Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8748/2008-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - De acordo com o art. 17.º n.º 1 da Convenção de Bruxelas se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva.
2 - Estabelece o art. 2.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22.12.2000, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias que entrou em vigor em 01.03.2002, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade, devem ser demandadas perante os tribunais desse Estado.
3 - Quer o art. 17.º da Convenção de Bruxelas quer o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, no que concerne aos pactos atributivos de jurisdição, não prevêem qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ponto é que tenha sido dado o acordo expresso ao mesmo.
4 - Tendo a escolha sido expressamente clausulada em contrato e tendo em conta o carácter vinculativo e de prevalência das normas plasmadas nas convenções internacionais sobre o regime jurídico interno do país, primado esse que se traduz na primazia hierárquica do direito comunitário, originário ou derivado, sobre o direito nacional, significa que, em caso de conflito é aplicada a disposição comunitária e não a nacional.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.
“M, S.A.”, com sede em São Domingos de Rana, instaurou e fez seguir contra “BGmbh”, com sede em Boppard, Alemanha, a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência:
1. Seja reconhecida a justa causa da resolução contratual por violação culposa da obrigação da exclusividade e a ré condenada a pagar à autora a indemnização de clientela no montante de € 537.287,79 e bem assim a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos causados na imagem, bom nome comercial e credibilidade da autora ou,
2. Caso assim não se entenda, ser reconhecida a justa causa por alteração das circunstâncias motivada pela perda da exclusividade em termos que tornaram inexigível que o contrato se mantivesse até ao fim do mês de Setembro e a ré condenada a pagar à autora a indemnização de clientela no montante de € 537.287,79 e bem assim a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos causados na imagem, bom nome comercial e credibilidade da autora ou,
3. Caso assim não se entenda, ser reconhecida a validade da denúncia e a imputabilidade à ré dos motivos que a justificaram e a ré condenada a pagar à autora a indemnização de clientela no montante de € 537.287,79 ou,
4. Caso assim não se entenda, ser reconhecido o enriquecimento sem causa da ré e a mesma condenada a restituir à autora aquilo que se tem por indevidamente recebido, isto é, € 537.287,79 e,
5. Cumulativamente a todos os pedidos deduzidos de 1 a 4, ser reconhecida e declarada a compensação do crédito de € 298.617,38 que a ré detinha sobre a autora com os € 537.287,79 ora peticionados e, em consequência, ser a ré condenada a pagar à autora o saldo não compensado de € 238.670,41, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencerem até integral pagamento.
Para além do mais e na parte que agora nos ocupa, alegou a autora que o contrato junto como documento 1 designa como foro competente para dirimir qualquer litígio o foro de Boppard na Alemanha (cláusula XIV), mas também estatui que Boppard não é o único foro disponível para a ré podendo esta optar por demandar a autora em Portugal ou noutro local.
Alega ainda a autora que este contrato não foi negociado e estas condições foram impostas à autora, sem possibilidades de argumentação atenta a supremacia negocial da ré aquando da celebração do contrato.
Adianta a autora que esta cláusula de atribuição de competência é perfeitamente abusiva pelo desequilíbrio que origina entre as partes ao conferir à ré uma vantagem inusitada na possibilidade de escolha do foro e ao limitar a autora ao foro de Boppard.
Acresce que inexiste um interesse sério do concedente em dirimir o litígio numa ordem jurídica estranha a todo o desenvolvimento do contrato de concessão.
Simultaneamente tem-se considerado consubstanciar um inconveniente grave para o concessionário ter de litigar numa ordem jurídica estranha à execução do contrato, razão pela qual se deve dar por verificado o requisito constante do art. 99.º n.º 3 alínea c) do C.P.C.
Por fim, alegou ainda a demandante, na petição inicial que, ao contrário do que fora estipulado no contrato, onde a ré impôs como lei aplicável a lei alemã, a legislação nacional prevê, e fá-lo por motivos de ordem pública, logo a título imperativo, que aos contratos regulados pelo Dec. Lei n.º 178/86 que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente.

Contestando a acção veio a ré defender-se por impugnação e por excepção, tendo igualmente deduzido pedido reconvencional, pugnando a final que:
1) Seja decretada a nulidade da citação feita à ré em 26.012007, com as legais consequências;
2) Caso assim não se entenda, deve a excepção de incompetência do Tribunal ser considerada provada e, em consequência, ser a ré absolvida da instância;
3) Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, deverá ser decretada a suspensão da instância até ser conhecida a decisão no processo que se encontra pendente pelo Tribunal de Koblenz, nos termos do art. 279.º do C.P.C;
4) Se por hipótese académica, não for decretada a excepção de incompetência nem a suspensão da instância, deverá ter lugar a apensação dos presentes autos junto do processo pendente pelo Tribunal de Koblenz, nos termos do art. 275.º do C.P.C;
5) De todo o modo, se, por hipótese de raciocínio vier a ser apreciada a questão substancial em causa nos presentes autos, deverá a acção ser julgada improcedente por não provada, devendo a ré ser absolvida do pedido e a autora ser condenada no pagamento das custas e procuradoria condigna;
6) O pedido reconvencional formulado nos presentes autos fica dependente de a acção pendente no Tribunal de Koblenz prosseguir ou não os seus termos, ou seja, se o pedido reconvencional contra a aqui autora não for antes apreciado em Koblenz, o que se admite como hipótese de estudo, requer-se que a autora seja condenada a pagar à ré a quantia global de € 301.847,70, bem como juros vencidos a partir das datas de vencimento de cada uma das facturas em dívida e vincendos até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal e que se liquidarão em execução de sentença.
Em matéria de excepção, suscitou a demandada a incompetência do Tribunal da Comarca de Cascais para julgar a presente acção declarativa na forma ordinária tendo, para tanto e em síntese, alegado que era pressuposto da vigência e execução da relação contratual entre a autora e a ré, a aceitação de um determinado número de regras, acordadas nesse contrato.
Sendo uma dessas regras a definição da Lei aplicável às suas relações contratuais, tendo assim as partes outorgantes do contrato em causa nos presentes autos acordado que a lei aplicável seria a da República Federal da Alemanha (cfr. cláusula XIV do contrato).
E outra dessas regras (cfr. cláusula XIV do contrato) resulta do acordo em submeter toda e qualquer questão adveniente do contrato ao tribunal correspondente à jurisdição de Boppard.
Alega também a demandada que a autora tinha outras alternativas de empresas concorrentes da ré para estabelecer contratos de distribuição de produtos em Portugal.
Sendo que a autora e a ré ao longo da sua relação comercial, durante anos, executaram e cumpriram, na prática, as correspectivas obrigações que se encontram plasmadas no texto do contrato, a saber nomeadamente: periodicidade das encomendas, datas de vencimento das facturas.
Adianta que a autora sempre cumpriu todas as regras contratuais até à data em que se verificou o incumprimento do seu clausulado – o que motivou que a ré intentasse uma acção judicial para a sua resolução no tribunal de Koblenz, em 29.09.2006 e que se encontra actualmente pendente.
Em abono do seu entendimento, veio ainda a ré invocar o disposto nos arts. 3.º nºs 1 e 3 e 7.º da Convenção de Roma de 19.06.1980, nos arts. 65.º alínea d) e 99.º ambos do C.P.C., bem como o art. 23.º n.º 1 alínea a) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22.12.2000, para além de alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Sustenta ainda a ré que a autora não fez a demonstração das consequências que resultariam da aplicação, ou não, da Lei Portuguesa, como estas nunca foram sequer consideradas na petição.
Em resposta à excepção deduzida pela ré, veio a autora alegar não ter possibilidades de se defender convenientemente nessa acção e impossibilidade prática de fazer deslocar 20 testemunhas à Alemanha e na importância que a imediação da prova assume num processo desta natureza, quando a ré terá, no máximo, uma ou duas testemunhas de nacionalidade alemã com conhecimento dos factos narrados nos presentes autos.
Que o pacto atributivo alegado pela ré para ser válido tem de ter na sua génese um propósito de justa composição dos interesses.
Pelos motivos práticos que se acabam de expor, esse propósito sai irremediavelmente comprometido se a presente acção for julgada na Alemanha.
Em abono da sua tese, invocou ainda a autora o art. 24.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22.12.2000.
Findos os articulados, teve lugar a audiência preliminar na qual, para além do mais, a Mm.ª Juíz a quo apreciando a referida excepção de incompetência internacional decidiu julgá-la improcedente, considerando por isso competente internacionalmente o Tribunal de Cascais.

Inconformada, interpôs recurso de tal decisão a ré, recurso que foi recebido como de agravo, a subir de imediato e em separado.
A agravante conclui pela forma seguinte as suas alegações de recurso:
1. Nos termos da cláusula XIV do contrato celebrado entre a autora e a ré e anexo aos presentes autos como documento n.º 1 da petição inicial, as partes acordaram que a lei aplicável ao contrato seria a da República Federal da Alemanha e submeter toda e qualquer resolução de litígios resultantes do mesmo contrato ao foro exclusivo do tribunal de Boppard, sendo este considerado o local de execução.
2. Tal cláusula trata-se de uma faculdade concedida às partes nos termos dos arts. 17.º n.º 1 da Convenção de Bruxelas, do art. 23.º do Regulamento CE do Conselho n.º 44/2001 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial bem como do art. 99.º do Cód. Proc. Civil Português.
3. Veio, contudo, o Tribunal de Cascais, mediante despacho saneador de fls. 728 e segs. declarar improcedente a referida excepção de incompetência, considerando-se competente para dirimir a presente acção, com os seguintes fundamentos: a alegada violação dos arts. 99.º n.º 2 do C.P.Civil e 23.º do Regulamento 44/2001 pelo facto de, segundo o despacho a quo, não estar presente um alegado requisito da bilateralidade da cláusula de jurisdição, e do n.º 3 do art. 99.º do C.P.Civil, por não se mostrar justificado o interesse sério da ré em estipular a competência exclusiva do Tribunal de Boppard bem como por tal vinculação exclusiva envolver grave inconveniente para a autora a qual tem sede em Portugal e desenvolve toda a sua actividade no território português.
4. Quanto à alegada violação dos requisitos da alínea c) do n.º 3 do art. 99.º, considerou, em primeiro lugar, o Tribunal a quo que a cláusula de eleição de foro não é válida por não se mostrar justificado qual o interesse sério da ré em estipular tal competência exclusiva.
5. Este interesse sério deve ser entendido “em termos semelhantes ao interesse digno de protecção legal do n.º 2 do art. 398.º do C.Civil, ou seja, como interesse atendível, embora sem conteúdo económico, que não corresponda a um mero capricho ou seja estranho ao direito, nem que atinja a equidade, a boa-fé contratual ou os bons costumes” – Abílio Neto, C.P.Civil Anotado, Ediforum, 2003, Anotação ao art. 99.º, pág. 190.
6. Autora e ré celebraram entre si um contrato de representação exclusiva segundo o qual à primeira seria concedido o direito de vender, em Portugal, os produtos da segunda, a esta compradas segundo o contratualmente acordado. Sendo a ré uma sociedade alemã, com sede em Boppard, como é óbvio existe um interesse sério da mesma ré em acordar com a autora, uma cláusula que conceda ao Tribunal da sua sede – Boppard – jurisdição exclusiva para dirimir qualquer litígio emergente do mesmo contrato no sentido que lhe é dado pela alínea c) do n.º 3 do art. 99.º do C.P.C. Mais, na própria cláusula em questão considera-se que Boppard é o local de execução do contrato.
7. Considerou-se em seguida que, no âmbito da alínea c) do n.º 3 do art. 99.º a vinculação exclusiva a tal foro envolve grave inconveniente para a autora a qual tem sede em Portugal desenvolvendo toda a sua actividade no território português e tal como decorre do contrato aceite entre as partes a execução do mesmo ocorreria em território nacional.
8. Tal afirmação é desde logo e conforme mencionado, desmentida pela própria linguagem da cláusula de jurisdição, na qual expressamente se afirma que o local de execução é Boppard. Contudo, a decisão a quo limita-se a remeter para a linguagem da lei sem de alguma forma explicar, em concreto, a razão pela qual a cláusula de jurisdição envolve grave inconveniente para a autora. Supõe-se que para o Tribunal a quo o mero facto da autora ser uma sociedade portuguesa e desenvolver toda a sua actividade em Portugal seria mais do que suficiente para tal. Ora, esta interpretação do n.º 3 do art. 99.º acarreta que todas as cláusulas de jurisdição segundo as quais as partes confiram exclusividade a um tribunal estrangeiro para dirimir um litígio são assim inválidas, por inconvenientes para a parte que seja uma sociedade portuguesa.
9. Como é óbvio, tal interpretação não colhe: não é, nem pode ser sequer consentânea com as regras e costumes do comércio internacional – a ter acolhimento a mesma tese, as sociedades portuguesas estariam extraordinariamente desobrigadas de cláusulas de jurisdição que conferissem competência exclusiva a um foro estrangeiro e à quais tivessem dado o seu acordo, mediante a mera invocação de que a deslocação a tal foro “lhe seria inconveniente” e fazendo assim letra morta de todas as Convenções e Tratados Internacionais em vigor.
10. Na verdade, não é necessário – ou sequer possível – entrar em considerações sobre a verificação dos requisitos da alínea c) do n.º 3 do art. 99.º do C.P.Civil: é que as partes na presente acção são uma sociedade portuguesa e uma sociedade alemã – estão assim ambas sedeadas em países contratantes da Convenção de Bruxelas e estados membros da União Europeia, vinculados aos termos do Regulamento 44/2001.
11. No direito português, em matéria de competência internacional, regem os arts. 65.º e 65.º-A, sendo que ambos se encontram precedidos do seguinte texto, introduzido pelo Dec. Lei n.º 38/2003 de 08.03: “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais,”. Trata-se de uma afirmação inequívoca do primado do direito internacional convencional e do direito comunitário sobre o direito português.
12. Ora, quer o art.17.º da Convenção de Bruxelas, quer o art. 23.º do Regulamento 44/2001, no que respeita aos pactos atributivos de jurisdição, não prevêem qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ao contrário do estipulado na alínea c) do n.º 3 do art. 99.º do C.P.Civil. Face ao primado do direito internacional e comunitário – estabelecido não só nos citados arts. 65.º e 65.º-A do C.P.C. como inclusivamente no n.º 3 do art.8.º da Constituição da República Portuguesa – quando as partes se encontrarem domiciliadas no território de um Estado membro ou de um estado contratante, as disposições do Regulamento e/ou da Convenção prevalecem necessáriamente sobre as regras respectivas do C.P. Civil.
13. Assim, nos presentes autos, a validade da cláusula atributiva de jurisdição apenas terá de ser considerada à luz do art. 23.º do Regulamento 44/2001 e do art. 17.º da Convenção de Bruxelas, cujo teor é, aliás, idêntico, nenhuma disposição fazendo qualquer tipo de exigências sobre a conveniência do foro escolhido para uma das partes, desde que estas tenham dado o seu acordo expresso à mesma – como é o caso.
14. Face ao exposto – primado do direito convencional e comunitário nesta matéria – não caberá ao Tribunal de Cascais cuidar não apenas sobre a existência dos requisitos da alínea c) do n.º 3 do art. 99.º do C.P.C. (sendo que no entender da recorrente os mesmos encontram-se por demais verificados), mas também sobre a alegada violação do n.º 2 do art. 99.º do mesmo Código no que respeita a um alegado requisito de bilateralidade – que supostamente existiria nessa disposição legal, tal como no art. 23.º do Regulamento 44/2001.
15. A este propósito a decisão a quo faz – salvo o devido respeito – uma enorme confusão entre a exigência de bilateralidade no que respeita ao acordo dado pelas partes à cláusula de jurisdição (do facto existente nas disposições legais em causa) e a bilateralidade da própria cláusula (a qual não consta da lei).
16. Segundo o despacho a quo, o art. 23.º do Regulamento 44/2001 pressupõe a bilateralidade e a vinculação de ambas as partes ao pacto, apenas podendo as partes estipular que a competência não é exclusiva para ambas as partes e não para uma só, e caso nada digam ela será “exclusiva”. Segundo o mesmo despacho, as partes, ao estipular na cláusula XIV do contrato que “O foro supra mencionado não é, no entanto, o único foro legal disponível para a Bomag”, não cumprem assim o requisito da bilateralidade constante do art. 23.º do Regulamento 44/2001, pelo que a mesma cláusula seria inválida.
17. Ora, atendendo ao texto do art. 23.º, citado, em vão se vislumbra qualquer exigência nesse sentido, isto é, da bilateralidade respeitante à exclusividade do foro para ambas as partes. Na verdade, o mesmo artigo apenas refere que a competência será exclusiva a menos que as partes convencionem o contrario. Ora, atendendo ao teor da cláusula XIV do Contrato, as partes atribuem, sem margem para dúvidas, competência exclusiva ao Tribunal de Boppart – apenas com o único “caveat” de que a ré, ora recorrente – e apenas ela – terá ao seu dispor outro foro disponível.
18. Trata-se de uma disposição contratual que não é, de forma alguma, proibida pelo citado artigo 23.º. Do mesmo resulta a liberdade das partes em atribuírem exclusividade a um certo e determinado foro, nos termos por si contratados, e uma vez verificados os requisitos constante do mesmo – que respeitam exclusivamente à forma a que o acordo das partes deve revestir – nomeadamente a forma escrita ou a sua confirmação de um acordo verbal.
19. O requisito da bilateralidade diz respeito à exigência de ambas as partes terem de manifestar, necessariamente, o seu acordo no que respeita ao pacto atributivo de jurisdição, e não quanto à exigência de ser a cláusula de jurisdição, ela própria, exactamente bilateral quanto ao seu teor. Ora, uma vez que o contrato celebrado entre as partes foi reduzido a escrito, assinado por ambas e cumprido nos seus precisos termos até ao momento da sua cessação por iniciativa da autora, não poderão restar dúvidas que o requisito da bilateralidade contido no art. 23.º do Regulamento 44/2001 (e também do art. 99.º do C.P.Civil) se encontra devida e totalmente preenchida, sendo a mesma cláusula perfeitamente válida.
20. Não se diga sequer que a ré não se encontra obrigada pela mesma cláusula. Pelo contrário, encontra-se vinculada nos seus exactos termos: é conferida competência exclusiva ao Tribunal de Boppard para a resolução de qualquer litígio resultante do contrato por um lado, e tal foro não é o único disponível para a mesma ré por outro, dentro da obrigação assumida no parágrafo anterior. Isto é, a ré, ora recorrente, reservou-se ao direito de eleger outro foro, sem tal reserva ser atribuída à autora.
21. Quanto a esta faculdade reafirma-se: em lado algum é a mesma proibida, cabendo amplamente na liberdade das partes no âmbito do comércio internacional. Estando a ré a celebrar um contrato de distribuição exclusiva com a autora, a qual assume o papel de distribuidora, faz sentido escolher o foro da sua sede para ter competência exclusiva sobre qualquer litígio, a não ser que a mesma ré escolha outro foro exclusivo – que se depreende, possa ser Portugal, ou qualquer outro no qual a contra-parte tenha algum bem sobre o qual a mesma ré pretenda valer os seus direitos de uma forma mais eficaz e célere.
22. Certo é que a cláusula de atribuição de jurisdição é sem qualquer sombra de dúvida vinculativa para a autora (que não opôs qualquer reserva ou limitação ao foro de Boppart) e a mesma autora violou tal cláusula ao intentar a presente acção no Tribunal de Cascais, encontrando-se a causa de pedir coberta pelo âmbito da cláusula de atribuição de jurisdição.
23. De igual forma, não têm colhimento os outros argumentos invocados pela autora para sustentar a improcedência da excepção de incompetência, nomeadamente o facto de a ré, juntamente com a arguição da excepção de incompetência do Tribunal ter também apresentado a sua defesa por impugnação e pedido reconvencional: é que fê-lo apenas a título subsidiário e na eventualidade do Tribunal em questão se declarar competente para decidir o litígio, o que está conforme com os termos dos arts. 18.º da Convenção de Bruxelas e 24.º do Regulamento 44/2001, conforme sustentado pela doutrina e jurisprudência citada.
24. Não tem cabimento também o argumento de que o contrato de distribuição exclusiva celebrado entre a autora e ré não foi um contrato negociado e as condições foram impostas à autora sem possibilidade de argumentação, dada a supremacia negocial da ré aquando da celebração do contrato: tendo em conta o contrato em causa, o qual se encontra nos autos como documento n.º 1 junto com a p.i., tal afirmação trata-se óbviamente de um disparate, desmentido pelo próprio teor e natureza do contrato, o qual é um contrato de distribuição exclusiva, duradoura, o que envolve um grau de complexidade e confiança entre as partes que foi óbvia e efectivamente negociado entre ambas.
25. Tal como mencionado na contestação a autora tinha outras alternativas de empresas concorrentes da ré para estabelecer contratos de distribuição em Portugal. Quer agora fazer crer que um contrato com o número de obrigações que celebrou com a ré e que implica uma relação contratual de distribuição exclusiva, lhe foi imposto pôr esta sem qualquer negociação.
26. Não obstante, diga-se que ainda que o contrato em causa fosse um contrato de adesão – o que se concebe apenas para meros efeitos de argumento, tal é o absurdo – tal não significa que não fosse válido um pacto privativo de jurisdição constante do mesmo, caso a autora não tenha feito qualquer reserva ou rejeição relativamente à mesma e lhe tenha dado o seu acordo – Cfr. Acordão do S.T.J. de 23.04.1996, BMJ 456.º-350 e Acordão da Relação de Lisboa de 02.12.1992, C.J. 1991, 4.º, pag. 190.
27. Não tendo assim colhimento nenhum dos argumentos invocados e cumpridos e todos os requisitos do Regulamento 44/2001 bem como da Convenção de Bruxelas (e ainda do art. 99.º do C.P.C., ainda que inaplicáveis ao caso), a cláusula atributiva de jurisdição exclusiva ao tribunal de Boppart é válida, com a necessária consequência de ser o Tribunal de Cascais incompetente para dirimir o presente litígio.
28. Donde, o despacho a quo violou o art. 23.º do Regulamento 44/2001, o art. 17.º da Convenção de Bruxelas, o art. 8.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e os arts. 65.º e 65.º-A e 99.º do C.P.Civil Português, devendo o mesmo ser revogado e declarada procedente a excepção de incompetência pela ré.
Nestes termos, deverá ser revogado o despacho a quo e, em consequência, declarada procedente, por provada, a excepção de incompetência internacional, por violação do pacto atributivo de jurisdição.

Contra alegou a autora/agravada em defesa do despacho recorrido, tendo concluído do seguinte modo:
1. A recorrente é uma empresa alemã líder mundial nos equipamentos de compactação, tem mais de 2.000 empregados e está presente ou representada em mais de 120 países, tendo atingido, no exercício de 2007, uma facturação de € 634.000.000,00.
2. A recorrida limita a sua actividade ao mercado português e foi, entre 1987 e 2006, a distribuidora exclusiva dos produtos da ré para esse mercado.
3. Nos autos a quo a recorrida pede o reconhecimento da justa causa da resolução contratual por violação culposa dessa obrigação de exclusividade, reclamando ainda da recorrente uma indemnização de clientela e a reparação dos danos causados na sua imagem, bom nome comercial e credibilidade.
4. Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador de fls. 728, no segmento em que declara a improcedência da alegada excepção e incompetência do Tribunal de Cascais para dirimir a presente acção, mas normas jurídicas identificadas pela recorrente não foram violadas pela decisão recorrida que está absolutamente conforme ao direito nacional e ao direito comunitário.
5. Para que possa concluir sobre a validade ou invalidade do pacto de jurisdição sub judice, importa definir quais os ordenamentos e instrumentos aplicáveis no momento da sua constituição e no momento presente.
6. O pacto de jurisdição foi assinado pelas partes, a 20 de Outubro de 1987, quando não havia qualquer norma de direito convencional ou comunitária que regesse a matéria na ordem jurídica Portuguesa.
7. A entrada em vigor da Convenção de Bruxelas no nosso país só ocorreu a 1 de Julho de 1992, conforme decorre do Aviso 95/92, publicado no Diário da Republica, I Série – A, n.º 157 de 10 de Julho de 1992.
8. O Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, por seu turno, entrou em vigor no dia 01 de Março de 2002, conforme disposto no respectivo art. 76.º.
9. Pelo que, no momento da propositura da presente acção, a única fonte de direito convencional ou comunitária que importa tomar em consideração é esse Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, que veio substituir a Convenção de Bruxelas (entre outras no que respeita às relações sub judice entre Portugal e a Alemanha), conforme resulta expresso do respectivo art. 68.º n.º 1.
10. A questão que com acuidade se coloca é a de saber se este Regulamento Comunitário, posterior ao pacto de jurisdição, mas anterior à propositura da acção, é aplicável à situação sub judice e, caso o seja, em que medida.
11. O Regulamento dispõe, no art. 66.º que as suas disposições são aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, mas tal não implica que a validade do pacto de jurisdição, assinado em 1987, deva ser avaliada à luz do respectivo art. 23.º.
12. De facto, o art. 23.º dispõe sobre as condições de validade substancial e formal dos pactos de jurisdição e conforme dispõe o art. 12.º n.º 2 do Cód. Civil, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos.
13. A validade substancial e formal de um pacto de jurisdição concluído antes de 01 de Março de 2002 (data da entrada em vigor do Regulamento) não pode, por isso, deixar de ser avaliada exclusivamente à luz do ordenamento vigente à época da sua conclusão.
14. No caso sub judice, tão pouco estava em vigor a Convenção de Bruxelas, pelo que a validade do pacto terá de ser aferida à luz das normas nacionais, maxime os arts. 99.º e 100.º (com a redacção à época) e o art. 19.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
15. Nem se diga que resulta do Regulamento que o legislador tinha intenção de aplicar os requisitos de validade substancial e formal dos pactos de jurisdição, constantes do art. 23.º aos pactos já existentes, porque, acaso fosse esse caso, o legislador teria consagrado expressamente essa intenção.
16. Como de resto o fez, por exemplo, no art. 3.º da Lei que deu ao art. 99.º do C.P.C. a redacção que ele tinha à época da celebração do pacto de jurisdição (Lei 21/78, de 3 de Maio de 1978): “Os pactos que houverem sido efectuados em contravenção do art. 99.º do C.P.Civil, na sua anterior redacção, ficam validados se obedecerem aos termos do presente diploma”.
17. Na falta de norma legal semelhante, a conclusão, segura e necessária, é a de que permanecem nulos os pactos de jurisdição que fossem nulos antes da vigência da Convenção de Bruxelas e do Regulamento Comunitário, pelo que importa apreciar da eventual nulidade do pacto de jurisdição sub judice à luz das normas nacionais vigentes ao tempo da sua celebração.
18. A cláusula de jurisdição sub judice, além de atributiva de jurisdição em relação ao foro de Boppard, é essencialmente privativa do foro português, mas só em relação à recorrida.
19. Não há nenhum interesse sério que a Bomag possa alegar para privar a Motivo de intentar contra ela, Bomag, uma acção em Portugal, para mais quando a Bomag se reserva o direito de demandar a Motivo em Portugal.
20. O intuito da cláusula é chocantemente claro: pela sua aplicação, a parte mais forte (o concedente), visa limitar de forma intolerável, abusiva e injustificada, a possibilidade de recurso aos Tribunais pela parte mais fraca, o concessionário.
21. De facto, pese embora teoricamente possível, o recurso aos Tribunais Alemães afigura-se, na prática, desmesuradamente oneroso e arriscado para um distribuidor local, como é o caso da recorrente.
22. Salvo melhor opinião, uma cláusula cujo único desiderato é impedir materialmente, ou dificultar de forma intolerável, o recurso da parte mais fraca aos Tribunais é contrária à ordem pública e ofensiva do mais elementar sentido de justiça e dos bons costumes, pelo que logo estaria ferida de nulidade ao abrigo do art. 280.º do Cód. Civil.
23. Acresce que parece altamente duvidoso, do ponto de vista jurídico, que um determinado foro seja e deixe de ser competente consoante a posição processual das partes, pelo que a finalidade de tal cláusula é, também, por isso, contrária à lei e como tal nula.
24. Ainda que assim não se entenda, a validade substancial da cláusula sempre estaria dependente dos requisitos constantes do art. 99.º do C.P.C., com a redacção à época da contratação.
25. A recorrida desconhece se a Lei Alemã aceita a designação de competência e a recorrente também não o demonstrou. Salvo melhor opinião, esse ónus corria por conta da recorrente, pelo que não o tendo feito, se deve dar a circunstância por não verificada.
26. Quanto à alínea b) do art. 99.º, é notório que não existe um interesse sério da parte da Bomag na estipulação do pacto privativo de jurisdição (unilateralmente privativo, na medida em que só inibe a recorrida de recorrer aos Tribunais Portugueses, mas já não a recorrente) parecendo até apropriado classificá-lo de capricho, estranho ao direito, ofensivo da equidade, da boa-fé contratual e dos bons costumes.
27. O pacto de jurisdição não cumpre os requisitos elencados no art. 99.º do C.P.C., com a redacção à data da respectiva celebração, pelo que o mesmo padece de nulidade, por violar disposição legal de carácter imperativo.
28. Acresce que, conforme alegado na petição inicial (artigo 258.º), o contrato dos autos não foi negociado e as condições (entre as quais o pacto de jurisdição) foram impostas à recorrida, sem possibilidade de argumentação, atenta a supremacia negocial da recorrente aquando da celebração do contrato.
29. Este facto não foi levado à base instrutória e disso mesmo a recorrida reclamou, precisamente porque perdia interesse, atendendo à douta decisão (prévia à decisão respeitante à base instrutória) que reconhecia a competência do tribunal de Cascais.
30. Porém, se porventura este Venerando Tribunal da Relação considerar ser de dar provimento ao agravo, nunca o poderá fazer sem que este facto seja aditado à base instrutória e sujeito à produção de prova.
31. Nos termos do art. 19.º da L.C.C.G., à data da celebração do pacto de jurisdição, são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) g) Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem; h) Remetam para o direito estrangeiro, quando os inconvenientes causados a uma das partes não sejam compensados por interesses sérios e objectivos da outra.
32. Também aqui a ponderação de interesses é fácil de fazer e a conclusão meridianamente clara – a eleição do foro de Boppard é proibida pela L.C.C.G. e, como tal, nula. Como nula é a designação da Lei Alemã para regular o presente litígio. Objectivo que, de resto, sempre estaria vedado pela aplicação analógica do art. 38.º do regime jurídico do contrato de agência.
33. Pelas razões expostas supra e por falta de disposição expressa nesse sentido, a superveniência do Regulamento Comunitário 44/2001 não vem sanar a nulidade do pacto de jurisdição, pelo que importa averiguar se o Tribunal de Cascais é competente à luz das normas de competência aplicáveis.
34. Admitindo a aplicabilidade do Regulamento Comunitário 44/2001, é imperioso começar por desconsiderar a cláusula contratual onde as partes afirmam ser Boppard o local de execução do contrato, na medida em que, como é evidente e resulta da matéria de facto assente, o local de execução do contrato era o território português.
35. Sendo Portugal o local de execução, a competência para a discussão da responsabilidade contratual é deferida aos seus Tribunais, por via do art. 5.º n.º 1 alínea a) e b) do regulamento.
36. Por fim interessa avaliar a possível competência dos Tribunais Portugueses ao abrigo do art. 24.º do Regulamento Comunitário que se tem vindo a referir.
37. Nos termos do referido art. 24.º, “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o Tribunal de um Estado Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do art. 22.º.
38. A recorrente compareceu perante o Tribunal de Cascais e essa comparência não teve como único objecto arguir a incompetência. Efectivamente, a recorrente defende-se subsidiáriamente por impugnação e, mais relevante, deduz pedido reconvencional.
39. Os fundamentos encontrados pelo Tribunal de Justiça das Comunidades para afastar a aplicação do art. 18.º da Convenção de Bruxelas (semelhante ao art. 24.º do Regulamento) no caso de apresentação de defesa subsidiária não são aplicáveis à reconvenção.
40. Porque o problema a que o Tribunal de Justiça pretendeu fazer face, com essa interpretação, foi o facto de, em certos Estados Membros, como é o caso de Portugal, a lei processual obrigar o requerido a contestar no mesmo momento não só a competência mas também o fundo da acção, sob pena de poder ser prejudicado na possibilidade de deduzir defesa material, caso veja a excepção de incompetência indeferida.
41. Essa lógica não é de todo aplicável à dedução de pedido reconvencional, na medida em que o mesmo, por definição, não integra os fundamentos da defesa.
42. Efectivamente, a não dedução de pedido reconvencional em nada prejudicaria a recorrente, que sempre poderia (e em coerência deveria) apresentar esse pedido na jurisdição que defende ser competente – a Alemã.
43. Ao fazê-lo em Portugal, a recorrente confere, inevitavelmente, competência aos Tribunais Portugueses para julgarem a presente acção.
44. Interpretação diferente seria inadmissível, na medida em que não teria qualquer correspondência na letra do art. 24.º – Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objecto arguir a incompetência.
45. E, como é sabido, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – art. 9.º n.º 2 do C.C.
46. Razão pela qual, deduzida que foi reconvenção, o Tribunal de Cascais sempre seria internacionalmente competente, por aplicação do art. 24.º do Regulamento Comunitário 44/2001.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso de agravo ser indeferido e o despacho recorrido ser mantido.
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A Mm.ª Juíz a quo manteve o despacho sob censura.
*
Neste Tribunal da Relação, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 705.º do C.P.C. – vide fls. 229/245.
Em devido tempo, a agravada, “M, S.A.”, requereu que sobre aquela decisão recaísse acordão – vide fls. 249.
A parte contrária, agravante, “BGmbh”, respondeu pugnando pela manutenção da dita decisão singular e, em consequência, declarada por acordão de conferência a incompetência internacional do Tribunal de Cascais, por violação do pacto atributivo de jurisdição – vide fls. 251/252.
Em face do exposto e por forma a levar o caso à conferência, foram colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação de facto.
Os factos a ter em conta na apreciação do recurso são não só os que já se encontram descritos no relatório deste acordão, cujo teor aqui se dá por reproduzido e para todos os efeitos legais, como ainda os seguintes:
A autora “M, S. A.” é uma empresa portuguesa com mais de três décadas de existência que se dedica à distribuição, em Portugal, de equipamentos industriais para movimentação de cargas, remoção de terras, compactação de solos e outros afins no domínio da construção civil e obras públicas.
Até ao passado dia 05.09.2007, a autora “M S.A.” era a representante e distribuidora exclusiva em Portugal de duas marcas de referência neste mercado – a britânica J a alemã B.
A J é um dos maiores fabricantes mundiais de máquinas de grande porte para obras públicas e construção civil.
A Bomag, ora ré, é o maior fabricante mundial de equipamentos para compactação de solos, tendo a sua sede em Boppard, Alemanha.
A 20.10.1987, a autora e a ré assinaram um contrato de distribuição exclusiva dos equipamentos, produtos e acessórios Bomag para o mercado português.
O contrato obrigava a autora a promover os produtos Bomag por sua própria conta e a manter um serviço de venda e pós-venda adequado.
Também constituía obrigação da autora manter, por sua conta, um eficiente stock de peças.
De 1987 até ao passado dia 05.09.2006, a autora distribuiu, promoveu e representou em regime de exclusividade a marca Bomag em Portugal.
Nos quase 19 anos em que foi distribuidora exclusiva da ré, a autora conseguiu colocar no mercado português mais de 2600 equipamentos da marca Bomag.
A cláusula XIV do dito contrato de distribuição é do seguinte teor:
“Este acordo e todas as transacções legais e acções que dele decorram, estão sujeiras à Lei da Republica Federal da Alemanha.
Boppard é o local da execução e o foro aplicável para a resolução de qualquer litígio resultante deste contrato, bem como para qualquer transacção negocial que ocorra entre os contraentes dentro do âmbito do contrato.
O foro supra mencionado não é, no entanto, o único foro legal disponível para a Bomag”.
A presente acção foi intentada em 22.09.2006.
Em face do alegado incumprimento do clausulado no contrato pela autora, a ré intentou no tribunal de Koblenz, Alemanha, em 29.09.2006, uma acção judicial actualmente pendente para a resolução do contrato.

III – Fundamentação de direito.
Os recursos são meios de impugnação de decisões, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
Donde, o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha de cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Para além desta limitação, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da recorrente, de harmonia com o disposto nos arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1, ambos do C.P.Civil; só abrangendo as questões que nelas se contém, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente, conforme dispõe o art. 660.º n.º 2, aplicável “ex vi” do art. 713.º n.º 2, ambos do citado diploma legal.
*
Em tese geral, designa-se por competência do tribunal a medida do respectivo poder jurisdicional. As regras sobre competência destinam-se a determinar o tribunal em que cada acção deve ser proposta.
Acresce que o momento a que deve atender-se para fixar a competência do tribunal é o da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, conforme preceitua o art. 22.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
Como ensina o Prof. Manuel Domingues de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra 1976, pág. 88, «(…) o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, (…), trata-se aqui da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar esse pleito (…)».
Sendo que a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código – cfr. art. 62.º n.º 1 do C.P.Civil.
Por seu turno, a competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais de um dado Estado no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para o julgamento de acções que tenham algum elemento de conexão entre a ordem jurídica nacional e uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras a esse Estado.
Ao fim e ao cabo, como referem os Profs. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 188, trata-se de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado.
Ou, ainda, nas palavras do Prof. Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil”, vol. II, pág. 21, a competência internacional é “… a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros…”.
À luz do art. 8.º n.º 1 da nossa Lei Fundamental, as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
Sendo que as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português – cfr. n.º 2 daquele preceito legal.
Prevalecendo, pois, tais normas mesmo sobre as leis originárias de ordem interna.
Em anotação ao referido art. 8.º da C.R.P., pronunciaram-se os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, pág. 43-44, “… O n.º 1 estabelece um regime de recepção automática do direito internacional comum no direito interno. O n.º 2 estabelece igualmente um regime de recepção automática, mas condicionada, das normas de direito internacional convencional internacionalmente vinculativas do Estado Português, …, as normas de direito internacional, quer comum quer convencional, vinculativas do Estado Português, vigoram como tais – isto é, enquanto normas de direito internacional – na ordem interna, nos mesmos termos e com a mesma relevância das normas criadas internamente e sem necessidade de serem «traduzidas» em lei ou transformadas em direito interno. Constituem, portanto, fontes autónomas de direito interno…”.
Ainda acerca desta matéria pode ler-se in “Direito Constitucional”, Edição da Associação Académica da F.D.L., 1977, págs. 546-549, do Prof. Jorge Miranda, “… O sistema de relevância de princípios e normas internacionais na ordem interna que melhor se coaduna com o monismo e com o primado do direito internacional é o da recepção geral ou automática, sem necessidade de qualquer princípio geral ou norma consuetudinária ou convencional carecer de transformação em lei para vigorar na ordem internacional, …, recepção geral ou automática, sistema em que a norma internacional, desde que vincule na ordem internacional o Estado, vigora imediatamente na sua ordem interna; e vigora enquanto tal, de harmonia com o seu título originário, como norma internacional (recepção formal) …”.
Por seu turno, a competência convencional é ditada em respeito pelo principio da autonomia da vontade, encerrando um verdadeiro negócio jurídico a cujas regras está sujeita a declaração de vontade das partes, desde logo quanto à identificação do tribunal competente para dirimir os conflitos eventualmente surgidos entre ambas.
Como é sabido a competência convencional não afecta directamente a relação jurídica material, sendo acessória dela; não é a solução para o litígio entre as partes, mas apenas o meio de elas o puderem solucionar.
Carreando os normativos com interesse para a decisão do agravo, dir-se-á que o entendimento da agravante, nesta matéria, é o que se mostra mais conforme com os textos legais.
Como refere a agravante “… a fixação do tribunal competente para a resolução do litígio resultante do contrato é uma faculdade que cabe amplamente na liberdade das partes no âmbito do comércio internacional…”.
O que vale por dizer que a cláusula XIV do contrato – “Este acordo e todas as transacções legais e acções que dele decorram, estão sujeiras à Lei da Republica Federal da Alemanha. Boppard é o local da execução e o foro aplicável para a resolução de qualquer litígio resultante deste contrato, bem como para qualquer transacção negocial que ocorra entre os contraentes dentro do âmbito do contrato. O foro supra mencionado não é, no entanto, o único foro legal disponível para a Bomag” – pactuado entre as partes, contendo a atribuição de jurisdição, vincula autora e ré.
Sendo que a demandante/agravada, durante todo o período de vigência do contrato, que teve inicio em 20.10.1987 e se prolongou até ao dia 05.09.2006 (cfr. alegou a autora no artigo 12.º da petição inicial, “… nos quase 19 anos em que foi distribuidora exclusiva da ré a autora conseguiu colocar no mercado português mais de 2600 equipamentos da marca Bomag…”, ou como sustenta a ré “… a autora e a ré ao longo da sua relação comercial, durante anos, executaram e cumpriram, na prática, as correspectivas obrigações que se encontram plasmadas no texto do contrato, …, que a autora sempre cumpriu todas as regras contratuais até à data em que se verificou o incumprimento do seu clausulado o que motivou que a ré intentasse uma acção judicial para a sua resolução no tribunal de Koblenz, em 29.09.2006 e que se encontra actualmente pendente…”) nunca opôs qualquer reserva ou limitação a que Boppard tivesse sido o local indicado para a execução e como o foro aplicável para a resolução de qualquer litígio resultante deste contrato.
Tal como nunca opôs reserva ou limitação a qualquer uma das quinze cláusulas que constituem o dito contrato, bem como nunca foi efectuada qualquer emenda ou aditamento escrito a este contrato, celebrado em 20 de Outubro de 1987, conforme documento junto aos autos a fls. 170-174.
Ou seja, à luz do alegado pela autora e tendo em conta apenas a matéria que agora nos ocupa, esta nunca excluiu juridicamente a sua adesão ao clausulado desse contrato, nem nunca afastou ou colocou qualquer reserva à referida cláusula XIV do aludido contrato.
Dito isto, com tal pacto, as partes assumiram o compromisso bilateral e inequívoco de aceitação por ambas, do foro que no pacto foi designado.
Regressando aos autos e atento o quadro factual alegado, constata-se que as partes, em 20.10.1987, celebraram entre si um contrato de distribuição exclusiva dos equipamentos, produtos e acessórios Bomag para o mercado português, no qual introduziram, entre outras, uma cláusula de fixação de competência do tribunal constituída para dirimir futuros e eventuais litígios emergentes da referida relação jurídica contratual.
Ora, à data da celebração do invocado contrato, em 20.10.1987, estava em vigor a Convenção de Genebra, publicada no Diário do Governo de 13.01.1931, que inseriu a arbitragem em Portugal apenas em assuntos comerciais.
Tal Convenção veio admitir a utilização de arbitragem como forma alternativa de resolução de conflitos, reconhecendo validade à estipulação de fazer julgar por meio de arbitragem as divergências resultantes de contrato comercial, ainda que a decisão tenha de ser proferida em país diferente daquele a cuja jurisdição estiver sujeita alguma das partes – cfr. art. 1.º.
No entanto, a Convenção de Genebra é, pois, omissa relativamente a pactos atributivos de jurisdição.
Certamente, daí que a agravante dela não tenha feito qualquer referência tendo, por seu turno, a agravada referido, nas contra alegações, que “… o pacto de jurisdição foi assinado pelas partes, a 20.10.1987, quando não havia qualquer norma de direito convencional ou comunitária que regesse a matéria na ordem jurídica Portuguesa…” – cfr. 6.ª conclusão, a fls. 13 deste acordão.
Não tendo aplicação, no caso sub judice, a referenciada Convenção de Genebra, pelo motivo acima apontado, impõe-se analisar a cláusula XIV do dito contrato de distribuição à luz do nosso ordenamento jurídico processual vigente à data da assinatura desse contrato.
Antes de mais, porém, importa referir que a regra geral no direito processual interno português é no sentido de que sendo a ré uma sociedade comercial será demandada no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência, filial ou delegação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra esta; mas a acção contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras, que tenham sucursal, agências, filial ou delegação em Portugal pode ser proposta no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal – cfr. art. 86.º n.º 2 do C.P.Civil.
No caso vertente, quer no momento da celebração do invocado contrato quer à data da propositura da acção, a ré, sociedade comercial, tinha a sede em Boppard, Alemanha.
Por outro lado, de harmonia com o disposto no art. 99.º n.º 1 do C.P.C., as partes podem convencionar que um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certo facto, serão decididos pelos tribunais de uma delas ou por tribunais internacionais.
Sendo que à designação dos tribunais pode corresponder a atribuição de competência exclusiva ou concorrente com as de outras jurisdições – cfr. n.º 2 daquele preceito legal.
A validade e eficácia do acordo pactuado entre as partes no sentido de “… submeter toda e qualquer resolução de litígio resultante do alegado contrato bem como para qualquer transacção negocial que ocorra entre elas, ao foro do tribunal de Boppard, não sendo este o único foro legal disponível para a Bomag…”, terá de ser aferido à luz do citado art. 99.º do C.P.C.
Como é sabido, a convenção sobre a fixação do tribunal competente, trata-se de um negócio jurídico, no sentido de que há vontades concorrentes, de duas partes para a sua formação, sendo que, como acima aludimos, tal acordo de fixação de competência trata-se apenas do meio para elas dirimirem os seus diferendos, nada afectando a relação jurídica material.
À luz da factualidade carreada para os autos – nomeadamente a descrita na fundamentação de facto (a fls. 20-21 deste acordão) – mostram-se preenchidos todos os requisitos para se poder concluir pela validade da aludida XIV cláusula contratual.
Tal pacto mostra-se também justificado por um interesse sério de pelo menos uma das partes.
A este propósito refere a agravante que “… este interesse sério deve ser um interesse atendível, embora sem conteúdo económico, que não corresponda a um mero capricho ou seja estranho ao direito, nem que atinja a equidade, a boa-fé contratual ou os bons costumes, …, autora e ré celebraram entre si um contrato de representação exclusiva segundo o qual à primeira seria concedido o direito de vender, em Portugal, os produtos da segunda, a esta compradas segundo o contratualmente acordado, …, sendo a ré uma sociedade alemã, com sede em Boppard existe um interesse sério da mesma ré em acordar com a autora, uma cláusula que conceda ao Tribunal da sua sede – Boppard jurisdição exclusiva para dirimir qualquer litígio emergente do mesmo contrato, …, a autora tinha outras alternativas de empresas concorrentes da ré para estabelecer contratos de distribuição em Portugal, …, quer agora fazer crer que um contrato com o número de obrigações que celebrou com a ré e que implica uma relação contratual de distribuição exclusiva, lhe foi imposto por esta sem qualquer negociação …” – vide 5.ª, 6.ª e 25.ª conclusões da alegação de recurso.
Com efeito, preceitua o art. 41.º n.º 1 do C.Civil que as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista. E o n.º 2 da mesma norma legal dispõe que a designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.
Dito isto e, em síntese, tem-se em vista com a exigência do elencado requisito evitar que se atribua a competência a um tribunal com o qual nem as partes, nem a causa, possuam conexão relevante.
O que seguramente não se verificou no caso.
*
Finalmente, sempre se dirá, relativamente às convenções que se seguiram à Convenção de Genebra, o seguinte.
Como é sabido, quer Portugal quer a Alemanha são partes contratantes da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e ao reconhecimento e execução de sentenças em matéria cível e comercial.
Tendo o Estado Português aderido à Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, a qual entrou em vigor na nossa ordem jurídica interna, desde 01.07.1992.
Com efeito, na situação em análise em que nos encontramos, perante um litígio privado internacional, sendo a autora e a ré sociedades comerciais sedeadas em dois Estados membros da União Europeia e Contratantes da Convenção – Portugal e Alemanha – impor-se-ia a aplicação das normas previstas na Convenção (art. 1.º) e não as normas ínsitas no C.P.Civil, para determinar qual o tribunal internacionalmente competente.
A este propósito, escreveu Miguel Teixeira de Sousa, in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, edição Lex 1994, pág. 67, que “… no seu específico âmbito de aplicação, a Convenção de Bruxelas é uma lei especial perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nos arts. 65.º, 65.º-A, 899.º e 1094.º a 1102.º, do C.P.Civil. Assim, sempre que o caso concreto caiba no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, as normas desta Convenção prevalecem sobre aquela regulamentação geral…”.
Estabelecendo o art. 17.º n.º 1 da Convenção de Bruxelas que se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita.
Do quadro legal acima traçado resulta que segundo o direito internacional convencional em questões comerciais ou civis abrangidas pela mencionada Convenção se uma das partes for domiciliada ou tiver sede num dos Estados Contratantes pode convencionar com a outra o foro competente para dirimir os seus litígios desde que o facto atributivo da jurisdição seja celebrado por escrito (o que sucedeu no caso sub judice) ou tenha confirmação escrita.
Também à luz da Convenção de Roma de 19.06.1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, a vigorar entre nós desde Fevereiro de 1994, dispõe o art. 3.º n.º 1 que o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes.
Mas também o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22.12.2000, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias que entrou em vigor em 01.03.2002, se aplica em matéria civil e comercial às acções intentadas posteriormente quando as partes são sociedades com sede em diferentes Estados Membro, Portugal e Alemanha (cfr. arts. 1.º, 60.º e 66.º do Regulamento).
Estabelecendo o art. 2.º do Regulamento que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade, devem ser demandadas perante os tribunais desse Estado.
Acresce que quer o art. 17.º da Convenção de Bruxelas quer o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, no que concerne aos pactos atributivos de jurisdição, não prevêem qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ponto é que tenha sido dado o acordo expresso ao mesmo, como sucedeu no caso sub judice.
Ora, face à imperatividade e primazia de aplicabilidade das normas de direito internacional convencional como decorre do art. 8.º da C.R.P. resulta que, sendo a ré domiciliada na Alemanha, também por aqui a acção deveria ser instaurada na Alemanha e não em Portugal.
Tendo a escolha sido expressa na cláusula XIV do contrato, outorgado pelas partes e tendo em conta o carácter vinculativo e de prevalência das normas plasmadas nas convenções internacionais sobre o regime jurídico interno do país, primado esse que se traduz na primazia hierárquica do direito comunitário, originário ou derivado, sobre o direito nacional, significa que, em caso de conflito é aplicada a disposição comunitária e não a nacional.
Donde, no caso vertente – quer segundo a regra do domicílio da ré, quer à luz do convencionado (pacto de jurisdição) entre as partes na mencionada cláusula XIV, acordada em 20.10.1987, quer mesmo de acordo com as convenções internacionais posteriores à Convenção de Genebra, designadamente a vigente à data da propositura da acção – a conclusão que se extrai é a de que a competência para apreciar e decidir da acção não cabe ao tribunal português mas sim ao da Alemanha.
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Por último, no que diz respeito à regra de que é competente o juiz de um Estado contratante perante o qual o réu compareça, tal regra não é aplicável se a comparência tiver por objecto arguir a incompetência.
Mas tal regra não será ainda aplicável quando o réu, para além de contestar a competência, vem contestar subsidiáriamente o fundo da acção – como aliás bem refere a agravada na 39.ª conclusão “… Os fundamentos encontrados pelo Tribunal de Justiça das Comunidades para afastar a aplicação do art. 18.º da Convenção de Bruxelas (semelhante ao art. 24.º do Regulamento) no caso de apresentação de defesa subsidiária…” e na 40.ª conclusão das suas contra alegações “… Porque o problema a que o Tribunal de Justiça pretendeu fazer face, com essa interpretação, foi o facto de, em certos Estados Membros, como é o caso de Portugal, a lei processual obrigar o requerido a contestar no mesmo momento não só a competência mas também o fundo da acção, sob pena de poder ser prejudicado na possibilidade de deduzir defesa material, caso veja a excepção de incompetência indeferida...”.
Com efeito, quanto às limitações de ordem adjectiva, o art. 489.º n.º 1 do C.P.Civil – consagrando o princípio da eventualidade ou da preclusão – prescreve, no que respeita à acção declarativa, que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, a apresentar dentro do prazo legalmente previsto para cada forma processual. Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal que depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
Ensinando o Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 139 que, de acordo com este princípio de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, “… todos os meios defensivos de que o réu pretenda valer-se devem constar deste articulado: de outro modo não são atendíveis, ficam precludidos…”.
Sucede que tal regra – competente o juiz de um Estado membro perante o qual o réu compareça – também não é aplicável no caso da ré, juntamente com a arguição da excepção de incompetência internacional do tribunal, ter também subsidiáriamente, não só apresentado a sua defesa por impugnação como ainda formulado pedido reconvencional, como ocorreu nos presentes autos.
Na verdade, podem formular-se pedidos subsidiários, dizendo-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração sómente no caso de não proceder um pedido anterior – cfr. dispõe o art. 469.º n.º 1 do C.P.Civil.
Como sustenta a ré/agravante na 23.ª conclusão das suas alegações “... É que fê-lo apenas a título subsidiário e na eventualidade do tribunal em questão se declarar competente para decidir o litígio, o que está conforme com os termos dos arts. 18.º da Convenção de Bruxelas e 24.º do Regulamento n.º 44/2001…”.
Por tudo quanto se deixou dito procedem, no essencial, as conclusões da alegação da agravante.
IV – Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida por o Tribunal de Cascais ser incompetente internacionalmente para os termos da presente acção e, consequentemente, absolve-se a ré da instância.
Custas pela autora em ambas as instâncias.
Lisboa, 21 de Maio de 2009.
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
José Eduardo Miranda Santos Sapateiro
Maria Teresa Batalha Pires Soares