Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2226/22.7T8PDL-G.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: SUSPEIÇÃO
DECISÃO
JUDICIAL
DISCORDÂNCIA
GESTÃO DA AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: SUSPEIÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: I. A apreciação sobre se a situação invocada pelo requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização ou não dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da pretensão esgrimida por qualquer dos sujeitos processuais.
II. Do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade.
III. O incidente de suspeição não é o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I.
1. “A”, requerido nos autos de processo de promoção e proteção que, sob o n.º 2226/22.7T8PDL-D.L1, correm termos no Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…), veio, por requerimento apresentado em juízo em 28-10-2024, subscrito pela sua mandatária Sra. Dra. “B”, deduzir incidente de suspeição, relativamente à Sra. Juíza de Direito “C”.
Para tanto, invocou, em síntese (corrigindo o referido requerimento em 29-10-2024), que:
-  Em 24.10.2024, o requerido e mandatária compareceram no tribunal de Família, notificados para a conferência de pais no apenso D);
- No dia anterior, fora remetida à mandatária uma notificação (refª (…)) para a conferência de pais de um apenso F), também para o mesmo dia 24.10.2024, desacompanhada de qualquer articulado;
- Mandatária e constituinte desconheciam, então, o conteúdo do que fosse o apenso F);
- Anteriormente ao início da diligência, a mandatária informou a senhora funcionária que se encontrava a participar em 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, em escala junto do JIC e, por tal motivo, teria de regressar à mesma diligência pelas 14h45, pedindo que disso fosse informada a Senhora Juiz titular;
- Iniciada a diligência, a mandatária pediu a palavra e fez um pedido de esclarecimento- reproduzido em gravação existente;
- Em síntese, questionou qual o conteúdo da diligência em causa, porque coexistiam várias marcações para a mesma hora e voltou a questionar o tribunal porque não tinha sido aceite a prova arrolada quando da resposta fornecida neste processo (refª (…), de 21.08.2024, dentro dos 5 dias dados para a resposta);
- A Senhora Juiz titular respondeu a tal pedido de esclarecimento, nos termos constantes da gravação existente, afirmando, para o que interessa, que o requerimento fora extemporâneo, que a dedução do apenso F se ficara a dever a um pedido de alteração da regulação deduzido pelo Ministério Público, em cumprimento do 44º A do regime tutelar, em face das medidas de coação aplicadas ao progenitor, num inquérito pendente ( por violência doméstica contra a progenitora), do que as partes haviam sido citados- citação que a mandatária negou que se verificaram;
- Trocaram-se argumentos, atendendo ao conteúdo do despacho de aplicação das medidas cautelares excepcionar o que se tratasse dos contactos do progenitor com os miúdos, a decidir neste apenso;
- De argumento em argumento, rapidamente chegou-se à hora da mandatária retornar à diligência no JIC, disso dando conhecimento à Senhora Juiz titular, a qual retorquiu que não era motivo de adiamento e que se nomearia novo patrono;
-Ao que lhe foi informado não ser patrona, mas advogada constituída;
- A Senhora Juiz titular além de desconhecer a qualidade em que intervinha, falta à verdade quando afirma que o requerimento em causa foi extemporâneo, bem como que mandatária e constituinte tinham sido citados para o apenso F), que o não foram, daí pretenderem ser esclarecidos;
-A mandatária ausentou-se, então, da sala e foi participar na identificada diligência, no JIC ( no mesmo edifício) e quando esta terminou, retornou à sala, sendo confrontada com a Senhora Juiz estar a questionar o constituinte acerca da pertinência das testemunhas arroladas, no tal requerimento de resposta desatendido, mas que agora se questionava a respectiva factualidade e material probatório (refª 49678048, de 21.08.2024), sendo que, nem a mandatária do requerido, nem a Senhora Juiz poderiam antecipar que o regresso à diligência se faria em tempo útil;
- Nesse ínterim em que a mandatária se ausentara da sala, o constituinte fora forçado a ser citado para o apenso F), a que se recusou, pela ausência da advogada, mas a que, após, ainda na ausência da advogada, lhe foi feita a notificação nos termos do art.º 231º, nº1 do C.P.C
- Atropelo, seguido de atropelo, mas a bem da legalidade formal;
- A intervenção da Senhora Juiz titular é susceptível de criar dúvidas sérias sobre a posição de imparcialidade que se lhe exige, pela sua inimizade grave para com a mandatária do requerido, patenteada nos argumentos proferidos na decisão gravada. (C.P.C., art.º 120º, nº 1, al. G)).
Como prova, indicou a gravação da diligência do dia 24.10.2024 e a inquirição do requerido “A”, a toda a matéria.
2. A Sra. Juíza respondeu – cfr. despacho de 28-10-2024 – concluindo pela improcedência do incidente de suspeição, tendo invocado, nomeadamente, o seguinte:
“Em resposta a tal incidente adianta-se já não ter a signatária relação de inimizade com a ilustre causídica, com quem priva em exclusivo em diligências judiciais, que decorrem de forma cordata e com respeito entre ambas dos deveres de correção, como se impõe quer a magistrados judiciais quer a advogados, o que se pode constatar pela audição do debate judicial que teve lugar no dia 24-10-2024, no âmbito do processo de promoção e proteção que constitui o apenso D, o qual foi integralmente gravado (diligência que de resto se iniciou precisamente com requerimento oral da ilustre advogada), não equivalendo o não deferimento pelo tribunal, de forma fundamentada, da concreta pretensão requerida pela ilustre causídica, a manifestação de inimizade da juiz prolatora da decisão para com a mandatária/requerente, sendo certo que o meio processual para alterar a decisão judicial com a qual a parte e mandatária não concordam é a via de recurso, e não o afastamento do juiz prolator da decisão, como se pretende.
Em todo caso cumpre esclarecer que:
a) A ilustre mandatária do progenitor dos menores, Dra. “B”, foi notificada da data de realização do debate judicial no âmbito do apenso D através de expediente com a ref.ª citius n.º (…) de 04-10-2024;
b) A 21-10-2024 o Ministério Público instaurou processo urgente de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto no artigo 44º-A, do RGPTC, na sequência de aplicação pelo juiz de instrução criminal a 17 de outubro de 2024, ao progenitor dos menores, “A”, de medida de coação de proibição de contactos com a mãe dos menores “D”, bem como aproximação a uma distância inferior a 200 metros, pela indiciada prática de crime de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º/1/a), do CP, tendo o tribunal a 23-10-2024 designado logo data de conferência de pais para o mesmo dia do debate judicial, atenta a factualidade subjacente, em vista a evitar a deslocação das partes ao tribunal noutra data, tendo na mesma data notificado a ilustre advogada apenas da data da conferência;
c) O debate judicial iniciou-se com requerimento oral da Dra. “B”, ao qual o tribunal respondeu por escrito, conforme ata de 24-10-2024, do apenso D), e que também consta integralmente da gravação contínua da diligência, pelo que se mostra incorreto o que se alega no artigo 9º do requerimento de suspeição;
d) Se a mandatária em referência informou a senhora funcionária que se encontrava a participar em 1º interrogatório judicial, tal informação não foi transmitida à signatária, seja antes do início do debate judicial, seja aquando do início desta diligência, sendo por isso a signatária, após prolação do seu despacho, surpreendida com a comunicação da ilustre mandatária de que teria de se ausentar do debate judicial, por estar a decorrer um interrogatório Judicial no JIC desde o período da manhã, que foi suspenso porque a Sra. Dra. tinha esta diligência agendada, mas que seria retomado pelas 14h45m, tendo sido concedida a palavra à senhora advogada pela signatária, a qual novamente por exposição oral comunicou as razões da sua ausência, tendo sido informada pela signatária de que apenas a ausência do patrono nomeado ao menor é fundamento de adiamento do debate judicial e não a ausência de mandatário dos progenitores, tendo ainda a signatária indagado junto da senhora advogada se estaria interessada em ser substituída por advogado de escala ou substabelecer noutro colega, respondendo esta não existirem outros advogados de escala e não pretender substabelecer por entender que o mandato é «intuitu personae» e que nenhum outro advogado asseguraria a defesa que a mesma ao senhor “A” (cf. gravação áudio, no minuto 25);
e) Antes do início do debate judicial, a oficial de justiça procurou citar os progenitores para os termos do apenso F), tendo então o progenitor acatado a orientação da sua advogada, recusando a citação, não sendo realizada a conferência no âmbito do processo urgente de alteração das responsabilidades parentais (apenso F), pelos motivos que foram explicados no ponto 3 do despacho proferido a 24-10-2024, no apenso D, porém, depois de ser explicado pela signatária ao progenitor o procedimento de citação (cf. gravação áudio inserta no apenso D) da diligência de 24-10-2024), após o termo dos trabalhos, e não durante a audição do progenitor no debate judicial, conforme incorretamente se alega no artigo 16º, o progenitor aceitou ser citado, tendo assinado o termo de citação e recebido cópia das peças processuais perante a oficial de justiça;
f) Finda a audição das testemunhas arroladas tempestivamente, porque o progenitor não estava representado por advogado, e tendo presente o ponto 1), do primeiro despacho proferido no debate judicial, e bem assim a ausência da mandatária do progenitor durante a produção de prova, a signatária procurou junto do próprio progenitor indagar sobre as matérias que este queria ver esclarecidas com as testemunhas arroladas para serem consideradas aquando da decisão provisória proferida em setembro, de forma a, oficiosamente, mas de forma fundamentada, determinar a inquirição de testemunhas não arroladas tempestivamente mas que fossem importantes para o esclarecimento dos factos em discussão, sendo neste momento da diligência que a mandatária do progenitor regressou à sala de audiências, percebendo-se do alegado nos artigos 14º e 15º não ter a ilustre causídica percebido o sentido e alcance do ponto 1) do primeiro despacho proferido no debate judicial, nem do procedimento da signatária junto do progenitor, a saber: não ser o mesmo prejudicado no exercício do seu direito de defesa pelo facto da sua mandatária se ter ausentado do debate judicial durante a produção da prova;
g) Termina-se reafirmando-se estar igualmente incorreta a afirmação contida no artigo 12º do requerimento inicial de suspeição, no sentido do requerimento probatório apresentado para exercício do contraditório prévio à prolação de medida provisória de promoção e proteção (proferida de resto a 06-09-2024 – cf. ref.ª citius n.º (…)), dever ser aproveitado quando a ilustre advogada depois de ser notificada para os termos do disposto no artigo 114º/1 da LPCJP a 9-09-2024 (cf. ref.ª citius n.º (…)), no prazo de 10 dias, não apresentou alegações, nem requerimento probatório, limitando-se a apresentar a 07-10-2024 um requerimento de esclarecimento pelo não atendimento da prova indicada a 21-08-2024, no exercício do contraditório prévio à decisão de aplicação de medida provisória de promoção e proteção (…)”.
3. Por despacho de 30-10-2024 do substituto legal da Sra. Juíza, foi indeferida a inquirição do requerido e remetidos os autos a este Tribunal da Relação.
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II. Para além dos elementos apurados, acima referidos, tal como resultam da tramitação do processo, mostra-se ainda relevante, com a mesma motivação, a consideração da seguinte factualidade:
1) No âmbito do apenso D do processo acima mencionado teve lugar, em 24-10-2024, debate judicial, constando da respetiva ata, nomeadamente, escrito o seguinte:
“Processo de Promoção e Proteção N.º 2226/22.7T8PDL-D;
Data: 24 de outubro de 2024, pelas 14:15 Horas;
Magistrada Judicial: Dr.ª “C”;
(…)
*
Realizada a chamada à hora marcada, verificou-se o seguinte:
PRESENTES
Menores: (…)
Patrono dos menores: Dr.(…)
Progenitora: (…)
Mandatário da Progenitora: Dr. (…)
Progenitor: (…)
Mandatária do Progenitor: Dr.ª “B”;
Técnica da EMAT/Gestora do Caso: (…)
Técnica da EMAT: Dr. (…) (para assistir os menores na sua audição).
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Iniciada a diligência, pela mandatária do progenitor, foi pedida a palava, o que lhe foi concedida ficando a constar no sistema Media Studio do Habilus.
*
Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Sumariamente, dispensando o contraditório porque neste caso as questões colocadas, que o tribunal identificou, serem três, podem ser respondidas com singela clareza, nos termos que se seguem:
1.- O tribunal não admitiu o requerimento probatório enviado fora de prazo pela mandatária do progenitor “A”, após cumprimento do art.º 114.º, n.º 1 da LPCJP exatamente por ter sido apresentado fora de prazo conforme o tribunal já tinha esclarecido por despacho de 08 de outubro de 2024, quando pela 1.ª vez a 07 de outubro de 2024 foi solicitado este esclarecimento pela mandatária do progenitor. Porém, presentemente esclarece-se a Sr.ª Dr.ª “B” que tratando-se o processo de promoção e proteção de jurisdição voluntária, se no decurso da prova surgir alguma questão que evidencie por ser esclarecida pelas testemunhas arroladas intempestivamente, sempre a Sr.ª Dr.ª poderá fazer requerimento da sua inquirição, fundamentado, alicerçado nos factos que surjam a partir da prova que foi admitida.
2.- O processo de incumprimento que constitui o apenso E tem diligência marcada para o dia 28.10.2024, às 10h45m. Em situações em que o objeto de incumprimento é coincide com a matéria de facto discutida no processo de promoção e proteção, geralmente os progenitores e seus advogados costumam solicitar que se realize a diligência marcada para data posterior na mesma data que o processo de promoção e proteção, com o aproveitamento das declarações prestadas sobre a matéria coincidente de forma a não terem de se deslocar ao tribunal. Da longa exposição da mandatária do progenitor conclui-se que se opõe a esta antecipação, pelo que a diligência será realizada na data antes fixada, 28.10.2024.
3.- Em referência à ação instaurada pelo Ministério Público que constitui o apenso F importa atentar o disposto no art.º 44-A do RGPTC da qual resulta a obrigação do Ministério Público requerer no prazo máximo de 48 horas após conhecimento da aplicação de medida de coação a pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ação de regulação das responsabilidades parentais, pelo que tendo tal comunicação sido feita ao Ministério Público pelo juiz de instrução criminal não tinha o M.P. alternativa que não fosse a instauração da ação. A ação foi instaurada a 21 de outubro e pelas mesmas razões invocadas na resposta à questão antecedente, agendou-se a mesma para esta data de forma a que a tomada de declarações sobre esta matéria ocorresse em simultâneo, mas sempre com a ressalva de que caso as partes não desejassem realizar a diligência nesta data, apenas porque foram citadas há poucos minutos o tribunal reagendaria a diligência. Também nesta parte percebe-se haver oposição à realização da diligência, em razão do que se reagenda a mesma para o dia 05 de novembro de 2024, às 15h30m.
De todo o modo verificando-se nesta data não ter atribuído natureza urgente ao apenso F determino que os autos me sejam conclusos para este efeito.
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Seguidamente, foi comunicado à Mm. ª Juiz que o requerido ainda não tinha sido citado presencialmente para os termos da ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, que constitui o apenso F, em virtude de só querer fazê-lo na presença da sua Ilustre mandatária.
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Após, pela Ilustre mandatária do requerido/progenitor, foi comunicado que teria de se ausentar, porquanto estava a decorrer um interrogatório no JIC desde o período da manhã, que foi suspenso porque a Sra. Dra. tinha esta diligência agendada, mas que seria retomado às 14h45m, tendo efetuado requerimento que ficou a constar do sistema Media Studio do Habillus, e tendo-se ausentado da diligência pelas 14h52m.
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Seguidamente, passou-se de imediato à produção de prova, inquirindo-se as pessoas que seguem.
1.ª Dr.ª (…), Técnica da EMAT.
Prestou juramento e inquirida, prestou as declarações constantes no sistema Media Studio do Habillus.
2.ª “A” (…).
Prestou juramento legal e inquirido, prestou as declarações constantes no sistema Media Studio do Habillus.
3.ª “D”, progenitora (…).
Prestou juramento legal e inquirida, prestou as declarações constantes no sistema Media Studio do Habillus.
4.ª “E”, nascido a 24-02-2015 e ”F”, nascido a 24-02-2015.
Inquiridos, prestaram as declarações constantes no sistema Media Studio do Habilus.
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Seguidamente, foram os progenitores novamente inquiridos, cujas declarações ficou a constar no sistema Media Studio do Habilus, tendo no decurso das declarações dos pais comparecido a mandatária do progenitor, pelas 16h25m.
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Após, pela Mm. ª Juiz de Direito, foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Em face dos esclarecimentos prestados pelo progenitor e pela sua advogada determino a inquirição do tio materno da progenitora, (…) e bem assim da testemunha (…) e (…), companheira do progenitor, que terão presenciado algumas situações de conflito ocorridas entre os progenitores aquando das trocas dos menores.
Relativamente à testemunha (…) que terá presenciado, em data anterior à celebração do acordo de processo de promoção proteção que aplicou a medida de apoio junto dos pais, situação em que o menor terá percorrido quilómetros para vir ao encontro do pai, julga-se não ter qualquer pertinência a sua inquirição face aos motivos da aplicação da medida provisória que se prendem com episódios agressivos do pai dirigidos às crianças ocorridos em julho do presente ano.
Relativamente ao Agente (…), que acompanhou a mãe aquando da recolha de alguns pertences na casa de morada de família, tendo ambos os progenitores referido não ter havido ocorrências neste dia e tendo os menores declarado, quando ouvidos, que num primeiro momento nesse dia o pai os recolheu para que não vissem a mãe e que depois sentindo-se pressionados pelo pai afirmaram perante o agente da PSP que não queriam ver a mãe, não vemos qual é a pertinência desta inquirição, pelo que vai indeferida.
A informação do ATL nota-se igualmente sem pertinência, até porque não foi reportado pela EMAT qualquer problema de assiduidade.
Para a continuação do presente debate judicial designa-se o dia 11 de novembro de 2024, às 15h30m.
Notifique.
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O despacho que antecede foi notificado aos presentes notificados e nada mais tendo sido requerido, a Mm.ª Juiz deu por encerrada a diligência, pelas 16:43horas.
A presente ata, processada, retificada e revista, vai ser assinada (…)”.
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III. O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O pedido de suspeição contém a indicação precisa dos factos que o justificam (cfr. artigo 119.º, n.º 3, do CPC).
Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS).
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
“A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
“De acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência (…), a imparcialidade pode ser avaliada sob duas vertentes, a subjetiva e a objetiva, radicando a primeira na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e consistindo a segunda na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2024, Pº 5423/22.1JAPRT-A.P1, rel. PAULA PIRES).
Por outra parte, a consideração da existência de motivo sério e grave adequado a pôr em causa a imparcialidade do julgador, há-de fundar-se em concretas circunstâncias e não em juízos ou conjeturas genéricas e imprecisas.
Conforme se referiu na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024 (Pº 254/22.1T8LGS.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO):
“Para que se possa suscitar eficazmente a suspeição de um juiz não basta invocar o receio da existência de uma falta de imparcialidade é necessário que esse receio nasça de alguma das circunstâncias integradas na esfera de protecção da norma.
A aferição da suspeição deve ser extraída de factos ou eventos concretos, inequívocos e concludentes que sejam susceptíveis de colocar em causa a independência e a imparcialidade do julgador e a objectividade do julgamento”.
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IV. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
Importa considerar que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não se justificam, nem se mostram pertinentes ou necessárias outras diligências, cumprindo julgar o incidente – cfr. artigo 123.º, n.º 3, do CPC.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade.
Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência.
Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
No seu requerimento de suspeição em apreço, o respetivo requerente invocou diversas circunstâncias inerentes à tramitação do processo acima mencionado e às vicissitudes do mesmo.
Em particular, mencionou o requerente diversas circunstâncias sobre os termos em se concretizou a conferência de pais realizada em 24-10-2024, no âmbito do apenso D.
Liminarmente, importa salientar que a apreciação sobre se a situação invocada pelo requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização ou não dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da pretensão esgrimida por qualquer dos sujeitos processuais, a qual, não nos incumbe decidir, nem poderemos efetuar.
Invoca o requerente que a intervenção da Sra. Juíza “é susceptível de criar dúvidas sérias sobre a posição de imparcialidade que se lhe exige, pela sua inimizade grave para com a mandatária do requerido, patenteada nos argumentos proferidos na decisão gravada. (C.P.C., art.º 120º, nº 1, al. G))”.
Relativamente à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – do n.º 1 do artigo 120.º do CPC, tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
Ou seja: Do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS).
Efetivamente, a função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75).
Não se conformando com as decisões judiciais proferidas, os requerentes da suspeição têm ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação que sejam processualmente admissíveis, mas não, o incidente de suspeição.
De facto, os recursos (ou as reclamações ou outros meios impugnatórios), a interpor nos termos e segundo os pressupostos legalmente previstos, são os mecanismos legais para se poder reagir em tais situações e para se aquilatar da correta ou incorreta aplicação da lei.
O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: STJ de 09-12-2004, Pº 04P4308, rel. SIMAS SANTOS; STJ de 09-03-2022, Pº 5/22.0YFLSB, rel. HELENA FAZENDA; STJ de 23-09-2020, Pº 685/13.8JACBR.C1-A.S1, rel. MANUEL AUGUSTO DE MATOS; TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 07-01-2014, Pº91/10.6TDEVR-A.E1, rel. MARIA LEONOR ESTEVES; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Podemos entender que o requerente da suspeição não se reveja no conteúdo de posições tomadas no processo pela Sra. Juíza, mas tal descontentamento não implica a constatação de alguma parcialidade do julgador, que, aliás, é negada pela Sra. Juíza na resposta formulada.
Certo é que, não logramos descortinar na invocação do requerente da suspeição, a respeito das decisões tomadas em 24-10-2024, nenhuma circunstância que possa conduzir ao afastamento da Sra. Juíza, não se demonstrando, o por si alegado, envolver a existência de motivo – muito menos, sério e grave - adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador.
Com efeito, conforme decorre do requerimento do requerente, o mesmo salienta que foi notificado, com a sua mandatária, para diligência a realizar no apenso D, razão pela qual compareceram em juízo no dia 24-10-2024.
As circunstâncias relacionadas com a participação da Sra. Advogada em diligência criminal na mesma data, não afetam ou interferem, de algum modo, sobre a parcialidade da julgadora, sendo que, lhe cabe, no exercício dos poderes de gestão da audiência/diligência, tomar as decisões inerentes à respetiva realização.
Também a circunstância invocada pelo requerente a respeito do apenso F, como seja a falta de notificação que invoca, não demonstra algum comportamento parcial ou quebra da imparcialidade devida. Poderia estar-se perante uma nulidade processual, mas cuja apreciação não poderá, como é lógico, ser objeto do presente incidente de suspeição, dirigido a diferente escopo.
Conforme se referenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2022 (Pº 101/12.2TAVRM-F.G1-A.S1, rel. PEDRO BRANQUINHO DIAS), “um requerimento em que se requer a recusa de um juiz não é a sede própria para se arguir também nulidades/irregularidades de despachos judiciais”.
E o mesmo se refira quanto às demais vicissitudes expressas pelo requerente no requerimento de suspeição em questão, que o mesmo congrega na expressão: “atropelo, seguido de atropelo…”.
À forma de condução da diligência em questão pelo julgador – um debate judicial a que se refere o artigo 114.º da LPCJP (inserido no âmbito de um processo de promoção e proteção, com a natureza da jurisdição voluntária – cfr. artigo 100.º da LPCJP – a que são aplicáveis as disposições dos artigos 292.º a 295.º do CPC (cfr. artigo 986.º, n.º 1, do CPC) ) são aplicáveis, com as devidas adaptações, à fase de debate judicial (e de recurso) as normas referentes ao processo civil declarativo comum – cfr. artigo 126.º da LPCJP).
De salientar, em particular, que o debate judicial, a que se refere o artigo 114.º da LPCJP, tem natureza contínua e não pode ser adiado (cfr. artigo 116.º, n.ºs. 1 e 2, da LPCJP).
A gestão do debate pelo julgador prende-se, pois, com uma questão de legalidade e de adequado ou de incorreto uso dos respetivos poderes gestionários de manutenção da ordem nos atos processuais a que preside (cfr., desde logo, o disposto nos artigos 150.º, 602.º, 603.º e 606.º do CPC, ex vi, do referido artigo 126.º da LPCJP), cabendo, quanto às decisões que tome, observar as prescrições normativas (desde logo, as constantes dos artigos 153.º, 154.º, 155.º e 156.º do CPC).
Relativamente ao modo de condução dos trabalhos pelo julgador, o requerente – ou a sua mandatária – poderiam, pois, invocar os meios impugnatórios ao seu dispor e que ao caso coubessem (v.g., a arguição de nulidade, o protesto, a reclamação, o recurso).
A formulação do incidente de suspeição não é, contudo, o meio adequado para questionar a conduta processual operada pelo juiz.
Observando os factos tal como o faria um cidadão médio, não se deteta nos atos processuais em que teve intervenção a Sra. Juíza visada – inclusive, relativamente à informação que refere ter efetuado à Mandatária do requerente “de que apenas a ausência do patrono nomeado ao menor é fundamento de adiamento do debate judicial e não a ausência de mandatário dos progenitores, tendo ainda a signatária indagado junto da senhora advogada se estaria interessada em ser substituída por advogado de escala ou substabelecer noutro colega, respondendo esta não existirem outros advogados de escala e não pretender substabelecer por entender que o mandato é «intuitu personae» e que nenhum outro advogado asseguraria a defesa que a mesma ao senhor “A” (cf. gravação áudio, no minuto 25)”, de onde transparece, clara e objetivamente, a apreensão pela julgadora da qualidade de intervenção da advogada do requerente e a diversa qualidade de um patrono que assegurasse, na ausência da Mandatária, a defesa do requerente - qualquer atitude pessoal reveladora de suspeita de quebra da sua imparcialidade ou reveladora de alguma inimizade grave para com a mandatária do requerente da suspeição.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência.
Não obstante o decaimento relativamente ao suscitado incidente, não se nos afigura a existência de litigância de má-fé do requerente da suspeição, não se patenteando alguma das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
*
V. Face ao exposto, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito “C”.
Custas a cargo do requerente do incidente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o requerente beneficiará.
Notifique.

Lisboa, 08-11-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).