Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3232/08.0TVLSB-A.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2010
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
Decisão: AUTORIZADA A QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
Sumário: I. A única questão em apreciação é a de se saber se, deve ou não ser determinado a quebra do sigilo bancário, enquanto realização do interesse público da administração da justiça, face ao interesse privado da protecção dos direitos pessoais, sendo que ambos são direitos constitucionalmente protegidos.
II. Enquanto princípio geral do dever de colaboração das partes na realização da justiça, é necessário ter-se presente que a escusa de prestação de informações não é um direito absoluto, devendo ceder nos casos em que está em causa a realização dessa mesma justiça.
III. As informações que se pretendem não visam a devassa da vida económica e financeira da Requerida, enquanto titular das contas bancárias em questão, mas antes destinam-se a fazer prova de uma situação, com base na qual, é deduzido um pedido de indemnização contra a ora Requerente, enquanto causadora de determinados prejuízos. O facto de, em primeira linha, competir à A. a alegação e prova dos factos em que fundamenta o seu direito, não pode retirar à contraparte o seu legítimo direito de fazer a contraprova desses mesmos factos, nomeadamente, para efeitos de apreciação da lisura comportamental das partes no desenvolvimento processual. Negar-lhe tal direito seria, no caso, subverter os próprios princípios que norteiam a realização da justiça.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO

No âmbito de acção ordinária de responsabilidade civil instaurada por M contra o ora Requerente, BANCO, SA, veio este último pedir que o Tribunal solicitasse informações bancárias, no caso, à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, para contra prova de factos que integram matéria alegada pela A. no processo e com base na qual é pedida a sua condenação.

Na execução de tal pedido, foi solicitado ao Banco de Portugal que satisfizesse o solicitado tendo o mesmo, em resposta, pedido indicação de autorização da cliente para prestação das informações em causa e/ou, na negativa, a indicação de diploma legal que determinasse a dispensa do dever de guarda e sigilo bancário.

O Sr. Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu despacho em que determinou a extracção de certidão de peças do processo para instruir o competente incidente para conhecimento do levantamento do segredo bancário a ser conhecido no Tribunal da Relação de Lisboa, em conformidade com o estatuído pelo art. 79.º, n.º 2, al. d) do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

II. FACTOS PROVADOS

1. A Requerente é Ré na acção que lhe foi movida pela ora Requerida.

2. No âmbito dessa acção encontra-se em discussão a responsabilidade da ora Requerente e com base na qual é formulado um pedido de indemnização contra a mesma.

3. No âmbito dessa acção, e para efeitos de contra prova dos factos alegados pela A., a ora Requerente requereu ao Tribunal que solicitasse ao Banco de Portugal informação sobre se, na Central de Responsabilidades de Crédito e no período compreendido entre 01.Outubro.2005 e 31.Julho.2006, as sociedades B, Lda e G, Lda (sociedades estas de que a Requerida foi sócia e gerente), registaram algumas incidências relativas a moras e/ou incumprimentos e, em caso afirmativo, em que datas e a que instituições bancárias tais incidências respeitam.

4. O Banco de Portugal opôs-se à prestação de tais informações bancárias na ausência de indicação de diploma legal que determinasse a dispensa do dever de guarda e sigilo bancário.

III. FUNDAMENTAÇÃO

A única questão em apreciação é a de se saber se, no caso em apreciação, deve ou não ser determinado a quebra do sigilo bancário, enquanto realização do interesse público da administração da justiça, face ao interesse privado da protecção dos direitos pessoais, sendo que ambos são direitos constitucionalmente protegidos.

No presente caso, a recusa de prestação de informações por parte do Banco de Portugal alicerça-se no dever de guarda e sigilo bancário constante do artigo 78.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICF), em que se dispõe:

“os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviço a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.

Podendo, porém, estes elementos cobertos pelo dever de segredo serem revelados nos termos previstos pela lei penal e processual penal, nos termos do artigo 80.º do RGICF e, tratando-se, como se trata, de uma situação de natureza cível, do artigo 519.º do Código de Processo Civil.

A questão centra-se, assim, em saber se a recusa do Banco de Portugal ao não prestar os elementos bancários pedidos pelo Tribunal de 1.ª Instância, está ou não legitimado, nos termos dos artigos 78.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro e 519.º, n.º 3, alínea c) e n.º 4, do Código de Processo Civil ou se, pelo contrário, estando as entidades bancárias também vinculadas ao dever de colaboração no âmbito da prova, devem prestar a informações solicitadas.

Ora, enquanto princípio geral do dever de colaboração das partes na realização da justiça, é necessário ter-se presente que a escusa de prestação de informações não é um direito absoluto, devendo ceder nos casos em que está em causa essa mesma realização da justiça. Como é entendimento de há já longo tempo, encontrando-se lapidarmente afirmado no Ac. do STJ de 14.Janeiro.1997, no BMJ 463, pág. 472: “esse direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto, de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o “civilizado” artigo 1.º do Código de Processo Civil, se privilegiasse a “justiça” privada) ou, por exemplo, o dever de colaboração, tradicional no processo civil português”.

Importa ainda, no âmbito da interpretação do citado artigo 519.º, e tendo em causa a natureza dos interesses em confronto, analisar se o requerido levantamento do sigilo bancário pode ou não integrar fundamento para a escusa dessa dispensa e dever de sigilo, face aos princípios norteadores do Código de Processo Penal, para que o preceito civil remete.

Analisando, com as necessárias adaptações o disposto no artigo 135.º do Código de Processo Penal, nomeadamente os seus ns.º 1 a 3, temos que, no que ao caso dos autos importa, é permita a requerida quebra de sigilo bancário “(…) sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos (…)”

Com as necessárias adaptações, sempre podemos afirmar que as informações que se pretendem não visam a devassa da vida económica e financeira da Requerida, enquanto titular das contas bancárias em questão, mas antes destinam-se a fazer prova de uma situação, com base na qual, é deduzido um pedido de indemnização contra a ora Requerente, enquanto causadora de determinados prejuízos. Com efeito, para decisão da presente causa é necessário a correcta averiguação dos factos alegados pela A. e ora Requerida. O facto de, em primeira linha, competir à A. a alegação e prova dos factos em que fundamenta o seu direito, não pode retirar à contraparte o seu legítimo direito de fazer a contraprova desses mesmos factos, nomeadamente, para efeitos de apreciação da lisura comportamental das partes no desenvolvimento processual. Negar-lhe tal direito seria, no caso, subverter os próprios princípios que norteiam a realização da justiça.

Essa é, aliás, a razão pela qual é o citado DL 298/92 vem afirmar, no seu artigo 79.º, alínea d), que os factos sujeitos a sigilo sempre poderão ser conhecidos nos termos previstos na lei penal, lei processual penal bem como do processo civil, por remissão daquele.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, autoriza-se a quebra de sigilo bancário devendo o Banco de Portugal prestar as informações solicitadas pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Maio de 2010

Dina Maria Monteiro