Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ESTER PACHECO DOS SANTOS | ||
Descritores: | DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO LEITURA E REPRODUÇÃO DE DECLARAÇÕES PROIBIÇÃO DE PROVA IN DUBIO PRO REO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1 - Fundamentar é justificar, apresentar as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro, ou seja, não significa autonomizar exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do estatuído no art. 374.º, n.º 2 do CPP por referência à expressão “concisa” aí contemplada. 2 – Não tendo as declarações prestadas pelo arguido perante juiz sido reproduzidas ou lidas em julgamento, nos termos processualmente exigidos, sempre estaria vedado ao tribunal recorrido alicerçar a sua convicção factual nessas declarações por tal constituir verdadeira proibição de prova. 3 - O princípio in dubio pro reo tem efetiva relevância e aplicação no domínio da apreciação da prova. Porém, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum singular n.º 577/20.4PALSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa– Juiz 14, foi proferida sentença, a 20.09.2024, que, para o que importa, condenou o arguido AA, melhor identificado nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do D.L. 15/93, de 22/01, com referência à tabela l-C anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. 2. O arguido não se conformou com a sua condenação e dela recorreu, pugnando pela sua absolvição e finalizando a motivação do recurso com as conclusões que se transcrevem: A. A recorrente dá por reproduzido os factos provados no douto acórdão, passando infra a apresentar a sua discordância sobre os factos 3, 4 e 5 , salvo melhor entendimento, considera o recorrente que não foi provado pelo MP, a quem incumbe a prova da prática do crime pelo qual acusa. B. O arguido desde o 1º interrogatório (05-12-220), afirmou que era para consumo próprio, tal como consta nos autos, pelo que sendo audiência gravada o tribunal pode e deve socorrer-se das referidas declarações, o que não fez por opção. C. Em audiência de julgamento, as testemunhas, agentes da PSP não visualizam o arguido a vender a terceiros estupefaciente – tendo afirmado tal facto D. Em momento da detenção, não tinha existido nenhum movimento prévio que os agentes testemunhas pudessem ter visualizado a venda de estupefacientes. E. O tribunal a quo não fundamento quanto ao facto 3, como considerou provado o facto alegando a credibilidade das testemunhas agentes da PSP. F. Ora, a recorrente não poe em causa a credibilidade dos mesmos até porque afirmaram ambos os agentes não ver o arguido a vender a terceiro, sendo incidente para prova do facto 3. G. O tribuna a quo na fundamentação da matéria de facto dos factos 4 e5 , socorreu-se de uma presunção natural no que tange aos factos subjetivos. H. Ora, no caso, não houve prova testemunhal que confirmasse que o arguido estava a vender a terceiros estupefaciente, pelo que pela prova existente só se consegue assegurar que arguido comprou a terceiro para seu uso exclusivo a quantia apurado no facto 2 e no dia do facto 1. I. A acusação do M.P. não permite a condenação do crime de trafico de estupefacientes de menor gravidade, sob pena da violação do principio “(…) «in dubio pro reo é um princípio J. O tribunal a quo foi alheio ao facto da inexistência de prova, havendo evidente falta de fundamentação e violação do principio constitucional in dubio pro reo e, por isso, deverá ser revogado o douto acórdão e absolver a arguido dos pratica do crimes tráfico de estupefacientes de menor gravidade. K. A violação princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa. L. E, os factos decisivos para a decisão da causa têm que ser comprovados pelo Ministério Publico pela prova testemunhal e documental, o que não sucedeu. M. o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo, o que não ocorreu e se impugna. 10. Verificando-se a violação pelo tribunal a quo do princípio “in dubio pro reo,” pelo factos que a recorrente/arguida supra elencou, deverá ser absolvido da prática do crime que foi condenada revogando-se o douto acórdão com a sua absolvição. N. Na douta sentença, verifica-se falta de fundamentação do tribunal a quo por em momento algum comprovar com a realidade provada –pela prova documental e testemunhal - as sua ilações para descrever a atuação e intervenção do arguido é demonstrativa de não ter sido comprovada a prática do crime que é acusado O. De acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença. 3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, no sentido da sua improcedência, rematando com as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. 2. Não se conformando com a referida decisão, dela veio o arguido interpor recurso. 3. O recorrente impugna os pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como provada por entender não ter sido produzida prova suficiente sobre os mesmos. 4. O recurso da matéria de facto visa a reparação do erro de facto sendo que o recorrente indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados cabendo ao tribunal superior sindicar o juízo de apreciação de prova já efetuado sobre os mesmos. 5. Da fundamentação da sentença resulta que o tribunal se baseou no testemunho dos agentes da PSP ouvidos que viram “o arguido a mostrar algo que tinha na mão direita a dois indivíduos”, que o mesmo ao aperceber-se da presença da PSP no local “tentou esconder o que tinha na mão direita” e “ esboçou fuga” sendo que ao ser intercetado mostrou o que tinha na mão direita e que era "um pequeno saco contendo haxixe” (fls. 6 da sentença constante da plataforma “citius”). 6. Tal conclusão pode ser alcançada não só pela audição daqueles depoimentos como inclusive das partes dos mesmos transcritas nas alegações de recurso do recorrente, acima devidamente indicadas e para onde se remete. 7. Assim, forçoso é concluir que os agentes viram o arguido a propor o estupefaciente (embalado para venda) que tinha na mão a terceiro e que a transação apenas não se concretizou porque aquela pessoa não pôde receber o mesmo mercê da imediata intervenção da PSP que a impediu. 8. Assim, os factos têm necessariamente de ser fixados nos termos em que o foram devendo considerar-se os elementos do tipo preenchidos uma vez que o ilícito em causa é integrado, entre outras, pelas condutas de “oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder […] proporcionar a outrem.” (art.º 21.º e 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro). 9. Resulta ainda do auto de apreensão e das declarações das testemunhas que o arguido detinha € 90,00 (noventa euros) divididos em oito notas do BCE de pequeno montante escondidas na sua sapatilha. 10. O local onde estava dissimulada aquela quantia, a divisão da mesma em notas de pequeno valor, o facto de não haver concreta explicação para a detenção daquele montante leva a que seja adequada a fixação da matéria de facto nos termos acima indicados tanto quanto ao destino do estupefaciente como à proveniência do dinheiro. 11. Uma vez que o estupefaciente apenas tem préstimo para ser transacionado ou consumido, pois não dispõe de outra utilidade ou valor intrínseco, entendemos que, mercê de tudo o acima explanado, a prova e as regras da experiência levam à conclusão plasmada na decisão recorrida. 12. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2023, de 9 de junho, in diariodarepublica.pt, fixou jurisprudência uniformizadora, nos seguintes termos: “As declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com respeito pelo disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento”. 13. Não tendo nenhum dos intervenientes processuais, incluindo o arguido, requerido a reprodução das declarações produzidas em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, verificamos que estas não vieram a ser reproduzidas em audiência de julgamento pelo que não podia o tribunal valer-se delas. 14. Em conformidade, os factos dados como provados foram-no devidamente por tal ter resultado da produção de prova realizada em audiência de julgamento, devida e corretamente valorada sendo que a prova indicada nas alegações de recurso não tem a virtualidade de pôr em causa a matéria de facto provada. 15. Ao dar como provados aqueles factos não foram violadas quaisquer regras da experiência, não se retiraram conclusões ilógicas, contraditórias, arbitrárias e inaceitáveis da prova produzida nem se violaram regras sobre prova vinculada pelo não assiste razão ao recorrente devendo a matéria de facto ser mantida nos termos fixados na sentença. 16. Entende o recorrente que foi violado o princípio in dubio pro reo. Ora o referido princípio apenas é utilizado em caso de dúvida insanável ou contradição inultrapassável entre as versões apresentadas nos autos. 17. Se o julgador apesar das diferentes versões consegue chegar a uma conclusão que pode ser sustentada por uma maior credibilidade de uma testemunha ou de uma cadeia de ocorrências não lançará mão do princípio do in dubio pro reo, que apenas deve ser chamado a dirimir dúvidas que o julgador não consegue, mesmo apreciando, toda a prova e apelando às regras da experiência, resolver a favor ou contra a versão do arguido. 18. Da leitura da decisão recorrida não verificamos qualquer dúvida insanável suscetível de desembocar na aplicação do referido princípio e, analisada toda a prova disponível, verificamos dever entender-se que resultaram provados factos que preenchem, na íntegra, os elementos do tipo de ilícito pelo qual foi o arguido condenado. 19. Assim, não se vislumbra de que modo a decisão recorrida violou o suprarreferido princípio. 20. Vem o recorrente ainda invocar que a decisão padece do vício de falta de fundamentação. 21. De facto, uma decisão judicial tem de ser fundamentada, todavia a extensão e o modo de fundamentar a mesma poderão variar pois o essencial é que o seu destinatário a perceba. 22. A falta de fundamentação retirar-se-á da leitura da decisão se desta não constarem os elementos relevantes à tomada da mesma bem como ao conhecimento do processo de formação da convicção do tribunal. 23. Apreciada a decisão recorrida verifica-se que a fundamentação da mesma é adequada pois resultam claros os motivos de facto e direito que levaram o tribunal a proferir a decisão condenatória sendo possível, da leitura da mesma, perceber o raciocínio efetuado e resultando esclarecidos os motivos que levaram à interpretação da prova produzida nos termos em que o foram. 24. Da leitura da decisão também é possível apreender como foi aplicado o direito aos factos sendo esclarecido de modo compreensível o motivo dos factos terem sido considerados típicos, o modo como as condutas dadas como provadas preenchem os elementos do tipo sendo percetível o porquê da condenação do recorrente pelo crime em causa. 25. Em conformidade, com os argumentos acima elencados, entende-se não assistir razão ao recorrente devendo ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. 4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, sendo em síntese nos seguintes termos: A sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada, encontrando-se os factos dados como provados, designadamente os postos em causa pelo recorrente (factos 3, 4 e 5) sustentados na declarações prestadas pelos agentes policiais BB e CC em julgamento que afirmaram terem visto o arguido a oferecer a alguns transeuntes o produto estupefaciente que veio a ser apreendido, nos autos de notícia por detenção (fls.2 a 3) e de apreensão (fls7), dos quais resulta que o arguido, ao ser detetado pelos agentes se pôs em fuga, vindo a ser detido, na posse do produto estupefaciente e de 90 euros divididos em 8 notas, uma de 20 euros e sete de 10 euros, escondidas na sua sapatilha. Também não tem qualquer razão o recorrente, quando alega que deveriam ter sido valoradas as declarações por si prestadas em sede de primeiro interrogatório, quando alegou que o produto era exclusivamente para seu consumo, uma vez que o próprio arguido não requereu a sua reprodução em sede de audiência de julgamento (nem qualquer outro sujeito processual), pelo que não poderiam ser valoradas, nos termos da jurisprudência uniformizadora do acórdão do STJ n.º5/2003, de 9/6. Finalmente, o princípio in dúbio pro reo, não tem aqui aplicação, uma vez que não se suscita qualquer dúvida conforme resulta claro da sentença recorrida. Nesta conformidade, a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo ou censura. 5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. * II – Fundamentação 1. Objeto do recurso De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do mesmo diploma legal. No caso concreto, conforme as conclusões da respetiva motivação, cumpre apreciar as seguintes questões: • Impugnação da matéria de facto (erro na apreciação da prova): factos provados em 3, 4 e 5, por via de interpretação diversa das declarações das testemunhas e levando em conta as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial; • Violação do princípio in dubio pro reo; • Falta de fundamentação da sentença. 2. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. No dia ... de ... de 2020, o arguido AA encontrava-se na ..., em …. 2. Nas referidas circunstâncias, o arguido tinha consigo o seguinte: -Quatro embalagens que continham canábis (folhas e sumidades floridas), com o peso liquido de 4,746, g; -Uma embalagem que continha canábis (resina), com o peso liquido de 2,864 g; - A quantia de € 90,00. 3. A referida quantia monetária foi entregue ao arguido em troca de produtos estupefacientes. 4. O arguido agiu com o propósito concretizado de ter consigo os mencionados estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conhecia, com o fito de os entregar a terceiros a troco do recebimento de quantias monetárias. 5. O arguido actuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 6. O arguido é o segundo filho mais velho de uma fratria de sete irmãos, e o seu desenvolvimento decorreu no seio de uma família de baixo extrato socio económico, que habitava num bairro de auto construção em ..., em precárias condições habitacionais. O pai como ... e a mãe, como …, asseguravam com dificuldade a sustentabilidade do agregado, não exercendo também neste contexto de vida, uma supervisão e acompanhamento adequados do quotidiano dos descendentes. 7. A família manteve-se a viver nestas condições habitacionais até ser realojada num bairro social da ..., quando o arguido tinha cerca de 14 anos de idade. 8. Neste contexto de vida, o percurso escolar do arguido revelou-se pouco funcional, marcado por absentismo e desmotivação. 9. Nessa fase já apresentava um estilo de vida socialmente desviante, caracterizado por uma forte conotação ao grupo de pares, junto dos quais registou consumos de estupefacientes e práticas ilícitas, as quais motivaram o seu contacto precoce com o sistema de Justiça Tutelar. Cumpriu uma medida de internamento educativo entre os 16 e 18 anos de idade no ..., segundo o próprio, por crimes de furto. 10. Durante o período de internamento, manteve algum isolamento familiar, com visitas pontuais apenas de um irmão, já que a mãe veio a falecer nesse período. Manteve, contudo, alguma motivação a nível escolar, tendo concluído o 7º ano de escolaridade, integrado com cursos de formação. 11. Após o fim da medida, reintegrou o agregado familiar de origem, trabalhou em regime temporário no ... e estabeleceu uma relação afectiva, autonomizando-se da família. Residiu durante alguns anos com esta companheira até a mesma emigrar para ..., exercendo a nível laboral trabalhos temporários na …. 12. Na morada de família, para onde retornou, o pai veio entretanto a falecer, ficando a viver juntamente com dois irmãos, numa situação de precariedade económica, já que apenas um deles se encontrava laboralmente activo. Mantinha um estilo de vida assente no consumo de haxixe, no convívio com pares com o mesmo estilo de vida. A nível afectivo regista igualmente outros relacionamentos temporários e dois filhos resultantes dessas relações. 13. Durante o cumprimento da pena de 5 anos e 8 meses de prisão que cumpriu pelo crime de tráfico de estupefacientes, a que infra é feita menção, o arguido sofreu medidas disciplinares por posse de telemóvel e estupefacientes, evidenciando dificuldades de adequação comportamental ás normas e regras institucionais. 14. Contou igualmente com fraco apoio familiar, por parte dos irmãos. 15. E quando, no ano de 2016, foi libertado, foi reintegrar o agregado familiar dos irmãos. 16. Em liberdade, o arguido dispunha de algumas condições de suporte externo, nomeadamente habitação social, ocupada á data por três irmãos, encontrando-se os restantes em ..., emigrados. O arguido manteve as mesmas dificuldades de empregabilidade, por se encontrar sem documentos que o legalizavam no país. Continuou assim a trabalhar em regime temporário e sem contratos legais, obtendo recursos irregulares, os quais dificilmente faziam face ás despesas. Só veio a regularizar a sua situação documental em 2021, na sequencia da qual conseguiu um contrato de trabalho de 6 meses, na empresa ...». 17. O arguido manteve ainda duas relações afectivas das quais teve mais dois filhos, tendo vivido em união de facto com a ultima companheira até um período recente. Passou a conviver regularmente com os dois filhos mais velhos, residentes no mesmo bairro, e com o mais novo, após a separação da mãe, de forma quinzenal, aos fins de semana. O pagamento da pensão de alimentos aos filhos constituiu uma dificuldade acrescida para prover. 18. Contudo, o arguido continuou a ter consumos regulares de haxixe e a frequentar meios de consumo e tráfico de estupefacientes. 19. Os hábitos aditivos e de convívio com os pares na zona residencial, constituem factores de risco relevantes, tal como a instabilidade económica e laboral que caracterizou o percurso vivencial do arguido, até ter obtido a legalização no país. 20. Actualmente, o arguido encontra-se em cumprimento da pena de 2 anos de prisão, a que é feita referencia infra, não registando, no decurso do cumprimento da mesma, infrações disciplinares. A nível familiar conta actualmente com o suporte de um irmão, que o visita regularmente. 21. O arguido reconhece a necessidade de se afastar do meio socio residencial onde tem as principais referencias de amizade, tendo assim como projecto futuro, emigrar para ..., onde vive uma irmã com família constituída que o pode apoiar, bem como uma antiga namorada, com a qual tem a expectativa de retomar um relacionamento futuro. 22. O arguido tem as seguintes condenações averbadas no respectivo Certificado de Registo Criminal: - foi condenado, por sentença datada de 07/03/2005, transitada em julgado a 22/03/2005, pela prática, em 22/11/2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena 90 dias de multa á taxa diária de € 2,50, o que perfaz € 225,00, a que corresponde 60 dias de prisão subsidiária; - foi condenado, por sentença datada de 21/01/2009, transitada em julgado a 20/02/2009, pela prática, em 23/12/2008, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena 150 dias de multa á taxa diária de € 5,0, o que perfaz € 750,00; - foi condenado, por sentença datada de 29/04/2009, transitada em julgado a 13/10/2009, pela prática, em 04/04/2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena 150 dias de multa á taxa diária de €7,0, o que perfaz € 1.050,00. Por despacho datado de 12/09/2011, a multa foi substituída por 100 dias de prisão subsidiária. A prisão subsidiária foi declarada extinta pelo respectivo cumprimento; - foi condenado, por acordão datado de 24/05/2011, transitado em julgado a 24/06/2011, pela prática, em 01/09/2010, de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena 5 anos e 8 meses de prisão efectiva. Por despacho datado de 28/03/2019, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, foi declarada extinta, pelo respectivo cumprimento, a mencionada pena de 5 anos e 8 meses de prisão efectiva; - foi condenado, por sentença datada de 02/07/2010, transitada em julgado a 30/09/2011, pela prática, em 19/05/2008, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. no art. 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena 1 ano e 3 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 3 meses. Por despacho datado de 06/07/2014, foi julgada extinta a pena nos termos do art. 57.º, do Cód. Penal; - foi condenado, por sentença datada de 09/01/2020, transitada em julgado a 10/02/2020, pela prática, em 04/12/2018, de um crime de consumo de estupefacientes, p.p. no art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena 80 dias de multa á taxa diária de € 5,00, o que perfaz € 400,00; - foi condenado, por sentença datada de 03/12/2021, transitada em julgado a 19/09/2022, pela prática, em 03/10/2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. no art. 25.º, do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena 2 anos de prisão efectiva; - foi condenado, por sentença datada de 02/02/2022, transitada em julgado a 04/03/2022, pela prática, em 11/03/2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. no art. 25.º, do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com subordinação a regime de prova. 2.2. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (…) O tribunal fundou a sua convicção, quanto á factualidade dada como demonstrada, com base na apreciação global e critica do conjunto da prova produzida, á luz das regras da experiência e da lógica comuns, tendo sido tido em conta o auto de noticia por detenção de fls. 2 a 3 v°, o auto de apreensão de fls. 7 e v°, e o teste rápido de fls. 10 e a fotografia de fls. 8. Do auto de apreensão resulta que, no dia .../.../2020, foram apreendidas ao arguido quatro embalagens de plástico contendo 3,37 gramas de um produto suspeito de ser haxixe, quatro embalagens de plástico contendo 6,38 gramas de um produto suspeito de ser liamba, e numerário no montante global de 90,00 €, composto por uma nota de € 20,00 e sete notas de € 10,00 cada uma. Quanto á quantidade e qualidade do produto estupefaciente em causa, atendeu-se, ainda, para além do auto de apreensão e do teste rápido, já referenciados, ao exame toxicológico de fls. 171. Tudo isto foi devidamente conjugado com os depoimentos dos agentes da PSP, BB e CC. A testemunha BB, agente da PSP, explicitou que, na data dos factos, quando se encontrava na ..., em …, observou o arguido a mostrar algo que tinha na mão direita a dois indivíduos. Referiu que se encontrava com CC, agente da PSP, ambos no exercício de funções. Acrescentou que, na ocasião, ao aperceber-se da presença de agentes da PSP no local, o arguido tentou esconder o que tinha na mão direita, fechando a mão, e esboçou fuga, afastando-se do local, tendo, contudo, sido interceptado pelo agente da PSP CC. O agente da PSP BB disse ter abordado os referidos indivíduos que estavam com o arguido. Acrescentou que, nessa altura, o arguido mostrou aos agentes da PSP que tinha na mão direita um pequeno saco contendo haxixe, tendo, de seguida, sido efectuada revista ao arguido, no decurso da qual foram ainda encontrados na posse do arguido, mais pequenos sacos contendo haxixe e ainda pequenos sacos contendo liamba, e ainda o montante de 90,00 € em numerário, que o arguido ocultava no interior da sua sapatilha esquerda, tudo levando a crer que o dinheiro, distribuído por um total de oito notas e oculto na sapatilha do arguido, foi obtido por este na actividade do tráfico de estupefaciente. A testemunha BB explicitou ter procedido á apreensão do estupefaciente e do montante de € 90,00. A testemunha BB foi confrontada em audiência de julgamento com o auto de noticia por detenção de fls. 2 a 3 v°, e com o auto de apreensão de fls. 7 e v° , tendo adiantado que os mesmos foram por si elaborados, tendo confirmado o respectivo teor. O depoimento testemunhal do agente BB foi, no essencial, corroborado pelo depoimento testemunhal do agente da PSP CC, que tomou parte na ocorrência. O agente da PSP CC referiu que ele e o agente da PSP BB se encontravam uniformizados. As testemunhas BB e CC lograram descrever a dinâmica da actuação do arguido, de forma que se ajuizou de credível, tendo ambos presenciado a factualidade que relataram em tribunal, o que fizeram de forma congruente, sem discrepâncias e sem qualquer outro desígnio que não o de colaborar com o tribunal na descoberta da verdade dos factos, motivo pelo qual nos mereceram credibilidade. O arguido remeteu-se ao silêncio, relativamente ao objecto da acusação, direito que processualmente lhe é conferido, de maneira que em nada contribuiu para o apuramento dos factos. O tribunal socorreu-se de uma presunção natural no que tange aos factos subjectivos constantes dos pontos 4., e 5., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos. Quanto ás condições pessoais do arguido, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações do próprio e no relatório social para julgamento junto aos autos, elaborado pela DGRSP. No que respeita aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal sedimentou a sua convicção no CRC do arguido, com data de emissão de 19/12/2023. (…) * 3. Apreciando Independentemente da ordem pela qual o recorrente suscita as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras. Assim, cumpre em primeira linha tratar da última das questões suscitadas pelo recorrente, a saber, da nulidade da sentença por falta de fundamentação. Por força do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP, sobre os requisitos da sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Como é sabido, fundamentar é justificar, apresentar as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro. E esta fundamentação abarca quer a decisão incidente sobre os factos quer a solução jurídica encontrada e aplicada. Em suma, implica tornar possível sindicar a bondade da decisão recorrida. Porém, fundamentar não significa autonomizar exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do preceito em análise por referência à expressão “concisa” aí contemplada. Dito de outra forma, apenas a absoluta falta de fundamentação constitui nulidade. Ora, analisada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância, e que acima deixámos transcrita, afigura-se-nos não assistir razão ao recorrente, sendo a mesma tudo menos insuficiente, não suscitando quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio percorrido. Assim, e pese embora o recorrente não o considere, certo é que o tribunal a quo analisou criticamente todos os elementos de prova relevantes, explanando a sua convicção quanto à credibilidade daquilo que lhe foi dado a julgar e que de facto importa. Com efeito, resulta da respetiva fundamentação de que forma foi obtido o raciocínio quanto à atividade do arguido, concretamente, por interpretação conjugada dos autos de notícia por detenção e de apreensão, teste rápido, fotografia, exame toxicológico, depoimentos dos agentes da PSP, BB e CC, relatório social elaborado pela DGRSP e CRC do arguido. Resulta, pois, da fundamentação em análise que o tribunal a quo cumpriu escrupulosamente as exigências previstas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, o que não equivale a ter conformado a sua valoração de acordo com os argumentos aduzidos pelo recorrente, mas antes de acordo com a factualidade tida como assente que bem explicita e pormenorizada está. Nessa medida, julgamos não verificada a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, improcedendo o recurso nesta parte. * Questão diversa é a discordância quanto ao raciocínio devidamente explanado, a qual corresponderá a impugnação sobre a matéria de facto. Efetivamente, veio o recorrente contestar a decisão sobre a matéria de facto, uma vez que, na sua perspetiva, mostram-se incorretamente julgados os factos provados em 3, 4 e 5. Os factos são os seguintes: 3. A referida quantia monetária foi entregue ao arguido em troca de produtos estupefacientes. 4. O arguido agiu com o propósito concretizado de ter consigo os mencionados estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conhecia, com o fito de os entregar a terceiros a troco do recebimento de quantias monetárias. 5. O arguido actuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias: - com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»); - ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato). Quanto aos vícios (impugnação em sentido estrito) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova -, sendo de conhecimento oficioso, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à sua verificação na sentença/acórdão e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426.º, n.º 1 do CPP). Quanto à segunda modalidade (impugnação em sentido lato), impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que o recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada. Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a colmatar erros de procedimento ou de julgamento. Se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que o recorrente na indicação das concretas provas torne percetível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida. Ora, no caso concreto, pese embora o recorrente identifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não dá integral cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, na medida em que não indica qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa da sentença recorrida. Com efeito, não invoca a recorrente em seu apoio meios de prova que não tivessem sido considerados pelo tribunal a quo, mas antes questiona a avaliação que o tribunal fez daqueles, ou seja, aquilo que efetivamente resulta das conclusões do recurso é, tão só, a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que é manifestamente insuficiente face à livre apreciação do julgador - art. 127.º do CPP. Em boa verdade, para além de não se verificar a ocorrência de qualquer vício, não se vislumbra que tenha tido lugar um erro de julgamento, mas antes se constata que nunca o tribunal a quo poderia ter acolhido a tese do arguido, porquanto a mesma desconsidera as regras da experiência comum conjugada com a prova produzida, procurando impor a sua visão dos factos. É que também nós procedemos à audição dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelos agentes BB e CC, de onde retiramos que aquilo que o arguido tinha na mão (produto estupefaciente) e exibiu a dois indivíduos, era para venda e não para o seu consumo pessoal, o que é consentâneo com a matéria tida como assente em 3, 4 e 5, sem prejuízo de, naquele caso particular, a transação não ter sido concretizada em razão da intervenção policial. Verdadeiramente, aquilo que se verifica é que o tribunal recorrido procedeu a uma correta interpretação da prova que lhe foi dada a apreciar, o que resulta expressamente da fundamentação da sentença recorrida que “supra” se transcreveu, sendo ainda evidente que o arguido, ao se remeter ao silêncio, em nada contribuiu para a descoberta da verdade material. Com efeito, não assume agora significado ter o arguido, em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, afirmado ou não que o produto estupefaciente fosse para seu consumo. Deveras, mesmo que tal tivesse a virtualidade de colocar em crise o sentido da factualidade tida como assente, não tendo essas declarações sido reproduzidas ou lidas nos termos processualmente exigidos, sempre estaria vedado ao tribunal recorrido alicerçar a sua convicção factual nessas declarações por tal constituir verdadeira proibição de prova. Ou seja, tendo o arguido, em audiência de julgamento, optado por se remeter ao silêncio, “a circunstância de o tribunal recorrido não ter determinado oficiosamente a leitura de tais declarações, prestadas perante juiz, sugere que as desconsiderou por delas ter extraído a sua irrelevância, em termos de fundamentação da matéria de facto” (neste sentido, Acórdão de 2024.07.02, desta mesma 5ª secção, proferido no âmbito do Processo n.º 112/22.0SMLSB.L1-5). Desse modo, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, formou o tribunal recorrido a sua convicção de acordo com a globalidade da prova produzida, segundo critérios lógicos, objetivos e em obediência às regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do CPP, pelo que o resultado do processo probatório levaria, sem qualquer margem para dúvidas, às conclusões obtidas. Destarte, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que o arguido recorrente pretende ver como não provados não merece qualquer censura, uma vez que não foi obtido através de provas ilegais ou proibidas, ou contra as regras de experiência comum, ou sequer afronta o princípio in dubio pro reo, nos termos que ainda são sugeridos pelo recorrente. É que o princípio em questão tem efetiva relevância e aplicação no domínio da apreciação da prova. Porém, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, apenas será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido. Assim considerando, a violação desse princípio apenas tem lugar quando, num estado de dúvida insanável, o tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido. Sem prejuízo, a sua eventual violação tem de resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, só podendo ser sindicada, conformando a sua violação uma autêntica questão de direito, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. No caso concreto, não resulta do texto da decisão recorrida que a 1ª instância tenha ficado com qualquer dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra o recorrente. Acresce que tendo sido interposto recurso sobre a matéria de facto, e não se tendo verificado, como já se escreveu, qualquer erro de apreciação da mesma, a dúvida apenas subsiste para o arguido recorrente, não sendo partilhada nem por nós nem pelo tribunal a quo. Nestes termos, também neste particular o recurso improcede. Mostra-se, pois, definitivamente fixada a matéria de facto, sendo evidente a impossibilidade de a mesma poder compreender, nos termos ainda aflorados pelo recorrente, o tipo a que alude o art. 26.º (traficante-consumidor) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, na medida em que a mesma não traduz qualquer finalidade em conseguir plantas, substâncias ou preparados para uso pessoal. Ao invés, é a mesma manifestamente integradora do tipo legal pelo qual o arguido surge condenado, que se preenche, para além do mais, pelas condutas de “oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder […] proporcionar a outrem” (art. 21.º e 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro). Por conseguinte, decai, de igual modo, o fundamento incluído neste segmento do recurso e com ele totalmente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s. Notifique. * Lisboa, 18 de fevereiro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Ester Pacheco dos Santos Ana Cristina Cardoso Alexandra Veiga |