Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SIMÕES DE CARVALHO | ||
Descritores: | REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO DESCONTO NA PENA DE PRISÃO ANTERIOR CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/24/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. II - Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado. III - Nos crimes permanentes, não só a consumação, como a execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do interesse objecto jurídico do crime. IV - Face à redacção do Art.° 80°, n.° 1 do C. Penal, o período de detenção e prisão preventiva nos crimes permanentes, uma vez que a atividade delituosa se manteve para além da decisão final e do trânsito em julgado do supra mencionado processo, não é de descontar, uma vez que o trânsito do processo a descontar ocorreu sem a consumação integral do crime. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal 5.ª do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Processo Comum Colectivo n.° 141/09.9POLSB da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, por despacho de 28-02-2014 (cfr. fls. 516 a 518), foi, no que ora interessa, decidido: «Vi a reformulação da liquidação da pena aplicada nestes autos ao arguido C... constante de fls 11071/11076, com a qual se concorda quanto aos períodos que, ao abrigo do disposto no art° 80° do C. Penal, devem ou não ser descontados na liquidação da pena, para além dos já anteriormente considerados, discordando-se no entanto do cálculo feito quanto aos 2/3 da pena. Na verdade, como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público, na liquidação da pena a cumprir pelo arguido, há que descontar, em aplicação do disposto no art° 80° do C. Penal, o tempo de detenção e de prisão preventiva sofrida pelo mesmo à ordem do Proc° 12/11.9 GHLSB da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal entre 12.11.2011 e 21.05.2013 (cfr. fls 10878), concretamente um ano 6 meses e 9 dias, processo no qual foi absolvido por decisão ainda não transitada em julgado, não sendo de descontar o período de detenção e de prisão preventiva que sofreu à ordem do Proc° 323/06.5 PAMTJ do 3° Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, no qual veio o arguido a ser absolvido por decisão transitada em julgado em 28.04.2009 (cfr. fls 10915/42), em virtude de parte dos factos em causa nos presentes autos terem sido praticados depois do trânsito em julgado do acórdão absolutório proferido naqueles autos. Com efeito, os factos em causa nos presentes autos imputados ao arguido C... e pelos quais veio o mesmo a ser condenado ocorreram entre Abril de 2008 e 03.07.2009, portanto, alguns deles já depois do trânsito em julgado da decisão proferida no Proc° 323/06.5 PAMTJ do 3° Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, trânsito que ocorreu em 28.04.2009. Tal situação inviabiliza a aplicação do disposto no art° 80°, n° 1, do C. Penal que determina que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.» Em face do que se deixa exposto, ao abrigo do que se dispõe no art° 474°, n° 4, do CPP, passa a proceder-se à liquidação da pena aplicada nestes autos ao mencionado arguido. I- PENA Por acórdão proferido nestes autos, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa,
transitada em julgado em 05-09-2013, foi o arguido C… condenado pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299º, nº 2, do Código Penal, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º. n.º 1 do Código Penal e um crime de furo qualificado, na forma tentada p. e p. pelos art°s 204°, n° 2, alínea e), e 22° do Código Penal, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão. II - DATA DA PRISÃO O condenado encontra-se preso à ordem deste processo desde 01.10.2013 (fls. 10656). Nos termos do disposto no art° 80° do Código Penal, há que descontar o tempo em que esteve privado da liberdade, também à ordem destes autos, entre 3.07.2009 e 01.07.2010, portanto durante 11 (onze) meses e 28 (vinte e oito) dias (cfr. fls. 1512/1513 v° e 1792 a 1861, 2237/2241, 2258, 2473, 2474, 2475, 2493/4, 5614, 5620 e 5629), bem como o período de 1 (um) ano 6 (seis) meses e 9 (nove) dias em que esteve privado de liberdade à ordem do Proc° 12/11.9 GHLSB da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, isto é, entre 12.11.2011 e 21.05.2013 (cfr. fls 10878), processo em que foi absolvido por decisão ainda não transitada em julgado. III - MEIO DA PENA O meio da pena ocorrerá em 25 de Outubro de 2013. IV - 2/3 DA PENA Atingirá 2/3 da pena em 05 de Setembro de 2014. V - FIM DA PENA Terminará o cumprimento da pena no dia 25 de Maio de 2016. * Notifique o arguido e o seu Exmo Defensor, nos termos previstos no art° 477°, n° 4, do C.P.P Comunique ao E.P. e ao T.E.P.. Oportunamente, cumpra o disposto nos art°s 477°. n° 1, do C.P.P. e 25° D da Portaria n° 114/2008, de 6 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Portaria n° 195-A/2010, de 8 de Abril.» Por não se conformar com o assim decidido, interpôs o arguido C... o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões (cfr. fls. 519 a 529): «1. O douto despacho recorrido nega o desconto do tempo de privação de liberdade ocorrida no processo 323/06.SPAMTJ porque parte dos factos provados nestes autos, quanto ao recorrente, terem ocorrido após o trânsito em julgado da decisão daquele processo; 2. Contudo, o arguido foi aqui condenado por um crime de associação criminosa do art. 299° do CP que se consumou logo em Fevereiro de 2009; 3. Este crime foi por isso praticado em data anterior ao trânsito em julgado da decisão final do processo onde a privação da liberdade ocorreu — 28.4.2009; 4. O arguido foi ainda condenado por um crime de roubo ocorrido em 22.4.2009, ou seja, em momento anterior ao trânsito em julgado do outro processo - 28.4.2009; 5. O arguido foi por fim condenado no crime de furto tentado, praticado em 28.4.2009, o que coincide com a data de trânsito em julgado do outro processo: 6. Verifica-se pois que nenhum deste crimes foi praticado em data posterior a 28.4.2009, ou seja, não estamos perante um crime futuro, que se pretendeu evitar com a limitação imposta na parte final do n. ° 1 do art. 80° do CP; 7. Por outro lado, independentemente das questões anteriores, acredita o recorrente que basta parte dos factos, ou dos crimes, estarem contidos naquela limitação, para se aplicar o desconto à pena única: Violaram-se os artigos: · 80°, 204°, 210° e 299° do CP. NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO DEVERÁ O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO E REVOGAR-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO V. EXAS. FARÃO SEMPRE JUSTIÇA!» Admitido o recurso e, efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o M° P° (cfr. fls. 530 a 545), em que concluiu: «1- Conforme já decorria da nossa promoção de fls 10972 nos presentes autos foi o arguido C... condenado pela prática de um crime de Associação Criminosa p. e p. nos termos do art. 299° em concurso com um crime de roubo p. e p. nos termos do art. 210° n° 1 e um crime de furto qualificado na sua forma tentada p. e p. nos termos do art. 204° n° 2 todos do Código Penal, na pena única de 5 anos e dois meses de prisão. 2- Resultam dos autos a prática de factos pelo arguido cometidos até 3 de Julho de 2009 provando-se que o arguido participou e foi também condenado pela prática de factos ocorridos em datas anteriores a tal data nos NUIPC, s 551/09.1PGLRS a fls 8997 e até coincidentes á data da decisão final e trânsito do processo cujo desconto de requer - NUIPC 244/09.1GCMTJ - fls 8996. 3- Porém também se provou para além da permanência na organização a participação do arguido em fatos ocorridos em 02 de Junho de 2009-NUIPC 292/09.OGBMTJ a fls 8986 e 8987 em que se dá como provada a contribuição objetiva do arguido para consumação dos factos, preparando-os e fornecendo os meios para sua execução - fls 8987. 4- Ora no Processo 323/06.5PAMTJ-2° mencionado pelo arguido, mediante Acórdão a fls 10915, e despacho judicial de fls 10943, por fatos cometidos em 08 de Junho de 2006 o arguido esteve detido e em prisão preventiva no período compreendido entre 18 de Janeiro de 2007 até 24 de Dezembro de 2007, sendo absolvido por decisão final de 16 de Março de 2009 5- Decisão transitada apenas em 28 de Abril de 2009 - fls 10915 - portanto em data anterior à consumação material do crime de associação criminosa pelo qual foi condenado nos autos. 6- Assim o processo 323/06.5PAMTJ teve decisão final e transitou em plena execução dos fatos relativos ao crime de associação criminosa pelos quais o arguido foi condenado nos presentes autos e onde não obstante tal decisão final e trânsito prosseguiu a sua atividade delituosa até á data da sua detenção nos autos.
7- Face à redação do art. 80° n° 1 do Código Penal o período de detenção e prisão preventiva, uma vez que a atividade delituosa se manteve para além da decisão final, não será de descontar uma vez que não se poderá afirmar que os fatos pelos quais foi condenado nos presentes autos ocorreram anteriormente à decisão final do processo onde ocorreu a detenção a eventualmente descontar, não se cumprindo assim os requisitos do art° 80° n° 1 do Código Penal. 8- O que encontra também apoio no disposto no art. 119° n° 2 alínea a) do Código Penal uma vez que consumação do crime de Associação Criminosa, tratando-se de um crime de execução permanente, apenas se consuma materialmente com o dia em que cessa a consumação, o que permite concluir que o fato em que o arguido foi condenado nos presentes autos não foi praticado anteriormente à decisão final do processo em que seriam de descontar os períodos de detenção.
9- Foi o arguido também condenado pela prática de factos que integram crimes de roubo e furto tentado ocorridos em datas posteriores á data da decisão final do processo a descontar por factos ocorridos em 22/04/2009 (roubo) e 28/04/2009 (furto tentado), sendo que a data da decisão final do mesmo processo remontava a 16 de Março de 2009 (fls 10942).
10- Pelo que seguimos o mesmo entendimento resultante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 9/2011 em, no provimento ao recurso, foi fixada a seguinte jurisprudência:...«Verificada a condição do segmento final do artigo 80.°, n.° 1, do Código Penal - de o facto por que o arguido for condenado em pena de prisão num processo ser anterior à decisão final de outro processo, no âmbito do qual o arguido foi sujeito a detenção, a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, o desconto dessas medidas no cumprimento da pena deve ser ordenado sem aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida decisão final ou esta se tome definitiva.» 11- Assim sendo e face à interpretação que emana do mencionado Acórdão de Fixação de Jurisprudência quando o legislador se refere a decisão fá-lo por referência não ao trânsito em julgado decisão final em primeira instância. Por isso também a lei não utilizou a expressão decisão transitada em julgado, mas antes decisão final.
12- Ora, conforme já mencionámos, além da condenação pela prática de crime de Associação Criminosa o arguido foi ainda condenado nos presentes autos pela prática de um crime de roubo ocorrido em 22/04/2009, e condenado em concurso efetivo pela prática de um crime de furto tentado praticado em 28/04/2009 data que coincide com a data do trânsito em julgado do outro processo (em que se pretende o desconto - 323/06.5PAMTJ) mas que são posteriores á decisão final do mesmo que retroage a 16 de Março de 2009. 13- Ou seja, contando como marco para o desconto da privação de liberdade ali sofrida a data da decisão (e não do trânsito em julgado), cometeu nos presentes autos posteriormente a tal data (16 de Março de 2009) e no que concerne a tais factos, crimes que também impedem o desconto do tempo de privação de liberdade ali sofrido. 14- Pelo que não será de descontar o tempo de privação sofrido á ordem do processo 323/06.5PAMTJ por tais factos serem posteriores á decisão final do mesmo que retroage a 16 de Março de 2009 uma vez que não se pode afirmar que os fatos pelos quais foi condenado nos presentes autos ocorreram anteriormente à decisão final do processo onde ocorreu a detenção a eventualmente descontar, não se cumprindo assim os requisitos do art° 80° n° 1 do Código Penal. Assim mantendo o despacho ora recorrido farão a costumada JUSTIÇA» Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 554 a 557) no sentido da improcedência do recurso. Tendo sido dado cumprimento ao disposto no n.° 2 do Art.° 417° do C.P.Penal, veio o sobredito arguido responder (cfr. fls. 559 a 561), pugnando no mesmo sentido da respectiva motivação. Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir. Vejamos:
São as "conclusões" formuladas na motivação do recurso que definem e delimitam o respectivo objecto — Art.°s 403° e 412° do C.P.Penal.
Como resulta das transcritas conclusões do mesmo, a questão a dilucidar prende-se com a necessidade de se apurar se, na liquidação de pena ora em causa, deveria ter sido descontado o tempo de privação de liberdade ocorrida no Processo n.° 323/06.SPAMTJ do 3° Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, uma vez que parte dos factos provados nos presentes autos, quanto ao recorrente, terão tido lugar após o trânsito em julgado da decisão daquele processo. Apreciando a mesma, impõe-se, desde logo, salientar que dos pontos 1 e 5 dos factos dados como provados nestes autos (cfr. fls. 17 e v.°) resulta que a actividade da associação criminosa em causa nestes autos se iniciou em data não apurada, mas anterior a Fevereiro de 2009, sendo certo que o ora recorrente coadjuvava na liderança e direção do grupo. Outrossim, dos pontos 39 e 40 da factualidade dada como assente nestes autos (cfr. fls. 20 v.°) decorre que, pelo menos entre Abril de 2008 e 3 de Julho de 2009, o arguido C... se deslocava à designada "sede" do grupo (residência de Jonny Pinho), a fim de planearem os ataques aos terminais ATM que levavam a cabo. Provou-se, ainda, que o sobredito arguido participou e foi também condenado pela prática de factos ocorridos em datas anteriores (NUIPC 551/09.1PGLRS a fls. 57 v.°) e até coincidentes com a data do trânsito do processo cujo desconto se pretende (NUIPC 244/09.1GCMTJ a fls. 57). No entanto, também ficou assente, para além da permanência na organização, a participação do mesmo arguido em factos ocorridos em 02-06-2009 (NUIPC 292/09.OGBMTJ a fls. 52 e v.°), dando-se como provada a respectiva contribuição objetiva para a consumação dos mesmos, preparando-os e fornecendo os meios para sua execução, bem como em factos posteriores à decisão final daquele processo ocorrida em 16-03-2009. Com efeito, no já supra mencionado Processo n.° 323/06.5PAMTJ, medianteacórdão de fls. 488 a 515, por factos cometidos em 08-06-2006, o arguido C... esteve detido e em prisão preventiva, no período compreendido entre 1801-2007 e 24-12-2007, sendo absolvido por decisão de 16-03-2009, transitada apenas em 28-04-2009, portanto em data anterior à consumação material dos crimes de Associação Criminosa, furto e roubo pelos quais foi condenado nos autos. Ora, de acordo com o disposto no Art.° 80°, n.°1 do C. Penal, verifica-se que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. Sucede, pois, que, não obstante os factos relativos a tal processo remontarem a Junho de 2006, apenas transitaram em 28-04-2009 e, nos presentes autos, a atividade delituosa do predito arguido ocorreu entre Abril de 2008 e 0307-2009. Pelo que, os factos relativos àquele processo (323/06.5PAMTJ) transitaram, ainda, durante a execução dos factos que determinaram a condenação do arguido nos presentes autos E, assim, não se pode concluir que a decisão final desse precedente processo tenha transitado anteriormente à comissão dos fatos dos presentes autos. O que, desde logo, decorre da circunstância do ilícito de associação criminosa se tratar de um crime de execução permanente. Nesta conformidade, ao contrário do sustentado pelo recorrente, o mesmo não se consuma apenas com a "criação" da estrutura. Até porque, conforme defende Jorge Figueiredo Dias, convém acentuar que o supra referido crime conforma aquilo que a lei e a doutrina chamam de crime permanente (art.119° n°2, alínea a) do C. Penal), pelo que em caso de sucessão de leis no tempo a lei nova é aplicável, sem retroactividade, durante todo o tempo em que a consumação persiste; ou, dito de outro modo - na linha da distinção feita pela doutrina alemã, a respeito dos crimes permanentes, entre a consumação e o termino; cf sobretudo JESCHECK, WELZEL - Fls 1974 683 - quando a consumação já teve lugar mas a prática do crime não foi ainda abandonada ou impedida e, neste sentido, se mantém (cfr Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial, Tomo II, Pág. 1174). Deste modo, afigura-se-nos que o arguido C..., no que se reporta a este crime, apenas teria razão, caso não tivessem sido dados como provados factos que permitem concluir que, para além da consumação inicial do crime, não teria persistido na sua actuação em conformidade com os desígnios da associação, o que não aconteceu in casu, conforme já supra se deixou assinalado. Aliás, a respectiva argumentação só seria susceptível de aceitação, mediante prova de factos diversos, ou seja a simples "criação" da estrutura e subsequente alheamento ou mesmo impedimento de continuação, o que não sucedeu, antes do trânsito em julgado do processo cujo prazo de privação de liberdade pretende ver descontado. Na verdade, por crime permanente pode definir-se como aquele que, podendo ser constituído por uma única conduta (aquela que o realiza) se revela, ao menos numa primeira aproximação, estruturalmente unitário. Assim, como bem salienta o Digno Magistrado do M° P° em 1.ª Instância, a lesão do bem objeto de tutela é única e o facto perdura, protraindo-se no tempo a conduta ofensiva, apenas cessando a consumação (o crime é exaurido) no momento em que cessa o comportamento anti-jurídico (ação ou omissão ou ação e omissão) por vontade do agente ou por qualquer outra causa, sendo que, no caso, a cessão ocorreu devido a intervenção das autoridades. No crime permanente existe, de facto, um ilícito de duração, já que a consumação não é instantânea; o facto, a duração do facto, protrai-se no tempo, com permanência do estado anti-jurídico (duração do dano), e enquanto o facto se protrai no tempo sem interrupção o crime perdura. O crime permanente opera sobre um bem jurídico susceptível de "compressão", não de "destruição". A consideração do bem jurídico e a noção de "compressão" permite separar ou distinguir o crime permanente do crime de efeitos permanentes. Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado. Nos crimes permanentes, a manutenção do estado anti-jurídico criado pela acção punível depende da vontade do seu autor, de maneira que, em certo modo, o facto se renova continuamente como sucedeu com o arguido C.... Há lugar a uma unidade de acção típica (em sentido estrito) no crime permanente. Aqui o facto punível cria um estado anti-jurídico mantido pelo autor, mediante cuja permanência se vai realizando ininterruptamente o tipo. A criação do estado anti-jurídico forma, com os actos destinados à sua manutenção, uma ação unitária. Tipos de crimes permanentes - na definição de Eduardo Correia -, "são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo. Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se ditas fases: uma, que se analisa na produção de um estado anti-jurídico e que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento". Nos crimes permanentes "o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (...), isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder a uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever (...) de fazer cessar o estado anti-jurídico causado, donde resulta, ou a que corresponde, o protrair-se da consumação do delito, ou em outra construção, pela manutenção, ininterrupta, da "compressão", por vontade do agente, do bem jurídico afectado. Cavaleiro de Ferreira, define os crimes permanentes por distinção dos crimes instantâneos; permanentes são os eventos que perduram, referindo-se o carácter instantâneo ou permanente à própria consumação, à lesão de bem jurídico. "Há bens jurídicos - refere - que, pela sua natureza, só são suscetíveis de ofensa mediante a sua destruição; (...) e há bens jurídicos de natureza imaterial que não podem ser destruídos e são apenas susceptíveis de compressão, como a honra e a liberdade, e estes são ofendidos enquanto se mantiver em execução a atividade lesiva." A execução nos crimes permanentes toma necessariamente uma dupla feição: é uma acção seguida de uma omissão continuada. A ação agride o bem jurídico, e a omissão ofende o dever de pôr termo à situação criada." E essa omissão foi no caso contínua desde a criação da estrutura. A jurisprudência, por seu lado, tem acolhido a construção e a lição dos autores referidos - especialmente de Cavaleiro de Ferreira -, que sobre a construção do crime permanente aceita a concepção bi-fásica: acção e subsequente omissão do dever de fazer cessar o estado anti-jurídico provocado. No acórdão do S.T.J. de 28-07-1987, refere-se, assim, a propósito dos elementos do conceito: "Na lição dos Profs. Eduardo Correia e Cavaleiro de Ferreira, são crimes permanentes aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo, contrariamente ao que acontece nos crimes instantâneos. Com a prática de qualquer deles verifica-se um estado anti-jurídico, mas no crime permanente perduram ao mesmo tempo a execução e a consumação. A explicação para esta particularidade é fácil e encontra-se na especial natureza dos interesses jurídicos ofendidos. "Com efeito, há bens ou interesses jurídicos que só podem ser destruídos com a prática do crime. São disso exemplo os interesses patrimoniais, o interesse à vida. Da violação deles resultam crimes instantâneos, como o homicídio, etc. Há outros bens ou interesses jurídicos que não podem destruir e apenas podem ser objecto de compressão. São interesses de ordem moral como a honra, a liberdade, o pudor. Nos primeiros crimes, os instantâneos, verificado o evento, verificada está a prática definitiva dos mesmos. Nos segundos, os permanentes, o processo executivo compreende toda a conduta do agente até ao aparecimento do evento, isto é, até à consumação inicial da infracção; segue-se uma segunda fase que perdura no tempo até que o agente cumpra o dever de fazer cessar o estado antijurídico causado." O crime de associação criminosa, tal como está descrito nas várias hipóteses típicas e resulta dos autos relativamente ao arguido C..., com a continuidade, sem espaços de corte, da duração de facto, integra-se na categoria dos crimes que, em vista das particularidades sobre a duração do facto e a duração do dano, se qualificam como crimes permanentes. Assim, nestes crimes, não só a consumação, como a execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do interesse objecto jurídico do crime. Para chegar a esta conclusão não interessa tomar posição sobre o argumentário das diversas concepções estruturais do crime permanente (bi-fásica estrutura unitária), que, no essencial, se revelam discussões de dimensão doutrinal. Na verdade, o elemento essencial da construção do conceito analisa-se na permanência, na continuidade sem interrupção da situação de compressão do bem jurídico afectado, o risco da prática de factos ilícitos no protrair no tempo da consumação, independentemente de determinar se existe, em concreto, uma fonte normativa de um dever de fazer cessar a situação de compressão do bem jurídico, ou se tal dever se traduz ou pode derivar da própria actuação que, iniciando a consumação, afectou os valores protegidos em termos de só cessar por vontade do agente ou por intervenção de terceiros. Neste crime verificam-se os elementos caracterizadores da noção de crime permanente e daí que o mesmo Professor Figueiredo Dias, Associações Criminosas no Código Penal de 1982, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 119, Pág. 292, refira como exemplo o crime de associação criminosa que: "se os membros de uma associação criminosa são detidos enquanto procedem a uma reunião, pode aceitar-se, em princípio, que o tenham sido em flagrante, mas já não, seguramente, quando se encontram a dormir nas suas próprias casas". Ora, a seguir a tese do recorrente, nunca se poderia admitir sequer a detenção em flagrante delito, mesmo na situação a que alude o sobredito autor, dado que o crime estaria há muito consumado. Destarte, inexistem dúvidas de que o processo n.° 323/06.5PAMTJ teve decisão final e transitou em plena execução dos factos pelos quais o arguido C... foi condenado nos presentes autos e onde, não obstante tal decisão final, prosseguiu a sua actividade delituosa até á data da sua detenção nos autos. Face à redacção do Art.° 80°, n.° 1 do C. Penal, o período de detenção e prisão preventiva ora em causa, uma vez que a atividade delituosa se manteve para além da decisão final e do trânsito em julgado do supra mencionado processo, não é de descontar, uma vez que o trânsito do processo a descontar ocorreu sem a consumação integral do crime Sendo que, assim, não se pode afirmar que os factos pelos quais o sobredito arguido foi condenando nos presentes autos ocorreram anteriormente à decisão final do processo onde ocorreu a detenção a eventualmente descontar. E, como tal, não se revelam cumpridos os requisitos da predita norma de direito substantivo penal. Em bom rigor, os mesmos ocorreram parcialmente em data posterior, pelo que, segundo o espírito desse normativo que ao impor tal limite temporal pretende evitar que o arguido fique com "carteira" de eventuais descontos relativos a processos em tenha sofrido privações da liberdade, também não é de descontar tal período de privação. O que encontra, de igual modo, respaldo no disposto no Art.° 119°, n.° 2, alínea a) do C. Penal, já que a consumação do crime de associação criminosa, tratando-se de um crime de execução permanente, apenas se consuma materialmente no dia em que cessa a consumação, o que permite concluir que o facto em que o arguido C... foi condenado nos presentes autos não foi praticado anteriormente à decisão final do processo em que seriam de descontar os períodos de detenção. De seguida, importa salientar que, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. n.° 9/2011, datado de 20-10-2011, se entendeu fixar a seguinte jurisprudência: «Verificada a condição do segmento final do artigo 80.°, n.° 1, do Código Penal - de o facto por que o arguido for condenado em pena de prisão num processo ser anterior à decisão final de outro processo, no âmbito do qual o arguido foi sujeito a detenção, a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, o desconto dessas medidas no cumprimento da pena deve ser ordenado sem aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida decisão final ou esta se tome definitiva.» Ora, em face da interpretação que emana de tal Acórdão de Fixação de Jurisprudência, quando o legislador se refere a decisão fá-lo por referência não ao trânsito em julgado mas à condenação em primeira instância Por isso, também a lei não utilizou a expressão decisão transitada em julgado, mas antes decisão final, por esta abranger não só as decisões judiciais consolidadas, por trânsito em julgado, mas também os despachos do Ministério Público - como, nomeadamente, os previstos nas normas dos Art.°s 277°, 280° e 281°, todos do Código do Processo Penal - que, embora consolidados, não transitam em julgado. Seguindo-se o texto do mesmo Acórdão, não pode deixar de se salientar que: "Na Proposta de Lei n.° 98/X, que teve por fonte, justamente, os trabalhos daquela Unidade de Missão, o n.° 1 do artigo 80.° tinha a seguinte redacção: 1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado. Esclarecendo a exposição de motivos da mesma proposta de lei, a propósito dessa redação da norma: «Estatui-se que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito de desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente. Na sequência da aprovação na generalidade e baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias daquela proposta de lei n.° 98/X, o artigo 80.° da proposta de lei, incluindo a proposta oral do PS de aditamento de um inciso final ao n.° 1, com o seguinte teor «quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas» foi aprovado, na reunião da Comissão de 11 de Julho de 2007. 7 - Vê-se, assim, que a norma do n.° 1 do artigo 80.° do Código Penal, na redação da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, corresponde ao texto da proposta de lei com o aditamento final «quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas», introduzido na Assembleia da República. O legislador abandonou a unidade do processo como requisito do desconto, mas não acolheu um sistema ilimitado de desconto em que, afinal, se traduziria a solução da proposta de lei". Sendo de relevar do respectivo texto, ainda para mais, o seguinte: "Como refere Jorge Baptista Gonçalves[1], no anteprojecto e na Proposta de Lei n.° 98/X previa -se um sistema «que podemos chamar de conta-corrente de liberdade, em que se lançariam a crédito os tempos de privação da liberdade (por detenção,prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) aplicados em qualquer processo, lançando-se a débito as condenações transitadas em julgado. Como não se estabelecia qualquer limite temporal, a norma permitia, numa interpretação literal, que se guardasse 'em carteira' um período de privação da liberdade (sofrido, por exemplo, num processo que findara com uma absolvição) para descontar em penas sofridas por factos praticados em momento posterior, o que colocaria em crise as finalidades preventivas gerais associadas à previsão dos crimes e cominação das penas». Sistema este que constituiria um incentivo objetivo à prática de crimes. Também Maia Gonçalves[2] não deixou de destacar que «a versão da proposta governamental para o n.° 1 deste artigo [o artigo 80.°] prestava-se a severas críticas, designadamente porque podia fornecer aos arguidos um somatório de antigas medidas processuais de coacção a descontar em futuras condenações que obstariam ao cumprimento de penas que podiam até ser necessárias para a sua integração; e porque seriam tais medidas de difícil inventariação, mormente se muito antigas ou não registadas», alvitrando que «certamente porque atenta às reservas que já se vinham registando, a Assembleia da República alterou a proposta governamental». Sobre a razão da alteração introduzida pela Assembleia da República, diz ainda António João Latas[3] que a limitação do «desconto na pena por factos praticados anteriormente à decisão final no processo onde foram aplicadas as medidas processuais privativas da liberdade dever-se-á ao propósito de evitar que o desconto daquelas medidas a todo o tempo pudesse encorajar a prática de futuros crimes»". Ora, além da condenação pela prática de crime de associação criminosa, o arguido C... foi ainda condenado nos autos pela prática de um crime de roubo ocorrido em 22-04-2009, bem como, em concurso efectivo, pela prática de um crime de furto tentado praticado em 28-04-2009, data que coincide com a data do trânsito em julgado do outro processo (323/06.5PAMTJ) mas que é posterior à decisão absolutória final do mesmo, que retroage a 16-03-2009. Destarte, contando como marco para o desconto da privação de liberdade ali sofrida a data da decisão (e não do trânsito em julgado), cometeu nos presentes autos posteriormente a tal data factos delituosos que, de acordo com os supra expendidos princípios e o espírito da norma, também impedem o desconto do tempo de privação de liberdade ali sofrido, nos termos pretendidos. O que se reitera, outrossim, no que concerne aos supra aludidos crimes de roubo e furto tentado. Assim sendo, mais nada resta senão concluir que, perante a redacção do Art.° 80°, n.° 1 do C. Penal, o período de detenção e prisão preventiva, uma vez que a atividade delituosa se manteve para além da decisão final, não é de descontar, tal como acertadamente se entendeu na decisão em crise, uma vez que não se pode afirmar que os factos pelos quais o recorrente foi condenado nos presentes autos tiveram lugar anteriormente à decisão final do processo onde ocorreu a detenção a eventualmente descontar. Inexistem, portanto, dúvidas de que o recurso tem forçosamente de improceder, já que, por força de tudo quanto se deixou exarado, não ocorre motivo susceptível de conduzir à revogação do despacho em crise. Mais se torna forçoso referir, ainda, que não foi violada qualquer disposição legal e, muito menos, os preceitos que na respectiva motivação foram mencionados. Assim, do exposto, tudo visto e sem a necessidade de maiores considerações: Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando, na sua plenitude, o despacho impugnado. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Lisboa, 24 de Julho de 2014 José Simões de Carvalho Maria Margarida Bacelar _______________________________________________________
[1] Cfr. A Revisão do Código Penal: Alterações ao Sustema Sancionatório relativo às Pessoas Singulares, in Revista do C.E.J., Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1° Semestre de 2008, n.° 8 (Especial), Págs. 15- 40
[2] Cfr. Código Penal Português Anotado e Comentado, 18' Edição, Págs. 317-318.
[3] Cfr. O Novo Quadro Sancionatório das Pessoas Singulares, in A Reforma do Sistema Penal de 2007. Garantias e Eficácia. Edição de 2008, Pág. 118. |