Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS | ||
Descritores: | REQUERIMENTO EXECUTIVO INDEFERIMENTO LIMINAR DESPACHO LIMINAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. O artigo 734º do CPC permite que nas ações executivas seja feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o controlo jurisdicional das questões suscetíveis de motivar o indeferimento liminar do requerimento executivo. II. O mero despacho liminar que determina a citação do executado, por não produzir caso julgado formal, não inviabiliza o conhecimento a posteriori (com o limite temporal do 1º ato de transmissão dos bens penhorados) das questões que poderiam ter dado azo ao indeferimento liminar do requerimento executivo ou ao seu aperfeiçoamento. III. E nada impede que esse conhecimento possa ocorrer na sequência de um simples requerimento onde o executado argua tais questões, apesar de não ter deduzido oposição à execução. IV. Ponto assente é que, tal como o faria em sede de despacho liminar, o Tribunal se baseie nos elementos que já constem no processo, não, podendo, pois, atender a elementos probatórios que o executado venha trazer aos autos com o requerimento onde argui as referidas questões de conhecimento oficioso. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: AA intentou execução para pagamento de quantia certa contra BB e CC, liquidando a obrigação exequenda em 5.145.415,37 €, indicando como título executivo “Outro título com força executiva”, e alegando no requerimento executivo a seguinte factualidade: “1. Entre o Exequente e o Executado foi celebrado um acordo de confissão de dívida em 06 de março de 2010, 2. Através do qual o Executado reconheceu dever ao Exequente a quantia de 2.970.606,13€ (dois milhões novecentos e setenta mil seiscentos e seis euros e treze cêntimos), 3. Decorrente de transações comerciais, conforme documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc.1). 4. Por força do referido acordo, o Executado comprometeu-se a liquidar a quantia total em dívida em 6 prestações anuais de 465.101,02€ (quatrocentos e sessenta e cinco mil cento e um euros e dois cêntimos) cada, 5. Com vencimento no sexto dia do mês de janeiro de cada ano. 6. Vencendo-se a primeira prestação em 06 de janeiro de 2011, 7. E as restantes nos anos subsequentes. 8. Sucede que, o Executado não pagou nenhuma das prestações a que estava obrigado, 9. Encontrando-se em dívida perante o Exequente da referida quantia de 2.970.606,13€ (dois milhões novecentos e setenta mil seiscentos e seis euros e treze cêntimos), a título de capital. 10. Nos termos da cláusula 6ª do acordo de Confissão de Dívida, o Executado comprometeu-se ao pagamento dos juros de mora à taxa aplicável às operações comerciais, 11. Que calculados desde 06 de janeiro de 2011 perfazem a quantia de 2.174.809,24€ (dois milhões cento e setenta e quatro mil oitocentos e nove euros e vinte e quatro cêntimos) 12. Totaliza assim a dívida do Executado perante o Exequente o valor de 5.145.415,37€ (cinco milhões, cento e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quinze euros e trinta e sete cêntimos). 13. Conforme melhor consta da sua Cláusula 16ª, o Acordo de Confissão de Dívida dado à execução constitui o título executivo, ao abrigo do art.46 do Código de Processo Civil em vigor à data da sua emissão, 14. Natureza já unanimemente aceite, inclusive pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 14 de outubro. 15. O Executado é casado no regime da comunhão geral com a Executada. 16. Pelo que de acordo com o disposto no artigo 1691, nº1, alínea d) do Código Civil, ambos os cônjuges são responsáveis pela ora quantia Exequenda. 17. Nos termos da cláusula 19ª do Acordo de Confissão de Dívida e Pagamento, foi eleito o foro da comarca de Porto de Mós, sendo o presente o tribunal competente. 18. É certa, líquida e exigível a dívida constante do título executivo. 19. Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exa. entenda por convenientes, requer-se a execução do património e demais direitos dos Executados para pagamento da quantia exequenda, bem como dos juros de mora vincendos, custas processuais e honorários do Agente de Execução. 20. Desde já se requerendo a penhora de qualquer conta bancária existente em nome dos Executados.” Anexou documento intitulado “Confissão de Divida” que se dá aqui por reproduzido. * Em 10.10.2023 foi apresentado, pelos executados, requerimento (que não notificaram ao exequente) com o seguinte teor: “Meritíssimo Senhor Juiz de Direito Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste CC e esposa, Executados nos autos à margem referenciados e nos mesmos melhor identificado, vêm pela presente requerer a V. Exa., nos termos e com os efeitos do art.º 734.º, n.º 1 e 726.º, n.º 2, al.s a) e b) todos do CPC a junção aos autos do seguinte INCIDENTE O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1º. A execução é instaurada com fundamento em acordo de confissão de dívida de 6/3/2010. 2º. A Exequente não apresenta qualquer legitimidade para exercer em nome da alegada RSV Lda., os créditos constantes da confissão de dívida. 3º. Mais, nos termos desse acordo de confissão de dívida datado de 6/3/2010 foi dada em garantia real do pagamento da dívida, letra de câmbio/aceite com o n.º ...221, devidamente preenchida, assinada e avalizada. 4º. Essa letra não foi junta ao Requerimento Executivo. 5º. Nos termos do art.º 429.º CPC os Executados requerem que seja a Exequente notificada para apresentar a letra aos presentes autos. 6º. A Exequente deve apresentar a letra aos presentes autos. 7º. Não devendo a letra continuar a circular enquanto o pagamento a que a mesma se destina é exigido em execução judicial. 8º. O título de confissão de dívida que fundamenta a execução foi assinado em outubro de 2020, cfr. DOC 1 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9º. A 6/3/2010 o aqui Executado desconhecia AA. 10º. A 6/3/2010 o aqui Executado não estava em Lisboa, estava em Luanda, Angola. 11º. A 5/3/2010 o Executado estava na sede da empresa ..., S.A.., na Rua..., Luanda, Angola, cfr. DOC 2 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 12º. A 6/3/2010 o aqui Executado marcou viagem para Lisboa, junto da TAP, para o dia seguinte e voltar a 10/3/2010, tendo efetivamente embarcado a 7/3/2010 em Luanda, tudo cfr. DOC 3 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 13º. Tal viagem foi marcada com urgência com o único propósito de acompanhar a esposa pela morte do sogro. A 8/3/2010 o Executado estava no funeral do sogro, como comprovativo junta como DOC 4 a certidão do referido óbito e os pagamentos das flores para o referido funeral. 14º. Ao dia 10/3/2010 o Executado voltou para Luanda, cfr. DOC 5 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 15º. Os Executados, no caso o Executado, instado pela sua então I.A., Dra. DD, Advogada com a CP ..., assinou documentos vários como a confissão de dívida dos presentes autos, com datas muito anteriores, cfr. O referido DOC 1 demonstra e do que o do DOC 6 infra também é exemplo. 16º. O Executado é herdeiro de herança que ascenderá a milhões de euros. 17º. Os Executados em meados do ano de 2020, por intermédio da referida I.A., conheceram a aqui Exequente que lhes prometeu resolver todas as penhoras que os mesmos tinham à data sobre os seus imóveis, um dos quais, a habitação permanente, por causa do processo executivo com o n.º 1706/14.2YYLSB do Juízo de Execução de Lisboa – Juiz ..., em valor que ascendia a 10 milhões de euros, cfr. cláusula sétima do contrato promessa de compra e venda de quinhões hereditários e de bens futuros, junto em anexo como DOC 6 e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 18º. Pelas insistências da referida I.A. e o desespero em que os mesmos se encontravam, os Executados confiaram e assinaram o que lhes foi apresentado pela I.A. em conformidade à aqui Exequente. 19º. Com efeito os aqui Executados e Exequente assinaram nos termos apresentados pela referida I.A. em que confiaram, contrato de promessa de compra e venda de quinhões hereditários e de bens futuros, que se junta em anexo como DOC 6 supra. 20º. A aqui Exequente não cumpriu com a referida expetativa, não resolveu as penhoras que o mesmo tinha à data por causa do referido processo executivo com o n.º 1706/14.2YYLSB. 21º. O aqui Executado perdeu os seus imóveis nesse referido processo executivo, cfr. DOC 7 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 22º. Todavia, a Exequente exige dos Executados, aquela quantia e utiliza os documentos que simulou com estes para exigir destes valores como o faz nos presentes autos. 23º. O Executado em nenhum momento teve transações comerciais de exportação de bens móveis com a Exequente, nem com nenhuma outra entidade. É totalmente falsa tal alegação da Exequente no Requerimento Executivo. 24º. Solicitada à Bureau Veritas que inspecionaria previamente as exportações referidas no título executivo da presente execução das exportações da RSV, Lda., com o NIPC ..., a 8/15 e 22 de dezembro de 2000, nos valores referidos no título referido, esta respondeu cfr. se anexa como DOC 8 e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 25º. O Executado nunca ficou a dever à Exequente qualquer valor por alegadas transações comerciais de exportação de bens móveis. É totalmente falsa tal alegação da Exequente no Requerimento Executivo. 26º. São falsas as alegações no Requerimento Executivo segundo as quais os Executados se comprometeram a pagar naqueles termos o que quer que fosse à Exequente, salvo o alegado supra sob 17.º. 27º. Os Executados impugnam o título executivo por o mesmo ser falso. 28º. A instâncias da referida I.A., Dra. DD, os Executados não apresentaram oposição à presente execução, cfr. DOC 9 em anexo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 29º. Cfr. ao DOC 9 supra segundo a I.A. “nada havia a contestar”. 30º. O título é absolutamente falso e é uma das peças de um esquema de burla urdido entre a aqui Exequente, a referida I.A. e outros. 31º. Com efeito o Executado prepara apresentar queixa-crime contra a aqui Exequente, a referida I.A. e outros pelos crimes de burla qualificada. 32º. A confissão de dívida cfr. supra não deve fundamentar a presente execução. 33º. Bem como, a alegada data de 6/3/2010 é um elemento da simulação e burla cuidadosamente urdidas, a fim de fazer o documento valer em conformidade com o sentido da decisão do douto Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, proferido no Processo n.º 340/2015 de que é inconstitucional a aplicação do artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013 a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição). 34º. Todavia, tal data de assinatura cfr. supra exposto é falsa. 35º. Não apenas a data, todo o documento refere-se a uma simulação e burla cuidadosamente urdidas. 36º. Sendo relevante para o propósito imediato da presente a compreensão do facto de que a data aposta no mesmo é falsa e que também por esse motivo ao documento em causa não deve ser reconhecida a qualidade de título executivo. 37º. A confissão de dívida que fundamenta os presentes autos é um negócio simulado, sem qualquer realidade subjacente a não ser o referido acordo supra referido sob a alegação 17.º. 38º. A confissão de dívida é simulada; e ainda, 39º. Não obstante o supra exposto e com vista à rejeição imediata da presente execução faz-se a alegação de que em causa na alegada confissão de dívida estão, apenas e expressamente, créditos devidos a uma alegada entidade designada RSV Lda. 40º. A presente execução tem condicionado a vida económica e financeira dos Executados que não podem movimentar contas bancárias devido aos atos da presente execução com todos os prejuízos que tal acarreta, por exemplo 500 € é o limite para pagamento de impostos em dinheiro, cfr. ao Decreto-Lei 92/2017. 48º. Requer que seja notificada a Exequente para a decisão urgente de suspensão da presente execução com dispensa da prestação de caução, com fundamento na falta de exigibilidade da quantia exequenda, designadamente, pela falta de junção do original da letra, pela falta de legitimidade da Exequente para a presente execução, pela falta de causa e falsidade da data da assinatura da confissão de dívida. Nestes termos e nos demais de Direito com o douto suprimento de V. Exa., Meritíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o presente Requerimento, depois de devidamente autuado deve ser julgado procedente por provado e em consequência a presente execução deve ser imediatamente suspensa, rejeitada e extinta no seu todo. ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA! Juntaram documentos. * Em 03.01.2024 foi proferido despacho que contém o seguinte segmento: “Requerimento de 10-10-2023: Os executados apresentaram requerimento, que designaram de incidente, onde pedem que aexecução seja “imediatamente suspensa, rejeitada e extinta no seu todo”. Alegam para tanto, factos que em seu entender levam à invalidade do título. Invocam ainda a ilegitimidade activa. Desconhece-se ao abrigo de que disposição legal foi processualmente apresentado o requerimento/incidente em apreço. Todavia, sempre se dirá que o meio próprio para o executado se opor à execução é através de embargos de executado, como resulta claramente do disposto no art.º 728º do Cód. Proc. Civil. Esgotado o prazo para a dedução de embargos, fica precludido o direito de praticar o acto, ou seja, o direito do executado de se opor à execução, não o podendo fazer por outra via, designadamente através de qualquer incidente anómalo. Pelo exposto, indefiro liminarmente o incidente anómalo, por manifesta falta de fundamento legal. Notifique.” *** Inconformados, vieram os Executados, interpor recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 13º. A decisão recorrida indefere por falta de fundamento legal o requerimento/incidente apresentado em 10/10/2023 pelos Executados, aqui Recorrentes, pelo qual ao abrigo do art.º 734.º, n.º 1 e 726.º, n.º 2, al.s a) e b) todos do CPC, alegam a invalidade do título, a insuficiência do mesmo desacompanhado da letra associada, a inexistência da quantia exequenda e a ilegitimidade da alegada exequente, pedindo que, ao abrigo daquelas disposições, o tribunal usasse do seu poder de conhecimento oficioso e, assim o entendendo como devido, decretasse que a execução fosse imediatamente suspensa, rejeitada e extinta no seu todo; 14º. Ao momento do referido requerimento, bem como porquanto, não se verifica nos autos qualquer ato de transmissão; 15º. No referido requerimento/incidente são alegados apenas argumentos respeitantes aos pressupostos legais da execução, vícios de conhecimento oficioso que determinam, caso sejam verificados pelo tribunal, a suspensão, a rejeição e a extinção da execução estabelecida; 16º. Os Recorrentes não se conformam com o indeferimento. A execução é ilícita e tal deve ser verificado com as devidas consequências. Nestes termos e nos demais de Direito com o douto suprimento de V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação da Lisboa, ao presente recurso depois de devidamente autuado deve ser concedido provimento e em consequência deve ser admitido o requerimento indeferido liminarmente e as questões de conhecimento oficioso no mesmo suscitadas devem ser apreciadas pelo tribunal a quo. ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!” * A parte contrária contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: “I. Conclusões A. O Recurso interposto pelos Executados não cumpre aos requisitos exigidos pelo artigo 639º do CPC. B. Segundo o artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”. C. Versando o recurso sobre matéria de direito, os Recorrentes devem indicar, nas suas conclusões de recurso, as normas jurídicas violadas e o sentido com que, em seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, artigo 639.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC). D. Sucede que para além de as conclusões não cumprirem os requisitos do artigo 639º, as alegações em momento algo faz referência às normas que os Recorrentes entendem ter sido violadas, bem como o correto sentido com que, em seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. E. Não havendo assim lugar a convite de aperfeiçoamento, conforme prevê o nº 3 do artigo 639º do CPC, devendo o presente recurso ser rejeitado. F. Neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.03.2023, no âmbito do processo nº 216/19.6PILRS.L1-9, disponível em www.dgsi.pt “I- Quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art.º 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção; II- No entanto o mesmo já não sucede, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correcção já não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento.” G. Os Recorrente limita-se a uma crítica generalista sobre a decisão do tribunal a quo, H. O que faz de forma vaga e incorente. Sem condescender, I. Da análise das alegações de recurso. J. A douta decisão proferida, andou bem quando indeferiu liminarmente a pretensão dos Executados. K. Salvo melhor opinião, entende o Exequente que o recurso interposto pelos Recorrentes carece de fundamento, L. Que resulta claro e evidente em face da argumentação aduzida, que mais não é do que o explanar de um conjunto de ideias desconexas e vagas, M. Os Recorrentes limitaram-se a referir Acórdãos que alegadamente justificam a sua pretensão. N. No entanto limitaram-se a referir a data em que os acórdãos foram proferidos não fornecendo mais nenhum alemento que permita identificar especificamente os acórdãos.” * O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo. * Já neste Tribunal da Relação foi proferido despacho a solicitar à 1ª instância que certifique se na data de prolação do referido despacho recorrido já havia ocorrido algum ato de transmissão dos bens penhorados. O Tribunal a quo remeteu em 13.09.2024 informação da Sra. AE datada de 23.08.2024, esclarecendo que: “1. relativamente á 1/2 do imóvel penhorado não ocorreu qualquer transmissão; 2. relativamente ao quinhão hereditário penhorado, desconhece a agente de execução se ocorreu alguma alteração na posse no património.” E após pedido de certificação, sem margem para dúvidas, sobre se foi penhorado algum quinhão hereditário e se na data de prolação do despacho recorrido já havia ocorrido algum ato de transmissão desse bem, o Tribunal a quo remeteu informação da Sra. AE datada de 25.10.2024, esclarecendo que: “1) Foram enviadas notificações para penhora da herança aberta por óbito de EE, Nif ...66, cfr documentos que se anexam; 2) Foram enviadas notificações para penhora da herança aberta por óbito de FF, Nif ...32, cfr documentos que se anexam. No âmbito dos presente Autos não foi promovida a venda de nenhum quinhão hereditário.” * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II - Questão prévia (relativa a uma eventual rejeição do recurso): Dispõe o art.º 637º do CPC: “1 - Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto. 2 - O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.” Por sua vez, dispõe o art.º 639º do CPC que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.” In casu, considera o recorrido que nas alegações do recurso em momento algum se faz referência às normas que os Recorrentes entendem ter sido violadas, bem como o correto sentido com que, em seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. Estão, portanto, em causa os ónus descritos nas alíneas a) e b) do nº 2 do art.º 639º do CPC. Ora, atenta a simplicidade da questão, e, portanto, a manifesta desnecessidade de audição dos recorrentes (art.º 3º nº 3 do CPC), desde já se refere que não assiste razão ao recorrido. Da primeira conclusão do recurso (equivalente ao ponto 13º do requerimento de recurso) resultam claramente identificadas as normas jurídicas que os recorrentes entendem violadas - os arts. 734º e 726 nº 2 als. a) e b) todos do CPC. Por outro lado, não poderiam os recorrentes indicar o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, porque a decisão recorrida (indeferimento liminar de incidente anómalo) assentou na “manifesta falta de fundamento legal”, referindo expressamente que: “Desconhece-se ao abrigo de que disposição legal foi processualmente apresentado o requerimento/incidente em apreço.” Inexistindo norma que seja fundamento jurídico da decisão, fica obviamente prejudicada a indicação aludida na al. b) do art.º 639 nº 2 do CPC. Cabe ainda referir que o Acórdão invocado pelo recorrido (Ac. do TRL de 08.03.2023 proferido no Proc. 216/19.6PILRS.L1-9) não releva para o caso dos presentes autos, porque, para além de se reportar a recurso apresentado em processo penal, e portanto, a normas de admissão próprias, incidia sobre caso em que a deficiência ou imperfeição manifestava-se na motivação e nas conclusões (cf. parte final do ponto II do sumário), o que não sucede in casu, pois das conclusões claramente resultam indicadas as normas violadas, conforme referido supra. Pelo exposto, não há fundamento para rejeição do recurso. *** III- Objeto do Recurso: Segundo as conclusões do recurso, que definem o respetivo objeto, a questão a apreciar no recurso é a seguinte: - Aferir da pertinência do indeferimento liminar do requerimento apresentado pelos executados em 10.10.2023. *** IV- Fundamentação de Facto: Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra. *** V- Fundamentação de Direito: Os executados apresentaram em 23.10.2023 requerimento onde peticionam que a execução deve ser imediatamente suspensa, rejeitada e extinta no seu todo. Para tanto alegam, em síntese, a falta de legitimidade da exequente para a execução, a falta de junção ao requerimento executivo da letra mencionada no acordo de confissão da dívida como garantia do pagamento da dívida, e a falsidade do título executivo quanto à data de assinatura e por falta de causa, sendo negócio simulado. Juntam documentos. No cabeçalho do requerimento os executados invocam os arts. 734.º, n.º 1 e 726.º, n.º 2, al.s a) e b) todos do CPC . O tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento por falta de fundamento legal, dizendo desconhecer “ ao abrigo de que disposição legal foi processualmente apresentado o requerimento/incidente em apreço”, e que sempre se dirá que o meio próprio para o executado se opor à execução é através de embargos de executado, sendo que esgotado o prazo para a dedução de embargos, fica precludido o direito de praticar o acto, ou seja, o direito do executado de se opor à execução, não o podendo fazer por outra via, designadamente através de qualquer incidente anómalo. Vejamos. Tendo os executados alicerçado a apresentação do requerimento nos arts. 734.º, n.º 1 e 726.º, n.º 2, al.s a) e b) todos do CPC, conforme resulta do introito do requerimento, importa então analisar o regime legal em causa. Dispõe o art.º 734º do CPC nº 1 que: “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.” Por sua vez dispõe o art.º 726 nº 2 do CPC que: “2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso; d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação. “ Este artigo 734º do CPC permite que nas ações executivas seja feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o controlo jurisdicional das questões suscetíveis de motivar o indeferimento liminar do requerimento executivo. Ou seja, o despacho proferido ao abrigo do art.º 734º do CPC não é um despacho liminar de indeferimento ou aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas sim um despacho que é proferido posteriormente no processo, mas com os mesmos fundamentos do despacho de indeferimento liminar/despacho liminar de aperfeiçoamento. Tanto é assim que nas execuções ordinárias onde já tenha sido proferido despacho liminar pode ainda assim vir a ser proferido despacho de rejeição ou aperfeiçoamento do requerimento executivo. Neste sentido veja-se o Ac. do TRL de 10.09.2020 proferido no Proc. 2942/20.8T8SNT.L1-2, cujo sumário, na parte que aqui releva, se passa a reproduzir: “I – O despacho de rejeição e de extinção da execução, previsto no art.º 734 do CPC, pode ser dado mesmo que tenha havido um despacho liminar a dar seguimento à execução.” A este propósito refere Rui Pinto em Manuel da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1ª ed., pág. 375, que: “A verificação judicial da regularidade da instância não se esgota no momento inicial da execução, pois que ela continua a ser possível ao longo da execução, conforme se dispõe no art.º 820º=734ºnCPC, não ficando precludida com um eventual despacho liminar. Trata-se de um curto despacho de saneamento da causa e que se justifica por o despacho liminar ou não ter ocorrido, ou se, ocorreu, não ter produzido caso julgado formal”. Ou seja, o mero despacho liminar que determina a citação do executado, por não produzir caso julgado formal, não inviabiliza o conhecimento a posteriori (com o limite temporal do 1º ato de transmissão dos bens penhorados) das questões que poderiam ter dado azo ao indeferimento liminar do requerimento executivo ou ao seu aperfeiçoamento. Todavia, como também refere Rui Pinto, na obra citada, pág. 376, “esse conhecimento não se compadece com a produção de provas, devendo o juiz ater-se apenas aos elementos que já existam nos autos.” E nada impede que esse conhecimento possa ocorrer na sequência de um simples requerimento onde o executado argua tais questões, apesar de não ter deduzido oposição à execução. Sobre esta matéria, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-05-2023 proferido no Proc.22256/09.3T2SNT-B.L1-7, cujo sumário passamos a transcrever: “1. A manifesta insuficiência do título executivo pode ser apreciada oficiosamente, nos termos do art.º 734º do CPC, podendo esta apreciação advir dos poderes de gestão do tribunal ou ser impulsionada pelo executado; 2. Ainda que não tenha deduzido oposição à execução, pode o executado suscitar, por simples requerimento, a apreciação de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726º do CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo; 3. Incumbe ao tribunal apreciar tais requerimentos, convolando-os, se necessário, para os meios processuais adequados, de acordo com os princípios constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP); 4. A apreciação das questões que pudessem ter conduzido ao indeferimento liminar ou ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, e que não foram ainda objecto de apreciação, tem como limite temporal o primeiro acto de transmissão de bens, nos termos do art.º 734º do CPC.” Em suma, o Tribunal pode conhecer, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo ou o seu aperfeiçoamento, desde que sobre tais questões não haja ainda decisão que constitua caso julgado formal, e esse conhecimento pode ocorrer por sua iniciativa ou na sequência de simples requerimento onde o executado argua tais questões, apesar de não ter deduzido oposição à execução. Ponto assente é que, tal como o faria em sede de despacho liminar, o Tribunal se baseie nos elementos que já constem no processo, não, podendo, pois, atender a elementos probatórios que o executado venha trazer aos autos com o requerimento onde argui as referidas questões de conhecimento oficioso. Recorde-se que o conhecimento das questões aludidas no art.º 726 nº 2 do CPC “não se compadece com a produção de provas”, conforme referido supra. Caberia, pois, ao Tribunal a quo analisar o requerimento apresentado em 23.10.2023 pelos executados nos termos dos arts. 734º e 726 nº 2 als. a) e b) do CPC, sindicando se as questões que os executados enquadram nessas alíneas (alíneas que se reportam à manifesta falta ou insuficiência de título executivo ou à ocorrência de exceção dilatória, não suprível, de conhecimento ofícios) cabem ou não efetivamente na respetiva previsão legal, e decidindo em conformidade. Apoiando-se, para o efeito, nos elementos que já constavam no processo, e não naqueles que os executados anexaram ao seu requerimento. Note-se na data de apresentação do requerimento em causa ainda não havia ocorrido qualquer ato executivo de transmissão de bens penhorados. E salta desde logo à vista que no requerimento foi invocada a falta de legitimidade da exequente, não se podendo o Tribunal recusar a apreciar a arguição de uma exceção dilatória insuprível como é arguição de uma ilegitimidade, com base num alegado desconhecimento da disposição legal ao abrigo da qual foi processualmente apresentado o requerimento/incidente em apreço (desconhecimento que nem se compreende, uma vez no introito do requerimento se invocam expressamente os arts. 734º e 726 nº2 ambos do CPC) ou na preclusão do direito do executado de se opor à execução após se mostrar esgotado o prazo para a dedução de embargos. Da mesma forma não poderia o Tribunal a quo recusar-se a sindicar se o demais alegado no requerimento dos executados integra uma situação de manifesta falta ou insuficiência de título executivo. O regime resultante das disposições conjugadas do art.º 726 º 2 e 734º ambos do CPC não pode ser ignorado. Do supra exposto resulta que a decisão recorrida terá que ser revogada, devendo o Tribunal a quo, após o necessário contraditório, apreciar, à luz dos arts. 734º e 726 nº 2 als. a) e b) do CPC que foram invocados pelos executados, o requerimento de 23.10.2023. O recurso procede, com custas pelo recorrido que nele decai (art.º 527 nº 1 do CPC). *** VI - Decisão: Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ªsecção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência revogam a decisão recorrida, determinando a apreciação, pelo tribunal de 1ª instância, após o necessário contraditório, e à luz dos art.ºs 734º e 726 nº 2 al.s a) e b) do CPC que foram invocados pelos executados, o requerimento de 23.10.2023 por estes apresentado. Custas da apelação pelo apelado. Notifique. *** Lisboa, 27.03.2025 Carla Cristina Figueira Matos Amélia Puna Loupo Maria do Céu Silva |