Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
464/25.0T8OER.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: DESPACHO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
APELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A putativa nulidade decorrente de ausência de fundamentação do despacho proferido em acta que indeferiu a realização da diligência probatória, não é configurável como um vício processual ou de natureza adjectiva, a enquadrar como nulidade secundária prevista no nº. 1, do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, decorrente de omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva ;
II - mas antes como eventual omissão praticada pelo tribunal no âmbito do processo decisório de indeferimento de tal meio probatório, ou seja, uma nulidade de conhecimento, de natureza decisória, a figurar a jusante, enquanto vício integrante e agregado ao próprio processo decisório ;
III - e, como tal, a configurar-se como potencial causa da nulidade inscrita na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil – não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, aplicável ao despacho em equação por força do estatuído no nº. 3, do artº. 613º, do mesmo diploma ;
IV – pelo que, admitindo a acção recurso ordinário, a sua invocação teria necessariamente que ser suscitada em sede apelatória – o nº. 4, do mesmo artº. 615º -, e não ser suscitada como reclamação a operar no próprio acto em que foi alegadamente produzida, sujeita às regras adjectivas de julgamento inscritas nos artigos 196º a 202º, do Cód. de Processo Civil.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1:

I – RELATÓRIO
1AA, com sede na Rua 1 1, Caxias,
intentou o presente procedimento cautelar especificado de embargo de obra nova contra:
- CC, com endereço na Rua 2 12, 4º, Lisboa (1ª Requerida) e ;
- ARPECDOURO, S.A., com endereço na Rua 3 396, Marco de Canaveses (2ª Requerida),
deduzindo o seguinte petitório:
a) Que seja mandada suspender imediatamente a obra, mediante embargo, nos termos do artigo 397º, nº 1 do CPC, e que esta seja mandada suspender mediante embargo e mesmo sem ouvir os requeridos, por o tempo a decorrer até à audiência colocar em risco sério a eficácia da providência requerida, em conformidade com o nº 1 do artigo 366º do CPC;
b) Se assim não se entender, que seja mandada suspender imediatamente a obra, mediante embargo, nos termos do artigo 397º, nº 1 do CPC, ordenando-se a citação dos RR. para deduzir oposição, querendo”.
Alegou, em suma, o seguinte:
• é proprietária de um prédio urbano, que confina com um terreno pertencente à primeira Requerida ;
• neste terreno, decorre uma «obra de escavação» executada pela segunda Requerida, assumindo esta última a qualidade de empreiteiro e a primeira a qualidade de dono de obra ;
• no dia 13 de Janeiro do corrente ano, na sequência de um «violento estremeção», verificou que estavam a ser colocadas, sem a sua autorização prévia, barras ou traves de ferro que invadiam, em cerca de dois metros e meio, o subsolo do seu prédio ;
• tais obras de escavação não só provocaram a quebra do muro que delimita ambas as propriedades, como colocam em perigo iminente o poço de grandes dimensões e a infraestrutura eléctrica à iluminação do seu jardim de suporte, situados no subsolo da sua propriedade ;
• havendo ainda risco de queda do muro para a própria via pública ;
• apesar dos diversos avisos e pedidos de paragem da obra dirigidos a ambas as Requeridas, e das diligências efectuadas junto de diversas entidades municipais com o mesmo fim, certo é que a mesma prossegue diariamente, sem as mais pequenas cautelas ;
• motivo pelo qual peticiona ao Tribunal, a fim de evitar maiores danos para o seu imóvel, que mande cessar imediatamente a execução dessa obra de escavação.
A Requerente juntou documentos e prova testemunhal, tendo o procedimento cautelar sido instaurado em 28/01/2025.
2 – Por despacho de 05/02/2025, indeferiu-se a requerida dispensa prévia do contraditório, ordenando-se a citação dos Requeridos, para, querendo, deduzirem oposição, nos termos dos artigos 366º, nºs. 1, 2 e 5 e 293º, ex vi do nº. 3, do artº. 365º, todos do Cód. de Processo Civil.
3 – Em resposta, veio a 1ª Requerida apresentar oposição, datada de 25/02/2025, alegando, em resumo, que:
• a obra em curso implica obrigatoriamente a realização do tipo de ancoragens contra a qual a Requerente se insurge, sob pena de danos sérios para ambas as propriedades ;
• tal procedimento, aliás, foi aprovado pela entidade municipal competente ;
• a paragem forçada da obra nesta fase, e não o seu prosseguimento, colocaria em risco de segurança a própria obra e o prédio da Requerente ;
• acresce que a alegada «invasão» da propriedade da Requerente, com as referidas ancoragens, é provisória, razão pela qual é permitida por lei ;
• o prejuízo máximo que a Requerente pretende impedir, com a providência cautelar de embargo de obra, que a mesma computa em €50.000,00, é muitíssimo inferior ao prejuízo que decorre para as Requeridas da sua paralisação ;
• pelo que se dispõe, pois, com este fundamento, a prestar caução nesse valor para que a obra prossiga e se evite a ocorrência deste prejuízo maior.
Conclui, no sentido da improcedência do intentado procedimento cautelar e, caso assim não se entenda, pela sua substituição por prestação de caução pela sua parte, em montante não superior ao reclamado pela Requerente como seu prejuízo máximo.
4 – Por sua vez, a 2ª Requerida apresentou igualmente oposição, em 25/02/2025, na qual referenciou, em súmula, o seguinte:
• sendo mera empreiteira, a Requerida é parte ilegítima para os termos do presente procedimento cautelar ;
• por outro lado ocorre caducidade do direito de acção cautelar, por transcurso do prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 397.º do CPC ;
• não se preenchem os requisitos para o requerido deferimento da providência cautelar.
Conclui, no sentido de que:
a. seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva da Requerida, com a sua consequente absolvição da instância ;
Ad cautelam, caso assim não se entenda,
b. seja julgada procedente a excepção peremptória inominada de ilegitimidade substantiva passiva da Requerida, com a sua consequente absolvição do pedido ;
Ad cautelam, caso assim não se entenda,
c. seja julgada procedente a excepção peremptória de caducidade do direito da Requerente e, consequentemente, sejam as Requeridas absolvidas do pedido ;
Ad cautelam, caso assim não se entenda,
d. seja o peticionado julgado totalmente improcedente e, consequentemente, sejam as Requeridas absolvidas do pedido.
5 – A requerente, por requerimento de 11/03/2025, veio «informar (…) do aumento, diversificação e agravamento dos danos causados pela invasão da sua propriedade», juntando para o comprovar novos documentos, tendo as requeridas, sob invocação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, respondido, impugnando os factos aí alegados.
6 – Por despacho de 18/03/2025, o Juízo Local Cível de Oeiras considerou que o valor do presente procedimento cautelar era «(…) necessariamente superior a €50.000,00 (…)», e, em consequência, declarou-se incompetente em razão do valor e ordenou a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de Cascais, tendo os mesmos sido distribuídos a este Juízo Central Cível (J 3) em 15/04/2025.
7 – Por requerimento de 20/04/2025, veio a Requerente/Autora, nos termos do artº. 490º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, requerer, “visando a correta apreciação dos factos pelo douto Tribunal para efeitos do esclarecimento da verdade e consequente decretamento do embargo de obra, a inspeção pelo douto Tribunal dos danos em curso na propriedade da A. sita na Rua 1 1, 2760-026 Caxias”.
8 – Por despacho de 19/05/2025, foi fixado o valor do procedimento cautelar – 50.000,00€ - e designada data para a audiência de produção de prova, que veio a realizar-se conforme acta datada de 18/06/2025 (e não 18/05/2025, conforme erradamente consta da acta).
9 – Em 03/07/2025, foi prolatada Decisão Final, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:
“6. Pelo exposto,
a) julgo procedente a excepção de ilegitimidade da requerida ARPECDOURO, S.A., e, em consequência, absolvo-a da presente instância cautelar;
b) julgo improcedente o presente procedimento cautelar, em relação à requerida CC, e, em consequência, não decreto o embargo.
Custas pela requerente (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique”.
10 – Inconformada com o decidido, a Requerente interpôs recurso de apelação, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“a) Nestes termos, e nos melhores em Direito sempre doutamente supridos por V.ª Ex.ª, Venerandos Juízes Desembargadores, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, nesta parte, o tribunal à quo violou a regra estabelecida no art 154.º n.º 1 do CPC,
b) Ao proferir sentença o tribunal à quo não cumpriu as formalidades do art.º 607.º n.º 2,
c) Ao não cumprir as formalidades legalmente previstas o tribunal à quo proferiu uma sentença parcialmente nula, por falta de fundamentação sobre um meio de prova requerido pela Requerente Autora”.
Conclui, no sentido da procedência da apelação “revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ordenando-se a realização da inspecção judicial”.
11 – A 2ª Requerida/Recorrida (BB) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
DA FALTA DE PODERES DE COGNIÇÃO DO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO:
I. A Recorrente sustenta o seu recurso numa suposta nulidade de sentença por violação do disposto no art. 154º, n.º 1 do CPC, invocando ter existido uma nulidade parcial da sentença por falta de fundamentação da decisão de indeferimento da requerida Inspeção, o que, todavia, não procede.
II. No limite, a entender-se existir uma qualquer nulidade – o que nem sequer se admite mas equaciona por mero exercício académico – esta seria sim uma nulidade processual, cfr. art. 195.º do CPC, isto porque a decisão de indeferimento da inspeção à obra foi tomada oralmente na Audiência de Produção de Prova, ocorrida no dia 18 de junho de 2025.
III. Em sede de Audiência de Produção de Prova, pelo facto de ter sido julgada provada toda a factualidade que a Recorrente pretendia provar com a inspeção, o Tribunal a quo decidiu o que ficou a constar da ata - ref. Citius 158234865: “Não existindo mais prova a produzir e NÃO SE VERIFICANDO A NECESSIDADE DE INSPEÇÃO DA OBRA, a Mmª Juiz de Direito Concedeu a palavra aos Ilustres Mandatários para Alegações”.
IV. Assim, tendo a decisão sido tomada na Audiência, este ponto não foi, nem tinha de ser, novamente abordado na Sentença – dado que há muito tinha sido decidida a não realização da inspeção, sem oposição pela Recorrente - pelo que nunca estaria ferida de nulidade por violação do disposto nos arts. 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 2 do CPC.
V. Mas ainda que se equacionasse que o decidido quanto à inspeção judicial pecava por falta de fundamentação – o que não se concede – sempre se trataria de uma nulidade processual, cfr. art. 195.º do CPC, a qual deveria ter sido arguida na própria Audiência de Produção de Prova, e não da sentença de que recorreu a Recorrente.
VI. Sendo que nestes casos “MESMO A EXISTIR UMA NULIDADE PROCESSUAL, O TRIBUNAL DA RELAÇÃO NÃO É FUNCIONALMENTE COMPETENTE PARA CONHECER DA NULIDADE ARGUIDA.”, cfr. decidido pelo TRL (proc. n.º 11262/21.0T8LRS.L1-8, de 27-04-2023).
VII. Assim, deveria a Recorrente ter Arguido durante a Audiência a suposta nulidade da decisão que não decretou a inspeção judicial, pela alegada falta de fundamentação, para que o Tribunal a quo tomasse as providências necessárias ao cumprimento da lei, cfr. art. 199.º, n.º 2 do CPC, e a nulidade fosse apreciada logo que reclamada, cfr. artigo 200.º, n.º 3 do CPC.
VIII. Ao não o fazer, sempre se consideraria sanada qualquer nulidade que pudesse existir.
IX. Não pode a Recorrente invocar uma suposta nulidade de sentença já que quando esta foi proferida (03/07/2025) já há muito havia sido decidida a não realização de inspeção judicial (em 18/06/2025), sem oposição da Recorrente,
X. Não podendo, por outro lado, este Tribunal da Relação conhecer de qualquer suposta nulidade que pudesse ter ocorrido em sede de Audiência, importando a rejeição do presente Recurso.
DA EXTEMPORANEIDADE DO RECURSO:
XI. Em todo o caso, não teria a Recorrente observado o prazo de que dispunha para intentar qualquer recurso.
XII. As nulidades do art. 195.º do CPC, estão sujeitas ao prazo de arguição do art. artigo 199.º, n.º 1 de acordo com o qual, que se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, a nulidade deverá ser arguida no momento em que forem cometidas.
XIII. Pelo que, os Il. Mandatários da Recorrente na sessão de Julgamento em foi indeferida a realização da inspeção, deveriam nesse momento ter arguido a suposta nulidade, o que não sucedeu.
XIV. Ad cautelam, ainda que se equacionasse que não teriam de arguir a nulidade no ato, sempre se aplicaria o prazo da parte final do art. 199.º, n.º 1 do CPC, em que o prazo se conta do dia em que a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, pelo que, em 18-06-2025, quando foi disponibilizada a ata da Audiência bem como os registos de gravação áudio da sessão (de que a Recorrente se serve nas suas Alegações de Recurso), a Recorrente deveria ter invocado a referida nulidade, o que não fez.
XV. Destarte, ainda que a suposta nulidade pudesse ser apreciada pelo Tribunal da Relação – o que se rejeita – sempre o recurso seria extemporâneo.
DA FALTA DE APRESENTAÇÃO DE CONCLUSÕES DE RECURSO:
XVI. O art. artigo 637.º, n.º 2 do CPC dispõe que o requerimento de interposição do recurso contém a alegação, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade, prevendo o art. 639.º, n.º 1 um ónus de formular conclusões.
XVII. A recorrente não apresentou conclusões de Recurso, não se podendo considerar que o trecho que sucede ao artigo 23.º sejam conclusões, não sendo feito qualquer enquadramento ou apresentada qualquer fundamentação, existindo uma verdadeira OMISSÃO DAS CONCLUSÕES DE RECURSO.
XVIII. Assim, existindo uma total omissão das conclusões, não se admite o convite ao aperfeiçoamento determinando, hic et nunc, a rejeição liminar do Recurso, o que se invoca.
DO EFEITO DE RECURSO:
XIX. A Recorrente atribui ao Recurso efeitos suspensivos, o que não se poderá admitir já que este implica que o efeito da decisão recorrida fique suspenso até que transite em julgado a decisão de recurso.
XX. In casu, a decisão proferida julgou procedente a exceção de ilegitimidade em relação à Recorrida ARPECDOURO, assim como julgou improcedente o procedimento cautelar em relação à Recorrida SOLEXTROVERTIDO, não decretando o embargo da obra, pelo que nada tendo sido decretado, nada há a suspender.
XXI. Efetivamente, a Recorrente pretende sim a suspensão da obra, no entanto, em termos práticos tal equivaleria ao decretamento da providência cautelar o que não se poderá admitir já que entendeu o Tribunal não estarem reunidos os pressupostos que permitissem tal embargo, pelo que nunca com o Recurso se poderia obter a suspensão da obra que não foi reconhecida. XXII. Em todo o caso, nunca se mostrariam reunidos os pressupostos para atribuição de efeitos suspensivos, designadamente os previstos no art. 647.º, n.º 3, al. b) do CPC de que se serve a Recorrente,
XXIII. Seja porque não está em causa qualquer ação a que se reporta do artigo 629.º, n.º 3, al. a) ou b) do CPC, nem qualquer ação que respeite à posse, nem em causa está a propriedade de casa de habitação da Recorrente (a qual serve de sede e local de trabalho dos trabalhadores da Recorrente, cfr. art. 2.º da PI).
XXIV. Nestes termos, a admitir-se o Recurso, deverá ser atribuído efeito devolutivo.
DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO:
XXV. No que respeita ao mérito, a decisão proferida não merece qualquer reparo.
XXVI. O Tribunal a quo decidiu pela não realização da inspeção por não vislumbrar necessidade em tal diligência já que os danos que a Recorrente pretendia dar como provados com a realização da inspeção foram provados.
XXVII. Neste sentido, considerem-se os seguintes factos dados como provados na sentença recorrida:
3. A requerida encontra-se a realizar uma obra de escavação e contenção periférica num seu terreno contíguo ao prédio urbano referido em 1., tendo a partir deste terreno introduzido no subsolo do prédio da requerente, sem o consentimento desta, diversos cabos de aço, cheios de calda de cimento, com um comprimento que, no total, ascende a cerca de 11 metros, que se iniciam a 3m de profundidade, aproximadamente, e se prolongam pelo terreno da R. adentro até atingir os 11 metros de profundidade, perfurando-o na diagonal com um declive de cerca de 30º. 4. Os trabalhos de escavação e contenção periférica provocaram uma fenda no muro que delimita ambas as propriedades e fissuras nas escadas exteriores do edifício implantado no prédio da requerente, conforme fotografias juntas com o requerimento inicial.
“Pontos 2. e 4. – fotografias do prédio da requerente juntas com o requerimento inicial, conjugadas com o teor das queixas/denúncias apresentadas pela requerente junto da polícia municipal e da Câmara Municipal de Oeiras, datadas de meados de Janeiro de 2025, e com os depoimentos das testemunhas DD e EE, que os confirmaram, de forma credível, por trabalharem para a requerente no prédio em causa, nos dias úteis, desde 2023 e 2024, respectivamente, e terem, por isso, presenciado as ocorrências descritas no ponto 4. no prédio em questão, na sequência de um «estremeção» que aí sentiram no dia 13/01/2025, quando decorriam as obras de escavação no terreno contíguo. Ora, tais ocorrências são compatíveis com a especificidade da obra aí em execução, tal como caracterizada no ponto 3. dos factos provados, havendo coincidência, no tempo e na configuração material, entre a obra e o tipo de danos atestados por ambas as testemunhas e pelas fotografias. Acresce que a testemunha FF, engenheiro civil responsável técnico pela execução obra, admitiu como possível a realização de perfurações para a colocação das ancoragens, nessa altura (Janeiro de 2025), fase em que as obras decorriam junto do limite da propriedade da requerente, referindo ainda que veio a saber pela equipa técnica em obra da queixa que então lhe foi dirigida por colaboradores da requerente.”
XXVIII. Foi, portanto, por ter ficado convencido da factualidade que se pretendia provar com a inspeção judicial que o douto Tribunal a quo decidiu
“Não existindo mais prova a produzir e não se verificando a necessidade de inspeção da obra”.
XXIX. A decisão de não realização da inspeção não foi infundada ou indevida, já que a sua realização era absolutamente irrelevante dado que o propósito que a mesma servia tinha-se já verificado,
XXX. Inexistindo qualquer falta de fundamentação já que as circunstâncias evidenciavam o motivo pelo qual a inspeção se revelava redundante, fazendo decair o presente Recurso.
Em qualquer caso,
XXXI. Ainda que se pudesse equacionar existir falta de fundamentação – o que não se concede -, nunca tal configuraria uma nulidade, já que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando possa influir no exame ou na decisão da causa, cfr. art. 195.º CPC.
XXXII. No caso, ainda que o tribunal realizasse a inspeção e concluísse pela verificação dos danos - como concluiu – isso não alteraria o decidido já que os embargos não foram decretados pela falta de verificação dos demais pressupostos.
XXXIII. E tal conclusão não é meramente especulativa, já que, tendo sido julgados provados os danos, ainda assim o Tribunal concluiu não se verificarem os demais pressupostos, cfr. decorre da seguinte parcela da decisão:
Como decorre do texto do artigo 397.º, acima transcrito, são requisitos do embargo de obra nova: 1) que o requerente seja titular de um direito real ou pessoal de gozo (ou tenha a posse correspondente a um direito real de gozo); 2) que esse direito tenha sido ofendido em consequência de uma obra, trabalho ou serviço; e 3) que a obra ofensiva desse direito de gozo (ou da posse) se tenha iniciado e não tenha ainda terminado.”
(…)
O primeiro requisito do embargo está preenchido.
(…)
Vejamos agora, à luz deste enquadramento de direito substantivo, se ocorreu, no caso concreto, a ofensa do direito de propriedade da requerente, que é o segundo requisito do embargo. Em relação às estruturas implantadas na superfície do prédio urbano da requerente, ou seja, a edificação e coisas móveis nele incorporadas com carácter de permanência, como os muros que o circundam, não há dúvida que se se verificou uma situação de ofensa do direito de propriedade da requerente. Com efeito, provou-se que os trabalhos de escavação e contenção periférica realizados pela requerida junto do muro que separa as propriedades desta e da requerente causaram uma fenda no muro que delimita ambas as propriedades e fissuras nas escadas exteriores do edifício implantado no prédio da requerente, como alegado no requerimento inicial (pontos 3. e 4 dos factos provados).
(…)
Cumpre finalmente aferir da verificação do terceiro requisito, respeitante à exigência de que a obra violadora do direito do requerente ainda não tenha terminado, no sentido acima explicitado. Adianta-se, desde já, que os factos provados não permitem concluir pela verificação deste requisito. Com efeito, provou-se que a construção do muro de contenção periférica, na zona contígua à propriedade da requerente, e a inerente incorporação das respectivas ancoragens no subsolo desta propriedade, realizadas no âmbito da obra de construção de um edifício de apartamentos empreendida pela requerida, já se encontra praticamente concluída, não sendo, por isso, previsível que ocorram outros danos nas estruturas implantadas na superfície da propriedade da requerente ou que os já produzidos se agravem (ponto 6. dos factos provados).”
XXXIV. Portanto, a inspeção nunca alteraria o sentido da decisão, dado que a improcedência dos Embargos decorreu do facto de a continuação da obra não aumentar ou agravar os supostos danos já causados, assim como também não conduziria qualquer eliminação, cfr. decorre da decisão:
Estes danos – os únicos que, pelas razões acima referidas, justificam um juízo de censura – não podem, por isso, ser aumentados ou agravados pela prossecução da obra, nem eliminados pela sua suspensão. Neste contexto, o embargo da obra não teria qualquer efeito preventivo na protecção do direito de propriedade da requerente, quedando-se, assim, inútil à defesa dos seus interesses patrimoniais, claramente prejudicial ao desenvolvimento da actividade económica da requerida, que também é merecedora de tutela constitucional (artigos 66.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e potenciadora de riscos de segurança para pessoas e bens, como decorre do ponto 15. dos factos provados
XXXV. Destrate, ainda que se equacionasse qualquer nulidade – o que não se concede – isso não alteraria a decisão proferida nos autos, pelo que nunca estaria verificada qualquer nulidade, improcedendo o recurso intentado.
Por cautela e por fim,
XXXVI. Independentemente do que venha a ser decidido, tal não afeta a parte da sentença que ditou a absolvição da instância da ora Recorrida ARPECDOURO por falta de legitimidade processual passiva.
XXXVII. Esta parte do decidido não fica de prejudicada, nem apresenta conexão com as conclusões ou efeitos que se possam retirar com a suposta nulidade, pelo que sempre será de manter a parte da sentença proferida que decidiu pela verificação da exceção de ilegitimidade da Recorrida ARPECDOURO”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso.
12 – A 1ª Requerida/Recorrida (CC) veio igualmente apresentar contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
“A - Andou bem o tribunal a quo ao indeferir a providência cautelar de embargo de obra nova requerida pela Recorrente, na medida em que não se verificam os pressupostos para o seu decretamento.
B – Ao contrário daquilo que reclama a Recorrente, não se verifica nenhum vicio na sentença que a invalide, não passando o recurso de uma estratégia processual censurável que visa pura e simplesmente pressionar a Recorrida, no sentido de tentar obter vantagens a que não tem direito.
C – Tal estratégia fica cada vez mais clara, sobretudo depois da Recorrente ter interposto uma ação de condenação contra as Recorridas, formulando um pedido indemnizatório de 832.500,00 €, tendo por base o suposto prejuízo invocado na providencia cautelar, o qual foi de 50.000,00 €, depois atualizado para 150.000,00 € (nenhum deles minimamente respaldado por prova nos autos).
D – O recurso de apelação tem por base a única questão (processual), a qual nem sequer poderá em bom rigor ser apreciada pelo Tribunal da Relação em sede de recurso ordinário.
E – O recurso tem por base a alegada falta de decisão fundamentada na sentença acerca do requerimento de prova por inspeção feito pela Recorrente, o que consubstancia uma nulidade decisória da mesma sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC, por violação do disposto no artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código.
F – Sucede que desde logo, o cerne da questão objeto do recurso prende-se com a suposta falta de fundamentação de um despacho proferido na audiência final e vertido em ata, o que é diferente de existir falta de fundamentação na sentença, a qual nem sequer se pronunciou sobre tal requerimento, uma vez que o dito despacho já havia sido proferido, nos termos seguintes: “Não existindo mais prova a produzir e não se verificando a necessidade de inspeção à obra, a Mma. Juíza de Direito concedeu a palavra aos Ilustres Mandatários para […]
G – Assim, nunca o dito requerimento teria em momento algum de ser objeto de despacho em sede de sentença, e consequentemente nunca a sentença podia estar ferida por violação dos artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 2 do CPC, por referência a tal matéria.
H – Se o Recorrente considerasse que o despacho em causa não se encontrava devidamente fundamentado, deveria ter atacado o próprio, e nunca a sentença em sede de recurso de apelação.
I - Conforme estabelece o artigo 195.º do CPC, as nulidades (não tipificadas noutros artigos) respeitam a atos que a lei não admita, bem como a omissões previstas na lei ou que possam influir no exame ou decisão da causa, sendo o modo de atacar as mesmas a sua impugnação direta, em sede própria, neste caso na própria audiência na qual o despacho alegadamente inválido foi proferido.
J - Sucede que a Recorrente não o fez, o que significa que o ato, ainda que fosse portador de algum vicio, o que não se admite, já se teria consolidado, entretanto, pelo decurso do tempo.
K – Por outro lado, ainda que fosse admissível o recurso ordinário do despacho consubstanciado na rejeição do requerimento de prova por inspeção formulado pela Recorrente, in casu o mesmo teria sido interposto fora do prazo.
L – Sendo indiscutível que o ato potencialmente impugnável seria sempre o despacho constante da ata de julgamento, e não a sentença proferida na providencia cautelar, o prazo de interposição de 15 dias a contar do ato a que a parte esteve presente, conforme estabelece o artigo 638.º, n.º 3 do CPC, ou seja, a audiência de julgamento, já teria expirado, considerando que tal audiência teve lugar no dia 18 de junho de 2025, e o recurso interposto pela Recorrente deu entrada no dia 22 de julho de 2025.
M - De facto, de acordo com as regras aplicáveis, o prazo de interposição de recurso respetivo terminou no dia 8 de julho de 2025, pelo que o recurso interposto é claramente extemporâneo, devendo por isso ser rejeitado por esse douto tribunal.
N - Nos termos da lei, mais concretamente dos artigos 637.º, n.º 2, 639.º, n.º 1, e 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC, os recursos deverão necessariamente conter as conclusões sintéticas sobre os respetivos fundamentos para o pedido de alteração ou anulação da decisão a quo, sob pena de rejeição.
O – Sucede que o recurso apresentado pela Recorrente não se encontra acompanhado de nenhumas conclusões.
P - Sendo certo que quando as conclusões de recurso apresentadas sejam deficientes, obscuras, complexas ou padeçam de outros vícios, o relator deve convidar o Recorrente a corrigi-las, no sentido de o recurso poder ser apreciado pelo tribunal superior, conforme estabelece o artigo 639.º, n.º 3 do CPC, a ausência total de conclusões implica a rejeição pura e simples do recurso interposto.
Q - E não se diga que a Recorrente incluiu nas suas alegações um capítulo com o título “Conclusões”, uma vez que o mesmo é irrelevante no caso de ausência de substância, como é obvio, veja-se nesse sentido entre muitos outros, o aresto proferido pelo STJ no âmbito do processo 3657/18.2T8LRS.L1.S1, da 7.º Seção, proferido em 19-10-2021, disponível https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ffa1e228614827a880258770052bb70?OpenDocument
R – Outrossim, o Recorrente nas suas alegações pediu a fixação de efeito suspensivo ao recurso que interpôs, o que não está de acordo com a lei, nem com a lógica diga-se, considerando que a decisão proferida indeferiu o pedido por si formulado.
S - Não se pode suspender os efeitos de uma decisão que indeferiu o pedido formulado pelo Recorrente, independentemente de no caso das providências cautelares a regra ser a da atribuição do efeito meramente devolutivo aos recursos.
T- Assim, não poderá deixar de ser atribuído efeito meramente devolutivo ao presente recurso.
U – Independentemente dos vícios supra, o requerimento de prova por inspeção apresentado pela Recorrente não poderia ser admitido pelo douto tribunal, por diversas outras ordens de razões.
V - A prova no âmbito da providencia cautelar de embargo de obra nova deve ser toda requerida com a petição inicial, o que não foi observado pela Recorrente, o qual fez diversos requerimentos ao processo, sem que tenha sequer aflorado tal pedido, não o podendo fazer de modo ad-hoc no momento que escolher, conforme se retira nomeadamente do artigo 293.º do CPC, e é também a jurisprudência dos nossos tribunais, conforme resulta nomeadamente do Acórdão do TRC datado de 1 de fevereiro de 2022, no âmbito do processo n.º 488/21.6T8MGR-A.C1, assim sumariado: “Nos
procedimentos cautelares, com exceção da prova documental, não é admissível a apresentação de novos meios de prova depois da petição e da oposição.
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/de3620eae775a43c80258730048690b?OpenDocument
W - No entendimento da Recorrida uma inspeção nem sequer se adequava ao fim pretendido pela Recorrente com o pedido formulado, uma vez que o seu objetivo seria convencer o tribunal que sofreu danos na sua propriedade, em virtude da obra em curso na propriedade vizinha, pelo que o meio de prova correto a requerer seria uma perícia, pois de facto aquilatar da verificação dos alegados danos e suas causas caberia naturalmente a técnicos especializados, enquanto uma inspeção ao local apenas permitiria ao tribunal confirmar se aquilo que consta das fotos efetivamente corresponde à realidade.
X – A sentença encontra-se devidamente fundamentada nos factos provados, tendo o tribunal concluído que embora a Recorrente tivesse provado que tinha o direito de propriedade sobre o imóvel supostamente danificado, e bem assim que a obra teria violado o seu direito de propriedade, com o que a Recorrida não concorda obviamente, nem se conforma, não havia, todavia, ficado demonstrado que a obra continuava em curso.
Y – Em conclusão, sem obra em curso, a providência cautelar requerida carece de efeito útil, existindo assim uma inutilidade superveniente da mesma, pelo que se deve em qualquer caso manter o respetivo indeferimento”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso, com consequente confirmação integral da sentença prolatada.
13 – O recurso foi admitido por despacho datado de 01/09/2025, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo sido prolatado despacho com o seguinte teor:
Requerimento de interposição do recurso de 22/07/2025:
O recorrente expressamente indica, no requerimento de interposição do recurso em apreço, como decisão recorrida, a decisão final de 03/07/2025, embora invoque em fundamento do recurso, sem bem se interpretam as respectivas alegações, a nulidade, por falta de fundamentação, de um despacho (oral) anterior, ditado para a acta da sessão da audiência final de 18/06/2025, que rejeitou a realização de um meio de prova (inspecção judicial).
Ora, o artigo 644.º, n.º 2, alínea d), in fine, e n.º 3, a contrario sensu, e o artigo 645.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), autonomizam o recurso do despacho de rejeição de um meio de prova e consagram-lhe um regime próprio de subida (imediata e em separado), sendo que, tratando-se, como é o caso, de um despacho oral, o prazo de interposição do recurso é de 15 dias, contado da data em que o despacho for proferido, se a parte estiver presente (artigo 638.º, nºs. 1, segunda parte, e 3, do mesmo Código), prazo que, no caso concreto, terminou em 03/07/2025.
De todo o modo, apesar da apontada contradição, pelo menos aparente, entre o fundamento do recurso e a decisão recorrida, afigura-se que, na dúvida, deve o recurso ser admitido.
Assim, por legal e tempestivo, e ter sido interposto por quem tem legitimidade para tanto, admito o recurso de apelação interposto da decisão de 03/07/2025, o qual sobe nos próprios autos com efeito suspensivo (artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, segunda parte, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea d), e 647.º, n.º 3, alínea d), do CPC).
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A decisão final de 04/07/2025 não incorre, em nosso entender, nas nulidades previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por estar devidamente fundamentada, de facto e de direito, e ter apreciado todas as questões que importava decidir, sendo questão distinta e inócua para esse efeito a da nulidade do despacho ditado para a acta da sessão de 18/06/2025, que indeferiu a realização de inspecção judicial ao imóvel da requerente, o qual, aliás, já transitou em julgado.
Pelo exposto, nos termos do n.º 1 do artigo 617.º do CPC, indefiro a arguição de nulidade deduzida pela requerente no recurso ora admitido.
Notifique”.
14 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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IIÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede configura-se, prima facie, em determinar e apurar o seguinte:
1. Da nulidade decorrente da falta de fundamentação da decisão que indeferiu a produção do meio probatório inspecção judicial ;
2. Da pertinência e pretensão de realização de tal diligência probatória.
Na apreciação do teor das contra-alegações recursórias apresentadas, ponderar-se-á, ainda, eventualmente em termos prejudiciais, o conhecimento das seguintes questões prévias:
I. Da inadmissibilidade do recurso de apelação ;
II. Da extemporaneidade do recurso ;
III. Da falta de apresentação de conclusões.
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QUESTÕES PRÉVIAS
- Da alegada inadmissibilidade do recurso de apelação
Referenciam as Recorridas que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, não existiu qualquer nulidade da sentença, mas antes a eventual prática de uma nulidade processual, prevista no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, a qual, a configurar-se, nunca teria ocorrido em sede de sentença, mas anteriormente, em sede de audiência de produção probatória, nomeadamente quando foi prolatado o despacho que indeferiu a suscitada diligência probatória de inspecção judicial, sendo competente para conhecer da mesma o próprio Tribunal em que alegadamente ocorreu.
Ademais, a entender-se pela concreta verificação de tal nulidade, deveria a mesma ter sido arguida pela Recorrente na própria audiência de produção de prova, invocando a falta de fundamentação, e não na sentença de que aquela recorreu, não possuindo o Tribunal da Relação de poderes para o seu conhecimento.
Assim, tendo o Tribunal a quo decidido, em acta, acerca daquele meio probatório requerido pela Requerente, tal requerimento probatório não tinha que ser objecto de pronúncia em sede de sentença e, caso a mesma Requerente entendesse que o despacho em equação não se encontrava devidamente fundamentado, então “deveria ter atacado o próprio, em vez da sentença”.
Desta forma, o interposto recurso de apelação não é o meio próprio para conhecer do alegado vício, “uma vez que o ato alegadamente inválido foi proferido no âmbito de um despacho anterior à sentença final, pelo que deveria ser sempre aquele o ato impugnado, e não a dita sentença”.
E, conclui-se, tratando-se de nulidade relativa à prova, consubstanciada na falta de fundamentação da sua não admissão, “a mesma cai no âmbito do regime dos artigos 195º e ss. do CPC, nomeadamente no que toca a meios e prazos de arguição”.
Conhecendo:
Referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 736 e 737 –, em anotação ao artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, importar efectuar “uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica ; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos. Ademais, no que respeita ás nulidades decisórias, as mesmas apenas podem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão nos casos em que esta não admita recurso, já que na situação inversa deverão ser inseridas nas alegações de recurso de apelação” (sublinhado nosso).
Assim, “no que concerne à arguição das nulidades da sentença, importa distinguir os casos em que a mesma admite ou não recurso ordinário. Naquela primeira situação, as nulidades apenas podem ser suscitadas em sede do recurso de apelação (ou, depois, em sede recurso de revista), como fundamentos autónomos da sua impugnação”.
Em idêntico sentido, aduz Abrantes Geraldes – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 24 e 25 – importar “distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615º, nº. 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas als. b) a e) do nº. 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível”.
Por outro lado, “a ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de acto que a lei prescreva ou da prática de acto que a lei não admita, ou admita sob uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso, devem ser arguidas pelos interessados, perante o juiz (arts. 196º e 197º). É a decisão que vier a ser proferida que poderá ser impugnada pela via recursória, agora com a séria limitação constante do nº. 2 do art. 630º (….).
Tal solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecte na sentença, mas que não se reporte a qualquer das alíneas do nº. 1 do art. 615º”.
Jurisprudencialmente, consignou-se no douto aresto do STJ de 13/10/2022 – Relator: Nuno Ataíde das Neves, Processo nº. 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1, in www.dgsi.pt -, que as nulidades processuais previstas nos artºs. 186º e segs. do Cód. de Processo Civil, “versando sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo (v.g. a ineptidão da petição inicial (art. 186º), a falta de citação do Réu ou do Ministério Público (art. 187º a 192º), o erro na forma do processo ou do meio processual (art. 193º), assim como, fora dos casos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de uma formalidade que a lei não prescreva, quando possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º nº 1), obedecendo, no que toca ao conhecimento oficioso, à legitimidade para a respectiva arguição, ao prazo para o efeito, às regras do respectivo julgamento, às normas adjectivas constantes dos art. 196º a 202º do CPC.
Trata-se de nulidades processuais que têm a ver com o cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo e para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão.
Trata-se de formalidades do processo a se, de actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos ou formalidades cometidos que a lei proíbe ou de actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, de natureza e índole intimamente adjectiva, que a lei comina com a nulidade.
Digamos ainda, actos que deveriam ter ocorrido em momento antecedente ao da decisão final, e que, ao não correrem, inquinaram essa mesma decisão, feriram-na de nulidade.
Actos de tramitação processual strictu sensu, que não se confundem com actos ou omissões praticadas pelo tribunal já, a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que à decisão em si tangem, diremos nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei do processo civil também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art. 615º do CPC.
Estas nulidades concernentes com vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório, são distintas daquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art. 186º e segs. do CPC, inerentes, já o dissemos, à tramitação processual a se, verificáveis a montante ou em momento prévio do decisório, com estas não se confundindo.
As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia”.
Donde, ter-se sumariado que:
“I – As nulidades previstas nos art. 186º e seguintes do CPC versam sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo, respeitando ao cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo, para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão.
II – Estão em causa formalidades processuais a se, de natureza e índole intimamente adjectiva, actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos que a lei proíbe ou actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, que a lei comina com a nulidade.
III - Sendo actos de tramitação processual stricto sensu, que se situam a montante da decisão final, não se confundem com os actos ou omissões praticadas pelo tribunal já, a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que tangem ao âmago da decisão, nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei adjectiva também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art. 615º do CPC.
IV - Estas nulidades concernentes com os vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório e com este se compaginando, deste sendo intrínsecas, são distintas e não se confundem com aquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art. 186º e segs. do CPC, inerentes à tramitação processual a se, verificáveis em momento prévio ao decisório (sublinhado nosso).
Exposto o presente enquadramento, consignemos o seguinte:
- a invocada nulidade de ausência de fundamentação da decisão que indeferiu a realização da diligência probatória, a existir, terá sido praticada aquando da prolação do despacho que ficou consignado em sede de audiência de produção de prova, nomeadamente quando se referencia expressamente “não se verificando a necessidade de inspeção à obra” ;
- todavia, tal nulidade, contrariamente ao defendido pelos Apelados, não é configurável como um vício processual ou de natureza adjectiva, a enquadrar como nulidade secundária prevista no nº. 1, do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, decorrente de omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva ;
- mas antes como putativa omissão praticada pelo tribunal no âmbito do processo decisório de indeferimento de tal meio probatório, ou seja, uma nulidade de conhecimento, de natureza decisória, a figurar a jusante, enquanto vício integrante e agregado ao próprio processo decisório ;
- e, como tal, a configurar-se como potencial causa da nulidade inscrita na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civilnão especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, aplicável á decisão em equação por força do estatuído no nº. 3, do artº. 613º, do mesmo diploma ;
- Pelo que, assim sendo, a sua invocação, in casu, teria necessariamente que ser suscitada em sede apelatória – o nº. 4, do mesmo artº. 615º -, e não ser suscitada como reclamação a operar no próprio acto em que foi alegadamente produzida, sujeita às regras adjectivas de julgamento inscritas nos artigos 196º a 202º, do Cód. de Processo Civil ;
- donde, não ocorreria a alegada insusceptibilidade/inadmissibilidade de conhecimento da apelação interposta, com os supra enunciados fundamentos aduzidos pelos Apelados.
- Da extemporaneidade do recurso
Aludindo á extemporaneidade do recurso, referencia a 2ª Requerida Recorrida que a ocorrer a nulidade secundária inscrita no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, a sua arguição sempre se revelaria extemporânea, quer se entendesse que deveria ter sido arguida logo no próprio acto, quer se entendesse que o deveria ter sido na data da disponibilização, na plataforma citius, da acta de audiência de prova e registos de gravação.
Assim, como nem sequer o fez no prazo supletivo de 10 dias, tal representa a inobservância de todos os prazos de que a Recorrente poderia beneficiar, pelo que, ainda que se visse a admitir que a suposta nulidade poderia ser apreciada pelo Tribunal da Relação, sempre tal recurso se configuraria como extemporâneo.
Numa outra perspectiva, argumenta a 1ª Requerida Recorrida que ainda que fosse admissível o recurso ordinário do despacho consubstanciado na rejeição do requerimento de prova por inspeção formulado pela Recorrente, in casu o mesmo teria sido interposto fora do prazo.
Ou seja, e explicitando, configurando-se como “indiscutível que o ato potencialmente impugnável seria sempre o despacho constante da ata de julgamento, e não a sentença proferida na providencia cautelar, o prazo de interposição de 15 dias a contar do ato a que a parte esteve presente, conforme estabelece o artigo 638.º, n.º 3 do CPC, ou seja, a audiência de julgamento, já teria expirado, considerando que tal audiência teve lugar no dia 18 de junho de 2025, e o recurso interposto pela Recorrente deu entrada no dia 22 de julho de 2025”.
Com efeito, de acordo com as regras legais aplicáveis, o prazo de interposição de recurso respetivo terminava a 8 de julho de 2025, pelo que o recurso interposto sempre seria claramente extemporâneo, a determinar a sua necessária rejeição.
Apreciando:
Relativamente ao fundamento aduzido pela 2ª Requerida, já se tendo constatado que o putativo vício não se configura como nulidade secundária, a aludida extemporaneidade não possui qualquer assertividade.
No que concerne ao referenciado pela 1ª Requerida, de aludida extemporaneidade de um recurso que aparentemente não foi interposto, será matéria que apreciaremos infra, aquando da definição do efectivo objecto sob o qual incidiu o recurso interposto e a aparente distonia entre este e um outro recurso, potencial ou eventual, tendo por objecto diferenciadas decisões.
- Da falta de apresentação de conclusões
Referenciam, ainda, as Apeladas Requeridas não ter a Recorrente Requerente apresentado quaisquer conclusões, conforme legal exigência inscrita no artº. 639º, do Cód. de Processo Civil, pois, as aparentemente apresentadas não podem catalogar-se como tal, sendo ausentes da indicação do fundamento específico de recorribilidade, ou seja, são ausentes de qualquer substância.
Deste modo, a ausência total de conclusões implica a rejeição, pura e simples, do recurso interposto, pois não é sequer caso a determinar convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº. 3, do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil.
Apreciando:
As conclusões apresentadas pela Recorrente estão longe de se configurarem como um modelo de observância dos critérios ou exigências legalmente equacionados no artº. 639º, do Cód. de Processo Civil.
Todavia, não é correcto afirmar-se que não foram apresentadas, ou seja, que ocorre total omissão conclusória, em total desrespeito da legal imposição da sua apresentação.
Com efeito, a partir das três alíneas que as consubstanciam, é ainda possível aferir acerca dos fundamentos recursórias e pretensão deduzida, os quais se traduzem, fundamentalmente no já supra consignado, ou seja, da nulidade decorrente da falta de fundamentação da decisão que indeferiu a produção do meio probatório inspecção judicial, e da pertinência e pretensão de realização de tal diligência probatória.
Por outro lado, não cremos que a formulação de um eventual convite ao aperfeiçoamento, nos termos do citado nº. 3, do mesmo normativo, atento o teor do corpo alegacional, seja susceptível de aditar muito mais para além do exposto que, apesar de parco e pouco claro, é perceptível. Podendo, assim, configurar-se apenas como mais uma dilação temporal, não totalmente exigível, à desejável conclusão dos presentes autos.
Por todo o exposto, conclui-se no sentido da consideração das conclusões apresentadas, sendo improcedente a pretensão de rejeição do recurso, com fundamento na sua total omissão.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na Decisão Final apelada foram considerados PROVADOS os seguintes factos:
1. O prédio urbano sito em Rua 1 1 e 1-A, 2760-026 Caxias, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras com o n.º ...8.../1988, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo..., encontra-se registado a favor da requerente pela Ap. 1608 de 08/02/2018.
2. A requerente tem colaboradores seus a trabalhar no prédio acima identificado.
3. A requerida encontra-se a realizar uma obra de escavação e contenção periférica num seu terreno contíguo ao prédio urbano referido em 1., tendo a partir deste terreno introduzido no subsolo do prédio da requerente, sem o consentimento desta, diversos cabos de aço, cheios de calda de cimento, com um comprimento que, no total, ascende a cerca de 11 metros, que se iniciam a 3m de profundidade, aproximadamente, e se prolongam pelo terreno da R. adentro até atingir os 11 metros de profundidade, perfurando-o na diagonal com um declive de cerca de 30º.
4. Os trabalhos de escavação e contenção periférica provocaram uma fenda no muro que delimita ambas as propriedades e fissuras nas escadas exteriores do edifício implantado no prédio da requerente, conforme fotografias juntas com o requerimento inicial.
5. A obra referida em 3. enquadra-se no âmbito da construção de um edifício de apartamentos, na Rua 1, em Caxias, Paço de Arcos, Oeiras, por parte da requerida.
6. A construção do muro de contenção periférica, na zona contígua à propriedade da requerente, e a inerente incorporação das respectivas ancoragens no subsolo desta propriedade, já se encontra praticamente concluída, pelo que não é previsível que ocorram outros impactos para além dos referidos em 4. dos factos provados ou que estes se agravem.
7. Os projectos apresentados na obra referida em 6., designadamente o que respeita à obra de escavação e contenção periférica referida em 3, supra, foram previamente aprovados pelas entidades administrativas competentes.
8. O projecto aprovado prevê a construção de um edifício cuja implantação se enquadra nos limites do lote, sendo que a cave do edifício confina com o limite nascente do mesmo, contíguo com o prédio da requerente.
9. Existe um desnível entre 6 e 10 metros entre a cota dos terrenos confinantes a nascente, designadamente entre o prédio da requerente e a cota do fundo da escavação a executar, tendo em vista a construção da cave do edifício a implantar no lote de terreno da primeira requerida.
10. Tendo em consideração este desnível, a materialização da escavação impõe, na sua execução, processos construtivos que permitam o corte do terreno na vertical.
11. A solução adoptada para este efeito, no projecto de escavação e contenção periférica referido em 8., é constituída por uma «parede tipo Munique».
12. O processo construtivo referido em 12. é semanalmente monitorizado, a fim de assegurar a segurança de pessoas e bens na obra e terrenos confinantes, através da instalação de instrumentos de controlo, designadamente alvos topográficos e células de carga.
13. As ancoragens acima referidas visam garantir a segurança do muro de contenção levada a cabo no terreno da requerente.
14. O corpo das ancoragens referido em 3., considerando a profundidade em que se encontram dos pavimentos sobrejacentes, não implicam qualquer limitação ao uso e fruição dos espaços contíguos ou das edificações existentes no prédio da requerente.
15. A paragem da obra, na fase da escavação, comporta riscos de segurança, pois que a parede de contenção de terras executada para o efeito é uma solução temporária, que apenas deixa de exercer a sua função de contrapressão quando já estiverem construídas as fundações e a estrutura do edifício que faz parte integrante da estrutura definitiva de contenção.
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Na mesma Decisão Final foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos:
1. Por força da obra referida em 3., há o risco de perfuração do poço/furo de captação de água e de danificação da estrutura eléctrica de suporte à iluminação do jardim existentes no subsolo do prédio da requerente.
2. As ancoragens colocadas no subsolo do prédio da requerente são estruturas provisórias, que serão retiradas assim que terminar essa fase da obra.
3. O recurso às referidas ancoragens para suster o muro de contenção era a única solução viável, do ponto de vista da segurança e do tempo de manutenção das mesmas na obra.
4. A requerente tem a sua sede no prédio referido no ponto 1. dos factos provados.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A presente apelação enforma-se de particulares contornos que convém explicitar.
Assim, o recurso interposto tem por objecto, indubitavelmente, a Decisão Final (sentença) datada de 03/07/2025, sendo realmente contra esta que o recurso de apelação é interposto, conforme refere expressamente a Recorrente, quer no requerimento que acompanha as alegações, quer no próprio introito do corpo alegacional.
Ou seja, o interposto recurso de apelação tem por incidente o teor da Decisão Final, no âmbito da qual foi:
- julgada procedente a excepção de ilegitimidade da requerida BB e, em consequência, absolvida da instância cautelar;
- julgado improcedente o procedimento cautelar, em relação à requerida CC, e, em consequência, não decretado o embargo.
Todavia, conforme se constata da análise, quer do teor do corpo alegacional, quer das consignadas conclusões, a matéria impugnada reporta-se não ao teor da Decisão Final proferida, mas antes ao teor de uma decisão intercalar, proferida em sede de audiência de produção de prova, que indeferiu a produção do requerido meio de prova inspecção judicial.
Ou seja, a Requerente escolheu interpor recurso da Decisão Final para, nesta sede, invocar alegados fundamentos recursórios a questionarem o decidido, não nesta Decisão Final, mas antes em despacho prolatado a montante, acerca de meio probatório requerido.
Assim, duas notas se impõem:
- por um lado, o recurso apresentado não questiona, com nenhum argumentário, os fundamentos da decisão prolatada ;
- por outro lado, não era exigível que a mesma Decisão Final voltasse a apreciar ou a decidir acerca do meio probatório inspecção judicial ; aliás, não o poderia sequer fazer pois, tal questão já havia sido previamente apreciada e decidida mediante despacho avulso, assim se esgotando o poder jurisdicional do julgador relativamente a tal matéria – cf., o artº. 613º, nºs. 1 e 3, do Cód. de Processo Civil.
Desta forma, por nada ter sido impugnado relativamente ao teor do decidido em sede de Decisão Final, nada urge decidir relativamente quer ao juízo de absolvição da instância cautelar da 2ª Requerida, quer no que concerne ao juízo de improcedência do procedimento cautelar relativamente á 1ª Requerida, assente no não preenchimento de um enunciado terceiro requisito ou pressuposto necessário à procedência da providência cautelar de embargo de obra nova, nomeadamente que a obra ofensiva desse direito de gozo (ou da posse) se tenha iniciado e não tenha ainda terminado.
Ora, assim sendo, poder-se-ia questionar, mesmo contrariando o objecto de recurso expressamente indicado pela Apelante, se não seria de operar uma convolação, no sentido de considerar que o recurso interposto da Decisão Final deveria ser entendido como tendo sido interposto do despacho de indeferimento de produção do meio probatório inspecção judicial.
Todavia, esta convolação revela-se legalmente impossível, fundamentalmente por duas razões:
- por um lado, na consideração de que aquele despacho rejeitador de um meio de prova era susceptível de apelação autónoma – a alínea d), do nº. 2, do artº. 644º, do Cód. de Processo Civil -, não estando dependente a sua impugnação de recurso que viesse a ser interposto da decisão final ;
- por outro, na consideração daquela autonomia apelatória, tal decisão possuía prazo de interposição de recurso próprio – os nºs. 1 e 3, do artº. 638º, do CPC -, o qual, na data em que foi concretamente apresentado enquanto recurso da Decisão Final, já se encontrava desde há muito ultrapassado (independentemente de se computar desde a data da sua prolacção, na própria audiência em que a Requerente esteve presente ou representada, ou de disponibilização da acta), assim justificando o juízo de extemporaneidade aludido pela 1ª Requerida/Apelada (nos termos expostos supra).
À latere, e sem minimamente se beliscar o exposto, sempre se consigna que, mesmo conjecturando-se pela aludida convolação, a implicar a apreciação dos fundamentos recursórios enunciados, e mesmo que se admitisse, em tese, ser nulo, por ausência de fundamentação, nos termos da alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, aquele despacho que conheceu acerca do meio probatório requerido, a putativa decisão proferenda nunca poderia ser de procedência quanto à pretendida realização daquele meio de prova.
Explicitando, não indicando minimamente a Recorrente qual a factualidade que pretendia provar com recurso a tal meio de prova, e qual a influência que tal factualidade teria na afectação do juízo de improcedência do procedimento cautelar (exemplificativamente, que a obra ofensiva do seu direito de gozo ou de posse ainda não tivesse terminado, no sentido de provocação ou agravação dos danos), que não foi sequer questionado, aquela produção revelar-se-ia totalmente inútil e, como tal, insusceptível de justificar um juízo de deferimento.
Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso de apelação, com consequente confirmação da Decisão Final apelada/recorrida.
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Relativamente à tributação, as custas da presente apelação são suportadas pela Requerente/Recorrente/Apelante – cf., artigos 527º, nºs. 1 e 2 e 539º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Recorrente/Requerente AA, com consequente confirmação da Decisão Final apelada/recorrida ;
b. Relativamente à tributação, as custas da presente apelação são suportadas pela Requerente/Recorrente/Apelante – cf., artigos 527º, nºs. 1 e 2 e 539º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2025
Arlindo Crua
João Paulo Raposo
Rute Sobral
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1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.