Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
213/11.0TMFUN.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
FAMÍLIA BIOLÓGICA
INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. No que respeita à natureza conclusiva, valorativa ou normativa dos enunciados de facto, em sede de factos do foro psicológico, tratando-se de realidades dificilmente susceptíveis de percepção exterior directa, obtida por inferência indutiva a partir de determinadas manifestações comportamentais, à luz das regras da experiência comum, a enunciação dos mesmos bastar-se-á com uma descrição mais genérica das linhas de conduta reveladas, sem necessidade de uma pormenorização exaustiva dos factos instrumentais em que se ancoram.
2. De igual modo, relativamente a factos de textura continuada, não se requer uma descrição de todos os episódios de vida que encerram, mas apenas dos seus traços mais característicos.
3. O artigo 36º, nº 5 e 6, da Constituição privilegia a família biológica como célula fundamental para o processo de socialização das crianças, já que é aí que se podem desenvolver as relações de afecto mais genuínas e os quadros de referência mais personalizantes, forjados no histórico de cada família e no esteio dos papéis sociais desempenhados pelos respectivos progenitores. 4. Não é a situação sócio-económica desfavorecida que há-de impedir o direito dos pais de manterem e educarem os seus filhos, em conformidade com as suas posses e condição social, o que, se assim não fosse, seria uma grave violação do princípio da igualdade e da cidadania, proclamados nos artigos 12.º, n.º 1, e 13.º da nossa Lei Fundamental
5. Para que cada cidadão possa cumprir com estas tarefas, o Estado tem por incumbência proporcionar, na medida do possível, meios e mecanismos para obviar às desigualdades existentes, mormente através de apoio social, sanitário e de ensino.
6. Importa, no entanto, nunca perder de vista o superior interesse da criança na satisfação das suas necessidades elementares, numa perspectiva de bem-estar e de um crescimento e desenvolvimento harmonioso e integral, nos planos cognitivo, afectivo ou volitivo; também assim se cumpre o princípio da igualdade substancial no acesso ao estatuto de um cidadão de pleno direito.
7. Esse interesse da criança implica a assunção consciente e séria das responsa-bilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comportamentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

            I – Relatório

1. O Ministério Público instaurou, em …/2011, o presente processo de promoção e protecção com fundamento em suspeita de abuso sexual perpetrado na menor LS, nascida em …/2005, tendo os autos prosseguido depois também relativamente aos menores SS, nascida em /2004, e LPS, nascido em… /2006, todos eles filhos de MS e de MJ.
            2. Aos referidos menores foi aplicada medida provisória de acolhi-mento institucional na Fundação…, mantida por novo período de três meses, conforme decisão exarada a fls. 103-106, datada de 16-12-2011.
            3. Foram realizados sucessivos relatórios sociais que foram juntos aos autos a fls. 9-14, de 6-4-2011, a fls. 49-54 e fls. 56-61, de 27-4-2011, a fls. 93-97, de 26-10-2011, e a fls. 144-152, de 09/03/2012.
            4. Além disso, em sede de debate judicial, foram inquiridas teste-munhas - técnico da segurança social, psicólogo e assistente social -, que acompanharam a situação dos menores e da sua família e que confirmaram inteiramente a prova documental. Foram ainda, oficiosamente, inquiridos os progenitores, os quais reiteraram a sua oposição ao afastamento dos me-nores do agregado familiar de origem, reclamando o seu regresso a casa por se considerarem em condições de tê-los consigo.    
5. Após debate judicial, foi proferido o acórdão de fls. 189-196, data-do de 04/06/2012, por deliberação do tribunal colectivo com intervenção de juízes sociais, em que se determinou o seguinte:
a) – aplicar aos menores SS, LS e LPS a  medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, ficando as crianças colocadas sob a guarda da instituição onde se encontram (…);
b) – Nomear como curadora provisória a Exm.ª Senhora Presidente do Conselho Directivo da referida instituição;
c) – Em consequência declarar MS e MJ inibidos do exercício do poder paternal.
6. Inconformada com essa decisão, a progenitora MJ apelou dela, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - No caso concreto, não foram recolhidos factos que demonstrem que os pais, por acção ou omissão, tenham posto em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação dos menores.
2.ª - A negligência na higiene da menor LS, insuficientemente determinada e caracterizada como tal, conforme se disse, não integra aquele requisito de gravidade, nem se trata, quanto a nós, na falta de concreto apuramento da acção da CPJCP junto daqueles pais, que conscientes das suas limitações, solicitaram e em muito dependiam do auxílio da comissão, de verdadeira e própria negligência, tão só de falta de preparação de quem na mais não é exigível.
3.ª - Não estão também provados factos concretos e objectivos que demonstrem manifesto desinteresse para com os menores, antes pelo contrário, pelo que se infra ficou dito, e já que provado ficou (36 dos FP) que depois de institucionalizados, os pais, com maior ou menor frequência, foram visitá-los, não se desvendo esquecer a distância entre a residência dos pais e a instituição, bem como a carência destes;
4.ª - A família natural, não obstante as suas carências, que justificam o apoio da sociedade, constitui ainda o meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em especial, das crianças, conforme artigo 36°, n° 6 da Constituição;
5.ª - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, 10.º, 35.º 91.º, 92.º, 104.º n.° 3, 114.º, n.° l, 117.º, 121.º, da LPCJP, o art.º 3.° n.° 1 da Convenção dos Direitos da Criança, o artigo 36.° n.° 6 da CRP e o artigo 1978.° do CC.
6.ª - A institucionalização para futura adopção da SS, da LS e do LPS, com o suporte factual vertido no acórdão é juridicamente infundada, e na substância, injusta, por isso, a referida decisão deve ser revogada e substituída por outra que de forma singular, sumária e imediata, (art.º 124.° LPCJP e 700.º, n.° 1, al. c), e 705.° do CPC) ordene a entrega dos menores aos pais e aplique a medida de apoio junto destes prevista no art.º 35.º, n.° l, al. a), da LPCJP.
4. Por sua vez, o Ministério Público apresentou contra-alegações, em que remata do seguinte modo: 
1.ª - Contrariamente ao alegado pela recorrente no sentido de que o conteúdo factual dado como provado no acórdão recorrido foi insuficiente e conclusivo no sentido de permitir a aplicação da medida em causa aos menores, afigura-se que a matéria de facto apurada não deixou outra alternativa ao Tribunal que não fosse a de, precisamente, enveredar por este caminho.
2.ª - Com efeito, resulta da matéria factual reunida que os progenitores manifestam muitas dificuldades na aquisição e assimilação de novos conhecimentos, revelando incapacidade de realizar tarefas familiares tanto organizacionais como relacionais e permitindo que faltem em casa produtos de primeira necessidade alimentar e necessários à realização de actos básicos de higiene, tanto dos próprios como dos menores.
3.ª - Por outro lado, os menores SSl, LS e LPS, filhos da recorrente, têm 8, 7 e 6 anos de idade respectivamente, sendo que a LS apresenta um certo atraso no desenvolvimento motor.
4.ª - Não obstante, apurou-se que LS comparecia na escola com falta de higiene sendo por isso necessário, habitualmente, dar-lhe banho naquela instituição, sucedendo ainda que os seus dois irmãos também chegavam à escola com parasitas no corpo, denotando por isso falta de realização de uma higiene adequada.
5.ª - Seguidamente, e quando os menores deram entrada na instituição, constatou-se que todos eles mantinham falta de higiene corporal e que apresentavam parasitas no corpo, com a agravante de que não sabiam utilizar os talheres nem controlar os esfíncteres.
6.ª - Deste quadro resulta, desde logo, que os progenitores destes três menores, e apesar das idades das crianças atrás já referidas (idades estas que requerem uma atenção e cuidados redobrados), para além de não assegurarem, nem para eles próprios nem para os menores, os cuidados básicos de higiene, também não lhes transmitiam regras básicas da vivência actual como comer com talheres e controlar as fezes, proporcionando às crianças um estado de vida próximo do primitivismo, com a agravante de que, com tamanha falta de higiene, favoreciam outrossim a contracção de doenças por parte dos menores.
7.ª - Ademais, aqueles não tinham em casa bens alimentares essenciais a fim de garantir aos filhos uma alimentação saudável e equilibrada e, bem assim, de lhes incutir bons hábitos alimentares, face às idades precoces de todos eles.
8.ª - A agravar este cenário, observa-se que já em 2004 a C.P.C.J. iniciara a sua intervenção junto deste agregado, procurando incutir-lhe desde então uma aprendizagem de princípios básicos da vida quotidiana moderna, designadamente ao nível da higiene corporal e habitacional, de alimentação adequada, assim como de gestão de recursos económicos.
9.ª - Destarte, e contrariamente ao alegado pela recorrente, é seguro dizer que os progenitores dispuseram de muito tempo, cerca de 8 anos, para criar condições favoráveis, no seu agregado, ao crescimento saudável dos menores seus filhos, mas como se disse, quer por inércia, quer por limitações intelectuais quer culturais, das quais não procuraram libertar-se ou que não tentaram, ou foram capazes, de contrariar, aqueles não cumpriram com as obrigações que lhes foram transmitidas, não tendo criado por isso condições que lhes permitam agora receber os menores de novo no seu agregado originário.
10.ª - Aqui chegados, e ao invés do que a recorrente alega, na nossa óptica a factologia compilada nos autos reporta que os progenitores dos menores, quer por acção quer por omissão, criaram condições de vida tais no seu agregado que se os menores ali permanecessem veriam a sua segurança, saúde, formação moral, educação e crescimento saudável e harmonioso irremediavelmente afectado, sendo portanto evidente o perigo a que estavam sujeitos, bem como a necessidade de lhe por termo, a qual apenas pôde ser satisfeita com a institucionalização dos menores.
11.ª - Do mesmo modo, e face à actuação dos pais ao longo de todo este tempo atrás já referido, não é crível que os mesmos sejam capazes de corrigir atempadamente as deficiências detectadas, sendo certo que o tempo das crianças não é o mesmo que o dos adultos e, tendo entrado em falência o seu projecto de vida inicial, conforme aqui se constata, tomou-se imperioso encontrar-lhes um novo projecto de vida que satisfaça o seu superior interesse, o qual, face ao circunstancialismo em apreço, só pode passar, salvo melhor opinião, pela confiança dos mesmos a uma instituição com vista à sua futura adopção.
12.ª - Noutro passo, e em reforço desta conclusão, verifica-se paralelamente que os progenitores dos menores, para além das limitações atrás referidas, dedicam-se à agricultura de subsistência e dependiam em grande parte dos abo-nos de família dos menores e do Rendimento Social de Inserção para sobreviver, tendo sucedido no entanto que, face às actuais circunstâncias, deixaram de receber tais verbas, o que desnuda uma clara incapacidade de, também ao nível material, aqueles poderem satisfazer as necessidades normais de crianças da idade dos menores identificados nos autos.
13.ª - Sem embargo, e sempre em reforço da conclusão atrás traçada, foi possível apurar também que o progenitor dos menores apresenta alterações no seu comportamento, devido ao seu baixo autocontrolo e à resistência oferecida quanto ao cumprimento das regras da vida quotidiana, tendo-se dirigido aos serviços da Segurança Social dos…, mesmo antes de os filhos lhe serem retirados, e aí ameaçado os técnicos daquela instituição, nomeadamente a testemunha FS, o que se agudizou após a retirada dos menores do agregado.
14.ª - Neste particular, e ao invés do que a recorrente tenta fazer crer, reclamando que as reacções do progenitor das crianças se situam no plano de comportamento do homem médio quando confrontado com uma situação deste género, afigura-se que, já antes dos filhos lhe serem retirados, o progenitor dos mesmos adoptava condutas violentas e intimidativas para com os profissionais atrás referidos, quando aqueles, no âmbito das suas funções profissionais, procuravam somente auxiliar aquele agregado tentando incutir-lhe as regras básicas de um agregado familiar onde existiam crianças menores cujo superior interesse era então necessário acautelar.
15.ª - Aliás, este tipo de comportamentos adoptados pelo progenitor dos menores continuam a verificar-se, já que este, mesmo em sede das visitas efectuadas aos seus filhos, ameaça as técnicas ali presentes dizendo-lhes que vai levar os filhos para casa, tendo até inclusivamente assumido uma postura agressiva dentro do próprio Tribunal quando terminou as declarações prestadas em sede do debate judicial.
16.ª - Por conseguinte, parece-nos ser possível concluir que a resistência oferecida pelo progenitor à ajuda que tentou garantir-se àquele agregado, bem como à adopção de um comportamento responsável que permita assentar a convicção de que será um pai capaz de providenciar um crescimento saudável e equilibrado aos seus filhos, permite aferir que o mesmo jamais seria capaz de assimilar e cumprir as indicações que lhe fossem transmitidas pela instituições de apoio à família aqui em causa, ou se esforçaria verdadeiramente nesse sentido.
17.ª - Ao mesmo tempo, a mãe dos menores, dada a sua passividade, temor e inoperância perante os comportamentos assumidos pelo pai das crianças, nunca nada fez para contrariar tais condutas, nem se vislumbra que alguma vez o venha a fazer.
18.ª - Outro factor importante e demonstrativo da incompetência parental dos progenitores dos menores, e da sua irreversibilidade, é precisamente o facto de, durante as visitas efectuadas na instituição onde os menores se encontram acolhidos, as quais são irregulares, não haver qualquer interacção ou comunicação real e qualidade entre os progenitores e os seus filhos, ficando todos sentados uns a olhar para os outros, ao que acresce a grande facilidade com que os menores se integraram na instituição, tendo desde então desenvolvido competências a nível cognitivo e relacional (que até então não possuíam) e sem que sejam neles evidentes sinais de ansiedade causados pela separação dos progenitores.
19.ª - A este respeito, apesar de ser notório que os progenitores terão afecto pelos menores, a existência deste afecto, ao contrário do que alega a recorrente, não é suficiente para que lhes possa ser concedida uma nova oportunidade no sentido de assumirem cabalmente os cuidados dos seus filhos. Isto porque, este sentido de afecto manifestado pelos pais, decorre essencialmente, salvo melhor opinião, de um sentimento de propriedade em relação aos filhos e não coloca em primeiro lugar o interesse das próprias crianças, nem representa o modo de viver que será efectivamente o melhor para elas, o qual, por sua vez, não se coaduna com o tipo de vida que os progenitores proporcionavam às crianças até estas serem institucionalizadas.
20.ª - Poderá dizer-se que estes pais talvez não possuam capacidade para ver mais longe do que aqueles que foram e continuam a ser os seus horizontes, mas a necessidade de assegurar o bem estar das crianças não é compatível com esta impreparação dos progenitores que colocaria sempre em risco o futuro das mesmas caso retornassem ao agregado de origem.
21.ª - Assim, embora não tenha origem dolosa esta falta de capacidade dos pais para educar e formar estes filhos, as suas incapacidades e resistência aos planos e indicações de comportamento que lhes foram sendo fornecidas são de tal ordem que os tornam negligentemente responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram e em virtude do qual foi necessário manter os filhos afastados do seu agregado familiar de origem.
22.ª - Para além do já referido, não é conhecido nos autos qualquer elemento da família alargada dos menores que os pudesse acolher.
23.ª - Posto isto, alcança-se ainda a existência da já referida suspeita de abuso sexual do progenitor à menor LS (baseada num relato da menor feito na escola no dia … de 2011), a qual, embora não tenha sido confirmada, também não foi passível de ser totalmente desmentida, havendo dúvidas quanto à sua efectiva existência ou não (o que decorre claramente dos factos provados com os nrs. 5, 6 e 28 a 31).
24.ª - Porém, e em reforço do eventual perigo a que tanto esta menor, bem como os seus irmãos, poderão estar sujeitos caso regressem ao agregado de origem, importa referir que se provou igualmente que o progenitor dos menores tem uma filha mais velha que, por seu turno, foi também institucionalizada, há algum tempo atrás, por suspeitas de abuso sexual por parte daquele.
25.ª - Ora, como atrás se disse, e tendo em conta que o interesse primordial que aqui se visa assegurar é o do bem-estar dos menores e não o dos seus progenitores, não pode dizer-se que a conjugação destas duas suspeitas não levante o receio de que, permitindo o regresso dos menores ao agregado de origem, tal não signifique para eles a exposição a um risco demasiado grave que será, apesar de tudo, possível evitar.
26.ª - Como tal, face às incertezas com que nos deparamos, a decisão a proferir terá de ser aquela que acautele, efectiva e seguramente, e sem margem para dúvidas, o superior interesse destas crianças. Nesta ordem de ideias, e salivou melhor opinião, face ao conjunto de factores atrás expostos, conjugados com os demais em último salientados, a protecção do crescimento saudável destes menores e do seu bem-estar não poderá passar pelo regresso dos mesmos à sua família de origem, mas tão só pela sua confiança a instituição com vista à futura adopção.
27.ª - Em suma, torna-se assim claro que a actuação dos progenitores dos menores, nos termos expostos no factualismo dado como provado, considerado como um todo através do qual se percepciona as verdadeiras condições de vida daquelas crianças, e de acordo com a formulação prevista no art. 1978°, n.° 1, alínea d), do CC, colocou em perigo a segurança, a saúde, a formação moral e educação dos mesmos em termos que, pela sua gravidade, comprometem seriamente os vínculos próprios da filiação.
28.ª - Nesta senda, entendemos que analisando conjugada e criticamente toda materialidade fáctica condensada nos autos (e não individualmente cada facto, abstraindo-nos dos demais, conforme fez a recorrente nas suas alegações de recurso), não ficam dúvidas de que, na falta de uma resposta adequada que qualquer uma das demais medidas de promoção e protecção previstas na lei pudesse oferecer no caso vertente, a única que se mostra adequada e eficaz no sentido de assegurar o desenvolvimento harmonioso e saudável das crianças identificadas nos autos, em conformidade com o superior interesse das mesmas que é imperioso garantir, será apenas aquela que foi aplicada pelo Tribunal no acórdão recorrido, ou seja a de confiança dos menores a uma instituição com vista à sua futura adopção.
29.ª - Nestes termos não há qualquer fundamento para revogar ou alterar o acórdão proferido a fls. 189 e seguintes, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pela progenitora dos menores identificados nos autos.   
 
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objecto do recurso

Das conclusões sintetizadas pela apelante, em função das quais se delimita o objecto do recurso, respigam-se como questões fundamentais:
             a) - em primeiro lugar, ajuizar sobre o nível de concretização dos    enunciados de facto, em termos de consubstanciar uma factualidade objectiva;
             b) – seguidamente, ponderar a suficiência dessa factualidade para ca-racterizar juridicamente a situação de perigo em que se encontravam os menores no agregado familiar e a adequação da medida de promoção e protecção decretada.

III – Fundamentação

1. Factualidade dada como provada em 1.ª Instância:

Vem dada como provada em 1.ª instância a seguinte factualidade:

1.1. SS nasceu a …de 2004, sendo natural da freguesia e concelho da…; 
1.2. LS nasceu a …de 2005, sendo natural da freguesia e concelho da…;
1.3. LPS nasceu a …de 2006, sendo natural da freguesia e concelho da…;
1.4. Todos os menores são filhos de MS e de MFJ, residentes…, concelho…;
1.5. Os autos iniciaram-se com a comunicação de suspeita de abuso sexual perpetrado pelo progenitor na pessoa da menor LS;
1.6. Em consequência de tal denúncia, foi aplicada aos menores a medida provisória de acolhimento institucional;
1.7. A intervenção da CPCJP iniciou-se em 2004 por haver situação de negligência, nomeadamente ao nível da higiene.
1.8. Nessa altura, foi efetuada intervenção ao nível da aprendizagem da de princípios básicos de higiene corporal e habitacional, gestão de recursos económicos e alimentação adequada, medidas de precaução e segurança e vigilância na saúde.
1.9. Os progenitores manifestam muitas dificuldades na aquisição e assimilação de novos conhecimentos.
1.10. Revelam incapacidade de realizar tarefas familiares tanto organizacionais com relacionais.
1.11. Na habitação, apesar de se apresentar limpa e arrumada, faltam produtos de primeira necessidade alimentar e de higiene.
1.12. O agregado familiar subsistia com pensão de invalidez da progenitora, abono de família e RSI, os quais eram geridos pelo técnico de SS da zona, a pedido da progenitora por ter dificuldades em fazê-lo e por o progenitor o gastar indevidamente.
1.13. A progenitora apresenta um défice cognitivo, não sabendo o valor do dinheiro.
1.14. O progenitor apresenta alterações no comportamento com baixo auto-controlo e resistência no cumprimento das regras da vida quotidiana;
1.15. É dependente da nicotina apesar de apresentar problemas respiratórios.
1.16. Por vezes desloca-se ao Serviço local da SS e ameaça os técnicos tendo sido necessária a intervenção da PSP.
1.17. Tal situação agudizou-se mais após o internamento dos menores.
1.18. O progenitor esteve internado na Casa de Saúde…, não tendo sido apurada qualquer doença psiquiátrica.
1.19. O progenitor tem outra filha mais velha que foi institucio-nalizada por suspeitas de abuso sexual por parte daquele.
1.20. Os progenitores praticam agricultura de subsistência.
1.21. Os menores frequentavam a EB do …e eram assíduos.
1.22. A LS tem cumprido o programa de saúde.
1.23. Apresenta um atraso no desenvolvimento motor que com-promete as demais áreas.
1.24. Tem apoio na educação especial e é seguida na reabilitação pediátrica, terapia da fala e ocupacional.
1.25. Tem hipersensibilidade cutânea manifestada por erupções ge-neralizadas.
1.26. Como comparecia à escola com falta de higiene corporal era habitual ali tomar banho.
1.27. À semelhança dos irmãos tinham parasitas no corpo.
1.28. No dia 05 de abril de 2011 a LS contou que o pai tinha introduzido os dedos nos genitais dizendo que lhe tinha doído;
1.29. Mediante tal informação foi conduzida ao Hospital …onde ficou internada até 08 de abril.
1.30. Efetuado o exame e perícia médico legal verificou-se que "apenas se observou à inspeção da região ano genital a presença de eritema acentuado da região vulvar e intróito vaginal, configurando es-ta uma lesão de caráter inespecífico e de etiologia multifactorial (...) tal elemento lesional frequente nesta faixa etária pode dever-se a infecção (fúngica, parasitária) uso de substâncias irritantes ou deficientes cui-dados de higiene (o que é óbvio neste caso), podendo no entanto também surgir na sequência de abuso sexual recente. (...) não foram encontrados elementos que permitam afirmar a ocorrência de práticas de abuso sexual."
1.31. Foi ainda concluído que “as lesões a nível da região ano-genital (anal vulvar e intróito vaginal) "hiperémia muito acentuada dos grandes e pequenos lábios" são lesões de caráter inespecífico e de etiologia multi-factorial. Tais lesões puderam ter origem infecciosa ou parasitária e neste caso em que há más condições de higiene, verificando também a nível geral (criança com pele suja, lesões de coceira, cuecas com fezes) é muito provável que sejam essas as causas descritas anteriormente. Da observação genital - o hímen não apresentava lesões/vestígios de traumatismo recente ou antigo. Impermeabilidade ao 5° dedo de uma das peritas a nível dos ostíolos himeniais.”
1.32. Desde que foram internados, os menores desenvolveram com-petências a nível cognitivo e relacional.
1.33. Quando foram internados, apresentavam parasitas na cabeça e falta de higiene corporal.
1.34. Não sabiam utilizar os talheres nem controlar os esfíncteres.
1.35. Os três irmãos integraram-se sem grandes emoções, não sendo evidentes sinais de ansiedade causados pela separação dos progenitores.
1.36. As visitas dos progenitores são irregulares.
1.37. É visível o afeto entre todos não havendo, no entanto, qualquer interação entre eles ficando sentados a olhar uns para os outros.
1.38. No final das visitas, as crianças despedem-se dos pais e regres-sam à sua vida diárias sem angústias.
1.39. Por vezes o progenitor tem condutas menos adequadas amea-çando os técnicos e a esposa, dizendo que vai levar os filhos para casa.
1.40. Perante a atitude do progenitor, a progenitora não reage.

A convicção do tribunal “a quo” sobre esta matéria foi baseada na prova documental junta aos autos, em particular nos relatórios sociais, bem como na prova testemunhal produzida, que os terá confirmado.
Assim, não tendo tal matéria sido impugnado, tal como vem descri-ta, tem-se por adquirida para os autos, sem prejuízo da ponderação sobre a sua suficiência, que vem questionada.

1.2. Factos não provados

Foi dado como não provado que a menor LS foi abusada sexualmente pelo seu progenitor.

2. Do mérito do recurso      

2.1. Quanto ao aspectos relativos à concretização dos enunciados de facto

2.1.1. Quadro de observações apresentado pela apelante

A apelante, tomando em consideração que a medida aplicada se fundou numa situação “de perigo iminente ou provável” para a saúde, formação moral e educação dos menores, sustenta que muitos dos enun-ciados de facto padecem de deficiente concretização para valer como factualidade objectiva da realidade a que respeitam.
Nessa linha, começa por considerar que:
- de entre os factos dados como provados, abundam factos genéricos, conclusivos, conceitos indeterminados e até juízos de valor dissimulados;
- e, em relação a factos em sentido próprio e rigoroso, não obstante se encontrarem balizados no tempo entre 2004 e a data do início do processo, falta-lhe quase generalizadamente, a referência às circunstâncias, inclusive de tempo, em que ocorreram, sem as quais não é possível a demonstração dos pressupostos da necessidade da medida aplicada.
Depois de questionar a factualidade de diversos enunciados, entende a apelante como relevante e atendível, mas claramente insuficiente, a matéria dos seguintes pontos:
- o vertido em 1.1 a 1.6;
- o vertido em 1.7, relativamente à intervenção da CPCJP que, naturalmente pressupôs a anuência dos progenitores, dando-se relevo positivo à manifestada consciência e reconhecimento das suas limitações e a uma actuação racional e coerente, pedindo e aceitando ajuda a quem e de quem é devida;
- o vertido no ponto 1.11, 1.ª parte – “habitação limpa e arrumada;
- o constante do ponto 1.12 em conjugação com o vertido nos pontos 1.13, 2.ª parte – “a pedido da progenitora”, “que não sabia o valor do dinheiro” e “porque o marido o gastava indevidamente”, o técnico da segurança social da zona geria os subsídios e pensões que os pais auferiam;
- o vertido no ponto 1.13, 1.ª parte, - “a progenitora apresenta deficit cognitivo”;
- o vertido em 1.16 e 1.17;
- o vertido em 18 – ausência de doença mental do progenitor;
- o vertido no ponto 1.20 – “os progenitores praticam agricultura de subsistência”;
- o vertido nos pontos 1.21 a 1.25;
- o vertido no ponto 1.37 – “é visível o afecto entre todos”.
          
Observa, pois, a apelante que a decisão recorrida se estriba em duas ordens de razões: a) - por um lado, as limitações de capacidade, ou a in-capacidade dos progenitores, sendo a da progenitora de natureza psico-lógica e a do progenitor de natureza cultural; por outro lado, a negligência dos mesmos progenitores ao nível da higiene, supostamente, dos menores.
Em desenvolvimento desse quadro, sustenta a apelante que, quanto às limitações da capacidade dos pais, a matéria constante dos pontos 9, 10, 13 e 14 dos factos provados, correspondentes aos pontos 1.9, 1.10, 1.13 e 1.14, é de índole conclusiva, carecida de suporte factual, questionando especificamente:
- a que conhecimentos concretos se refere o vertido no ponto 9?;
- que tarefas concretas familiares, organizacionais e relacionais lhes foram propostas, referidas no ponto 10, e os progenitores não conseguiram realizar?
- que concretos comportamentos os progenitores não inverteram em confronto com que plano de acção proposto, preparando-os para receber de volta as crianças?
- a que regras da vida quotidiana, aludidas no ponto 14, o progenitor oferece resistência?
            E, quanto à passividade da progenitora, que a apelante qualifica de juízo de valor, entende que essa conclusão é indevida, uma vez que aquela manifestou nos autos atitude diversa, por várias vezes e de várias formas, designadamente requerendo que os seus filhos passassem férias em casa, apresentando alegações e declarando-se contra a medida de promoção pro-posta ou qualquer outra que a pudesse impedir de estar com os filhos. Por seu lado, no que respeita à “exaltação” imputada ao progenitor, entende a apelante que, sopesando-se qualquer uma das atitudes de que se extraiu tal conclusão, a mais fiel interpretação daqueles comportamentos permite, muito razoavelmente, outras ilações.   

            Relativamente à negligência ao nível da higiene, argumenta a ape-lante que:
- do vertido nos pontos 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, correspondente aos pontos 1.7, 1.8, 1.9 e 1.10 acima consignados, apenas se sabe que se iniciou a intervenção da CPCJP, em 2004, por negligência ao nível da higiene;
- a locução “nomeadamente” utilizada no ponto 7 nada significa;
- o vertido no ponto 26 se reporta apenas à menor LS, nada permitindo concluir por negligência, ao nível da higiene, relativamente aos outros dois menores;
- a “hipersensibilidade cutânea manifestada por erupções generalizadas”, como consta dos pontos 23, 25 e 31, são factores que, de acordo com as regras da experiência, determinantes de uma oposição da criança a tomar banho, com o que os pais, em regra, lidam com dificuldade;
- todavia, a menor LS cumpria um programa de saúde (ponto 1.25), frequentava assiduamente a escola (ponto 1.21), recebia “apoio na educação especial” (ponto 1.24), tudo isso com a anuência e colaboração dos pais, sem o que tal não seria possível;
            Daí conclui a apelante que os progenitores tiveram um nível de exi-gência mais elevado dos cuidados adequados à menor LS, embora não negligenciando os cuidados de higiene aos restantes menores, nada se encontrando assinalando nos factos provados que não seja a referência vaga à existência de “parasitas”, como se alcança do ponto 1.33. E que assim tal factualidade, quando muito se reconduziria a falta de preparação, requerendo intervenção do apoio social, e não a negligência.
           
            Sustenta também a apelante que a decisão recorrida é omissa quanto à caracterização do meio onde todos viviam e onde os filhos frequentaram a escola, considerando que a matéria constante dos pontos 26, 27, 33, 34, 35, 36, 37 e 38, correspondentes aos pontos 1.26, 1.27, 1.33, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37 e 1.38 da factualidade acima consignada, ficam assim vazias de conteúdo, até porque nem sequer foi tida em consideração a idade dos me-nores. 
           
            No que concerne à totalidade de abonos, pensões e subsídios que a família recebe, a fim de se poder aferir se dispõem do mínimo indis-pensável a todos os membros, diz a apelante que a decisão é omissa, não permitindo concluir que os pais não dispunham de meios económicos para tal.
            Quanto ao internamento do progenitor na Casa de Saúde da…, nada se concretizou e que a referida falta de reacção da mãe das menores perante as “ameaças” do progenitor e aos técnicos da segurança social ou da instituição onde as crianças se encontram (pontos 1.16, 1.39 e 1.40), só ela sabe que são a rude maneira do marido manifestar o amor aos filhos e de se revoltar contra o que considera uma injustiça.

            2.1.2. Apreciação

            Em primeiro lugar, importa ter presente que está vedado a este tri-bunal de recurso sindicar eventuais erros de julgamento sobre a factuali-dade dada como provada, já que tal não foi sequer suscitado pela recor-rente, restando assim tão só ajuizar sobre a natureza e suficiência especial e geral dos factos acima descritos ou, porventura, tomar em consideração outros factos que se mostrem pertinentes para a boa decisão da causa e que se devam considerar provados, mormente por documentos juntos ao pro-cesso, insusceptíveis de colidir com a prova produzida em audiência, ao abrigo do disposto nos artigos 659.º, n.º 3, ex vi do artigo 713.º, n.º 2, do CPC.   

            Antes de mais, no que respeita à natureza conclusiva, valorativa ou normativa dos enunciados de facto, convém não esquecer que, em sede de factos do foro psicológico, tratando-se de realidades dificilmente susceptí-veis de percepção exterior directa, mas antes obtida por inferência indutiva a partir de determinadas manifestações comportamentais, à luz das regras da experiência comum, a enunciação dos mesmos bastar-se-á com uma des-crição mais genérica das linhas de conduta reveladas, sem necessidade de uma pormenorização exaustiva dos factos instrumentais em que se anco-ram. Daí que, por vezes, tais enunciados possam ser confundidos com juízos de tipo conclusivo ou até valorativo. O mesmo se dirá relativamente a factos de textura continuada, em relação aos quais não se requer uma des-crição de todos os episódios de vida que encerram, mas apenas dos seus traços mais característicos.
            Posto isto, vejamos então como considerar a matéria constante dos pontos 1.9, 1.10, 1.13 e 1.14 da factualidade dada como provada censu-rados pela recorrente.
           
            Do ponto 1.9 consta que “os progenitores manifestam muitas dificul-dades na aquisição e assimilação de novos conhecimentos”.
            No entanto, essa matéria têm de ser conectada com o ponto 1.8, que lhe serve de antecedente, em que se afirma que “nesta altura (em 2004), foi efectuada intervenção ao nível da aprendizagem de princípios básicos de higiene corporal e habitacional, gestão de recursos económicos e alimen-tação adequada, medidas de precaução e segurança e vigilância na saúde”.  
            De resto, do relatório social de fls. 49 a 54 e 57 a 61, datado de 27 de Abril de 2011, consta, a fls. 53 e 60, que:
”Ao longo dos tempos, os técnicos investiram na transmissão de competências pessoais, parentais e ao nível da habitação (por exemplo, hábitos de higiene pessoal e habitacional, recursos económicos, alimentação adequada, segurança e cuidados de saúde). De acordo com os diversos técnicos que intervieram com esta família, alguns destes conhecimentos foram adquiridos com muita persistência e instrução, sendo que muitos não foram assimilados.
Por exemplo, a progenitora não falha os dias das consultas médicas, no entanto, tem de ser orientada e instruída para o fazer, sendo pouco pontual nas mesmas. Também tem de ser chamada à atenção pela Escola para levar a bata para lavar. Também no plano alimentar, L… tem alergia a certos alimentos, sendo que os progenitores nem sempre tinham os cuidados adequados e a criança tinha reacções alérgicas frequentemente. Também eram capazes de passar o fim de semana inteiro só a comer iogurtes.   
            E do relatório social de fls. 93 a 95, datado de 26/10/2011, consta (fls. 94/95) que:
   “De acordo com os técnicos da Segurança Social, o casal em causa necessitava de acompanhamento 24 horas por dia, dadas as suas inúmeras limitações, nomeadamente, na realização de tarefas de vida diária (higiene pessoal, alimentação, cuidados de saúde, etc.).
  Passados seis meses os progenitores continuam a não reunir as capacidades mínimas para bem cuidar e proteger estas crianças.
   Apesar dos vários anos de acompanhamento dos diferentes serviços locais, aos pais, a evolução das suas capacidades não tem sido a esperada.”
            Por fim do relatório social de fls. 145-147 e 150-152, datado de 9 de Março de 2012, consta (fls. 147 e 152) que: 
“Desde o envio do último relatório, não se verificou grandes alterações no funcionamento do agregado familiar, nem se evidenciou nenhum tipo de evolução nas competências parentais, continuando ainda a existir lacunas nomeadamente ao nível relacional e comunicacional entre o casal.”   
            Ora, como já foi referido, os factos provados alicerçaram-se na prova documental junta aos autos, nomeadamente os relatórios sociais, os quais foram integralmente confirmados pelas testemunhas inquiridas, como se consignou na motivação da decisão de facto do acórdão recorrido (fls. 191/v.º). 
            Nesta conformidade, o enunciado do ponto 1.9 retrata  suficientemente a linha de continuada inércia dos progenitores em adquirir as competências que lhes foram proporcionadas pela intervenção social ao nível da aprendizagem dos princípios básicos perfeitamente identificados no ponto 1.8.
Assim sendo, não se afigura proceder a interrogação da apelante quanto aos conhecimentos concretos a que se refere o indicado ponto 1.9, bastando articulá-lo com a matéria constante do ponto 1.8.

Do ponto 1.10 consta que os progenitores “revelam incapacidade de realizar tarefas familiares tanto organizacionais como relacionais”.
Ora, para além do acima transcrito nos relatórios sociais, do relatório de fls. 50-54, datado de 27/4/2011, colhe-se que:
“A habitação encontrava-se arrumada, organizada e asseada. O técnico de Serviço Social dos Serviços de Promoção de Acção Social dos ..., que acompanha esta família … refere que a M… a não apresenta lacunas na gestão das tarefas domésticas, sendo que quando realiza as visitas domiciliárias a apresentação da casa está sempre adequada. As maiores dificuldades de MJ prendem-se com a gestão dos recursos económicos, por exemplo na definição de prioridades para os gastos (é capaz de comprar 48 iogurtes duma só vez, depois de ser alertada para o excesso de iogurtes e necessidade dos filhos comerem outros alimentos, como o pão, passou a comprar só esse alimento).
Este agregado subsiste da Pensão de Invalidez de MJ, no valor de € 98,56. de Abono de Família no valor total de € 105,57 e do rendimento Social de Reinserção no valor de € 501,31.
Acresce que os rendimentos do agregado são geridos pelo Técnico de Serviço Social da zona de residência, a pedido de MJ, por um lado devido às suas dificuldades em geri-los, por outro lado, por receio do marido gastar o dinheiro indevidamente. Desta forma, é o técnico quem procede ao pagamento da renda da casa à senhoria e as compras no supermercado. 
            Por outro lado, a relação entre o casal é conflituosa. Os vizinhos ouvem fre-uentemente discussões entre eles. Referem que falam alto e com palavras inadequadas. MJ chegou a confidenciar algumas agressões físicas do marido.
Temos conhecimento também que M…não tem uma relação cordial com a sua família de origem e tem sobrinhos também com Processo de Promoção e Protecção.
            Do relatório de fls. 93 a 95, datado de 26/10/2011, relativamente aos “Dados da História Pessoal e Dinâmica Familiar”, também consta que: a re-lação entre o casal é conflituosa. MJ chegou a confidenciar aos técnicos locais al-gumas das agressões do marido.
            Por fim, do relatório de fls. 145 a 147, datado de 9/3/2012, apesar de constar que o agregado mudou de residência, pagando uma renda mais bai-xa, de € 200,00, que a casa apresenta boas condições de habitabilidade e salubridade e que os progenitores praticam agricultura de subsistência, demonstrando preocupação em reduzir as despesas e de rentabilizar os poucos recursos que dispõem, no respectivo “Parecer Técnico” consigna-se (fls. 147) que:
“Desde o envio do último relatório, não se verificou grandes alterações no funcionamento do agregado familiar, nem se evidenciou nenhum tipo de evolução nas competências parentais, continuando ainda a existir lacunas nomeadamente ao nível relacional e comunicacional entre o casal.
É um agregado que apresenta grandes dificuldades na gestão dos rendimentos, uma vez que a Sr.ª MJ não tem conhecimento do valor do dinheiro e o Sr. MS gasta em excesso com o consumo de tabaco.”

            Também daqui se extrai que o enunciado no ponto 1.10 encontra respaldo em factos instrumentais mais elementares constantes dos mencio-nados relatórios. De resto, as aludidas dificuldades organizacionais estão ainda assim, de certo modo, espelhadas: no ponto 1.11, na parte em que ali se refere à “falta de produtos de primeira necessidade alimentar e de hi-giene”; no ponto 1.12, quando ali se afirma que a pensão de invalidez da progenitora, abono de família e RSI “eram geridos pelo técnico de SS da zona, a pedido da progenitora por ter dificuldades em fazê-lo e por o progenitor o gastar indevidamente”; no ponto 1.13, ao referir que a progenitora não sabe o valor do dinheiro; no ponto 1.14, quando refere que “o progenitor apresenta alterações de comportamento com baixo auto-con-trolo e resistência no cumprimento das regras da vida quotidiana”.
            Salvo o devido respeito, neste contexto probatório reflectido nos próprios relatórios sociais, os quais - repita-se - foram integralmente confirmados pelas testemunhas inquiridas, afigura-se precípuo o alcance objectivo do enunciado no ponto 1.10. 

            Do ponto 1.13 consta que “a progenitora apresenta défice cognitivo, não sabendo o valor do dinheiro”, afirmação esta que não parece suscitar dúvidas de relevo quanto ao respectivo alcance.

            Do ponto 1.14 consta que “o progenitor apresenta alterações no com-portamento com baixo auto-controlo e resistência no cumprimento das re-gras da vida quotidiana”. 
            Do relatório de fls. 145-146, datado de 9 de Março de 2012, consta o seguinte:
“O sr. MS apresenta alterações no comportamento, exibindo um baixo auto-controlo, oferecendo alguma resistência no cumprimento das regras da vida quotidiana (…).
 O Sr. MS teve alta da Casa de Saúde …no dia 18 de Abril de 2011. Após alta ainda estava a cumprir com o processo terapêutico do for psiaquátrico durante a primeira semana, apresentando-se mais calmo. Depois cessou a toma da medicação alegando que se sentia estonteado e com falta de forças nos membros inferiores. A partir da terceira semana, o progenitor iniciou um comportamento mais agressivo para com os Técnicos da comunidade (Escola e Segurança Social).
            Também dos precedentes extractos dos relatórios sociais decorre a relação conflituosa do casal e a referência a eventuais agressões dele à mulher.
            Aliás, o comportamento conflituoso do progenitor encontra-se bem ilustrado na informação constante do documento de fls. 79/80, elaborada pela Directora da Fundação ..., de 20/7/20011, dando conta de uma ocor-rência que teve lugar no decurso de uma visita aos menores, em 15/7/2011, em que aquele progenitor “ameaçou de morte o técnico local da Segurança Social”, utilizando uma “linguagem obscena e hostil”, ameaçando ainda a esposa ali presente, para mais em frente das crianças, que “choravam e repetiam o que o pai dizia”.
            Acresce que o mesmo revela um carácter algo agressivo, como está reflectido no ponto 1.16, quando ali se afirma que ele “por vezes se desloca ao Serviço local da SS e ameaça os técnicos, tendo sido necessária a intervenção da PSP e ainda no ponto 1.39 ao referir que “por vezes o progenitor tem condutas menos adequadas, ameaçando os técnicos e a es-posa”.   
            Assim, tanto aqueles factos instrumentais constantes dos relatórios sociais como também os pontos em referência retratam um padrão de com-portamento, por parte do progenitor condizente com o enunciado no ponto 1.14. E nem vale argumentar que ele assim procede como forma de mani-festar o seu amor aos filhos e o seu protesto contra a medidas de promoção e protecção. Melhor fora que tivesse canalizado as suas energias para, com a ajuda do apoio social, proporcionar ao seu agregado familiar um am-biente de tranquilidade e de melhor gestão dos seus parcos rendimentos, que, dentro das suas condições de vida, garantissem o mínimo conforto e de salubridade aos seus filhos.       
           
Agora, no que respeita à passividade da progenitora, não está aqui em causa propriamente as suas iniciativas no âmbito deste processo, em particular contra a então perspectivada medida de promoção e protecção. Onde a passividade se revela crítica é na inércia dela perante a atitude do progenitor, de modo a que pudesse, de alguma maneira, refrear o tempe-ramento daquele e assegurar melhor ambiente familiar.   

            Quanto à alegada omissão sobre os rendimentos do agregado fami-liar, de facto tais valores não se encontram especificados, como deviam, no factualidade dada como provada.
            Todavia, uma vez que constam do relatório social de fls. 150 a 152, que, como já foi dito fora confirmado integralmente pelas testemunhas in-quiridas, nada obsta a que seja agora considerado tal aditamento a essa factualidade.
            Assim, como extensão da matéria vertida no ponto 1.12, considera-se ainda provado que:
  1.41. Os rendimentos do agregado familiar, em 9 de Março de 2012, provêm da Pensão de Invalidez do progenitor MS, no valor de € 254,00 e da pensão de sobrevivência da progenitora FS, no valor de € 98,56, perfazendo o montante global de € 352,56, mensais, além dos proventos da agricultora de subsistência que ambos praticam, referida em 1.20, suportando, porém, uma renda mensal de € 200,00 com a habilitação, não incluindo as despesas de água e luz.  

            Também do relatório de fls. 49-54 consta (fls. 51) a situação econó-mica do agregado familiar em 27/04/2011, que importa considerar compa-rativamente.
            Assim, considera-se provado e aditado à factualidade relevante que:
   1.42. O agregado familiar em referência subsistia, em 27/04/ 2011, da Pensão de Invalidez de MJ, no valor de € 98,56, do Abono de Família no valor total de € 105,57 e do Rendimento Social de Inserção no valor de € 501,31. 
              
            2.2. Da solução de direito 

            2.2.1. Quanto à suficiência da factualidade dada como provada

O que, neste capítulo, está em causa é saber se a factualidade dada como provada é passível de ser qualificada como situação de perigo para os menores em referência, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.º 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro.
Como bem se refere no acórdão recorrido, o n.º 2 do artigo 3.º da citada LCPCJP contém um tipologia exemplificativa de situações em que se considera a criança ou o jovem em perigo e que podem consistir numa das seguintes:
   a) - estar abandonada ou viver entregue a si própria;
   b) – sofrer maus tratos físicos ou psíquicos ou ser vítima de abusos sexuais;
   c) – não receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
   d) – estar obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
   e) – estar sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
   f) – assumir comportamentos ou se entregar a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
           
            Mais precisamente as situações previstas na alínea c), nas palavras de Tomé d’Almeida Ramião[1], “abrangem a falta de higiene, deficiente alimen-tação, investimento afectivo, falta de cuidados especiais de saúde, entre ou-tros. Muitas vezes por negligência dos pais, seu representante legal ou de quem detenha a sua guarda de facto, por não proporcionarem à criança ou jovem as suas necessidades básicas de amor e segurança, de uma alimen-tação adequada, de cuidados médicos e educação. No entanto, é frequente que tais omissões estejam relacionadas com a incapacidade de facto dessas pessoas, devendo-se a manifesta falta de recursos, devido ao desemprego, à própria pobreza em que se encontram, habitação de má qualidade, falta de capacidade e imaturidade, isolamento em que se encontram, alcoolsimo, toxicodependência, etc.”

            No caso vertente, da factualidade dada como provada resulta, inequi-vocamente, que os progenitores dos três menores têm revelado, desde, pelo menos 2004, incapacidade para prover às necessidades básicas de higiene corporal, de alimentação e conforto habitacional dos seus filhos, faltando, inclusivamente, com produtos de primeira necessidade alimentar e de hi-giene (ponto 1.11), apesar dos rendimentos sociais que lhe são atribuídos (pontos 1.41 e 1.42) e da intervenção social no sentido de os conduzir na aprendizagem de princípios básicos dessas tarefas e de gestão dos recursos económicos disponíveis (ponto 1.8 e 1.9). Com efeito, aqueles progenitores têm mantido muitas dificuldades na aquisição e assimilação desses conhe-cimentos (ponto 1.9) e revelado incapacidade para organizar o seu agrega-do familiar e manter nele um relacionamento propiciador de um ambiente de mínima tranquilidade e conforto que permita o seu desenvolvimento equilibrado, dentro das suas humildes condições de vida, o que determinou até a necessidade urgente de uma medida provisória de institucionalização daqueles menores. Na verdade, quando os menores foram institucionali-zados, apesar de frequentarem a escola e serem assíduos (ponto 1.21), apresentavam evidentes carências de higiene corporal (ponto 1.33) e não sabiam utilizar talheres nem controlar os esfíncteres (ponto 1.34). E, em particular, a menor LS apresentava um atraso no seu desenvolvimento motor que comprometia as demais áreas (ponto 1.23) e falta de higiene corporal (pontos 1.25, 1.26, 1.29, 1.30).
            Acresce que essas carências não se devem propriamente a falta de apoio social, seja ao nível de rendimentos ou de intervenção no plano da aprendizagem junto dos progenitores, mas sim pelas grandes dificuldades destes em gerir os recursos disponíveis e em assimilar as tarefas básicas a ter em conta, mormente no plano da alimentação, higiene e saúde dos seus filhos. Desde logo, revela-se uma notória incapacidade da progenitora para gerir os recursos (pontos 1.12 e 1.13) e para providenciar por uma alimen-tação adequada aos menores (ponto 1.11). Por outro lado, o progenitor re-vela-se gastador (ponto 1.12) e com um temperamento de tendências agressivas e conflituosas, nomeadamente para com os técnicos sociais e pa-ra com a mulher (pontos 1.14, 1.16 e 1.39), contra o que a própria proge-nitora se mostra passiva (ponto 1.40).
            No plano afectivo, embora visível o afecto revelado pelos filhos, durante as visitas à instituição, não se vislumbra qualquer interacção entre eles, “ficando sentados a olhar uns para os outros” (ponto 1.37), o que denota mais uma vez grande dificuldade relacional. De resto essa falta de interacção encontra-se bem espelhada nos documentos de fls. 116 e 126. 
           
            Em contraponto, os menores integraram-se bem na instituição de acolhimento, sem grandes emoções nem sinais de ansiedade causada pela separação dos pais (ponto 1.35), tendo desenvolvido competências ao nível cognitivo e relacional (ponto 1.32).
            Neste quadro, afigura-se grande o risco de retrocesso nessa evolução positiva, caso os menores regressassem ao lar paterno, não se divisando nenhumas garantias objectivas de que os progenitores tenham condições pessoais de lhes assegurar um ambiente de vida familiar minimamente ade-quado a um desenvolvimento equilibrado e harmonioso tanto físico-psico-lógico como educacional. 

2.2.2. Quanto à adequação da medida decretada

Na determinação da medida a aplicar o tribunal a quo, além do mais, convocou o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, e 34.º, n.º 1, da LPCJP, bem como o disposto nos artigos 38.º-A e 62.º-A do mesmo diploma e ainda o preceituado no artigo 1978.º, n.º 1, alínea d), do CC, enquadramento normativo esse que não nos merece qualquer censura, face à factualidade em presença, e que portanto aqui se sufraga inteiramente. 

Não obstante isso, sempre se dirá que não se ignora que o artigo 36º, nº 5 e 6, da Constituição privilegia a família biológica como célula funda-mental para o processo de socialização das crianças, pois é aí que se podem desenvolver as relações de afecto mais genuínas e os quadros de referência mais personalizantes, forjados no histórico de cada família e no esteio dos papéis sociais desempenhados pelos respectivos progenitores. Também é certo que não é a situação sócio-económica desfavorecida que há-de impe-dir o direito dos pais de manterem e educarem os seus filhos, em confor-midade com as suas posses e condição social. Seria, aliás, uma grave vio-lação do princípio da igualdade e da cidadania, proclamados nos artigos 12.º, n.º 1, e 13.º da nossa Lei Fundamental, se assim não fosse. E para que cada cidadão possa cumprir com estas tarefas, o Estado tem por incum-bência proporcionar, na medida do possível, meios e mecanismos para obviar às desigualdades existentes, mormente através de apoio social, sani-tário e de ensino.
Mas, importa nunca perder de vista o superior interesse da criança na satisfação das suas necessidades elementares, numa perspectiva de bem-es-tar e de um crescimento e desenvolvimento harmonioso e integral, nos pla-nos cognitivo, afectivo ou volitivo. Também assim se cumpre o princípio da igualdade substancial no acesso ao estatuto de um cidadão de pleno direito.
Esse interesse da criança implica pois a assunção consciente e séria das responsabilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comporta-mentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural.
No caso presente, não cabe censurar os pais dos menores pela sua situa-ção de penúria. Mas o que os autos evidenciam à saciedade é que o pai dos menores não revela um padrão mínimo de diligência para proporcionar aos seus filhos um ambiente familiar salutar e adequado. Por sua vez, a proge-nitora não dispõe das capacidades mínimas para exercer as responsa-bilidades parentais mais elementares. Não bastam, para tanto, meras decla-rações de intenção; importa pois que esta intenção se concretize e objective numa vontade firme que evidencie o esforço exigível na construção dos projectos de vida dos menores. Antes de reclamar os apoios sociais devi-dos, haveria assim que comprovar a determinação e capacidade dos progenitores na assunção dessas responsabilidades parentais, muito embora dentro do quadro de vida de que dispõe.
Ora, sucede que nem os progenitores têm conseguido qualquer pro-gresso relevante, nesse sentido, com o próprio apoio social de que têm beneficiado.
Além disso, as dificuldades ao nível relacional, dentro do próprio agregado familiar, não permitem supor que se viesse sequer a estabelecer uma relação de afecto e de confiança tão necessária à estruturação e desenvolvimento da personalidade dos menores. De resto, a falta de interacção dos progenitores com os menores, nas visitas à instituição, seja por desinteresse, seja por manifesta incapacidade, denota a ausência de qualquer preocupação com o acompanhamento do processo educativo que eles vêm fazendo na instituição onde se encontram acolhidos.
Acresce que os relatórios sociais produzidos apontam claramente no sentido de uma personalidade deficitária da progenitora e instável do progenitor, e que têm persistido, já que nem, dentro das suas limitações económicas, conseguem sequer organizar, de forma salutar o seu modo de vida.
Por outro lado, não se vislumbram condições no sentido de qualquer solução no âmbito da família alargada, que assegurem a assunção das responsabilidades pelo sustento e educação dos menores, o que nem a própria apelante aqui suscita, sendo que dos relatórios sociais transparece que nem ela mantém relações cordiais com a família de origem.
Estamos pois perante um quadro familiar desfuncionalizado, deficientemente estruturado, que não oferece as garantias mínimas de proporcionar aos menores um ambiente familiar sadio e afectivo, que lhes permita uma boa estruturação da personalidade e dar seguimento ao bom desenvolvimento já conseguido ao longo da sua institucionalização, com vista a prepará-los para a vida.
Nessas circunstâncias, a via da adopção, não deixando de ser uma solução radical, na medida em que corta o vínculo com a família natural, sendo que nem esta permite assegurar a consistência desse vínculo, o certo é que é a solução que, neste caso, oferece mais garantias de realização de um projecto de vida seguro para os menores, com a sua integração num ambiente familiar que lhes dê possibilidades de construção sustentada do futuro. É um elementar direito que lhes assiste e que resulta da melhor interpretação dos normativos legais em que a decisão recorrida se amparou, que por isso aqui se acolhe na íntegra.
Por outro lado, as medidas alternativas propostas pela recorrente, ainda que teoricamente recomendáveis, não se mostram viáveis face à personalidade instável do progenitor e à incapacidade revelada pela progenitora, que nem tão pouco conseguem a equilibrada organização do seu próprio modo de vida.  
Em suma, prova-se que os progenitores não dispõem das compe-tências necessárias para garantir aos menores as condições de vida mi-nimamente adequadas, muito embora revelem algum sentimento de per-tença e quiçá afecto pelos filhos. Nem se vislumbra também que tenham capacidade para inverter essa situação, em particular dado o carácter do progenitor e as limitações da progenitora.
Nestas circunstâncias, estamos convictos de que se os menores re-gressassem àquela agregado familiar correriam sério risco de voltar à situação anterior, perdendo-se todo o investimento de melhoria alcançado durante a institucionalização. Nem se vê que tal défice pudesse ser superado com medidas de apoio social.
Sem necessidade de mais considerações sufraga-se, pois, inteiramente o que, a este propósito, se considerou na decisão recorrida, não se divisando que tenham sido violadas as disposições legais invocadas pela recorrente. 
  
    IV - Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o acórdão recorrido.    
Sem custas.

Lisboa, 2 de Outubro de 2012

Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado  
Rosa Maria Ribeiro Coelho
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[1] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, Quid Juris, 2010, pag. 30.