Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | DEVER DE ASSISTÊNCIA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS MEIO PROCESSUAL ADEQUADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Estão previstas diferentes formas de processo para assegurar o cumprimento das duas obrigações em que se desdobra o dever de assistência consagrado no art. 1675.º do CC, a de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, sendo que, quanto a esta última, importa considerar o processo previsto no art. 992.º do CPC (com a epígrafe “Contribuição do cônjuge para as despesas domésticas”), que não se trata de um procedimento cautelar, mas de um processo de jurisdição voluntária, cuja tramitação segue, em parte, atenta a remissão legal expressa, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios, regulado nos artigos 394.º a 387.º do CPC. II – Tendo a Requerente intentado um tal processo, peticionando que fosse notificada a entidade patronal do Requerido para entregar diretamente àquela a quantia de 1.928,00 € dos proventos que paga ao Requerido - e não que o Requerido fosse condenado a entregar mensalmente à Requerente essa quantia [como veio a ser determinado na sentença recorrida, cuja nulidade não foi invocada e não é de conhecimento oficioso – cf. art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC] -, podia aquela ter lançado mão do processo previsto no art. 992.º do CPC, tanto mais que, contrariamente ao alegado pelo Apelante, nem sequer resulta dos factos provados que, à data da propositura da ação, estivessem separados de facto, não se verificando, pois, o invocado erro na forma de processo. III – No processo de jurisdição voluntária de contribuição para as despesas domésticas, o valor da causa é calculado de harmonia com o previsto no art. 298.º, n.º 3, do CPC. Porém, constatando-se, no âmbito do recurso, que a fixação de um tal valor redundaria, não numa redução do valor da causa, conforme pretendido pelo Apelante, mas num aumento (o valor seria superior ao que foi fixado na sentença recorrida), tal configuraria uma reformatio in pejus, não consentida. IV – Ante o disposto nos artigos 1675.º e 1676.º do CC e 992.º do CPC, é de concluir que são pressupostos de decretamento da contribuição para as despesas domésticas, (i) a falta (ou insuficiência) de entrega pelo cônjuge de quantias destinadas às concretas despesas domésticas (v.g. prestações mensais devidas por crédito bancário concedido para aquisição da casa de morada de família ou atinentes ao aluguer do veículo automóvel usado pelo agregado familiar); ii) a existência de rendimentos auferidos pelo outro cônjuge, incluindo a respetiva proveniência; iii) a necessidade de uma parte desses rendimentos para assegurar o pagamento de tais despesas e a razoabilidade desse montante, face às possibilidades dos cônjuges. V – Embora a separação de facto ocorrida na pendência da presente ação não releve para aferição da forma de processo, deverá ser ponderada, juntamente com os demais factos atinentes à situação económica e familiar das partes. Assim, sendo a renda da casa de morada da família (no montante de 928 € mensais) uma dívida da responsabilidade de ambos (arrendatários) e tendo o Requerido deixado de aí viver, arrendando um apartamento para si, justifica-se, uma vez que a Requerente não dispõe ainda de condições económicas para o fazer, que o Requerido entregue à Requerente aquela quantia. VI – Estando provado que o Requerido começou a pagar de forma direta os consumos domésticos (água, gás, eletricidade, internet), cujos montantes não estão concretamente apurados, mas que não deixam de ser dívidas atinentes aos encargos normais da vida familiar, da responsabilidade de ambos, também se justifica que passe a ser a Requerente a realizar os respetivos pagamentos, contribuindo o Requerido para tais despesas domésticas, sendo adequado, num juízo equitativo, considerar, a esse título, um valor médio global na ordem dos 250 € mensais. VII – Estando provado que o Requerido realiza compras para alimentação e vestuário dos filhos, bem como material escolar, mostram-se minimamente acauteladas tais necessidades, podendo a Requerente, caso pretenda obter do Requerido o pagamento de prestações alimentícias, para o seu próprio sustento e dos seus filhos, lançar mão dos mecanismos processuais previstos na lei, mormente, uma vez que está pendente ação de divórcio, o que se encontra previsto no art. 931.º, n.º 9, do CPC. VIII – Considerando ainda que o Requerido passou a ter de suportar a renda da sua casa, e, presumivelmente, as respetivas despesas com água, gás, eletricidade e internet em montantes idênticos aos acima referidos, mais tendo despesas com o seu sustento, e sendo de antever que a Requerida irá a breve trecho auferir proventos pela atividade profissional que desenvolve, afigura-se mais razoável fixar em 1.200 € mensais o montante a entregar à Requerente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A … interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a ação de contribuição do cônjuge para despesas domésticas que contra si foi intentada por B …. Na Petição Inicial, apresentada em 19-08-2024, a Requerente pediu que fosse notificada a “C …, B.V.”, com sede em “…, …-…, …- PA, … – …, Holanda” para entregar diretamente à Requerente 1.928,00 € dos proventos que aquela entidade paga ao Requerido, alegando, em síntese, que: - É casada com o Requerido, tendo com ele dois filhos menores, residindo todos na mesma casa, situada em Lisboa; - Por decisão do casal, a Requerente não trabalha há vários anos, tendo sido decidido por ela e pelo marido que estaria em casa, ocupando-se da mesma e do apoio aos filhos; - Todas as despesas da casa foram sendo pagas com recurso ao salário do Requerido; - Para tanto, ele entregava-lhe mensalmente 2.500,00 €, cabendo-lhe a ela, com tais valores, pagar todas as despesas domésticas, incluindo renda de casa, consumos domésticos, despesas com os filhos e as suas despesas pessoais; - Todavia, o Requerido, de forma unilateral, começou a reduzir o valor mensal que lhe entregava; - Na atualidade, é ele quem paga a renda da casa de forma direta (a Requerente juntou contrato de arrendamento em que ambos figuram como arrendatários), tendo comunicado à Requerente que ia fazer as compras da alimentação e vestuário dos filhos, bem como do material escolar de que estes necessitarem; - A Requerente está na absoluta dependência económica do seu marido, facto de que ele tem conhecimento; - O Requerido presta a sua atividade profissional para a “C …, B.V.”, auferindo uma remuneração que lhe permite contribuir para as despesas domésticas pelo montante peticionado pela Requerente de 1.928,00 €. Foi indicado o valor da causa de 30.000,01 €. Foi proferido despacho que designou data para realização de audiência de julgamento. O Requerido foi pessoalmente citado (por agente de execução, na morada indicada na PI - cf. certidão de citação junta aos autos em 26-09-2024), tendo sido agendada data de audiência de julgamento, em que não foi possível a obtenção do acordo entre as partes. O Requerido apresentou Contestação, em que se defendeu, por exceção e por impugnação motivada, de facto e de direito, invocando, no que ora importa: - Verifica-se um erro na forma do processo, porque o meio processual previsto no art. 992.º do CPC pressupõe que persista uma economia comum entre os cônjuges, o que já não acontece; - O valor da ação indicado pela Requerente não está correto, sendo aplicável o art. 304.º, n.º 3, al. a), do CPC; - Desde junho de 2024, o Requerido começou a pagar de forma direta todas as despesas do agregado familiar, entregando ainda à Requerente o valor de 250,00 € mensais para pagamento de despesas próprias; - A Requerente já está atualmente a trabalhar, inexistindo fundamento para a sua pretensão. No início da audiência de julgamento, o Tribunal referiu-se à questão do erro na forma do processo e decidiu que não dispunha ainda “de factos que lhe permitam tomar decisão segura, com efeito à alegada factualidade que carece de prova e que neste momento o Tribunal ainda não tem na sua posse”, pelo que, instruída a causa, pronunciar-se-ia sobre tal questão. Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida a Sentença recorrida, em que o Tribunal a quo decidiu fixar o valor da causa em conformidade com o indicado pela Requerente (30.000,01 €) e cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo a acção procedente e em consequência determino que o Requerido A … entregue à Requerente o valor mensal de € 1928, 00 (mil novecentos e vinte e oito euros) mensais a título de contribuição para as despesas domésticas. Tal valor deve ser entregue até ao dia 5 do mês a que diga respeito para a conta bancária cuja identificação deve ser enviada por escrito ao Requerido pela Requerente em oito dias sobre a data de notificação da presente decisão. Valor da acção: €30 000,01. Custas pelo Requerido. RN Remeta cópia da presente açcão ao processo de divórcio que corre termos no J8 junto deste Juízo de Família e Menores, com indicação de que não transitou ainda em julgado.” É com esta decisão que o Requerido não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: A) Realizada a audiência de discussão e julgamento do presente procedimento cautelar, entendeu o douto Tribunal a quo condenar o Requerido, no pagamento à Requerente, ao abrigo de procedimento cautelar de contribuição do Cônjuge para Despesas Domésticas, na quantia global, mensal, de 1.928,00€. B) Tal procedimento, previsto no artigo 992.º do Código de Processo Civil, o recurso ao processo de jurisdição voluntária traduzido na contribuição do cônjuge para as despesas domésticas, apenas poderá ser utilizado caso não tenha ocorrido separação de facto, mas em que haja incumprimento de um dos cônjuges do dever de assistência. C) Contudo, cessada a coabitação entre o casal deixa de fazer sentido a utilização, em concreto, do mecanismo de contribuição do Cônjuge para Despesas Domésticas. D) Resulta provado que a relação entre o casal veio a degradar-se e que, desde há cerca de 07 anos, tornou-se conflituosa, conflitos esses que levaram a que, desde há cerca de 20 meses, o Requerido passasse a dormir em quarto separado da Requerente e a não mais fazer vida conjugal em comum, nomeadamente deixaram, de forma reiterada e diariamente, de tomar refeições juntos e privar com amigos e familiares; E) A acrescer que, o Requerido saiu da casa de morada de família, em 28 de Setembro de 2024, tendo arredado um apartamento para si, cessando, assim, a coabitação entre o casal. F) Levando a rutura definitiva da vida conjugal! G) Rutura essa que resultou evidente da prova carreada para os autos, nomeadamente pelo depoimento prestado por Requerente e Requerido, bem como do depoimento das testemunhas D … e E …; H) E, consequentemente deixa de ser possível a aplicação da regra de que enquanto os cônjuges coabitam, deve ser observado o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, nos termos do n.º 1 do artigo 1676.º do código civil e, consequentemente a aplicação do mecanismo previsto no artigo 992º do CPC. I) Ora, a existir a rutura definitiva da vida conjugal, a forma adequada para fazer face às alegadas necessidades da Requerente será o procedimento cautelar de alimentos, previsto e regulado pelo disposto nos artigos 384º e seguintes do CPC. J) A Requerente não o fez e ao fazer uso de forma errada do processo, deveria o douto Tribunal a quo ter feito uso da prorrogativa concedida pelo disposto no artigo 193º n.º 1 do CPC; K) E, consequentemente, determinar a correção, de forma oficiosa da forma do processo - Não o tendo feito incorre em nulidade a decisão de que se recorre, o que desde já se invoca. L) O douto Tribunal a quo deveria oficiosamente ter ordenado a alteração dos pressupostos do procedimento cautelar requerido (para procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios), passando, em sequência, a determinar se estariam preenchidos os requisitos para a aplicação do mesmo, nomeadamente a necessidade de quem necessita dos alimentos e a capacidade para os prestar de quem se afigura obrigado a tal. M) Não o tendo feito, outra alternativa não resta que não seja o Venerando Tribunal ad quem ordenar a remessa dos presentes autos ao tribunal de primeira instância, com a correção da forma de processo e consequente, ordenar a tramitação do mesmo na forma correta. É o que se requer. N) Em sede de produção de prova foram ouvidas várias testemunhas, sendo que a quase totalidade, assumindo a qualidade de familiares próximos da Requerente e Requerido, naturalmente os seus depoimentos não primaram pela isenção e independência que a prova testemunhal exige. O) Ora, fazendo tábua rasa de tal facto, foi exclusivamente, com base nas declarações prestadas, oralmente, que o douto Tribunal a quo determinou a condenação do Requerido no pagamento mensal de 1.928,00€ à Requerente. P) Ao que acresce o facto de, para além dos elementos carreados para os presentes autos, não foi feita prova bastante de que o ora Recorrente tivesse deixado de suportar as despesas domésticas do agregado familiar de que fazia parte, pelo contrário, resultou aliás provado, por intermédio dos documentos juntos em sede de contestação que o Requerido entregou, nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2024, cerca de 2.000,00€ mensais à Requerente. Q) Tal como resultou que o Recorrente efetuava diretamente o pagamento de todas as despesas domésticas, nomeadamente a renda de casa, o pagamento da eletricidade, água, gás e telecomunicações, despesas com alimentação e outros consumos domésticos, despesas escolares dos filhos menores, bem como efetuava transferências bancárias para pagamento das despesas pessoais da Requerente, Ora, R) A existir algum pedido de contribuição do Cônjuge para despesas domésticas, estas teriam de se cingir às despesas com a alimentação, uma vez que o Recorrente suporta todas as restantes. Tal não sucedeu, pelo que mal esteve o Tribunal a quo! S) O Recorrente nunca pretendeu deixar a Requerente sem condições para prover pelas suas despesas pessoais. T) No entanto a alteração das circunstâncias do casamento, com a rutura definitiva da vida conjugal, impõe uma mudança na forma como as despesas da Requerente deverão ser suportadas pelo Requerido. U) Até porque, face à prova produzida, constatar a absoluta evidência de que, não poderá da mesma resultar a inequívoca obrigação por parte do Recorrente de suportar a totalidade das despesas do agregado familiar. V) Ora, a Requerente não explicou como pretendia ter a haver o montante mensal de 1.928,00€, quando é o Requerido que efetua, diretamente, o pagamento da renda da casa onde esta reside com os filhos comuns do casal, todos os consumos domésticos, as compras de alimentos e produtos de higiene pessoal e doméstica. W) Nessa matéria falha também a douta decisão sob censura, quando condena o Recorrente nesse sentido, omitindo decisão acerca dos pagamentos que este já concretiza. X) Acresce que, com a prolação da decisão de que se recorre, vem o douto Tribunal condenar o Recorrente no pagamento do montante mensal de 1.928,00€, obstando dessa forma a possibilidade de o mesmo suportar as suas próprias despesas com habitação, consumos domésticos e alimentação; Y) Uma vez que os montantes apurados a título de rendimentos são ilíquidos, pelo que terá, necessariamente que se subtrair cerca de 44% referente aos impostos e contribuições para a segurança social devidos. Z) Torna-se evidente que a disponibilidade financeira do Recorrente não permite a entrega do montante de 1.928,00€ à Requerente e, com o remanescente do rendimento dar satisfação a todas as suas necessidades pessoais, a saber: renda de casa, consumos de água, eletricidade, gás, telecomunicações e alimentação. AA) Mal esteve o douto Tribunal quando não aplica, no caso sub judice critérios de equidade, equilíbrio e justiça, que permitam uma situação financeira razoável para ambos os membros do ex-casal! BB) Para além do que a Requerente ter já uma atividade profissional, da qual irá obter (naturalmente) proventos financeiros, os quais auxiliarão a mesma a suportar as suas despesas pessoais e familiares, contrariamente à situação profissional do Recorrente que é precária! CC) A decisão sob censura não aplicou, como deveria, as regras do procedimento cautelar de alimentos, nomeadamente os critérios da necessidade de quem pede os alimentos e da capacidade por parte de quem os presta. DD) Ora, não o fazendo incorre em violação de lei, bem como omitir a inexistência da obrigação para manutenção da condição de vida por parte do Cônjuge que pede os alimentos; EE) Pelo que, não pode o douto Tribunal a quo forçar o Recorrente a manter, sob grave prejuízo financeiro, a condição de vida que a Requerente mantinha quando se encontrava no seio da relação conjugal. FF) Uma vez mais, errou na sua decisão, a qual urge ser alterada no sentido de absolver o Recorrente do pedido formulado pela Requerente. GG) Foi atribuído aos presentes autos o valor de 30.000,01€, contudo tal valor afigura se incorreto, até porque conforme estatuído no artigo 304º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Civil (CPC) o valor a atribuir à presente ação será a soma dos alimentos peticionados, multiplicada por 12 (doze) meses, o que resulta em 23.136,00€, por remissão expressa na primeira parte do nº 2 do artigo 992º do CPC, onde refere que se aplica, com as necessárias adaptações o procedimento dos alimentos provisórios. HH) Assim, e em face do supra exposto deverá ser ordenada a correção do valor da presente causa, sendo-lhe atribuído a final o valor de 23.136,00€. Termina o Apelante requerendo que sejam “julgadas procedentes as conclusões do Recorrente, dando como procedente o presente recurso, e em consequência: 1 - Ser ordenada a correção da forma do processo, prosseguindo o mesmo como procedimento cautelar de alimentos provisórios, e consequentemente verificando os critérios da necessidade de quem os pede, e da razoabilidade de quem os presta; Caso assim não se entenda: 2 - Revogar-se a douta decisão sob censura e consequentemente absolver-se o Requerido / Recorrente A … do montante em que foi condenado. 3 - Deve ainda, por último, ser ordenada a correção do valor da presente causa, sendo-lhe atribuído a final o valor de 23.136,00€. Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelada defendeu que seja negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica): 1.ª) Se ocorre um erro na forma do processo que deve ser corrigido, determinando-se o prosseguimento dos autos como procedimento cautelar de alimentos provisórios, sendo nula a decisão recorrida por não o ter determinado; (Caso assim não se entenda) 2.ª) Se deve ser ordenada a correção do valor da causa, sendo-lhe atribuído a final o valor de 23.136,00 €; 3.ª) Se existiu erro no julgamento da matéria de facto (na apreciação da prova); 4.ª) Se não deve ser determinado que o Requerido está obrigado a contribuir para as despesas domésticas (considerando os critérios da necessidade de quem pede os alimentos e da capacidade por parte de quem os presta). Dos Factos Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (acrescentámos, por estar plenamente provado, o que consta entre parenteses retos no ponto 5): 1. A Requerente e o Requerido casaram em regime de separação de bens em 28 de abril de 2007. 2. Têm dois filhos em comum: F …, nascido a 9 de maio de 2012, e G …, nascida em 3 de julho de 2015. 3. Desde que casou a Requerente não exerce qualquer atividade profissional remunerada, dedicando-se aos filhos e à casa. 4. O Requerido entregava todos os meses uma quantia variável ao longo dos anos mediante transferência bancária para a conta aberta no nome de ambos, atualmente domiciliada no Novo Banco. 5. Com esse valor a Requerente pagava a renda da casa de morada de família [de que ambos são arrendatários – cf. contrato junto com a PI], os consumos de água, eletricidade, gás, telefone e internet, bem como as despesas de alimentação, higiene, vestuários do agregado familiar e as despesas escolares. 6. O agregado familiar reside na Rua …, em Lisboa. 7. A renda da indicada casa tem o valor mensal de 928,00 €. 8. Nos últimos anos, o Requerido transferia a quantia de 2.500,00 € mensais à Requerente para a gestão da casa, incluindo a indicada renda. 9. A partir de dezembro de 2023 o Requerido começou a transferir montantes menores de forma irregular para a indicada conta. 10. O Requerido nos meses de durante os meses de Verão de 2024 passou a fazer diretamente os pagamentos ao senhorio da renda da casa de família, pagando igualmente de forma direta os consumos domésticos (água, gás, eletricidade, internet). 11. Começou a fazer compras para alimentação e vestuário dos filhos, bem como material escolar dos mesmos. 12. O Requerido auferiu rendimentos dos serviços prestados no valor ilíquido de 68.595,16 € anuais (retificámos o lapso de escrita constante da sentença, em que se refere “68 5905, 16 anuais”), perfazendo um rendimento de 5.716,75 € mensais, também valor ilíquido. 13. O Requerido desloca-se regularmente ao estrangeiro por motivos profissionais, passando, no entanto em casa, todos os fins de semana. 14. A Requerente iniciou atividade profissional na área da mediação imobiliária, não auferindo ainda, contudo, rendimentos. 15. A Requerente não dispõe de fonte de rendimentos autónoma para custear as suas despesas. 16. O Requerido saiu de casa de morada de família em 28 de setembro de 2024, tendo arrendado um apartamento para si. 17. O Requerido nada entrega à Requerente para o sustento dos filhos menores que com ela permanecem na casa de morada de família. 18. Durante a relação conjugal o Requerido concordou em que a Requerente ficasse em casa, não exercendo qualquer atividade profissional remunerada. 19. O Requerido pagava a totalidade das despesas do agregado familiar, incluindo as despesas da Requerente, como vestiário, cabeleireiro, esteticista, ginásio. 20. O Autor (sic, leia-se o Requerido) apresentou já ação de divórcio sem consentimento o outro cônjuge, pedindo ainda a regulação do exercício das responsabilidades parentais. 21. O Requerido foi citado para os termos desta ação em 25 de setembro de 2024. Do erro na forma do processo Na fundamentação de direito da sentença recorrida, o Tribunal a quo começou por apreciar a exceção dilatória invocada na Contestação, julgando-a improcedente, com a seguinte fundamentação: «O artigo 1672.º do Código Civil (CC), os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. No caso dos autos, relevam os deveres de cooperação e assistência. O dever de cooperação traduz-se na obrigação de ajuda mútua e na assunção conjunta das responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (artigo 1674.º do CC), ou seja, não deve um dos cônjuges assumir sozinho o encargo de resolver todas as questões inerentes à vida familiar. Já o dever de assistência engloba o dever de prestar alimentos e o de contribuir para os encargos da vida familiar, estendendo-se para lá do da ruptura da vida conjugal. Na eventualidade de um dos cônjuges não contribuir para os encargos domésticos, a lei prevê no seu nº 1 do art. 992º do CPC que o outro pode lançar mão de acção destinada a efectivar essa contribuição: “O cônjuge que pretenda exigir a entrega direta da parte dos rendimentos do outro cônjuge, necessária para as despesas domésticas, indica a origem dos rendimentos e a importância que pretenda receber, justificando a necessidade e razoabilidade do montante pedido.” O Requerido começa por suscitar a excepção de erro na forma do processo, que se prende com a adequação do meio processual de que a Requerente lançou mão. Com efeito, alega que saiu de casa tendo arrendado uma habitação para si, existindo. assim, ruptura da vida conjugal. Em consequência, defende, não há lugar a qualquer contribuição para os encargos da vida doméstica. Não lhe assiste, porém, razão. Com efeito, e como foi escrito em Acórdão proferido no processo nº 1125/07-2 do Tribunal da Relação de Évora, disponível em texto integral no sítio da DGSI: “Será de salientar que, não obstante, com a Reforma do Cód. Civil, de 1977, se ter introduzido o artº 1676º (Dever de contribuir para os encargos da vida familiar), o uso do seu n.º 3, com vista à exigência judicial da contribuição devida no âmbito dos encargos da vida familiar, só é previsível que ocorra numa situação em que os cônjuges “estejam na disposição de pedir o divórcio ou a separação de pessoas e bens” e não, também numa situação em que a relação matrimonial corra de feição, onde, certamente, tal questão não se levantará, dado as naturais boas relações existentes entre os cônjuges.(...) No caso dos autos a requerente invoca a existência duma relação matrimonial com o requerido e toda a envolvência decorrente da mesma no que se refere aos encargos emergentes e à contribuição adequada para lhes fazer face, cuja premência se impõe judicialmente regular em face da separação de facto do casal, por o requerido ter deixado de habitar o lar conjugal e, consequentemente, deixado de contribuir para os encargos familiares assumidos por ambos. Tais encargos familiares encontram-se abarcados pelo dever de assistência, imposto a ambos os cônjuges, no âmbito do vínculo matrimonial, conforme decorre do disposto no artº 1675º n.º 1 do Cód. Civil o qual se mantém, mesmo no caso da verificação da situação de separação de facto, conforme decorre do n.º 2 deste artigo. E, mesmo que esta seja apontada como o prelúdio do divórcio, em que se perspective a rotura em termos definitivos da vida em comum, não existindo qualquer intenção de a retomar, o direito de ser assistido só se perde caso o cônjuge beneficiário seja considerado mais ou único culpado. (...) Muito embora, se possa estar em desacordo com a terminologia “contribuir para os encargos da vida familiar” usada no âmbito do dever de assistência consignado no art.º 1675º do Cód. Civil, quando se está perante uma situação separação de facto, em que concretamente não existe vida familiar o que acarreta, também a que não se possa falar na obrigação de contribuir para os respectivos encargos, o certo é que a jurisprudência vem entendendo a contribuição para os encargos da vida familiar gerada pelo casamento, ainda subsistente, embora não em plena comunhão de vidas devido à separação de facto, como um direito que assiste aos cônjuges devendo, caso, seja necessário, o cônjuge que se achar com tal direito, exigir através do processo de jurisdição voluntária previsto no artº 1416º do Cód. Proc. Civil, a entrega directa da parte dos rendimentos do outro cônjuge necessária para solver os compromissos decorrentes das despesas relativas ao encargos, indicando “a origem dos rendimentos e a quantia que pretenda receber, justificando a necessidade e a razoabilidade do montante pedido”. O mesmo entendimento é propugnado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/02/2022 proferido nos autos que ali correram termos sob o nº 13920/20.7T8SNT-D.L1-8 e onde ainda que perante uma separação de facto, não há vida familiar, mas isso não significa que não possa haver despesas que continuem a poder ser qualificadas de “encargos da vida familiar”, tal como a inexistência da indicada vida familiar não obsta a que exista casa de morada da família. Conclui o citado aresto, referindo igualmente o direito do cônjuge separado de facto ou divorciado a obter pensão de alimentos no âmbito de acção de divórcio que “(...) o cônjuge que pretenda exigir do outro cônjuge o contributo para os encargos da vida familiar pode recorrer à providência prevista no art. 992° do C.P.C. mesmo que estejam separados de facto (...)”, citando ainda Acórdãos do STJ proferidos a 22 de maio de 1980, processo 068802; e a 16 de abril de 1998, processo 98B074. Aliás, no caso concreto entendimento diverso prejudicaria injustamente a Requerente, uma vez que o Requerido deixou a casa de morada de família poucos dias depois da citação da presente acção. Improcede, pois, a invocada excepção.» O Apelante discorda deste entendimento, alegando, em síntese, que: a ação de contribuição do cônjuge para as despesas domésticas, apenas pode ser utilizada caso não tenha ocorrido separação de facto, em face do incumprimento de um dos cônjuges do dever de assistência, deixando de fazer sentido uma vez cessada a coabitação entre o casal, como sucede no caso, já que (segundo alega) a Requerente e o Requerido estão separados de facto desde há cerca de 20 meses, sendo, assim, o procedimento cautelar de alimentos, previsto e regulado pelo disposto nos artigos 384.º e seguintes do CPC, o processo adequado para conhecer do objeto do litígio. A Apelada, por sua vez, alega, em síntese, que: o presente procedimento foi requerido em 19 de agosto de 2024, na constância da coabitação entre a Requerente e o Requerido, o qual viria a abandonar o lar conjugal no dia 28 de setembro seguinte, três dias após ter sido citado na presente ação, não tendo o ulterior abandono do lar conjugal pelo Requerido a virtualidade de convolar o processo de contribuição do cônjuge para as despesas domésticas num procedimento cautelar de alimentos provisórios. Vejamos. Estabelece o art. 1675.º do CC, sob a epígrafe “Dever de assistência”, que: “1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar. 2. O dever de assistência mantém-se durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges. 3. Se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.” No plano processual, estão previstas diferentes formas de processo para assegurar o cumprimento destas duas obrigações em que se desdobra o dever de assistência (prestar alimentos e contribuir para os encargos da vida familiar). No que ora importa, preceitua o art. 992.º do CPC, sob a epígrafe “Contribuição do cônjuge para as despesas domésticas”, que: “1 - O cônjuge que pretenda exigir a entrega direta da parte dos rendimentos do outro cônjuge, necessária para as despesas domésticas, indica a origem dos rendimentos e a importância que pretenda receber, justificando a necessidade e razoabilidade do montante pedido. 2 - Seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios e a sentença, se considerar justificado o pedido, ordena a notificação da pessoa ou entidade pagadora dos rendimentos ou proventos para entregar diretamente ao requerente a respetiva importância periódica.” Trata-se de norma inserida no CAPÍTULO II, dedicado às “Providências relativas aos filhos e aos cônjuges”, do TÍTULO XV atinente aos processos de jurisdição voluntária, pelo que não se trata de procedimento cautelar, mas de um processo de jurisdição voluntária, cuja tramitação segue, em parte, atenta a norma remissiva constante do citado n.º 2, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios, regulado nos artigos 394.º a 387.º do CPC. Conforme expressamente previsto no art. 193.º do CPC (sob a epígrafe “Erro na forma do processo ou no meio processual”): “1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.” É sabido que o erro na forma do processo pode determinar a nulidade de todo o processo, a qual constitui uma exceção dilatória conducente ao indeferimento liminar da petição inicial ou à absolvição do réu da instância (quando este já tenha sido citado) – cf. artigos 193.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. b), do CPC. Trata-se de uma nulidade principal (e não de uma nulidade da decisão), que se verifica “quando o autor indica para a acção uma forma processual inadequada ao critério da lei” (nas palavras ainda atuais de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 390). Nem sempre o erro na forma do processo acarreta uma tal nulidade, já que, ainda nas palavras destes autores, “(O) erro não envolve necessariamente a inutilização de todos os actos praticados, mas apenas a adaptação do processado à forma prescrita na lei, com a eliminação limitada aos actos inaproveitáveis e com a prática dos actos necessários ao ajustamento, contanto que do aproveitamento dos actos realizados não resulte diminuição das garantias de defesa do réu.” Para aferição do erro na forma de processo, importa naturalmente atentar no objeto do litígio, em particular na pretensão do autor/requerente, conforme é jurisprudência pacífica, destacando-se, a título exemplificativo (acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt): - o acórdão da Relação de Lisboa de 05-12-2013, proferido no proc. n.º 1244/11.5TBALM.L1-2, como se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “Há erro na forma de processo quando o autor, para fazer valer a sua pretensão, usa uma forma de processo inadequada. Será, pois, em função do pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro na forma de processo escolhida pelo autor.” - o acórdão da Relação de Guimarães de 19-12-2023, proferido no proc. n.º 7169/22.1T8BRG.G1, em cujo sumário se refere precisamente que: “O erro na forma de processo - artigo 193º do CPC - ocorre quando o autor usa de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. A sua ocorrência tem de aferir-se pelo pedido formulado na acção, sendo pelo pedido final formulado, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito.” No caso dos autos, está provado que (i) à data da propositura da ação, o agregado familiar residia na casa arrendada em Lisboa (cf. pontos 6 e 7) e que (ii) o Requerido saiu dessa casa de morada da família no dia 28-09-2024 (cf. ponto 16), ou seja, já após ter sido citado (cf. ponto 21), não resultando infirmado o que a esse respeito havia sido alegado pela Requerente na Petição Inicial. O Apelante, alegando que há meses estavam separados de facto, procura prevalecer-se da jurisprudência ilustrada pelo acórdão da Relação de Lisboa de 23-09-2021, proferido no proc. n.º 3597/20.5T8CSC.L1-2, em cujo sumário se refere que: “I) Na constância do casamento a prestação de alimentos decorre do dever de assistência, que se traduz num dever de auxílio e de contribuição para os encargos da vida familiar – cfr. artigos 1675.º, n.º 1 e 2015.º do CC – dever que se mantém durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges – cfr. artigo 1675.º, n.º 2, do CC. II) Enquanto os alimentos decorrem da necessidade de garantir a subsistência da pessoa desprovida de rendimentos, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar radica na ideia de solidariedade entre os membros da família. III) A prestação de alimentos entre os cônjuges, vivendo estes em conjunto, é absorvida nos encargos da vida familiar, mas adquire autonomia, no caso de os cônjuges se encontrarem separados (de direito ou de facto). IV) O meio processual previsto no artigo 992.º do CPC pressupõe que persista uma economia comum entre os cônjuges/existência de vida familiar. Deste modo, inexistindo tal economia comum, em virtude de separação de facto, deve o cônjuge carecido de alimentos instaurar procedimento cautelar de alimentos provisórios e não socorrer-se deste processo especial. V) Sendo instaurado indevidamente o processo especial previsto no artigo 992.º do CPC, em vez do procedimento cautelar de alimentos provisórios (regulado no artigo 384.º e ss. do CPC), deve ser ponderada a convolação oficiosa para este procedimento, nos termos do artigo 193.º, n.º 3, do CPC, sendo a tramitação sobreponível (cfr. artigo 992.º, n.º 2, do CPC) e não obrigando à prática de atos processuais concretamente inconciliáveis.” Porém, este acórdão versou sobre uma situação distinta da que nos ocupa, já que nessa ação a aí requerente havia peticionado “o reconhecimento do seu direito à participação do réu nos encargos domésticos próprios da vida familiar, sendo o mesmo condenado a entregar-lhe quantia não inferior a € 250,00 mensais.” Ou seja, era peticionada a condenação do aí requerido a entregar à aí requerente uma determinada quantia mensal, enquanto nos presentes autos, a Requerente pediu que fosse notificada a “C …, B.V.”, com sede em “…, …-…, … -PA, … – …, Holanda” para entregar diretamente à Requerente 1.928,00 € dos proventos que aquela entidade paga ao Requerido. Ora, é indiscutível que a providência da contribuição do cônjuge para as despesas domésticas não é o meio processual adequado ao pedido de condenação do requerido a prestar alimentos (neste sentido, veja-se também o acórdão da Relação de Lisboa de 24-02-2022, no proc. n.º 13920/20.7T8SNT-D.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), mas, na presente ação, a Requerente não pediu a condenação do Requerido a prestar-lhe alimentos. Ademais, a tese sufragada no acórdão invocado pelo Apelante, quanto à inadmissibilidade do recurso ao processo previsto no art. 992.º do CPC no caso de separação de facto do casal, não é isenta de dúvida, parecendo-nos ser maioritária a jurisprudência em sentido oposto (como a citada na decisão recorrida). A este respeito, na doutrina, destacamos os ensinamentos de Nuno de Salter Cid, no estudo “O dever conjugal de assistência, quando há separação de facto”, incluído no Livro digital “Direito da Família I Colóquio de Direito da Família”, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/03/Livrodigital-DireitoFamilia2023.pdf, em que o autor lança interrogações sobre a viabilidade do recurso ao processo em apreço em determinadas situações, verificada a separação de facto, lembrando que, além do mais, a lei estabelece serem da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles “para ocorrer aos encargos normais da vida familiar”, nos termos do art. 1691.º, n.º 1, b), do CC, afirmando que (incluímos entre parenteses retos a nota de rodapé): “Entender que não pode (isto é, que não pode ser usado esse processo) implica admitir que qualquer dos cônjuges, designadamente aquele cujo procedimento tenha sido e seja vivamente censurável, pode em muitos casos, embora provisoriamente, fazer recair sobre o outro – porventura aquele cujo procedimento tenha sido e seja compreensível ou mesmo irrepreensível – parte substancial das responsabilidades assumidas por ambos. Há quem pense não ser assim e pelo contrário entenda que a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar pode manter-se mesmo havendo separação de facto, até aquela em que não há qualquer espécie de «economia comum» [24 Cf. os seguintes Acórdãos: STJ de 22-05-1980, in BMJ n.º 297, pp. 261-264; STJ de 16-04-1998, in CJ – Acs. STJ, Ano VI, Tomo 2, pp. 45-46; TRL de 22-05-2001 (Proc. 0093751 – apenas sumário disponível); TRL 01-07-2003 (Proc. 3933/2003-7); TRE de 14-06-2007, in CJ, Ano XXXII, Tomo 3, pp. 257-259; e TRL de 24-02-2022 (Proc. 13920/20.7T8SNT-D.L1-8). Cf. também J. F. RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código Civil, Vol. VI, Lisboa, 1998, p. 114 (mera afirmação), e T. d’ALMEIDA RAMIÃO, O divórcio e questões conexas, 3.ª ed., Lisboa, Quid Juris, 2011, pp. 28 e 98-99 (apesar do que afirma na p. 27)]. De resto, poder-se-ia considerar desacertada a solução legal (artigo 9.º, n.º 3) de, por haver mera separação de facto, isentar um dos cônjuges – ou, numa interpretação radical, isentar ambos – da obrigação de contribuir para aludidos encargos, quando ademais é certo que a família a considerar pode não se resumir a eles. Como se o exposto não bastasse, dir-se-ia ser incompreensível que o cônjuge titular, também titular, do direito de exigir do outro o cumprimento do dever conjugal de assistência, no que respeita à abrangente obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, apenas pudesse requerer judicialmente a providência destinada a obter esta contribuição se e enquanto se mantivesse a plena comunhão de vida conjugal. Que estranha comunhão de vida seria aquela em que fosse necessário fazê-lo [25 Ainda com referência ao n.º 3 do artigo 1676.º, que não tardaria a passar a n.º 4 do mesmo artigo, houve quem observasse: «(...) mal se imagina que os cônjuges (…) façam uso da providência concedida pelo n.º 3 sem que estejam na disposição de pedir o divórcio ou a separação de pessoas e bens»: cf. F. PEREIRA COELHO e G. de OLIVEIRA, op. cit., p. 358.]… Sendo completamente inverosímil a hipótese de, havendo comunhão de vida entre os cônjuges, um destes não prestar voluntariamente «a contribuição devida», pode até dizer-se que o disposto no artigo 1676.º, n.º 4 (anterior n.º 3) não foi decerto determinado para ser inútil na prática, mas sim, precisamente, para a hipótese de haver separação de facto. Admitamos, contudo, que, não havendo filhos ou outros familiares a cargo dos cônjuges, não existindo comunhão de vida entre estes e tendo eles residências diferentes, deixou de haver «vida familiar» a cujos encargos cumpra prover; ou consideremos a hipótese de o cônjuge interessado, que necessita de alimentos e pode legitimamente pedi-los ao outro, optar efectivamente por pedi-los. Se assim for, como muitos sustentam, não deve marcar-se grande contraste entre os ditos encargos e os alimentos, agora não diluídos em tais encargos. Passo, por isso, à questão seguinte [26 Mas noto haver quem entenda que, sendo considerada indevida a instauração da providência destinada a obter judicialmente a contribuição do outro cônjuge para os encargos da vida familiar, por inexistir «economia comum, em virtude de separação de facto, deve» ponderar-se a convolação oficiosa desta providência para o procedimento cautelar de alimentos provisórios, até por a tramitação ser «sobreponível». Neste sentido, cf. A. S. ABRANTES GERALDES et al., Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020 (reimp.), p. 446, e Ac. TRL de 23-09-2021 (Proc. 3597/20.5T8CSC.L1-2)] Tendemos a acompanhar as considerações feitas por este autor, muito embora, no caso dos autos, isso acabe por não se revestir de relevância decisiva, já que, na verdade, não resulta do elenco dos factos provados que, à data da propositura da ação, estivesse verificada a separação de facto do casal, antes pelo contrário, face aos factos acima destacados e tanto mais que o Requerido foi pessoalmente citado na casa de morada de família, onde residia, estando então a suportar os encargos da vida familiar. Assim, e tendo presente o pedido formulado, parece-nos inevitável concluir que não se verifica o erro na forma do processo, mostrando-se a forma de processo escolhida pela Requerente ajustada à pretensão efetivamente formulada. Nesta conformidade, improcedem as conclusões da alegação de recurso quanto à questão do erro na forma do processo. Do valor da causa Na decisão recorrida referiu-se a respeito desta questão o seguinte: “A Requerente atribuiu a esta acção o valor de €30 000,01. O Requerido veio impugnar tal valor, pretendendo que aos autos se aplica o art. 304º, nº3, al.a) do CPC. Sustenta que o valor a atribuir será a soma dos alimentos peticionados multiplicada por 12 meses totalizando assim €23 136,00. Todavia, não lhe assiste razão. A presente acção não é uma acção de alimentos, mas antes de contribuição de cônjuge para despesas domésticas, não sendo invocado qualquer argumento jurídico para se realizar uma interpretação extensiva ou analógica do preceito legal indicado pelo Requerido. Face à inexistência de regra específica crê-se, atenta a natureza dos bens jurídicos em causa, ser de aplicar o disposto no art. 303º do CPC. O valor da causa é, pois, o indicado pela Requerente.” O Apelante sustenta, em síntese, ser aplicável o disposto no art. 304.º, n.º 3, al. a) do CPC, por remissão expressa do n.º 2, 1.ª parte, do art. 992.º do CPC, sendo assim o valor da causa resultante da soma dos alimentos peticionados, multiplicada por 12 (doze) meses, o que resulta em 23.136,00 €. A Apelada, por sua vez, defende que o critério aplicável é o do n.º 1 do art. 303.º e não o do art. 304.º, n.º 3, al. a), do mesmo Código, por a remissão do referido art. 992.º do CPC não ter esse alcance. Vejamos. É certo que o art. 992.º, n.º 2, do CPC determina, além do mais, que, após a apresentação da petição inicial pelo cônjuge que pretenda exigir a entrega direta da parte dos rendimentos do outro cônjuge, se seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios. Porém, como é óbvio, isso não tem a virtualidade de abranger o disposto no art. 304.º do CPC, desde logo porque a indicação do valor da causa é um dos elementos da petição inicial. Também não é aplicável o disposto no art. 303.º, n.º 1, nos termos do qual “(A)s ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01”. Com efeito, não estamos perante uma “ação de estado” ou relativa a interesses imateriais, mas sim perante um processo de jurisdição voluntária de contribuição para despesas domésticas, estando expressamente previsto no art. 298.º, n.º 3, do CPC que “(N)as ações de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas domésticas o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido.” Ora, a anuidade correspondente ao pedido ascende a 23.136 €, sendo o seu quíntuplo de 115.680 €, pelo que esse seria o valor correto da causa. No entanto, já que a fixação de um tal valor redundaria, não numa redução do valor da causa, conforme pretendido pelo Apelante, mas num aumento (o valor seria superior ao que foi fixado na sentença recorrida), tal configuraria uma reformatio in pejus, não consentida (cf. art. 635.º, n.ºs 4 e 5, do CPC), pelo que resta concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, mantendo-se o valor fixado na sentença recorrida. Do erro na apreciação da prova O Apelante, no corpo da sua alegação de recurso, invoca a existência de erro na apreciação da prova; além disso, nas conclusões, mormente nas conclusões N), P), U) e W), da sua alegação de recurso, faz diversas considerações críticas sobre a prova produzida, com referências genéricas à matéria de facto. Importa, pois, que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto, começando por lembrar que, conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 proferido na Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 (sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt), bem como no acórdão do STJ de 01-10-2015, proferido no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) e, mais recentemente, no AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14-11-2023, com Declaração de Retificação n.º 25/2023), proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, em que se decidiu uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, em cuja síntese final se afirmou designadamente que: “(…) decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.” Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto. Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva. Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, proferido no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário: “I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente: Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC; E Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC. II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes. III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” Destacamos também, na mesma linha de pensamento, o acórdão do STJ de 30-11-2023, proferido no processo n.º 23356/17.1T8SNT.L2.S1 (disponível em https://juris.stj.pt), em que se afirma precisamente que: «O STJ vem reiteradamente afirmando (ver por todos o acórdão de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt), –que o regime do art. 640º consagra: - um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto; - um ónus secundário que se traduz na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. De acordo com esta delimitação tem-se entendido que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175. (…) Ora, como se diz no Acórdão do STJ de 07.09.2020, P. 2180/16.4T8CBR.C1.S1, “os concretos pontos de facto que se querem impugnar são de inscrição obrigatória nas conclusões do recurso de apelação.” No mesmo sentido decidiu o recente Acórdão do STJ de 16.11.2023, P. 31206/15 (António Barateiro Martins): “Deve ser rejeitada a impugnação de facto quando, nas conclusões, o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, bem como os Acórdãos de 27.04.2023, P. 4696/15 (João Cura Mariano), e de 19.01.2023, P. 3160/16 (Nuno Pinto Oliveira), todos acessíveis em www.dgsi.pt. A circunstância de as conclusões do recurso de apelação não fazerem referência aos concretos pontos de facto que a Recorrente julgou incorrectamente julgados afecta a inteligibilidade do objecto do recurso, dificultando o exercício do contraditório pela parte contrária e a tarefa do julgador.» Para finalizar, lembramos a síntese exemplar feita por Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, págs. 165-166, a respeito do sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos; e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente.” Transpondo estas considerações para o caso dos autos, resta reconhecer que assiste razão à Apelada quando afirma que o Apelante não deu cumprimento aos ónus previstos no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC. Efetivamente, lendo as conclusões da alegação de recurso, nem sequer é seguro que o Apelante tenha pretendido impugnar a decisão da matéria de facto. Admitindo que o pretendeu fazer, certo é que aí não cuidou de especificar os concretos pontos de facto que (porventura) considera incorretamente julgados; tão pouco especificou, no corpo da sua alegação, a respeito dos mesmos, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida, nem os concretos meios probatórios que o impunham, sendo que, apesar de se referir a depoimentos de testemunhas e declarações prestadas, não indicou quaisquer passagens da gravação. Assim, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto. Da contribuição para as despesas domésticas Na fundamentação de direito da sentença, o Tribunal recorrido teceu ainda as seguintes considerações: “Resultou demostrado que nos últimos meses (Verão de 2024) o Requerido passou a fazer directamente todos os pagamentos inerentes à vida doméstica (renda da casa e despesas de consumos na mesma), facto que não será alheio ao deteriorar da vida conjugal. O Requerido, entretanto, saiu de casa. Não indicou se pretende ou não manter os pagamentos que tem feito. Por outro lado, não resulta provado que as necessidades das crianças estejam providas pelo progenitor que é, de momento, o único a receber rendimentos certos. Tanto mais, que o Requerido tendo saído da casa onde vivia com os filhos, não pode agora prover a mesma quanto à alimentação, vestuário, calçado e outras despesas inerentes ao trem da vida das crianças. De todo o modo, a situação criada não pode manter-se. Na verdade, estando em ruptura tal que o Requerido já apresentou acção do divórcio, a realização por si desses pagamentos coloca a Requerente numa situação de dependência, susceptivel de a fragilizar no processo de divórcio e na regulação das responsabilidades parentais. Mais ainda, também a sua vivência ficará debilitada, pois está sujeita ao crivo do Requerido quanto ao que são despesas domésticas aceitáveis ou não, crivo especialmente apertado face ao conflito instalado entre os ainda cônjuges. A Requerente peticiona que a contribuição do Requerido para as despesas domésticas seja fixada em € 1928, 00 (mil novecentos e vinte e oito euros) mensais. O Requerido não demonstrou não ter capacidade para pagar esse valor. É, aliás, inferior ao valor que pagava até há poucos meses (que o próprio indicou ser 2500,00 euros. Embora tenha feito a distinção entre o seu ordenado líquido e ilíquido e tenha mencionado ter arrendado uma casa, não disse em momento algum não poder pagar o valor peticionado. Aliás, durante a normalidade da vida conjugal entregava à Requerente valor superior ao que esta agora peticiona. O valor em questão será entregue pelo Requerido à Requerente por transferência bancária, improcedendo o pedido de desconto directo pela entidade empregadora, sem prjeu+izo de açcão executiva nos moldes gerais. Com o montante em causa, deverá a Requerente fazer face aos encargos da vida doméstica, incluindo a renda da casa e os consumos decorrentes da habitação desta.” O Apelante discorda deste entendimento e argumenta, em síntese, por vezes confundindo questões de facto e de direito, que: a decisão recorrida não aplica critérios de equidade, equilíbrio e justiça, que permitam uma situação financeira razoável para ambos os membros do ex-casal; não aplicou, como deveria, as regras do procedimento cautelar de alimentos, nomeadamente os critérios da necessidade de quem pede os alimentos e da capacidade por parte de quem os presta; não pode o Requerido ser obrigado a contribuir para manter, sob grave prejuízo financeiro, a condição de vida que a Requerente tinha quando se encontrava no seio da relação conjugal, tanto mais quando a Requerente já tem uma atividade profissional da qual irá obter (naturalmente) proventos financeiros, os quais auxiliarão a mesma a suportar as suas despesas pessoais e familiares. A Apelada defende o acerto da decisão recorrida, alegando, em suma, que: na falta de rendimentos do cônjuge mulher, o cônjuge marido deverá suportar integralmente as despesas do agregado familiar, enquanto se mantiver a situação de facto; dos 1.928 € que o Requerido foi condenado a entregar mensalmente à Requerente, 928 € destinam-se ao pagamento da renda de casa de morada de família (facto provado 7) e os restantes 1.000 € destinar-se-ão ao pagamento das despesas inerentes ao agregado familiar (consumos de água, eletricidade, gás, televisão e internet, bem como alimentação, vestuário e calçado). Apreciando. Lembramos, de novo, o disposto no art. 992.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual o cônjuge que pretenda exigir a entrega direta da parte dos rendimentos do outro cônjuge, necessária para as despesas domésticas, indica a origem dos rendimentos e a importância que pretenda receber, justificando a necessidade e razoabilidade do montante pedido. Na presente ação, o pedido formulado, de entrega direta de uma parte dos rendimentos do Requerido, não foi propriamente de condenação no pagamento à Requerente de uma qualquer quantia, como veio a ser determinado na sentença recorrida. No entanto, o Requerido-Apelante não alegou a nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, a qual não é de conhecimento oficioso, nem suscitou tal questão nas conclusões da sua alegação de recurso, restringindo assim o objeto inicial do recurso, o que se impõe respeitar - cf. art. 635.º, n.º 4, do CPC (tanto mais que se admite que o Apelante tenha pretendido manter a reserva sobre um assunto da vida privada, não envolvendo a sua entidade patronal neste litígio judicial). Além do citado art. 1675.º do CC, importa ter presente o disposto no art. 1676.º, n.º 1, do CC, que, sob epígrafe “Dever de contribuir para os encargos da vida familiar”, estabelece que: “O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.” Assim, ante os citados preceitos legais, são pressupostos do decretamento da contribuição para as despesas domésticas, (i) a falta (ou insuficiência) de entrega pelo cônjuge de quantias destinadas às concretas despesas domésticas (v.g. prestações mensais devidas por crédito bancário concedido para aquisição da casa de morada de família ou atinentes ao aluguer do veículo automóvel usado pelo agregado familiar); ii) a existência de rendimentos auferidos pelo outro cônjuge, incluindo a respetiva proveniência; iii) a necessidade de uma parte desses rendimentos para assegurar o pagamento de tais despesas e a razoabilidade desse montante, face às possibilidades dos cônjuges. A este propósito, explica Nuno de Salter Cid, no estudo citado, que (incluímos entre parenteses retos as notas de rodapé): “Se um dos cônjuges exigir judicialmente ao outro a devida, mas alegadamente não prestada, contribuição para os encargos da vida familiar, creio não haver dúvida de que lhe incumbe alegar e provar: o facto de estar casado com o demandado (sem ter havido separação de pessoas e bens); factos que permitam determinar quais são os encargos da vida familiar; factos que permitam verificar a origem dos rendimentos ou proventos (do demandado) dos quais pretende receber directamente a importância pretendida; e factos que permitam concluir no sentido da necessidade e razoabilidade do montante pedido [49 Quanto ao casamento é evidente, por estar em causa uma obrigação compreendida no dever conjugal de assistência (arts. 342.º, n.º 1, 1672.º, 1675.º, n.º 1, e 1676.º, n.º 1, todos do CC e artigo 5.º, n.º 1, do CPC); o mais tem adicionalmente em conta o preceituado no artigo 992.º, n.º 1, CPC, lido em consonância com o disposto no actual n.º 4 (n.º 3 até 2008) do artigo 1676.º CC]. Para aquela exigência não ser julgada procedente, total ou parcialmente, o demandado terá obviamente de alegar e provar o que obsta à procedência total ou parcial do pedido, designadamente que não tem (deixou de ter) a possibilidade de contribuir ou que não é necessário/razoável o montante pedido [50 Cf. arts. 342.º, n.º 2, e 1676.º, n.º 1, CC; e arts. 5.º, n.º 1, 571.º, 574.º e 576.º, n.ºs 1 e 3, CPC]. E, quem entende que, havendo separação de facto, o cônjuge autor/requerente apenas pode (em qualquer caso) pedir judicialmente que o outro seja condenado a prestar-lhe alimentos, dirá que o demandado, quanto ao pedido, poderá defender-se mediante a simples alegação e prova de que ambos estão separados de facto e, direi, estão-no por causa que lhe não é imputável ou não lho é exclusiva ou principalmente (342.º, n.º 2).” Nos presentes autos, relevam fundamentalmente os seguintes factos: - O Requerido entregava todos os meses uma quantia variável ao longo dos anos mediante transferência bancária para a conta aberta no nome de ambos, sendo com esse valor que a Requerente pagava a renda da casa de morada de família (no valor mensal de 928 €), os consumos de água, eletricidade, gás, telefone e internet, bem como as despesas de alimentação, higiene, vestuários do agregado familiar e as despesas escolares; - O Requerido pagava a totalidade das despesas do agregado familiar, incluindo as despesas da Requerente, como vestiário, cabeleireiro, esteticista, ginásio; - Nos últimos anos, o Requerido transferia a quantia de 2.500 € mensais à Requerente para a gestão da casa, incluindo a indicada renda, mas a partir de dezembro de 2023 começou a transferir montantes menores de forma irregular para a indicada conta; - O Requerido nos meses de durante os meses de Verão de 2024 passou a fazer diretamente os pagamentos ao senhorio da renda da casa de família, pagando igualmente de forma direta os consumos domésticos (água, gás, eletricidade, internet), e começou a fazer compras para alimentação e vestuário dos filhos, bem como material escolar dos mesmos; - O Requerido auferiu rendimentos dos serviços prestados no valor de 5.716,75 € mensais (o que, em termos líquidos, rondará os 3.300 €); - A Requerente iniciou atividade profissional na área da mediação imobiliária, não auferindo ainda rendimentos, não dispondo de fonte de rendimentos autónoma para custear as suas despesas; - O Requerido saiu de casa de morada de família em 28 de setembro de 2024, tendo arrendado um apartamento para si; - O Requerido nada entrega à Requerente para o sustento dos filhos menores que com ela permanecem na casa de morada de família. Muito embora tenhamos entendido que a separação de facto ocorrida na pendência da presente ação não releva para aferição da forma de processo adequada à pretensão da Requerente, não podemos deixar de considerar que a mesma se reveste de importância para a decisão da causa, face ao impacto direto que assume na situação económica e familiar das partes. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 01-07-2003, proferido no processo n.º 3933/2003-7 (disponível em www.dgsi.pt), muito embora algumas das considerações aí feitas já não sejam atuais; nesse acórdão, após lembrar os elementos literal, histórico e sistemático de interpretação do art. 1675.º do CC, sublinha-se que «não obstante a separação de facto, o casamento se mantém. Desfaz-se automaticamente, a comunidade, a que Maria de Nazareth Lobato Guimarães (Reforma do Código Civil, pág. 193) chama de ruptura informal da comunidade, mas não o vínculo. Como lucidamente frisa o Ac. S.T.J. de 16.04.98 (C.J. 1998, 2, 46) a vida familiar e seus encargos não terminam com a separação de facto – (hoc sensu), A. Varela, C.C.Anot., Vol. IV, pág. 266, Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, Vol. VI, pág. 114, e, Acs. do S.T.J. de 22.05.80 e 23.04.98, respectivamente, nos BMJ nº 297, pág. 263 e C.J. 1998, 2, 45 – contra, Maria da Nazareth Lobato Guimarães, Reforma do C. Civil, 191, Galvão Teles, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, na C.J. 1988, 2, págs 18 e ss e Curso de Direito de Família, I vol., 2ª ed., pág. 359 e Ac. S.T.J. de 26.06.97, Internet (www.nr.j.gov.pt). Por outro lado a “prestação de alimentos” que impende sobre ambos os cônjuges deriva directa e imediatamente do casamento que não se confunde com o “dever de alimentos” genericamente regulado nos artigos 2003º e ss que supõe qualquer acordo prévio ou antecedente litigioso – cfr. Prof. Silveira, Curso de Família, Tomo II, pag. 187. (…) A entender-se esta disposição como a referido no caso vertente apenas uma parte do dever de assistência – a uma simples prestação alimentícia – é, como salienta o Ac. S.T.J. de 22.05.80 (BMJ nº 297, pág. 263) – a sua redução a uma expressão meramente tautológica daquela afirmação consignada no capítulo respeitante à “obrigação alimentar relativamente aos cônjuges” e com referência no segmento final do artigo 2015º do Código Civil. Dai sufragarmos que enquanto, como “in casu”, se não fixar a imputabilidade da separação de facto a qualquer dos cônjuges, estes continuam a ter direito a ser mantida a sua posição familiar, ou seja à contribuição para os encargos da vida familiar. Mas tem que se levar em conta na fixação dos encargos da vida familiar, que, com a separação, cessam muitas obrigações sociais do casal e que não devem ser incluídas na contribuição imposta a qualquer dos cônjuges, a partir do momento em que a vida em comum se extinguiu (apud, A. Varela, C.C.Anot., Vol. IV, pág. 267). E a contribuição para os encargos da vida familiar está sujeita ao critério da proporcionalidade e não da igualdade – o dever de contribuição para os encargos da vida familiar nos termos do art. 1676º do C. Civil incumbe a ambos os cônjuges, nos mesmos termos, de harmonia com as possibilidades de cada um (cfr. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, pág. 395). E, como princípio, essa obrigação, à semelhança da prestação alimentícia, nunca pode sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.» No caso dos autos, a única despesa doméstica de montante concretamente apurado (928 € mensais) é a atinente à renda da casa, que o Requerido tem vindo a pagar diretamente. Ora, a renda de casa é, sem dúvida, uma dívida da responsabilidade de ambos (arrendatários) – cf. art. 1691.º, n.º 1, als. a) e b), do CC. A circunstância de o Requerido ter deixado de viver nessa casa, arrendando um apartamento para si, faz temer que ele se considere desobrigado de continuar a pagar a renda, pelo que se justifica, uma vez que a Requerente não dispõe ainda de condições económicas para o fazer e até para prevenir uma eventual resolução do contrato por falta de pagamento da renda, com efeitos nefastos para a economia e bem-estar do agregado familiar, que o Requerido entregue à Requerente aquela quantia. Está também provado que o Requerido começou a pagar de forma direta os consumos domésticos (água, gás, eletricidade, internet), cujos montantes não estão concretamente apurados, mas que não deixam de ser dívidas atinentes aos encargos normais da vida familiar, da responsabilidade de ambos – cf. art. 1691.º, n.º 1, al. b), do CC. Ora, não estando o Requerido a residir na casa de morada de família, para cuja morada é natural que seja enviada a correspondência relativa a esses contratos de prestação de serviços públicos essenciais, também se justifica que passe a ser a Requerente a realizar os respetivos pagamentos, contribuindo o Requerido para tais despesas domésticas, que são imprescindíveis na sociedade atual. Não estando provado o montante concreto das mesmas, parece-nos ser adequado, num juízo equitativo, tendo em atenção os valores dados como provados em diversos acórdãos recentes (destacando-se, a título exemplificativo, o ac. da RG de 25-01-2024, proc. n.º 4021/22.4T8BRG-B.G1, o ac. do STJ de 31-01-2023, proferido no proc. n.º 242/12.6TMLSB.L1.S1, e o ac. da RL de 13-04-2023, proferido no proc. n.º 3755/18.2T8BRR-B.L1-6, disponível em www.dgsi.pt), considerar, a esse título, um valor médio global na ordem dos 250 € mensais. Por outro lado, é bom não olvidar que, com a separação de facto das partes, se tornou necessária a regulação do exercício das responsabilidades parentais, incluindo quanto a alimentos devidos aos filhos menores (cf. artigos 1905.º a 1909.º do CC), estando provado que o Requerido realiza compras para alimentação e vestuário dos filhos, bem como material escolar, o que nos permite assumir que se encontram minimamente acauteladas tais necessidades, parecendo-nos inviável presumir qual o valor remanescente que a esse título porventura possa ser necessário assegurar. De qualquer forma, a Requerente, caso pretenda obter do Requerido o pagamento de prestações alimentícias, para o seu próprio sustento e dos seus filhos (com a satisfação de despesas distintas das habitacionais acima referidas, designadamente de alimentação, saúde, vestuário, calçado, escolares), poderá lançar mão dos mecanismos processuais previstos na lei, mormente, uma vez que está pendente ação de divórcio, o que se encontra previsto no art. 931.º, n.º 9, do CPC. Finalmente, não podemos olvidar que o Requerido, tendo deixado de residir na casa de morada da família, passou a ter de suportar a renda da sua casa, e, presumivelmente, respetivos gastos de água, gás, eletricidade e internet em montantes idênticos aos acima referidos, tendo ainda despesas com o seu sustento, sendo de antever que a Requerida irá a breve trecho auferir proventos pela atividade profissional que já começou a desenvolver. Por tudo isto, consideramos razoável fixar em 1.200 € mensais o montante a entregar à Requerente, sem prejuízo, naturalmente, da fixação de prestações alimentícias na sede própria. Assim, procedem em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento. Vencidas ambas as partes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, na proporção de 62% o Requerido-Apelante e 38% a Requerente-Apelada (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência: - revoga-se parcialmente a sentença recorrida, decidindo-se, em substituição do valor de 1.928,00 € (mil novecentos e vinte e oito euros), fixar em 1.200 € (mil e duzentos euros) a quantia a entregar à Requerente; - condena-se as partes no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção de 62% o Requerido-Apelante e 38% a Requerente-Apelada. D.N. Lisboa, 16-01-2025 Laurinda Gemas João Paulo Raposo Fernando Caetano Besteiro |