Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
529/24.5PEAMD-B.L1-5
Relator: ALEXANDRA VEIGA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são medidas coativas subsidiárias aplicadas quando se revelem inadequadas e insuficientes as restantes medidas cautelares e devem ser entendidas no contexto dos direitos fundamentais como de último ratio e excecionais. Estas duas últimas medidas têm repercussão a nível familiar social e profissional, daí que seja importante o conhecimento da situação económica familiar profissional e familiar do arguido. Convocando o despacho do qual se recorre todos os arguidos cuja prisão preventiva se reclama estão inseridos familiar e profissionalmente, sem antecedentes criminais.
II. Para acautelar o único perigo subsistente com o regresso dos arguidos às respetivas residências (o de continuação da atividade criminosa), sem que tenham ocorrido novas abordagens e decorridos mais de nove meses desde a data dos factos indiciados, parece-nos acertada a decisão do Tribunal a quo quando para além do TIR sujeita os arguidos a apresentações diárias (art. 198.º do Código de Processo Penal) e proibição de contactos por qualquer meio com os ofendidos (art. 200.º do Código de Processo Penal) sendo adequadas para obviar aos perigos em concreto enunciados
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
No processo n.º 529/24.5PEAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Instrução Criminal da Amadora- foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«Julgo válida a detenção dos arguidos, efectuada a coberto de mandados emitidos pela autoridade judiciária e tempestiva a sua apresentação em juízo – artigos 254.º n.º1 al a) e 257.º, n.º 1 todos do C.P.P..
Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos dos factos narrados no despacho de apresentação, para o mesmo se remetendo, por razões de economia e celeridade processuais, igualmente o fazendo quanto aos meios de prova aí e supra elencados.
Mais se indiciam os seguintes factos:
Os arguidos AA, BB e CC não averbam condenações anteriores.
O arguido DD sofreu já duas condenações, em 2023 e em 2024, pela prática, em ambas as situações, dos crimes de condução de veículo sem habilitação legal e em estado de embriaguez, em penas de multa.
O arguido EE sofreu já condenações pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal, 10 crimes de roubo, 1 crime de furto, 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, 1 crime de ofensa à integridade física simples, 5 crimes de evasão e 1 crime de detenção de arma proibida.
Desde 6-11-2023 e até 15-10-2024 esteve no período da liberdade condicional no processo nº 1026/14.2 TXLSB-J, desconhecendo-se decisão final.
O arguido EE é ..., auferindo 200,00 € semanais.
Aufere 1100,00 € de prestações estaduais.
Vive com companheira e 3 filhos menores.
O arguido DD é ....
Vive com a companheira e 2 filhos menores.
É ... auferindo 200,00 € semanais.
Aufere 550,00 € de prestações estaduais.
Suporta 28,00 € de renda.
O arguido AA é ..., auferindo 220,00 € semanais.
Aufere 500,00 € de prestações estaduais.
O arguido BB é ..., auferindo 150,00 € semanais.
Vive com companheira e 2 filhos menores.
Aufere 450,00 € de prestações estaduais.
Suporta 17,00 € de renda.
O arguido CC é comerciante, auferindo 200,00 € semanais.
Vive com companheira.
Aufere 300,00 € de prestações estaduais.
Suporta 20,00 € de renda.
Indiciam assim os autos a prática pelos arguidos - em co-autoria- oito crimes de Homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 131º, 132.º, n.1 e n.º 2, al. e) e h) todos do Código Penal e 86º, nº 3 da Lei das Armas;
- cada um dos arguidos um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 3.º, n.º 4, al. a) e n.º 5, al. h) e i) da Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovada pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as devidas alterações.
*
No presente interrogatório apenas o arguido AA quis prestar declarações, negando qualquer participação nos factos, apenas referindo que na madrugada em que os factos tiveram lugar, nasceu o seu filho mais novo, tendo ido à maternidade visitar a mãe e o bebé, durante a parte da tarde. Questionado não logrou precisar a data de nascimento de seu filho, igualmente não tendo junto qualquer documento nesse sentido.
Os restantes arguidos, como o arguido AA, relataram as suas condições de vida, que o Tribunal elencou como devidamente indiciadas. Os CRC’s dos arguidos quanto às condenações anteriores ou a sua ausência.
Os testemunhos dos ofendidos e demais testemunhas, compilados nos autos e referenciados no despacho de apresentação de na promoção de aplicação de medida de coacção, são bem prementes na colocação dos arguidos, todos, devidamente identificados por seus nomes e/ou alcunhas, referindo-se ainda os disparos efectuados por estes.
A circunstância de, quanto ao arguido BB, haver a referência a uma pistola e a uma caçadeira, admite-se que possa ter que ser melhor esclarecida, mas também não faz ao Tribunal enfrentar dúvidas, posto que poderá até ter portador/disparado de ambos os tipos de armas, porque as detinha consigo, ou tomando uma delas aos restantes co-autores dos factos no momento em que tiveram lugar.
Ao invés do defendido pela Distinta Defesa, mesmo os testemunhos logo inicialmente tomados, a fls. 98 a 152, colocam os arguidos na realização dos factos, claramente referindo estas testemunhas que os mesmos anunciaram que matariam, logo se seguindo, no imediato, a execução dos disparos, ainda que estas testemunhas, antes dos disparos, não tenham visto as armas nas mãos dos arguidos, tendo se resguardado mais para o interior da residência ou descido os estores, mas logo se seguindo os disparos e a necessidade de socorro dos feridos.
Nos testemunhos mais adiante prestados nos autos, mantêm e pormenorizam os factos e a actuação de cada um dos arguidos.
Aliás, nos recentes reconhecimentos presenciais efectuados, as testemunhas vítimas mantêm o dito, ainda que em resumo, e reconhecem/identificam os autores, os arguidos dos factos.
Assim, o argumento aduzido pela Distinta Defesa não procede neste aspecto.
É preponderante e primordial o acervo da prova testemunhal e dos reconhecimentos presenciais efectuados.
Esta é complementada pelos autos de apreensão de caçadeira e de munições, de inspecção de fls. 37-65, de diligência de fls. 85-89 e informação de fls. 152.
Os relatórios periciais e toda a documentação, designadamente clínica e fotografias.
Não se olvida que a contenda sucedeu, ao que resulta dos autos até ao momento, crendo-se que os arguidos, no essencial não tendo prestado declarações quanto aos factos, o possam ainda querer fazer, requerendo-o ao M.P., para além das diligências probatórias pertinentes à sua defesa, como já aventadas, como exames/perícias de (percurso) balística e danos plausíveis com as mesmas, entre duas famílias em contexto de pós contenda física entre membros de ambos os lados.
Porém, resulta seguro dos autos que foram os arguidos que iniciaram e procuraram o confronto com os ofendidos nas suas residências, terminado que estava o confronto inicial num estabelecimento de café.
Nesta conformidade, é de manter, neste momento, quer os factos, quer os crimes, como supra se referiram fortemente indiciados.
Contudo, ainda que por ora se mantenha a indiciação efectuada pelo M.P., melhor haverá que apurar o concreto enquadramento e desenrolar dos factos, bem como, a participação mais detalhada de cada um dos arguidos, na sequência das diligências de prova ainda a realizar, designadamente por requerimento dos arguidos.
No conspecto dos perigos a salvaguardar, concordamos com a imperiosa necessidade de evitar a continuação da actividade criminosa, de garantir a salvaguarda da produção e manutenção da prova, bem como de evitar maior alarme social.
Os factos revestem muito elevada gravidade, não só relativamente aos ofendidos, como quanto aos restantes cidadãos, sobretudo os restantes residentes no local, apenas por mera sorte não atingidos nas circunstâncias dos factos, o que demanda, também, a consideração do perigo de grave perturbação para a ordem e a tranquilidade públicas.
É de obviar que os arguidos possam dirigir agora vingança sobre os ofendidos, que tão recentemente vieram reconhecer os arguidos, ou seja, a continuação da actividade criminosa, bem como, a garantia da conservação da prova.
Relativamente ao perigo de fuga, é evidente quanto ao arguido que, à data dos factos, se encontrava na situação de liberdade condicional, inclusivamente tendo sido condenado pela prática de crimes de evasão – EE.
Relativamente a todos os arguidos, concedemos à Defesa dos mesmos, poderá considerar que se afastaram do local dos factos para evitar outros e maiores confrontos, como, também defendido pelo M.P., para obviar à actividade judiciária relativamente às suas pessoas.
Porém, resulta de fls. 353 que a partir de 3-9-2024 os arguidos tornaram às suas residências.
Relativamente aos requerimentos que os Distintos Defensores referiram ter dirigido aos autos, no sentido de pretenderem colaborar com a autoridade policial, dos mesmos averiguará o M.P., se o entender.
Julgamos mitigado o perigo de fuga quanto aos restantes arguidos, para além de EE.
Relativamente a todos os perigos, não obstante, não podemos olvidar o decurso do tempo desde então, sem notícia de novas abordagens.
Tudo visto o que antecede, optamos por em obediência aos ditames da adequação, proporcionalidade, adequação e actualidade, vista a gravidade dos factos, os perigos a garantir e as penas previsivelmente a aplicar, pelo seguinte estatuto coactivo:
- TIR;
- Prisão preventiva, o arguido EE;
- Obrigação de apresentações periódicas diárias, até às 10h, junto do O.P.C. da área de residência, os restantes arguidos;
- Proibição de contactos com os ofendidos, todos os arguidos.
Tudo ao abrigo do disposto nos arts. 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, 198.º, 200º, nº 1, al. d), 202º, nº 1, als. a), b) e e) e 204.º, nº 1, alíneas a), b) e c) todos do C.P.P.»
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Não se conformando, deste despacho recorreu o ..., concluindo nos seguintes termos:
No dia 19.12.2024, procedeu-se a primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos BB, CC, AA e DD (bem como do arguido EE), imputando-lhes factualidade suscetível de integrar a prática de, em co-autoria, oito crimes de Homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 131º, 132.º, n.1 e n.º 2, aí. e) e h) todos do Código Penal e 86º, nº 3 da Lei das Armas; e a cada um dos arguidos, um crime de Detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, ai. c), com referência ao artigo 3.º, n.º 4, al. a) e n.º 5, al. h) e i) da Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovada pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as devidas alterações.
1. Por decisão proferida em 19.12.2024, pela Meritíssima Juíza de Instrução foram aplicadas aos arguidos BB, CC, AA e DD, para além do TIR, as medidas de coação de Obrigação de apresentações periódicas diárias, até às 10h, junto do OPC da área de residência, e Proibição de contactos com os ofendidos, tudo ao abrigo o disposto nos arts. 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, 198º.2, 200, n2 1, al d), e 204.2, nº 1, alíneas a), b) e c) todos do C.P.P.
2. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, o ... promoveu a aplicação aos arguidos BB, CC, AA e DD (bem como do arguido EE) em face da factualidade fortemente indiciada a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, para além da medida de proibição de contactos por qualquer meio com os ofendidos, por ser a única medida de coação que acautela os perigos que no caso concreto se fazem sentir.
3. A Douta Decisão em crise proferida em 19.12.2024, entendeu que "Indiciam fortemente (sublinhado nosso) os autos a prática pelos arguidos dos factos narrados no despacho de apresentação, para o mesmo se remetendo, por razão de economia e celeridade processuais, igualmente o fazendo quanto aos meios de prova aí e supra elencados.
e
"Indiciam assim os autos a prática pelos arguidos
em co-autoria, oito crimes de Homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 131º, 132.º, n.1 e n.º 2, al. e) e h) todos Código Penal e 86º, nº 3 da Lei das Armas;
cada um dos arguidos um crime de Detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 3.º, n.º 4, al. a) e n.º 5, al. h) e i) do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovada pela Lei n.º 5/2006, de 23 e Fevereiro, com as devidas alterações." - Página 11 da Decisão recorrida.
4. Em suma, resulta fortemente indiciado nos autos que no dia ... de ... de 2024, no período da tarde, os arguidos BB, AA, EE, DD e CC posicionaram-se nas janelas das residências sitas na ..., a nível do ..., em ..., de frente ao imóvel dos ofendidos, previamente e munindo-se de armas de fogo, aptas a disparar munições de calibre 6,35mm e .12 m e que, nessa ocasião, efectuaram um número não concretamente apurado de disparos, visando atingi-los no corpo;
• que tais disparos, num primeiro momento atingiram FF no seu corpo, o qual se aproximou da janela da sua residência, caindo prostrado no solo, e posteriormente os ofendidos GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, os quais foram também atingidos nos seus corpos, vindo todos a receber tratamento médico;
• que os disparos efectuados pelos arguidos BB, AA, EE, DD e CC lograram atingiram o corpo dos ofendidos, não tendo conseguido os seus intentos de retirar a vida dos mesmos, por razões alheias à vontade dos arguidos e porque os ofendidos fecharam as janelas e refugiaram no solo da residência.
5. Aos crimes de Homicídio qualificado, na forma tentada e de Detenção de arma proibida pelos quais os arguidos se encontram fortemente indiciados, é aplicável a medida de coação de prisão preventiva, nos termos do artigo 202.º, n.º1, ai. a), b) e e) do Código de Processo Penal.
6. A Decisão proferida pela Meritíssima Juíza de Instrução entendeu verificarem-se os elevados perigos do artigo 204.º, n.º1, ai. a), b) e c) do Código de Processo Penal, nomeadamente o perigo de fuga, para a conservação prova, continuação da actividade criminosa ou perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas.
7. As medidas de coação aplicadas aos arguidos BB, CC, AA e DD não acautelam os perigos concretos que no caso se fazem sentir e elencados na Douta Decisão proferida em 19.12.2024 e que os mesmos apenas são acautelados com a aplicação aos arguidos da medida de coação de Prisão Preventiva.
8. O crime de Homicídio qualificado, na forma tentada, e o crime de Detenção de arma proibida, nos termos em que as referidas armas foram utilizadas pelos arguidos, é motivo de enorme e profundo alarme social, não só pela natureza violenta dos factos fortemente indiciados, como também na comunidade em geral e mormente no ... onde os factos ocorreram, sobejamente conhecido no Município ..., como sendo uma Zona Urbana Sensível com elevado índice de criminalidade em que se instala um sentimento de impunidade, caso o Tribunal não adopte medidas adequadas a reprimir tais condutas ilícitas.
9. As circunstâncias em que foram os factos praticados, nomeadamente as desavenças familiares que motivaram a sua prática é demonstrativa de um grau elevadíssimo de animosidade e da personalidade dos arguidos na prática dos factos indiciados que revestem elevada gravidade, sendo forte o perigo e continuação da actividade criminosa.
10. Pelo que ao ter aplicado as medidas de coação que aplicou aos arguidos BB, CC, AA e DD, violou a Meritíssima Juíza de Instrução o artigo 193.º do Código de Processo Penal, na medida em que o estatuto coactivo aplicado aos arguidos violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
11. Assim, por entendermos que a Douta Decisão violou o artigo 193.º do Código de Processo Penal, deve a mesma ser substituída por outra que aplique os arguidos BB, CC, AA e DD a medida de coação de Prisão Preventiva por ser a única medida de coação que no caso concreto se afigura adequada, suficiente e proporcional às exigências cautelares, à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas aos arguidos.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
a. Deve ser revogada a decisão judicial recorrida proferida em 19.12.2024;
b. Deve essa decisão ser substituída por outra que aplique aos arguidos BB, CC, AA e DD a medida de coação de Prisão Preventiva.
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Os arguidos AA e DD, responderam, concluindo o seguinte:
Com o devido respeito, os ora respondentes discordam do recorrente, considerando, o aliás, douto despacho que decretou as medidas coativas bem fundamentado no que toca aos ora respondentes.
Sendo, por outro lado excessivo quanto ao também arguido e recorrente nos presentes autos, EE.
O objeto do recurso prende-se única e exclusivamente pela medida coativa, que entende ser branda e, como tal, deveria ter sido aplicada a medida coativa de prisão preventiva aos ora respondentes. Vejamos sucintamente, posto que todos os argumentos para a medida coativa de prisão preventiva já foram esgrimidos nos recursos interpostos pelo recorrente EE pelo que pouco mais haveria a acrescentar.
Entende o ... que os factos fortemente indiciados não podiam levar à aplicação de outra medida que não a prisão preventiva, tendo sido violado os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade face aos fortes perigos de continuação da atividade criminosa, perigo de fuga, para a conservação da prova, perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
Cumpre apreciar se se verificam os aludidos perigos.
O perigo de perturbação da ordem pública a que se reporta a última parte da al.c) do artigo 204° do CPP deve resultar de circunstâncias concretas e particulares, verificadas e aferidas em concreto, não se confundido com a convicção - seja ela mais ou menos justificada - de que, em abstrato, certo tipo de crimes - justificam em regra a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, dado o seu caráter especialmente perigoso ou odioso.
"O perigo de perturbação da ordem pública, que só com muita dificuldade pode considerar-se entre as exigências processuais de natureza cautelar, que o art. 191° do CPP, faz depender as medidas de coação, reporta-se ao fundado risco de grave, concreta e previsível alteração da ordem e tranquilidade públicas, operando a medida de coação adequada - máxime a prisão preventiva - apenas como meio de esconjurar o risco de lesão significativa de bens jurídicos de natureza penal em resultado de alteração previsível, e apenas pelo tempo estritamente necessário".- in Acórdão da Relação de Évora de 26.06.2007.
Maia Costa em comentário ao artigo 204º do CPP escreve "para que a medida de coação não sirva finalidades de prevenção criminal ou (antecipadamente) punitivas), o perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas só poderá ser invocado em situações em que a libertação do arguido ponham em causa, com alto grau de probabilidade, e gravemente, a ordem ou a tranquilidade públicas, entendidas em termos gerais, embora a nível local, mas não de grupo ou estrato social".
No caso em apreço, há efetivamente que ter em conta que situações semelhantes às dos presentes autos são frequentes naquela área e causam receio nos seus moradores. Ainda assim, entendemos que o requisito geral previsto no artigo 204º, al. c) do CPP não é preponderante.
Relativamente ao perigo de fuga, diz-nos, também, Maia Costa "deve fundar-se numa análise rigorosa e precisa da situação concreta. São elementos a ponderar a gravidade da pena cominada para o crime imputado, a personalidade revelada pelo arguido, a sua situação financeira, a sua situação familiar, profissional e social, as suas ligações em países estrangeiros, enfim, todas as circunstâncias que possam revelar a sua vontade e a sua capacidade ou facilidade para se pôr em fuga. É com base num juízo global de todas as circunstâncias do caso que se pode fundamentar um juízo deste tipo." Ora, salvo melhor opinião, os recorrentes ora respondentes, na interposição de recurso já explanaram a razão de o MP. não ter razão, e, ao invés, as penas foram excessivas.
O que é a nosso ver preponderante é o de continuação da atividade criminosa.
Relativamente ao perigo de continuação de atividade criminosa, Maia Costa, em Código de Processo Penal Comentado, em comentário ao artigo 204º escreve "O perigo de continuação criminosa deverá referir-se à prática de crimes de natureza idêntica ao imputado no processo."
Dito isto, entendemos, com o devido respeito que o ... não traz qualquer argumento ou análise face aos factos para fazer subjugar os "factos fortemente indiciados" à aplicação da medida coativa de prisão preventiva, além daqueles que já se encontram no douto despacho que decretou as medidas de coação.
Senão vejamos que todos os factos vistos e ponderados pelo douto despacho, entendeu que "em obediência aos ditames da adequação/ proporcionalidade/ adequação e actualidade/ vista a gravidade dos factos, os perigos a garantir e as penas previsivelmente a aplicar, pelo seguinte estatuto coactivo:
(..)
obrigação de apresentações periódicas diárias, até às 1Oh, junto do o.p.c. da área de residência, os restantes arguidos;
proibição de contactos com os ofendidos/ todos os arguidos.
Tudo ao abrigo do disposto nos arts. 191°, 192º, 193°, 194º, 196°, 198.º/ 200, nº 1/ al d), 202º, nº 1, ais. al b) e e) e 204.º, n° 1/ alíneas a), b) e c) todos do C.P.P."
Para respeitar o princípio da presunção de inocência, a medida de coação deverá fundar-se num juízo muito rigoroso e preciso de plausibilidade de reiteração criminosa, apoiado nas circunstâncias do caso e na personalidade revelada pelo arguido.
Aliás, até como refere o douto despacho, os ora respondentes retomaram as suas residências em 03.09.2024, sendo que desde então não houve qualquer notícia de quaisquer novas abordagens.
Face ao ora exposto, não vislumbramos como é que os aludidos perigos que implicaria necessariamente a alteração da medida coativa para a mais gravosa.
Entendemos assim que bem andou o douto despacho aquando da aplicação aos ora respondentes da medida de obrigação de apresentações diárias e proibição de contactos, sendo as mesmas as necessárias, adequadas e proporcionais aos factos indiciados, sendo que a aplicação de qualquer medida mais gravosa é, por outro lado, desproporcional, desadequada e desnecessária.
Entendemos também que o douto despacho não violou a disposições enunciadas.
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Os arguidos BB e CC, responderam, formulando as seguintes conclusões:
1 – Aos arguidos, BB e CC, foram aplicadas, ao abrigo do adjetivado nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, al. d), 202.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 204.º, n°.º 1, alíneas a), b) e c), as seguintes medidas de coação: obrigação de apresentações diárias, junto do O.P.C. da área de residência; e proibição de contactos com os ofendidos.
2 – Inconformado com a predita decisão, o ... interpôs dela recurso, que culminou com 12 conclusões, delimitadoras do seu objeto (descritas nesta resposta).
3 – A facticidade indiciada, a atinente motivação, a fundamentação de direito e a a propositada decisão mostram-se relatadas na presente peça.
4 – Os arguidos refutam a facticidade que lhes é irrogada e a consequente incriminação que lhes foi fixada.
5 – Apesar disso, têm absoluta consciência das fronteiras impostas, no atual estádio processual, pelo que tange aos indícios – dessarte, em vista da fase indiciária preliminar, a presente resposta adstringe-se, sobretudo, a matéria de direito, em concatenação com a matéria de facto firmada no despacho.
6 – Impende, porém, sobrelevar que os factos, no contexto do predito figurino meramente indiciário, se mostram, por ora, carregados de zonas turvas, cinzentas, obumbradas e pouco esclarecedoras.
7 – A Decisão exarada, relativamente aos arguidos respondentes, mostra-se acertada, pois que, de um lado, consolida uma fixação da matéria de facto rigorosa e apropositada e, de outro lado, adversamente ao pugnado pelo ..., desvela, em termos finais e não tanto no itinerário, uma correta e arrazoada aplicação do direito, isenta de ilogicidade ou incongruência – não merece, ipso facto, nenhum reparo.
APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE COAÇÃO
8 – No fulcral, as ideias nucleares do recurso são as seguintes:
i) a decisão proferida pela Meritíssima Juíza de Instrução entendeu serem elevados os perigos do artigo 204.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), nomeadamente os perigos de fuga, para a conservação prova, de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas;
ii) as medidas de coação aplicadas, entre outros, aos arguidos BB e CC não salvaguardam os perigos concretos que no caso se fazem sentir, elencados na decisão prolatada em 19.12.2024, dado que tais perigos apenas são acautelados com a aplicação aos arguidos da medida de coação de prisão preventiva; e
iii) a decisão em causa violou o disposto no artigo 193.º, n.º 2, na medida em que o estatuto coativo aplicado aos arguidos infringiu os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
9 – Os arguidos dissentem da pretensão do recorrente, porquanto, no estrutural, a imposição da medida de coação pretendida pelo ... – a prisão preventiva – se aparta dos princípios conformadores da aplicação das medidas de coação
10 – Seguidamente, foi feito um excurso teórico-jurídico, que aqui se considera reproduzido, no que tange aos sobreditos princípios, em que se ponderou o seguinte: os artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e 191.º do CPP; o artigo 193.º do CPP; o princípio da proporcionalidade em sentido lato ou princípio da proibição de excesso; o princípio da adequação; o princípio da necessidade; e o princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou da justa medida.
11 – Nessa digressão, firmou-se, notadamente, o seguinte: a existência de uma hierarquia de gravidade no tocante às medidas de coação; a prioridade que deve ser outorgada às medidas de coação não privativas da liberdade em detrimento das medidas privativas; e, no contexto da medida de coação privativa da liberdade, a preferência que deve ser deferida à obrigação de permanência na habitação, sempre que ela se conforme bastante para salvaguardar as exigências cautelares.
12 – No círculo da prisão preventiva, funciona a regra da subsidiariedade prevenida no artigo 193.º, n.os 2 e 3, do CPP – a prisão preventiva conforma, assim, uma medida de coação cautelar, excecional e subsidiária, adstringida aos casos de imputação de crimes de ressaltante gravidade e que só deve ser aplicada em ultima ratio, ou seja, quando as demais medidas de coação sejam inadequadas ou insuficientes para satisfazer as exigências cautelares postuladas pelo caso.
13 – As medidas de coação aplicadas aos recorrentes mostram-se claramente suficientes e ajustadas às exigências cautelares requisitadas, nesta altura, pelo presente caso. Dito de outra forma: a aplicação da prisão preventiva aos arguidos, pretendida pelo recorrente, configura-se, sobremodo, excessiva.
14 – Acrescente-se que as condições pessoais dos arguidos denotam que eles estão totalmente integrados familiar, social e profissionalmente.
15 – Não ocorrem aqui – ou, num plano alternativo, estão supinamente atenuados – os perigos (os pericula libertatis) pretextados pela M.ma Juíza de Instrução no indigitado despacho e que foram enfocados, pelo recorrente, de modo algo desviante ao que consta da apropositada decisão.
16 – Após, foram desenvolvidas considerações teórico-jurídicas, que aqui se renovam, relativamente ao seguinte: ao perigo de fuga; ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, ao perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ao perigo de continuação da atividade criminosa; e ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
PERIGO DE FUGA
17 – A M.ma Juíza considerou que tal perigo, relativamente aos respondentes, está nitidamente esbatido.
18 – Não obstante, foram tecidos vários considerandos a propósito da não ocorrência do apontado perigo – dão-se aqui por transcritas essas reflexões na sua amplitude.
19 – Os factos indiciados não entremostram nenhuma situação concreta e materializável - perigo concreto - a partir da qual se possa extrair uma conclusão objetiva e objetivável, motivada e motivável, da existência de perigo de fuga. Entende-se, pois, que tal perigo está claramente excluído, por ele não se divisar minimamente.
20 – Porém, em jeito teorético e subsidiário, considera-se que são, então, bastantes e ajustadas às exigências cautelares requisitadas pelo presente caso que os arguidos respondentes fiquem submetidos às medidas de coação que foram efetivamente aplicadas.
PERIGO DE PERTURBAÇÃO DO DECURSO DO INQUÉRITO OU DA INSTRUÇÃO DO PROCESSO E,
NOMEADAMENTE, PERIGO PARA A AQUISIÇÃO, CONSERVAÇÃO OU VERACIDADE DA PROVA
21 – Nessa envolvência, foi inscrita, de forma renovada, a argumentação da M.ma Juíza.
22 – No entendimento dos respondentes, não ocorre sequer, no caso sub examine, o sobrecitado perigo.
23 – Após, foram reportados, pela sua prestabilidade ao caso, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 08-10-2003 e da Relação de Évora de 07-05-2019 e firmou-se o itinerário dialético percorrido no despacho da M.ma Juíza.
24 – Desde imediato, convém pontificar que, embora o inquérito seja algo recente, a investigação já não se encontra, de modo nenhum, numa fase embrionária – in veritas, a investigação, no fulcral, mostra-se adiantada [registe-se, com servência, o seguinte: na oportunidade em que os arguidos foram submetidos a primeiro interrogatório, já haviam sido inquiridas 7 testemunhas com a qualidade de ofendidas, que depuseram todas perante autoridade judiciária; e vejam-se ainda os meios de prova indicados na acusação indiciária que suportou/legitimou a apresentação dos arguidos para primeiro interrogatório judicial] ou, no máximo, com alguma tolerância, a prova remanente é exígua, porquanto subsistem decerto poucas diligências relevantes por efetuar.
25 – De outra parte, interessa não preterir que os crimes em apreciação nestes autos, imputados aos arguidos na particularidade do caso em exame, não conformam nenhuma densidade probatória superlativa, com aptidão para requisitar uma pluralidade de diligências de recolha de prova, determinantes de uma morosidade acrescida.
26 – Posto isso, não se topa nenhuma razão verosímil ou tangível para se antever esse perigo, pois que não se antolha facilmente como é que os arguidos respondentes poderiam inviabilizar e/ou perturbar o decurso da investigação, nomeadamente pelo tocante à tomada de depoimentos às testemunhas, sobretudo quando elas inclusivamente já depuseram. Acresce dizer que, em face desse estádio processual e do teor dos depoimentos prestados, igualmente não se intui em que termos é que os arguidos poderiam adulterar tais depoimentos, sucedendo ainda que os depoimentos nucleares foram prestados diante de autoridade judiciária.
27 – A M.ma Juíza postergou o postulado de que não é bastante a mera possibilidade/probabilidade de que os arguidos desenvolvam uma atividade direcionada a prejudicar a investigação e a prova – torna-se ainda mister, de uma parte, que se evidencie concretamente esse perigo pela indigitação de factos que entremostrem a atuação dos arguidos com esse propósito (não se pode tratar de um possível risco, mas antes de um perigo fundado e concreto), e, de outra parte, que não seja exequível impedir com outros meios essa perturbação.
28 – Inexistem nos autos fragmentos ou constituintes que reverberem que os arguidos respondentes poderiam obstaculizar a investigação (de resto, inexistente, ao menos na sua fração matricial) e de que modo o fariam.
29 – Atendendo às observações aduzidas, na sua imbricação holística, mostra-se, pois, inteiramente expungido o mencionado perigo, pois não se prefigura nenhuma razão válida para o antever ou redarguir.
30 – Contudo, sempre se acrescenta, em formato apriorístico e supletivo, que, mesmo que se cogitasse tal perigo, como o fez a M.ma Juíza, ele jamais teria a potencialidade, diante do que também foi adscrito no despacho [o retorno dos arguidos às respetivas residências em 03/09/2024, sem notícia de novas abordagens] e do importante lapso temporal já decorrido após os factos, de caucionar a medida de coação de prisão preventiva, pois que se mostram, então, suficientes as medidas de coação aplicadas: obrigação de apresentação periódica, no posto policial da área da sua residência, e proibição de contactos com os ofendidos identificados nos autos.
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA E PERIGO DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
31 – A alínea c) do artigo 204.º deve ser “cuidadosamente interpretada, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.”
32 – Nas reflexões efetuadas acerca do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, acolheu-se, inter alia, o seguinte: a imposição de uma perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, que deve ser apreciada e valorizada casuisticamente, em atenção aos factos indiciados e à personalidade do arguido; pela sua servência, o teor dos Acórdãos da Relação de Évora de 26/06/2007 e de 15/12/2016, da Relação de Lisboa de 12/02/2019 e 02-07-2003 e da Relação de Coimbra de 06/11/2024; e um excerto doutrinário, da autoria de Vítor Sequinho dos Santos.
33 – No que afeta ao alarme social, ele não figura entre os requisitos gerais de aplicação das medidas de coação, adjetivados no artigo 204.º, ou seja, não corresponde, de nenhuma forma, ao perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
34 – A natureza processual das exigências cautelares interdita que, sob a égide da alínea c) do artigo 204.º, seja afirmada a possibilidade de aplicação de uma qualquer medida de coação, sempre que nesse sentido apontar uma ideia de prevenção geral de intimidação ou de prevenção especial, com a outorga a tais expressões do conteúdo próprio da temática dos fins das penas.
35 – No que concerne aos perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, foram repristinados os termos em que a M.ma Juíza os enfocou, que aqui se acham reproduzidos.
36 – Na visão dos arguidos respondentes. tais perigos, na particularidade do caso, em rigor, também não ocorrem.
37– No que compete ao perigo de continuação da atividade criminosa, o arrazoamento invocado pelo Tribunal é algo frágil e infundado; com efeito, urge atentar que, perante os factos indiciariamente atribuídos aos arguidos, eles passam a ser, naturalmente, de um lado, uns indivíduos mais controlados e fiscalizados, nas suas ações, pelos órgãos policiais e, de outro lado, umas pessoas naturalmente mais temerosas no complexo de condutas que coenvolvam alguma ilicitude.
38 – Com préstimo, vale também relembrar: i) que os factos sobrevieram no condicionalismo de um episódio intempestivo, e não na envolvência de alguma ação precogitada ou iterativa, em que os ânimos ficaram alterados e exaltados; e que os arguidos respondentes não têm antecedentes criminais.
39 – Ainda perante o argumentário aduzido no despacho, e de modo reforçado no recurso, pode asseverar-se linearmente que semelhante perigo foi excogitado de forma algo genérica, vaga e abstrata. Isto é: refletiu-se um método nomotético (geral e abstrato), em detrimento de um procedimento ideográfico, orientado para o caso individual e concreto, conforme se impunha.
40 – Noutro conspecto, para respaldar semelhante perigo, no contorno do despacho exarado, apelou-se a juízos acrítico e conclusivos, ou seja, recorreu-se a meras enunciações subjetivas, embasados num putativo desforço ou vingança dos arguidos sobre os ofendidos, preterindo-se, dessa forma, os seguintes factos, magnos e nucleares, correlacionados com o decurso temporal: os factos datam de .../.../2024; os arguidos tornaram às suas residências a partir de 03/09/2024; e foram interrogados em 19/12/2024.
41 – Ou seja: diante do apontado lapso temporal – que, enfatize-se, já é significante –, sem notícia de novas abordagens, os arguidos respondentes entendem, rigidamente, que o suposto perigo de continuação de atividade criminosa está apartado, pois não se alcança nenhuma inteleção válida para o prognosticar.
42 – No que afeta ao perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, a M.ma Juíza não justificou fundadamente a respetiva incidência, limitando-se a afirmações completamente vagas, imprecisas e indeterminadas, conexas com a mediatização e com o alarme social provocado pelos ilícitos que considerou indiciados.
43 – Tal posicionamento foi firmado nos termos anteditos por inexistência de argumentação minimamente substanciosa.
44 – Em verdade, os factos indiciados não sintomatizam nenhuma situação concreta e materializável - perigo concreto – de que se possa extratar uma conclusão objetiva e objetivável, motivada e motivável, da existência de tal perigo, por banda dos arguidos respondentes. Significa isso que não há indícios de que a permanência dos arguidos em liberdade possa perturbar gravemente a ordem e tranquilidade públicas.
45 – Em jeito abreviado, impende extratar, neste quadrante, as subsequentes conclusões:
os arguidos mostram-se inseridos familiar, social e profissionalmente; o alarme social e a mediatização não constituem fundamento de aplicação de uma medida de coação; o que aqui sobressai não é o reflexo comunitário negativo da permanência dos arguidos em liberdade, pela circunstância de estarem indiciados da prática de crimes com gravidade; e a perturbação postulada deve caucionar-se num previsível comportamento futuro dos arguidos, no recorte da ordem pública, estribado nos elementos que constam dos autos que possibilitem estabelecer um juízo de prognose de que essa atuação futura, de facto, pode sobrevir.
46 – Não exsurge, assim, nenhum motivo ou referente indiciário para, em concreto, recear que o arguido possa vir a pôr em causa a ordem e a tranquilidade públicas, id est, que possa vir a perturbar a paz pública – não se considera, pois, verificado o indigitado perigo.
47 – A propósito dos perigos definidos no artigo 204.º, alínea c), o recorrente – ... – teceu ainda cogitações espúrias e ilegítimas, no passo em que invocou, para fundamentar a prisão preventiva, finalidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial, na aceção atribuível às penas. Ora, tais considerações são totalmente inaplicáveis às medidas cautelares, dado que o Juiz não deve, em nenhuma circunstância, convolar uma medida meramente cautelar numa verdadeira sanção antecipada, pois tal consubstancia uma ingente vulneração do princípio da presunção de inocência do arguido.
48 – Sempre se adiciona, em figurino teórico e subsidiário, que, mesmo que se reflita tais perigos, como o fez a M.ma Juíza, eles nunca teriam a potencialidade, em vista do que também foi averbado no despacho [o retorno dos arguidos às respetivas residências em 03/09/2024, sem notícia de novas abordagens] e do marcante lapso temporal já decorrido após os factos, de estribar ou coonestar a medida de coação de prisão preventiva, porquanto se mostram, então, nitidamente suficientes as medidas de coação que foram efetivamente aplicadas.
49 – Não assiste, pois, nenhuma razão ao recorrente, ao entender que as medidas de coação aplicadas não salvaguardam os perigos concretos que no caso se fazem sentir, e que apenas a prisão preventiva acautela tais perigos.
50 – Pode, pois, afirmar-se, com solidez, que o Tribunal a quo, tendo decidido nos preditos termos, ao aplicar as medidas de coação de obrigação de apresentação periódica e de proibição de contactos com os ofendidos identificados, reversamente ao pretendido pelo ..., não infringiu os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade e, por conseguinte, não violou o estabelecido no artigo 193.º, n.º 2.
*
II – Factos relevantes para a apreciação do recurso
1. O ... apresentou ao Juiz de Instrução Criminal, para primeiro interrogatório judicial, os arguidos com base na seguinte factualidade:
1) No dia ... de ... de 2024, no período da tarde, KK, deslocou-se ao “...”, sito na ... com o propósito de tomar café e trazer também um café para GG e JJ, pai e irmão respectivamente, que permaneceram na sua residência sita na ..., ....
2) Nessa ocasião no interior do referido estabelecimento comercial, por razões não concretamente apuradas, KK e dois indivíduos, um de alcunha “...” e o irmão deste, envolveram-se numa discussão, dos quais resultaram agressões físicas, nomeadamente socos na face de KK, causando uma ferida com sangramento no nariz.
3) Em face de tal desentendimento, KK abandonou o referido local e deslocou-se até à residência dos seus pais, mencionada em 1., seguindo em passo rápido sendo seguido pelos dois indivíduos (“…” e irmão) até à referida residência, ao mesmo tempo que efectuaram contactos telefónicos para os seus familiares contando-lhes o sucedido.
4) Aí chegado, já no interior da residência mencionada em 1., KK contou aos seus familiares o sucedido, sendo que pelas 18h00m, começaram a ouvir uma altercação no exterior.
5) Nessa ocasião encontrava-se no interior da referida residência, para além de KK, os seus progenitores, os seus irmãos e respectivas esposas, uma prima e algumas crianças, entre os quais, para além de outros familiares:
- GG (pai);
- HH (mãe);
- II (irmão);
- JJ (irmão);
- FF (irmão);
- LL (prima);
- MM (cunhada).
6) Verificando a altercação no exterior da residência, nesse instante, os familiares de KK mencionados no ponto anterior, deslocaram-se até às janelas da residência no sentido de perceberem qual o motivo de ouvirem gritos no exterior.
7) Já no exterior, encontravam-se os arguidos BB, AA, EE, DD e CC integrando um grupo de indivíduos que ali se encontrava presente, composto no mínimo por onze elementos, dos quais familiares e amigos dos arguidos.
8) Nesse instante, do exterior foram proferidas diversas expressões tais como “Vou apanhar-te e matar-te!” e “Vamos matar-vos!”
9) Volvidos alguns minutos, os arguidos BB, AA, EE, DD e CC deslocaram-se para o prédio em frente da residência dos ofendidos mencionada em 1., previamente munindo-se de armas de fogo, aptas a disparar munições de calibre 6,35mm e .12mm.
10) Assim, os arguidos BB, AA e EE posicionaram-se na janela das residências sitas na ..., ao nível do 2.º piso, em Amadora, de frente ao imóvel mencionado em 1.
11) Nessa ocasião BB empunhou uma arma de fogo semelhante a uma pistola a qual apontou na direcção dos ofendidos que se encontravam no imóvel em frente, efectuando um número não concretamente apurado de disparos, visando atingi-los no corpo.
12) Por sua vez, o arguido AA empunhando uma arma tipo caçadeira, efectuou também um número não concretamente apurado de disparos na mesma direcção dos ofendidos.
13) Nesse momento, o arguido EE empunhando uma arma de fogo, pistola, efectuou também um número não concretamente apurado de disparos na mesma direcção dos ofendidos.
14) Já quanto aos arguidos DD e CC, os mesmos deslocaram-se até à janela da residência sita no ... do imóvel sito na ..., de frente ao imóvel mencionado em 1., munidos de armas de fogo como pistolas e caçadeiras, efectuando também disparos na direcção dos ofendidos, em número não concretamente apurado, visando atingi-los no corpo.
15) Tais disparos, num primeiro momento atingiram FF no seu corpo, o qual se aproximou da janela da residência mencionada em 1., caindo prostrado no solo.
16) Em face de FF ter sido atingido com um disparo, o seu pai, o ofendido GG dirigiu-se até à janela com o propósito de fechar o estore, sendo também atingido por tais disparos também no seu corpo, caindo no solo.
17) Também aquando dos disparos, os ofendidos HH, II, JJ, KK, LL e MM foram atingidos nos seus corpos.
18) Como consequência directa e necessária dos disparos com armas de fogo efectuados pelos arguidos, os ofendidos FF e II foram socorridos no local pelos Bombeiros e transportados para o ... onde receberam tratamento médico.
19) Por sua vez, a ofendida LL foi socorrida no local pelos Bombeiros e transportada para o ... onde recebeu tratamento médico.
20) Já os ofendidos JJ, HH, KK e MM também depois se deslocaram a entidades hospitalares onde receberam tratamento médico.
21) Assim aquando da observação médica, o ofendido FF apresentava “várias balas nos planos tecidulares do dorso, região lombar e regiões nadegueiras, bem como, se observam algumas outras na dependência dos planos musculares retroperitoneais. Sem hematomas mediastínicos. Silhueta cardíaca com normais dimensões. Pequeno pneumotórax à direita com um dreno torácico cuja extremidade se encontra na interface entre os planos musculares da parede torácica e a cavidade pleural sugerindo-se o seu reposicionamento. Alterações atelectásicas no parênquima pulmonar basal à direita”
22) A ofendida LL, em consequência dos disparos que foi vítima sofreu dores e “feridas em ambos os braços com ponto de entrada mas sem ponto de saída... com feridas em ambos os braços com ponto de entrada”.
23) A ofendida MM, em consequência dos disparos que foi vítima sofreu dores e uma “ferida na região malar esquerda, não sangrante, ligeiro edema circundante, sem sinais inflamatórios ou exsudados.”
24) A ofendida HH sofreu dores e “Ferida por chumbo de caçadeira na face posterior do braço esquerdo … equimose parede abdominal região hipocôndrio direito.”.
25) O ofendido KK sofreu dores, apresentando aquando da operação médica “Porta de entrada face posterointerna do 1/3 distal do braço, sem objetivável porta de saída … AO aguda evidente (presença de chumbo face anterointerna do braço direito)”.
26) Por fim, o ofendido JJ, em consequência dos disparos que foi vítima sofreu dores e apresentava “2 portas de entrada do 4º dedo mão direita Ferida superficial face posterior HT esquerdo sobre omoplata. Rx tórax e omoplata – em hemo ou pneumotórax – observa-se 1 corpo estranho metálico milimétrico compatível com chumbo em localização sc face posterior 1/3 proximal HT esquerdo”.
27) Em suma, os disparos efectuados pelos arguidos BB, AA, EE, DD e CC lograram atingir o corpo dos ofendidos, não tendo conseguido os seus intentos de retirar a vida dos mesmos, por razões alheias à vontade dos arguidos e porque os ofendidos fecharam as janelas e refugiaram no solo da residência.
28) Atento o circunstancialismo descrito e fazendo uso de armas de fogo, os arguidos, agiram em comunhão de esforços e sabiam que os tiros que dispararam com armas de fogo poderiam atingir os ofendidos, bem como pretenderam e quiseram atentar contra a vida dos mesmos ao disparar para o corpo dos ofendidos onde se encontram alojados órgãos vitais, motivados por motivos fúteis, como sendo desavenças familiares, o que apenas não lograram por os ofendidos se ter desviado e fugido atempadamente para o interior da residência, ou seja, por motivos alheios à sua vontade.
29) Mais conheciam os arguidos as características das armas e munições que detinham, que são susceptíveis de serem usadas como armas de agressão e sabiam que as referidas armas são objectos cuja detenção, transporte e uso não é permitida por lei, não a podendo assim deter sem justificação, o que quiseram e conseguiram.
30) Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e mediante um plano previamente delineado, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Em primeiro interrogatório judicial, realizado em 19/12/2024, foi proferida a decisão recorrida.
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2. Fundamentos e apreciação do recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.
Pelo que a única questão a decidir é se aos arguidos BB, CC, AA e DD deveria ter sido aplicada a medida de coação prisão preventiva.
Os factos indiciados ocorreram em ... de ... de 2024.
O interrogatório dos arguidos ocorreu em 19 de dezembro de 2024.
A aplicação ou a imposição de medidas de coação (exceto o termo de identidade e residência, que pode ser aplicado por qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal) são determinadas por um juiz (o juiz de instrução, nas fases de inquérito e instrução, e o juiz do processo, nas fases posteriores), com intervenção do ... (MP) (a requerimento do MP, na fase de inquérito, ou ouvido o MP, nas fases posteriores) e mediante prévia audição do arguido (exceto em casos de impossibilidade devidamente fundamentada) – artigo 194.º do CPP.
A aplicação ou a imposição de medidas de coação (bem como a sua manutenção) está dependente da verificação de condições gerais ou pressupostos (artigos 192.º e segs. do CPP):
a) Prévia constituição de arguido e existência de um processo criminal já instaurado;
b) Juízo de indiciação da prática de um crime (o chamado fumus comissi deliti);
c) Particulares exigências cautelares (o chamado pericula libertatis) – artigo 204.º do CPP: i) Fuga ou perigo de fuga do arguido; ii) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo; ou iii) Perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa.
d) Princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade: como se refere no artigo 193.º, n.º 1 do CPP, as medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
e) Juízo de indiciação da prática de um crime (o chamado fumus comissi deliti);
Por seu lado, o art.202, nº1, a, do CPP, estabelece os casos em que pode ser imposta a medida de prisão preventiva ao arguido: haver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos e serem inadequadas e insuficientes as demais medidas para garantir as necessidades cautelares.
A excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva resulta da própria Constituição. (arts.27º e 28º, da CRP).
O objeto do recurso não incide sobre os factos indiciários, mas antes sobre os pressupostos da aplicação da medida de coação prisão preventiva que o ... entende estarem preenchidos.
Entende o ... haver Perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, porquanto o crime de Homicídio qualificado, na forma tentada, e o crime de Detenção de arma proibida, nos termos em que as referidas armas foram utilizadas pelos arguidos, é motivo de enorme e profundo alarme social, não só pela natureza violenta dos factos fortemente indiciados, como também na comunidade em geral e mormente no ... onde os factos ocorreram, sobejamente conhecido no Município ..., como sendo uma Zona Urbana Sensível com elevado índice de criminalidade em que se instala um sentimento de impunidade, caso o Tribunal não adote medidas adequadas a reprimir tais condutas ilícitas.
Perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas: O que está aqui em causa não é a invocação de um alegado e genérico “alarme social” e a convicção de que certos tipos de crimes, pela sua violência e gravidade, podem em abstrato causar emoção ou perturbação pública, nem qualquer mediatismo causado.
Não pode, igualmente, estar ínsito neste perigo qualquer critério de prevenção geral ou especial ou de antecipação de eventual pena porque tal violaria o princípio constitucional da presunção de inocência –– António Gama, Comentário Judiciário do Código Penal Tomo III, Acórdão do TC 720/97, citado na mesma obra, pag. 413, por referência aos artigos 27º e 28º da CRP.
O que se pretende prevenir é antes a ocorrência de situações em que a libertação do arguido, pela sua conduta ou personalidade, em razão de circunstâncias particulares, em concreto, com alto grau de probabilidade e de forma grave, possa pôr em causa a ordem e a tranquilidade públicas.
Em função da natureza e circunstâncias do crime e da personalidade do arguido. A personalidade do arguido deve ser orientada para e pelo facto concreto- op. cit. Pag. 414.
O sentimento de impunidade invocado, convoca razões de prevenção geral, mais indicado a propósito da medida da pena, caso venham a ser condenados e não nesta sede.
Refere o tribunal a quo em concreto que os factos revestem muito elevada gravidade, não só relativamente aos ofendidos, como quanto aos restantes cidadãos, sobretudo os restantes residentes no local, apenas por mera sorte não atingidos nas circunstâncias dos factos, o que demanda, também, a consideração do perigo de grave perturbação para a ordem e a tranquilidade públicas.
Porém, resulta de fls. 353 que a partir de 3-9-2024 os arguidos tornaram às suas residências.
Relativamente aos requerimentos que os Distintos Defensores referiram ter dirigido aos autos, no sentido de pretenderem colaborar com a autoridade policial, dos mesmos averiguará o M.P., se o entender.
Entende o ... que existe perigo de continuidade da atividade criminosa, porquanto as circunstâncias em que foram os factos praticados, nomeadamente as desavenças familiares que motivaram a sua prática é demonstrativa de um grau elevadíssimo de animosidade e da personalidade dos arguidos na prática dos factos indiciados que revestem elevada gravidade, sendo forte o perigo e continuação da atividade criminosa, o que não deixa de ser verdade.
Porem, segundo resulta do despacho em causa os arguidos já regressaram às suas residências sem notícia de novas abordagens.
Acresce que entre a prática dos factos indiciados e o interrogatório dos arguidos, conforme refere o Despacho do Tribunal a quo, não podemos olvidar o decurso do tempo desde então.
Apesar de tal lapso de tempo decorrido, o perigo de continuação da atividade criminosa, com o regresso dos arguidos, as desavenças familiares que motivaram a sua prática é demonstrativa de um grau elevadíssimo de animosidade como refere o ... e também é reconhecido pelo Tribunal a quo: É de obviar que os arguidos possam dirigir agora vingança sobre os ofendidos, que tão recentemente vieram reconhecer os arguidos, ou seja, a continuação da actividade criminosa.
No entanto, convocando o disposto pelo artº 193º do C.P.P. os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade visam traduzir o comando constitucional que as restrições de direitos liberdades e garantias, em consequência de aplicação de medidas de coação devem limitar-se ao necessário – artº 18º, nº2 da CRP- para salvaguardar o interesse público na realização da justiça – António Gama Comentário Judiciário do Código Penal Tomo III, 3ª edição, anotação ao artº 193º do C.P.P.
Os princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade na sua consagração normativa ordinária dirigem-se ao juiz (…) A medida de coação nomeadamente a prisão preventiva não pode funcionar como uma antecipação da decisão final impondo-se, desde logo, a sanção reclamada pela sociedade.
O princípio da adequação na dupla formulação positiva e negativa diz-nos que um meio é adequado se com a sua aplicação a exigência cautelar pode ser alcançada e satisfeita (op.cit).
Por último, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são medidas coativas subsidiárias aplicadas quando se revelem inadequadas e insuficientes as restantes medidas cautelares e devem ser entendidas no contexto dos direitos fundamentais como de último ratio e excecionais.
Estas duas últimas medidas têm repercussão a nível familiar social e profissional, daí que seja importante o conhecimento da situação económica familiar profissional e familiar do arguido. Convocando o despacho do qual se recorre todos os arguidos cuja prisão preventiva se reclama estão inseridos familiar e profissionalmente, sem antecedentes criminais.
Nesta conformidade e para acautelar o único perigo subsistente com o regresso dos arguidos às respetivas residências (o de continuação da atividade criminosa), sem que tenham ocorrido novas abordagens e decorridos mais de nove meses desde a data dos factos indiciados, parece-nos acertada a decisão do Tribunal a quo quando para além do TIR sujeita os arguidos a apresentações diárias (art. 198.º do Código de Processo Penal) e proibição de contactos por qualquer meio com os ofendidos (art. 200.º do Código de Processo Penal) sendo adequadas para obviar aos perigos em concreto enunciados.
Pelo que improcede o Recurso.
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3. Decisão:
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo ... e, consequentemente confirmar a decisão proferida.
Sem custas.
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Lisboa, 22 de abril de 2025
Alexandra Veiga
Rui Poças
Ester Pacheco dos Santos