Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO EXECUTADO CÔNJUGE BENS COMUNS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/10/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Em execução movida contra um dos cônjuges, por dívidas da sua exclusiva responsabilidade, pode nomear-se à penhora bens comuns, desde que seja pedida a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens. II - Com a citação do cônjuge do executado torna-se inútil a dedução de embargos de terceiro. III – A extinção do vínculo conjugal não altera, automaticamente, o regime de bens, pelo que os bens comuns do casal mantêm-se nessa qualidade até à partilha, pois só ela põe termo à comunhão. IV – A retroacção dos efeitos patrimoniais no divórcio não determina, sem mais, a passagem do regime de comunhão de bens para o regime de compropriedade. V – O divórcio do executado não inviabiliza que o credor se socorra do disposto no art.º 825, n.º1, do CPC (G.A.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 2ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.RELATÓRIO
A deduziu os presentes embargos de terceiro contra o Exequente, “B, SA” e Executados, T e V, alegando que não é parte na execução, a fracção autónoma penhorada integra o património comum do casal que constituiu com o executado Vítor, de quem já está divorciada, não obstante o dito património ainda não ter sido partilhado, a dívida exequenda é incomunicável, e que a penhora realizada ofende o seu direito de propriedade, medida em que deve ser ordenado o seu levantamento. Foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição de embargos. Inconformada, veio a Embargante agravar do despacho de indeferimento liminar. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * *
OBJECTO DO RECURSO:[1]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por A, ora Agravante, que o seu objecto está circunscrito às seguintes questões:
8.) A decisão recorrida viola, ainda, a norma vertida no art. 354° do CPCivil, pois, tendo em conta os factos alegados pela Recorrente, na petição de embargos, conjugada com os elementos já existentes nos autos, e reproduzidos na sentença, o incidente não deveria ter merecido uma rejeição liminar, devendo, antes, ter sido recebido, ou pelo menos, terem sido ordenadas as diligências probatórias julgadas necessárias para a decisão prévia em causa, no caso de o juiz "a quo" ter dúvidas sobre a probabilidade séria da existência do direito invocado pela Recorrente.
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2.FUNDAMENTAÇÃO
A.) FACTOS PROVADOS:
1.) Encontra-se penhorada a fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente à Cave Direita — Atelier, do prédio sito na Quinta dos Caniços.
2.) A, foi citada em 14/05/07, como cônjuge do executado V.
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B.) O DIREITO:
1.) ADMISSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO POR PARTE DO CÔNJUGE DO EXECUTADO.
* O art. 825º, do CPCivil aplica-se à execução originariamente “movida contra um só dos cônjuges” e nela admite, em consonância com o art. 1696, do CCivil, a penhora de bens comuns do casal.[2] Pelas dividas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns – n.º 1, do art. 1696.º do CCivil, com a redacção dada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12. Por força de tal alteração normativa, enquanto no regime anterior, a responsabilidade dos bens comuns pelas dividas ficava sujeita a uma moratória forçada, no regime actual essa moratória foi suprimida, e os bens pertencentes a essa meação passam a responder imediatamente pela divida do cônjuge. Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro – n.º 1, do art. 351º, do CPCivil. O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos de terceiro os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior – art. 352º, do CPCivil. O cônjuge do executado pode opor-se à penhora, quer com a alegação de que, não sendo parte na acção executiva os seus bens próprios não devem ser penhorados, quer com o fundamento de que, não tendo sido pedida a sua citação para requerer a separação de bens, nela não podem ser penhorados bens comuns.[3] A supressão da moratória forçada não significa que, numa execução proposta contra um único dos cônjuges, passem a poder ser penhorados bens comuns. O que a nova formulação permite é que, qualquer que seja a natureza (comercial, civil ou outra) da divida, possam ser penhorados bens comuns, se o exequente, ao nomeá-los, pedir a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens. Concluindo, por força da alteração introduzida pelo DL n.º 329-A/95, o exequente pode nomear à penhora bens comuns, desde que peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens. Citado o cônjuge do executado, no momento e com as garantias a que se refere o art. 864º, pode ele, requerer a separação de bens, em processo de inventário, ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência de processo de separação de bens já instaurado.[4] Tendo o cônjuge do executado sido citado para requerer a separação de bens, os embargos de terceiro são inúteis, pois que, mesmo que pretendesse discutir a comercialidade da divida contraída pelo outro cônjuge, a natureza não comercial dela não impediria a penhora dos bens comuns.[5] Só caso tenha sido omitida a citação a que se reporta o n.º 1, do art. 825.º, do CPCivil na execução movida apenas contra um dos cônjuges, pode o outro deduzir embargos de terceiro para defender o seu direito à meação nos bens comuns.[6] Está provado que A, foi citada em 14/05/07, como cônjuge do executado V – facto provado n.º 2. Não omitindo a Embargada/Exequente a citação do cônjuge do executado para os termos do art. 825º, do CPCivil, isto é, para querendo, requerer a separação de bens, não pode a Agravante, Alice de Lurdes Lourenço Proença deduzir, como deduziu, embargos de terceiro.
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2.) PROPRIEDADE DOS BENS QUE INTEGRAM O ACERVO COMUM DO CASAL DEPOIS DE DECRETADO O DIVÓRCIO E ANTES DE SE TER PROCEDIDO À SUA ADJUDICAÇÃO AOS EX-CÔNJUGES.
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Alega no entanto a Agravante que com o divórcio finda o vínculo e a comunhão conjugal, e os ex-cônjuges passam a ser comproprietários dos bens que compunham o património comum do casal. Vejamos a questão. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – n.º 1, do art. 1403º, do CCivil. As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um dele - art. 1404º, do CCivil. A compropriedade distingue-se da comunhão de bens, sendo esta sempre uma das suas modalidades. As regras daquela são, salvo algumas excepções, aplicáveis a esta. Entre as modalidades de comunhão de bens temos o património que é integrado pelos bens comuns do casal, afectado por lei ao escopo de servir de suporte económico à sociedade conjugal. O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário.[7] Não é, em princípio, permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados (art. 1714º, nº 1, do CCivil. Excepção a tal regra, nomeadamente a separação judicial de bens (art. 1715º, do CCivil). Isto na pendência do casamento. Após a extinção do casamento, os bens comuns do casal mantém-se nessa qualidade até ocorrer a sua divisão e partilha, judicial (inventário) ou extrajudicialmente. Até lá aplicam-se-lhes todas as regras legais que os pressupõem, nomeadamente as insertas nos arts. 825º, nº 1, do CPCivil, que ora nos ocupam. Não é a simples extinção do vínculo conjugal que automaticamente opera a alteração do regime de bens, legal ou contratualmente fixado para o casamento. A retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio (art. 1789º, nºs 1 e 2 do CCivil) não implica que o regime dos bens deixe de ser o da comunhão, se foi esse o adoptado, para passar ao da propriedade em comum, enquanto se não tiver procedido à partilha. O regime prescrito nos ditos normativos (art. 1789º, do CCivil) tem a ver com as relações entre os cônjuges e os respectivos e correlativos direitos/obrigações que não com terceiros. Só a partilha põe termo à comunhão podendo, ou não, dar lugar à compropriedade. Enquanto aquela não ocorrer, o regime legal de bens mantém a imutabilidade que lhe é natural, podendo terceiros valer-se das normas legais que o pressupõem, como é o caso do art. 825º, nº 1, do CPCivil. A solução adoptada no despacho recorrido é a única que respeita a aludida regra da imutabilidade dos regimes de bens e defende eficazmente terceiros que com algum dos membros do casal entraram em relacionamento jurídico-económico. Se a dívida é daquelas que nasceu num tempo, antes ou depois do divórcio, em que por ela respondiam os bens comuns do casal, assim continua a ser enquanto se não operar a divisão/partilha. A passagem, sem mais, ao regime de compropriedade, como efeito do divórcio, tornava a posição do terceiro credor instável e menos consistente, dificultando-lhe a realização prática do direito, tal qual, de resto, a pretensão da embargante pressupõe e deixa transparecer. Pelo menos e não é pouco, ficava-lhe vedado o acesso ao instrumento consubstanciado no aludido art. 825º, nº 1 do CPCivil, obrigando-o à penhora de metade indivisa do usufruto, sem que o ex-cônjuge não executado ficasse sujeito à consequência de não requerer a separação de bens, qual seja, prosseguir a execução nos bens comuns penhorados. Concluindo, pese embora a Agravante não ter feito prova que se encontrava legalmente divorciada do executado, o que torna desnecessária a sua notificação para o fazer, mas mesmo que o estivesse, o regime de bens não se alterava enquanto não estivesse feita a partilha de bens. Assim sendo, como a Agravante continua a ser comproprietária do bem penhorado, o Exequente podia pedir a sua citação para requerer a separação de bens, o que tendo feito, a impede, como se viu, de deduzir embargos de terceiro. Destarte, improcedem todas as conclusões da Agravante.
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3.DISPOSITIVO
DECISÃO:
Pelo exposto, Acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao Agravo e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida. * * REGIME DE CUSTAS: * Custas pela Agravante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida - art. 446º, do CPCivil. Lisboa,2008-01-10 (NELSON PAULO MARTINS DE BORGES CARNEIRO) (ANA PAULA LOPES MARTINS BOULAROT)(dispensei os vistos) (LÚCIA CELESTE DE SOUSA) ________________________________________________________
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