as apreendidas no interior do seu quarto, tal como as facas, pertenciam ao seu irmão EE. Inquirido nestes autos em sede de audiência de julgamento, na qualidade de testemunha, EE afirmou que a espingarda pertencia a seu pai, falecido no ano de 2013, que nunca ali residiu, e declarou ainda que as munições pertenciam ao padrasto, que morou naquela habitação, tendo falecido no ano de .... Dos depoimentos dos agentes da Polícia de Segurança Pública, II e JJ, em conjugação com os autos de notícia e apreensão supra mencionados, por referência ao documento de fls. 145 onde consta a planta da habitação, temos que naquelas circunstâncias foi realizada busca domiciliária à residência onde o arguido ocupa um dos quartos e o seu irmão ocupa o outro contíguo, pelos quais se acede a um espaço que corresponde a uma varanda fechada, o que foi confirmado pelos próprios, arguido e irmão HH, bem assim pela testemunha CC (mãe e proprietária). Concatenados estes elementos probatórios, destacando-se os depoimentos dos agentes da Polícia de Segurança Pública e conforme se extrai da reportagem fotográfica de fls. 146 e ss., resulta evidente uma divisão da varanda no que respeita à sua utilização, havendo disposição de móveis para esse fim e sendo ocupados individualmente, nomeadamente, entre as duas janelas de acesso àquela divisão de acesso a cada um dos aludidos quartos, encontra-se colocado um armário alto, onde foi encontrada em cada um das extremas laterais uma espingarda (fls. 146 e 147) e uma faca (fls. 147v.), encontrando-se cada uma disposta de um lado do móvel parcialmente salientes. Com efeito, concatenados os elementos probatórios supra elencados, temos que a espingarda encontra-se colocada em cima do móvel imediatamente junto à janela do quarto do arguido com a coronha da arma fora do móvel na direcção desta janela e imediato acesso à mesma (fls. 146 e 146v.), sendo visível e em plano de ser rapidamente alcançada do lado de dentro do quarto do arguido, conforme se extrai de fls. 151v.. Por sua vez, a aludida faca, que está colocada em cima do móvel, mas do lado oposto à espingarda, encontra-se imediatamente junto à janela do quarto da testemunha HH, irmão do arguido, com o respectivo cabo fora do móvel, na direcção desta janela e imediato acesso à mesma (fls. 147v.). Neste particular, a testemunha HH admitiu que a aludida faca lhe pertencia. Em face da prova produzida em audiência de julgamento, temos que, sendo os quartos ocupados individualmente, encontrando-se o arguido a dormir no mesmo, que afirmou pertencer-lhe, bem assim admitiu ser seu o telemóvel e o dinheiro também ali encontrado, não se suscita dúvida que lhe pertencem as munições encontradas no seu quarto, designadamente as 2 (duas) munições de calibre 32 S&W; 10 (dez) munições de calibre 9 mm; e 1 (uma) munição de calibre 12 mm. Outrossim, conjugados os supra elencados elementos probatórios, tão-pouco se suscita dúvida que pertence ao arguido a espingarda colocada em cima do móvel imediatamente junto à janela do seu quarto com a coronha da arma fora do móvel na direcção desta janela, não sendo verosímil a negação que a mesma lhe pertencesse, atenta a prova produzida em audiência de julgamento e considerando que a espingarda pertencera ao seu pai, falecido no ano de 2013, que nunca ali residiu. Face aos meios de prova examinados e acima descritos, temos a demonstração da factualidade descrita como provada de 29. a 33.. No que respeita à convicção acerca da atitude interna do arguido, dos factos objetivos dados como provados, analisados conjunta e criticamente segundo os princípios da experiência comum, resultaram inferidos os factos integradores dos elementos psicológicos, emocionais e volitivos, com que o arguido atuou, sendo a proibição e punibilidade dos comportamentos da natureza dos descritos do geral conhecimento dos cidadãos e, concomitante e necessariamente, também, deste, que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Com efeito, atenta a actuação do arguido, face aos meios de prova analisados e supra elencados, não se suscita dúvida que ao actuar nos sobreditos moldes, o arguido sabia que atingia o corpo e a saúde de DD, com quem mantinha um relacionamento análogo aos dos cônjuges e enquanto mãe de sua filha, pelo que tem sobre a mesma especial dever de cuidado e respeito, dirigindo-lhe condutas e expressões humilhantes e atemorizadoras, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, utilizando para o efeito armas de fogo para aumentar o seu sofrimento, debilitando-a psicologicamente, cerceando a sua liberdade pessoal, prejudicando-a no seu bem-estar psicossocial, ofendendo-a na sua honra e dignidade humana e pondo em causa a sua paz e sossego. Por outro lado, do cotejar da prova produzida em audiência de julgamento, destacando-se as próprias declarações do arguido em conjugação com os demais elementos probatórios supra mencionados, tão-pouco se suscita dúvida que este conhecia as características da arma de fogo e munições que detinha, bem sabendo que a sua posse era proibida, atentas as características das mesmas, sendo certo que não possui licença de uso e porte de arma, como decorre do documento de fls. 121, bem assim que a espingarda, tipo caçadeira, marca ..., por ter sido modificada, é insuscetível de qualquer licença. Deste modo, no que respeita à convicção acerca da atitude interna do arguido, embora os factos descritos como provados em 34. e 35. sejam atinentes à vida interna e insuscetíveis de apreensão direta, extraem-se, de acordo com as regras do normal acontecer, dos atos materiais perpetrados pelo arguido, pelo que resultam inferidos os factos integradores dos elementos psicológicos, emocionais e volitivos, nos moldes supra descritos. Concatenados estes elementos probatórios entre si, não ficou demonstrado, em momento algum, que o arguido estivesse condicionado ou coagido aquando da prática dos factos referidos. Ademais, a consciência da natureza penal dos factos praticados corresponde a um conhecimento que qualquer pessoa possui ou está em condições de possuir, não podendo o arguido deixar de ter conhecimento, considerando a natureza dos factos que praticou, nos termos supra explanados, bem assim como a sua idade e experiência, o que é do saber da generalidade dos cidadãos, tanto mais considerado o crescente enfoque que é dado à proteção das vítimas de violência doméstica e, bem assim, a forte censura social de que são alvo tais comportamentos, tendo ficado demonstrado que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Os antecedentes criminais decorrem do teor do certificado de registo criminal de fls. 542v. e ss.. A factualidade respeitante às condições sociais e pessoais do arguido estribou-se no teor do relatório social de fls. 548 e ss., expurgado dos factos respeitantes às declarações prestadas pelo próprio aos serviços de reinserção social, conjugado com o depoimento das testemunhas CC e HH, respectivamente, mãe e irmão do arguido. Finalmente, quanto à materialidade negativamente ajuizada, não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provadas as circunstâncias que nessa qualidade se descreveram. Com efeito, DD não relatou que o arguido tivesse proferido as expressões mencionadas em a., b. e d., nem que tivesse desferido a agressão descrita em c., não tendo as mesmas sido admitidas pelo arguido ou mencionadas por qualquer das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, com conhecimento directo e objectivo sobre tais factos. No que respeita ao facto não provado e., temos que o objecto foi encontrado no interior de um móvel que se encontrava na sala, referido como sendo um espaço comum da habitação, pertencente à mãe do arguido, onde esta residia com o arguido e outro filho. O arguido negou que tal objecto fosse de sua propriedade, nem qualquer das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento esclareceu tal factualidade. Assim, neste particular, o facto não provado considerou-se por ausência de prova que o sustentasse.” * IV. Fundamentação iv.1. Do recurso em matéria de facto Invoca o recorrente a existência de erro de julgamento, insurgindo-se contra a circunstância de o depoimento da ofendida ter sido considerado mais credível do que as declarações por si prestadas, mais indicando que, em seu entender, foram incorretamente julgados os pontos 4 a 28, e 34 dos factos provados, já que, na sua opinião, a prova produzida não permitia dá-los como provados. Conclui, por isso, o recorrente que o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova, violando o princípio in dubio pro reo. Vejamos. Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar2, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento3, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.20214. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão. Assim, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de descriminar: a)-Os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-As provas que devem ser renovadas. A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/..., publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no sentido de que «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações». As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica. Na verdade, o que decorre dos requisitos legais supra apontados é algo simples – cabe ao recorrente enunciar qual a factualidade concreta que se mostra mal apreciada e discutir os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a tais pontos de facto. Efetivamente, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do Tribunal a quo se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal. Deste modo, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude. No caso, analisadas as conclusões do recurso (e a motivação que as precede), constata-se que o recorrente, apesar de referenciar os factos provados nos 4 a 28, e 34 como incorretamente julgados, reporta-se, nessa indicação, a toda a factualidade que justificou a sua condenação pela prática do crime de violência doméstica. Por outro lado, para justificar a sua posição, limita-se fundamentalmente a manifestar a opinião de que as declarações da vítima não merecem credibilidade, mais apontando a sua negação dos factos, a par de uma versão alternativa dos acontecimentos, assente no desejo de vingança da ofendida, por ter posto termo ao relacionamento, o que, no seu modo de ver, deveria conduzir o Tribunal a um estado de dúvida inultrapassável. Na sua exposição, não estabelece o recorrente qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova, ou conjugação de meios de prova (antes os referenciando genericamente), e o facto individualizado que considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – a demonstração desta imposição compete também ao recorrente. Com efeito, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respetivas conclusões, o recorrente estabelece a relação entre os concretos segmentos dos depoimentos e o específico ponto ou pontos de facto provados que, por este meio, almeja alterar, antes os convocando de forma global e genérica e insistindo em que a negação (parcial) dos factos pelo arguido deveria ter determinado o Tribunal recorrido a considerar tais factos não provados. Face a tal alegação, resulta evidente que não foram apontadas pelo recorrente quaisquer provas que imponham decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal recorrido, designadamente, provas que tenham sido desconsideradas, mas apenas uma visão divergente quanto à credibilidade que entende ser devida aos diversos declarantes. Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão. Ou seja, a impugnação da matéria de facto não está em condições de ser conhecida por este Tribunal ad quem. Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, que depende substancialmente da imediação, e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a capacidade de convencimento que se reconhece a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há de ancorar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão «regras da experiência». Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos que é eminentemente subjetiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos5. No caso, da análise do conjunto das provas produzidas em julgamento, resulta evidente que inexiste (e não foi indicada) qualquer prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada, estando suportada pela prova produzida, criticamente analisada pelo Tribunal, nos termos constantes da motivação da decisão de facto, acima reproduzida. O princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso, porque só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, não teria interpretado os diversos depoimentos nos termos em que o fez o Tribunal recorrido. Porém, o Tribunal a quo fundamentou de modo razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no artigo 127º, do Código de Processo Penal. Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição». É função do julgador interpretar todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas. Na esteira do que se referiu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 18.01.20176, concordamos que “[n]aturalmente que a inimizade, a emoção própria de quem intervém directamente num litígio e o interesse individual num determinado sentido da decisão constituem circunstâncias que fazem recear pela fidedignidade, quer do depoimento da ofendida, quer das declarações do arguido; Seja por erro de percepção ou de memorização ou ainda intencionalmente por se entender que daí possa resultar benefício próprio ou para pessoa amiga ou familiar, acontece frequentemente que arguidos e testemunhas relatem versões díspares e mesmo absolutamente contraditórias dos mesmos tempos e espaços da história. Porém, o tribunal não se encontra adstrito a desvalorização de um meio de prova, quer por relacionamento directo com os interesses em litígio, quer por outro motivo e a lei não impõe qualquer “contabilidade de provas”, nem exige a confirmação acrescida para a prova por depoimento da ofendida. Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar a matéria de facto depende sempre de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante. Com efeito, os motivos pelos quais se confere credibilidade a determinados elementos de prova – sejam declarações do arguido sejam depoimentos de testemunhas – têm subjacente elementos de racionalidade e experiência comum, mas também fatores de que o tribunal de recurso não dispõe, onde se incluem a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insuscetíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação. Neste sentido, não será a circunstância de o tribunal se deparar com versões contraditórias ou de o arguido afirmar repetidamente a sua inocência que deva conduzir a uma situação de dúvida intransponível e um consequente juízo probatório de «não provado».” Tal reflexão é também justificada no caso que temos em mãos. Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, mostrando-se exposto de forma absolutamente transparente o percurso conviccional seguido na decisão recorrida, em termos que não suscitam reparo. O recorrente não concorda. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento. No caso, verdadeiramente, o recorrente não apontou nenhum indício concreto de que se tenha verificado erro de julgamento (v.g., que o Tribunal a quo tenha atribuído às provas examinadas conteúdo diverso do que se mostra plasmado nos autos). Limitou-se a dizer que, na sua opinião, a contradição entre as suas declarações e o depoimento da ofendida, deveria ter levado o Tribunal recorrido a considerar os factos da acusação não provados. E, segundo expõe, assenta essa sua convicção na circunstância de apenas a ofendida relatar os acontecimentos nos termos dados como provados, sendo que os seus familiares (mãe e irmão) garantiram que é uma pessoa meiga e calma, incapaz de agredir a ofendida, do mesmo passo que caracterizaram esta última como ciumenta. Porém, o que resulta da decisão recorrida é que o Tribunal considerou a ofendida credível, convencendo-se de que a mesma falava com verdade, sendo ademais compreensível, à luz da normalidade dos acontecimentos da vida, que aos factos descritos apenas assistissem arguido e ofendida, não sendo incomum que os mesmos aconteçam fora da vista de familiares e/ou amigos. O que se vê na argumentação do recorrente, por outro lado, é a tentativa de criar uma versão alternativa dos factos, para a qual, no entanto, não existe suporte que vá além das declarações do próprio. Ao contrário do pretendido pelo recorrente, não há nada manifestamente incongruente ou inverosímil no relato da ofendida, sendo inteiramente compreensível que, se um comportamento é reiterado durante um período de tempo mais ou menos longo, o respetivo destinatário tenha dificuldade em re-contar os acontecimentos sempre do mesmo modo, ou que não existam hesitações ou pontuais divergências – tudo isto é humano e natural, não se podendo constituir, sem mais, como indício de falsidade. E, no caso, esse «mais», ao contrário do alegado pelo recorrente, inexiste. As testemunhas ouvidas não infirmam a versão dos factos apresentada pela ofendida, já que não mostraram possuir conhecimento direto dos factos, o que não surpreende, posto que ao pela ofendida relatado apenas duas pessoas assistiram, precisamente o arguido e a própria ofendida. Destaca-se, ainda, que o depoimento da testemunha FF, avó da ofendida, foi valorado apenas enquanto coadjuvante das declarações desta, na medida em que pode reportar o estado de espírito em que a mesma se encontrava, conferindo assim consistência ao pela ofendida relatado, essa sim, na primeira pessoa. Especificamente quanto ao ponto 34 dos factos provados, reporta-se o mesmo ao elemento subjetivo do crime e, tratando-se de factos do foro interno, não ocorrendo confissão integral e sem reservas, devem os mesmos fazer-se derivar, por inferência lógica, do complexo fáctico diretamente apurado, em conjugação com as regras de experiência comum, que foi o que sucedeu, não merecendo censura a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, quando refere que tais factos se extraem “dos atos materiais perpetrados pelo arguido, pelo que resultam inferidos os factos integradores dos elementos psicológicos, emocionais e volitivos, nos moldes supra descritos”, não estando demonstrado que “o arguido estivesse condicionado ou coagido aquando da prática dos factos referidos”, e concluindo, em consequência, que “a consciência da natureza penal dos factos praticados corresponde a um conhecimento que qualquer pessoa possui ou está em condições de possuir, não podendo o arguido deixar de ter conhecimento, considerando a natureza dos factos que praticou, nos termos supra explanados, bem assim como a sua idade e experiência, o que é do saber da generalidade dos cidadãos, tanto mais considerado o crescente enfoque que é dado à proteção das vítimas de violência doméstica e, bem assim, a forte censura social de que são alvo tais comportamentos, tendo ficado demonstrado que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação”. Não vemos, em face do modo como foi exposta a fundamentação apresentada na decisão recorrida que o Tribunal a quo tenha feito mau uso do poder-dever de livre apreciação da prova ao não considerar provada a versão do arguido quanto aos factos dos autos (e, sobretudo, ao não se convencer da irrelevância criminal dos seus comportamentos). Na verdade, o que se observa na decisão recorrida é que o Tribunal a quo procedeu a uma cuidadosa análise de todos os elementos de prova disponíveis, conjugando-os entre si, e destacando, naturalmente, a credibilidade que lhe mereceram as declarações da ofendida, cujo depoimento «(…) foi prestado de forma espontânea, circunstanciado e objectivo, demonstrando-se momentaneamente ansiosa e emocionada, o que se coaduna totalmente com o contexto de reevocar o relacionamento com o arguido e o desenvolvimento subsequente», e que desse mesmo depoimento «(…) resulta inequívoco um crescendo de violência e agressividade na actuação do arguido, que lhe foi impondo e assim granjeando ascendente sobre si, tendo nos últimos dois episódios manuseado e apontado uma arma de fogo», avaliando tal relato como «(…) objetivo e autêntico, apresentando diversos indícios de veracidade, em que, relativamente ao comportamento do arguido, respondeu negativamente a determinadas questões mais específicas ou respondeu que não se recordava (cfr. factos não provados)». O relato da ofendida, designadamente no que se refere aos factos ocorridos em ........2024, foi ainda considerado concordante com os resultados do exame médico a que a mesma foi sujeita, em contraste com a versão apresentada pelo arguido, que se mostrou incapaz de explicar a produção das lesões observadas na vítima, na sequência desses factos. É uma apreciação subjetiva da prova, que resulta da imediação e da oralidade, que só seria afastada se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso, porque só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, não teria, por um lado, dado credibilidade às declarações da ofendida e, por outro, teria alicerçado a convicção nas suas próprias declarações. O Tribunal a quo fundamentou de modo razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no artigo 127º, do Código de Processo Penal. Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto. Resulta evidente que o Tribunal a quo analisou a globalidade das declarações prestadas pela ofendida, em conjunto com toda a demais prova (declarações do arguido incluídas), explicando de forma clara e pormenorizada o percurso que seguiu na formação da sua convicção, bem como as razões pelas quais reconheceu credibilidade e verosimilhança a tais meios de prova. O exame que o Tribunal a quo fez da prova produzida, para além de evidenciar com clareza o caminho seguido pelo Tribunal na formação da sua convicção, mostra-se também feito com respeito pelas regras da experiência comum e da normalidade da vida e dos critérios da racionalidade e da lógica. Ora, como expressamente resulta do disposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do Código de Processo Penal, quanto à impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, deve o recorrente indicar ainda as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Esse desiderato não se alcança com a mera formulação de opiniões quanto à clareza ou precisão do que foi dito, na medida em que tais elementos possam permitir diferentes conclusões – só se atinge com a indicação das provas que impõem, que obrigam a decisão diversa. Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 20087: “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente. As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.” Da análise do conjunto das provas produzidas em julgamento, resulta evidente que inexiste qualquer prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada, estando suportada pela prova produzida, criticamente analisada pelo Tribunal, nos termos constantes da motivação da decisão de facto. Como se ponderou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.20188, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica. O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.” Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade. A violação deste princípio tem sempre que ser aferida em concreto, porque só em concreto pode acontecer que, no final da produção da prova, no tribunal permaneça alguma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido. Tal aferição não pode ser feita em abstrato, dizendo-se que a admissão deste ou daquele tipo de prova viola este princípio. Se as provas levadas em conta forem legais, só em concreto se pode aferir se o tribunal ficou, ou devia ter ficado, com dúvidas relevantes. Assim, só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos no acórdão recorrido, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida. A avaliação da prova por parte do Tribunal não é uma operação aritmética: a negação dos factos pelo arguido não invalida a narração dos mesmos por parte da ofendida. Não existe qualquer obstáculo legal a que se considerem os factos provados com base num único relato, desde que este se mostre credível aos olhos do Tribunal (que é uma entidade independente e imparcial), o que envolve a respetiva avaliação à luz das regras de experiência comum e a consideração dos elementos circunstanciais que possam conferir-lhe consistência. Como aconteceu in casu. Não se vê que o Tribunal a quo tenha tido dúvidas na fixação dos factos, e também não se vislumbra, em face da fundamentação exposta, que as devesse ter tido. O mais que se pudesse dizer a este respeito tem a ver com a apreensão da realidade pelo juiz do julgamento que, como se disse, tem o benefício da imediação, teve as pessoas na sua frente, pode ver o modo como falaram, a expressão que tinham no olhar, a postura, os gestos, a latência no discurso e todos os demais aspetos que não transparecem numa gravação áudio, que é o que o Tribunal de recurso tem à sua disposição. Deste modo, sendo os factos dados como provados no acórdão recorrido conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova. Improcede, pois, o recurso no que toca à impugnação da matéria de facto. * Não vem questionado no recurso o enquadramento jurídico dos factos, designadamente, no que se refere ao crime de violência doméstica, nem se vislumbra – face aos factos dados como provados – que exista desconformidade que deva ser conhecida por este Tribunal ex officio. Mantém-se, por isso, o enquadramento jurídico dos factos, nos termos expostos na decisão recorrida, que, nesta parte, não foi desafiada pelo recorrente. * iv.2. Da medida da pena aplicada Fixados que estão, em definitivo, os factos provados e o respetivo enquadramento jurídico, importa apreciar a questão de direito suscitada pelo recorrente e que passa por saber se a pena que lhe foi aplicada pela prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, é excessiva e desproporcionada, devendo ser reduzida. Entende o recorrente que a medida da pena aplicada é excessiva porque “o grau de ilicitude do facto é diminuto”, sendo “o arguido é uma pessoa familiar e socialmente integrada”, que “não tem quaisquer antecedentes criminais por crime de violência doméstica”, e rematando: “o recorrente tem 29 anos, sendo relativamente jovem, pelo que a aplicação de uma pena de prisão de quatro anos de prisão afigura-se demasiado gravosa, sendo que atendendo às exigências de prevenção especial positiva que se fazem sentir no caso, e considerando as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido entendemos que deveria ter sido aplicada uma pena de prisão de duração inferior”. Vejamos. A este respeito, importa ter em conta que, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.20219, no que se reporta à decisão sobre a pena, mormente a sua medida, “os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.” Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª instância alterando o quantum da pena concreta. Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício. Para essa apreciação, revisitemos as considerações do Tribunal a quo no que se refere à determinação da medida da pena de prisão no caso concreto, e no trecho em que, depois de versar sobre os parâmetros legais de tal operação, enunciou as circunstâncias relevantes: “Primeiramente, as exigências de prevenção geral ou de integração positiva quer quanto ao crime de violência doméstica, quer quanto ao crime de detenção de arma proibida ou crime cometido com arma, consideram-se elevadas, impondo-se o reforço, perante a comunidade, da validade das normas que punem tais condutas e protegem aqueles bens jurídicos fundamentais. (…) Como circunstâncias que depõem contra o arguido, importa considerar a ilicitude, traduzida na insensibilidade às condutas devidas, considerando os factos concretos que a integram e o lapso de tempo pelo qual perdurou a conduta abusiva; o modo de execução, atentos os insultos, críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, agressões físicas e ameaças com exibição de armas de fogo, manifestando considerável desdém pela comissão dos factos relativamente à dignidade humana da mulher, enquanto sua companheira e mãe de sua filha; a gravidade das consequências das suas condutas, considerando as sequelas físicas evidenciadas e psicológicas, tanto mais que o decurso do tempo não apaga facilmente estas últimas marcas; a que acresce a forte intensidade do dolo, sempre direto e intenso, na sua conduta delituosa, que revela um grau de culpa elevado, não tendo o arguido demonstrado interiorização do seu comportamento, atenta a falta de juízo crítico negativo. No que respeita as exigências de prevenção especial, importa considerar, desde logo, que o arguido, atualmente com 28 (vinte e oito) anos de idade, foi anteriormente condenado por acórdão transitado em julgado em 2015/07/13, pela prática em ...1.../06 e ...1.../06 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de cinco meses de prisão, três crimes de furto, na pena de três meses de prisão cada um, quatro crimes de roubo, na pena de um ano de prisão cada, e dois crime de roubo na forma tentada, na pena de seis meses de prisão cada, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e três meses de prisão, suspensa por igual período de quatro anos e três meses de prisão, sujeita a regime de prova. Ademais, por sentença transitada em julgado em 2021/10/25, pela prática em ...1.../08 de um crime de furto simples, na pena de 130 dias de multa, declarada extinta pelo pagamento. Em termos pessoais, o arguido mostra-se social, familiar e profissionalmente integrado, contudo, tal integração não obstou à prática deste tipo de ilícito. O arguido viveu junto dos progenitores, uma situação económica com dificuldades, até aos 12 anos no ..., altura em que estes se separaram ambos. Nesta sequência, os dois filhos do casal ficaram a viver com a progenitora que veio viver para o ..., onde tinha outros familiares. Ambos os progenitores têm filhos anteriores de outros relacionamentos, mantendo relações de proximidade com os mesmos. Em termos escolares, concluiu o 9º ano de escolaridade através de um curso profissional de design gráfico, tendo mantido alguma atividade não remunerada dentro desta área com exposições no estrangeiro. Entre ... e 2019, emigrou para o ... onde refere ter trabalhado na restauração, acabando por regressar a .... O seu percurso laboral tem decorrido de forma pouco consistente em áreas indiferenciadas, e com períodos de inatividade. À data dos factos, o arguido encontrava-se recentemente inativo profissionalmente, depois de ter trabalhado cerca de dois anos no ... com funções de ... e de caixa. Mantem um negócio online com o irmão na área do ... No decurso deste processo foi-lhe aplicada medida de coação de proibição de contatos, tendo sido registadas inúmeras anomalias, tendo esta vindo a terminar quando o arguido foi preso preventivamente em ........2025, à ordem do processo nº 4/24.8SMLSB. Actualmente, o arguido mantém uma outra relação afetiva, iniciada em ..., após o terminus da anterior relação com DD. Assim, sopesadas todas estas circunstâncias supra mencionadas, o Tribunal considera como adequada e suficiente a condenação do arguido: - na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, als. b) e c), n.º 2 al. a), e n.º 4 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 1, al. c), e n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07; e - na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, als. c) e e), e n.º 2, da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24/07.” Perante as considerações tecidas, não pode deixar de considerar-se que o recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de não ter tomado em consideração circunstâncias relevantes. Na decisão recorrida considerou-se provado que o arguido, ao agir do modo descrito, teve o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar a vítima, inclusive no domicílio comum, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de sua mulher, e que não se coibiu de persistir com tal conduta, tendo atuado de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei. Quanto à alegada falta de consideração de circunstâncias referentes às condições pessoais do arguido e às necessidades de prevenção especial, a simples leitura da decisão recorrida permite, sem esforço, concluir pela falta de razão do recorrente – as circunstâncias provadas foram consideradas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71º, nº 2, alíneas d) e f), do Código Penal, em termos que não nos merecem qualquer censura. De modo absolutamente racional foi considerada a juventude do arguido, bem como o seu enquadramento social e profissional, refletindo-se, porém, que tais condições favoráveis não foram bastantes para afastá-lo da prática dos crimes aqui apreciados. Adicionalmente, há que dizer que não pode ser ignorada a total ausência de arrependimento ou interiorização da gravidade da conduta – o que está bem patente nas declarações prestadas pelo arguido, que mostrou total ausência de empatia para com a sua vítima. Tendo sido considerados todos os fatores relevantes, não assiste razão ao recorrente, não tendo o Tribunal a quo deixado de ponderar devidamente todas as circunstâncias provadas. Na determinação da pena de prisão concreta a aplicar, concorda-se com as conclusões extraídas dessas circunstâncias pelo julgador de primeira instância, entendendo-se que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários fatores agravantes e atenuantes em presença), foi adequado à execução do crime e à personalidade do arguido, não obstante o seu enquadramento familiar e social. Quanto aos fatores relativos à conduta do agente, anterior e posterior ao facto (artigo 71º, nº 2, alínea e), do Código Penal), apontaram-se na decisão recorrida os fatores relevantes, não podendo ignorar-se o seu passado criminal, que regista a prática de crimes contra as pessoas (v.g., ofensa à integridade física qualificada e roubo), que impede a atribuição de qualquer efeito atenuativo à circunstância de o arguido não ter sido antes condenado pela prática de crime de violência doméstica, não podendo, neste âmbito, ignorar-se a ausência de arrependimento ou empatia revelados ao longo da audiência de julgamento. Foram ponderadas, quanto à execução do facto (pensada em termos globais - artigo 71º, nº 2, a), b) e c), do Código Penal) todas as circunstâncias relevantes: a forma intencional da vontade criminosa (a intensidade da vontade no dolo); o modo de execução da atividade delituosa (humilhação, insultos, ameaças e, a final, agressão física); e a duração temporal da atividade delituosa. Assim, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, e, bem assim, as não insignificantes exigências de prevenção especial, bem como o grau de ilicitude e da culpa do arguido, numa moldura penal de 2 anos e 8 meses de prisão a 6 anos e 8 meses de prisão, não se mostra flagrantemente desproporcionada a pena de 4 anos de prisão fixada pelo Tribunal a quo, que, aliás, se situa abaixo do ponto médio da moldura abstratamente prevista. Nestes termos, ponderando tudo o que supra se expôs e tendo em atenção os parâmetros de controlo da fixação da medida concreta da pena pelo Tribunal de recurso, considera-se que a decisão recorrida procedeu a um exame cuidadoso e equilibrado do caso. Assim, e contrariamente ao alegado pelo recorrente inexistem quaisquer factos que possam fundar um juízo atenuativo da sua responsabilidade penal. Improcede, pois, o recurso, quanto à questão da redução da medida da pena aplicada. * Não tendo o arguido questionado a medida da pena fixada para o crime de detenção de arma proibida, nem a pena única resultante da operação de cúmulo jurídico levada a cabo pelo Tribunal a quo, e nem se vendo que esta se mostre flagrantemente desproporcionada (a pena única foi, aliás, fixada muito perto do respetivo limite inferior), não se justifica, face ao que já acima se deixou dito, qualquer alteração por parte deste Tribunal ad quem. De igual modo, não questionou o arguido/recorrente a necessidade de efetivo cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, nem merece qualquer censura a circunstância de o Tribunal a quo se ter visto impossibilitado de formular um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, quanto a manter-se o mesmo afastado da prática de futuros crimes, razão pela qual se mostra inteiramente ajustada a imposição de cumprimento efetivo da pena, nada havendo a alterar neste âmbito. * V. Decisão Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido nos seus precisos termos. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Notifique. * Lisboa, 07 de outubro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Sandra Oliveira Pinto Ana Cristina Cardoso Alexandra Veiga _____________________________________________________ 1. Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.» 2. Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, págs. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, janeiro-março de 1994, pág. 121). 3. Neste sentido, vd., por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2008 (no processo nº 06P3649, Relator: Conselheiro Souto de Moura), e de 14.05.2009 (no processo nº 1182/06.3PAALM.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro), ambos disponíveis em www.dgsi.pt 4. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt. 5. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2008, no processo nº 07P4729, Relator: Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt 6. No processo nº 1050/14.5PFCSC.L1-3, Relator: Desembargador João Lee Ferreira, acessível em www.dgsi.pt. 7. No processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt. 8. No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt. 9. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt. |