Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
Descritores: | NOTA DE HONORÁRIOS ENCARGOS CUSTAS DE PARTE DESPESAS COM VIAGENS MANDATÁRIOS E TESTEMUNHAS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I.–Não são atendíveis como encargos (para efeitos de reclamação de custas de parte) as despesas suportadas pela parte com deslocações de avião, táxis, estacionamento e alojamento de mandatários. II.–Cabe à testemunha requerer ao tribunal o pagamento das despesas de deslocação e a fixação de uma indemnização equitativa, não sendo elegíveis para efeitos de custas de parte (encargos) os valores diretamente pagos à testemunha pela parte a título de deslocações de avião, táxis e alojamento | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO Em 11.11.2021, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «i. Através da peça com a refa 4150899, a A. veio apresentar a nota de honorários a que se reporta o art°.25° do RCP. Nela... apontando o valor da causa fixado em €580.564,53, avança: a.-na taxa de justiça por si paga ao longo do processo que contabiliza em €11.139,83; b.-nos encargos que suportou com a causa, aqui incluindo as despesas com deslocações de mandatários e testemunhas para acudirem às diligências em que intervieram; despesas com viagem de táxis e estacionamento, despesas com o alojamento desses intervenientes e despesas com a tradução de documentos, que contabiliza em €25.115,48; c.-na compensação relativa a honorários de advogado que contabiliza em €11.551,50; d.-a taxa de justiça por si paga no recurso para o STJ no valor de €816,00; e.-a compensação com honorários de advogado nesse mesmo recurso no valor de €816,00. Pugnando no sentido de lhe dever a R. o valor global de €46.024,04. ii. A R., através da peça com a refª 4168798, reclama de tal nota por entender que a verba acima referida em b., nomeadamente no que toca às despesas de tradução e despesas com o mandatário e testemunhas às diligências, não poderem obter acolhimento por não se tratarem de despesas ressarcíveis nos termos da lei. Mais se insurgindo contra as verbas acima em c. e e. por não as entender conformes à lei. À reclamação respondeu a A. pela peça com a refa 4191444 rebatendo os argumentos nela expressos e reafirmando a valia da nota que apresentou, pugnando no sentido de ser ela confirmada. iv. Cumpre apreciar. A presente ação tem o valor de €580.564,53. A A. pagou de taxas de justiça os valores de €11.139,83 + €816,00 no recurso para o STJ. A R. pagou de taxas de justiça os valores de €11.963,17 + €816,00 no recurso para o STJ. 50% da taxa de justiça paga pelas partes sem o recurso para o STJ é e €11.551,50. A totalidade da taxa de justiça paga pelas partes no recurso para o STJ é de €1.632,00... sendo que 50% desse valor corresponde a €816,00. A A. demonstrou e documentou nos autos que, com as deslocações dos seus mandatários e testemunhas que apresentou em audiência despendeu a quantia de €21.481,53... tal como demonstrou, através de documentos que pagou de viagens de táxi, estacionamento e de alojamento o valor de €468,72 + €2.173,73... demonstrando ainda que pagou por traduções que foram determinadas pelo tribunal o valor de €991,50. Não se vislumbram, das apresentadas pela A., despesas com alimentação ou com portes de correio... caindo, assim por terra a argumentação da R. no que a estas toca. Prosseguindo, e numa primeira abordagem, cabe saber se estas despesas, as da al. b. acima, que efetivamente forma feitas pela A., devem ser considerados encargos nos termos em que a lei os configura. Neste particular Salvador da Costa (in Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 4ª edição, pag.230), diz-nos “(...) as custas de parte visam o reembolso à parte do que ela teve de despender com o impulso do processo em juízo salvo os honorários a mandatários, ainda que previstos em título executivo que os ponha a cargo do devedor. Abrange o preparo para despesas, as custas antecipadas, o preço de certidões, o custo do serviço de tradução e de procurações e de outros documentos, salvo o dos títulos que à ação sirvam de fundamento essencial (...)", ora... não podemos deixar de ter como encargos da parte as despesas acima elencadas. É verdade que a lei concede às testemunhas o direito de, per se, se dirigirem ao tribunal a pedir o ressarcimento das despesas em que incorreram com a deslocação ao tribunal e de solicitar uma indemnização pelo rendimento deixado de auferir... contudo essa é uma faculdade para as testemunhas que de forma autónoma cumprem com a notificação que lhes é feita... no entanto não podem deixar de ser tidas como despesas da parte quanto esta assegura, apresentando-as em audiência, a presença das testemunhas que por si não querem ou não podem fazer as despesas atinentes à deslocação e perda de rendimento. Também não se pode penalizar a parte que, por uma questão estratégica ou de efetivação da prova que lhe cabe, assegura a presença das testemunhas que arrola em audiência arcando com as despesas inerentes... não serão estas despesas que teve com a lide??? Fica até a vencida a ganhar porque aqui... a parte que arcou com as despesas não pode pedir o rendimento deixado de auferir pela testemunha. Naturalmente que são e delas se haverá parte de ressarcir... o mesmo argumento, ainda que de forma adaptada, devendo ser usado quanto às deslocações dos mandatários. Tendo em conta a proveniência das testemunhas e o tempo por que foi necessária a sua presença na ilha não se descortina qualquer incongruência entre as despesas apresentadas e a documentação que as sustenta... não sendo a circunstância de uma ou outra fatura estar em nome do escritório que patrocina a A. razão para se entender a despesas como não ilegível. A despesa foi feita e foi paga... se não diretamente pela A. foi-o pelo seu mandatário tal como está documentado... e não seria a concreta referência ao processo que delas constasse que lhes conferiria maior credibilidade... pois as datas a que se reportam convergem com as datas das diligências em que intervieram, nenhuma dúvida resultando que as mesmas se reportam a estes autos. Assim... são despesas elegíveis para o que aqui nos prende as verbas atinentes às deslocações de mandatários e testemunhas e as atinentes à estadia, estacionamento e transporte delas, pois sem a lide elas não teriam ocorrido e por força dela tiveram lugar. As despesas com as traduções estão justificadas no despacho judicial que as exigiu...não colhendo aqui qualquer reserva das que foram levantadas pela R. De igual modo é... assim... despesa ilegível para o que aqui nos prende a despesas com tradução. No que toca à taxa de justiça remanescente... a verdade é que ela teve que ser paga nos termos do despacho com a refª 51325673... coisa que foi refletida na conta dos autos. É, por isso, também ilegível para o que aqui importa o valor correspondente à taxa de justiça remanescente no montante de €8.294,03. Finalmente e no que toca à verba correspondentes aos honorários de advogado... a R. afirma que só será ela devida, nos termos fixados na lei, se houver prova nos autos do montante efetivamente pago a esse título pela parte que os reclamar. Como resulta da documentação apresentada com a reclamação a A. veio demonstrar nos autos ter pago ao seu mandatário, por conta do patrocínio aqui em causa o montante global de €14.750,00... valor que em muito ultrapassa a verba na nota apontada a este título. A única objeção à nota apresentada pela A. está na verba de honorários pedida por conta do recurso no STJ... pois a lei, sem diferença diz quer essa verba corresponde a 50% da taxa de justiça paga pelas partes... ora, as partes, pagaram, com esse fito, a taxa de €1.632,00... pelo que a A. apenas tem direito a 50% desse valor... ou seja de €816,00. Assim... com base nos argumentos acabados de expor improcede... parcialmente... a reclamação aqui em apreço, confirmo a nota apresentada à exceção do que se reporta aos honorários face ao recurso para o STJ, verba que reduzo para os €816,00, no restante e nos seus exatos termos mantenho-a, condenando a R. a pagá-la em conformidade. Notifique.» *** Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES: «A.–Salvo o devido respeito por melhor opinião, andou mal o Tribunal a quo ao decidir confirmar a nota apresentada à exceção do que se reporta aos honorários face ao recurso para o STJ; B.–Com efeito, todos os processos estão sujeitos a custas, as quais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte de acordo com o disposto nos artigos 529º nº 1 do Código de Processo Civil e artigos 1º nº 1 e 3º nº 1 do RCP. Distinguindo entre encargos e custas de parte, refere o Artigo 529º do Código de Processo Civil : 3- São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa. 4- As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensação em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. C.–Nesta senda, as custas de parte respeitam apenas àquilo que cada parte haja despendido com o processo e não ao custo suportado por qualquer outra pessoa que acidentalmente tenha conexão com o processo. Mostrando-se hoje legalmente autonomizadas as vertentes de custas de parte e de encargos, ambas constituindo as custas processuais. D.–As alíneas e), h) e i) do art. 16º do RCP classificam expressamente como encargos as compensações (indemnização prevista no art. 525º do CPC) devidas a testemunhas, bem como as despesas de transporte e ajudas de custo para diligências. E, como também expressamente decorre do CPC e do RCP, esses encargos são passíveis de integrar as custas de parte: E.–Resultando do artigo 533º nº 2 al. b) do CPC que se compreendem nas custas processuais, designadamente, as seguintes despesas: os encargos efetivamente suportados pela parte. E ainda do artigo 26º, nº3, al. b): a parte vencida é condenada… dos seguintes valores, a título de custas de parte: - os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos. F.–Assim, quanto à responsabilidade pelos encargos, estipula o art. 532º nº 2 do CPC como regra geral que eles são da responsabilidade da parte que requereu a diligência ou daquela a quem a diligência a mesma aproveita. Por seu turno, refere o art. 20º nº 1 do RCP que uma vez ordenada a diligência, os encargos são pagos imediatamente ou no prazo de 10 dias; Ora, é a estes encargos que se refere o art. 26º nº 3 al. b) do RCP: os que foram pagos pela parte, direta e antecipadamente, nos próprios autos, no uso da sua obrigação legal. G.–No final do processo, sabendo-se já quem teve ganho de causa e quem incorre em os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação H.–No entanto, os encargos referidos na alínea b) do n.º 2 do art.º 533º do CPC e na alínea b) do n.º 3 do art.º 26º do RCP não abrangem toda e qualquer despesa que a parte vencedora haja realizado com o processo, mas, como resulta do disposto no nº 4 do art.º 529º conjugado com o n.º 1 do artigo 533º ambos do CPC, apenas as que tenha direito nos termos do RCP. I.–Encontrando-se tais encargos taxativamente consagrados no artigo 16º do RCP, conforme é defendido por Salvador da Costa, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre e pela jurisprudência, nomeadamente nos acórdãos do TRC no processo 353/12.8TTTMRB. C1; TRL no processo 17474/16.0T8LSB-C.L1-6 J.–Destarte, não se mostra previsto no conceito de encargos previstos no art.º 16º do RCP, ou no art.º 532º do C.P.C., o custo suportado pela Recorrida com as despesas de deslocações e alojamento das testemunhas e do seu mandatário. K.–Aliás, foi a Recorrida que iniciou os presentes autos, sabendo de antemão quais as despesas que iria ter de suportar com o processo judicial, nomeadamente as deslocações das testemunhas e mandatário a Ponta Delgada, porquanto encontrava- se estabelecido na cláusula oitava do contrato de prestação de serviços que o foro seria Ponta Delgada. Além disso, a Recorrida poderia ter requerido que as testemunhas prestassem o respetivo depoimento através por meios tecnológicos à distância, evitando os custos com as respetivas deslocações, e ainda poderia ter constituído mandatário com domicílio profissional em Ponta Delgada, o que obstaria a existência de despesas com deslocação e alojamento do mesmo. Assim sendo, o pagamento das despesas peticionadas com viagens de avião com o valor L.–Além disso, nos documentos de suporte a tais despesas, também se encontram outro tipo de despesas. Com efeito, no doc. n.º 24 refere no descritivo de uma fatura emitida pela sociedade de advogados a que pertence o mandatário escritórios da Recorrida, sendo ainda pedidas despesas com ajudas de custo de alimentação e alojamento com o valor de € 146,55. No documento nº 32 constam duas faturas de parqueamento no aeroporto Adolfo Suarez em Madrid, desconhecendo-se quem ali deixou o carro parqueado, a que título e se foi em algo relacionado com os presentes autos. - Vide Documentos n.º 1 a 11 vd. requerimento de 19-03-2021 com a ref.ª 38336188, docs. 12 a 32 vd. requerimentos de 19-03-2021 com as ref.ª 38336188 e 38336544 e docs. 33 a 38 vd. requerimentos de 19-03-2021 com a ref.ª 38336544 e 38336854. M.–Tais despesas não se enquadram no conceito taxativo de encargos do art.º 16º do RCP, porquanto os encargos suportados pelas partes num processo judicial correspondem ao preço de atos ou serviços que, efetivamente, são necessários à defesa de cada parte, com garantia, por conseguinte, dos princípios do impulso processual e do contraditório, bem como, da efetiva prossecução e desenvolvimento da lide. O que não sucede in casu. N.–Tais montantes não são devidos pela Recorrente por não configurarem um encargo com o processo, conforme supra já referido. E por não constituírem encargos para os efeitos do artº 25 nº2 e 26 nº2 do RCP e 532º do CPC, as despesas que não se apresentem como uma imposição legal O.–Note-se que algumas das invocadas reportam-se a despesas suportadas pelo Mandatário (correio, deslocações do mandatário, alojamento e táxis), sendo que estas apenas são P.–É curial referir que alguns dos documentos justificativos das alegadas despesas contêm o número de contribuinte fiscal da sociedade de Advogados da qual o mandatário da Recorrida é sócio. Aqui está a ser peticionado o IVA de tais despesas, sendo tal imposto já poderá ter sido deduzido e integrará uma despesa a ser considerada em sede de IRC de tal sociedade de advogados. Q.–De acrescentar que estes custos não foram alvo de contraditório, nem a aqui Recorrente teve qualquer intervenção na fixação dos mesmos. R.–Ademais, cabia às testemunhas peticionar o pagamento das despesas que tiveram com o processo, pois as testemunhas são auxiliares no serviço público da justiça e as custas respeitam apenas às partes. S.–Não obstante, e porque a sua chamada ao processo lhes pode originar transtornos e despesas (sem que para tal tivessem contribuído e sem que do resultado do processo retirem qualquer utilidade), a lei acautelou a sua posição atribuindo-lhes o direito a T.–Esse pagamento/compensação constitui um direito próprio, está na exclusiva disponibilidade da vontade da testemunha e só por ela pode ser exercido, como resulta do V.–Daqui decorre que a lei autonomizou a situação das testemunhas relativamente à situação das partes, só a elas concedendo legitimidade para peticionar o pagamento. W.–Desta forma, encontra-se consagrado o direito e o ónus da própria testemunha peticionar por si própria o pagamento das despesas tidas com a deslocação ao Tribunal, quando foi notificada para o efeito. Tais despesas de deslocação só lhe são reembolsadas se a própria testemunha as pedir. X.–Tal entendimento é perfilhado pela jurisprudência no acórdão do TRG, processo n.º 4834/20.1T8VNF-A.G1, acórdão do TRG processo n.º 1106/09.6TBEPS-A.G1 e ainda acórdão do TRG, processo n.º 1106/09.6TBEPS-A.G1 Y.–Face ao supra exposto, as despesas incorridas pelas testemunhas para prestarem o seu depoimento nos autos têm, necessariamente, de ser peticionadas pelas próprias, pelo que à Recorrente não pode ser imputado o pagamento das deslocações das testemunhas da Recorrida, ainda que tenham sido suportadas pela Recorrida ou o seu Mandatário, não constituem encargos do processo, que possam ser reembolsados por via da nota de custas de parte. Z.–Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a reforma da nota de custas de parte nos termos supra referidos, com a redução do valor de encargos em € 24.123,98, mantendo a decisão recorrida no que tange ao valor dos honorários pedida por conta do recurso no STJ ,ou seja, € 816. Termos em que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, revogando parcialmente o despacho e substituindo-o por outro que ordene a reforma da nota de custas de parte nos termos supra referidos, com a redução do valor de encargos em € 24.123,98, mantendo como valor da compensação com os honorários de mandatário no recurso para o STJ no valor de € 816,00, farão Justiça.» *** Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se devem atender-se, a título de custas de parte, despesas com viagens de avião, táxi, estacionamentos e alojamento de mandatários e testemunhas. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Para a solução da controvérsia colocada perante este Tribunal da Relação, são convocáveis as seguintes normas. Nos termos do Artigo 529º do Código de Processo Civil: 3.– São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa. 4.– As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. O Artigo 16º do Regulamento das Custas Processuais dispõe que: 1– As custas compreendem os seguintes tipos de encargos: a)- Os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, I. P.: i)- De todas as despesas por este pagas adiantadamente; ii)- Dos custos com a concessão de apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários; iii)- (Revogada.) iv)- (Revogada.) b)- Os reembolsos por despesas adiantadas pela Direcção-Geral dos Impostos; c)-As diligências efetuadas pelas forças de segurança, oficiosamente ou a requerimento das partes, nos termos a definir por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e da justiça; d)- Os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou atos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal; e)- As compensações devidas a testemunhas; f)- Os pagamentos devidos a quaisquer entidades pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando a parte responsável beneficie de apoio judiciário; g)- As despesas resultantes da utilização de depósitos públicos; h)- As retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo; i)- As despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afetas ao processo em causa. 2– Os valores cobrados ao abrigo do número anterior revertem imediatamente a favor das entidades que a eles têm direito. Por sua vez, o Artigo 26º do mesmo Regulamento dispõe que: «1- As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil. 2- As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável. 3- A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a)-Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b)-Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c)-50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d)-Os valores pagos a título de honorários de agente de execução. (…)» Da interpretação conjugada destas normas resulta que, para efeitos de condenação no pagamento de custas de parte, o elenco dos encargos admissíveis é fechado e não aberto. Como refere Salvador da Costa, As Custas Processuais, 6ª ed., p. 15: «Como as custas de parte compreendem o que cada parte despendeu com o processo, traduzem-se em encargos com o processo, pelo que é problemática a distinção entre umas e outros. Dir-se-á que as custas de parte se traduzem num quantitativo monetário devido pela parte vencida à parte vencedora, conforme a proporção do vencimento, com a limitação prevista na lei, por virtude do que a última teve de despender com o processo em causa. Como este normativo remete para o Regulamento, a compreensão do conceito de custas de parte pode ser limitada pelas normas daquele diploma.» Por sua vez, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., p. 434, referem que: «(…) o art. 529-3 estabelece que constituem encargos do processo todas as despesas a que o mesmo dê lugar (resultantes, não só da sua condução, mas, mais latamente, da sua tramitação), sejam devidas a atos requeridos pelas partes, sejam ordenados pelo juiz. Mas não se abandonou o critério da taxatividade: o art. 16 RegCustas enuncia os tipos de encargos a considerar, tratando o art. 17º RegCustas do regime das remunerações fixas devidas a terceiros (por exemplo, um perito) e o art. 18 das despesas de transporte.» Na jurisprudência sobre esta temática, ressaltam os seguintes arestos. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.6.2021, Cristina Coelho, 17893/17: Os encargos a que se referem os arts. 533º, al. b), do CPC, e 26º, nº 3, al. b), do RCP não abrangem toda e qualquer despesa que a parte vencedora haja realizado com o processo, mas apenas aquelas a que tenha direito nos termos do RCP, mais concretamente, do art. 16º do mesmo. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.2.2020, Carlos Portela, 131118/16: I- As custas de parte visam o reembolso à parte do que ela teve de despender com o impulso do processo em juízo, com exceção dos honorários a mandatários, ainda que previstos em título executivo que os ponha a cargo do devedor. II- Só englobam a noção de custas de parte todas as despesas realizadas pela parte por causa do processo, que se demonstre serem indispensáveis para a implementação e decurso do mesmo. III- Mesmo que obtenha vencimento total na ação, a parte vencedora jamais logrará alcançar, por via da conta final do processo, a compensação global por todas as despesas judiciais e extra judiciais suportadas, já que este pagamento está condicionado pela prova de um determinado circunstancialismo que possa ser subsumido na litigância de má-fé. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2.4.2020, Paula Roberto, 353/12: Nos termos do artigo 533.º do CPC, compreendem-se nas custas de parte, além do mais, os encargos efetivamente suportados pela parte e descritos no artigo 16.º do RCP, tais como as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo, como é o caso dos peritos; no entanto, a parte vencedora não tem direito a exigir da parte vencida todos os montantes que despendeu com o processo mas tão só aqueles a que tenha direito por força da lei, nomeadamente do RCP. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.1.2029, Rosário Morgado, 5792/15: Salvo nos casos de litigância de má fé [543º, nº1] e de demanda quando a obrigação ainda não era exigível [610º, nº3], as despesas realizadas com o processo, incluindo o pagamento dos honorários, apenas podem ser compensadas a título de custas de parte, nos termos previstos nas disposições correspondentes do Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais. Das normas citadas, e corretamente interpretadas pela doutrina e jurisprudência enunciadas, resulta que não são atendíveis como encargos (para efeitos de reclamação de custas de parte) as despesas com deslocações de avião, táxis, estacionamento e alojamento de mandatários, nomeadamente porque as mesmas não são elegíveis nos termos do Artigo 16º do RCP. Só são atendíveis como encargos as despesas que correspondam a uma imposição legal (cf. Artigo 16º do RCP). Como bem se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.7.2020, Cristina Neves, 17474/16, « (…) a considerar que no conceito de encargos estão incluídos outros que não resultem de despesas realizadas no processo e previstas no artº 16 do RCP, estaria aberta a porta para a indeterminação do montante a pagar, não compatível com o regime de custas de parte definido nos artºs 25 e 26 do RCP.» No que tange à ressarcibilidade do mesmo tipo de despesas efetuadas pelas testemunhas, o Artigo 16º, nº1, al. e), do RCP, prevê expressamente como encargo: «As compensações devidas a testemunhas». A compensação devida à testemunha tem de ser requerida pela própria, consoante decorre do Artigo 525º do Código de Processo Civil, cujo teor é o seguinte: «A testemunha que haja sido notificada para comparecer, resida ou não na sede do tribunal e tenha ou não prestado depoimento, pode requerer, até ao encerramento da audiência, o pagamento das despesas de deslocação e a fixação de uma indemnização equitativa.» Por sua vez, dispõe o nº5, do Artigo 17º do RCP que «Salvo disposição especial, a quantia devida às testemunhas em qualquer processo é fixada nos termos da Tabela IV e o seu pagamento depende de requerimento apresentado pela testemunha.» Na jurisprudência sobre esta temática, ressaltam os seguintes arestos. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.10.2005, 7210/05, www.colectaneadejurisprudencia.com: Os pagamentos aos intervenientes acidentais são efetuados apenas por requerimento, e entram no processo e na conta final enquanto custas e não enquanto custas de parte. Daqui resulta que as testemunhas têm direito à satisfação das despesas resultantes da deslocação ao tribunal e à indemnização derivada de perda de salários, devendo fazê-lo valer perante o tribunal onde compareceram, mas a parte que indicou as testemunhas e, eventualmente, suportou as referidas despesas não tem direito a ressarcimento. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.3.2016, Isabel Silva, 1106/09: a)- As testemunhas são auxiliares da justiça, assistindo-lhe o direito próprio a serem ressarcidas das “despesas de deslocação e a fixação de uma indemnização equitativa”: art. 525º do CPC. b)- As alíneas e), h) e i) do art. 16º do RCP classificam expressamente como encargos as compensações devidas a testemunhas, encargos esses passíveis de integrar as custas de parte. c)- Os encargos referidos no art. 26º nº 3 al. b) do RCP (a serem integrados nas custas de parte) são os que foram pagos pela parte, direta e antecipadamente, nos próprios autos, no uso da sua obrigação legal. d)- A lei entendeu atribuir à própria testemunha o direito e o ónus de peticionar por si própria o pagamento das despesas: art. 525º do CPC. e)- Uma coisa é certa, as despesas de deslocação das testemunhas só lhe são reembolsadas se a própria testemunha as pedir, como claramente resulta do art. 525º do CPC (“pode requerer”). f)- Só na medida em que a testemunha solicitar o pagamento é que as despesas da sua deslocação serão contabilizadas no processo e passarão a assumir a natureza de encargos. E só nessa situação é que tais despesas podem integrar as custas de parte. g)- A parte que resolveu, por sua iniciativa, suportar, ela própria, os custos da deslocação da testemunha que arrolou, acabará por ver coartado o direito a reaver o que pagou pois perante o processo ela não pode receber o que só à testemunha é devido. Afigura-se-nos que esta jurisprudência corresponde à interpretação correta das normas anteriormente referidas. Com efeito, cabe à testemunha requerer o pagamento da indemnização a que tenha direito, sendo que o pagamento de despesas de deslocação e estadia pela parte que arrolou a testemunha corresponderá a um ato de cortesia da inteira responsabilidade, incluindo financeira, da parte. Ademais, o sistema legal vigente, que requere a iniciativa da testemunha, é mais conforme com a desejada isenção e imparcialidade das testemunhas (cf. Artigo 513º, nº1, do Código de Processo Civil). Atualmente, as deslocações das testemunhas também não têm carácter absolutamente imperativo, havendo mecanismos legais que facilitam a sua inquirição por meio tecnológico (artigo 502º do Código de Processo Civil ). Flui de todo o exposto que o recurso deve proceder, não sendo devidas a título de custas de parte as verbas de € 21.481,53 a título de viagens de avião, € 468,72 a título de viagens de táxi e estacionamentos e € 2.173,73 a título de alojamento (total de € 24.123,98). A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes). DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão impugnada na parte em que atendeu - a título de custas de parte - às verbas de € 21.481,53 a título de viagens de avião, € 468,72 a título de viagens de táxi e estacionamentos e € 2.173,73 a título de alojamento (total de € 24.123,98). Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 22.2.2022 Luís Filipe Sousa José Capacete Carlos Oliveira [1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115. [2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119. Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12). |