Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47/18.0GATVD.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: CRIME DE PERSEGUIÇÃO AGRAVADO
PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - Ponderando no caso: o grau de ilicitude do facto – que deve qualificar-se num patamar médio,  tendo em conta a amplitude de comportamentos que podem subsumir-se à norma em apreço e o respetivo desvalor relativo e importando refletir que o crime de perseguição constitui um crime de perigo abstrato-concreto (ou crime de aptidão;  o modo de execução (relevando-se o modo reiterado como o arguido adotou condutas aptas a importunar a ofendida, pondo em causa a respetiva tranquilidade e sentimento de segurança, mas também o curto espaço de tempo em que os factos decorreram); a gravidade das consequências pois a ofendida viu-se constrangida a alterar as suas rotinas diárias, chegando mesmo a abandonar a sua residência por alguns períodos, de modo a evitar o arguido; a intensidade do dolo, direto; os sentimentos manifestados no cometimento do crime reveladores de comportamento egoístico e socialmente desajustado; a condição pessoal, social e económica e a conduta anterior e posterior ao facto por o arguido não registar antecedentes criminais e vista a moldura penal abstratamente prevista para o crime em questão (de 1 a 5 anos de prisão), concorda-se que a ilicitude dos factos e a gravidade das respetivas consequências não reclama pena que ultrapasse em medida relevante o patamar inferior da moldura.
- Não obstante, importa que a pena a impor traduza de forma firme a censura ética e social que justifica a estatuição do crime em causa, potenciando a respetiva interiorização pelo arguido, mostrando-se razoável e ajustada a pena de 18 (dezoito) meses de prisão para o arguido.
- Considerando a idade já avançada do arguido e a ausência de comportamentos criminais pretéritos, afigura-se-nos que é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a censura da condenação e a ameaça de execução da pena serão bastantes para o afastar da prática de futuros crimes de idêntica natureza, pelo que se decide suspender a execução da pena de prisão fixada, por período igual ao da sua duração, justificando-se, no entanto, que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, nos termos previstos nos artigos 50º, nº 2 e 53º, ambos do Código Penal, na medida em que este se mostrará apto a potenciar a capacidade do arguido para refletir sobre a desadequação dos comportamentos adotados e consciencializar-se dos danos causado a terceiros – desideratos que poderão não ser alcançados sem esse acompanhamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No Processo Abreviado nº 47/18…., do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de … - Juiz .., foi julgado o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a 17.10.1950, na freguesia de …, concelho de …, solteiro, residente em Rua ….., tendo sido condenado, por sentença datada de 26.10.2020, pela prática “de um crime de perseguição agravada, p. e p. pelos artigos 154º-A, nos 1, 3 e 4 e 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 90 (noventa dia de multa) à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e quarenta cêntimos)”, e ainda “na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, não se podendo dela aproximar a menos de 500m, nomeadamente da sua residência ou do local de trabalho, por um período de 1 (um) ano, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no artigo 154º-A, nos 3 e 4 do Código Penal”[1].
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Desta decisão interpôs recurso o Ministério Público, que concluiu:
“1.ª – Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º-A, n.ºs 1, 3 e 4 e 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de um ano e nas custas do processo.
2.ª – Não se impugna, no presente recurso, a matéria de facto, a subsunção dos factos ao direito nem a pena acessória aplicada na sentença recorrida.
3.ª – Todavia não nos podemos conformar com a pena de multa aplicada ao arguido, desde logo porque a mesma é manifestamente ilegal, porque não admitida, na medida em que o crime pelo qual o arguido foi condenado apenas prevê a punição com pena de prisão (no caso, de um a cinco anos), por força do estatuído no n.º 1, do artigo 155.º, do Código Penal.
4.ª - Os factos praticados pelo arguido e dados como demonstrados na sentença caem na previsão do artigo 154.º-B[2] e na alínea a) do já mencionado artigo 155.º, ambos do Código Penal.
5.ª – Incorreu o Tribunal recorrido em gravíssimo erro de direito, ao escolher uma pena cuja natureza não era admissível ao caso.
6.ª – A aplicação de qualquer pena (como consequência da prática de um crime) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, cumprindo a função de responder às necessidades de prevenção gerais e especiais que se fazem sentir em cada caso concreto, pelo que a pena tem sempre o fim de assegurar, por um lado, a reafirmação do bem jurídico violado, e de assegurar que o autor do crime não volte a delinquir, advertindo-o individualmente e dissuadindo-o da prática de novos crimes.
7.ª - A pena concreta a aplicar ao arguido AA deverá fixar-se entre um e cinco anos de prisão.
8.ª – Para alcançar a medida concreta da pena há que atentar no disposto no n.º 2, do artigo 40.º, do Código Penal, nos termos do qual a punição em concreto terá sempre como limite máximo inultrapassável a culpa do agente e terá como limite mínimo a pena reclamada pelas necessidades de prevenção geral que o caso reclame.
9.ª - Por outro lado, e por força do estatuído no artigo 71.º, do Código Penal na determinação da medida concreta da pena, há-de ainda ter-se em consideração, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, como sejam o grau de ilicitude, o modo de execução e as consequências do facto, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos e os motivos subjacentes à prática do crime, a conduta anterior e posterior à pratica dos factos, entre outras.
10.º - No caso concreto, temos que as necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo de realçar a necessidade de reafirmação do direito no âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal, considerando a proliferação destes tipos de ilícito, reclamando, portanto, a sociedade, sanções de maior gravidade; as necessidades de prevenção especial são baixas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais; a ilicitude é mediana, considerando o modo como o crime foi praticado, os meios utilizados pelo arguido (tendo abordado não só a ofendida mas também a sua filha; dirigindo expressões de ameaças de morte; utilizando, pelo menos em duas ocasiões um isqueiro facilmente confundível com uma arma de fogo, para, assim, incutir um maior receio na ofendida), o lapso temporal por que a mesma perdurou e as consequências na ofendida (que teve de, durante alguns dias, alterar a sua rotina e dormir em casa de uma amiga, receando por si e pela sua filha); e a culpa é, também, muito elevada, sendo que o arguido agiu com dolo directo, espelhada na persistência do arguido na prática das referidas condutas.
11.ª - Donde, tudo isto ponderado, condenando este Venerando Tribunal o arguido AA em pena de não inferior a um ano e seis meses de prisão, fá-lo-á em medida justa e adequada aos factos demonstrados em audiência de julgamento.
12.ª - Considerando todas as circunstâncias que elencámos e o estatuído no artigo 50.º, do Código Penal, cremos que é possível fazer um juízo de prognose favorável, acreditando que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
13.ª – Sufragamos, pois, que a pena de prisão a aplicar ao arguido deverá ser suspensa na sua execução, por igual período à pena que lhe vier a ser aplicada, sujeita a regime de prova.
14.ª - A sentença ora em crise violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 155.º, n.º 1, todos do Código Penal, pelo que deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que, condenando o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição agravada (previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 154.º-A, n.ºs 1, 3 e 4, 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal,), aplique uma pena de prisão, em medida não inferior a um ano e seis meses, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova, mantendo a pena acessória de proibição de contactos com a vítima a que foi condenado na sentença a que ora se recorre.”
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O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Notificado da interposição de recurso, o arguido não apresentou resposta.
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Neste Tribunal, a Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta aderiu aos fundamentos do recurso apresentado pelo Ministério Público em 1ª instância e concluiu pelo provimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Questões a Decidir.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos – a questão a examinar e decidir prende-se em exclusivo com a natureza da pena aplicada e respetiva determinação em concreto.
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III – Transcrição dos segmentos da decisão recorrida relevantes para apreciação do recurso interposto. 
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“A) Matéria de Facto Provada
Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada com interesse para a decisão a seguinte factualidade:
1. A ofendida DD reside na Rua ….. em …, … desde 2017.
2. O arguido é vizinho da ofendida, tendo travado amizade com esta e o seu companheiro e passado a ser visita regular na casa dos mesmos.
3. Porém, quando se deslocava a casa da ofendida e ficava a sós com esta nalguma divisão o arguido passava a sua mão e tocava na ofendida de modo inapropriado.
4. No entanto, a ofendida DD sempre rejeitou as propostas do arguido.
5. Por esse motivo, o arguido passou a vigiar a ofendida DD e a controlar todas as suas movimentações ao longo do dia, sabendo a que horas esta saía para trabalhar, a que horas voltava e quais os momentos em que esta se encontrava sozinha em casa, aproveitando essas ocasiões para se deslocar à residência daquela e insistir junto da mesma para ficarem juntos, dizendo-lhe “pela alminha da minha mãe, se não me dás o que eu quero juro que te mato!”.
6. Em data não concretamente apurada do mês de fevereiro de 2018, o arguido abordou EE, filha da ofendida, junto à localidade de … e exibiu-lhe um isqueiro com o formato de uma pistola, que a mesma pensou tratar-se de uma arma verdadeira, ao mesmo tempo que dizia “a tua mãe pensa que anda a brincar comigo, mas comigo não brinca”, sendo que EE entendeu que o arguido queria matar a mãe.
7. Ao ouvir tais palavras EE ficou em pânico e saiu do local a correr, dirigindo-se de imediato para casa onde contou o sucedido à sua mãe.
8. Nessa noite, por recear que o arguido concretizasse o que verbalizara, a ofendida DD e a sua filha saíram da residência onde moravam e pernoitaram durante alguns dias em casa de uma amiga sita na Rua …, em ….
9. Porém, o arguido descobriu onde ficava essa residência e passado alguns dias começou a rondar esse local, colocando-se junto ao campo de futebol de ….. por forma a conseguir ver a ofendida quando esta saía ou entrava na residência e assim controlar os seus movimentos e rotinas diárias.
10. No dia 15.03.2018 o arguido seguiu a ofendida DD desde a sua casa até à entrada da localidade de ….
11. Nesse mesmo dia, por volta das 16h00m, o arguido telefonou à ofendida DD e perguntou-lhe onde estava, tendo esta respondido que estava em ….
12. Em acto contínuo o arguido disse-lhe “Não vens para casa! Andas a brincar comigo! Hoje é que te mato!”.
13. Nessa noite, por recear que o arguido concretizasse o que verbalizara, a ofendida DD e a sua filha saíram da residência onde moravam e voltaram a pernoitar em casa de uma amiga.
14. No dia seguinte, pelas 06h30m, o arguido voltou a telefonar à ofendida DD e quando esta atendeu disse-lhe de imediato “Onde é que estás? Estou aqui à tua espera! Quando abrires a porta mato as duas!”, referindo-se à ofendida e à sua filha.
15. Ao fim da tarde desse dia, quando regressava do trabalho e se dirigia de autocarro para a casa da sua amiga, a ofendida DD viu o arguido a rondar a residência daquela e por ter receio que aquele a matasse não saiu na paragem mais próxima e continuou até ao terminal rodoviário de …, indo em seguida apresentar queixa no posto da G.N.R. daquela localidade.
16. Como consequência directa e necessária das referidas condutas do arguido, a ofendida DD receou pela sua vida e integridade física e psíquica, sentindo-se inquieta, com medo e em permanente sobressalto.
17. O arguido tinha consciência de que ao abordar a ofendida DD da forma supra descrita e contra a sua vontade, de forma reiterada, a molestava psicologicamente, provocando-lhe sentimentos de medo e inquietação e limitando-lhe a liberdade de determinação.
18. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punível por Lei.
19. O arguido é ….. reformado, auferindo cerca de € 414,00.
20. Vive numa casa de conhecidos, não pagando qualquer renda.
21. Não tem água, luz, nem gás, fazendo, por vezes, a sua higiene pessoal na casa de algum vizinho.
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
B) Matéria de Facto Não Provada
a) O descrito em 2 ocorre desde janeiro de 2018.
b) Nas circunstâncias descritas em 3, o arguido chegava a dizer-lhe em várias ocasiões que “se não estiveres um bocado sozinha comigo para a gente estar os dois, pela alminha da minha mãe que te mato!” por forma a pressioná-la para que tivessem relações sexuais.
c) Nas circunstâncias descritas em 5, o arguido disse “eu não tenho nada a perder”.
d) Nas circunstâncias descritas em 6, o arguido disse “mas eu mato-a”.
e) Ainda nessa noite, pelas 23h00m, o arguido telefonou à ofendida DD e perguntou-lhe se não vinha para casa e disse-lhe que estava à sua porta.
f) A ofendida alterou as suas rotinas diárias e evitado andar sozinha na rua.”
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IV – Fundamentação.
Nos termos previstos no artigo 410º, nº 1 do Código de Processo Penal, “sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, sendo o recurso o caminho legal para corrigir os erros cometidos na decisão judicial penal, devendo manter-se presente que o recurso ordinário é um recurso de renovação, visa a renovação da discussão, substituindo a decisão recorrida por outra, sendo que, no caso em apreço, por se tratar de recurso interposto pelo Ministério Público, que é um órgão de administração da justiça, o seu propósito é lograr uma correta aplicação da lei, independentemente das consequências prejudiciais ou favoráveis para o arguido que da correta aplicação da lei possam resultar (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 317; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 25-27).
Como acima se assinalou a única questão trazida a este Tribunal de recurso prende-se com a escolha e determinação da medida concreta da pena a impor ao arguido, assente que está o cometimento por este de um crime de perseguição agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 154º-A, nos 1, 3 e 4, e 155º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.
O Tribunal a quo fixou a referida pena em 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), tendo considerado que a pena abstratamente aplicável ao crime em questão era de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Porém, o artigo 155º do Código Penal, sob a epígrafe «agravação», dispõe que: “1 - Quando os factos previstos nos artigos 153º a 154º-C forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; (…); o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153º [crime de ameaça] e 154º-C [atos preparatórios do crime de casamento forçado], com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos do nº 1 do artigo 154º [crime de coação] e do artigo 154º-A [crime de perseguição], e com pena de prisão de 1 a 8 anos, no caso do artigo 154º-B [crime de casamento forçado]”. (sublinhado nosso)
Perante o texto legal, é evidente que a sentença recorrida incorreu em erro de direito ao determinar a medida abstrata da pena aplicável ao crime cometido pelo arguido. Com efeito, quando a agravação a que se refere o artigo 155º do Código Penal se reporte ao crime previsto no artigo 154º-A do mesmo diploma legal – como é o caso dos autos – a lei é clara ao determinar que a pena aplicável é de 1 a 5 anos de prisão, não admitindo, pois, a aplicação, a título principal, de uma pena de multa.
Não tendo a decisão recorrida atendido a tal circunstância, é evidente que não poderá manter-se, cabendo determinar a pena concreta a impor ao arguido dentro da moldura penal legalmente prevista.
No que se refere às circunstâncias a ter em conta na determinação da medida da pena, escreveu-se na sentença recorrida: “O critério orientador fixado no art. 70.º do CP, nos casos em que se preveja pena não privativa da liberdade em alternativa à pena de prisão, é o da prevalência daquela desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, conforme determina o art. 40.º do CP, a aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da “prevenção da reincidência” (prevenção especial positiva). A escolha da pena terá, assim, de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados neste artigo.
No caso em análise, no respeitante às exigências de prevenção geral, entende-se que as mesmas são muito elevadas, considerando o bem jurídico em causa.
Já no que concerne às exigências de prevenção especial, considera-se que as mesmas são baixas considerando que o arguido não tem antecedentes criminais.
(…)
Do disposto nos art.os 40.º, n.º 2 e 71.º n.º 1 do CP, resulta, que a culpa constitui limite máximo inultrapassável da pena a determinar. Já a prevenção geral, principalmente positiva ou de integração, fornecerá o ponto óptimo e o limite mínimo que permite a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, dentro daqueles limites, devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I – Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, págs. 78 e segs.).
Devem, ainda, ser consideradas na medida da pena, as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis aos Arguidos que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra os mesmos, como preceitua o artigo 71.º, n.º 2, do CP, encontrando-se assim a pena adequada e justa.
Nesta decorrência, cumpre referir que uma vez que o arguido agiu com dolo directo o seu grau de culpa é intenso. Já no que concerne ao grau de ilicitude da sua conduta, entende-se que o mesmo é mediano considerando o tipo de conduta que a norma pretende prevenir.
Por outro lado, e enquanto circunstâncias favoráveis ao arguido, deverá ter-se presente que se encontra familiar e socialmente inserido.”
O Digno recorrente, por seu turno, discorreu, quanto à fixação da medida concreta da pena a impor ao arguido, nos seguintes termos: “Para alcançar a medida concreta da pena há que atentar no disposto no n.º 2, do artigo 40.º, do Código Penal, nos termos do qual a punição em concreto terá sempre como limite máximo inultrapassável a culpa do agente e terá como limite mínimo a pena reclamada pelas necessidades de prevenção geral que o caso reclame.
Por outro lado, e por força do estatuído no artigo 71.º, do Código Penal na determinação da medida concreta da pena, há-de ainda ter-se em consideração, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, como sejam o grau de ilicitude, o modo de execução e as consequências do facto, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos e os motivos subjacentes à prática do crime, a conduta anterior e posterior à pratica dos factos, entre outras.
No caso concreto, temos que as necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo de realçar a necessidade de reafirmação do direito no âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal, considerando a proliferação destes tipos de ilícito, reclamando, portanto, a sociedade, sanções de maior gravidade; as necessidades de prevenção especial são baixas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais; a ilicitude é mediana, considerando o modo como o crime foi praticado, os meios utilizados pelo arguido (tendo abordado não só a ofendida mas também a sua filha; dirigindo expressões de ameaças de morte; utilizando, pelo menos em duas ocasiões um isqueiro facilmente confundível com uma arma de fogo, para, assim, incutir um maior receio na ofendida), o lapso temporal por que a mesma perdurou e as consequências na ofendida (que teve de, durante alguns dias, alterar a sua rotina e dormir em casa de uma amiga, receando por si e pela sua filha); e a culpa é, também, muito elevada, sendo que o arguido agiu com dolo directo, espelhada na persistência do arguido na prática das referidas condutas.”
As considerações tecidas quer pelo Tribunal a quo, quer pelo Digno recorrente, não deixam de revelar-se ajustadas face ao caso concreto em apreciação.
Vejamos, então, na perspetiva desta Relação qual a justa pena para o arguido.
Razões de prevenção geral estão presentes nesta pena, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar a proliferação de crimes desta natureza, em que a liberdade de ação e decisão de outra pessoa é posta em causa[3]. Cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que os arguidos têm de ser alertados para a gravidade do seu comportamento, de modo a corrigir-se, evitando-se assim futuros atos de delinquência. São, assim, substancialmente relevantes, as razões de prevenção, quer especial, quer geral, subjacentes à pena concreta em apreciação. O modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal – porque de proteção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro dessa medida de prevenção (proteção ótima e proteção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.10.2009, processo nº 589/08.6PBVLG.S1.
Ou, ainda, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2021, processo nº 381/16.4GAMMC.C1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), “As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.
A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.
As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Num caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
Neste contexto, importa ainda ponderar, no caso em apreço:
- o grau de ilicitude do facto – que deve qualificar-se num patamar médio,  tendo em conta a amplitude de comportamentos que podem subsumir-se à norma em apreço e o respetivo desvalor relativo; importa refletir que o crime de perseguição constitui um crime de perigo abstrato-concreto (ou crime de aptidão), ou seja, “o tipo só inclui as condutas que sejam aptas, numa perspetiva ex ante, de prognose póstuma a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, devendo ser feita a prova pelo tribunal da potencialidade da ação a causar a lesão” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, 2021, pág. 119);
- o modo de execução – relevando-se o modo reiterado como o arguido adotou condutas aptas a importunar a ofendida, pondo em causa a respetiva tranquilidade e sentimento de segurança, mas também o curto espaço de tempo em que os factos decorreram;
- a gravidade das consequências – a ofendida viu-se constrangida a alterar as suas rotinas diárias, chegando mesmo a abandonar a sua residência por alguns períodos, de modo a evitar o arguido;
- a intensidade do dolo – o arguido agiu com dolo direto, a forma mais intensa de dolo;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado;
- a condição pessoal, social e económica – expressa na factualidade apurada;
- a conduta anterior e posterior ao facto – o arguido não regista antecedentes criminais.
Ponderadas todas as circunstâncias enunciadas e vista a moldura penal abstratamente prevista para o crime em questão (de 1 a 5 anos de prisão), concorda-se que a ilicitude dos factos e a gravidade das respetivas consequências não reclama pena que ultrapasse em medida relevante o patamar inferior da moldura. Não obstante, importa que a pena a impor traduza de forma firme a censura ética e social que justifica a estatuição do crime em causa, potenciando a respetiva interiorização pelo arguido.
Aqui chegados, considera-se razoável e ajustada a pena de 18 (dezoito) meses de prisão para o arguido.
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Da suspensão da execução da pena
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Como se ponderou no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2021, “Para a aplicação da suspensão da execução da pena (artigo 50.º, do CP), a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.
Estão em causa, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Professor Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».
Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa, pois, determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.
Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.
Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.”
Assim, subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes.
No caso, considerando a idade já avançada do arguido e a ausência de comportamentos criminais pretéritos, afigura-se-nos que é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a censura da condenação e a ameaça de execução da pena serão bastantes para o afastar da prática de futuros crimes de idêntica natureza, pelo que se decide suspender a execução da pena de prisão fixada, por período igual ao da sua duração, justificando-se, no entanto, que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, nos termos previstos nos artigos 50º, nº 2 e 53º, ambos do Código Penal, na medida em que este se mostrará apto a potenciar a capacidade do arguido para refletir sobre a desadequação dos comportamentos adotados e consciencializar-se dos danos causado a terceiros – desideratos que poderão não ser alcançados sem esse acompanhamento.
Mantém-se – até porque não foi objeto de impugnação – a pena acessória em que o arguido foi condenado em 1ª instância.
Deve, pois, conceder-se inteiro provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em jugar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, no que se refere à pena principal fixada, condenando o arguido AA, pela prática, como autor material, de um crime de perseguição agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 154º-A, nos 1, 3 e 5 e 155º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 131º, todos do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova.
No mais, mantém-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos, designadamente, no que se refere à pena acessória de proibição de contactos com a vítima.
No Tribunal recorrido diligenciar-se-á pela elaboração do plano de reinserção social a que se refere o artigo 54º do Código Penal.
Sem custas.
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Lisboa, 16 de novembro de 2021
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
José Simões de Carvalho
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[1] De acordo com a retificação constante do despacho de 09.02.2021, com a refª Citius …...
[2] Cremos que a menção ao artigo 154º-B do Código Penal constitui evidente lapso de escrita, já que não vem posto em causa pelo Digno recorrente o enquadramento jurídico dos factos apurados no crime de perseguição (agravada), pelo qual vinha o arguido acusado.
[3] Sem esquecer que a fonte da incriminação em apreço é o artigo 34º da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011 (aprovada pela Resolução da AR nº 4/2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 13/2013), de cujo preâmbulo consta o reconhecimento de que: “a violência contra as mulheres é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens que levou à dominação e discriminação das mulheres pelos homens, privando assim as mulheres do seu pleno progresso e que “a natureza estrutural da violência contra as mulheres é baseada no género, e que a violência contra as mulheres é um dos mecanismos sociais cruciais através dos quais as mulheres são mantidas numa posição de subordinação em relação aos homens”.