Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47467/06.0YYLSB-B.L1-6
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: EXECUÇÃO
SOLICITADOR
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional.
2. Cabe ao solicitador de execução, a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, embora com respeito pelas normas constantes dos arts. 821.º, n.º 3, e 834.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
3. Sem prejuízo do controlo judicial e no respeito dos critérios legais, é ao agente de execução (e não ao exequente) que cabe a escolha dos bens a penhorar e a ordem de realização da penhora.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Em 3.10.06, Banco S.A. instaurou contra C execução para dela haver o pagamento da quantia de 7.718,86€ e juros vincendos, em que fora condenada por sentença.
No requerimento executivo, indicou à penhora “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnece a residência da executada” e “o terço do vencimento que a excutada aufere como técnica profissional de 2ª classe ao serviço da Câmara Municipal de Loures”.
Na sequência da sua designação como Solicitadora de Execução, veio a Sra. Solicitadora L, em 19.12.06, aceitar desempenhar as inerentes funções.
Em 12.1.07, a exequente requereu ao tribunal que mandasse oficiar à solicitadora de execução “no sentido de a mesma levar a efeito de imediato, e antes de qualquer outra, a penhora dos bens que guarnecem a residência da executada”.
Por decisão de 11.7.08, o Sr. Juiz indeferiu o requerido, por entender que é ao solicitador de execução que cabe a escolha dos bens a penhorar, de acordo com os critérios definidos pelo artigo 834º do Cód. Proc. Civ..

De tal decisão agravou a exequente, formulando as seguintes conclusões:
a) Ao recurso deve ser atribuído efeito suspensivo;
b) A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução;
c) A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 802º e 810º do Código de Processo Civil;
d) Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 821º do Código de Processo Civil;
e) As diligências para a penhora têm início após a apresentação do requerimento de execução, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 832º do Código do Processo Civil;
f) A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização, e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 834° nº 1 do Código de Processo Civil;
g) A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 848º do Código de Processo Civil;
h) Nos termos e de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 2º.do Código de Processo Civil "a protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”;
i) Nos termos do disposto no nº.3 do artigo 3º.do Código de Processo Civil, o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem;
j) Dizem-se acções executivas aquelas em que o A. requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado, nos termos do nº 3 do artigo 4º do Código de Processo Civil;
l) Ao entender e decidir, no despacho recorrido, pela forma que dele consta, O Sr. Juiz "a quo", ou seja, que o exequente não pode impor que o Solicitador de Execução designado pelo Tribunal leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, podendo o Solicitador de Execução, a seu belo prazer, praticar os actos que quiser e entender, e não aqueles que o exequente, ora requerente, titular do direito dado à execução, requer e solicita, viola o disposto no artigo 2º, no artigo 3° nº 3, no artigo 4° nº.3, no artigo 802º, no artigo 810°, no artigo 821º, no artigo 832º, no artigo 834º nº1 e no artigo 848° do Código de Processo Civil, donde impor-se a revogação do despacho recorrido e a substituição por outro que defira o que nos autos requerido foi pelo exequente em 1ª Instância.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os factos com relevo para a economia deste agravo são os que constam do relatório.
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A única questão a resolver consiste em saber se o Solicitador de Execução está ou não vinculado, no que à escolha dos bens a penhorar respeita, às indicações do exequente.

Com o DL 38/2003, de 8 de Março, o legislador pretendeu reagir contra a “excessiva jurisdicionalização e rigidez” do “esquema dos actos executivos”, que considerou como “as causas e os factores de bloqueio do processo executivo português” (vd. respectivo preâmbulo). Por isso, a reforma da acção executiva introduzida por aquele diploma, embora “sem romper a sua ligação aos tribunais, atribuiu a agentes de execução a iniciativa e a prática dos actos necessários à realização da função executiva, a fim de libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais de tarefas a praticar fora do tribunal” (cfr. o aludido preâmbulo, sendo nossos os sublinhados).
Ao agente de execução incumbe, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, sob controlo do juiz (artigo 808º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).
Sendo a penhora, inquestionavelmente, uma das diligências que ao agente de execução cabe realizar, deve ele providenciar pela identificação e localização de bens penhoráveis (artigo 833º nº 1, 2 e 3 do Cód. Proc. Civ.). Conhecidos estes, e respeitando, em primeira linha, os limites qualitativos e quantitativos impostos pelos artigos 821º e seguintes do Cód. Proc. Civ., o agente de execução procede à penhora, de acordo com a ordem estabelecida pelos artigos 834º nº 1 e 2 e 835º do mesmo diploma legal.
Sem prejuízo do poder geral de controlo do processo (nomeadamente do controlo da legalidade dos actos processuais) e da decisão de concretas questões que lhe sejam suscitadas (artigo 809º nº 1-d) do Cód. Proc. Civ.), o juiz não interfere na actividade do agente de execução. Com efeito, o objectivo primordial da reforma da acção executiva empreendida em 2003 foi precisamente libertar o tribunal das competências não jurisdicionais. Mas houve, naturalmente, que as atribuir a alguém, no caso ao agente da execução.
Não significa isto, porém, que ele actue “a seu belo prazer”, como refere a agravante, pois que tem de exercer vinculadamente (como já vimos) o poder de que dispõe, estando sujeito ao controlo do juiz e podendo ser destituído (artigo 808º nº 4 do Cód. Proc. Civ.) e responsabilizado pelos seus actos e/ou omissões.
Por outro lado, parece-nos clara a opção do legislador de subtrair às partes – no caso do executado, com os limites que decorriam do disposto nos artigos 833º e 834º do Cód. Proc. Civ., e no caso do exequente, independentemente de qualquer ordem – a faculdade/poder de indicarem bens à penhora, indicação essa que, desde que respeitasse o disposto nos artigos 821º e seguintes da lei processual civil, o despacho determinativo da penhora sempre acolheria.
Por via da reforma de 2003 - e ressalvando as situações em que o agente de execução não identifica bens penhoráveis (cfr. parte final do nº 4. do artigo 833º do Cód. Proc. Civ.) – as partes deixaram de poder desencadear e moldar a efectivação da penhora, pois que a esta presidem as razões de celeridade e adequação vertidas nos nº 1 e 2 do artigo 834º do Cód. Proc. Civ.. A indicação de bens a penhorar eventualmente constante do requerimento executivo (artigo 810º nº 3-d) do Cód. Proc. Civ.) funciona, assim, como elemento a ter em conta pelo agente de execução na tarefa de identificação e localização de bens penhoráveis, mas não como critério determinante ou orientador da ordem de realização das penhoras.
No que a este aspecto respeita, a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente (nº 1 do artigo 834º do Cód. Proc. Civ.).
No requerimento executivo, a exequente indicou, como acima se referiu, os bens móveis existentes na residência da executada e 1/3 do vencimento da executada. Desconhece-se que/se outros bens foram identificados pela Sra. Solicitadora de Execução. Todavia, mesmo que inexistam, não temos dúvidas em afirmar que a penhora deve começar pelo direito de crédito da executada.
É que se nos afigura evidente que é mais fácil notificar a entidade processadora do vencimento da executada – que ao menos no mês seguinte iniciará os depósitos das quantias correspondentes à fracção penhorada (artigo 861º do Cód. Proc. Civ.) – do que deslocar-se à residência da executada (já para não falar na eventual necessidade de auxílio da força pública), apreender, identificar e avaliar os bens encontrados – lavrando o respectivo auto – e removendo-os daquela residência (artigos 848º a 849º do Cód. Proc. Civ.).
A razão apresentada pela exequente – apenas em sede de alegações do recurso – para a preferência pela penhora dos bens móveis da residência da executada (o vexame que, em caso de remoção dos bens, a penhora representa perante os vizinhos do executado é, na prática, uma das formas que mais rápida e facilmente permite ao exequente receber a quantia em dívida) subverte a função jurídica e económica da penhora, enquanto meio de conseguir o recebimento da quantia exequenda através da afectação ao exequente dos bens penhorados ou do produto da respectiva venda. O que a exequente pretende é “utilizar” a penhora dos bens da residência da executada como forma de a pressionar a conseguir - de qualquer modo - a quantia em dívida. Mas para isso não serve, julgamos, o Direito.
No sentido exposto, Ac. RL de 24-6-2008, de 13.12.07 e de 12.11.07, in, http://www.dgsi.pt Proc. nº 5213/2008-1, Proc. nº 9951/2007-7 e Proc. nº 10644/2007-8.
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Por todo o exposto, acordamos em negar provimento ao agravo e, consequentemente, mantemos a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Lisboa, 18 de Junho de 2009
Maria da Graça Araújo
José Eduardo Sapateiro
Maria Teresa Soares