Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1315/20.7TXLSB-I.L1-5
Relator: ANA CLÁUDIA NOGUEIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL
MANOBRA DILATÓRIA
RECLAMAÇÃO EM SEPARADO
TRASLADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (Da responsabilidade da relatora)
Quando, em sede de reclamação deduzida contra acórdão da Relação, se vier a decidir em conferência pela manifesta falta de fundamento legal da mesma, entendendo-se que se está perante manobra dilatória tendente a retardar o trânsito em julgado da decisão proferida e obstar à baixa do processo, há lugar, ao abrigo do disposto no art. 670º/1 e 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal, à extração de traslado para processamento da reclamação em separado, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para ser dado cumprimento ao decidido no acórdão reclamado que se considera para todos os efeitos transitado em julgado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Veio o condenado/recorrido AA, no passado dia .../.../2023, na sequência da notificação do acórdão de .../.../2023 pelo qual se revogou a decisão proferida pelo TEP de Lisboa, Juiz 1, de concessão de liberdade condicional, invocar inconstitucionalidade de tal decisão por violação do direito à liberdade previsto no art. 27º da Constituição da República Portuguesa e do dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no art. 205º da mesma Constituição.
Após transcrever parcialmente a fundamentação do acórdão, argumenta o recorrido nos seguintes termos [transcrição]:
«(…)
2. É insofismável que o recorrente funda as suas motivações no parecer emitido pela DGRSP (único desfavorável) e que no essencial as mesmas são acolhidas no Acórdão prolatado.
3. São ignorados os demais pareceres emitidos, designadamente, o emitido pelo Estabelecimento Prisional – sendo este o que melhor espelha a evolução do recluso no seu processo de reintegração;
4. É ignorado o parecer favorável (por maioria) emitido pelo Conselho Técnico;
5. Dispõe o artigo 61.º, n.º 2 a) do Código Penal que “o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
6. Ora, a evolução da personalidade do arguido durante a execução da pena de prisão é algo que o Juiz apenas deve ponderar de acordo com os elementos objectivos que lhe são facultados pelas entidades que acompanham a execução da pena, e que culminam no parecer emitido pelo Conselho Técnico;
7. O Juiz de Execução de Penas deverá formar a sua convicção de acordo com os elementos que lhe são trazidos por este órgão de consulta, uma vez que, de acordo com a prática dos nossos Tribunais de Execução de Penas, o recluso é ouvido durante escassos minutos, circunstância em que é impossível transmitir com o mínimo de correspondência com a realidade o seu percurso prisional;
8. No caso concreto, esta Veneranda Relação vem alterar o sentido da decisão do Juiz de Execução de Penas sem tomar qualquer contacto com o recluso (falha aqui a imediação) e contra o parecer tomado por maioria pelo Conselho Técnico.
9. Dito de outra forma, altera-se o sentido de uma decisão com base num parecer elaborado por um técnico da DGRSP, fundamentado, como é habitual, numa curta entrevista com o recluso e, não raras vezes, desconhecendo em absoluto as repercussões da pena na sua personalidade.
(…)»
E conclui:
«(…)
10. Aqui chegados, afigura-se-nos que a ponderação imposta pelo artigo 61.º, n.º 2 a) do Código Penal não pode deixar de atender à posição tomada pelas entidades que acompanham a execução da pena, as únicas que podem avaliar a evolução sofrida pelo recluso em meio prisional.
11. O Acórdão ora posto em crise, ao aplicar o artigo 61.º, n.º 2 a) do Código Penal contra uma decisão favorável por maioria do Conselho Técnico, sem que esteja assegurado o princípio da imediação (particularmente relevante em matéria de execução de penas) e sem ser oferecida uma justificação baseada em elementos objectivos, alterando a decisão do Juiz de Execução de Penas e impondo que o recluso entretanto libertado regresse a uma situação de reclusão, viola o direito à liberdade e o dever de fundamentação das decisões judiciais, ínsitos, respectivamente, nos artigos 27.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, INCONSTITUCIONALIDADE QUE DESDE JÁ DE INVOCA.
(…)»
Termina pedindo seja conhecida e declarada a inconstitucionalidade do acórdão na parte em que aplica o art. 61º/ 2, a) do Código Penal em violação do direito à liberdade e do dever de fundamentação das decisões judiciais, ínsitos, respetivamente, nos arts. 27º/1 e 205º/1, da Constituição da República Portuguesa, quando aplicado contra decisão do Conselho Técnico e sem a necessária imediação relativamente à audição do recluso.
*
Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
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II-Fundamentação
Importa, pois, saber, antes de mais nada, se existe fundamento legal para a pretensão assim formulada pelo recorrido a este Tribunal.
E parece-nos evidente inexistir tal fundamento.
Senão vejamos.
No passado dia ... foi, após conferência, proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, decidindo-se negar a concessão da liberdade condicional ao recorrido AA, deverá o mesmo regressar à situação reclusão.».
Foi deste modo concedido por este Tribunal provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da decisão do TEP de Lisboa que havia concedido ao recorrido ora requerente a liberdade condicional, assim se esgotando o seu poder jurisdicional.
Como tal, e sem prejuízo do conhecimento de eventual nulidade, lapso, obscuridade ou ambiguidade do acórdão proferido, nos termos previstos nos arts. 379º e 380º, ex vi do art. 425º/4, todos do Código de Processo Penal, o que aqui não vem invocado pelo recorrido, que pretende apenas a declaração de inconstitucionalidade de uma parte da sua fundamentação, está-nos vedado reapreciar o objeto da causa submetida em recurso, desta feita à luz da conformidade à Constituição do que nesse acórdão ficou já decidido.
De resto, não indica sequer o recorrido qual o fundamento processual da pretensão que assim dirige a este Tribunal, sendo certo que não pode deixar de saber, visto que pleiteia acompanhado de advogado, que cabe ao Tribunal Constitucional conhecer da conformidade das decisões dos tribunais com a Constituição nos termos previstos no art. 280º da Constituição da República Portuguesa; ainda assim, importa reter que o recurso para o Tribunal Constitucional relativo a decisão judicial obedece às regras especificamente aí previstas e na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional aprovada pela L. 28/82, de 15/11, de cuja conjugação resulta a inadmissibilidade de recurso com o objeto do requerimento em apreço em que se pede a inconstitucionalidade da decisão, ao invés de ser suscitada e peticionada a declaração de inconstitucionalidade de norma infraconstitucional na interpretação que dela tenha sido feita nessa ou na decisão recorrida.
Pelo que, os termos em que o requerimento em apreço vem apresentado evidenciam por si só a sua manifesta falta de fundamento legal.
Mais se afigura tal requerimento manobra dilatória tendente a retardar o trânsito em julgado da decisão proferida e obstar à baixa do processo para regresso do condenado à reclusão.
Nos termos do disposto no art. 670º/1 e 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal:
«1 - Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542.º, que o respetivo incidente se processe em separado.
2 - O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados.
3 - A decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extração de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido.
(…)
5- A decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado.
(…)».
Assim, atento o já exposto, fazendo uso do mecanismo aqui previsto como forma de obviar a demoras abusivas que incidentes manifestamente infundados como o presente necessariamente introduzem na normal tramitação do processo, ordenar-se-á a baixa imediata do processo para normal prosseguimento dos seus termos no Tribunal recorrido, ficando neste Tribunal translado.
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Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em:
Indeferir por manifestamente infundado o requerimento em apreço;
Ordenar que os ulteriores termos do presente incidente se processem em separado, para o que deverá ser organizado o traslado a que se refere o nº 3 do artº 670º do Código de Processo Civil, ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal, aí se procedendo à notificação deste acórdão; e
Determinar a imediata baixa dos autos ao Tribunal recorrido a fim de aí ser dado cumprimento ao decidido.
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Custas pelo condenado/recorrido AA, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta dada a falta de cabimento processual e manifesta falta de fundamento do requerido - arts. 524º do Código de Processo Penal e 7º/4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a Tabela II anexa a tal diploma.
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Notifique.
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Lisboa,
14 de novembro de 2023,
Ana Cláudia Nogueira
Manuel Advínculo Sequeira
Mafalda Sequinho dos Santos