Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DEPOIS DA APROPRIAÇÃO VALOR DIMINUTO MOLDURA PENAL ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/19/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | - Quem for apanhado em flagrante delito de furto e usar de violência contra as pessoas para conservar ou não restituir a coisa subtraída, é punível com as penas correspondentes ao crime de roubo, previstas no artigo 210.º, do CP, consoante as circunstâncias ali definidas. - A desqualificação do crime, em função do valor diminuto da coisa subtraída, prevista no n.º 4 do artigo 204.º e que é aplicável ao crime de roubo por força da alínea b), do n.º 2 do artigo 210.º, apenas implica a desqualificação do crime de roubo - que seria qualificado por alguma das circunstâncias previstas na mesma alínea, por remissão para os números 1 e 2 do artigo 204.º -, passando a conduta a ser punível pelo número 1 do mesmo artigo 210.º - ou seja, com pena de 1 a 8 anos de prisão, em vez da pena de 3 a 15 anos de prisão correspondente ao roubo agravado -, nunca podendo levar à aplicação da pena do artigo 203.º, n.º 1, do CP, não admitindo a lei a aplicação de pena de multa, em alternativa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Em processo comum e sob acusação do Ministério Público, as arguidas A. e J. foram submetidas a julgamento, perante tribunal singular (artigo 16.º, n.º 3, do CPP), no Juízo Local Criminal de Lisboa (J3), Comarca de Lisboa. No final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição): «Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência: 1) Condenar a arguida A. como co- autora material, de um crime de violência depois da subtracção, previsto e punido pelos artigos 203°, n°l e 211°, ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária; 2) Condenar a arguida A. como autora material, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153°, n°l do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária; 3) Condenar a arguida A. na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) a que correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária; 4) Condenar a arguida J. como co-autora material, de um crime de violência depois da subtracção, previsto e punido pelos artigos 203°, n°l e 211o, ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária; 5) Condenar as arguidas no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.» * 2. Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões: 1. Nestes autos a arguida A. foi condenada, para além do mais, pela prática em co-autoria material, de um crime de violência depois da subtracção, previsto e punido pelo artigo 211º e 203º, nº1, ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária e a arguida J. pela prática, em co-autoria material, de um crime de violência depois da subtracção, previsto e punido pelo artigo 211º e 203º, nº1, ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária. 2. O Ministério Público vem recorrer da sentença na parte em que cada uma das arguidas foi condenada em pena de multa, pela prática de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo artigo 211º do Código Penal, pois que tal ilícito criminal não é punível com pena de multa principal, mas apenas com pena de prisão. Veja-se o que consta da sentença a este propósito: “Os crimes que as arguidas praticaram são puníveis com pena de prisão ou multa. Uma vez que estamos perante penas alternativas, cumpre desde já proceder à escolha da pena. (…) Opta-se pela pena de multa, uma vez que esta pena realiza as finalidades da punição.” 3. O crime de violência depois da subtracção em causa nos autos, atenta a matéria dada por provada, é punível apenas com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão – cfr. artigo 210º, nº1 do Código Penal ex vi artigo 211º desse diploma legal. No caso, o Ministério Público ao deduzir a acusação fez a aplicação do disposto no artigo 16º, nº3 do Código de Processo Penal, pelo que a pena máxima de prisão não pode ir além dos 5 anos. 4. Sendo apenas de aplicar pena de prisão às arguidas pela prática do crime de violência depois da subtracção, atendendo à idade de cada uma delas à data da prática dos factos, ambas tinham 19 anos, teria ainda o Tribunal que apreciar e ponderar a aplicação ou não do Regime Especial para Jovens Delinquentes, previsto no Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro. 5. Entende o Ministério Público que ambas as arguidas devem beneficiar da aplicação do Regime Jurídico Penal para Jovens Delinquentes, sendo que a arguida J. não tem antecedentes criminais e a arguida A., não obstante já contar à data dos factos com uma condenação, a mesma reporta-se a factos cometidos há algum tempo, cerca de 5 anos. 6. Por via da atenuação especial da pena por aplicação às arguidas do Regime Penal Especial para Jovens (aprovado pelo DL nº 401/82, de 23 de Setembro) a pena a aplicar passaria a ter como limite mínimo 1 mês de prisão (artigo 41º, nº1 do Código Penal) e o limite máximo de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses. 7. Na determinação da medida concreta da pena a aplicar a cada uma das arguidas, temos que a seu desfavor militam as exigências de prevenção geral, que são elevadas dada a frequência com que o crime em causa ocorre na sociedade; o dolo directo com que actuaram, a favor daquelas temos o grau médio de ilicitude da suas condutas e as exigências de prevenção especial que se afiguram medianas, pois que J. não tem antecedentes criminais e a arguida A. não obstante já contar à data dos factos com uma condenação, a mesma reporta-se a factos cometidos há algum tempo, cerca de 5 anos. 8. Em face deste quadro, considerando o grau de culpa, bem como as elevadas exigências de prevenção geral e medianas em termos de prevenção especial, ponderando na devida conta todos os elementos supra indicados, entendemos que as arguidas devem ser condenadas numa pena de prisão que não deverá ir além de um ano. 9. Contudo, essa pena de prisão, poderá eventualmente ser substituída por multa, nos termos do disposto no artigo 43º, nº1 do Código Penal. Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a decisão recorrida, condenando-se as arguidas em pena de prisão, única aplicável ao crime de violência depois da subtracção, previsto no artigo 211º do Código Penal a que aquelas foram condenadas, não indo para além de um ano de prisão a pena a aplicar a cada uma das arguidas, eventualmente substituída por dias de multa, devendo ambas beneficiar do Regime Penal Especial para Jovens. *** 3. Admitido o recurso, não houve resposta ao mesmo. 4. Subidos os autos, neste Tribunal da Relação a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte douto parecer: «… Analisados os fundamentos do recurso interposto pela digna magistrada do Ministério Público acompanhamos a correcta e bem fundamentada argumentação apresentada e, também, consideramos que a douta sentença recorrida merece a censura que lhe vem assacada, como padece de nulidade, por omissão de pronúncia , nos termos do artigo 379º, nº1, al) c) do CPP no que concerne à aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes, previsto no Dec-Lei 401/82 de 23 de Setembro , como bem dá nota o Ministério Público junto do tribunal recorrido. Por isso, somos do entendimento que o recurso merece provimento.» 5. Após cumprimento do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado. 6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do aludido Código, teve lugar a conferência, cumprindo decidir. *** II. FUNDAMENTAÇÃO 1 - Vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto (transcrição): «Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: 1 - No dia 21 de Outubro de 2018, pelas 12 horas, as arguidas engendraram um plano de se apropriarem dos bens que ali se encontrassem expostos no estabelecimento comercial sito no quiosque, sito na Avenida 24 de Julho, em Lisboa; 2 - No local encontrava-se a ofendida FV , exploradora do referido quiosque; 3 - Na execução do planeado, a arguida A. agarrou em dois pacotes de pastilhas “Trident”, no valor de €1,00 (um euro) cada, e de seguida, entregou-os à arguida J. , que de imediato encetou fuga para o interior da estação de metro do Cais do Sodré; 4 - Ao aperceber-se da situação, a ofendida tentou agarrar a arguida A. , mas esta, munida de uma pedra, desferiu uma pancada na mão direita daquela e colocou-se igualmente em fuga; 5 - Alertados pela ofendida, os agentes policiais que se encontravam de patrulhamento na zona, lograram interceptar a arguida A. , quando esta se preparava para entrar na Estação da CP do Cais do Sodré; 6 - A arguida A. tinha consigo uma pedra, que arremessou de imediato para o chão; 7 - De seguida, a arguida foi conduzida pelos referidos agentes policiais para junto do referido quiosque e aí, na presença dos mesmos, tentou agredir a ofendida e dirigiu-lhe as seguintes afirmações: “Logo à noite vou chamar a tropa do meu bairro e vamos te partir esta merda toda! Estás fodida comigo porque vou descobrir onde moras e vai ser pior, vou-te tratar da saúde, vou-te rebentar toda!”', 8 - Não obstante, a arguida A. após ter conseguido ter passado as pastilhas à arguida J. , pegou numa pedra para atingir a ofendida; 9 - As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, na execução de um plano previamente delineado, com o propósito, concretizado, de integrar na sua esfera patrimonial bens da propriedade da ofendida, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo possuidor, não se coibindo de infligir ofensas à integridade física na ofendida, para conservar e não restituir os bens que lhe haviam subtraído; 10 - Mais agiu a arguida A. com o propósito, concretizado, de causar medo e inquietação à ofendida, ao proferir as expressões acima referidas, de atentar contra a sua integridade física e os seus bens; 11 - As arguidas sabiam que as suas condutas eram proibidas e que incorriam em responsabilidade criminal; 12 - A arguida A. é solteira e não tem filhos; 13 - A arguida é empregada de limpezas mas está desempregada há meses; 14 - A arguida não recebe subsídio de desemprego nem nenhum outro subsídio; 15 - A arguida depende economicamente da mãe que é empregada de café; 16 - A arguida tem o 9o (nono) ano de escolaridade; 17 - Por sentença de 23.02.2017, transitada em julgado a 28.03.2017, proferida no âmbito do processo comum singular n° 439/15.7 PXLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Criminal - Juiz 5, foi a arguida condenada na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) horas de trabalho pela prática em 01.11.2015 de um crime de roubo; 18 - A arguida J. não tem antecedentes criminais. 2 - FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que: 1 - As pastilhas tinham sabor hierbabuena. 3 - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (…) * 2. Apreciação do objecto do recurso: 2.1. Perante as conclusões formuladas pelo recorrente MP, as quais, conforme tem sido repetidamente afirmado, delimitam e fixam o objecto do recurso, este restringe-se à questão da escolha e medida concreta da pena correspondente ao crime de violência depois a subtração, à qual acresce a da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, suscitada no parecer do MP nesta Relação. * 2.2. Apreciemos, pois, começando por esta última questão: 2.2.1. - Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia: Como referimos, tal nulidade foi suscitada pelo MP junto desta Relação, no seu parecer, com o argumento de que o tribunal de primeira instância não se pronunciou acerca da aplicação às arguidas do regime dos jovens imputáveis, previsto no DL n.º 401/82, de 23/9, tendo aquelas 19 anos de idade à data dos factos. Com o devido respeito, a sentença não padece de tal nulidade, ou de qualquer outra das previstas no artigo 379.º, n.º 1, do CPP, que cumpra neste momento declarar. Na verdade, o aludido decreto-lei só prevê a atenuação especial da pena quando ao arguido for de aplicar pena de prisão, conforme decorre do seu artigo 4.º, sendo que, em caso de condenação em multa, o respetivo artigo 9.º, não refere qualquer atenuação mas apenas uma preocupação de a condenação em tal pena dever afetar, tanto quanto possível, apenas o património do jovem condenado, dispondo, na parte restante, quanto às consequências do não pagamento da multa, ou seja, para uma fase posterior à da condenação. Por isso, tendo o tribunal de primeira instância optado – bem ou mal, adiante se analisará – pela aplicação de pena de multa, não se impunha que ponderasse necessariamente uma eventual atenuação especial da pena, em função da idade das jovens condenadas, por não ser possível tal atenuação, nem haver quaisquer outras consequências a retirar da aludida circunstância. Não padecendo também a decisão recorrida de qualquer dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, numa apreciação oficiosa da matéria - porque não foram expressamente invocados – nem tendo havido impugnação da matéria de facto provada, deve esta considerar-se definitivamente assente, aplicando-se-lhe o direito. Quanto a este e apesar de também não ter sido objeto de impugnação, não podemos deixar de mencionar que as arguidas cometeram, em co-autoria material, o aludido crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º, do CP, para além do crime de ameaça imputado apenas à arguida A. . As divergências refletidas no recurso respeitam exclusivamente à pena aplicável ao primeiro dos aludidos crimes, matéria de que trataremos de seguida 2.2.2. O MP impugna a escolha da pena de multa, com que foram punidas ambas as arguidas, no que concerne ao crime de violência após a subtração, defendendo que devia ter sido aplicada pena de prisão, sugerindo ainda a aplicação da pena de um ano de prisão a cada uma das recorridas, por tal crime e por força da atenuação especial a que se refere o aludido artigo 4.º do DL 401/82, de 23/9, ainda que essa pena possa ser substituída por pena de multa. O tribunal recorrido fundamentou a escolha e medida das penas que aplicou, do seguinte modo: «Nos termos do disposto nos supra mencionados artigos, verifica-se que os crimes que as arguidas praticaram são punidos com pena de prisão ou pena de multa. Uma vez que estamos perante penas alternativas, cumpre desde já proceder à escolha da pena. Nos termos do artigo 70° do Código Penal: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. São finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena. Entre as duas finalidades é a prevenção especial que deve estar na base da escolha da pena. A determinação da medida da pena, dentro dos limites supra definidos, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção tal como decorre do artigo 71° do Código Penal. Verifica-se, ainda, que contra as arguidas temos: - o grau de ilicitude do facto que se considera médio, - o dolo directo A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. “A culpa constitui um limite inultrapassável a todas e quaisquer considerações preventivas”, segundo Figueiredo Dias in “As consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, página 284. Até ao limite máximo consentido pela culpa é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar em definitivo a medida da pena. Finalmente, mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em conta a frequência com que estes tipos de crimes ocorrem. Há que atender às idades das arguidas (vinte anos) e que a arguida A. tem antecedentes criminais tendo sido julgada e condenada pela prática em 1.11.2015 de um crime de roubo enquanto que a arguida J. não tem antecedentes criminais pelo que opta-se pela pena de multa uma vez que esta pena realiza as finalidades da punição. Atentos os factos provados, em relação à arguida A., entende-se ser adequada a pena de 100 (cem) dias de multa a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária para cada um dos crimes que praticou (um crime de violência depois da subtracção e um crime de ameaça tendo antecedentes criminais pela prática de um crime de roubo) enquanto que a arguida J. é condenada na pena de 90 (noventa) dias de multa a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária pela prática, como co-autora material, de um crime de violência depois da subtracção. No que concerne ao quantitativo diário e atento o disposto no artigo 47° do Código Penal e os factos provados, afigura-se adequado fixar o quantitativo diário em €5,00 (cinco euros).» O tribunal recorrido incorreu manifestamente em erro, ao determinar qual a pena aplicável ao crime de violência depois da subtração, tendo feito uma leitura do artigo 211.º, do CP, em conjugação com o artigo 203.º, n.º 1 - conforme decorre da fundamentação em sede de «enquadramento jurídico-criminal» - que não é, seguramente, a mais correta, porquanto, por força daquele primeiro normativo, a pena aplicável ao crime em causa será sempre uma das previstas no artigo anterior, ou seja, no artigo 210.º, seja a do n.º 1 ou do n.º 2, consoante as circunstâncias que se verificarem em cada caso concreto, equiparando aquele crime ao crime de roubo quanto à sua gravidade, dado o respetivo modo de execução ser idêntico a este, com recurso aos mesmos meios, seja mediante violência contra as pessoas ou ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou ainda mediante a colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Assim, quem for apanhado em flagrante delito de furto e usar de violência contra as pessoas para conservar ou não restituir a coisa subtraída, é punível com as penas correspondentes ao crime de roubo, previstas no artigo 210.º, do CP, consoante as circunstâncias ali definidas. A desqualificação do crime, em função do valor diminuto da coisa subtraída, prevista no n.º 4 do artigo 204.º e que é aplicável ao crime de roubo por força da alínea b), do n.º 2 do artigo 210.º, apenas implica a desqualificação do crime de roubo - que seria qualificado por alguma das circunstâncias previstas na mesma alínea, por remissão para os números 1 e 2 do artigo 204.º -, passando a conduta a ser punível pelo número 1 do mesmo artigo 210.º - ou seja, com pena de 1 a 8 anos de prisão, em vez da pena de 3 a 15 anos de prisão correspondente ao roubo agravado -, nunca podendo levar à aplicação da pena do artigo 203.º, n.º 1, do CP. Consequentemente, tem razão o MP no recurso que interpôs, sendo o aludido crime de violência depois da subtração punível com pena de 1 a 8 anos de prisão, ainda que a coisa subtraída seja de diminuto valor, como acontece neste caso, não admitindo a lei a aplicação de pena de multa, em alternativa. Impõe-se, por isso, a revogação da sentença na parte em que condenou as arguidas pelo aludido crime, devendo determinar-se a medida concreta da pena de prisão a aplicar a cada uma delas, dentro da moldura legal referida, a qual resultará da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal. Destas normas extrai-se que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art. 40.º), acrescentando o art.º 71.º, n.º 1, que, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Conforme tem sido salientado pela jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, aquela medida tem como parâmetros a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena, a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção” e cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos dentro do que é consentido pela culpa e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e, por fim, a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente. Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da referida norma. Considerando, porém, que as arguidas tinham apenas 19 anos de idade à data dos factos, há que ponderar a aplicação do disposto no artigo 4.º, do DL n.º 401/82, de 23/9, o qual dispõe que: «Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º, do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado». O MP é favorável a tal atenuação. Considerando o diminuto grau de ilicitude dos factos, sem que haja demonstração de que da agressão de que foi vítima ocorreram lesões físicas para a ofendida e que está em causa a apropriação de duas caixas de pastilhas elásticas no valor global de dois euros, sendo uma das arguidas primária (J. ) e a outra (A.) sofreu anteriormente uma condenação, por factos de 2015, em pena de prestação de trabalho, entendemos que a moldura correspondente ao crime e acima mencionada é manifestamente exagerada no presente caso, justificando, por isso, que se conceda a aludida atenuação especial da pena, havendo sérias razões para crer que da mesma resultam vantagens para a reinserção das arguidas. Nessa conformidade, o limite máximo da pena é reduzido de um terço, enquanto o seu limite mínimo passa a ser o mínimo legal, ou seja, um mês de prisão, por força do disposto nos artigos 73.º, n.º 1 alíneas a) e b) e 41.º, n.º 1, do CP. Assim, tendo em conta as circunstâncias ponderadas pelo tribunal recorrido e que decorrem dos factos provados - na medida em que o recorrente não invoca quaisquer outras diferentes daquelas - e das quais se salienta a gravidade do ilícito que, contrariamente ao que decorre da sentença, consideramos ser diminuta, e ponderando ainda as condições pessoais das arguidas, sem esquecer as elevadas exigências de prevenção geral quanto a este tipo de lícito, entendemos que se mostra justa e adequada a pena de quatro (4) meses de prisão para a arguida A. e de três (3) meses de prisão para a arguida J. . Manda o artigo 45.º, n.º 1, do CP que «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º». A tal substituição não obsta o facto de a prisão ter sido especialmente atenuada, conforme decorre do n.º 2 do artigo 73.º, do mesmo Código. Não se demonstrando que as necessidades preventivas exijam, no presente caso, a execução da prisão, defere-se a pretensão do recorrente, procedendo-se à aludida substituição da prisão por igual tempo de multa, à razão diária de cinco (5) euros quanto a ambas as recorridas, mantendo-se o valor fixado pela primeira instância. Reformulando o cúmulo jurídico correspondente ao concurso de crimes cometidos pela arguida A., em obediência aos critérios definidos no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, fixa-se a respetiva pena única em cento e cinquenta (150) dias de multa, à mesma quantia diária de € 5,00. Conclui-se, assim, pela procedência do recurso. *** III. DECISÃO: Em conformidade com o exposto, julga-se procedente o recurso do Ministério Público. Consequentemente: 1. Pelo crime de violência depois da subtração, previsto pelo art, 211.º do CP, condenam-se as arguidas A. e J. , nas penas especialmente atenuadas de quatro (4) meses de prisão e de três (3) meses de prisão, respetivamente; 2. Substituem-se aquelas penas de prisão por igual tempo de multa (que se fixa em 120 dias a da A. e em 90 dias a da J. ), à razão de € 5,00 (cinco euros) por dia, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, daquele Código; 3. Em cúmulo jurídico da pena ora aplicada com aquela em que foi condenada em primeira instância pelo crime de ameaça, condena-se a arguida A. na pena única de cento e cinquenta (150) dias de multa, à mesma quantia diária de € 5,00. 4. Confirma-se, quanto ao mais, a sentença recorrida, excepto no que se refere à prisão subsidiária da multa, devendo considerar-se sem efeito as correspondentes menções, no respetivo dispositivo, por serem inaplicáveis à multa resultante da substituição da prisão. *** Sem custas. Notifique. Lisboa, 19-01-2021 José Adriano Vieira Lamim |