Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | AGUIAR PEREIRA | ||
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA REQUISITOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - São requisitos das providências cautelares não especificadas a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente, o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito, a adequação da providência à remoção da iminência da lesão, a não existência de uma providência específica e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que se quer evitar. II - Só releva como requisito de providência o periculum in mora em relação a lesões graves e dificilmente reparáveis. III - Sendo a providência dependência de acção em que se formulará o pedido de devolução e entrega à requerente de equipamento locado e de pagamento da indemnização pela sua privação não é de decretar a providência de apreensão judicial do equipamento quando não há indícios de que a requerida pretende dissipar o equipamento, que continua a utilizar, nem de que ela se encontra em situação económica que não lhe permite satisfazer as suas obrigações para com a requerente. (A.P.) | ||
| Decisão Texto Integral: | Alega para tanto, e em síntese: Que no exercício da sua actividade acordou com a requerida o aluguer de três contentores, entregues em 7 de Fevereiro de 2003, mediante o pagamento da quantia mensal de € 400, acrescido de IVA. Que a requerida, a partir de Dezembro de 2004, deixou de proceder ao pagamento das rendas a que se obrigara, encontrando-se vencidas e não pagas, apesar das tentativas de obter o seu pagamento, as rendas relativas aos meses de Fevereiro (parte) e de Março de 2005 a Janeiro de 2006, sendo a dívida no montante global de € 4.510. Que a requerida continua a deter os três módulos de contentores objecto do contrato de aluguer, estando estes a deteriorar-se, havendo sério risco de que ela os possa remover para outro local sem conhecimento da requerente. Que a requerida não oferece garantias de que possa vir a ressarcir os prejuízos causados pelo uso ilegítimo dos contentores, sua danificação ou descaminho. Na sequência de despacho nesse sentido veio a requerente a concretizar as razões pelas quais entende que a requerida deixou de oferecer garantias de pagamento dos prejuízos alegados. Foi então proferida douta decisão que, considerando que face à matéria de facto alegada não se verificavam os requisitos legais para o decretamento da providência requerida, designadamente o periculum in mora, indeferiu liminarmente o requerimento inicial do procedimento. Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso de agravo a requerente. Por decisão proferida neste Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Julho de 2006 foi revogada a douta decisão recorrida e ordenado o prosseguimento dos autos. Após a produção de prova oferecida pela requerente foram fixados os factos provados e não provados, sendo julgado improcedente o procedimento cautelar e indeferida a providência requerida. Mais uma vez inconformada interpôs a requerente recurso de tal decisão, admitido como de agravo. A requerente rematou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1. Nos presentes autos a ora agravante alegou e provou os factos necessários ao preenchimento dos legais requisitos (probabilidade séria da existência do direito e perigo na demora) para o decretamento da requerida providência; 2. Salvo o devido respeito o depoimento da testemunha António Alberto Resende (…) não foi devidamente analisado e tomado em conta no seu conteúdo; 3. Daí resultou a errada avaliação no julgamento da matéria de facto e assim, erro na apreciação da matéria de facto; 4. Deveria ter sido dado por provado que os módulos não têm manutenção, pelo menos, desde Setembro de 2005 e não, como se dá por provado na douta sentença em crise, “desde pelo menos Novembro de 2005”. 5. Deveria, no mínimo, ter sido dado por provado: a. Que, já hoje, os módulos estão danificados por força da ausência de manutenção; b. Que a própria recorrente corre o risco de, na ausência de manutenção, ver o seu equipamento consideravelmente depreciado. 6. Deveria igualmente ter sido dado por provado que os módulos da agravante são equipamento patenteado e único, que carece de intervenção especializada pelos técnicos da A. 7. Deveria também ter-se dado por provado que a requerida não oferece garantias de que possa vir a ressarcir os prejuízos da requerente. 8. A agravante, nos presentes autos de procedimento cautelar, alegou e provou todos os factos susceptíveis de integrar e preencher os necessários requisitos para que fosse decretada a providência cautelar indeferida: alegou e provou factos integradores da probabilidade séria de existência de um direito (de resto, reconhecido na douta Sentença em crise), alegou factos que, provados que foram, demonstram não só a já presente existência de prejuízos sérios como possibilidade de agravamento dos mesmos, que são já hoje dificilmente reparáveis; 9. Apesar disso, e com o que se não concorda, a decisão de indeferimento fundou-se na ausência de inequívoca alegação e demonstração de factos integradores do "periculum in mora"; 10. Ao assim decidir, salvo o devido respeito, além de violado caso julgado por Acórdão dessa Relação nos presentes autos, que expressamente se alega para todos os legais efeitos (quanto à suposta falta de alegação suficiente de factos integradores do "periculum in mora"), não foi bem interpretado o conteúdo e extensão do disposto no artigo 381 º, nº 1 do Código de Processo Civil. 11. Existiu um contrato de aluguer de um módulo prefabricado (nos autos melhor identificado), que foi legítima e legalmente denunciado pela agravante; 12. Além da dívida por vários meses de aluguer em atraso que cumpre à requerida liquidar, ficou esta obrigada, face á denúncia operada e por força da lei - que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal - a entregar o módulo à agravante, atento até que deixou de ter sequer título que lhe legitime a posse do mesmo; 13. O prejuízo em que, com essa conduta, se faz incorrer a agravante é alto (superior a € 15.000, a preços de mercado para idêntico equipamento conforme foi dado por provado) e sério: não lhe são pagos os valores devidos e, pior que isso, não lhe é devolvido o equipamento objecto do contrato de locação, impedindo a agravante de o afectar, novamente, á sua actividade comercial (e, ao invés, continua a requerida a fazer uso do mesmo, descuidando completamente a manutenção necessária a um tal equipamento e nem sequer permitindo o acesso ao mesmo); 14. Ora "na apreciação do aludido justo receio de grave lesão futura e dificilmente reparável, há que apreciar, de forma objectiva, todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, tendo em consideração o interesse em jogo por ambas as partes, as condições económicas de ambas, as condutas anteriores e posteriores do requerido e a sua projecção nos posteriores comportamentos entre outras circunstâncias." 15. Não basta, para interpretar e aplicar correctamente o disposto no artigo 381º nº 1 do Código de Processo Civil que se descortinem (ou melhor, aleguem e provem) dados/factos puramente objectivos que permitam inferir a irreparabilidade ou não de um prejuízo sério; 16. É que esse juízo de "prejuízo sério dificilmente reparável" assenta essencialmente na elasticidade de um conceito que, necessariamente, tem de se adaptar entre os factos e a realidade histórica de vivência na relação entre as partes; 17. Para interpretar correctamente tal disposição legal é sempre necessário que se olhe "ao interesse em jogo por ambas as partes", às "condutas anteriores e posteriores do requerido" ... ; 18. "Justo receio" e "lesão grave e dificilmente reparável" são conceitos, de que só se percebe o justo alcance em função do caso a que se apliquem, da historicidade das circunstâncias ocorridas entre as partes e isso não foi, salvo o devido respeito, feito na interpretação da norma em causa; 19. Todos os factos alegados e provados nos autos, olhados sob o prisma defendido na conclusão anterior, obrigariam a que se entendesse, na interpretação e aplicação do disposto no artigo 381 º, nº 1 do Código de Processo Civil estarem preenchidos todos os legais requisitos para decretamento da requerida providência cautelar; 20. A grave lesão, o prejuízo sério e dificilmente reparável que a agravante procura defender pela providência requerida funda-se, justamente, na continuação de utilização de um equipamento para o qual já não há contrato em vigor (por denunciado), utilização essa em que, aí sim, se desvaloriza de tal forma o equipamento que o prejuízo pode atingir a perda total do mesmo (bem mais de € 15.000), ou seja: o "periculum in mora" existe não pela própria dívida já acumulada em alugueres (porque essa é, como bem diz a decisão em crise, verdadeira questão de incumprimento), mas na continuidade de utilização de um bem para o qual não há contrato, a que a requerida, pelo menos desde SETEMBRO de 2005 não chama a agravante a prestar manutenção e, mais que isso, já devia estar em posse da agravante para que o afectasse à sua actividade comercial atenta a denúncia contratual operada (e isso, sobretudo o perecimento de um bem dado em locação por completa incúria do locatário, ao contrário do que sustenta a decisão em crise, salvo o devido respeito, não é um risco inerente ao próprio contrato de locação); 21. É manifestamente excessivo impor à ora agravante que, sob a alçada de um contrato já denunciado, em que já é credora de, pelo menos mais de € 3100 em alugueres, se sujeite ao prejuízo de ver reduzido a zero o valor de mercado de equipamentos que, no seu conjunto, valem mais de € 15.000 e, com isso, impedi-la de normalmente exercer a sua actividade afectando-os ou aluguer ou a venda; 22. Há que avaliar "todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos" e isto a decisão em crise, no momento da interpretação do próprio conceito de "prejuízo sério e dificilmente reparável", salvo o respeito que é devido, não fez! 23. Atendendo à realidade histórica entre as partes, atendendo a todas as circunstâncias e conduta anterior e contemporânea dos próprios autos, da própria Requerida - toda ela devidamente alegada e provada nos autos (e sobretudo para este "enquadramento" é que se trouxe a lume a existência de um débito não pago a título de alugueres vencidos e todas as tentativas de cobrança e negociações que sobre o mesmo, entre as partes, existiram e que a requerida sempre acabava por incumprir o que ficou abundantemente provado ... ) - outra não pode ser a conclusão de que o prejuízo (reconhecido, até, pela decisão em crise) em que se está a fazer incorrer a agravante com o protelar da presente situação é não só grave (sempre são mais de € 15.000), como dificilmente reparável raciocínio e interpretação esta perfeitamente conformes ao espírito ordenado pelo artigo 9º, nº 1 do Código Civil, e portanto no âmbito normativo do disposto no artigo 381 º, nº 1 do Código de Processo Civil. 24. Suprir a suposta falha de alegação de incapacidade de ressarcimento dos prejuízos causados à ora agravante pela requerida, com a alegação de que "a requerida não tem outros meios com que pagar a dívida, ou que vem incumprindo sistematicamente para com outros credores as suas obrigações, delapidando ou escondendo património no intuito de se furtar ao pagamento da dívida à requerente", tal como se sustenta na decisão em crise, seria aí sim dar o destino do indeferimento à presente providência cautelar: para acautelar "receios" desses, prejuízos desses, existem providências cautelares especifica das que inviabilizam, por si só, o recurso ao procedimento cautelar comum; 25. A decisão em crise, avaliando tudo quanto aqui se deixa, não poderia ter deixado de interpretar o artigo 381º nº 1 do Código de Processo Civil nesta conformidade sobretudo quanto ao que seja "prejuízo sério e dificilmente reparável" e, assim, ordenado o prosseguimento dos autos tudo culminando com o deferimento da requerida providência cautelar; 26. Face ao invocado e às conclusões supra, deverá concluir-se também que se encontram nos autos suficientemente alegadas e demonstradas quer a probabilidade séria da existência do direito da agravante recuperar a posse do módulo (porquanto já denunciou o contrato que sustentava a posse pela requerida) quer o receio de lesão desse mesmo direito caso se permita que a requerida continue no uso e fruição desse mesmo equipamento - de resto, tudo conforme ao artigo 387º, nº 1 do Código de Processo Civil, cuja interpretação também neste sentido não foi entendida na decisão em crise (devendo tê-lo sido)”; A Mmª Juiz a quo sustentou a sua decisão nos termos do artigo 744º do Código de Processo Civil. Colhidos os vistos legais dos Exmº Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 1 - Os factos que foram considerados provados na decisão recorrida são os seguintes: “a) A requerente é uma sociedade que se dedica ao fabrico, aluguer e venda de construções pré fabricadas; b) Em 22 de Janeiro de 2003, no exercício da sua actividade, a requerente celebrou com a requerida um contrato de aluguer respeitante a 3 contentores – módulo tipo 3015, a fim de serem utilizados como balneários; c) Requerente e requerida acordaram que esta pagaria pelo aluguer dos 3 contentores o valor global mensal de € 400,00, acrescidos de IVA à taxa legal, no prazo de 30 dias a contar da data de emissão das respectivas facturas. d) E que a requerente providenciaria pelo transporte respeitante à colocação dos contentares no local indicado pela requerida, mediante o pagamento de € 237,00, acrescidos de IV A à taxa legal. e) No dia 7 de Fevereiro de 2003, na sequência do acordado, os módulos referidos em 2) foram depositados, a solicitação da requerida, Zona Industrial . f) A requerida liquidou algumas das facturas que lhe foram remetidas pela requerente algum tempo para além da data do seu vencimento, e após insistência do serviço de cobranças desta. g) A partir do mês de Dezembro de 2004 a requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas mensais. h) E só após muita insistência por parte da requerente, remeteu-lhe, em 2 de Fevereiro de 2004(?) (2006), 3 cheques no valor de € 484,00 cada. i) Encontram-se vencidas e não pagas as rendas referentes aos meses de: - Maio de 2005, com a factura vencida em 29 de Junho de 2005, no valor de € 476,00 (IVA incluído); - Junho de 2005, com a factura , vencida em 28 de Julho de 2005, no valor de € 476,00; - Julho de 2005, com a factura , vencida em 27 de Agosto de 2005, no valor de € 484,00; - Agosto de 2005, com a factura, vencida em 29 de Setembro de 2005, no valor de € 484,00; - Setembro de 2005, com a factura , vencida em 27 de Outubro de 2005 no valor de € 484,00; - Outubro de 2005, com a factura , vencida em 26 de Novembro de 2005, no valor de € 484,00; - Novembro de 2005, com a factura , vencida em 25 de Dezembro de 2005, no valor de € 484,00; - Dezembro de 2005, com a factura , vencida em 15 de Janeiro de 2006, no valor de € 484,00 (IVA incluído); - Janeiro de 2006, com a factura , vencida em 15 de Janeiro (?) de 2006, no valor de € 484,00 (IVA incluído). j) Actualmente, o valor da dívida cifra-se em € 3.100,00, deduzido o montante pago pela requerida em 21 de Fevereiro de 2003, a título de caução no valor de € 1.234,00. k) A requerente, através da sua agente de cobranças, solicitou por diversas vezes através de telefonemas à requerida que esta procedesse ao pagamento das facturas identificadas em i) (9º). l) Por carta datada de 14 de Outubro de 2005, enviada à requerida, a requerente solicitou-lhe o pagamento da quantia de € 4.776,00 referente às facturas dos meses de Novembro e Dezembro de 2004 e Janeiro a Agosto de 2005. m) No dia 28 de Novembro de 2005, um dos directores comerciais da requerente reuniu com responsáveis da requerida, tendo sido acordado entre ambas que a requerida pagaria os montantes em dívida em prestações. n) Por carta registada com aviso de recepção datada de 12 de Janeiro de 2006, enviada à requerida, a requerente comunicou-lhe que se encontravam em dívida as facturas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2004 e de Janeiro a Dezembro de 2005, no valor total de € 6.712,00; que denunciava o contrato com efeitos a partir de 25 de Janeiro de 2006 e informou-a que procederia ao levantamento dos módulos referidos em 2) no dia 26 de Janeiro de 2006, na morada referida em e). o) No dia 26 de Janeiro (?) de 2006 a requerente fez deslocar à morada referida em e) uma equipa de funcionários a fim de levantarem os contentores que ali se encontravam. p) Os contentores encontravam-se em local fechado (armazém/pavilhão) onde a requerida exerce a sua actividade. q) Enquanto a equipa da requerente aguardava junto ao local referido, a técnica de cobranças da requerente tentou entrar em contacto telefónico com a requerida a fim de ser viabilizado o levantamento dos contentores, o que não foi conseguido. r) Em virtude da situação referida em q) a equipa de funcionários da requerente abandonou o local sem ter levantado os contentores. s) E desde a data referida em o) que a requerente não mais conseguiu contactar com a requeri da, sendo esta que entra em contacto com aquela. t) O preço da venda dos contentares em termos médios é de € 15.000,00. u) Desde, pelo menos, o mês de Novembro de 2005 que a requerida não solicita à requerente que proceda a trabalhos de manutenção nos contentares indicados em b). Não resultaram, por outro lado, provados, entre outros, os seguintes factos: - Que a requerida esteja em dívida em relação às facturas referentes aos meses de Fevereiro de 2005, no valor de € 452,00, Março de 2005, no valor de € 476,00 e Abril de 2005, no valor de € 476,00; - Que o valor actual da dívida se cifra em € 4.510,00; - Que a requerente tivesse contactado com a requerida telefonicamente nos dias 19 de Outubro de 2005, 24 de Outubro de 2005, 27 de Outubro de 2005, 12 de Dezembro de 2005 e 13 de Dezembro de 2005; - Que os contentares referidos em b) estejam a sofrer danos pela ausência de manutenção e que são desgastados com a sua utilização como balneário de jogadores. - Que haja sério risco de a requerida danificar e remover os contentares para outro local; - Que a requerida não ofereça garantias de que possa vir a ressarcir os prejuízos da requerente; - Que os contentores referidos em b) nunca tenham sido alvo de trabalhos de manutenção. - Que a requerida não tenha capacidade para pagar os montantes em dívida. C) O DIREITO I. Nas conclusões das suas alegações a recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto em que assentou a decisão recorrida (cf. Conclusões IV a VIII). Nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto tomada pelo Tribunal de 1ª instância, desde que os autos contenham todos os elementos de prova sobre os concretos factos impugnados e que serviram de base à decisão ou a matéria de facto tiver sido impugnada nos termos do artigo 690º-A do Código de Processo Civil. Uma vez que a recorrente deu cumprimento ao disposto neste último preceito e porque a prova produzida foi gravada está este Tribunal em condições de proceder à reapreciação da matéria impugnada. 1. Pretende a recorrente que deveria ter ido dado como provado que os módulos que foram objecto do contrato de aluguer invocado nos autos não são objecto de manutenção desde, pelo menos, Setembro de 2005, e não desde pelo menos Novembro de 2005, como foi dado por provado. Depôs sobre esse facto a testemunha A R, director comercial da requerente do procedimento que, em virtude das suas funções, deveria ter conhecimento de qualquer pedido de assistência que fosse solicitado pela requerida. No seu depoimento a mencionada testemunha referiu expressamente que desde meados de Setembro ou Outubro de 2005 os módulos não tem manutenção prestada pela requerente. Nenhum elemento há nos autos que seja de molde a infirmar a credibilidade de tal depoimento, pelo que, por fidelidade à prova, se afigura, ante a relativa indefinição da data indicada pela testemunha A R, alterar a decisão sobre a matéria de facto – ponto 21 – da decisão constante de fls. 121 e seguintes, dando-se como provado que “Desde, pelo menos, o mês de Outubro de 2005, que a requerida não solicita à requerente que proceda a trabalhos de manutenção dos contentores indicados em 2).” 2. No que se refere aos demais pontos da decisão sobre a matéria de facto que foram impugnados não assiste razão à recorrente. Senão vejamos. a) Pretende a recorrente que deveria ter sido dado como provado que “já hoje os módulos estão danificados por força da ausência de manutenção” e que “a recorrente corre o risco de, na ausência de manutenção, ver o seu equipamento consideravelmente depreciado”. Mais defende que deveria ter sido dado como provado que os módulos da agravante são equipamento patenteado e único que carece de intervenção especializada pelos seus técnicos. b) Para além dos documentos juntos aos autos foram inquiridas duas testemunhas que revelaram conhecimento sobre os factos a que depuseram atentas as funções que desempenhavam na organização da recorrente, respectivamente, director comercial e técnica de cobrança responsável pelo sector de cobranças. Nenhum dos mencionados documentos juntos aos autos se reportam ao estado em que se encontrarão actualmente os módulos objecto do contrato de aluguer e as testemunhas inquiridas sobre a matéria revelaram nada saber de concreto sobre a matéria, limitando-se a afirmar o óbvio, isto é, que continuando a ser utilizados sofrem o desgaste daí resultante. c) Da análise dos documentos dos autos e dos depoimentos prestados não resulta claro se os módulos foram ou não objecto de manutenção por parte da requerida. Seguro é apenas que não foi facturada à requerida qualquer trabalho de manutenção do equipamento. Improcede, pois a conclusão V, não merecendo nesta parte censura a decisão proferida sobre a matéria de facto. d) Quanto ao facto aludido na conclusão VI (serem os módulos equipamento patenteado que carece de manutenção especializada) o mesmo não apresenta qualquer relevância para a decisão sobre o decretamento do procedimento requerido, ainda que esteja indiciariamente provado que os técnicos da recorrente estarão melhor habilitados para proceder à manutenção dos equipamentos que ela aluga. e) Maior relevância tem, para esse efeito, a matéria de facto que a recorrente impugna em relação à prova sobre as garantias que a requerida oferece – ou não oferece – de poder ressarcir os prejuízos da requerente, partindo do princípio que a lesão a acautelar é também o pagamento das rendas em dívida (o que, sem o questionarmos, não parece ser inteiramente adequado face à providência requerida). Alegou a requerente no requerimento inicial, quase em jeito de conclusão, que a requerida, pela dificuldade que sempre demonstrou nos pagamentos e pelo volume da dívida já vencido, não oferecia garantia de que possa vir a ressarcir os prejuízo que lhe causa o uso ilegítimo dos módulos, sua danificação e descaminho. f) Diga-se, antes de mais, que não está minimamente indiciado nos autos que a requerida se prepare para dissipar os módulos objecto do contrato de aluguer celebrado com a requerente. Os “prejuízos” a que a requerente alude reportam-se ao valor das rendas vencidas até à efectiva entrega dos módulos e aos eventuais danos suplementares que derivem da utilização dos módulos e da ausência de manutenção e bem assim à impossibilidade da sua utilização comercial pela requerente, sua proprietária. A existência de garantia do pagamento da quantia, que vier a apurar-se na acção principal ser a devida, está relacionada com a situação económica da requerida e a sua capacidade para solver os seus compromissos. g) Ora resulta dos factos provados que o valor (actualizado à data da decisão) da dívida relativa às rendas vencidas era inferior ao que foi indicado no requerimento inicial pelo facto de a requerida ter procedido, depois de intentado o presente procedimento, ao pagamento do valor correspondente a três rendas mensais, situando-se em € 3.100. Da inquirição das testemunhas ouvidas em audiência apenas resulta que entre a requerente e a requerida se estabeleceram negociações tendo em vista o pagamento faseado do valor das rendas em atraso e que tal plano de pagamentos não foi cumprido, por alegadas dificuldades económicas da requerida. h) Nada se sabe, por exemplo, por não ter sido alegado, quanto ao património da requerida eventualmente adequado à garantir o pagamento das quantias a peticionar, à existência de outros credores da requerida e montantes dos respectivos créditos. Coerentemente com a decisão sobre a matéria de facto impugnada foi igualmente dado como não provado – facto que a recorrente não impugna – que a requerida não tinha capacidade para pagar os montantes em dívida (cf. o último facto dado como não provado a fls. 126 dos autos). i) Bem andou, pois, o tribunal recorrido em não considerar provado que a requerida não oferece garantias de que possa vir a ressarcir os prejuízos da requerente. II. Aqui chegados é tempo de analisar do mérito da decisão. De acordo com as conclusões apresentadas pela recorrente, ante os factos apurados haveria que ser decretado o procedimento comum requerido na medida em que se verificam todos os respectivos requisitos. 1. Estamos em presença de um procedimento cautelar comum através do qual a requerente visa a apreensão judicial de três módulos (vulgo contentores) sua propriedade que foram cedidos à requerida no âmbito de um contrato de aluguer, alegadamente incumprido por parte da requerida. 2. Nos termos do artigo 381º nº 1 do Código de Processo Civil “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Como tem repetidamente frisado a doutrina e a jurisprudência, são requisitos de que depende o decretar da providência a probabilidade séria da existência do direito invocado, o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, a adequação da providência à remoção da iminência da lesão, a não existência de uma providência específica e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que se quer evitar. 3. No caso dos autos a douta decisão recorrida teve por verificado o requisito da probabilidade séria da existência do direito ao constatar o não pagamento pela requerida durante nove meses de importâncias devidas à requerente como contrapartida pela cedência dos módulos. Com excepção do segundo requisito atrás indicado, a douta decisão impugnada não viu nos restantes requisitos qualquer obstáculo ao decretamento da providência. Vejamos então se ante os factos apurados se pode afirmar no caso dos autos a existência do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável que justifique seja ordenada, como medida antecipatória, a requerida apreensão dos módulos da requerente. 4. O fundado receio de lesão constitui, no campo das providências atípicas, manifestação do requisito comum a todos os procedimentos: o “periculum in mora” que mais não visa do que colocar o titular do direito a coberto do prejuízo que para ele deriva da natural demora na normal tramitação do processo em que se fará a definição definitiva do direito a acautelar. Mas, como salienta a doutrina e a jurisprudência, só a iminência de lesões graves e dificilmente reparáveis desse direito podem servir para fundamentar a concessão da sua tutela provisória. 5. No caso dos autos a lesão que a requerente quer evitar com a apreensão judicial dos módulos está relacionada com os prejuízos inerentes à demora na entrega dos mesmos com todas as consequências derivadas da impossibilidade de os utilizar no seu comércio e o agravamento do seu estado de conservação. 6. Afastado liminarmente, por não haver factos provados que sustentem tal hipótese, o risco de a requerida dar destino desconhecido aos módulos, nada nos autos indicia, também, que exista um risco (acrescido) de depreciação considerável dos módulos pelo facto de eles continuarem a ser, como sempre foram ao longo da duração do contrato de aluguer, utilizados pela requerida. Mas, mesmo que existisse tal possibilidade de depreciação não se afigura que a correspondente lesão patrimonial da requerente seja dificilmente reparável (física ou monetariamente). 7. Não se tendo demonstrado que a requerida não se encontra em condições de satisfazer os seus compromissos e de pagar as rendas e indemnização que vierem a ser tidas por adequadas na acção principal, e independentemente do receio subjectivo que a requerente possa ter em relação ao pagamento das quantias que lhe serão devidas, o risco da lesão provocada pela eventual demora na efectivação do seu direito não assume proporções de gravidade e de dificuldade de reparação que justifique a imediata apreensão dos módulos sua propriedade. Como salienta, entre outros, Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil” – III Volume – Procedimento Cautelar Comum – Almedina 1998, a pág. 85 “apenas as lesões graves e irreparáveis ou de difícil recuperação merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum”. E esse não é o caso dos autos. 8. Razão pela qual, acompanhando as razões invocadas na douta decisão recorrido se decide, negando provimento ao recurso, não ordenar a providência requerida por não se mostrarem integralmente preenchidos os respectivos requisitos. III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam: a) Em alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos sobreditos, dando como provado que “Desde, pelo menos, o mês de Outubro de 2005, que a requerida não solicita à requerente que proceda a trabalhos de manutenção dos contentores indicados em 2).” b) Em negar provimento ao agravo e, em conformidade, em confirmar a douta decisão recorrida, não decretando a providência de apreensão judicial requerida. c) Em condenar a recorrente nas custas do processo. Lisboa, 1 de Fevereiro de 2007 Manuel José Aguiar Pereira Gilberto Martinho dos Santos Jorge Maria da Graça de Vasconcelos Casaes Moreira Araújo |